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Universidade Federal de Alagoas Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes Comunicação Social: Jornalismo, Diurno Pedro Henrique do Rosário Correia A CULTURA DA CONVERGÊNCIA Maceió, 2016
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Cultura da convergência

Apr 13, 2017

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Pedro Correia
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Page 1: Cultura da convergência

Universidade Federal de Alagoas

Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes

Comunicação Social: Jornalismo, Diurno

Pedro Henrique do Rosário Correia

A CULTURA DA CONVERGÊNCIA

Maceió, 2016

Page 2: Cultura da convergência

1. O altar da convergência

Mes o ão desta a do tal fato o i í io de Cultu a da Co e g ia , Je ki s

dete i a ais a f e te ue a o e g ia efe e-se a um processo, não a um ponto

fi al JENKINS, , p. . Tal po to i po ta te pa a de o st a o fato de ue,

apesar de nós vivermos a cultura da convergência, devemos ter em mente dois pontos

importantes: 1. Não interpretamos totalmente o fenômeno da convergência; e 2. A

convergência não tenta explicar a forma como as mídias que convergem funcionam, de

fato, apenas o fato de que, por meio da demanda que o público determina para certas

tecnologias, tais tecnologias têm se modificado de forma que convergem.

Para Friedrich August von Hayek, economista da Escola Austríaca de economia,

a sociedade funciona de forma espontânea, nossa organização social é complexa ao

ponto de não conseguir ser determinada de forma planejada. Os indivíduos agem

guiados por sua vontade – ainda mais dentro de um cenário capitalista onde nós, após

conseguirmos condições básicas de sobrevivência, procuramos aquilo que facilite

nossa vida e aumento nosso conforto –, seja nossa vontade por um aparelho

eletrônico, seja por um carro ou por um emprego melhor. Ou seja, quando temos o

cenário de um engarrafamento num trânsito, todos aqueles indivíduos estão nas ruas

buscando seus interesses individuais da maneira que julgam ser mais conveniente para

si.

Essa discussão aponta para outro estudo de outro economista, também da

Es ola Aust ía a, Lud ig o Mises. O estudo da Ação Hu a a de o i ado

P a eologia de Mises explica que o ser humano age de acordo com sua capacidade

de agir, baseando-se na sua razão (o economista usa como base o apriorismo

kantiano) e visando atingir estado de melhor qualidade de vida. A Praxeologia

consegue explicar, assim, o que Hayek quer dizer quando afirma que procuramos

maior conforto sendo guiados por nossa vontade.

As empresas de tecnologia, entendendo que se aproveitar de tal vontade é uma

ótima oportunidade de gerar lucro tem sempre tentado adicionar novas funções para

tecnologias já existentes. Diferente dos teóricos da Escola de Frankfurt, Yaron Brook,

CEO do Ayn Rand Institute dis o da ue essa o soles ia p og a ada seja u a

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forma de passividade do consumidor em frente às grandes corporações capitalistas.

Para ele, tais tecnologias são inestimáveis: o valor que nós pagamos num computador,

num smartphone e afins é simbólico; pagar mil reais num celular como um smartphone

é muito barato perto das facilidades que ele oferece – podemos fazer ligações em

qualquer lugar, ver o GPS, acessar a internet, tirar fotos, gravar vídeos, e etc.

Essa discussão se estende a Umberto Eco naquilo que ele chama de

apo alípti os e i teg ados : apesa de se u alo si li o, ão de e os os

submeter aos interesses de tais empresas que fornecem essas tecnologias. Mas

mesmo não nos submetendo, este é um mercado a ser explorado e as empresas

sabem disso, e sabem também que cada vez que conseguirem criar uma facilidade, o

mercado irá recompensá-los.

E t a os e tão a ultu a da o e g ia , de fato.

Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de

múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos

mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos

dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em

busca das experiências de entretenimento que desejam.

Convergência é uma palavra que consegue definir transformações

tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de

quem está falando e do que imaginam estar falando (JENKINS, 2008,

p.27).

Mas no fim das contas, por que Jenkins trabalha com o conceito de

o e g ia e ão t a sfo ação? A o e g ia u e ias ídias e as

transforma, da forma que acontece com o avanço da tecnologia que consegue facilitar

a vida das pessoas. Não precisamos sair do computador para ver tv, não precisamos

sair do Playstation e ligar o computador para ver o Netflix, não precisamos pegar o

smartphone para ver o que as pessoas postam no Instagram – quando temos as

tecnologias necessárias para isso.

No decorrer da evolução do audiovisual observamos que cada avanço

técnico corresponde a novas possibilidades, que passam a atuar na

linguagem do meio audiovisual. Foi o que aconteceu quando a

televisão surgiu e aproveitou a linguagem e formatos praticados pelo

cinema e o rádio para elaborar a sua própria linguagem. Processo

semelhante pode ser observado com o desenvolvimento das mídias

digitais, onde a narrativa para as novas mídias incorpora elementos

da linguagem de outros meios e formas de expressão, como a TV

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analógica, o rádio, o teatro, a literatura, o cinema, dentre outros

(CASTRO e FREITAS, 2010, p.2).

O que de fato ocorre na nossa sociedade é as tecnologias ou se transformarem

ou convergirem, da forma que aconteceu com o vídeo por exemplo: o DVD substituiu o

VHS assim como o VHS venceu a briga com o Betamax, mas no fim das contas o

conteúdo e os objetivos são os mesmos, ou seja, ver um filme, um show, enfim, um

vídeo. O vinil foi substituído pela fita cassete que por sua vez foi substituída pelo MP3,

mas no fim das contas o objetivo é ouvir uma música.

Um antagonismo que facilmente é identificado no trabalho de Jenkins se dá ao

do u e t io Co su o de C ia ça . O do u e t io se olo a o t io s

propagandas para crianças e em determinada parte mostra uma publicitária dizendo

que o trabalho deles é educar as crianças por serem futuros consumidores quando

crescerem, fazendo uma crítica clara a tal pensamento. Jenkins explica que a

convergência é, também, uma transformação cultural. Em termos de complexidade,

meio de comunicação que se convergem se mostram mais complexos que os que

pe a e e a sua fu ção atu al , se fala do fato de ue tais te ologias

facilitam nossa vida, assim como Yaron Brook fala. Jenkins explica ainda que, apesar de

a escola ter um modelo mais conservador, nossa sociedade, mesmo que

implicitamente, tem entendido que o conhecimento é disperso e tem se aproveitado

disso.

As crianças estão sendo preparadas para contribuir com uma cultura

do conhecimento mais sofisticada. Até agora, nossas escolas ainda se

concentram em gerar aprendizes autônomos; buscar informação com

out as pessoas ai da lassifi ado o o ola . No e ta to, a ida adulta, estamos dependendo cada vez mais dos outros para nos

fornecer informações que não conseguimos processar sozinhos.

Nosso local de trabalho tornou-se mais cooperativo; nosso processo

político tornou-se mais descentralizado; estamos vivendo cada vez

mais no interior de culturas baseadas na inteligência coletiva

(JENKINS, 2008, p.178).

Ou seja, no fim das o tas, tal edu ação pa a os to a os o su ido es

benéfica, contrariando mais uma vez o pensamento da Escola de Frankfurt no que ela

iti a tal feti hização dos p odutos e e ete ais u a ez dis ussão t azido po

E o o ue diz espeito aos apo alípti os e i teg ados – Jenkins, como provável

Page 5: Cultura da convergência

apocalíptico tenta comprar um celular que faça apenas ligações e não consegue

porque eles não estavam mais a venda.

Ainda assim, Jenkins salienta o fato de que tal convergência não acontece

necessariamente dentro dos meios de comunicação.

A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais

sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos

cérebros dos consumidores individuais e em suas interações sociais

com outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a

partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo

midiático e transformados em recursos através dos quais

compreendemos nossa vida cotidiana (JENKINS, 2008, p.28).

Conversas sobre Convergência

Jenkins explica que o difícil de tal fenômeno é justamente a discussão anterior:

as pessoas precisam entender o que está acontecendo e estarem preparadas para isso.

N s j te os o s i ia da uilo ue ue e os, do osso o eito de fa ilidade o

que diz respeito aos meios de comunicação e às tecnologias que temos à disposição.

Seja um Kindle para ler livros, um smartphone para ouvir música e se comunicar com

as pessoas ou um Nintendo 3DS para ser um console portátil. O problema disso está

quando necessitamos de funções para aparelhos que originalmente não tinham essa

função.

Os impérios monolíticos de meios de comunicação de massa estão se

dissolvendo numa série de indústrias de fundo de quintal... Os atuais

barões das mídias irão se agarrar em seus impérios centralizados

amanhã, na tentativa de mantê-los... As forças combinadas da

tecnologia e da natureza humana acabarão por impor a pluralidade

com muito mais vigor do que quaisquer leis que o Congresso possa

inventar (NEGROPONTE, 1995 apud JENKINS, 2008, p.30).

Os fóruns da internet que fo e e i fo aç es pa a ha kea u Nintendo

3DS – o de se pode i stala jogos pi atas e ati a u a s ie de out as

funcionalidades – oferecem a oportunidade de instalar leitores de ebooks, mangás,

quadrinhos e etc., dentro do console portátil. Tais funções são necessidades dos

usuários onde eles estão suprindo-as se a e essidade de espe a ue os a es das

ídias as ate da .

Apesar de todo este contexto ser contemporâneo à discussão, esta não era a

ealidade ua do o o eu a New Orleans Media Experience u e e to o de a

Page 6: Cultura da convergência

convergência seria discutida e formas de aproveitar tal fenômeno para benefícios

sociais e mercadológicos tentariam ser descobertos.

O problema do evento foi justamente o fato de o público não estar familiarizado

com tais discussões ou conceitos e não saberem o que era a convergência ou como ela

iria acontecer. Além disso, o problema maior para as empresas era como fazer com

que tal convergência fosse atrativa para o público. Suponhamos que as empresas

faça u a ai a p eta ue contenha tudo que supostamente teríamos em nossa

sala de estar: um DVD, um console, um modulador de tevê à cabo e um reprodutor de

lu- a ; a pe gu ta se ia o o o segui e os e de tal p oduto pa a as

fa ílias? . Ou o o Je ki s olo a e seu te to O que mamãe faria com o console

enquanto os filhos estivessem na escola? O que levaria uma família a dar um console

de ideoga e pa a o o o Natal? JENKINS, , p. .

Esta foi a proposta do console Xbox One quando seu lançamento foi anunciado,

diferente do seu concorrente Playstation 4, que simplesmente continuou se vendendo

como um videogame comum. Podemos considerar que a Microsoft, empresa

responsável pelo Xbox One não conseguiu o resultado que esperava se compararmos

os números de vendas dos dois p odutos. O site International Business Times

divulgou em abril de 2016 que, enquanto as vendas do console da Sony chegava a 40

milhões de vendas de seu console, a Microsoft, apesar de não divulgar números, tinha

as vendas na casa dos 20 milhões, no que se refere ao Xbox One.

Tal diferença nas vendas podem ser decorrentes de vários fatores como jogos

exclusivos de cada empresa ou uma preferência prévia do público por conta da

ge ação de videogames antiga (Playstation 3 e Xbox 360), mas ainda assim, se tal

diferença se dá por tais motivos, entramos na questão especificamente dos jogos, ou

seja, se a diferença mercadológica se dá por este motivo específico, a Microsoft não

ati giu seu o jeti o de fo e e u a ai a p eta ue o siga convergir várias

tecnologias em si – do contrário a resposta do mercado seria outra. Como o próprio

Jenkins diz em seu trabalho, apesar de tais experiências serem satisfatórias, vários são

os motivos para algo dessa forma não funcionar – o público não estar preparado para

tais mudanças é um motivo forte o suficiente para isso acontecer, por exemplo.

Page 7: Cultura da convergência

Por fim, retomando a discussão a respeito do Nintendo 3DS, vemos que a

pirataria se faz presente quando mudanças drásticas na tecnologia fornecida pelas

empresas é feita por parte dos usuários. Não só nisso, a tecnologia abre um leque

muito grande para a pirataria ser difundida: filmes, músicas, jogos e revistas podem ser

baixados contando com a cooperação de toda uma comunidade – assim como Hayek

explica no que fala sobre ordem espontânea. As pessoas que fornecem tais

possibilidades o fazem meramente por sua vontade de fazer parte e ajudar uma

comunidade que funciona de forma descentralizada e longe da determinação

planejada, são pessoas que não respeitam a determinação de que um governo diga

que não podem compartilhar uma ideia ou conhecimento pelo fato de que alguém

acha que deve ganhar dinheiro com isso, o que abre uma grande discussão sobre a

moralidade da propriedade intelectual.

Para resolver tal problema, houve na New Orleans Media Experience um painel

ha ado o etiza do a úsi a . Co o o e e to o o eu e , est a os a

ebulição dos compartilhamentos P2P (Ponto a ponto, onde um usuário permanece

online fornecendo a possibilidade de um segundo usuário fazer download de um

arquivo e quanto mais pessoas com tal arquivo estiverem online, mais rápido o

download é), o Napster tinha sido criado em 1999 para os usuários fazerem

compartilhamento de arquivos MP3, o Kazaa tinha sido criado em 2000 e o eMule em

2002, ambos funcionando da mesma forma mas abrindo possibilidade para

compartilhamento de outros tipos de arquivos.

A questão era: como continuar ganhando dinheiro com algo que as pessoas não

esta a ais dispostas a o su i da fo a o e io al ?

O faturamento futuro virá da gerência de direitos autorais, da

cobrança do usuário pelo download das músicas ou da criação de

taxas que os servidores teriam de pagar à indústria fonográfica como

um todo? [...] Talvez o dinheiro esteja no cruzamento entre os vários

meios de comunicação [...] com novos artistas sendo rastreado numa

rede que permita ao público registrar suas preferências em horas, em

vez de semanas (JENKINS, 2008, p.34).

O sucesso de serviços como Netflix e Spotify aponta para a concretização de tal

previsão de Jenkins. Para demonstrar o tamanho de tal sucesso: em 2000 a locadora

Page 8: Cultura da convergência

de filmes multinacional Blockbuster se recusou a comprar o Netflix por 50 milhões de

dólares; valores de 2015 apontam a empresa valendo 20 bilhões de dólares.

O Profeta da Convergência

Je ki s dete i a Ithiel de Sola Pool o o p ofeta da o e g ia. Seu

trabalho Technologies of Freedom de 1983 determinou vários conceitos formadores

da uilo ue o he e os o o o e g ia os dias atuais.

[...] Um serviço que no passado era oferecido por um único meio –

seja radiodifusão, a imprensa ou a telefonia – agora pode ser

oferecido de várias formas físicas diferentes. Assim, a relação um a

um que existia entre um meio de comunicação e seu uso está se

corroendo (POOL, 1983 apud JENKINS, 2008, p.35).

Pool a e a dis ussão pa a o ue se ia, suposta e te, u a di e g ia :

várias tecnologias para uma mesma mídia. Temos uma mesma empresa investindo em

várias tecnologias para atender ao público de diversas formas, e Pool discorda.

Houve uma época em que as empresas publicavam jornais, revistas e

livros e não faziam muito mais do que isso; seu envolvimento com

outros meios de comunicação era insignificante (POOL, 1983 apud

JENKINS, 2008, p.53).

Cada meio de comunicação tinha suas próprias e distintas funções e

mercados, e cada um era regulado por regimes específicos,

dependendo de seu caráter: centralizado ou descentralizado,

marcado por escassez ou abundância, dominado pela notícia ou pelo

entretenimento, de propriedade do governo ou da iniciativa privada

(JENKINS, 2008, p.35-36).

Podemos interpretar os fatos de duas formas: ou as empresas estão,

desnecessariamente, transformando em complexo algo que seria, teoricamente,

simples como os que se referiam a este fato o o di e g ia ; ou pode os

interpretar da forma que as empresas tentam cada vez mais se aproveitar da busca por

comodidade dos seus possíveis clientes fornecendo várias formas de consumir o

mesmo produto pela mesma mídia e de formas diferentes usando tecnologias

diferentes.

Se levarmos em conta o segundo caso – que parece ser o que Jenkins defende –

podemos enxergar que o mercado se torna cada vez mais vasto e complexo

oferecendo cada vez mais facilidades aos usuários de tais tecnologias e, de certa

forma, recompensando àqueles que conseguem produzir tais tecnologias de forma

Page 9: Cultura da convergência

que as demandas são atendidas. Talvez, por isso, vários jornais já consolidados no

mercado escolhem modelos digitais para atender aos seus clientes de forma mais

rápida, fácil e barata (como é o caso do jornal Folha de São Paulo que tem pacotes de

assinatura digital e entrega o conteúdo no celular, tablet e afins).

Convergência não significa perfeita estabilidade ou unidade. Ela

opera como uma força constante pela unificação, mas sempre em

dinâmica tensão com a transformação... Não existe uma lei imutável

da convergência crescente; o processo de transformação é mais

complicado do que isso (POOL, 1983 apud JENKINS, 2008, p.36).

Apesar de suas teorias concordarem uma com a outra, Jenkins aponta o fato de

que Pool estava mais interessado no impacto que a convergência teria na política, o

que não é o seu caso por estar mais interessado no impacto do fenômeno na cultura

popular.

A Falácia da Caixa Preta

O auto e pli a ue a fal ia da ai a p eta diz ue ais edo ou ais ta de

[...] todos os conteúdos midiáticos irão fluir por uma única caixa preta em nossa sala

de esta JENKINS, 2008, p.40). Jenkins está aparentemente certo no que diz respeito

à convergência dos conteúdos midiáticos em um único aparelho; nos dias atuais

nossos smartphones servem exatamente como um computador, tem basicamente as

mesmas funções se adequando apenas às configurações de cada um – dentro de

práticas mais comuns, claro, um programador iria discordar disso por não achar que

consegue desenvolver um sistema operacional num iPhone, mas dentro dos usos mais

comuns dos aparelhos, basicamente eles estão no mesmo patamar para um usuário

médio.

Isso ue dize ue s, p o a el e te, j te os essas ai as p etas e que

elas inclusive interagem entre si: podemos mandar o computador executar um vídeo

no YouTube pelo smartphone, assim como um episódio de uma série no Netflix ser

reproduzida no computador por um comando no mesmo smartphone. O interessante

é a forma que tais ai as p etas t se dist i uído o e ado, sua plu alidade

incrível e a intenção das empresas é justamente essa.

Page 10: Cultura da convergência

Em uma das diversas trocas de farpas entre as empresas Google e Apple, um

dos executivos da primeira atacou a segunda dizendo que não podemos deixar que o

mercado se restrinja a um celular (iPhone), uma empresa responsável por ele (Apple) e

uma empresa de telefonia (AT&T). Tal pluralidade mercadológica faz os diversos

desejos de diversas pessoas serem atendidos.

Tanto Ayn Rand quanto Hayek apontaram tal feito se baseando na ordem

espontânea: é impossível determinar o que é melhor para a sociedade por não

sabermos o que todas as pessoas querem individualmente. Tais pessoas devem ter a

capacidade de buscar sua felicidade individualmente – o que motiva a militância

política de ambos naquilo que diz respeito às liberdades individuais.

Je ki s apo ta tal plu alidade dize do ue o ue esta os e do hoje e o

hardware di e gi do, e ua to o o teúdo o e ge JENKINS, , p. , isso

porque nossas necessidades são diversas. Se vivemos em ambientes mais perigosos,

compramos algo que vá suprir nossa necessidade de leitura quando não estivermos

dentro de casa e não seja tão caro (como um Kindle sem iluminação, portanto mais

barato) ao passo de que em casa temos um dispositivo mais robusto para isso. Claro,

para algumas pessoas tais possibilidades são desnecessárias, mas mais uma vez é a

chamada ordem espontânea que determina isso: se o indivíduo tem a necessidade, a

capacidade de arcar com os custos e julga que seria melhor, nada o impede de

comprar, e isto cria uma demanda que a lógica mercadológica supre.

Suas necessidades e expectativas quanto ao e-mail são diferentes se

você está em casa, no trabalho, na escola, no trânsito, no aeroporto

etc., e esses diferentes aparelhos são projetados para acomodar suas

necessidades de acesso a conteúdos dependendo de onde você está

– seu contexto localizado (JENKINS, 2008, p.41).

Dois efeitos olate ais apo tados po Je ki s são . O e esso de ai as

p etas o e ado; e . A ai a apa idade de o p oduto dese pe ha a fu ção ue

ele era originalmente programado para cumprir. Ambas são muito frágeis na prática

porque o primeiro efeito colateral não é necessariamente algo ruim, se temos uma

vasta gama de dispositivos que podemos comprar, conseguimos achar um que

consegue suprir nossas necessidades de forma mais fácil. Já no segundo caso, talvez

nossos dispositivos tenham tanta facilidade para desempenhar outras funções que a

Page 11: Cultura da convergência

nossa própria sociedade comece a deixar de usar a função primária e por isso tal

função se torne obsoleta – considerando o conceito de que a convergência está no

nosso cérebro. Levando isso em conta, talvez o problema não se dê no mercado, nas

empresas ou nos próprios dispositivos, mas em toda a estrutura social relacionada a

eles.

Por fim, o autor explica que a convergência significa também uma mudança nos

padrões de propriedade dos meios de comunicação. Se os jornais antes trabalhavam

apenas com jornais e os estúdios de cinema apenas com filmes, hoje ambos migraram

para ouros veículos: a Folha de São Paulo para nossos celulares e a Warner Bros. para

os jogos – o que será explorado mais à frente.

Lógica Cultural da Convergência dos Meios de Comunicação

Seguindo todos esses conceitos, a lógica mercadológica se mostra o maior

espe t o de i lusão de todos. A Ra d o sua filosofia de o i ada

O jeti is o e pli a o ue ela ha a de i tude do egoís o . Co o falado

anteriormente, nossos dispositivos são facilitadores e nós pagamos um valor simbólico

por eles, isso porque o mercado não tem uma empresa, um hardware e uma empresa

de telefonia, por exemplo: o mercado tem atendido às demandas das pessoas e pela

lógica de lucro (egoísta) consegue fazer com que todos nós tenhamos nossas

necessidades atendidas.

Levando por este lado, culturalmente, todos nós temos voz dentro do mercado

das comunicações, seja por causa da convergência ou não: vejamos as telenovelas, por

exemplo; a narrativa que se dá é feita de acordo com um levantamento da audiência e

opinião pública a respeito do que está sendo veiculado para o espectador. Ou seja,

desde a veiculação de um produto cultural puramente televisivo, a opinião pública

importa para a construção do mesmo. O auto a o da isso ua do diz ue a e dade

te os u hipe te to: o hipe te to est de t o de s JENKINS, , p. , ou seja,

nós não entramos na era da convergência por acaso e sim porque a tecnologia

atualmente permite que ocorra esse tipo de fenômeno. Vejamos:

A convergência, como podemos ver, é tanto um processo

corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de consumidor,

de baixo para cima. A convergência corporativa coexiste com a

Page 12: Cultura da convergência

convergência alternativa. Empresas midiáticas estão aprendendo a

acelerar o fluxo de conteúdo midiático pelos canais de distribuição

para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mercados e

consolidar seus compromissos com o público. Consumidores estão

aprendendo a utilizar diferentes tecnologias para ter um controle

mais completo sobre o fluxo da mídia para interagir com outros

consumidores.

Ou seja, nós, como consumidores, temos a maior voz nas decisões empresariais

por sermos quem sustenta o mercado, seja direta ou indiretamente (por pesquisas de

opinião ou pela baixa de vendas ou audiência). Isso vem desde as telenovelas, como

visto anteriormente, onde eram os produtos culturais próprios da televisão, mesmo

em uma época onde a convergência não estava clara até para os teóricos. Diversas

vezes as empresas tomam decisões que não agradam o público, mas uma polêmica ou

uma baixa de vendas – assim como uma baixa na audiência – força as empresas a

mudarem suas decisões.

Por isso, como citado anteriormente, tais fenômenos se mostram

extremamente democráticos e descentralizados, as vozes de todos são ouvidas

independentemente de credo, etnia e opção sexual – por uma lógica de lucro, claro,

mas é justamente este o ponto que Ra d fala ua do apo ta a i tude do egoís o .

Por fim o autor começa a explicar um fenômeno que será abordando mais

adiante que é a criação de universos e a migração dos consumidores para suas outras

mídias, assim como o perigo que tal migração apresenta.

Para criar universos, os criadores necessitam que os consumidores ajam como

e plo ado es p o u a do os pedaços ue falta de tais est ias. Geo ge R. R.

Ma ti , iado de As C i as de Gelo e Fogo , adaptado pa a a tele isão o o

Game Of Thrones pela HBO, atua desta forma: seu universo apresenta quase dez mil

anos de estória e a abordagem específica de Martin se resume à uma linha do tempo

de 300 anos no que diz respeito aos fatos apresentados na saga de livros e na série.

Fora isso, temos várias obras do autor que expandem o universo como manuscritos,

histórias paralelas, mapas e etc, como explica Carlos Alberto Scolari: A pa ti de u

texto inicial se produz uma espécie de big bang narrativo de onde vão se gerando

novos textos até chegar aos conteúdos p oduzidos pelos usu ios MUNGIOLI, ,

p.4).

Page 13: Cultura da convergência

Esses conteúdos produzidos pelos usuários, por sua vez, demonstram uma

maior necessidade dos consumidores de consumirem algo cada vez mais complexo.

Vejamos:

Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção

de universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes

que não podem ser completamente explorados ou esgotados em

uma única obra, ou mesmo em uma única mídia. O universo é maior

do que o filme, maior, até, do que a franquia – já que as especulações

e elaborações dos fãs também expandem o universo em várias

di eç es. Co o e disse u e pe ie te otei ista: Qua do o e ei, era preciso elaborar uma história, porque, sem uma boa história, não

havia um filme de verdade. Depois, quando as sequências

começaram a decolar, era preciso elaborar um personagem, porque

um bom personagem poderia sustentar múltiplas histórias. Hoje, é

preciso elaborar um universo, porque um universo pode sustentar

múltiplos personagens e múltiplas hist ias, e últiplas ídias

(JENKINS, 2008, p.159).

O problema disso tudo se dá no fato de muitos consumidores não estarem

p epa ados pa a essa narrativa transmídia .

A narrativa transmídia refere-se a uma nova estética que surgiu em

resposta à convergência das mídias – uma estética que faz novas

exigências aos consumidores e depende da participação ativa de

comunidades de conhecimento. A narrativa transmídia é a arte da

criação de um universo. Para viver uma experiência plena num

universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de

caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos

diferentes canais, comparando suas observações com as de outros

fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para assegurar

que todos os que investiram tempo e energia tenham uma

experiência de entretenimento mais rica (JENKINS, 2008, p.47).

Levando em conta a visão mercadológica dessa narrativa transmídia, o

problema para as empresas é a migração dos usuários onde eles não retornam à mídia

primária.

Por um lado, a convergência representa uma oportunidade de

expansão aos conglomerados das mídias, já que o conteúdo bem-

sucedido num setor pode se espalhar por outras plataformas. Por

outro lado, a convergência representa um risco, já que a maioria

dessas empresas teme uma fragmentação ou uma erosão em seus

mercados. Cada vez que deslocam um espectador, digamos, da

televisão para a Internet, há o risco de ele não voltar mais (JENKINS,

2008, p.45).

3. Em busca do Unicórnio de Origami

Matrix e a Narrativa Transmídia

Page 14: Cultura da convergência

Jenkins escolhe o universo de Matrix especificamente pelo modo que as irmãs

Wachowski o construíram. De início o autor já deixa claro: Não, as irmãs não

conseguiram concluir aquilo que elas tinham em mente. O público não conseguiu, de

forma geral, concluir a narrativa da forma que elas esperavam e construíram, os

críticos não estavam dispostos a buscar outras mídias para concluir a história que

esperavam ser completa dentro da trilogia de filmes e isso tudo após o filme de 1999.

O primeiro filme, em si, foi revolucionário: colocava dentro de si uma série de

aspectos que apontavam para seu sucesso imediato com o público de forma que

a tes es o de o fil e se la çado, & do pú li o a e i a o frequentador de

cinema indicava Matrix Reloaded o o u título i pe dí el JENKINS, , p. .

Em primeiro lugar, o filme tem elementos de atração pop. Todos os

tipos de elementos: ataques suicidas por forças especiais de elite,

choque entre helicópteros, artes marciais, uma inocente mas

apaixonada história de amor predestinado, monstros com olhos

esbugalhados absolutamente de primeira qualidade, roupas de

fetiche, cativeiro e tortura e resgate ousado, além de submarinos

muito estranhos e bem legais... Há exegese cristã, um mito redentor,

morte e renascimento, um herói em autodescobrimento, A Odisseia,

Jean Baudrillard (muito Baudrillard, a melhor parte do filme), toques

ontológicos de ficção científica, da escola de Philip K. Dick,

Nabucodonosor, Buda, taoísmo, misticismo de artes marciais,

profecia oracular, telecinesia do tipo que entorta colheres, shows de

mágica de Houdini, Joseph Campbell e metafísica matemática

godeliana (STERLING IN HARBER, 2003 apud JENKINS, 2008, p.138).

O que é Matrix?

Além de todos os fatos citados anteriormente, Matrix é um caldeirão de

referências, seja a números, obras, livros, autores, conceitos, e etc. Os nomes dos

personagens são determinados com um propósito, o nome das naves, tudo tem um

significado sobre política, sociologia, tecnologia e principalmente filosofia.

Se analisarmos o filme de forma mais profunda, Neo é um agente de

manutenção da Matrix da forma que ela é: faz um acordo com as máquinas no último

fil e e sal a o siste a da dest uição p otago izada pelo ilão Age te S ith. Zio ,

po sua ez, j foi dest uída ias ezes e se p e e as e . U a das i te p etaç es

que podemos ter é que Neo é nada mais nada menos do que o escolhido para fazer

com que esta programação se repita de novo e de novo – Zion ser destruída, a

Page 15: Cultura da convergência

esperança de uma suposta salvação continuar viva, e o sistema da Matrix ter sua

manutenção completa.

Dentro das questões filosóficas podemos analisar a forma como Jean-Paul

Sa t e a alisa a e ist ia hu a a o o se do o de ada li e dade : uando os

i di íduos e t a a to a do oelho eles estão o de ados a i e u u do

de astado e i spito. Al disso, o o Nietzs he fala o seu o eito de este o

eto o do es o , se p e i e isti u Neo, u a Zio e u a Mat i : Neo sempre

irá voltar, sempre irá tentar salvar as pessoas e acabar com a Matrix e o reinado das

máquinas e sempre irá falhas. Zion sempre será destruída.

E esta é apenas uma interpretação daquilo que nos é apresentado dentro de

todo o contexto da Matrix, e é assim que as irmãs Watchowski querem, o universo

deve ser explorado cada vez mais. Sua narrativa transmídia fez os vários pedaços da

narrativa serem explorado em maior quantidade, de melhor forma e gerando várias

pistas que criaram várias interpretações.

Matrix é isso: filme, quadrinhos, animação e jogos, cada um com seu papel de

contar uma história que cada um terá uma interpretação de forma que irá ajudar toda

uma comunidade a entender o seu fenômeno.

De volta à introdução de Jenkins, é justamente isso que ele aponta como sendo

o desejo das e p esas de e t ete i e to atuais: Ve o a ú io ou o p a o

produto já não basta; a empresa convida o público para entrar na comunidade da

a a JENKINS, , p. .

Narrativa Sinérgica”

O grande problema para o público e para a crítica é justamente talvez o maior

trunfo do universo de Matrix: sua narrativa transmídia. Grande parte das pessoas não

entendeu uma série de parte da trilogia dos filmes que não eram entregues dentro do

próprio filme.

Alguns críticos atacaram o filme por algumas vezes mostrar a personagem

Niobe como mais importante que o suposto protagonista Morpheus, mas para quem

Page 16: Cultura da convergência

jogou Enter The Matrix com a personagem Niobe durante várias dezenas de horas, a

personagem se mostra mais importante que Morpheus.

Para a crítica Fiona Morrow, o que importava de verdade eram os filmes.

Podem me chamar de ultrapassada – o que me importa é o filme, e apenas o filme.

Não ue o te de e pa di a e pe i ia i e ti a e so e a ega do com

a tifí ios tu i ados (MORROW, 2003 apud JENKINS, 2008, p.145).

Tal fato pode os apo ta u a a a te ísti a apo alípti a de dete i ados

consumidores ou essas pessoas simplesmente não têm o interesse de procurar uma

história dentro de uma narrativa transmídia. Uma forma de contornar isso e continuar

atendendo à demanda para gerar lucros é a forma como a série The Witcher e o filme

Eu Sou A Lenda desempenharam. O primeiro migrou dos livros para os jogos, além de

ia tie-ins hist ias pa alelas que não afetam a narrativa convencional) e no

segundo caso, nos extras do DVD do filme, uma série de animações mostrando outras

pessoas em outros lugares do mundo (o filme se passa em Nova Iorque) foi feita para

suprir uma possível demanda.

Um erro comum é acreditar que tais práticas dizem respeito apenas às

intenções mercadológicas. Claro que elas existem, mas as propostas, por exemplo, das

irmãs Watchowski foram inicialmente de criar uma narrativa que tomasse forma em

várias mídias que não apenas o cinema.

Então, sejamos claros: há fortes motivações econômicas por trás da

narrativa transmídia. A convergência das mídias torna inevitável o

fluxo de conteúdos pelas múltiplas plataformas de mídia. Na era dos

efeitos digitais e das imagens de alta resolução, o universo dos games

pode ter quase exatamente a mesma aparência do universo dos

filmes – pois estão reutilizando muitos dos mesmos recursos. Tudo

sobre a estrutura da moderna indústria do entretenimento foi

planejado com uma única ideia em mente – a construção e expansão

de franquias de entretenimento (JENKINS, 2008, p.145).

Podemos dizer, por fim, que apesar de sua falha de público e crítica no sentido

da transmídia, Matrix apertou o gatilho para as experimentações de outros universos:

jogos de diversas franquias assim como quadrinhos, animações, e curtas foram

produzidos se guiando no modelo narrativo que Matrix experimentou – Star Wars:

Page 17: Cultura da convergência

Clone Wars e os jogos de 007 e Senhor dos Anéis são exemplos de experimentações

nesse sentido.

Autoria Cooperativa

Voltando ao conceito mercadológico de inclusão, as Watchwoski procuraram

uma série de profissionais de diversos lugares do mundo para encabeçarem a

produção das diversas mídias que compõem o universo de Matrix. Shakhar Kapur fala,

por exemplo, da entrada dos chineses nas narrativas.

Em dez anos, Homem-Aranha vai arrecadar US$ 1 bilhão na primeira

semana. Mas quando o Homem-Aranha tirar a máscara,

provavelmente será chinês. E a cidade onde ele opera não será Nova

York, e sim Xangai. E, no entanto, ainda será um filme internacional,

ainda será Homem-Aranha (KAPUR, 2002 apud JENKINS, 2008).

Como dito antes: nossa sociedade, mesmo inconscientemente tem entendido

que o conhecimento é disperso e que nossa forma de estruturar os processos de

maneiro coletiva, cooperando entre si é muito mais vantajoso – como é o exemplo de

serviços como o Napster, Kazaa e eMule.

A Arte da Construção de Universos

O que percebemos, no entanto, nos dias atuais, é uma preferência do

entretenimento àquilo que pode ser mais explorado enquanto narrativa. Nosso

consumo cultural tem se expandido cada vez mais – não porque nós queremos,

necessariamente, mas porque muitas obras de qualidade são produzidas dessa forma

– para obras com um vasto universo.

Uma crítica contemporânea ao cinema é ao fato de este estar se mostrando

falido em questões de criatividade, o que não tem acontecido com as séries, por

exemplo, e isto gera uma série de efeitos colaterais para os produtos culturais do

cinema – a iação de o ti uaç es, p elúdios, tie-ins e et . e a e te pela l gi a

de mercado.

Essas falhas explicam por que as sequências e franquias têm má

reputação. Produtos de franquias são orientados demais pela lógica

econômica e não o suficiente pela visão artística. Hollywood age

como se tivesse apenas de proporcionar mais do mesmo, imprimindo

um logotipo de Jornada nas Estrelas (1966) em um monte de

bugigangas. Na realidade, o público quer que o novo trabalho ofereça

Page 18: Cultura da convergência

novos insights e novas experiências. Se as empresas de mídia

correspondem a essa exigência, os espectadores investem no

produto e sentem que têm domínio sobre ele; negue isso aos

consumidores e eles se afastam, em desgosto (JENKINS, 2008, p.146).

Entretanto, criar um universo com o intuito de explorar tal universo de forma

que os consumidores consigam entender a narrativa e fazer parte da construção da

mesma é o desafio que os produtores enfrentam.

Grande parte do capítulo dedi ada e pli ação de o o a a i ação The

Second Renaissance a o da ios o eitos i po ta tes pa a o fil e.

The Se o d Re aissa e , de Mahi o Maeda, po e e plo, uma crônica de ritmo acelerado e ricamente detalhada que nos leva

do presente até a era do domínio da máquina, mostrada no primeiro

filme de Matrix. O curta de animação tem o formato de um

documentário produzido por uma inteligência artificial, para explicar

os e e tos ue o duze ao seu t iu fo so e os hu a os. The Seco d Re aissa e fo e e a o ologia do u i e so de Matrix,

oferecendo um contexto para eventos como o julgamento de

B116ER, a primeira máquina a matar um humano, a Marcha de Um

Milhão de M ui as e o es u e i e to dos us , e io ados e outros textos de Matrix (JENKINS, 2008, p.162-163).

Por fim o autor faz uma série de paralelos entre tais narrativas transmídia –

como sendo fragmentadas – e os escritos divinos em relação às missas, mosaicos em

igrejas, contos que as pessoas passam de geração para geração e etc.

Um efeito colateral da mistura que Matrix é se dá na ridicularizarão de quem

ão o p a essas efe ias.

Esses discursos não produzem sentido, mas efeito de sentido:

certamente, dão a impressão de que esses sujeitos estão dizendo

coisas profundas. Isso não impede que os fãs analisem a filosofia de

Matrix Reloaded em intermináveis posts na Internet. Parte da

diversão consiste em tornar-se um expert no significado profundo da

rasa mitologia pop; há algo agradavelmente irônico em tornar-se

uma autoridade nos produtos transitórios da cultura de massa, e

Morpheus (Lawrence Fishburne) agora se une a Obi-Wan Kenobi

como o Platão de nossa época (EBERT, 2003 apud JENKINS, 2008).

Compreensão Adicional

A Compreensão Adicional é aquela que, segundo Neil Young, os criadores não

controlam. O público tem diversas interpretações e muitas delas são aleatórias às

Page 19: Cultura da convergência

vontades dos criadores. Dentro das narrativas transmídia, essas compreensões variam

de acordo com a quantidade da narrativa que o consumidor realmente absorveu.

As cenas editadas (momentos do jogo que são pré-gravados e não

sujeitos à intervenção do jogador) nos revelam mais sobre o triângulo

amoroso entre Niobe, Morpheus e Locke, o que ajuda a explicar, em

parte, a hostilidade de Locke em relação a Morpheus, durante todo o

filme. Tendo jogado o game, você consegue interpretar o desejo e a

tensão no relacionamento entre eles, mostrados na tela. Quanto a

Ghost, ele continua um personagem secundário no filme, tendo

apenas um punhado de falas, mas suas cenas na tela recompensam

os que se empenharam em jogar o game (JENKINS, 2008, p.172-173).

Por fim, as informações que Jenkins entrega ao leitor são a forma como a

internet conseguiu modificar essa compreensão adicional, a forma como o

entretenimento para crianças tem conseguido desempenhar um papel transmídia e a

falha que Matrix teve e os aprendizados que podemos tirar disso.

Em relação ao primeiro, em 26 de maio de 2005, após a conclusão da trilogia

nos cinemas, o personagem Morpheus no jogo Matrix Online foi morto e causou um

g a de a ulho de t o da o u idade do jogo – em relação a isso, uma curiosidade

se dá no jogo Eve Online onde a comunidade já chegou a destruir a nave que fazia o

comércio do jogo, conseguimos ver toda uma possibilidade de colocar em prática de

forma virtual a ordem espontânea que Hayek falava.

Na segunda questão, Jenkins apresenta as animações Japonesas Yu-Gi-Oh! e

Pokémon, ambos entretenimento para crianças onde cada um tem sua abordagem

dentro da nossa realidade. Pokémon foi transformado em uma série de jogos, seja de

plataformas portáteis – como o já mencionado Nintendo 3DS –, jogos para a internet

ou Trading Card Game, jogos onde duas ou mais pessoas disputam com cartas para

derrotar o oponente.

Yu-Gi-Oh! também funciona como Trading Card Game, as cartas mostradas na

animação foram trazidas para a realidade e vendidas de diversas formas. As crianças

compram as cartas e jogam entre si da mesma forma que as apresenta.

Além disso, ambos produtos são muito complexos para apenas uma pessoa

entender todo o conjunto da obra, o que já reforça a ideia de conhecimento disperso e

Page 20: Cultura da convergência

a construção de um universo que depende de várias pessoas para absorver suas

informações.

Existem centenas de Pokémon diferentes, cada um com múltiplas

formas evolucionárias e um complexo conjunto de rivalidades e

afetos. Não existe um texto único em que se possam obter

informações sobre as várias espécies; em vez disso, a criança reúne

seu conhecimento sobre Pokémon a partir de diversas mídias, e o

resultado é que cada criança sabe alguma coisa que seus amigos não

sabem e, portanto, tem a chance de compartilhar sua expertise com

outros (JENKINS, 2008, p.177).

Já no terceiro caso, Neil Young acredita que as irmãs Watchowski limitaram seu

público quando aumentaram a complexidade do entendimento daquilo que a narrativa

t azia: Qua to ais a adas o olo a e algo, e o o e ado JENKINS, ,

p.1 . Co o e e plo disso, o o Os Cloud ake s e a Besta t az u a hist ia a

espeito de u u do aut o o a i te et pa a di ulga o fil e A.I. – Inteligência

A tifi ial .

Pa a e f e ta a esta , os jogado es ti ha de joga ju tos, procurando amigos, criando comunidades na web, atraindo o maior

número possível de pessoas. Não demorou muito e grupos menores

uniram forças, até que se formou um exército de investigadores e

solucionadores de enigmas, passando horas e horas ao dia tentando

desvendar as origens das conspirações (JENKINS, 2008, p.172).

A respeito do jogo, Jane McGonigal escreveu:

Nós, as 7.500 pessoas ou mais deste grupo, somos todos um.

Demonstramos a ideia de uma inteligência incrivelmente intrincada.

Somos uma só mente, uma só voz... Passamos a fazer parte de algo

muito maior do que nós mesmos (MCGONIGAL apud JENKINS, 2008,

p.175).

Se apenas 7500 pessoas o jogavam, podemos imaginar a complexidade que ele

apresentava. O que podemos concluir com os textos de Jenkins são os fatos de que a

convergência está entre nós e que ela tem atingido uma grande parte da nossa vida

social, inclusive do nosso consumo cultural, e temos que entender tais fenômeno para

conseguirmos compreender aquilo que queremos enquanto consumidores e aquilo

que iremos cobrar das empresas tanto de tecnologia quanto da indústria cultural.

Visto que somos responsáveis por grande parte daquilo que é produzido pelas

empresas, de forma direta ou indireta, não ter conhecimento desses conceitos é

justamente ser deixado à mercê de tais empresas, assim como as de entretenimento

Page 21: Cultura da convergência

quando determinam que a abordagem de um determinado universo se dará dessa

forma. O caso de Matrix é curioso para ser estudado por apresentar tal fenômeno

dentro de uma sociedade despreparada em termos de conhecimento para o que

estava acontecendo, porém, enquanto produto cultural, toda a construção de Matrix

foi muito boa – os filmes e os jogos são bons assim como as animações e os

quadrinhos –, se fossem analisadas de forma isolada teriam notas muito boas em suas

críticas e talvez por isso Matrix fique na história como uma revolução no conceito de

narrativa: entenderemos muito mais o que as irmãs Watchwoski queriam fazer quando

tivermos consciência, como sociedade, do que está ocorrendo com os meios de

produção.

Tal característica vanguardista das irmãs não se resume a Matrix, a série Sense

8, produzida pela Netflix vem usando efeitos práticos para fazer efeitos que são,

supostamente, dificílimos de serem feitos sem a ajuda de computação gráfica. Isso

reduziu drasticamente os custos de produção e deu uma sensação muito mais realista

para a série.

REFERÊNCIAS

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