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Sociedade Educacional Sul-Rio-Grandense FACULDADE
PORTO-ALEGRENSE DE EDUCAO, CINCIAS E LETRAS FAPA
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
Hendrix Alessandro Anzorena Silveira Turma 1221
Monografia apresentada a FAPA como requisito parcial aprovao na
disciplina de Histria Antiga II.
Orientadora: Prof Marise Hoff Failace
A Cultura Religiosa Dos
Iorubs Do Surgimento Dispora
Porto Alegre 2004
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INTRODUO O ser humano desde tempos imemoriais, busca explicao
para todas as coisas que
desconhece. Coisas simples como a chuva, o arco-ris, o Planeta
Terra, e outras um pouco mais complicadas como a vida, o fogo, o
astral, etc.
O homem, quando no podia explicar as coisas que o rodeavam,
atribuam tais coisas a um poder divino. Quando, por exemplo, caa um
relmpago numa rvore e esta era consumida pelo fogo, com certeza
algum perguntava: De onde vem os raios? Para uma mentalidade
primitiva, no h uma resposta racional, com embasamento cientfico.
Mas se no h resposta e a coisa real, ento s pode ter sido mandado
por algum muito poderoso. Algum sobrenatural. Ento eles respondiam:
Vem de Deus!
Baseados neste raciocnio deduzimos terem surgido as primeiras
religies na face da Terra. E mesmo hoje, a religio utilizada para
explicar o que no foi ainda explicado. Apesar de sabermos que o
relmpago uma descarga eltrica, o motivo pelo qual essa descarga
acionada pode provir de um desejo divino premeditado. Este um
exemplo clssico de como a religio se contorce para continuar
viva.
Ingressei no curso de Histria da FAPA, com a inteno de me
especializar em religio, especialmente a religio africana. O que me
levou a esta deciso foi a minha prpria bagagem de conhecimentos
sobre o tema, pois sou adepto do Batuque a religio africana como
conhecida no Rio Grande do Sul.
Ao saber que teria de fazer uma monografia referente histria
antiga, no foi preciso nem pensar numa escolha. Era bvio que seria
sobre a Cultura Religiosa dos Iorubs.
Isso porque no existe uma bibliografia que exponha a histria da
frica, incluindo o aspecto religioso que de vital importncia para
esse povo, pois permeia tanto sua vida social quanto a vida poltica
e econmica.
Ento devo salientar que este trabalho tem como finalidade um
avano de ordem pessoal, e que serve de primeiros passos para uma
maior compreenso do fenmeno que a cultura religiosa da frica
ocidental.
Logo pensei em fazer um trabalho diferenciado, incluindo outros
aspectos tais como a relao poltica/economia/sociedade/religio. Por
isso o ttulo Cultura Religiosa, pois o termo cultura pode ser
definido como conjunto complexo dos cdigos e padres que regulam a
ao humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em uma
sociedade ou grupo especfico, e que se manifestam em praticamente
todos os aspectos da vida: modos de
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sobrevivncia, normas de comportamento, crenas, instituies,
valores espirituais, criaes materiais, etc.1
Entretanto, uma monografia um trabalho que exige uma
especificidade para esgotamento de dados sobre um tema. Escrever
sobre a Cultura Religiosa Africana seria de uma grande pretenso e
at de um grande erro, j que no podemos definir um aspecto estudado
como sendo a matriz de um processo que levou geraes para ser
desenvolvido em um continente que, sozinho, possu mais povos,
lnguas e, certamente, culturas diferentes que todos os outros
juntos.
Ento dissertarei sobre a cultura religiosa da frica Ocidental. O
bero dos africanos que vieram para o Brasil poca da escravatura e
origem da religio praticada nas terras gachas.
Darei nfase total cultura dos iorubs, povo de cultura muito rica
e organizada, cujos domnios se estendem do sudoeste da Nigria at o
leste do Benin.
Sempre que estudamos a Mesopotmia ou a sia, ou ainda a Europa,
nos deparamos com grandes povos que habitavam aquelas regies. Sejam
assrios, hebreus, hititas, caldeus ou persas; chineses, mongis,
japoneses ou siameses; romanos, gregos, cretenses ou indo-europeus;
sempre os estudamos de forma individual.
Mas no tocante a frica, esse vasto continente tratado como se
fosse um pas em que todos so iguais: falam a mesma lngua, tm os
mesmos costumes, tm as mesmas crenas.
Isto no verdade. Existem muitas culturas africanas grandiosas e
este trabalho se voltar para a iorub. No semestre passado, na aula
de antropologia (prof Aline), debatamos sobre o livro O
Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro. A colega Thas Staninski
formula uma pergunta: como estariam os ndios brasileiros, se o
Brasil no tivesse sido achado?
Imediatamente me veio a pergunta: como estaria o povo africano
se no tivesse sido invadido pelos europeus?
Considerando que os africanos no tinham uma viso expansionista
de mercado, nem estavam interessados na converso religiosa de
estrangeiros, tampouco na arrecadao tributria de povos conquistados
ao menos no na escala demandada pelos europeus presumimos, ento,
que esses fatores somados a noo de tempo cclico, manteriam os
africanos estagnados, ou seja, o seu presente no seria diferente do
seu passado pr-histrico.
1 Dicionrio Aurlio Eletrnico sc. XXI verso 3.0 novembro de
1999
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Utilizarei como principal procedimento na elaborao deste
trabalho, a pesquisa no acervo bibliogrfico, tanto particular
quanto na biblioteca da FAPA. Devido problemtica pessoal (falta de
tempo, principalmente), no pesquisarei em outros acervos.
CAPTULO 1 - AS DIVINDADES: Mitologia, Espiritualidade,
Liturgia
1.1. ORIGEM DA RELIGIO IORUB No se sabe exatamente se o homem
pr-histrico africano desenvolvia algum tipo de
religio. A maioria dos antigos povos africanos com certa
civilidade tinha a dana, a msica e a oralidade (pronunciamento de
certas palavras), alm de pinturas como formas de contato entre os
homens e os deuses. Mas no podemos utilizar estas informaes para
definir o carter religioso de desenhos e formas pintadas nas
paredes de cavernas de povos pr-histricos. Entretanto pode-se
pesquisar sobre os sepultamentos desses povos.
O homem de Neandertal (homo sapiens neanderthalensis2) cuidava
muito bem de seus mortos, sepultando-os junto com utenslios e
alimentos, o que sugere uma crena numa vida em outro mundo. Alm
disso, tambm deixa com clareza que estes povos tinham o
conhecimento da inevitabilidade da morte, bem como a noo de tempo
de vida.
Os africanos que viviam na mesma poca tambm percebiam que tudo
tinha uma ordem que se aplicava tanto aos animais como a eles
mesmos. Tudo nascia, crescia e vivia durante algum tempo e morria.
Ver que tudo e todos sucumbem morte, poderia ter ocasionado uma
srie de reflexes sobre a vida deles mesmos.
Saber que as coisas tinham uma ordem, sugeria que esta ordem era
de responsabilidade de algum. Algum invisvel, mas que agia na
natureza. Algum com poderes sobrenaturais e, por conseqncia, um ser
sobrenatural. Mesmo que este ser tenha caractersticas humanas.
Todos estes fatos levam a crer que o homem da poca acreditava na
existncia de um ou mais seres sobrenaturais que causavam todos
estes acontecimentos. Isto o levou a procurar ter influncia sobre
estes deuses para que eles pudessem ter as suas atividades dirias
concludas com xito.
Na poca Neoltica, a colheita foi aos poucos sendo substituda
pela agricultura, assim como a caa pela criao de animais.
Parece bvio que medida que a agricultura e a criao de animais se
tornam estabelecidas pela humanidade, as plantas das quais o homem
e animais dependem para viver,
2 O Homem de Neandertal (400 mil 50 mil a.p.) foi contemporneo
do homo sapiens arcaico (500 mil anos
a.p) e do homem moderno (homo sapiens sapiens 100 mil a.p.),
embora s tenha surgido na Europa.
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tornam-se importantssimas. O ciclo agrcola torna-se fator
dominante para as comunidades da poca e alvo das manifestaes
religiosas. Ainda hoje so encontrados em vrias partes do mundo
festivais e ritos para assegurarem bons resultados na colheita.
Isto ocasionou uma maior dependncia dos homens com os seres
divinos, pois o processo agrcola lento e independente do homem,
deixando-o na passividade. J a caa dependia muito da astcia e da
coragem do caador, assim como de sua fora e agilidade.
1.2. OS IRUNMALS
Para os iorubs a existncia transcorre simultaneamente em dois
planos: no ai3 e no orum.
O ai o mundo material, palpvel, onde vivem os ara-ai, os seres
naturais. Orum o mundo imaterial, transcendente, onde vivem os
ara-orum, os seres sobrenaturais.
Quanto ao orum, Juana dos Santos insistente:
(...)o espao run compreende simultaneamente todo o do iy, terra
e cu inclusos, e conseqentemente todas as entidades sobrenaturais,
quer elas sejam associadas ao ar, terra ou s guas, e que todas so
invocadas e surgem da terra. assim que os ra-run so tambm chamados
irnmal (...) (SANTOS, 1986:72)
no orum que se encontra Olodumar (ou Olorum, Ob-orum, etc.), o
deus supremo dos iorubs e detentor dos poderes que possibilitam e
regulam toda a existncia, tanto no orum como no ai. Esses poderes
foram transmitidos para os irunmals, de acordo com suas funes.
Os irunmals so divididos em dois grupos: os quatrocentos
irunmals da direita e os duzentos irunmals da esquerda.
Os nmeros assinalados no significam, para os iorubs, nmeros
regulares, limitados, mas sim, que o nmero duzentos represente,
simbolicamente, um nmero grande e o quatrocentos um nmero muito
grande4.
O sentido utilizado para direita e esquerda muito profundo e
exige um estudo pormenorizado que no caberia neste trabalho. A obra
de Juana dos Santos5 excepcional e indispensvel para essa
compreenso.
3 No decorrer de todo o trabalho utilizarei as palavras da lngua
Iorub transformadas foneticamente para a
lngua portuguesa, a fim de tornar mais inteligvel a pronncia por
parte do leitor. 4 Segundo VERGER, 1997:21
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1.2.1. Os quatrocentos irunmals da direita: os orixs funfun Os
quatrocentos irunmals da direita so os orixs, no os orixs como so
conhecidos
no Brasil, mas sim um grupo mais restrito. Seriam os orixs
funfun, ou orixs do branco, mais conhecidos no Brasil como Oxals.
Na frica so chamados Orixanl (grande orix), Obatal (rei do pano
branco), ou ainda Obarix (rei dos orixs). So divindades
relacionadas criao do mundo e dos homens. Um mito iorub conta como
se realizou essa faanha.
Olorum-Olodumar encarregou Obatal, o senhor do pano branco, de
criar o mundo. Para isso lhe entregou o saco da criao. Obatal foi
consultar Orunmil, que lhe recomendou fazer oferendas para ter
sucesso na misso. Mas obatal no levou a serio as prescries de
Orunmil, pois acreditava somente em seus prprios poderes.
Odudu, o irmo mais novo, observava tudo atentamente e naquele
dia tambm consultou Orunmil. Orunmil assegurou a Odudu que, se ele
oferecesse os sacrifcios prescritos, seria o chefe do mundo que
estava para ser criado. Odudu fez as oferendas.
Chegado o dia da criao do mundo, Obatal se ps a caminho at a
fronteira do alm onde Exu o guardio e no fez as oferendas nesse
lugar, como estava prescrito. Exu ficou muito magoado com a
insolncia e usou seus poderes para se vingar de Oxal provocando-lhe
uma grande sede.
Obatal aproximou-se de uma palmeira e tocou seu tronco com seu
basto fazendo jorrar vinho em abundncia, que bebeu at embriagar-se,
adormecendo na estrada, sombra da palmeira de dend. Quando se
certificou do sono de Oxal, Odudu apanhou o saco da criao e foi a
Olodumar lhe contar o ocorrido. Olodumar viu o saco da criao em
poder de Odudu e confiou a ele a criao do mundo.
Com quatrocentas mil correntes Odudu fez uma s e por ela desceu
at a superfcie de ocum, o mar. Sobre as guas sem fim, abriu o saco
da criao e deixou cair um montculo de terra. Soltou a galinha de
cinco dedos e ela voou sobre o montculo, pondo-se a cisc-lo. A
galinha espalhou a terra na superfcie da gua. Odudu exclamou na sua
lngua: Il nf!, que o mesmo que dizer a terra se expande!, frase que
depois deu nome cidade de If, cidade que est exatamente no lugar
onde Odudu fez o mundo. Em seguida Odudu apanhou o camaleo e fez
com que ele caminhasse naquela superfcie, demonstrando assim a
firmeza do lugar. Obatal continuava adormecido. Odudu partiu para a
Terra para ser seu dono.6
Obatal despertou e, tomando conhecimento do ocorrido, voltou at
Olodumar contando sua histria. Olodumar, para castig-lo, proibiu-o
de beber vinho-de-palma, ele e todos os seus descendentes. Mas
Olodumar deu outra misso a Obatal: a criao de todos os seres vivos
que habitariam a Terra. E assim Obatal criou todos os seres vivos.
Ele modelou em barro os seres humanos e o sopro de Olodumar os
animou. O mundo agora se completara e todos louvaram Obatal
No prximo captulo veremos que Odudu o ancestral dos reis
iorubs.
5 Os nag e a morte: pde, ass e o culto gun na Bahia : Petrpolis,
Vozes, 1986
6 PRANDI, 2001:503
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Segundo Verger (1997:254) os orixs funfun seriam em nmero de
cento e cinqenta e quatro. Estes orixs so cultuados, cada um, em
uma cidade diferente, onde ele pode ser o padroeiro dessa cidade,
ou um orix secundrio. Entretanto, mesmo no sendo o padroeiro da
cidade ou comunidade, ele tem grande importncia graas a sua relao
com a criao, mantendo, assim, uma posio de destaque, possuindo um
ritual prprio e sacerdotes prprios tambm7.
Desenvolveram-se rituais muito semelhantes para estes orixs nas
diferentes cidades em que se apresenta, o que nos leva a crer que,
na verdade, estes orixs so os desdobramentos de um nico orix
(Orixanl) cultuados em diferentes locais, e no divindades
diferentes.
Como divindades do branco, tudo o que for branco lhes pertence.
S se vestem com essa cor e seus pertences so marcados com pintas
brancas. Os albinos, por terem a pele branca, so tambm consagrados
a este orix.
Com rarssimas excees, estes orixs se apresentam como sendo muito
velhos, lentos e sbios. Como todas as culturas antigas, existe
tambm na frica um grande respeito pelos mais idosos, graas a relao
com a ancestralidade, cosmoviso que se evidencia na representao da
maior divindade do panteo iorub.
So representantes do poder fecundador masculino, sendo
considerados os pais da humanidade. Tambm so considerados como pais
dos duzentos irunmals da esquerda. Ento conclumos que os orixs
funfun so os grandes senhores deste mundo (ai) e do outro tambm
(orum).
Suas oferendas so constitudas por alimentos brancos ou claros.
Os animais oferecidos em sacrifcio so tambm de pelagem ou penugem
branca. muito utilizado como oferenda o igbin, um caracol grande
muito comum na regio.
Verger nos conta que, em If, a Meca dos iorubs, so sacrificadas
duas cabras para Orixanl e Iemou, sua nica esposa o que ressalta
aqui que os africanos so poligmicos. A primeira cabra, aps os
procedimentos litrgicos, cozida e distribuda a todos os
participantes, j a segunda sofre um tratamento diferente.
Antigamente era um ser humano que devia ser sacrificado8, por
isso evita-se tocar no animal que, aps a imolao, arrastado com uma
forquilha e jogado no mato. Comer a carne desta cabra seria atrair
para si uma maldio, e tambm seria antropofagia.
7 Em todas as cidades iorubs, independentemente do irunmal
padroeiro, existem templos para os orixs funfun
e para Exu, Com ritos e sacerdotes distintos. 8 VERGER,
1997:256
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A cidade de Ejigb, tambm tem um ritual especfico para Orixanl,
aqui chamado de Orix Oguian Oxangui no Brasil. Este orix muito
especfico, pois, ao contrrio dos outros orixs, que so velhos e
serenos, este jovem e guerreiro.
Seu nome deriva de rsjiyn, orix-comedor-de-inhame-pilado,
segundo a lenda este orix tem um apetite descontrolado por esta
iguaria chamada ian em iorub. Foi ele quem inventou o pilo para
facilitar o seu preparo. Ele tambm o fundador da cidade de Ejigb e
ancestral dos reis locais que ostentam o ttulo de Elejigb, o Senhor
de Ejigb.
Este orix funfun considerado o deus da cultura material, pois
teria ensinado Ogum a lutar e a fazer as ferramentas de ferro, da
mesma forma que o ensinou o cultivo da terra.
Orunmil outro dos orixs funfun que tem particularidades bem
diferenciadas dos demais. Possui as mais altas posies no panteo
iorub.
Orunmil o deus da adivinhao. Ele conhece todos os destinos dos
homens. Um itan (mito) conta como ele adquiriu esse
conhecimento.
Obatal reuniu as matrias necessrias criao do homem e mandou
convocar seus irmos orixs. Apenas Orunmil apareceu, por isso Obatal
o recompensou. Permitiu que apenas ele conhecesse os segredos da
construo do homem. Revelou a Orunmil todos os mistrios e os
materiais usados na sua confeco. Orunmil tornou-se assim o pai do
segredo, da magia e do conhecimento do futuro. Ele conhece as
vontades de Obatal e de todos os orixs envolvidos na vida dos
humanos. Somente Orunmil sabe de que modo foi feito cada homem, que
venturas e que infortnios foram usados na construo de seu destino.
(PRANDI, 2001:447)
O sacerdote de Orunmil denominado babalau, o pai para tudo. Ele
utiliza o orculo de If (Orunmil) para conhecer o destino dos homens
e mulheres que o procuram. Os iorubs no fazem viagens longas sem
consultar antes o babalau. Tambm o consultam para saber o sexo dos
filhos antes de nascer, e qual o seu destino. Dependendo da
resposta dada pelo orculo, ele ter sua vida conduzida para se
tornar um mercador, lavrador ou sacerdote, antes mesmo de seu
nascimento.
Orunmil o smbolo coletivo dos irunmals9, por isso no se
manifesta em seus iniciados. Ele apenas comunica-se com eles atravs
do orculo, o jogo dos bzios.
1.2.2. Os duzentos irunmals da esquerda: os ebors
9 SANTOS, 1986: 167.
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Os duzentos irunmals da esquerda so todas as outras divindades
cultuadas pelos iorubs Ogum, Oi, Xang, Oxumar,... e Egum
(ancestrais) e so chamados de ebors.
Os ebors so divindades menores, intermedirias entre Olorum e os
seres humanos. Alguns ebors so objetos de culto de toda uma cidade.
Quando essa cidade tem um soberano, os ebors servem para reforar a
autoridade do lder, que pode ser um rei (Ob), um rico mercador
(Bal) ou um chefe de aldeia.
Entretanto, a grande maioria dos ebors est intimamente ligado
noo de famlia.
A famlia numerosa, originria de um mesmo antepassado, que
engloba os vivos e os mortos. O orix (ebor) seria, em princpio, um
ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vnculos que lhe
garantiam um controle sobre certas foras da natureza, como o trovo,
o vento, as guas doces ou salgadas, ou, ento, assegurando-lhe a
possibilidade de exercer certas atividades como a caa, o trabalho
com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades
das plantas e de sua utilizao. O poder, se, do ancestral-orix
teria, aps a sua morte, a faculdade de encarnar-se momentaneamente
em um de seus descendentes durante um fenmeno de possesso por ele
provocada. (VERGER, 1997:18)
Estes seres excepcionais no poderiam simplesmente morrer, mas
sim, transcender a morte de forma que no sobrasse nem mesmo um
corpo para ser enterrado. Esta a grande diferena entre os ebors
divindades e os ebors ancestrais.
Grosso modo, pode-se dividir o estudo dos ebors em pequenos
grupos para melhor entendimento. Essa diviso se d pelas
similaridades de arqutipo e funes sociais dessas divindades.
1.2.2.1. Divindades da cultura material Pode-se agrupar nessa
categoria os ebors cujos cultos so indispensveis para o bom
andamento da vida cotidiana das pessoas. A agricultura foi a
base da economia iorub at meados do sculo XIX, quando descobriu-se
petrleo na regio. Desta feita divindades ligadas agricultura tem
grande destaque religioso.
Grande artfice da natureza, Ogum o ebor que personifica o homem
pr-histrico. Ele um dos pouqussimos ebors cultuados por quase todo
o territrio iorub.
Ogum desbravador, conquistador, guerreiro feroz e destemido. Foi
o deus Orix Oguian quem lhe ensinou a lutar e a trabalhar com o
ferro e com a agricultura. Mas foi Ogum quem entregou os segredos
dessa cultura aos homens. Por isso ele chamado de Ogum Alagbed, o
ferreiro. Ele confeccionava as ferramentas para poder cultivar a
terra de forma
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que tambm ficou conhecido como o deus da agricultura, da a
importncia desse ebor para todos os povos de lngua iorub.
Segundo a mitologia iorub, o filho primognito de Odudu, fundador
dos iorubs. considerado o mais ativo entre todos os ebors. Aliado
poderoso, guerreiro feroz,
Ogum lder, centralizador de poder e hbil estrategista.
A caa tambm motivo para cultos especficos, pois esses povos
viviam em florestas e caar era um fator importante na economia de
subsistncia, assim como a pesca e a criao de animais (caprinos e
ovinos).
Od o deus dos caadores iorubs. Pede-se sua proteo quando o
caador se embrenha na floresta em busca do alimento.
O povo iorub constitudo por varias etnias que falam a mesma
lngua e possuem uma cultura semelhante, assim existem vrios deuses
da caa que esto diretamente relacionados s famlias que os cultuam
ou s cidades.
Ento temos: Oxossi em Queto, onde esse deus foi rei, recebendo o
ttulo de Alaketu; Ij em Oi; Or ou Oreluer em If; Otin em Inix;
Erinl e Ibualama em Ilobu na regio de Ijex; Loguned o filho de
Erinl e Oxum Ipond, seu culto tem lugar na cidade de Ilex, tambm na
regio de Ijex.
1.2.2.2. Divindades da sade Claro que toda civilizao antiga
possua um ou mais deuses responsveis,
exclusivamente, pela sade de seu povo. Entre os iorubs no foi
diferente e percebemos dois ebors bem distintos, que no tm nada em
comum a no ser o fato de serem cultuados esperando-se a sade fsica
e, subseqentemente, a manuteno da vida.
Ossnim a divindade das plantas medicinais e litrgicas. Segundo
Verger (1997:122) o nome das plantas, sua utilizao e as palavras
(of), cuja fora desperta seus poderes, so os elementos mais
secretos do ritual no culto aos deuses iorubs.
Ele vive na floresta em companhia de Aroni, um anozinho com uma
perna s, que fuma constantemente um cachimbo feito de caracol.
Ossnim tem um sacerdote prprio denominado olossnim, senhor de
Ossnim. tambm chamado de Onixegum, curandeiro.
Em If, Elisij que ocupa o lugar de curandeiro. Um fator
importante que os olossnim no entram em transe de possesso,
eles
adquirem a cincia do uso das plantas aps uma longa
aprendizagem.
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O ebor Xapan conhece os segredos da vida e da morte, por isso
ele chamado de Omolu, filho do senhor, ou Obaluai, rei dono da
terra. a divindade das pestes, da varola, das doenas de pele. Tem o
poder de afastar as doenas, mas tambm pode traz-las.
Cobre-se com um manto de palha da cabea aos ps, pois sua pele
coberta de chagas e feridas. Carrega consigo um cetro, semelhante a
uma vassoura que se chama xaxar, feito de palitos de dendezeiro
bordado com palha-da-costa e muitos bzios.
O vnculo de seu nome com as doenas faz deste Orix o protetor da
sade daqueles que o cultuam e faz com que seja constantemente
procurado para resolver problemas ligados a esta rea.
A origem desse ebor est ligado ao oeste, mais precisamente o
Daom, onde esse deus cultuado sob o nome de Sakpat. Assim como os
iorubs, os daomeanos evitavam cham-lo assim, preferindo invoc-lo
como Ainon, que, como Xapan entre os iorubs, significa Senhor da
Terra.
1.2.2.3. Divindades dos rios interessante notarmos como os povos
antigos sempre cultuaram, como divindades
ligadas fecundidade, deusas de rios. Enquanto que o touro era
cultuado como smbolo fecundador, por isso o seu sacrifcio sobre a
terra a ser semeada, o peixe o smbolo da procriao, da
multiplicidade e da filiao.
A mulher, como ser que fecundada e cujo fruto dessa fecundao uma
nova vida, est sempre ligada fertilidade e a gerao de vidas. Ora,
isso no passou despercebido pelos africanos, da os iorubs possurem
vrias deusas de rios ligadas fertilidade tanto dos animais quanto
dos seres humanos.
Entre elas temos Oi, a senhora da tarde, dona dos espritos,
carregadeira de eb (alimento), senhora dos raios e tempestades. Ela
a deusa do rio Nger e tem o apelido de Ians (iy = me / mesan =
nove) em aluso aos nove braos do delta desse rio. Diz-se que ela
teve nove filhos, outra explicao para o apelido.
Oi foi uma princesa real na cidade de Ir, na Nigria.
Sobrinha-neta do rei Elempe, e neta de Torssi (me de Xang),
conquistou com valentia, coragem e dedicao seu caminho para o trono
de Oi.
Conhecedora de todos os meandros da magia encantada, Oi nunca se
deixou abater por guerras, problemas ou disputas. Nobre guerreira,
jamais tripudiou sobre inimigos e rivais vencidos.
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Foi mulher de seu primo Xang, e ajudou-o a conquistar os reinos
que foram anexados ao imprio iorub. Porm, quando ele tentou invadir
Nupe e Tapa, onde Oi havia nascido, ela o abandonou e postou-se na
entrada daquelas cidades disposta a enfrent-lo. Como nem mesmo Xang
ousou desafi-la, ningum passou.
Oi a menina dos olhos de Orixanl, seu protetor, e a nica
divindade que entra no Bal de Egum (casa dos mortos), por seu poder
e oniscincia.
Outra deusa de rios, Ob a senhora das ilhas e pennsulas e foi a
terceira mulher de Xang, e sua lenda fala de uma terrvel rivalidade
entre ela e Oxum, a segunda esposa.
Sabendo do apetite de seu marido, procurava sempre surpreend-lo
com pratos de que gostasse. Um dia, Oxum resolveu pregar uma pea em
Ob, e apareceu usando um leno enrolado em volta da cabea,
escondendo as orelhas. Disse que havia preparado suas orelhas numa
receita muito especial, e servido a Xang. Querendo agradar seu
esposo, Ob resolveu imitar a rival. Cortou uma de suas orelhas e
preparou a receita a Xang. Ele ficou furioso, e Ob, percebendo que
havia sido enganada, entrou numa violenta luta corporal com
Oxum.
Mais irritado ainda, Xang fez explodir todo o seu furor. As duas
mulheres, apavoradas, fugiram e se transformaram nos rios que levam
seus nomes. No ponto onde os dois rios se encontram, existem
corredeiras e as ondas se agitam, numa lembrana da antiga disputa
entre as divindades.
Ob a mais velha dos ebors femininos. Ele teria sido a primeira
esposa de Ogum, que, posteriormente, o teria abandonado por
Xang.
Deusa do rio de mesmo nome, Oxum carrega consigo predicados de
beleza, riqueza e a capacidade de proteo social. uma ninfa da
cultura iorub, cuja cidade, Oxogb, na Nigria, est localizada s
margens desse rio. Ela a dona do ovo, a maior clula viva.
Diz a lenda que ela era a segunda mulher de Xang, tendo vivido
antes com Ogum, Orunmil e Od. Seu pai teria sido Orixanl. Mulheres
que desejam ter filhos costumam fazer seus pedidos a Oxum.
Conta-se que quando os irunmals chegaram a terra, costumaram
reunir-se sem a presena das mulheres. Aborrecida por no poder
participar das deliberaes, Oxum preparou sua vingana, trazendo a
esterilidade s mulheres, e impedindo que os objetivos dos deuses
fossem alcanados. Os irunmals buscaram ento a ajuda de Olodumare,
que lhes explicou que sem a presena de Oxum nada poderia dar certo.
Dengosa, ela demorou a aceitar o convite para que participasse das
reunies, mas finalmente concordou, e a fecundidade voltou.
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Filha de Olocum, a senhora dos oceanos, Iemanj a deusa do rio
Ogun (no o ebor). Diz a lenda, foi casada com Odudu, homem poderoso
com quem teve dez filhos. Um
dia, cansada de sua permanncia em If, foge na direo oeste,
levando consigo uma garrafa que havia ganho certa vez de sua me,
contendo um misterioso preparado, a qual ela deveria quebrar
jogando ao cho quando estivesse em perigo.
Iemanj instalou-se em Abeocut. O marido lana seu exrcito em sua
busca com o objetivo de traz-la de volta a If. Quando se v cercada,
ela no se entrega, mas segue os conselhos de Olocum e quebra a
garrafa. Imediatamente forma-se um rio, que a leva para ocum, o
mar, morada de Olocum.
A lenda acima , com certeza, a representao mitolgica de um fato
histrico. A nao egb vivia na regio de If, prximo ao rio Iemanj, e
foram expulsos de l por
Odudu. Eles, ento, migraram de If a Abeocut, levando os
assentamentos da deusa, se estabelecendo s margens do rio Ogun, no
bairro de Ibar.
Deusa dos pntanos, Nan Burucu representa a memria ancestral da
humanidade pr-histrica. A mais antiga das divindades vindas do
oeste.
Verger (1997: 236) d uma srie de pistas sobre a provvel origem
dessa deusa que chegou a ocupar a posio de ser supremo entre os
achanti, no atual Gana. Esta posio, ostentada e perdida mais tarde
para Orixanl, , provavelmente, um resqucio cultural da poca em que
os africanos respeitavam a linhagem matriarcal de famlia. Da ela
representar a memria transcendental do ser humano e o acervo das
reaes pr-histricas de nossos antepassados.
Na liturgia dos sacrifcios a essa divindade, no se pode utilizar
objetos feitos de metal (facas, por exemplo), pois isso uma
restrio. Mais um pressuposto para a crena de que essa divindade
anterior a idade dos metais desenvolvida nessa regio.
Como todas as divindades femininas, Nan Burucu est ligada gua.
As guas paradas e pntanos lhe pertencem, numa referncia s guas
primordiais de onde Obatal criou os seres humanos.
1.2.2.4. Divindades originrias do oeste
-
14
Devido s diversas guerras eclodidas entre os iorubs e os
jejes10, do Daom (hoje Benin, Togo e parte do Gana), houve
aculturaes e sincretismos religiosos entre essas etnias
africanas.
Os daomeanos importaram os deuses iorubs modificando apenas seus
nomes (tal qual os romanos sobre os gregos), mas a cultura iorub
tambm adotou alguns deuses daomeanos por no possurem semelhante em
sua cultura. Tambm mudaram os nomes desses deuses, conservando suas
caractersticas.
J conhecemos dois deles, Xapan e Nan Burucu, que, por terem
caractersticas mais semelhantes a outros deuses, os classifiquei de
forma diferente.
Entre os deuses do Daom, temos a grande serpente do arco-ris,
smbolo da aliana entre os homens e a eterna paz dos deuses, Oxumar
, segundo Verger (1997: 206), o orix da riqueza. Mitologicamente
seria um hermafrodita, macho e fmea em um s corpo, um servidor de
Xang, que teria a funo de recolher a gua cada sobre a Terra e
lev-la de volta s nuvens.
Originrio do Daom o deus conhecido pelos fons como Dan ou
Bessen. Simboliza o movimento, a atividade, a continuidade e a
permanncia. s vezes representado por uma serpente enroscada que
morde a prpria cauda. Outras, como uma serpente que envolve toda a
Terra, como se, com sua fora, impedisse a desagregao do
planeta.
Assim como Iemanj e Oxum, Eu tambm uma divindade feminina das
guas e, s vezes, associada fecundidade. reverenciada como a dona do
mundo e dona dos horizontes. a deusa do rio Eua. Apesar disso no a
inclu na categoria anterior porque sua ligao com os rios secundria
e quase despercebida.
Em algumas lendas aparece como a esposa de Oxumar, como sua
metade mulher, pertencendo a ela a faixa branca do arco-ris. Em
outras ele esposa de Xapan.
Ebor que protege as virgens e tudo o que inexplorvel, Eu tem o
poder da vidncia. Senhora do cu estrelado rainha do cosmos, ela est
no lugar onde o homem no alcana. representada pelo raio do sol,
pela neve, pela saliva.
Seu smbolo o arco e flecha dourado, assim como o arpo, uma
espingarda ou uma serpente de metal. Uma deusa de muitos mistrios,
pouco se sabe a seu respeito.
10 O termo jeje (pronuncia-se gge) originrio da lngua iorub, e
quer dizer estrangeiro. Os iorubs
consideravam como jejes os fons, eus, achantis, adels, gens,
huedas, mahis, etc.
-
15
De tudo o que estudamos at aqui, nota-se um relacionamento
vigoroso entre os iorub e os elementos que constituem o mundo
natural.
Como vimos anteriormente, o transcendente e o imanente esto
ligados. O smbolo dessa ligao a rvore, pois suas razes bem fincadas
na terra, adentram o mundo dos mortos, enquanto que sua copa
vagueia pelo espao inatingvel.
evidente, ento, que existam seres imateriais que habitam essas
rvores, ou mesmo que sejam elas.
Iroco partcipe do culto ancestral feito s rvores sagradas
(Iroko, Apaoka, Akoko, etc). o ebor da floresta, das rvores, do
espao aberto; por extenso governa o tempo em seus mltiplos
aspectos. cultuado pelos mahis com o nome de Loc.
referido como "ebor do grande pano branco que envolve o mundo",
numa aluso clara s nuvens do Cu.
As rvores nas quais Iroco cultuado normalmente so de grande
porte; so enfeitadas com grandes laos de pano branco e ao p dessas
rvores so colocadas suas oferendas. Jamais uma dessas rvores pode
ser derrubada sem trazer srias conseqncias para a comunidade.
No culto aos vodum, Loc ocupa lugar destacado, comparado somente
a Liss (vodum equivalente a Orixanl) e Dan (Oxumar).
Iroco invocado em questes difceis, tais como desaparecimento de
pessoas ou problemas de sade, inclusive a mental.
1.2.2.5. Outras divindades Alguns ebors, por serem ligados a uma
cidade ou ao coletivo, recebem tratamento
especial, tendo sacerdotes e rituais especficos. Desses
explicitarei apenas aqueles cuja cultura se transps ao Brasil na
poca da escravatura.
Entre esses ebors temos Exu, que pertence tanto aos irunmals da
direita quanto aos da esquerda, pois serve de veiculao da fora
imaterial divina, o ax, entre os orixs e os ebors, intercomunicando
todo o sistema. (SANTOS, 1986:75)
Por isso ele sempre o primeiro a ser cultuado nos rituais. Os
sacrifcios e oferendas devem ser sempre feitas primeiro a ele. A no
observncia desse dogma pode gerar diversos distrbios provocados
pelo prprio.
Exu um dos nicos (se no o nico) ebor que aparece nos rituais de
todos os povos da frica antiga e mesmo em outras culturas que nada
tem a ver com as culturas africanas. Tambm chamado de Elegbar, o
senhor da vida.
-
16
a divindade da procriao, portanto da vida, e rege a fertilidade
e a libido. Exu quem permite que se possa extrair todo o prazer do
amor. , para as religies africanas, o executor da ordem divina:
crescei e multiplicai-vos. o mensageiro dos irunmals, ele quem leva
as splicas dos seres humanos ao orum e traz as ordens e bnos dos
deuses. Tal qual o deus Hermes da mitologia grega, ou Mercrio da
Romana.
Exu a liberdade, a procriao, o orix do culto beleza. Autntico,
verdadeiro, objetivo e flexvel, atravs dos tempos e das culturas
este orix se manifesta de diferentes formas, em muitas lendas.
Uma delas conta que uma mulher se encontra no mercado vendendo
seus produtos. Exu pe fogo na sua casa, ela corre para l,
abandonando seu negcio. A mulher chega tarde, a casa est queimada
e, durante esse tempo, um ladro levou as suas mercadorias. Isso no
teria acontecido se ela tivesse feito a Exu as oferendas e
sacrifcios usuais.
Legba Exu entre os fons, assim como Bombogiro entre os bantus de
Angola.
Segundo as lendas antigas, Odudu, aps dominar If, mandou seus
filhos conquistarem as regies vizinhas a fim de formar vrios reinos
ligados ao seu prprio. Assim Ogum fez, e lutou em vrios lugares
trazendo o esplio das batalhas como presente para seu pai.
Numa dessas ocasies, trouxe uma donzela to linda que ele mesmo
no resistiu e a possuiu. Com medo, no falou nada a seu pai, Odudu.
Este, quando viu a beleza da moa, ficou perturbado e a possuiu
naquela noite. O fruto desse tringulo amoroso Oraniam, que possua
uma caracterstica muito pitoresca. Ele era metade branco e metade
preto. Ora, Ogum era um homem negro, enquanto que Odudu tinha a
pele branca (provavelmente albino).
Oraniam se tornou um grande guerreiro e conquistou Oi,
tornando-se o primeiro Alafin-Oi, o rei de Oi. Teve dois filhos:
Dad Ajac e Xang, de quem estudaremos agora.
Orix da justia e do fogo, Xang o terceiro Alafin-Oi, e viveu em
1450 a.C., destacando-se pela sua valentia e liderana. Foi marido
de Oxum, Ob e Ians.
Castiga mentirosos, infratores e ladres. Por isso a morte pelo
raio considerada infamante, assim como uma casa atingida por uma
descarga eltrica tida como marcada pela ira de Xang.
O xer um chocalho feito de porongo alongado, que quando agitado
lembra o barulho da chuva, um dos smbolos de Xang. Outro smbolo bem
conhecido o ox, um machado de duas lminas que deixava Xang muito
poderoso.
-
17
Garboso, ele conhecido tambm como o dono das mulheres. Ele filho
de Oraniam e tem Tobssi como me. Tobssi era a filha de Elemp, rei
dos Taps, aquele que havia firmado uma aliana com Oraniam. Xang
cresceu no pas de sua me, indo instalar-se, mais tarde, em Koss,
onde os habitantes no o aceitaram por causa de seu carter violento
e imperioso; mas ele conseguiu, finalmente, impor-se pela fora. Em
seguida, acompanhado pelo seu povo, dirigiu-se para Oi, onde
estabeleceu um bairro que recebeu o nome de Koss. Conservou, assim,
seu ttulo de Ob Koss (rei de Koss).
Dad Ajak, irmo mais velho de Xang, reinava em Oi. Descontente
com a forma que seu irmo conduzia a administrao da cidade, Xang
destronou-o, exilando-o em Igboho. Assim comeou a histria de um
poderoso rei que anexou todo o oeste da Nigria ao Imprio Iorub.
1.3. OS ANCESTRAIS
A maioria das religies antigas venera, alm das divindades, os
ancestrais ou os espritos dos ancestrais. Eles agradecem seus
antepassados por terem inventado a p, a foice ou enxada, sem os
quais no conseguiriam executar a tarefa da agricultura ou outras
atividades.
Ainda na Era Paleoltica Superior (30 a 10.000 a.C.) o homo
sapiens tinha um timo relacionamento com seus avs, dos quais
herdaram tcnicas das mais variadas, alm de que seus enterros eram
bem mais elaborados com evidncias de cerimoniais, etc.
Entre os iorubs a cultura aos ancestrais tem um destaque
diferenciado, comparando com outras culturas. Na maioria das
religies antigas, onde o ancestral tem uma posio sempre presente no
consciente coletivo da famlia ao qual pertence, sendo venerado e
lembrado a todo o instante, na religio iorub o ancestral se
materializa diante do devoto que pode render suas homenagens
diretamente a ele, inclusive tendo uma conversa pessoal, onde o
ancestral expressa sua vontade e abenoa a famlia.
Como vimos anteriormente, os irunmals so divididos em dois
grupos: os quatrocentos irunmals da direita (orixs funfun) e os
duzentos irunmals da esquerda (ebors). Entre os ebors esto, tambm,
os eguns, os ancestrais.
-
18
Enquanto os Irnmal-entidades-divinas, os rs, esto associados
origem da criao e sua prpria formao e seu se foram emanaes diretas
de Olrun, os Irnmal-ancestres, os gn, esto associados histria dos
seres humanos11.
Embora se tem colocado os orixs12 como ancestrais divinizados,
os iorubs no os percebem assim. Para eles existe uma grande
diferena entre os orixs, entidades divinas, e os eguns, espritos de
seres humanos falecidos.
Juana dos Santos (1986: 103) explica essa diferena:
Se os pais e antepassados so os genitores humanos, os rs so os
genitores divinos; um individuo ser descendente de um rs que
considerar seu pai Baba mi ou sua me Iy mi de cuja matria simblica
gua, terra, rvore, fogo, etc. ele ser um pedao. Assim como nossos
pais so nossos criadores e ancestres concretos e reais, os rs so
nossos criadores simblicos e espirituais, nossos ancestres divinos.
Assim cada famlia considerar um determinado rs como o patriarca
simblico e divino de sua linhagem, sem o confundir com seu ou seus
gn, patriarcas e genitores humanos, cultuados em assentos, em datas
e em formas bem diferenciadas. O culto dos rs atravessa as
barreiras dos cls e das dinastias. O rs representa um valor e uma
fora universal; o gn um valor restrito a um grupo familiar ou a uma
linhagem.
Entre os eguns, assim como os orixs, existe uma diviso: h os
eguns da direita, masculinos; e os eguns da esquerda,
femininos.
Os eguns masculinos so cultuados na sociedade Egungun, onde tm
seus assentamentos coletivos, ou seja, que os representa a todos, e
os assentamentos particulares, que representam pessoas falecidas.
Quando da materializao desses espritos, recebem roupagens e nomes
diferentes que os particularizam. O sacerdote chefe dessa sociedade
o Babaoj ou Alapini, que regula as aes dos eguns materializados
mediante o uso do atori, uma vara fina e longa que bate
constantemente nos eguns.
Na sociedade Geled ou Elec, so cultuados os ancestrais
femininos, as poderosas I mi Oxorong. A organizao dessa sociedade
desconhecida, no entanto se sabe que os assentamentos das I mi
Oxorong so sempre coletivos, e quando da sua manifestao representam
a coletividade.
Fazendo uma anlise superficial do tema, parece que mais uma vez
nos deparamos com a mudana da sociedade que antes era matriarcal,
para a patriarcal. Pois, segundo as lendas sagradas iorubs, eram as
I mi Oxorong quem mandavam nos homens assustando-os com
11 SANTOS, 1986: 102.
12 A partir daqui utilizarei o termo orix como genrico para
todos os deuses iorubs, quando me referir a
orix funfun, a so os quatrocentos irunmals da direita.
-
19
egum, que era seu escravo. Foi Orunmil quem as enganou e
destituiu-as desse poder, tornando-se, assim, o grande dono dos
eguns.
1.4. RITOS E LITURGIAS
As liturgias iorubs so at simples se comparadas sua cosmologia.
Segundo Verger13, a semana iorub tem quatro dias sendo que um deles
chamado oss. Ele traduz oss como domingo outros autores afirmam que
o termo designa a semana em si definindo-O como o dia consagrado ao
orix.
H os pequenos domingos (oss keker) onde so renovadas as
oferendas incruentas, das quais falarei mais adiante, e os grandes
domingos (oss nl). Neste ltimo so realizadas procisses onde o
assentamento do orix lavado com gua da nascente de um rio; e
sacrifcios de animais acompanhados de grandes festas coletivas,
muitas vezes patrocinados pelo rei (ob) do local ou dono de mercado
(bal), onde os orixs podem se manifestar em seus nefitos, danar
entre seus descendentes e abenoar todas as pessoas que estiverem
presentes.
Existem vrios tipos de oferendas destinadas aos deuses e aos
antepassados. Os iorubs eram agricultores ou pastores, por isso as
oferendas se constiturem da mesma forma.
Quando os iorubs faziam a colheita, o primeiro prato era para a
divindade da famlia ou da cidade ou comunidade. Da mesma forma
quando pretendiam fazer, por exemplo, uma comida a base de
galinhas. Antes de comer o animal, devia-se sacrific-lo aos orixs,
para, da sim, poder consumir sua carne.
Para os iorubs todo ser vivo foi criado por Orixanl, portanto
sua vida devia ser respeitada. Para poder se alimentar, o iorub
deve primeiro devolver aos orixs o ax, a energia vital divina,
assim ao consumir a carne do animal, seja uma galinha ou um
carneiro, ele estaria em comunho com o prprio deus.
Da mesma forma ocorre com os vegetais. A terra, da qual se
planta e se colhe; da qual se extrai o alimento, sagrada, pois foi
Odudu quem criou. Os homens podiam us-la, mas nunca possu-la.
As grandes festas pblicas so patrocinadas pelos reis, como
devoluo dos tributos pagos pelo povo. Nas festividades, so
homenageados o orix ou os orixs patronos da cidade. Nesta ocasio,
vem autoridades de cidades vizinhas congratular o rei e seu
povo.
13 Orixs: deuses iorubs na frica e no novo mundo. 1997, p.
88
-
20
Os sacerdotes fazem dos sacrifcios um grande banquete pblico,
acompanhado de muitos pratos verdes (legumes, verduras e frutas),
onde o povo se farta em agradecimento s bnos dos deuses e de seu
descendente vivo, o rei.
Os prprios orixs se apresentam na festa: primeiro Exu se
manifesta em olupon, seu sacerdote; depois vem os outros orixs,
Ogum, Xang, Oi e, por fim, Orixanl. Todos se curvam para receber as
benesses dos deuses que vieram do orum especialmente para o
festejo.
Existem dois grupos bem definidos durante os festejos. Os
sacerdotes, alax, so saudados kabiesi, a mesma saudao aos reis, o
que nos mostra a importncia desse cargo. Depois temos os iaorix, as
mulheres do orix. Apesar desse nome, os iaorixs ou ias, podem ser
tanto homens como mulheres. Isto porque o nefito est sujeito ao
orix do qual consagrado, no tendo nenhuma outra conotao.
Os ias so em grande nmero e foram todos iniciados por um alax.
Em alguns casos, o orix pode se manifestar em vrios ias ao mesmo
tempo, como em Ond14; em outros lugares (Oi por exemplo), apesar de
todos serem suscetveis a manifestao do orix, ele possuir apenas um.
Os ias tambm so chamados adoxu ou elegun, o que cavalgado pelo
orix.
Vimos at aqui a importncia que os deuses iorubs tem na sua vida
cotidiana. Clyde W. Ford, um terapeuta norte-americano e diretor
fundador do IAM Institute of African Mithology, em Washington,
empenhou-se em analisar a simbologia da mitologia africana, para
alicerar suas idias de resistncia afro-descendente contra o sistema
racista dos Estados Unidos.
Diz ele (1999, p. 31): ...essas aventuras de heris so mais do
que o enredo da histria; elas falam, por metforas, da aventura
humana pela vida. Os desafios do heri so nossos...Assim, muitos
traos que o heri demonstra para responder os desafios da jornada
simbolizam aqueles recursos pessoais a que todos ns devemos
recorrer para enfrentar os desafios da vida.
CAPTULO 2 - OS REINOS: Poltica, Economia, Sociedade
2.1. O ESPAO GEOGRFICO
14 VERGER, 1997 : 45
-
21
Existe um profundo vnculo entre o cenrio geogrfico africano e os
eventos histricos que nele se desenrolaram. A regio estudada a
denominada Golfo da Guin, parte sul da frica Ocidental, que rene os
atuais Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin, Nigria e Camares.
A regio dominada pelos iorubs vai do oeste do rio Nger (sudoeste
da Nigria) at o sul e regio central do Benin. Essa regio tem uma
geografia bastante singular, com as encostas banhadas pelo Oceano
Atlntico.
Na parte nigeriana observamos trs regies: um cinturo costeiro,
de manguezais e reas pantanosas; para alm das terras baixas da
costa, surge o vale do rio Nger; a regio seguinte a savana, que
alcana a rea semidesrtica do Sahel15, no extremo norte.
A costa de Benin uma barra arenosa e regular, batida por fortes
ondas e sem portos naturais. Atrs da barra, h uma srie de lagoas de
pouca profundidade nas quais desguam os rios. Em direo ao norte,
estende-se uma regio de terras baixas bastante frteis.
Ao longo da costa o clima equatorial, com fortes precipitaes. At
o norte, a massa de ar continental tropical leva ventos secos e
carregados de poeira; a temperatura e as precipitaes, que so muito
menores que no sul, variam com a estao. O sul est coberto pelos
restos de uma densa selva tropical.
Na montanha e na savana predomina uma pradaria de rvores
resistentes como o baob e o tamarindo; no noroeste do Sahel
prevalece uma vegetao semidesrtica. Nas regies pantanosas e de
selva podem se encontrar crocodilos e serpentes. Os grandes
mamferos africanos desapareceram. Restam alguns antlopes, camelos e
hienas.
2.2. ECONOMIA
Os espaos disponveis do continente africano deixaram sua marca
na vida econmica de muitos povos que no se preocuparam com os
cuidados indispensveis a manuteno da fertilidade da terra.
Desta pouca valorizao do solo deflui uma importante conseqncia
de ordem econmica, social e poltica: o maior valor atribudo ao
trabalho humano, mo-de-obra. Possuir homens que trabalham mais
importante que possuir terras.16
Como vimos no captulo anterior, os iorubs no tinham a noo de
propriedade do solo por que ele era obra dos deuses, portanto no
pertencia a ningum e seu uso era coletivo.
!"#$%&'
-
22
Entretanto, a escravido nunca foi um modo de produo na frica
pr-colonial. O escravo era entendido como mais uma pessoa para
trabalhar a terra. De fato, o escravo trabalhava lado a lado com
seu senhor, que no se percebia como seu dono.
Aos poucos os povos que vivam na regio dos iorubs, foram
abandonando a caa e a coleta, para se dedicarem ao pastoreio e ao
cultivo, principalmente, de tubrculos. Todos sabemos que o trabalho
com a terra rduo, sacrificante, e muitas vezes improdutivo, quando
de manifestaes violentas da natureza. Por isso os chefes de famlia
possuam muitas mulheres, para, assim, terem muitos filhos para
trabalhar a terra. s vezes os filhos no eram suficientes, ento se
faziam guerras para trazer um esplio de escravos para aumentar a
produo.
Mas sempre frisamos que, nessa poca, no houve um modo de produo
escravista, mas sim uma relao escravista de produo, muito
semelhante escravido patriarcal dos gregos.
A agricultura era a base econmica das comunidades, quase toda de
tubrculos tais como: inhame, taro17 e mais tarde a mandioca; tambm
cultivavam o sorgo18, vrios tipos de arroz, bananas e feijo; a
explorao da noz de cola, do amendoim e do dendezeiro era para a
fabricao de leos (que mais tarde lubrificariam os maquinrios
britnicos), assim como a palmeira.
O surgimento da agricultura, todavia, no extinguiu outras formas
de subsistncia. O caador ocupa um lugar de prestigio na sociedade
e, freqentemente, os reis se defendem como descendentes de grandes
caadores.
A pesca, obviamente, tambm fazia parte do cotidiano iorub.
Existem muitos rios e lagos na regio, alm do mar que proporcionava
grandes quantidades de pescado.
A coleta tambm resistiu, contudo, se referia no s a vegetais,
mas tambm a de origem animal. Lagartas, formigas, gafanhotos e
tartarugas, bem como mel, nenhum deles desprezado na luta diria
pela subsistncia. (PARKINGTON in GIORDANI, 1985: 140)
Todos esses artigos tinham relaes com as divindades, de forma
que a produo era autoregulada para no desagradar os deuses.
Os produtos eram oferecidos em um mercado cuja importncia grande
entre os iorubs, tendo o seu dono um ttulo comparvel ao de um
soberano. Verger (1997: 141) nos d a seguinte explicao:
()*&)*+
-
23
O mercado, na regio iorub, tem a mesma funo do Agora dos gregos
ou o Frum dos romanos: um lugar de reunio, onde todos os
acontecimentos da vida pblica e privada so mostrados e comentados.
No h nascimento, casamento, enterro, festa organizada por grupos
restritos ou numerosos, iniciao ou cerimnia para os orixs, que no
passem pelo mercado.
A relao mercadolgica no de compra e venda, mas sim de troca,
permuta.
2.3. POLTICA
Desde o ano 1000 j se contam diversos reinos iorubs. Cada um
centrava-se numa cidade-capital onde famlias de agricultores,
sacerdotes, comerciantes e artfices viviam sob a soberania de reis
locais, que acreditavam ser descendentes de Odudu.
Os iorubs possuam uma organizao poltica semelhante s
cidades-estado gregas, como assinala Mrio Maesti (1988: 54).
importante entendermos que nunca houve uma unidade poltica bem
definida, e a designao de Imprio Iorub equvoca. Os iorubs
constituam, verdadeiramente, uma unidade cultural e tinham ligaes
religiosas, persistentes ainda hoje. Basil Davidson (1981: 126)
afirma que:
A cidade de If tornou-se o modelo segundo o qual foram
concebidas todas as outras cidades iorubs. Cada uma destas cidades
era dividida em bairros governados por um chefe seccional. Cada uma
das cidades possua os seus nichos sagrados, o seu palcio real, as
suas praas de mercado, os seus lugares de reunio, onde o governo da
cidade podia tratar dos seus assuntos e o povo discutir as
novidades do dia. Cada uma delas tornou-se famosa pelos seus
artfices, que trabalhavam em diversos ofcios. Uns especializavam-se
na tecelagem e tintura do algodo, outros na metalurgia ou no
comrcio longnquo. Desta maneira os muitos reinos dos iorubs estavam
unidos por uma rede de crenas e interesses comuns.
As cidades-estado eram governadas pelos reis que organizavam,
principalmente, as relaes entre as pessoas. Para isso, ele possua
uma srie de dignatrios que formavam sua corte, que, segundo Mnica
Buonfiglio (1995:113), a seguinte:
Ob o rei.
Apero Ob grupo de sete que acordam o rei; conselheiros.
Iwarata poderosos conselheiros; no ultrapassam o nmero de
sete.
Onif o que joga para prevenir. Ameeku lder dos onifs.
-
24
Babalawo o feiticeiro.
Olori awo o lder dos feiticeiros.
Awon Ogboni os homens de maior conhecimento; fazem parte de uma
sociedade secreta.
Awon Obinrin a seita das mulheres.
Iyalode ttulo consagrado representante das mulheres no
palcio.
Awon eso soldados.
Dori Iya homens incumbidos de cuidar do bem-estar das
princesas.
Awon Eya eunuco.
Os reis e os sacerdotes vivem dos tributos cobrados ao povo.
Esses tributos so moderados, pois no havia um poder coercitivo
forte. As pessoas acreditavam que o rei era o descendente vivo da
divindade patrona da cidade, da os tributos serem pagos de maneira
espontnea.
Essa crena embasada no mito sobre a origem dos iorubs19.
Entretanto, por trs desse mito, existe uma histria que,
possivelmente, seja verdadeira.
Segundo Verger (1997: 253):
Obatal teria sido o rei dos igbs, uma populao instalada perto do
lugar que se tornou mais tarde a cidade de If. (...) Durante seu
reinado, ele foi vencido por Odudu, que encabeava um exrcito,
fazendo-se acompanhar de dezesseis personagens, cujos nomes variam
segundo os autores. Estes so conhecidos pelo nome de awn agbgb, os
antigos.
Odudu, aps ter se instalado como rei de If, mandou seus filhos
conquistarem outras regies, criando vrios reinos ligados a If.
Assim, Oraniam conquistou Oi; Ogum, Ir; Exu, Queto; e assim por
diante.
Aps a sua morte, a figura de Odudu se confundiu com a de Orixanl
e acabou sendo cultuado como um orix, assim como seus filhos, reis
em outros locais, deixando seus filhos como reis que se sucedem,
gerao aps gerao, at hoje.
A religio iorub era uma espcie de poltica prtica. Da mesma forma
que outorga o poder aos reis, tambm regula a sua administrao. O rei
que for entendido como mau, ou seja, que permitiu que sentimentos
mundanos influssem no seu governo deixando o bem estar
%",-.
-
25
de seus sditos em segundo plano, ser, de acordo com as normas
estabelecidas pelos ancestrais, destitudo de seu cargo pelo prprio
povo.
If, ao sul de Oi, a cidade sagrada, sede do Oni, rei do local e
chefe religioso dos iorubs. A soberania poltica pertencia ao Alafin
que residia em Oi, mas seu poder podia ser extinto pelo ogboni,
espcie de senado de notveis.
No final do sculo XVII, Oi havia agregado ao seu reino, grande
parte da regio oeste do rio Nger, o norte da floresta e os bosques
esparsos do Daom. Esse reino, convencionalmente chamado de Imprio
de Oi, durou mais de cem anos.
2.4. SOCIEDADE
Pierre Bertoux, professor universitrio que chegou a ser senador
no Sudo francs (hoje repblica do Mali), diz que o povo dos iorubs o
nico povo negro que tendeu espontaneamente para aglomerar-se em
grandes cidades, o nico cuja realizao poltica teve uma base
urbana.20
Embora os iorubs fossem predominantemente agricultores, eles no
moravam na roa. Moravam nas cidades e iam, todos os dias, trabalhar
nas lavouras que ficavam a alguns quilmetros da cidade. noite
voltavam para seus lares.
Suas vidas eram ditadas pela religio. No havia ambies polticas
ou mesmo comerciais. Verger (1997: 126) diz que no momento do
nascimento de uma criana, os pais pedem ao babala para indicar a
que odu21 a criana est ligada. O odu d a conhecer a identidade
profunda de cada pessoa, serve-lhe de guia na vida, revela-lhe o
orix particular, ao qual ela deve eventualmente ser dedicada, alm
do da famlia, e d-lhe outras indicaes que a ajudaro a comportar-se
com segurana e sucesso na vida.
O babala afirmava o que a criana se tornaria. Um artfice,
mercador, sacerdote ou agricultor. De certa forma o babala, mais
importante do que adivinhar o destino dos homens, organizava a
sociedade de forma a manter a coeso social e poltica das
comunidades. Da o cargo de babala ser to importante quanto o do
prprio rei.
Um fato importante para o desenvolvimento da civilizao iorub a
metalurgia do ferro (500 a.C.). Giordani (1985: 147) nos lembra que
o conhecimento da metalurgia revolucionou profundamente o modo de
vida dos povos da savana e da floresta: aumentou
/01)!2 34 !"#$%&./5--65/775**-
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26
consideravelmente a eficcia das armas de caa e de combate e
facilitou extraordinariamente o desbravamento das florestas.
Os artfices iorubs produziam peas e esculturas em marfim, barro,
ouro, cobre, bronze e madeira de temtica constantemente humana.
Claro que os motivos divinos tambm se mostraram freqentes, mas no
dominavam as intenes dos escultores. Tambm produziam adornos como
argolas, pulseiras e colares.
Entre as grandes artes da frica, destacam-se o teatro, a musica
e a dana. Fabricavam varis instrumentos tais como: flautas, violas,
xilofones, cornetas e, claro, tambores. Talvez os tambores fossem
os instrumentos mais utilizados pelo povo iorub.
A msica no era utilizada apenas nos cerimoniais religiosos, mas
tambm por divertimento, nas representaes teatrais, nas danas, nas
cerimnias polticas, e at como transmissor de mensagens. Davidson
(1981: 171) afirma:
Todas as comunidades, por mais pequenas que fossem, tinham os
seus tamboreiros. Ao pr do Sol nos trpicos, por volta das 6 horas,
eles sentavam-se no largo da aldeia, ou talvez numa clareira da
floresta, e transmitiam as suas saudaes, avisos ou outras mensagens
para a aldeia seguinte.
No que tange aos cultos, cada orix tem um tambor de forma
diferente. Essas diferenas tambm so observadas entre as diferentes
cidades ou regies. Por exemplo: na cidade de Oi, existem os olubat
que tocam o tambor bat, em forma de ampulheta, que utilizado nas
cerimnias para Xang, um dos reis-deus da cidade. Em Oxogb, cidade
as margens do rio Oxum, regio dos ijexs, utilizado o ilu, tambor
cilndrico com dois couros, um de cada lado, atado por cordas.
Os povos da frica ocidental, no geral, eram muito hospitaleiros,
alegres e festeiros. aspectos que , com certeza, trouxeram consigo
da frica para as amricas e principalmente para o Brasil, onde
criaram razes formando a caracterstica alegria do povo
brasileiro.
CAPTULO 3 - A DISPORA: Amrica, Brasil, Rio Grande do Sul
3.1. MOTIVOS QUE TROUXERAM OS AFRICANOS PARA AS AMRICAS
No incio da explorao econmica das terras descobertas no
continente americano, os colonos buscavam na mo-de-obra escrava a
melhor forma para rentabilizar a produo agrcola da regio. Em 1517,
um nobre espanhol obteve licena para importar negros
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27
africanos para trabalhos na ilha de So Domingos. Comeou a a
importao de milhares de negros para todo o continente americano. O
enorme desenvolvimento que a escravido tomou em todo o continente,
est ligado ao surto da economia aucareira, que exigia abundante
mo-de-obra nas plantaes.
Mas porque os negros? Ora, os negros eram mestres nas tcnicas de
agricultura, no extrativismo e na mineralogia. Esses fatores foram
predominantes para se utilizar a mo-de-obra negra nas colnias. Mas
obvio que eles no viriam por espontnea vontade, ento o melhor
traz-los a fora mesmo. Mas para isso preciso uma justificativa
maior que a econmica para no se ter problemas com a Igreja. Mas
afinal os negros so humanos? Eles tm alma? A prpria Igreja Catlica
Romana daria o veredito...
Ento a Igreja alegou que os africanos eram descendentes de Cam.
Cam o terceiro filho de No que, ao sair da arca, plantou uma vinha.
Dessa vinha ele
fabricou vinho e, tendo-se embriagado, apareceu nu no meio de
sua tenda. Cam viu a nudez de seu pai e correu para contar aos seus
irmos. Sem e Jaf, andando de costas, cobriram No com uma capa.
Ao acordar, No fica furioso com seu filho mais novo e o
amaldioa: Bendito seja o senhor Deus de Sem, e Cana seja seu
escravo. Dilate Deus a Jaf, e habite Jaf nas tendas de Sem, e Cana
seja seu escravo. (Gnesis, Cap. 9, v. 26 e 27)
Ora, os europeus acreditavam que o mundo era dividido em trs
continentes, sendo que eles eram descendentes de Jaf. De Sem,
descendiam os asiticos. Ento nada mais natural que escravizar os
filhos de Cam, os africanos. Alm disso, por a frica ser um
continente desconhecido, as concepes do imaginrio popular europeu
ao seu respeito so das mais escabrosas. Mary Del Priore e Renato
Venncio (2004: 56) assinalam isso em seu livro Ancestrais:
A cor negra, associada escurido e ao mal, remetia, no
inconsciente europeu, ao inferno e s criaturas das sombras. O
Diabo, nos tratados de demonologia, nos contos moralistas e nas
vises de feiticeiras perseguidas pela inquisio, era,
coincidentemente, quase sempre negro. Etipia, palavra grega que
designava, em vrios textos e mapas, a parte do continente conhecida
at ento, significava face queimada. Era, pois, a tez particular que
caracterizava os habitantes deste mundo estranho e
desconhecido.
Eles tambm nos mostram que antigos dicionrios europeus denotavam
preconceitos em relao aos negros. Em um publicado em 1712, por
Bluteau, verificamos a palavra negro como ...infausto, desgraado.
De cor negra que a mais escura de todas, tomamos motivos
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para chamarmos de negro toda a coisa que nos enfada, molesta e
entristece, como quando dizemos negra ventura, negra vida, etc.
(DEL PRIORE; VENNCIO, 2004, p.67).
Para os europeus o modus vivendi do negro era algo animalesco.
Viver nu, falando uma lngua incompreensvel, rituais religiosos
cruentos, danas erticas, ausncia de moral (crist), os europeus
tinham certeza de que estavam diante da prpria encarnao do pecado.
Traz-los para o modo de vida europeu era sua misso sagrada. E s
havia uma forma! Escraviz-los dar-lhes um presente, pois isso seria
capaz de introduzi-los em sua cultura superior e, claro, salvao de
suas almas.
3.2. A RELIGIO IORUB NAS AMRICAS
Chegando s Amricas, os negros estavam desnorteados, no falavam a
lngua dos colonizadores e muitas vezes nem mesmo entre eles
conseguiam se comunicar, pois freqentemente eram separados de suas
etnias originais para se evitar revoltas.
Entretanto havia trs fatores que serviram para uma unificao: a
cor da pele, a situao em que estavam, e a religiosidade. O negro,
quando saiu da frica, trouxe em sua memria suas crenas, sua
cultura, sua espiritualidade.
Essa espiritualidade se manifestou de vrias formas na Amrica do
Norte e nas Antilhas.
3.2.1. Estados Unidos da Amrica A manifestao da espiritualidade
negra nos Estados Unidos se mostrou de forma bem
diferenciada do resto do continente. L, as igrejas evanglicas
arrebanharam grande parte da populao negra que deram um outro
sentido pregao e aos cultos cristos. De fato existe uma grande
diferena entre as igrejas pentecostais de origem negra, das
freqentadas por brancos.
Nas igrejas negras, os cultos do nfase aos cnticos e louvores
cantados de forma nitidamente africana e que, certamente, deram
origem s manifestaes musicais norte-americanas tradicionais como o
jazz, o blues e seus derivados tais como: rockn roll, rap, ritm
& blues, hip hop e outros.
As religies africanas quase no tiveram espao neste pas, devido
ao preconceito e ao medo de se praticar uma religio ligada ao diabo
(concepo crist). Somente agora que, em Miami, religiosos
africanistas saram das sombras para aparecerem na mdia.
3.2.2. Haiti
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O Vodu um culto religioso popular de carter sincrtico. Incorpora
aspectos do ritual catlico-romano, datados da colonizao francesa,
assim como elementos religiosos e mgicos africanos trazidos pelos
escravos das etnias iorub, fon e outras. O termo deriva de vodun,
"deus" ou "esprito" na lngua dos fons. O culto tornou-se uma espcie
de religio oficial da comunidade camponesa do Haiti.
Embora os praticantes do Vodu acreditem num deus supremo, as
divindades efetivas so em grande nmero de espritos denominados loa,
que podem ser aparentados a santos catlicos, ancestrais divinizados
ou deuses africanos. Muitos adeptos urbanos acreditam que os loas
podem ser benvolos, os loas Rada, os quais se ligam aos indivduos
ou famlias como anjos da guarda, guias e protetores, ou mesmo
malvolos, os loas Petro. Essas divindades comunicam-se com os fiis
por meio de sonhos ou atravs da possesso durante cerimnias
rituais.
Cada grupo de praticantes tem seu local para realizar as
cerimnias, que envolvem cantos, toque de tambores, danas, preces,
preparo de alimentos e o sacrifcio ritual de animais. O santurio ou
houmfo presidido por um hougan, sacerdote masculino, ou mambo,
sacerdotisa, que age como conselheiro, curandeiro e protetor.
Com o tempo, o Vodu perdeu seus traos ancestrais e adotou carter
nacional, com a criao de formas tpicas haitianas. Durante dcadas a
Igreja Catlica condenou o Vodu no Haiti, mas como essa crena se
tornou a religio principal da maioria da populao, no final do sculo
XX os catlicos resignaram-se convivncia com o culto.
O Vodu do Haiti transcendeu os crculos em que se desenvolve, uma
vez que explorado como recurso turstico naquele pas antilhano.
3.2.3. Cuba Marcada por forte sincretismo com a doutrina crist,
a Santera uma religio afro-
cubana cuja crena nasceu com a chegada dos escravos iorubs
africanos que aportaram no pas principalmente na primeira metade do
sculo XIX.
Para garantir a sobrevivncia de seu culto durante a escravido,
os iorubs adaptaram-no religio de seus senhores, passando a
associar as divindades africanas com os santos do Cristianismo. Da
o prprio nome, Santera, denominao pejorativa dada pelas elites
escravocratas crena dos escravos.
Apesar das condies desfavorveis, ao longo dos anos o culto se
tornou to popular na ilha de Fidel Castro que passou a fazer parte
da prpria identidade cultural do pas. Praticada tambm em outras
ilhas do Caribe, na Venezuela e em algumas cidades
norte-americanas,
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como Miami e Nova York, a doutrina gira em torno do culto aos
orixs e aos espritos dos antepassados, considerados guardies dos
devotos.
Os espritos falam com os fiis por intermdio dos santeros, como
so chamados os sacerdotes, que incorporam as divindades em rituais
de possesso.
A Regla del Ocha, como a crena tambm conhecida, muitas vezes
relacionada s prticas de magia negra. Entretanto, os estudiosos
afirmam que tal associao preconceituosa, pois a viso de Bem e Mal
na Santera diferente daquela das doutrinas crists. A Santera busca
o que bom para um indivduo, no algo considerado como o Bem
absoluto. Nesse sentido, a conotao negativa que ainda persiste
teria razes na tentativa dos senhores cristos de desqualificar a
religio dos escravos africanos.
3.2. A RELIGIO IORUB NO BRASIL
Africanismo ou religio afro-brasileira o termo utilizado como
designativo das culturas religiosas africanas no Brasil.
A religio iorub, fora da frica, no se manteve to pura quanto a
que se apresenta no pas. Aqui existem denominaes que variam de
regio para regio.
Na Bahia temos o Candombl que uma manifestao religiosa originria
da cidade de Queto, na Nigria. Os terreiros mais antigos so:
Il Iyanass da Casa Branca do Engenho Velho, tendo como primeiras
ialorixs as seguintes sacerdotisas:
Iyanass, a fundadora;
Marcelina da Silva, Obatossi;
Maria Jlia Figueiredo, Omonik;
Maximiana Maria da Conceio, Tia Massi Oinfunk.
Iy Om Ax Iyamas, terreiro dissidente do anterior, fundado no
Alto do Gantois por Jlia Maria da Conceio Nazar. Escolstica Maria
da Conceio Nazar, a Me Menininha do Gantois, era a quarta a ocupar
o lugar de sacerdotisa nesse terreiro.
Centro Cruz Santa do Ax Op Afonj derivado do primeiro e foi
instalado em So Gonalo do Retiro, no ano de 1910. Talvez seja o
terreiro mais importante da Bahia atualmente, e teve como
sacerdotisas as seguintes ialorixs:
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31
Eugnia Ana dos Santos, Aninha Obabii, a fundadora;
Maria da Purificao Lopes, Tia Bad Olufande; Maria Bibiana do
Esprito Santo, Me Senhora Oxum Miu;
Maria Estella de Azevedo; Odekaiod, a atual.
A grande diferena do Candombl baiano para as outras manifestaes
religiosas africanas no Brasil que as mes-de-santo, sacerdotisas
responsveis pelo terreiro, iam freqentemente a frica para
reaprenderem os fundamentos religiosos que, posteriormente, punham
em prtica em Salvador. Traziam no s os fundamentos mas tambm a
organizao poltica e hierrquica tornando os terreiros baianos
verdadeiras ilhas de frica no Brasil.
Alm do Candombl, tambm temos outras manifestaes religiosas
africanas no resto do pas. Dentre elas h o Tambor-de-Mina,
manifestao religiosa originria dos jejes, praticada no Maranho. O
terreiro mais conhecido a Casa Fanti-Ashanti, de Pai Euclides de
Lissa.
O Xang recifense muito semelhante religio praticada no Rio
Grande do Sul. Macumba o nome de um tambor originrio dos bantus, e
que identifica a religio
dessa origem no estado do Rio de Janeiro. E, finalmente, no Rio
Grande do Sul, temos o Batuque.
3.3. A RELIGIO IORUB NO RIO GRANDE DO SUL
Batuque foi o apelido dado pelos brancos religio africana
praticada em nosso estado devido ao barulho provocado pelos
tambores. Os praticantes tambm chamam de Nao como forma mais
respeitosa, pois, geralmente, o termo Batuque utilizado
pejorativamente, com intenes ofensivas.
3.3.1. Origens Foi trazido pelos escravos negros oriundos do
nordeste, que vieram trabalhar nas
charqueadas em Rio Grande. De Rio Grande a religio foi para
Pelotas e Santa Maria, antes de chegar a Porto Alegre, no final do
sc. XIX. Aqui, o Batuque se propagou em diversas denominaes
chamadas lados ou naes, que so: Cabinda, Oi, Jeje, Nag e Ijex. E
tambm pela mescla de dois lados: Jeje-Nag, Jeje-Ijex, Oy-Jeje,
etc.
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32
Diferentemente do que ocorreu na Bahia, os negros trazidos para
o estado eram, na sua maioria, de bantus, pois os brancos os
classificavam como uma etnia tima para o trabalho pesado como o das
charqueadas e os iorubs excelentes no trabalho minucioso, por isso
serem mais cogitados para o servio domstico.
Ao que tudo indica, os bantus aceitaram a forma religiosa dos
iorubs, praticando e seguindo seus preceitos e fundamentos. Da a
nomenclatura dos lados serem termos conhecidos dos iorubs: Oi a
cidade nigeriana e, diz-se, origem deste lado praticado por aqui;
Jeje a designao iorub para os povos estrangeiros como os fons do
Daom; Nag , segundo Verger, uma etnia da regio de Queto, j outros
autores designam todos os sudaneses vindos para o Brasil; Ijex uma
regio da Nigria. O termo Cabinda de origem bantu e, embora pratique
uma religio que mais parece uma mescla de elementos da cultura Jeje
com a Ijex, bem diferente dos outros lados. Creio que negros
originrios dessa regio de Angola formaram um tipo de irmandade ou
sociedade, adotando os aspectos religiosos dos iorubs. Mas como no
h fontes que confirmem isto, todo o tipo de explicao que se tente
dar no passa de meras especulaes.
Justamente por serem os bantus a grande maioria dos escravos
gachos, aps a abolio no havia motivos para que voltassem frica como
fizeram os baianos. No Rio Grande do Sul, alm de haver problemas
econmicos, pois os escravos foram largados sem eira nem beira, caso
conseguissem voltar para a frica, voltariam para Angola, Congo ou
Moambique e no para as terras iorubs.
3.3.2. Os terreiros Devido forma como se perpetuou a religio no
estado, principalmente em Porto
Alegre, no existem terreiros to antigos quanto os da Bahia.
Desta forma s se pode conhecer o sistema de filiao religiosa dos
sacerdotes gachos, a fim de se entender a perpetuao dessa mesma
religio.
Em Porto Alegre, no existe uma hierarquia, com cargos bem
definidos como nos terreiros baianos. O Babalorix ou a Ialorix,
centralizam em si todo o poder religioso. Assim o sacerdote de um
terreiro gacho, alm de responsvel pelo templo, tambm tem a funo de
sacrificador, de iniciador, de oraculista e, claro, de
conselheiro.
Um sacerdote inicia uma pessoa que, eventualmente, pode se
tornar tambm um sacerdote e fundar seu prprio templo. Da o grande
nmero de casas de religio na capital e na regio metropolitana.
Quando do falecimento do sacerdote, via de regra, o terreiro
extinto salvo rarssimas excees.
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33
Devido aos fatos j descritos, quase ningum sabe suas reais
origens religiosas, pois so poucos os que tm essa preocupao.
Conservo essa parte da histria da religio iorub, da qual pude
construir uma espcie de rvore genealgica religiosa, da qual
transcrevo a seguir:
Cujob, ex-escravo introdutor da nao de Ijex em Porto Alegre,
fundou seu terreiro na rua Taquari, prximo igreja So Francisco,
capital;
Celetrina de Oxum Doc, iniciada por Cujob; Hugo de Iemanj,
iniciado por Celetrina; Jovita de Xang, iniciada por Hugo;
Miguela de Bar Ajelu, iniciada por Jovita nos anos 1940, fundou
seu terreiro na rua Outeiro, bairro Partenon, na capital;
Gelson de Bar Lod, iniciado por Miguela nos anos 1960, fundou
seu terreiro no municpio de Gravata, regio metropolitana de Porto
Alegre;
Pedro de Oxum Doc, iniciado por Gelson em 1983, fundou seu
terreiro na rua Marista, bairro Partenon, na capital;
Hendrix de Oxal Orumilaia, iniciado por Pedro em 2000.
3.3.3. Aspectos litrgicos Diferente do que acontece na frica, o
termo orix designa, no Brasil, todos os
irunmals, inclusive no Rio Grande do Sul. Na capital so
cultuados treze orixs distintos: Bar (Exu na frica), Ogum, Ians
(Oi), Xang, Od, Otim, Ossanha (Ossanim), Xapan (Obaluai), Ob,
Ibeji, Oxum, Iemanj e Oxal.
As festas para as divindades acontecem, geralmente, uma vez ao
ano, onde so servidos pratos dos mais variados tipos pertencentes
gastronomia iorub, bantu e tambm o que era comido pelos
escravos.
Esses banquetes so obrigatrios e abertos a todos que quiserem
comer, de fato chega-se a distribuir bandejinhas aos participantes
que esto indo embora, no final da festa, para que no sobre nada.
Este ato se chama mercado, o que nos lembra o conceito iorub de
mercado e a forma de devoluo dos tributos cobrados pelo rei, nos
banquetes cerimoniais coletivos.
Um fator importante que assinalamos que para prepararem seus
pratos tpicos no Brasil, foram necessrias adaptaes ao novo meio
ambiente, aproveitando os ingredientes que estavam disponveis nas
regies em que estavam locados. Da a diferena entre a culinria
afro-brasileira de Salvador, por exemplo, e a de Porto Alegre.
-
34
Outro fator interessante so as vestimentas cerimoniais (ax).
Enquanto os baianos buscaram suas razes nas vestimentas africanas,
a mulher gacha preferiu embelezar-se com vestimentas que lembram as
sinhazinhas do sculo XIX, assim como o homem usava bombachas e
camisa de estilo gaudrio. Somente no final do sculo XX e inicio do
XXI, mediante um processo denominado reafricanizao, e que ainda est
em andamento, que houve uma reformulao do ax, com a inteno de se
aproximar mais do tradicional abad africano.
3.3.4. As diferenas sociais do batuqueiro Interessante a evoluo
das classes sociais dos praticantes do Batuque. Inicialmente, o
etos batuqueiro era constitudo por negros pobres e analfabetos
das
regies perifricas da capital. Aos poucos foram entrando brancos
pobres e semi-analfabetos. Na dcada de 1940, os centros de Batuque
eram constitudos por negros pobres semi-
analfabetos e brancos de classe mdia-baixa. nesta poca que chega
ao estado a Umbanda, uma religio sincrtica originria da sociedade
de classe mdia-alta carioca. Os africanistas gachos adotam a
Umbanda como uma segunda religio, praticada semanalmente, enquanto
festejam os orixs anualmente.
Na dcada de 1970, j existem muitos sacerdotes brancos, com
filhos-de-santo de classe mdia-alta. Nos anos 1990 temos uma grande
migrao dos negros pobres para as igrejas evanglicas, enquanto que
os brancos ricos procuram os sacerdotes africanistas tambm brancos
para resolverem seus problemas. O nvel cultural dos praticantes
caminha para uma homogeneidade de ensino mdio com praticantes de
nvel superior.
Na virada do sculo, busca-se mais do que conhecimento emprico.
fundada em So Paulo a Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) e est
em tramitao no MEC (Ministrio da Educao e Cultura) o processo que
institu o ESTAB Escola Superior de Teologia Afro-brasileira, com
sede no Paran. A inteno tornar os sacerdotes africanistas e
umbandistas merecedores de crdito, tal qual os padres catlicos.
Hoje, pode-se dizer que a porcentagem de praticantes negros est
entre 25 e 35 porcento do total de integrantes da religio
africana.
A religio africana no Rio Grande do Sul est sofrendo um processo
evolutivo infindvel. De religio considerada como primitivista, est
amadurecendo para uma religio, digamos, primitiva com toques de
modernidade.
possvel que, no futuro, a religio dos negros seja praticada por
brancos de classe abastada, formados em teologia, antropologia ou
histria.
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35
O professor e telogo Jayro Pereira de Jesus afirma que quem
pratica a religio dos orixs, tambm afro-descendente. Mas e os
negros que abandonaram sua religio original para pregarem a religio
dos brancos, se tornaro brancos? S o tempo dir.
CONCLUSO
Quando iniciei no curso de Histria da FAPA, tinha uma viso mica,
empirista e amadora da religio praticada pela minha famlia a quatro
geraes.
mico porque sou praticante da religio, com isto possuo idias e
valores internos, prprios comunidade ao qual perteno. Emprico
porque todos os ensinamentos que obtive da religio foram passados
oralmente, de gerao aps gerao. Amador porque todas as pesquisas e
estudos que fiz, as interpretaes que tive e as concluses a que
cheguei, no tinham nenhum embasamento terico cientifico, de modo
que todos os meus entendimentos no passavam de superficialidades
particulares de uma pessoa despreparada.
Quando iniciei este trabalho, no sabia nem o que era uma
monografia, de modo que escrevi alm do que deveria, e isto me
trouxe problemas:
1 - A vida de trabalhador somada com a de acadmico, me
proporcionou um curto espao de tempo para fazer a pesquisa,
elaborar e digitar o trabalho. Infelizmente, no consegui expor tudo
o que pretendia;
2 - A bibliografia extensa e totalmente generalizada, isto , os
autores escreveram sobre os aspectos gerais dos povos da frica sem
se deter muito em um nico povo, corroborando o que afirmo que esse
vasto continente tratado como se fosse um pas em que todos so
iguais.
Relativo comprovao da hiptese, pode-se dizer que o trabalho foi
muito bem sucedido. Estudando a religio iorub, tendo por base os
fatores polticos, econmicos, sociais, histricos e religiosos
percebidos nesta civilizao poca antiga, assim como a percepo da
reminiscncia destes mesmos aspectos na sociedade afro-americana
como um todo, podemos concluir que, de fato, se os africanos no
tivessem sido perturbados pelos europeus, estariam exatamente como
estavam antes desse contato.
Esta monografia tambm foi bem sucedida no que tange ao alcance
dos objetivos, estes passos foram importantes para o nosso
entendimento das questes teolgicas, filosficas e histricas desta
magnfica civilizao e servir de base para os prximos estudos que
tenho em mente.
Ainda h muito que pesquisar e estudar.
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36
O povo negro, escravizado por 400 anos, merece ter sua cultura e
sua histria resgatadas. Sobre este aspecto, as polticas atuais esto
no caminho certo.
O negro, como parte integrante da cultura e da etnia formadora
da sociedade brasileira, tem que ser valorizado, restitudo e
defendido por todos ns.
o nosso dever de cidado.
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