Curso de Direito EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA EM DETRIMENTO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA PROVISIONAL EXECUTION FEATHER IN DETRIMENT THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF PRESUMPTION OF INNOCENCE Sabryna de Souza Freitas 1 , Caroline Daher 2 1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste – Unidesc. 2 Professora Orientadora do Curso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste. Especialista em Ciências Penais. Mestranda em Direito e Negócios Internacionais. RESUMO Ao julgar o HC 126292/SP em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal proferiu uma decisão histórica, embora bastante polêmica para o ordenamento jurídico: trouxe de volta ao processo penal à figura da execução provisória da pena em decorrência da confirmação da condenação em segunda instância. Para muitos, a mudança de entendimento viola garantias asseguradas pela Constituição Federal, o artigo 283 do Código de Processo Penal e causa insegurança jurídica ao reformar posicionamento recente do próprio STF, que já havia descartado tal possibilidade. A discussão em torno do tema se dá principalmente devido ao princípio constitucional da presunção de inocência, que garante que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, bem como, pela vedação ao retrocesso ou efeito cliquet dos direitos fundamentais, o que ocorre com o novo posicionamento da Suprema Corte. Outro ponto importante a ser analisado, é identificar em quais hipóteses a pena poderá ser cumprida a titulo antecipado. Os defensores da medida justificam que as afrontas alegadas não ocorrem, vez que os recursos cabíveis contra decisão de segundo grau não discutem matéria de fato, mas apenas de direito, servindo ainda para garantir a efetividade do processo e reduzir a sensação de impunidade gerada por condenados que muitas vezes permanecem livres graças a recursos meramente protelatórios. O objetivo geral deste trabalho é analisar a (in) compatibilidade da execução penal provisória com o princípio constitucional da presunção de inocência e as demais legislações vigentes, sendo elaborado pautando-se em pesquisa bibliográfica e de método dedutivo. Palavras-Chave: Execução Provisória da Pena; Presunção de Inocência; Presunção de Não Culpabilidade; Execução Penal Provisória. ABSTRACT Judging HC 126292 / SP on February 17, 2016, the Supreme Court issued a landmark decision, although quite controversial for the law: brought back to the criminal proceedings pertain to the provisional execution of the sentence as a result of confirmation of conviction in the second instance. For many, the change of understanding violates guarantees provided by the Federal Constitution, Article 283 of the Criminal Procedure Code and cause legal uncertainty to reform recent positioning of the Supreme Court itself, which had already ruled out such a possibility. The discussion around the topic is mainly due to the constitutional principle of presumption of innocence, which guarantees that no one shall be guilty before the final and unappealable criminal sentence, as well as the seal to reverse or effect cliquet of fundamental rights, what happens with the new positioning of the Supreme Court. Another important issue to be addressed is to identify in which cases the penalty may be fulfilled anticipated title. The measure proponents justify the alleged affronts do not occur, since the applicable appeals against second-degree decision does not discuss matters of fact, but only in law and serves to ensure the effectiveness of the process and reduce the feeling of impunity generated by convicts who often remain free thanks merely dilatory resources. The aim of this study is to analyze the (in) compatibility of the provisional criminal enforcement with the constitutional principle of presumption of innocence and other current legislation, being prepared basing on literature and deductive method. Keywords: Implementation Provisional Pena; Presumption of Innocence; Presumption of Guilt No; Provisional Penal Execution. Contato: [email protected]
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Curso de Direito - unidesc.edu.br · que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. (MORAES e MENDONÇA, 2016) No entanto,
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Curso de Direito
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA EM DETRIMENTO DO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
PROVISIONAL EXECUTION FEATHER IN DETRIMENT THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLE OF PRESUMPTION OF INNOCENCE
Sabryna de Souza Freitas 1, Caroline Daher2
1 Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste – Unidesc. 2 Professora Orientadora do Curso de Direito do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste. Especialista em Ciências Penais. Mestranda em Direito e Negócios Internacionais.
RESUMO
Ao julgar o HC 126292/SP em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal proferiu uma decisão histórica, embora bastante polêmica para o ordenamento jurídico: trouxe de volta ao processo penal à figura da execução provisória da pena em decorrência da confirmação da condenação em segunda instância. Para muitos, a mudança de entendimento viola garantias asseguradas pela Constituição Federal, o artigo 283 do Código de Processo Penal e causa insegurança jurídica ao reformar posicionamento recente do próprio STF, que já havia descartado tal possibilidade. A discussão em torno do tema se dá principalmente devido ao princípio constitucional da presunção de inocência, que garante que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, bem como, pela vedação ao retrocesso ou efeito cliquet dos direitos fundamentais, o que ocorre com o novo posicionamento da Suprema Corte. Outro ponto importante a ser analisado, é identificar em quais hipóteses a pena poderá ser cumprida a titulo antecipado. Os defensores da medida justificam que as afrontas alegadas não ocorrem, vez que os recursos cabíveis contra decisão de segundo grau não discutem matéria de fato, mas apenas de direito, servindo ainda para garantir a efetividade do processo e reduzir a sensação de impunidade gerada por condenados que muitas vezes permanecem livres graças a recursos meramente protelatórios. O objetivo geral deste trabalho é analisar a (in) compatibilidade da execução penal provisória com o princípio constitucional da presunção de inocência e as demais legislações vigentes, sendo elaborado pautando-se em pesquisa bibliográfica e de método dedutivo. Palavras-Chave: Execução Provisória da Pena; Presunção de Inocência; Presunção de Não Culpabilidade; Execução Penal Provisória. ABSTRACT Judging HC 126292 / SP on February 17, 2016, the Supreme Court issued a landmark decision, although quite controversial for the law: brought back to the criminal proceedings pertain to the provisional execution of the sentence as a result of confirmation of conviction in the second instance. For many, the change of understanding violates guarantees provided by the Federal Constitution, Article 283 of the Criminal Procedure Code and cause legal uncertainty to reform recent positioning of the Supreme Court itself, which had already ruled out such a possibility. The discussion around the topic is mainly due to the constitutional principle of presumption of innocence, which guarantees that no one shall be guilty before the final and unappealable criminal sentence, as well as the seal to reverse or effect cliquet of fundamental rights, what happens with the new positioning of the Supreme Court. Another important issue to be addressed is to identify in which cases the penalty may be fulfilled anticipated title. The measure proponents justify the alleged affronts do not occur, since the applicable appeals against second-degree decision does not discuss matters of fact, but only in law and serves to ensure the effectiveness of the process and reduce the feeling of impunity generated by convicts who often remain free thanks merely dilatory resources. The aim of this study is to analyze the (in) compatibility of the provisional criminal enforcement with the constitutional principle of presumption of innocence and other current legislation, being prepared basing on literature and deductive method. Keywords: Implementation Provisional Pena; Presumption of Innocence; Presumption of Guilt No; Provisional Penal Execution.
Com o ressurgimento da execução provisória da pena no processo penal após do
julgamento do HC 126292/SP pelo Supremo Tribunal Federal, as polêmicas discussões
sobre sua constitucionalidade, divergência com outros dispositivos legais e hipóteses de
aplicabilidade, ganham um notório espaço no mundo jurídico.
Tal fato ocorre por se tratar da possibilidade do réu dar início antecipadamente ao
cumprimento da pena, ainda que pendente a análise de recurso especial ou extraordinário
nos tribunais superiores, bastando apenas à confirmação da condenação em sede de 2º
grau, o que viola, para muitos, várias garantias constitucionais, dentre elas, considerada a
mais atingida, o princípio da presunção de inocência. (BRASILEIRO, 2016)
Não se desconhece que a punição ao autor de condutas delituosas é necessária e
que o fato desta punição hoje se dar através do Estado representa uma evolução em
relação às formas de vingança privada. Sabe-se, porém, que o processo é um
instrumento necessário para se chegue à pena ou a não-pena, sendo, contudo,
indispensável que as regras do devido processo legal sejam respeitadas para tanto.
(JUNIOR, 2016)
A punição deverá ocorrer, respeitando, porém, as regras democraticamente
estabelecidas para legitimá-la, ao contrário do que ocorreu no caso discutido. (ROSA,
2015; JUNIOR, 2016)
É perfeitamente possível que se decrete a prisão do agente antes da sentença
transitar em julgado, mas existem meios próprios para isso, como as medidas cautelares
pessoais e sua principiologia. Caso contrário, não demonstrada a ‘necessidade’ da prisão
(periculum libertatis), a regra é que o sujeito fique livre até que a culpa seja confirmada
(JUNIOR, 2016).
Ademais, cumpre destacar que a análise da mencionada decisão e de suas
consequências é de suma relevância para o âmbito processual penal, vez que levantou o
questionamento não somente quanto ao princípio da presunção de inocência, embora
seja o mais questionado, bem como de outros princípios e eventuais aplicações
analógicas da preclusão fática utilizada em malefício do réu.
Nessa linha, o problema de pesquisa consiste na seguinte indagação: A execução
provisória da pena é compatível com as garantias constitucionais e as legislações
vigentes?
Tal abordagem se justifica do ponto de vista jurídico e social, pois implica em uma
análise do alcance de direitos e garantias fundamentais, bem como, a forma com que são
tratados pela Suprema Corte, atingindo diretamente o sistema judiciário criminal e
consequentemente a população.
Diante de tal relevância, o objetivo geral do trabalho é, a partir de uma revisão
histórica da execução penal provisória no país, avaliar sua (in) compatibilidade com a
Constituição Federal, Tratados de Direito Internacional e Legislações vigentes, bem com,
as hipóteses em que sua aplicação é possível.
Essa investigação se pauta pela pesquisa bibliográfica, que, segundo LAKATOS
(2010), é aquela em que se elabora um plano de trabalho para que seja realizado um
projeto com introdução, desenvolvimento e conclusão, com base em fontes secundárias
como livros, artigos e sites confiáveis e de método dedutivo, no qual parte-se de uma
premissa que, quando explicitada, embasa a conclusão.
Para melhor desenvolver o conteúdo, o tópico “1” tratou do princípio mais atingido
pela decisão em questão, qual seja, o da Presunção de Inocência e/ou Não Culpabilidade
trazendo em seus sub-tópicos: o conceito, a (não) diferença entre ambas as
terminologias, a análise do que é “ser considerado culpado” e até quando tal proibição se
estende. Na sequência, o tópico “2” trata da Execução Provisória da Pena, abordando em
seus sub-tópicos o conceito, a análise da evolução histórica de sua aplicação no Brasil, o
efeito cliquet dos direitos fundamentais, a (in) eficácia do artigo 283 do Código de
Processo Penal e a desconstrução dos argumentos favoráveis a execução penal
provisória. Partindo de tais estruturas, o tópico “3” importa em analisar quais são as
hipóteses em que a pena poderá ser executada provisoriamente à luz da decisão
proferida no HC 126.292/SP. E por último, no tópico “4” são mencionadas as maneiras
utilizadas para se evitar o encarceramento nesses casos.
1. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E/OU DE NÃO CULPABILIDADE
1.1. Conceito
O princípio da presunção de inocência (ou não culpabilidade) consiste no direito do
réu de não ser considerado culpado, senão ao término do devido processo legal, em que
o acusado tenha feito uso do seu direito ao contraditório e a ampla defesa, utilizando-se,
para tanto, de todos os meios de provas pertinentes para se defender, bem como, para
destruir a credibilidade das provas apresentadas pela acusação. (BRASILEIRO, 2016)
Sua origem mais significativa pode ser referida à Revolução Francesa e à queda do
Absolutismo, sob a rubrica da presunção de inocência como proteção ao réu às
arbitrariedades do Estado. (OLIVEIRA, 2009, p-431)
Nesse sentido, a oportuna explicação de Paulo Rangel (2014, p-24) que menciona
que nessa época surgiu a necessidade de se insurgir contra o processo penal inquisitório,
em que o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia, necessitando, a partir de
então, de proteção contra o arbítrio do Estado, que desejava a qualquer preço a sua
condenação.
Apresenta-se sob uma base tridimensional (NICOLITT, 2016):
1) Trata-se de uma regra de julgamento. A partir dele, é distribuído o ônus da prova
no processo penal, cabendo-o em sua integralidade a acusação, ou seja, quem acusa
deve provar e afastar a presunção de inocência, sendo que em caso dúvida, deve-se
absolver o réu (in dubio pro reo). (NICOLITT, 2016)
Em outras palavras, no momento de avaliação das provas, estas serão valoradas em
favor do acusado caso exista dúvida. (CAPEZ, 2010, p-81)
Parte-se da premissa de que as pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu
estado natural, de modo que para afastar tal regra faz-se indispensável que o Estado-
acusador evidencie, com provas suficientes, ao Estado-juiz a culpa do réu. (NUCCI, 2008,
p-81)
2) É uma regra de tratamento. Com base nesse princípio, o réu deve ser
considerado inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja,
antes disso, não pode ser tratado como culpado. (NICOLITT, 2016)
Por óbvio que não significa uma inocência presumida de forma absoluta, mas até
que prove o contrário, de modo que tal prova vem justamente com a ocorrência do
trânsito em julgado, impedindo até lá que o indivíduo sofra tratamento como culpado ou
restrições a direitos que pessoas inocentes não poderiam sofrer por parte do Estado.
Justamente por tal motivo é que o STJ editou a súmula 444, que dispõe que “É vedado a
utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
(MACHADO, JUNQUEIRA E FULLER, 2011, p-22)
Todavia, não têm caráter absoluto, admitindo-se, por exceção constitucional, a
prisão provisória antes da condenação definitiva, desde que em caráter cautelar e
estando preenchidos os requisitos legais para tanto. (REIS E GONÇALVES, 2013, p-77)
3) Garantia de legalidade. Ninguém será considerado culpado sem que sua culpa
seja provada legalmente (NICOLITT, 2016), servindo também para a prisão, que só pode
ocorrer mediante ordem escrita e fundamentada da autoridade competente, salvo em
flagrante delito (RANGEL, 2014, p-25).
O referido princípio reforça ainda outro princípio penal, qual seja: o da intervenção
mínima do Estado na vida do indivíduo, uma vez que a reprovação penal somente
alcançará aquele que for efetivamente culpado. (NUCCI, 2008, p-82)
1.2. Princípio da presunção de inocência e/ou de não culpabilidade – Há mesmo
diferença?
Como se infere do artigo 5º, LVII da Constituição Federal de 1988, o princípio da
presunção de inocência, também conhecido por princípio da presunção de não
culpabilidade, foi expressamente consagrado em nosso ordenamento jurídico, indicando
que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. (MORAES e MENDONÇA, 2016)
No entanto, parte dos doutrinadores, dentre eles o professor Rogério Sanches
(2016), entendem que nossa Carta Magna, ao contrário de outros documentos
internacionais, não presume, expressamente, o cidadão como inocente, mas traz a
proibição de que ele seja considerado culpado até a decisão condenatória definitiva.
Expõe, partindo desse pressuposto, que a garantia prevista na norma constitucional
é a da presunção de não culpa (ou de não culpabilidade), entendendo ter uma diferença
sensível da presunção de inocência. Considera que uma situação é a de presumir alguém
inocente; outra, sensivelmente distinta, é a de impedir a incidência dos efeitos da
condenação ou ser tratado como culpado antes o trânsito em julgado da sentença, que é
justamente o que, em seu entendimento, a Constituição brasileira garante a todos.
(SANCHES, 2015, p-96)
O professor Gabriel Habib (2016) menciona que a diferença entre ambas as
expressões, está no sentido de que ao se considerar um indivíduo “inocente” não se pode
admitir em momento algum qualquer restrição a um direito seu. Todavia, se a presunção é
de não culpa, o sujeito não é considerado culpado, tampouco inocente, entende-se que a
questão está sob a análise do poder judiciário, possibilitando, portanto, a restrição de
alguns direitos a medida que se mostra necessário.
Essa distinção de terminologia, em que ora se diz presunção de inocência, ora
presunção de não culpabilidade, se dá pelo fato do texto constitucional falar em “não
considerar o réu culpado”, enquanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
tratado internacional cujo o Brasil é signatário, em seu art. 8º, §2º, fala em “presumir a sua
inocência”. Todavia, por não haver tamanha distinção entre os dois termos, a maior parte
da doutrina prefere tratá-los como sinônimos. (BRASILEIRO, 2016)
Há ainda quem entenda que, hodiernamente, não é necessário que o princípio da
presunção de inocência esteja positivado, devendo ser ele um pressuposto a ser seguido,
a essa altura do momento histórico, civilizatório, constitucional e democrático em que se
encontra a condição humana, sendo um equívoco dizer que não foi recepcionado pela
Carta Magna. (JUNIOR, 2016)
Por fim, no tocante a decisão, cumpre salientar que embora também mencione que o
princípio adotado é o da não culpabilidade, no voto do Ministro Relator, Teori Zavascki, ele
diz claramente que houve uma relativização do princípio da presunção de inocência,
dentre outros motivos, por considerar a idéia de preclusão fática, ou seja, apenas o duplo
grau de jurisdição.
[...] Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. [...] (Passagem do voto do Relator no HC 126.292/SP, julgado em 17/02/2016)
1.3. O que é ser considerado “culpado”?
Independentemente da nomenclatura adotada referente ao princípio, seja presunção
de inocência ou de não culpabilidade, e partindo agora do item 2, da definição
tridimensional elencada no tópico anterior, que o dispõe ser uma regra de tratamento, é
necessário buscar algumas conclusões.
Primeiramente, o que é “ser considerado culpado”?
Embora tenha trazido a proibição de se considerar o réu culpado antes do trânsito
em julgado de sentença penal condenatória, o constituinte não elencou em seu bojo a
definição do que é “ser considerado culpado”. (NICOLITT, 2016)
Por conseguinte, também o Ministro Relator do HC ora discutido, cita o que diz
Gilmar Mendes nesse sentido, para se valer dessa falta de definição para justificar o seu
voto, dizendo que:
[...] Para, além disso, a garantia impede, de uma forma geral, o tratamento do réu como culpado até o trânsito em julgado da sentença. No entanto, a definição do que vem a se tratar como culpado depende de intermediação do legislador. Ou seja, a norma afirma que ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da condenação, mas está longe de precisar o que vem a se considerar alguém culpado. [...]
Todavia, em uma visão geral, pode-se dizer que não há nada que traduza mais a
idéia de se considerar alguém culpado como o fato de submetê-lo a um imediato
cumprimento da pena.
Após o início do cumprimento de pena, ainda que o sujeito detenha realmente a
culpa, não há nada mais que possa vir a acontecer após o trânsito em julgado que melhor
traduza o tratamento de “culpado” como o que já ocorreu. Ou pior: e se ele for
inocentado? Como restabelecer esta questão, já que a pena ou parte dela já foi
cumprida? Jamais seria possível restaurar o tempo de vida indevidamente encarcerado
desse sujeito. (NICOLITT, 2016)
1.3.1. Até quando tal proibição se estende?
É para responder esta pergunta que a divergência das redações entre a Constituição
Federal e o Pacto de São José da Costa Rica (CADH) fará diferença, tendo em vista que
estabelecem no Brasil dois sistemas capazes de afastar a presunção de inocência ou não
culpabilidade: o do duplo grau de jurisdição e o do trânsito em julgado. (GOMES, 2016)
A Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 8º, §2º, traz a seguinte
redação: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Importante notar que além de mencionar expressamente o termo “inocência”, como
já falado, o Pacto garante esse tratamento ao acusado “enquanto não se comprove
legalmente a sua culpa”. (JUNIOR, 2016)
E o que quer dizer a expressão “comprovar legalmente a sua culpa”?
Segundo uma interpretação sistemática dos doutrinadores, pela previsão
convencional, essa garantia não exige o trânsito em julgado, mas se estende até o
exercício do duplo grau de jurisdição, dado que é esta mesma convenção que em seu
artigo 8.2.h que assegura esse direito, qual seja, de recorrer a um tribunal superior, no
intuito de obter o reexame integral da matéria de fato e de direito, estando após isso,
encerrada a presunção de inocência do réu por essa redação. (BRASILEIRO, 2016)
Já o artigo 5º, LVII da Constituição Federal de 1988, dispõe que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, exigindo
expressamente, portanto, o trânsito em julgado como limite temporal da aplicação desse
tratamento ao réu. (JUNIOR, 2016)
A forma com que foi elencado na Constituição Brasileira torna necessário que o
princípio seja considerado durante todas as fases do processo penal, abrangendo tanto a
fase investigatória (pré-processual) quanto a fase processual (propriamente dita),
encerrando-se com o trânsito em julgado da condenação. (OLIVEIRA, 2009, p.431)
Dada a divergência entre o limite temporal de duplo grau de jurisdição e o de trânsito
em julgado, segundo dispõe a própria CADH em seu artigo 29, “c”, deve prevalecer a
previsão constitucional por tratar de direito mais amplo, pois as disposições convencionais
não podem ser interpretadas no sentido de limitar ou excluir direito mais benéfico previsto
nas normas internas.
Tal disposição constitui o princípio pro homine que, em um conflito de normas frente
a um direito, visa assegurar a aplicação daquela que mais o amplia, ou em outras
palavras, que menos o limita, como é o presente caso, devendo sobressair, portanto, a
extensão do direito do réu em não ser considerado culpado, até o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória. (GOMES, 2007)
2. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
2.1. Conceito
Diz-se que a pena é executada provisoriamente, quando o réu é submetido ao
imediato cumprimento da pena estabelecida em sentença, ainda que não demonstrada
sua necessidade, após se esgotarem os recursos ordinários, como consequência apenas
desse fato, existindo ainda, porém, recurso especial ou extraordinário pendente de
julgamento, não tendo havido o transito em julgado (MENDONÇA e MORAES, 2016).
Uma condenação penal apenas pode ser considerada definitiva após o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória, onde passa a ser irrecorrível (indiscutível).
2.2. Evolução histórica da execução provisória da pena
A figura da execução provisória da pena não é inédita no Brasil, bem como o
posicionamento do STF quanto a sua aplicação nem sempre foi favorável, motivo pelo
qual se faz necessário analisar as raízes dessa decisão a partir de uma reflexão histórica,
para então avaliar suas consequências e aplicabilidades.
Por muito tempo e desde a Constituição de 1988, prevalecia o entendimento de que
após a condenação em tribunal de segundo grau, a pena já poderia ser executada a título
provisório, haja vista que os recursos extraordinários, em regra, não possuem efeito
suspensivo, sendo executáveis as determinações da sentença, por força do artigo 637 do
Código de Processo Penal. (BRASILEIRO, 2016)
Nessa fase inicial da Constituição, na década de 90, também para o Supremo
Tribunal Federal, em especial no HC 68.726 de 1991, a execução provisória da pena não
violava o princípio da presunção de inocência. (NICOLITT, 2016)
Para o professor NICOLITT (2016), o panorama da época era de uma Constituição
ainda na infância, uma legislação ainda muito enfurecida e inspirada na cultura ditatorial e
nas inspirações fascistas que o código trazia.
Eram vigentes ainda no Código de Processo Penal os artigos 393 – que estabelecia
como efeitos da sentença condenatória recorrível o recolhimento do réu em cárcere nos
crimes inafiançáveis e nos afiançáveis enquanto não prestada à fiança e a inscrição do
seu nome no rol dos culpados; e o 594 – que também permitia a execução provisória da
pena e excepcionava a possibilidade de se aguardar o recurso em liberdade apenas para
alguns casos (MENDONÇA E MORAES, 2016).
Esse entendimento, porém, foi pacificamente superado pela Suprema Corte em
2009, por um total de 7x4 dos votos, na decisão do HC 84.078/MG com o seguinte teor:
EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA
“EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoado pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos “crimes hediondos” exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. (...) A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida. (HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048)
A partir desse julgamento, com voto, inclusive, do Ministro Gilmar Mendes,
entendeu-se que a execução provisória da pena se tratava de uma afronta ao princípio da
presunção de inocência e, desde então, se fortaleceu o conceito desse princípio.
(NICOLITT, 2016)
Firmou-se, então, por parte do Supremo Tribunal Federal, o entendimento que
afastava a figura da execução provisória da pena, ou seja, naquele momento,
desaparecia do ordenamento jurídico a prisão decorrente de sentença recorrível, em
consequência meramente de um ato processual (MENDONÇA E MORAES, 2016).
Importante salientar que tal julgado ressalvou a possibilidade da prisão preventiva,
quando demonstrada sua real necessidade, nas hipóteses do Código de Processo Penal.
(LENZA, 2012, p-1021)
Tanto o artigo 393 quanto o 594 do código supracitado, foram revogados, dentre
outros motivos, por ofenderem o princípio da presunção de inocência, constitucionalmente
consagrado (MENDONÇA E MORAES, 2016).
De igual modo, a prisão que decorria meramente de decisão de pronúncia,
anteriormente permitida, também restou completamente abolida do ordenamento jurídico,
vez que não havia justificação. (OLIVEIRA, 2009, p-429)
Para o professor NICOLITT (2016), houve, nessa época, uma experiência
constitucional democrática mais avançada, mais tendente à tutela da liberdade e do
indivíduo, efetivando as garantias elencadas na Constituição.
Todavia, em 17 de fevereiro de 2016, o STF surpreendeu a comunidade jurídica
quando entendeu por bem, derrubar, por maioria de votos, o precedente anteriormente
citado, com o julgamento do HC 126.292/SP (MENDONÇA E MORAES, 2016).
Ao proferir seu voto, o Ministro relator Teori Zavascki, mencionou o seguinte:
“(...) No caso específico do paciente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao negar provimento ao recurso de apelação, determinou a imediata execução provisória da condenação, com a ordem: “Expeça-se mandado de prisão contra o acusado Márcio”. Não se tratando de prisão cautelar, mas de execução provisória da pena, a decisão está em claro confronto com o entendimento deste Supremo Tribunal, consagrado no julgamento do HC 84.078/MG (Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010), segundo o qual a prisão decorrente de condenação pressupõe o trânsito em julgado da sentença. (...) A presunção de inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado. (...) A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias. (...) Essas são razões suficientes para justificar a proposta de orientação, que ora apresento, restaurando o tradicional entendimento desta Suprema Corte, no seguinte sentido: a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.” (Passagem do voto do Relator no HC 126.292/SP, julgado em 17/02/2016) (grifo nosso)
Importa lembrar que essa decisão, apesar das críticas, implica em algumas
considerações quanto ao entendimento do STF: 1) A presunção de inocência ou não
culpabilidade não obsta a execução penal provisória enquanto estiver tramitando a
apelação, vez que esta possui efeito suspensivo; 2) Após o julgamento da apelação, é
possível a expedição do mandado de prisão para fins de execução antecipada da pena,
visto que os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo; 3) “A
execução provisória do acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda
que pendente o julgamento de recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio da presunção de inocência”. (MENDONÇA E MORAES, 2016)
Por outro lado, anteriormente, tinha-se uma amplitude para a adoção e o uso do
Habeas Corpus (HC) como remédio à restrição de liberdade individual abusiva. Nos
últimos anos, porém, desenvolveu-se certa restrição ao uso do HC pelas cortes
superiores que, aos poucos, vem restringindo seu uso, principalmente como substitutivo
de recursos, sucedendo este panorama, exatamente quando há uma nova virada
jurisprudencial, em outras palavras, um retrocesso, para admitir a presunção de inocência.
(NICOLITT, 2016)
2.3. E a proibição ao retrocesso (efeito cliquet) dos direitos fundamentais?
Conforme explica o mestre e doutor Dirley da Cunha Junior (2015), a terminologia
“cliquet” é uma expressão de origem francesa, utilizada pelos alpinistas para significar um
movimento que, em um dado momento, só se faz possível a subida no percurso, não lhes
sendo permitido retroceder.
No mesmo pensamento, quanto ao estabelecimento dos direitos fundamentais,
consagrou-se o princípio da vedação ao retrocesso, também chamado pela doutrina
francesa de “effet cliquet”, que quer dizer que uma vez garantido um direito, ele não pode
ser diminuído ou esvaziado. (LENZA, 2012, p-1089)
Segundo o grande constitucionalista Pedro Lenza (2012), nem mesmo a lei poderá
retroceder, como, em igual medida, o poder de reforma, já que a emenda à Constituição
deve resguardar os direitos sociais já consagrados.
No caso em questão, como visto em seu próprio voto supracitado, o Ministro Teori
Zavascki expõe que a decisão proferida no HC 126.292/MG, tem o intuito de restaurar
posicionamento anterior da Corte, no qual reduzia o alcance do princípio da presunção de
inocência para somente até o exercício do duplo grau de jurisdição – entendimento já
superado pelo próprio STF e aderido também pelo Código de Processo Penal, que se
adequaram ao limite temporal trazido pela Constituição, qual seja, o trânsito em julgado –
enfraquecendo assim um direito fundamental.
Lenza (2012) cita ainda em sua obra, o pensamento de Canotilho (1993), dizendo
que “o princípio da democracia social aponta para a proibição de retrocesso, de modo que
os direitos sociais uma vez alcançados tornam-se uma garantia institucional e um direito
subjetivo, sendo um poderoso mecanismo de limitação a liberdade do legislador”.
Se nem mesmo através de leis ou emendas constitucionais um direito fundamental
pode ser modificado, não se faz razoável que seja reduzida sua extensão através de
decisão judicial, ainda que da Suprema Corte.
Tal proibição encontra-se consagrada na Constituição Federal de 88, com o advento
das chamadas “cláusulas pétreas”, que vedam até mesmo que a Lei Maior suprima os
direitos fundamentais, sendo permitido apenas que sejam ampliados, o que claramente
vai de encontro a discutida decisão.
2.4. (In) Eficácia do artigo 283 do Código de Processo Penal
Como bem observado pelos doutrinadores Auri Lopes Junior e Gustavo Henrique
Bardaró (2016), em parecer sobre a discutida decisão, houve grave omissão no acórdão
proferido, quando não foi mencionado sobre a (in) constitucionalidade do art. 283 do
Código de Processo Penal.
O mencionado artigo, com redação atribuída pela Lei nº 12.043 de 2011, assegura
que:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (grifo nosso)
Tal dispositivo fez com que desaparecesse do ordenamento jurídico a prisão como
efeito de sentença condenatória recorrível. Em suma: conforme dito por Tourinho Filho,
enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. E em sendo este
inocente, sua prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória só é
admitida a título de cautela. (RANGEL, 2014, p-24)
O professor Afrânio Silva Jardim (2002, p-267), faz uma precisa e pontual análise da
modalidade de prisão ora discutida, relembrando, que nada tem de natureza “cautelar”,
tratando-se na verdade, de verdadeira tutela satisfativa, ou seja, o que se obtém, é o
próprio acolhimento da pretensão punitiva, a própria medida jurisdicional postulada pelo
autor da ação, ainda que sujeita a eventual modificação.
Isso porque se percebe a ausência de todos os elementos que caracterizam essa
cautelaridade, quais sejam:
a) A acessoriedade, que traz a idéia de que processo ou medida cautelar está
sempre vinculado ao resultado do processo principal;
b) A preventividade, onde a atividade cautelar destina-se a prevenir a ocorrência de
danos de difícil reparação enquanto o processo não chega ao fim;
c) A instrumentalidade hipotética, no qual medida cautelar não é um fim em si
mesma, mas visa assegurar a eficácia prática da atividade jurisdicional
desempenhada no processo;
d) A provisoriedade, onde sua manutenção depende da persistência dos motivos
que evidenciaram a urgência da medida necessária à tutela do processo
satisfativo.
Nota-se que apesar de concluir que o alcance da presunção de inocência é somente
até o exercício ao direito ao duplo grau de jurisdição e que depois do julgamento em
segundo grau, mesmo com a pendência de recurso especial ou extraordinário, seria
possível a expedição de mandado de prisão para que se inicie o cumprimento provisório
da pena, não se declarou a inconstitucionalidade desse dispositivo, mas ao contrário,
sequer foi citado. (JUNIOR e BARDARÓ, 2016)
Segundo tal artigo, a prisão que decorre meramente de sentença condenatória,
somente se justifica quando ocorrido o trânsito em julgado, motivo pela qual, para que se
apliquem as disposições existentes no HC 126.292/SP, faz-se necessário que se declare
previamente a sua inconstitucionalidade.
Ademais, conforme voto proferido pelo próprio Ministro Teori Zavascki, relator da
decisão do HC discutido, quando estava ainda no Superior Tribunal de Justiça, no voto na
Reclamação 2.645: “não se admite que seja negada aplicação, pura e simplesmente, a
preceito normativo “sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade”, motivo
pela qual, para que se apliquem as disposições existentes no HC 126.292/SP, faz-se
necessário ser declarado previamente inconstitucional. (STRECK, 2016)
Diante desse quadro, deve-se urgentemente analisar a seguinte questão: é o
acórdão que viola o disposto no artigo 283 do Código de Processo Penal e precisa ser
reformado para suprir tal omissão ou o mencionado dispositivo que é inconstitucional e
assim precisa ser expressamente declarado? A não discussão sobre tal tema de extrema
relevância prática poderá causar irrecuperáveis prejuízos para a liberdade dos acusados
(JUNIOR e BARDARÓ, 2016).
Nesse sentido, cumpre notar que já foram ajuizadas perante o Supremo Tribunal
Federal, Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) pelo Partido Ecológico
Nacional (PEN) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com
pedido de liminar, visando justamente o reconhecimento da legitimidade constitucional da
nova redação do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP).
2.5. Execução provisória da pena: desconstrução dos argumentos favoráveis
Apesar de inúmeras críticas, pelos mais diversos doutrinadores, tanto do direito
constitucional, quanto do direito processual penal, alguns argumentos foram elencados
em favor do posicionamento atual da Suprema Corte, senão vejamos.
2.5.1. Da preclusão fática ou não reexame de fatos e provas pelos tribunais
superiores
Como mencionado anteriormente, o Ministro Relator fala abertamente em
“relativização do princípio da presunção de inocência”, tendo como ponto de partida uma
preclusão fática, a partir de uma confirmação da condenação em 2º grau.
“Preclusão” significa o esgotamento das vias recursais (preclusão consumativa) ou o
decurso do prazo sem a interposição de recurso (preclusão temporal), ou ainda a
preclusão fática. A preclusão referida, ou seja, neste trânsito em julgado, surge uma
consequência, que é a chamada coisa julgada, sendo esta uma qualidade que reverte a
Pois bem. O pressuposto que o STF coloca é que, em razão do julgamento pelas
instâncias ordinárias, haveria uma preclusão fática. Ou seja, haveria a inviabilidade do
reexame pelas instâncias extraordinárias, o que na verdade, não acontece. A condenação
confirmada em sede de apelação não inviabiliza o reexame. (NICOLITT, 2016)
A persistir noutra linha, ainda que assim ocorresse, a leitura constitucional é de uma
garantia que se estende até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não
pelo esgotamento de recursos em 2º grau com a chamada “preclusão fática”.
Nas palavras do professor Andre Nicolitt, a visão do STF de que o julgamento da
apelação, a confirmação da condenação pelo 2º grau, fecharia o reexame pelas
instâncias extraordinárias é um equívoco.
Nesse sentido, eis o que dizem os doutrinadores Aury Lopes Junior e Gustavo
Badaró:
Não pode o STF, com a devida vênia e máximo respeito, reinventar conceitos processuais assentados em – literalmente – séculos de estudo e discussão, bem como em milhares e milhares de páginas de doutrina. O STF é o guardião da Constituição, não seu dono e tampouco o criador do Direito Processual Penal ou de suas categorias jurídicas. Há que se ter consciência disso, principalmente em tempos de decisionismo e ampliação dos espaços impróprios da discricionariedade judicial. É temerário admitir que o STF possa ‘criar’ um novo conceito de trânsito em julgado, numa postura solipsista e aspirando ser o marco zero de interpretação. Trata-se de conceito assentado, com fonte e história.
Ademais, é bem verdade que a instância extraordinária não vai poder fazer revisão
dos fatos, mas isso não faz com que os fatos estejam intangíveis, intocáveis, imutáveis,
indiscutíveis.
Nesse sentido, são os exemplos do professor André Nicolitt (2016): 1) Houve uma
sentença penal condenatória submetida a um recurso, onde o inconformismo do apelante
é de que o Juiz, ao inquirir as testemunhas, não observou a regra do artigo 212 e
começou a perguntar antes de passar a palavra para o MP e para a defesa fazerem as
perguntas. Ou seja, resta violada a regra do artigo 212, do sistema acusatório, a qual
estabelece que o juiz não pode ter interesse na prova, devendo perguntar ao final da
oitiva e apenas complementarmente. O juiz não acolhe a preliminar de nulidade,
tampouco o tribunal. Mantida a condenação, recorre-se às instâncias extraordinárias e
esta então resolve anular o feito por violação do devido processo legal. Nesse momento,
toda a instrução deverá ser reaberta: as testemunhas deverão novamente ser inquiridas
com a observância de que o juiz só perguntará ao final, e de forma suplementar, às
partes. 2) A defesa arrola uma testemunha e o juiz indefere. A defesa interpõe apelação e
dentre outras questões alega cerceamento de defesa. O Tribunal não acolhe e confirma a
condenação. Recorre-se ao Tribunal Superior – seja STF ou STJ, quando então, ocorrerá
a anulação do processo por cerceamento de defesa, devendo retornar às instâncias
ordinárias para que a testemunha seja então ouvida, de modo a se assegurar o direito de
defesa em sua plenitude, proferindo-se novo julgamento.
Tanto nos exemplos acima, quanto em diversos outros casos, todas as questões
fáticas estarão novamente sendo reexaminadas em razão de recursos extraordinário. Não
haverá, em ambos os exemplos, a imutabilidade aludida na decisão do Supremo Tribunal
Federal.
2.5.2. Da efetividade do processo – sensação de impunidade e prescrição
Outra dimensão que aparece neste voto é a preocupação da chamada efetividade
do processo. Eis que foi dito ainda na discutida decisão que “cumpre ao Poder Judiciário
e, sobretudo, ao STF, garantir que o processo – único meio de efetivação do jus puniendi
estatal – resgate essa sua inafastável função institucional”.
Observa-se que no trecho do voto, o ministro associa a função do Supremo – e
também do judiciário, como sendo de efetivação do jus puniendi, o que nas palavras de
Nicolitt, é uma verdadeira inversão de valores, já que a Constituição Federal na verdade,
coloca o STF (e o judiciário) como um poder de efetivação das garantis individuais, que
tem o dever de preservar os direitos fundamentais do cidadão e protegê-lo de eventuais
arbitrariedades do Estado.
Pois bem, como a função do poder judiciário é de tutelar os direitos fundamentais,
não se pode vislumbrar a efetivação do jus puniendi como a função primordial, mas sim
secundária, ou seja, decorrente. A função essencial primária neste caso é a defesa e a
tutela dos direitos fundamentais. (NICOLITT, 2016)
No caso concreto do HC 126.292/SP, o réu foi condenado em 1º grau e
inconformado, interpôs recurso de Apelação contra sentença objeto de recurso exclusivo
da defesa, sendo que tal sentença assegurou a esse indivíduo o julgamento do seu
recurso em liberdade. Todavia, ao julgar a apelação, o Tribunal de Justiça manteve a
sentença penal condenatória e, sem mencionar a existência de qualquer questão cautelar,
determinou a expedição imediata do mandado de prisão, para início da execução
provisória da pena. (MORAES, 2016)
Em breve análise: não se trata apenas de uma prisão cautelar para garantia da
instrução ou da aplicação da lei penal, promovida pelo Tribunal de Justiça, mas de um réu
solto que não apresenta riscos ao processo, e que tem a sua prisão determinada à guisa
de executar-se provisoriamente a pena. (NICOLITT, 2016).
Os argumentos da demora jurisdicional, bem como, da eventual ocorrência de
prescrição, o que termina por gerar a sensação de impunidade, são mesmo legítimos,
tendo em vista que é de conhecimento comum que o sistema judiciário brasileiro está
sobrecarregado, inclusive nos tribunais superiores. Ilegítima, porém, é a solução
encontrada pela Suprema Corte para a resolução desse problema, qual seja: a execução
penal provisória. (JUNIOR E BARDARÓ, 2016)
Ao justificar a execução provisória da pena com tais argumentos, o STF não
encontra melhor sorte, mas pelo contrário, apenas revela a incapacidade dos tribunais
superiores em tutelarem outra garantia fundamental do acusado: a razoável duração do
processo, assegurada no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal.
A ineficiência do Estado ao não conseguir prestar a tutela jurisdicional em tempo
razoável, seja por insuficiência física ou material, que terminam por gerar incapacidade no
Poder Judiciário, não pode ser resolvida com a supressão das garantias processuais dos
acusados (JUNIOR E BARDARÓ, 2016, p-37).
Como bem recorda o professor André Nicolitt, o menor prazo prescricional existente
no Brasil hoje é de 03 anos – isso para crimes cujas penas são muito pequenas. Já no
que tange aos crimes graves, que efetivamente induzem a privação de liberdade, são
crimes em que as penas normalmente superam 02 anos, de modo que os prazos
prescricionais são em média de 04 a 08 anos. Será que as Cortes Superiores não são
capazes de julgar um recurso em um prazo de 04 ou 08 anos?
Sobretudo, não é aceitável que em decorrência dessa incapacidade queiram
transferir o ônus de sua morosidade ao acusado ainda não acobertado pela culpa de
forma definitiva.
Conforme salientam Aury Lopes Junior e Gustavo Badaró (2016), “é dever do Estado
perante o cidadão, prover o órgão judiciário e estruturar eficientemente sua organização
judiciária para que o processo possa se desenvolver sem retardos indevidos”.
Tal justificativa apenas revela que o Tribunal não só avilta a presunção de inocência,
como reconhece sua própria incapacidade de cumprir com a duração razoável do
processo, outra garantia constitucional, de maneira que este argumento utilitarista é
insustentável num estado democrático de direito. (NICOLITT, 2016)
2.5.3. Da utilização do direito comparado
Para respaldar seu voto, o Ministro Teori Zavascki utilizou-se ainda de exemplos de
vários países que adotam o sistema do duplo grau de jurisdição, não sendo necessário o
trânsito em julgado para que se dê início ao cumprimento de pena.
Mencionou ainda parte do voto proferido pela Ministra Ellen Gracie no julgamento do
HC 85.886 (DJ 28/10/2005), que dizia que “em país nenhum do mundo, depois de
observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa,
aguardando referendo da Corte Suprema”.
Em contrapartida, alerta o professor Aury Lopes Junior, que ao fazer tais
generalizações, foram desconsideradas as inúmeras diferenças entre os sistemas
jurídicos, que já começam na investigação preliminar:
Nos Estados Unidos o modelo é policial, mas eles possuem — no âmbito estadual — mais de 17 mil agências policiais. Na França o modelo é de Juiz de Instrução e na Alemanha, desde 1974, é um modelo de promotor investigador, passando pelo julgamento de primeiro grau – há uma distinção crucial: são países que adotam um julgamento colegiado já em primeiro grau, completamente distinto do nosso, cujo julgamento é monocrático (juiz singular), passando pelas diferenças no sistema recursal e desaguando na absoluta diferença do sistema carcerário. Sem falar na diversidade de políticas criminais e processuais. Ademais, muitos desses países não admitem que se chegue, pela via recursal, além do segundo grau de jurisdição. O que se tem depois, são ações de impugnação, com caráter rescisório, desconstitutivas da coisa julgada que já se operou. É uma estrutura completamente diferente. Além disso, há uma diferença crucial e não citada: nossa Constituição prevê – ao contrário das invocadas – a presunção de inocência até o trânsito em julgado. Essa é uma especificidade que impede o paralelismo, uma distinção insuperável.
De tal modo, não se mostra razoável utilizar a utilização de informações de países
somente quanto a possibilidade da execução provisória da pena, ignorando-se a
existência de toda a diferença no contexto fático e jurídico entre eles e o Brasil.
2.5.4. Dos recursos procrastinatórios
De igual modo não deve prosperar como argumento favorável ao cumprimento
antecipado de pena o fato da existência de muitos recursos protelatórios, tampouco o
número de recursos recebidos.
O ordenamento jurídico possui mecanismos próprios para se evitar as manobras
procrastinatórias através de recursos. Cabe então à Corte nesses casos, se utilizar dos
meios existentes para coibir o abuso do direito de defesa, mas não mitigar uma garantia
fundamental do quilate da presunção de inocência com esse argumento, de maneira que
os argumentos utilitaristas que justificariam uma decisão de repulsa à presunção de
inocência são muito rasos e superficiais, devendo ser afastados de plano. (NICOLITT,
2016)
Por outro lado, desconsiderar a presunção de inocência após o julgamento do
recurso em 2º grau devido ao baixo número de recursos especiais e extraordinários
admitidos também não pode prosperar, vez que legitimação dos recursos extraordinários
não é “quantitativa” e independe do número de recursos providos. (JUNIOR E BARDARÓ,
2016, p. 33)
Ademais, como bem observa o professor André Nicolitt, nos debates durante os
julgamentos, percebe-se que aproximadamente 28% dos recursos são reformados na
instância extraordinária.
Em seu voto, o Ministro Celso de Melo citou ainda o que disse o Ministro Presidente
Ricardo Lewandowski no julgamento da ADPF 144/DF, em que ressaltou a importância de
se preservar a literalidade constitucional do princípio da presunção de inocência
apresentando dados estatísticos:
[...] trago, finalmente, nessa minha breve intervenção, à consideração dos eminentes pares, um dado estatístico, elaborado a partir de informações veiculadas no portal de informações gerenciais da Secretaria de Tecnologia de Informação do Supremo Tribunal Federal [...]. De 2006, ano em que ingressei no Supremo Tribunal Federal, até a presente data, 25,2% dos recursos extraordinários criminais foram providos por esta Corte, e 3,3% providos parcialmente. Somando-se os parcialmente providos com os integralmente providos, teremos o significativo porcentual de 28,5% de recursos. Quer dizer, quase um terço das decisões criminais oriundas das instâncias inferiores foi total ou parcialmente reformado pelo Supremo Tribunal Federal nesse período. (grifo nosso)
Por sua vez, em seu voto, o Ministro presidente Ricardo Lewandowski acrescentou:
[...] Quer dizer, em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de 1/4 de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo.
Nesse sentido, resta claro ser temerário lançar mais de ¼ dos presos (ou 28,5%)
com potencial de reversibilidade na instância extraordinária, para cumprirem
antecipadamente sua pena por ineficiência estatal. É um preço muito alto, considerando
principalmente os dados do sistema carcerário. (NICOLITT, 2016)
Nota-se, que houve até uma superficialidade incrível nos debates. O Ministro Fux,
por exemplo, faz considerações no sentido de que estariam libertando aqueles presos
provisoriamente – porque passariam a ser mais criteriosos e rigorosos com a prisão
preventiva, e no lugar deles estariam colocando em cárcere aqueles que já estão
condenados pelo 2º grau. Em resposta, eis o que disse o Ministro Lewandowiski:
[...] Vossa Excelência me permite, é claro, eu não quero ser jocoso, nem irônico, mas vamos trocar seis por meia dúzia? Nós vamos trocar 240 mil presos provisórios por 240 mil presos condenados em 2º grau? Ou seja, em regime provisório? [...]
Há uma incongruência prática desse julgado na medida em que o Supremo Tribunal
Federal acaba de reconhecer um estado de coisa inconstitucional no sistema carcerário
brasileiro, dado ao número excessivo de presos provisórios, o deixando exposto
internacionalmente e diante de um quadro como esse o STF profere uma decisão que
vem reforçar esse panorama nefasto de superencarceramento.
3. HIPÓTESES DE APLICAÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL PROVISÓRIA
Em que pesem as inúmeras críticas atribuídas à decisão proferida no HC
126.292/SP, inegável é a urgência de se discutir o alcance desse novo entendimento.
Uma coisa restou clara: Segundo o STF, após o julgamento de apelação
confirmando a condenação, será possível a expedição de mandado de prisão para
cumprimento antecipado de pena, vez que os recursos especiais e extraordinários não
possuem efeito suspensivo. (MENDONÇA E MORAES, 2016)
3.1. E os casos de condenação originária em segundo grau?
Sobre o tema ressalta o professor André Nicolitt (2016) que não se pode ter a
execução provisória da pena quando a sentença penal for originária do segundo grau.
Isso porque na lógica dos discursos que subjazem a decisão do HC 126292 do STF, se
estabelece a ideia de uma progressiva consolidação da análise dos fatos e da
sedimentação da culpa - da condenação, o que se dá pelo exame do 1º grau e pelo
respeito ao duplo grau de jurisdição com a confirmação do segundo grau.
Nesse diapasão, deve se resolver a seguinte questão (NICOLITT, 2016):
competência originária do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal, onde o
indivíduo é condenado. Poderia se dar início à execução da pena provisoriamente?
Cumpre notar que a decisão do ministro Teori fala “em sede de apelação” e nesse caso
não se trata de apelação e se cogitada essa possibilidade, seria violado não só o princípio
da presunção de inocência, como também o duplo grau de jurisdição.
Todavia, dar início a uma execução provisória a partir de um decreto condenatório
que já se origina no tribunal de apelação, que não se submete ao crivo do duplo grau de
jurisdição, é demasiadamente temerário, por mais uma vez estar se violando duas
garantias constitucionais: a do duplo grau de jurisdição, prevista também nos tratados
internacionais que o Brasil ratificou e a garantia da presunção de inocência. (NICOLITT,
2016)
3.2. E a Revisão criminal?
A revisão criminal é uma ação autônoma de impugnação, que tem por objetivo
reexaminar sentença ou acórdão condenatório eivados de vícios de procedimento ou de
julgamento, que tenham transitado em julgado, a fim de rever a coisa julgada material
(TÁVORA e ALENCAR, 2009, p-919).
Mais que isso, adquire, ainda, o contorno de garantia fundamental do indivíduo, na
forma de remédio constitucional contra injustas condenações.
Segundo Nucci (2016), é uma ação sui generis, onde não há parte contrária, mas
somente o autor, questionando um erro judiciário que o vitimou.
Tal conclusão ocorre porque a Constituição Federal (art. 5.º, LXXV) preceitua que “o
Estado indenizará o condenado por erro judiciário”, além do que no § 2.º do mesmo artigo
5.º, se acrescenta que outros direitos e garantias podem ser admitidos, ainda que não
estejam expressamente previstos no texto constitucional, desde que sejam compatíveis
com os princípios nele adotados, sendo exatamente essa a função da revisão criminal:
sanar o erro judiciário, que é indesejado e expressamente repudiado pela Constituição
Federal. (NUCCI, 2016)
Deve ser feita então a seguinte análise: Se diante de um processo, o indivíduo foi
condenado e após a apelação, confirmou-se a sentença no segundo grau e dando-se
início a execução provisória da pena, antes do transito em julgado, ou seja, na pendência
de julgamento de recurso especial e extraordinário, eis que surge uma prova nova
(NICOLITT, 2016), nos termos do artigo 621, III, do Código de Processo Penal, que dá
base a uma revisão criminal. (NUCCI, 2016)
Ficaria essa revisão criminal então adstrita, ou seja, condicionada ao julgamento
desse recurso especial ou extraordinário para ser movida? (NICOLITT, 2016)
Ao se pautar pela coerência, se o Supremo Tribunal Federal admite a execução
provisória da pena estando pendente o julgamento de recurso extraordinário ou especial,
levando-se em conta a ideia de ter havido uma preclusão fática, não poderia tratar
diferente a revisão criminal. É de inteira justiça que o apenado mova então a revisão
criminal, mesmo na pendência de recurso especial ou extraordinário, já que, no
entendimento que se escapa dos votos prevalentes no Supremo, teria havido uma
preclusão fática da matéria. (NICOLITT, 2016)
Nesse sentido, colhe-se o voto do Ministro Fux:
[...] E isso porque o próprio Supremo Tribunal Federal já afirmou, recentemente, que se admite a coisa julgada em capítulos. Admite-se a coisa julgada em capítulos. As ações devem ser interpostas a partir do momento em que parte das decisões transitem em julgado. Então, essa parte relativa ao mérito da acusação e às provas, essa parte se torna indiscutível, imutável, de sorte que nada impede, ainda, aqueles que interpretam que a presunção de inocência vai até o trânsito julgado, e se entreveja o trânsito em julgado exatamente nesse momento. (Passagem do voto Ministro Luiz Fux no HC 126.292/SP, julgado em 17/02/2016)
Seguindo, portanto, a lógica da Suprema Corte, se houve a preclusão da matéria
fática, isso deverá ser o suficiente para permitir a revisão criminal do julgado. Em outras
palavras, por coerência, não se pode mais condicionar a revisão criminal ao transito em
julgado de todas as esferas. Deve-se pensar no que foi ventilado nas razões do debate do
HC 126292, na chamada “coisa julgada por capítulos” ou “preclusão por capítulos”. Então,
se esse capítulo se encerrou, formou-se a coisa julgada sobre ele, ou seja, já está sob o
alvo da revisão criminal em face desse aspecto. (NICOLITT, 2016)
Em suma: havendo a confirmação da condenação pelo segundo grau em sede de
apelação, em sendo possível a execução provisória da pena, a lógica é que de igual
maneira deverá ser possível a revisão criminal. (NICOLITT, 2016)
3.3. E as condenações proferidas pelo Tribunal do Júri?
Observa-se ainda que, no debate do até então referido HC, chega-se, dentre outras,
a seguinte conclusão:
[...] Com o acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação esgotam-se as instâncias ordinárias e a execução da pena passa a constituir, em regra, exigência de ordem pública. [...] A mesma lógica se aplica ao julgamento por órgão colegiado, nos casos de foro por prerrogativa. (Passagem do voto Ministro Luis Roberto Barroso no HC 126.292/SP, julgado em 17/02/2016)
Em suma: órgão colegiado confirmando a decisão de primeiro grau ou órgão
colegiado condenando no foro por prerrogativa de função é suficiente para que a pena
seja objeto de execução provisória.
Analisa-se então que, no Brasil, o Tribunal do Júri tem competência constitucional
para julgar os crimes dolosos contra a vida. É formado por um colegiado de jurados
leigos, estabelecendo-se a ideia de que o autor de crimes graves seja julgado por seus
pares. (TÁVORA e ALENCAR, 2009, p-674)
Partindo dessa premissa, de que se trata também de um órgão colegiado, que
apesar de leigo, é soberano, nos termos da Constituição Federal, tona-se necessário
avaliar: De condenação proferida pelo Tribunal do Júri, é cabível o cumprimento
antecipado de pena? (SANCHES, 2016)
A conclusão a que se chega é que não é possível. Em que pese seja um órgão
colegiado e soberano, não é técnico, por ser composto por pessoas leigas em direito.
Ademais, apesar de se tratar de decisão com uma dificuldade maior de reforma, haja vista
a soberania dos jurados, cabe a interposição de recurso, podendo a defesa protestar por
novo júri, por exemplo. Todos possuem o direito a revisão de sua condenação, ou seja, ao
exercício do duplo grau de jurisdição, sob pena de se estar violando esta outra garantia.
(HABIB, 2016)
3.4. E os embargos?
Quando a decisão estiver submetida a embargos infringentes ou a embargos de
nulidade, não se pode permitir ou aceitar a execução provisória da pena, vez que a
questão fática não está fechada para o tribunal de segundo grau. Portanto, também que
não se amolda essa hipótese com decisão do supremo que é clara em dizer: condenação
em sede de apelação que se submete a recursos extraordinários. Como a análise de fatos
e provas ainda é possível, não se pode falar em execução provisória da pena na
pendência de julgamento de embargos infringentes ou de nulidades. (NICOLITT, 2016)
De igual modo, se o réu, com a condenação confirmada em sede de apelação,
opuser embargos de declaração, a execução provisória da pena não poderá ter início até
o fim do julgamento dos embargos, tendo em vista que possuem efeito suspensivo, por se
aplicar analogicamente o §2º do artigo 83 da Lei nº 9.099/95 aos artigos 382 e 619 do
Código de Processo Penal.
4. MECANISMOS PROCESSUAIS APTOS A INIBIR O ENCACERAMENTO DE-
CORRENTE DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA
Para adentrar aos mecanismos cabíveis a inibir a prisão decorrente de sentença
recorrível, deve-se retomar o que era feito no passado, em que se utilizava de medidas
cujo objetivo era atribuir efeito suspensivo ao recurso especial e extraordinário. Embora a
possibilidade de Habeas Corpus não esteja de todo afastada, era tradicionalmente
adotado o uso de uma medida cautelar inominada perante os Tribunais Superiores para
esse fim. (MENDONÇA E MORAES, 2016)
Nesse sentido, as considerações do Ministro Teori sobre o tema em seu voto:
[...] Medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou especial são instrumentos inteiramente adequados e eficazes para controlar situações de injustiças ou excessos em juízos condenatórios recorridos. Ou seja: havendo plausibilidade jurídica do recurso, poderá o tribunal superior atribuir-lhe efeito suspensivo, inibindo o cumprimento de pena. Mais ainda: a ação constitucional do habeas corpus igualmente compõe o conjunto de vias processuais com inegável aptidão para controlar eventuais atentados aos direitos fundamentais decorrentes da condenação do acusado. (Passagem do voto do Relator no HC 126.292/SP, julgado em 17/02/2016)
Ou seja, em que pese a Suprema Corte ter se queixado da exorbitante demanda que
possui, conforme mencionado nos votos favoráveis à medida, o resultado da decisão que
traz de volta a execução provisória da pena, ao invés de diminuir a quantidade de
recursos a serem interpostos, contribuirá para elevar o quadro já existente, vez que além
de julgar os recursos especiais e extraordinários, os Tribunais Superiores terão que
analisar também as medidas cautelares que visam outorgar efeito suspensivo a eles.
(MENDONÇA E MORAES, 2016)
Ademais, cumpre notar que a medida cautelar inominada, atualmente, encontra
respaldo no artigo 1029, §5º do Novo Código de Processo Civil.
CONCLUSÃO
O presente trabalho, a partir de uma análise histórica, abordou a temática da
reformulação jurisprudencial feita pelo Supremo Tribunal Federal, com o julgamento do
HC 126.292/SP, ao revisitar um posicionamento que havia anteriormente descartado, qual
seja: a execução provisória da pena, haja vista todas as suas implicações processuais,
constitucionais e sociais.
Observa-se, a partir das pesquisas bibliográficas, que muitas questões e
controvérsias surgem diante dessa decisão, estando ela em contraposição do que hoje se
discute no Brasil em relação à precariedade do sistema carcerário brasileiro, bem como,
do espírito do processo penal democrático e das garantias constitucionais.
Diante de tal cenário, chega-se a conclusão que as razões pelas quais se defende a
execução provisória da pena são juridicamente insustentáveis – seja porque não há uma
real irreversibilidade dos fatos e das provas, seja pelo alarmante número de presos
provisórios, seja porque há uma antecipação da pena antes do trânsito em julgado,
contrariando dispositivos constitucionais e processuais, vez que inexiste tal previsão,
diante ainda de um alto índice de decisões reformadas, sendo que tal panorama se torna
ainda mais grave diante da restrição que o Habeas Corpus vem sofrendo na atual
jurisprudência dos tribunais superiores (NICOLITT, 2016) ou por tantos outros motivos
anteriormente mencionados.
Não se desconhece que os votos proferidos levantam questões importantíssimas
para o país como um todo, que existem pontos que urgentemente precisam ser discutidos
e revistos para se combater a criminalidade, garantir a efetividade do processo, melhorar
o sistema judiciário criminal e dar aos tribunais devidas condições para que consigam
corresponder as demandas existentes, mas desprezar garantias constitucionais e outros
dispositivos elencados na legislação vigente para isso, além de não resolver tais
problemas, não é a melhor opção.
Assim, pela análise do contexto histórico e conceitual do princípio jurídico da
presunção de inocência ou da não culpa, nota-se que este resta violado pela referida
decisão, vez que a Constituição Federal é clara ao trazer o trânsito em julgado como
limite temporal dessa garantia, ressaltando ainda, que no artigo 283 do Código de
Processo Penal, inexiste essa modalidade de prisão.
Não tem sentido manter em cárcere, indivíduos que não revelam a menor
necessidade de aguardarem seus julgamentos presos, porque não representam risco
processual, além de estarem já cumprindo uma pena, que, enquanto presumidamente
inocentes, pode ser modificada.
Por esse viés, entende-se que, a se pautar pela legislação vigente, o ideal é que
toda prisão decretada antes do transito em julgado de sentença penal condenatória ocorra
somente a título cautelar, depois de demonstrada a sua real necessidade, ao contrário do
que em 17 de fevereiro de 2016, decidiu a Suprema Corte.
Apesar das respostas parciais e das indagações debatidas no trabalho, o tema está
longe de ser exaurido e exige maiores aprofundamentos para tanto. Recomenda-se que
pesquisas futuras abordem de forma mais ampla o conteúdo aqui abordado, bem como,
sejam realizados estudos de campo, para assim investigar, para além da normativa
jurídica, os alcances e efeitos gerados pela discutida decisão.
AGRADECIMENTOS
Tão importante quanto concluir um projeto, é lembrar que não se chegou sozinho até
ele.
As palavras de apoio, incentivo, confiança, sabedoria, resiliência. As conversas ricas
em conteúdo ou de simples descontração. As trocas de experiências e aprendizados
mútuos, que com certeza não me permitem passar dessa etapa da mesma forma que
iniciei. As oportunidades que me foram dadas, as quais muitas vezes eu não me
considerava merecedora ou preparada o suficiente, mas que ainda assim, recebi votos de
confiança que me possibilitaram superar meus próprios limites e os diversos desafios que
surgiram.
Com muito amor, agradeço a minha família pelo exemplo e por todo suporte a mim
oferecido. Pelas inúmeras formas que encontraram para me incentivar, especialmente nos
momentos em que parecia que essa jornada não teria fim!
Às outras pessoas, igualmente amadas, que compõem meu dia a dia, agradeço não
só pelo apoio, mas também por se alegrarem comigo com mais essa conquista e ainda
pela compreensão nas minhas inúmeras ausências durante esse trajeto. Não ouso aqui
mencionar nomes, para não correr o risco de esquecer alguém importante, embora eu
acredite que não é necessário, pois percebem no cotidiano a minha gratidão.
Aos meus professores, desde o jardim de infância até os nobres professores desse
Centro Universitário, pelos incansáveis ensinamentos ministrados e por contribuírem para
a minha formação, me preparando para as adversidades que encontrarei na vida e no
mercado de trabalho.
Aqui, com atenção especial, faço menção a minha professora e orientadora Caroline
Daher, que com carinho, paciência, profissionalismo e competência, me guiou desde a
escolha do tema, até a conclusão deste trabalho.
Aos meus colegas de curso, que através das partilhas, vivência e amparo nos
momentos de dificuldade, tornaram melhor e mais fácil minha experiência acadêmica.
As pessoas que tive e tenho o prazer te ter como chefes ou colegas de trabalho, por
todo respaldo, conhecimento compartilhado e acolhimento dispensados a mim, é também
com a ajuda de vocês que inicio com coragem a minha vida profissional e de modo
especial, aqueles que contribuíram intelectualmente com esta pesquisa, como a
professora Ana Cristina Mendonça e a Tássita Ramos.
E por fim, propositalmente e não menos importante, minha total gratidão a Deus por
todas as coisas e pessoas anteriormente mencionadas, pois sei que Ele, em seu cuidado,
é que planejou cada detalhe para que eu hoje estivesse aqui. Foi meu suporte, me dando
vida, persistência, fé, parresia, anjos da guarda e me completou em todas as minhas
limitações para que esse percurso fosse cumprido. Sem Ele, nada seria possível.
Gratidão, a única língua que hoje a minha alma sabe falar!
REFERÊNCIAS
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