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UNIVERSIDADE CATLICA PORTUGUESA FACULDADE DE TEOLOGIA Instituto
Universitrio de Cincias Religiosas MESTRADO EM CINCIAS RELIGIOSAS
Especializao: tica Teolgica
PAULO JORGE TORRES BORGES
Cuidados de Sade e Prticas Hindus
Dissertao Final
sob orientao de:
Prof. Doutor Peter Stilwell
Lisboa 2012
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No mau cair, quando a mo encontra um diamante.
Provrbio hindu
Este smbolo a slaba sagrada, constituda por trs carateres
snscritos,
correspondentes, no alfabeto ocidental, s letras A-U-M, que se
pronuncia numa nica
emisso de som, como se tratasse de OM. Graficamente um yantra,
mas quando se
pronuncia um mantra. Este smbolo representa o som divino que
antecede o prprio
incio de toda a criao. Tambm, simboliza a trade hindu Trimurti:
o Princpio da
Criao (Brahm), o Princpio da Conservao (Viu) e o Princpio da
Renovao (Xiva).
Esta triforma representa uma unidade onde est presente a
essencialidade da
existncia, no sentido cclico da criao, manuteno e transformao:
terra, gua e
fogo. Nos estados meditativos corresponde ligao dos trs estados:
corpo, mente e
alma (Vrios, Religies, Histria, textos, tradies 2006, 38).
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ndice
Introduo geral ...... 5
Introduo ao hindusmo ..... 6
1. As castas .... 11
2. Os Vedas .... 14
3. Os pilares da mentalidade hindu: karman, ssra, dharma, yoga e
moka .. 16
4. Os sacerdotes . 19
5. Ritos de passagem (sskras) ..... 20
6. Vida, sade, doena, morte e luto 28
7. Sofrimento 32
8. Salvao para alm da vida terrena 32
As principais divindades . 35
A expresso da f 37
O culto 38
As festas e celebraes ... 39
9. Hindus em Portugal 40
10. Relacionamento da assistncia espiritual e religiosa na
prestao dos cuidados
de sade e seu enquadramento legal 40
Abordagem temtica por reas da sade . 45
1. O incio da vida .. 45
a. Me e famlia . 45
b. Cuidados e rituais durante a gravidez .. 47
c. Cuidados e rituais no ps-parto ... 47
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d. A criana 48
e. Aborto . 49
2. Doena ao longo da vida . 50
a. Corpo e sua integridade: transfuses e transplantes . 51
b. Alimentao 51
3. Acompanhamento religioso em ambiente hospitalar ... 52
Devoo pessoal e objetos religiosos ... 53
4. Acompanhamento do moribundo e rituais fnebres ... 54
Morte numa famlia hindu, na ndia .. 56
O ritual sat .. 62
Rituais fnebres de hindus, no Ocidente 63
5. Casos limite: eutansia, distansia, suicdio, autpsia . 66
6. Concluso .. 67
7. Glossrio ... 68
8. Bibliografia ... 73
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Introduo geral
Esta dissertao tem como tema principal Cuidados de Sade e
Prticas Hindus e
insere-se no contexto do Mestrado em Cincias Religiosas,
especializao em tica
Teolgica organizado pela Faculdade de Teologia da Universidade
Catlica Portuguesa,
para assistentes espirituais do Servio de Assistncia Espiritual
e Religiosa (SAER),
tradicionalmente designados como capeles hospitalares do Servio
Nacional de Sade
(SNS).
Um dos principais objetivos deste trabalho , conjuntamente com
alguns colegas de
mestrado que se debruaram sobre outras tradies religiosas,
elaborar um manual
prtico no sentido de dotar os profissionais de sade, que lidam
diretamente com os
pacientes, de conhecimentos e competncias espirituais e
religiosas para que possam
satisfazer algumas das necessidades humanas fundamentais,
consagradas na
Declarao Universal dos Direitos Humanos (Naes Unidas 1948, art.
2, 3 e 29).
Neste sentido, tivemos como finalidade primordial abordar os
assuntos que dizem
respeito pessoa e seus possveis pontos de contato ao nvel dos
cuidados a ter em
sade, tais como crenas e rituais, comportamentos e fundamentos
ticos, bem como
convices culturais, filosficas, morais e religiosas sobre o
incio da vida e a
maternidade, procuraremos elucidar as concees que possuem ao
nvel da sade,
sofrimento, doena, morte, luto e seus respetivos rituais
fnebres.
Com isto, pretendemos propor linhas orientadoras que protejam
essas convices e, ao
mesmo tempo, salvaguardar os princpios matriciais e fundadores
da biotica como a
autonomia, a beneficncia, a no-maleficncia, a justia, a
vulnerabilidade,
favorecendo uma plataforma de comunicao autntica e adequada
entre profissionais
de sade e pacientes.
Apresentamos tambm, alguns dos casos limite para aclarar como
essas condutas e
crenas se cruzam com os procedimentos clnicos, assim como as
questes ticas que
se levantam nos casos de suicdio e na autpsia.
Quero aqui deixar expresso o meu profundo reconhecimento ao
Professor Doutor Lus
Filipe Thomaz pela amabilidade que me concedeu em consultar a
sua vastssima
biblioteca pessoal e agradecer os seus preciosos contributos na
correo dos termos
em snscritos usados neste trabalho, tal como nas indicaes a
respeito da histria do
hindusmo.
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Introduo ao hindusmo
Pretendo apresentar uma breve abordagem histrica do hindusmo no
sentido de
termos uma viso abrangente dessa cultura ancestral. Assim sendo,
no primordial
inteno deste trabalho esgotar exaustivamente esse especfico
assunto, mas fornecer
dados essenciais que sirvam de pano de fundo aos temas
desenvolvidos na segunda
parte, sobre as reas da sade e da doena ao longo da vida.
Huston Smith afirma que a religio viva comea com a busca pelo
sentido e valor das
coisas para alm do egocentrismo, chamando a pessoa aventura mais
importante da
sua vida: viajar pelas selvas, picos e desertos do esprito
humano. (Smith 2007, 41).
Com muita frequncia compara-se o hindusmo a um enorme
guarda-chuva, onde
abrigam-se as mais variadas tradies religiosas existentes no
subcontinente indiano
desde os primrdios da histria.
Quando caraterizamos uma civilizao, necessariamente estamos a
falar do
sedentarismo de um povo que se fixou por um largo perodo de
tempo numa
determinada regio. Em relao s razes da tradio hindu podemos
identific-las nas
culturas da civilizao do vale do Indo e na indo-europeia, onde
cada uma delas
contribuiu para o desenvolvimento das tradies religiosas que se
transformaram no
que hoje conhecemos por hindusmo.
No vale do Indo, onde hoje se situa o Paquisto e parte do
Afeganisto, foi descoberta
uma civilizao composta por vrias cidades e cidadelas, sendo as
duas principais
Mohenjo Daro e Harapa, cidade esta que veio a dar o nome
civilizao conhecida por
harapiana, destruda por volta de 1900 a. C., cuja origem remonta
ao perodo do
neoltico, cerca de sete mil anos atrs.
Os vestgios arqueolgicos dessa avanada civilizao foram
descobertos em
variadssimos lugares, cobrindo uma rea que vai desde a parte
superior do rio Ganges
a leste, at atual fronteira iraniana a oeste, e para sul at
costa do Guzerate.
(Shattuck 2008, 18).
Essa civilizao tinha cidades muito bem organizadas com
sofisticados sistemas de
abastecimento de gua, bem como barreiras para a drenagem do
degelo do Himalaia e
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planeamento da estrutura dos edifcios em quadrados e retngulos.
As casas possuam
esgotos e grandes poos que devem ter servido como zonas centrais
de banho. Os
enormes armazns sugerem uma economia baseada no cultivo e
comrcio de cereais
que estabeleciam com a Mesopotmia. Dos variadssimos artefatos
arqueolgicos
podemos salientar numerosas estatuetas em terracota
representando uma mulher de
ancas largas, seios proeminentes e um complicado turbante. Os
especialistas
especulam que esta imagem possa ser a de uma deusa associada
fertilidade humana
e agrcola. Tambm foram encontrados selos de barro com escrita
pictogrfica
composta por mais de 400 smbolos, que ainda no foi decifrada.
(Boivin 1996, 7-9).
No se pode precisar bem a data de nascimento do hindusmo, apenas
sabemos que a
palavra hindusmo s comea a ser usada em portugus, j com o
sentido que hoje
lhe atribumos, no sculo XVI por Garcia de Orta, derivando em
ltima anlise do nome
do rio Indo que em snscrito se diz Sindhu e na lngua persa se
pronuncia hindu.
O rio Indo nasce no Tibet e recebe no seu trajeto vrios
afluentes que descem do
Himalaia formando uma espcie de delta invertido. Outro
importante rio o Ganges,
que corre ao longo do Himalaia, juntamente com o grande afluente
Brahmaputra, que
desce do Tibet, formando o delta de Bengala. Dentro da vasta
plancie indo-gangtica,
o clima de tipo tropical-seco no vale do Indo, propiciando o
cultivo dos cereais de
sequeiro como a cevada e o trigo, ao passo que no vale do Ganges
de tipo tropical-
hmido, predominando a cultura do arroz.
Para conhecermos como se formou a civilizao indiana temos de ter
em conta dois
povos, a saber: os arianos e os drvidas. A civilizao dravdica
era matriarcal, ligada
terra, adorando divindades femininas, chegando mesmo a praticar
a prostituio
sagrada; a civilizao do Vale do Indo, que floresce entre 2300 a.
C. e cerca de 1750 a.
C., parece ser essencialmente dravdica. A civilizao ariana, que
se desenvolvera
entretanto no interior da sia para em seguida irromper na India,
aparece
originalmente como uma sociedade patriarcal e pastoril, com
culto a divindades
masculinas.
Os arianos conquistam violentamente o vale do Indo e passam para
o vale do Ganges
atravs de um longo processo de infiltrao no Madhyadea (regio
entre o Indo e o
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Ganges) que constitui o quadro geogrfico do poema pico
Mahbhrata, ao passo
que a ocupao progressiva do vale do Ganges o tema da outra
epopeia herica,
chamada o Rmyaa.
Os rias baseavam a sua economia na criao e abundncia de gado
onde, se podem
talvez intuir as origens remotas do culto hindu da vaca mas
foram-se convertendo
paulatinamente agricultura. A sua alimentao era, essencialmente,
leite e seus
derivados, tal como a manteiga clarificada (ghi), acompanhada de
legumes e nos dias
festivos carne e vinho de palma (sura).
A sociedade ariana era patriarcal baseada na famlia extensa,
coesa e sob a autoridade
firme do pai-de-famlias. Um grupo de famlias formava uma
linhagem (via) e vrias
linhagens um cl; por sua vez vrios cls formam um pequeno reino
tribal (rara).
Esses vrios cls independentes tinham um chefe militar, sem
carter religioso,
chamado de rj ou rei.
O declnio da civilizao harapana deve-se a inmeros fatores, tais
como a quebra da
produtividade agrcola devido salinizao dos terrenos pela
dificuldade do
escoamento das enchentes de gua. A intensa explorao de madeira
para lenha
contribuiu tambm para a degradao dos terrenos. Tudo isto,
adicionado a possveis
invases, guerrilhas, saques, destruies, massacres, anarquia e
agitao social,
provocaram a diminuio do comrcio interno e externo, espoletando
o natural fim de
uma civilizao. (Thomaz 2009/2010, 4-12).
O quadro abaixo apresentar algumas notas desde os primrdios at
ao perodo
medieval que Cybelle Shattuck, Professora Assistente de Religies
Orientais na Western
Michigan University, coligiu sobre o hindusmo, com dataes
aproximadas. (Shattuck
2008, 8-9).
Cronologia do hindusmo
Civilizao Pr-histrica e do Vale do Indo
7000-6000 a. C.
2500 a. C.
2300-2000 a. C.
Primeira agricultura na zona do vale do Indo. Civilizao urbana
aparece ao longo do rio Indo. Ponto culminante da civilizao do vale
do rio Indo.
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2000-1500 a. C. Migraes indo-europeias para a Europa, Iro e
ndia.
Perodo Vdico
1200-900 a. C.
1000-800 a. C.
900-600 a. C.
600-300 a. C.
563-483 a. C.
527 a. C.
Composio dos gveda, Yajurveda, Smaveda e Atharvaveda. Composio
dos Brhmaas. Composio dos rayakas. Composio dos Upaniadas. Gautama
Buda, fundador do Budismo. Morte de Vardhamna Mahvra, ltimo sbio do
Jainismo.
Perodo pico e Clssico
400-300 a. C.
324-185 a. C.
200 a. C.-200 d. C.
Sculo III
320-500 d. C.
400-500 d. C.
Compilao do Mahbhrata. Imprio Maurya. Compilao do Rmyaa e da
Manu Smti. Composio dos 18 grandes Puras. Dinastia Gupta, poca
clssica e rea da ndia em todos os nveis. Chegou ao fim com a invaso
dos hunos brancos, provenientes da sia Central. Yogastras de
Patjali, texto bsico do sistema filosfico yoga.
Perodo Medieval
700 d. C.
788-820 d. C.
1211-1526 d. C.
1440-1518 d. C.
1526-1857 d. C.
Primeiros Tantras. Shankara, fundador do Advaita Vednta.
Sultanato de Deli, domnio muulmano no norte e episodicamente no sul
da ndia. Kabir, poeta-santo. Imprio Mogol, domnio muulmano sobre
toda a ndia setentrional.
Perodo Moderno
1830 d. C.
1858 d. C.
1947 d. C.
Dwarkanath Tagore e Ram Moham Roy concebem o Brahmo Samaj, para
reformar o vigente bramanismo. Passagem dos territrios indianos
para o controlo da coroa britnica. Independncia da dominao
britnica.
O hindusmo manifesta-se numa imensa variedade de formas entre os
seus seguidores,
do que resulta ser uma tarefa rdua e difcil descrever os
contedos de cada uma delas.
No entanto, esta minha apresentao tentar ser o mais abrangente
possvel com vista
a revelar o maior nmero de azulejos deste grande mosaico
cultural e religioso.
http://translate.googleusercontent.com/translate_c?hl=pt-PT&langpair=en%7Cpt&rurl=translate.google.pt&twu=1&u=http://en.wikipedia.org/wiki/Dwarkanath_Tagore&usg=ALkJrhjj5icdpus0oe8BxloMtijLZuYk1Q
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Apesar de no Ocidente ser sobretudo olhado como uma religio,
considerada uma das
grandes religies do mundo, o hindusmo constitui na realidade um
modo de vida que
implica a pessoa toda desde o nascimento at depois da morte. O
termo que os
prprios hindus denominam aquilo a que chamamos hindusmo santana
dharma,
ou seja, a lei eterna. (Petrini 2007, 152).
O seu fio condutor passa pela noo de pururtha, que designa os
fins do homem, ou
seja, os objetivos pretendidos pelas nossas aes, bem como as
vantagens que cada
um pode retirar das mesmas. Todos os seres vivos merecem a sua
condio atual,
sendo essa a contrapartida exata dos seus atos. O fim ltimo do
indivduo a sua
libertao, entendida em diversos sentidos: dissoluo, isolamento,
extino,
integrao num conjunto de divindades. (Vrios, Atlas das Religies
2000, 86).
Atualmente, existe mais de um bilio de indianos no mundo,
constituindo os hindus
perto de 80% da populao da ndia. O hindu o habitante da ndia que
no
muulmano (11%, cerca 110 milhes), no cristo (2,4%, vinte
milhes), que no
judeu (nmero exato desconhecido), que no sikh (2%), jainista
(0,5%), nem budista
(0,7%). Ainda assim, os hindus constituem da populao da ndia.
(Kng, Religies
do mundo, em busca dos pontos comuns 2005, 56).
Podemos concluir, que a formao de um sacerdcio especializado e a
sua lenta
transformao em casta hereditria e fechada acarretou a bramanizao
da sociedade
ariana. separao entre o sacerdcio e a nobreza militar (rjanyas,
mais tarde
katryas) e entre esta e o resto dos arianos (vaiyas, lavradores,
comerciantes e
artesos), comum a todos os povos arianos, juntou-se a oposio
entre estes e a
populao nativa submetida, que desembocou no sistema das quatro
classes clssicas
(varas), a saber: brmanes, cxatrias, vixias e xudras.
Encontramos uma tentativa de
consagrao religiosa desta estratificao social no mito do gigante
primitivo dividido
em quatro partes, saindo os brmanes da cabea, os cxatrias dos
braos, os vixias do
ventre e os xudras dos ps (Rigveda, X, 90).
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1. As castas
A singularidade da sociedade hindu assenta no sistema de castas,
que so olhadas mais
como a condio existencial que como a condio social em que se
inscreve o ciclo
evolutivo do indivduo, ao longo das suas sucessivas
re-encarnaes.
Nesse sistema, existem dois termos que necessitam clarificao:
vara e jti. Vara
significa em snscrito cr, aparncia, e da categoria, classe ao
passo que jti
significa etimologicamente nascimento, gerao e da casta. O termo
vara aplica-
se aos quatro grandes estamentos, j referidos, em que se dividia
a sociedade ariana, e
hoje por vezes traduzido por casta, ao passo que jti, que os
nossos autores
quinhentistas traduziram geralmente por casta, hoje muitas vezes
traduzido por
subcasta, porque a cada classe ou estamento da ndia clssica
correspondem desde a
Idade Mdia inmeras jtis ou subcastas.
Vara, como vimos, tambm significa cr; da que, durante o perodo
clssico se
identificassem as castas com as cores: o branco eram os brmanes,
o vermelho os
cxatrias, o amarelo pertencia aos vixias e o negro aos
xudras.
A ordem hierrquica das quatro castas a seguinte:
a) Brmanes: so os sacerdotes, a elite instruda, os guardies dos
Vedas.
b) Cxatrias: so os guerreiros nobres, os defensores do
reino.
c) Vixias: so os comerciantes, os homens de negcios, os que
emprestam
dinheiro, e os agricultores,
d) Xudras: a sua funo principal a de servir as necessidades das
trs castas
superiores.
Os membros das castas superiores so conhecidos como os que
nascem duas vezes
(dvijas), porque os vares so, atravs de um rito de passagem,
submetidos a uma
iniciao que na sua origem um rito de puberdade; este
permitir-lhes- ler e
aprender os Vedas e participar em todas as cerimnias religiosas.
A privao de direitos
dos xudras tal que no lhes permitido essa iniciao, nem sequer a
sua sombra
dever tocar na sombra de um brmane (Monteiro 2007, 37).
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As caratersticas fundamentais do sistema de castas so a
hierarquia, a noo de
contaminao (implicando uma purificao) e a especializao
vocacional (Howarth e
Leaman 2004, 91-94).
a) Hierarquia: a pessoa nasce numa determinada casta e nela
permanece at morte.
A mudana de casta muito rara, sobretudo de uma inferior para
outra superior, o que
pode acontecer atravs de um casamento, principalmente na
dispora. Pelo contrrio,
pode facilmente acontecer passar-se de uma casta superior para
outra inferior por
excomunho ou expulso da casta, em consequncia de aes que
conspurquem a
casta.
Dentro de cada vara ou casta existe tambm uma hierarquia
organizada em torno de
graus de pureza ou de contaminao, ligados aos princpios da
endogamia (casamento
entre membros da mesma jti ou subcasta), da comensalidade e da
especializao
vocacional.
Os brmanes esto no topo da hierarquia e detm o poder espiritual.
Os cxatrias so
guerreiros, mas apesar de deterem o poder temporal, esto
subordinados ao poder
espiritual. Os vixias, que constituam outrora o grosso da
sociedade ariana, so os que
trabalham no comrcio, agricultura e outros negcios.
Os xudras, que formam hoje o grosso da sociedade hindu,
apresentam-se como a
classe mais baixa, ainda que abaixo dela se tenha aos poucos
gerado um grupo inferior,
considerado poluente para os prprios xudras: os cdlas ou
intocveis, classe
constituda pelos que lidam com desperdcios dos homens e animais,
e se ocupam
nomeadamente das atividades crematrias, consideradas as mais
impuras de todas,
devido ao contacto com os cadveres; so hoje sobretudo conhecidos
por dalit (do
snscrito dalita, esmagado, desprezado), a que Gandhi preferiu
chamar harijans, ou
seja, filhos de Deus.
Frequentemente, as castas e subcastas inferiores procuram
elevar-se a um nvel
superior mediante a observncia de tabus e cerimnias religiosas e
assegurando que os
seus membros vivam da melhor forma possvel os rituais e os
costumes das castas
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superiores; mas esse processo lento, e no impede que os brmanes
as continuem
normalmente a reputar inferiores.
b) Contaminao: todos os comportamentos quotidianos, religiosos
ou no, dos hindus
s podem ser entendidos dentro do conceito de pureza ritual, que
mina as situaes de
contaminao, que pode ou no ser anulada por ritos de
purificao.
Para a cultura hindu existem trs tipos de impureza:
1. Impureza temporria: a que permanece na pessoa ao acordar de
manh,
antes de realizar as ablues matinais, depois de comer ou antes
de rezar.
Esses estados so facilmente ultrapassados atravs das aes
apropriadas,
como banhos, uso de roupas limpas, oraes e rituais de limpeza
ou
purificao.
2. Contaminao forte: acontece quando h contacto fsico com algum
de
uma casta reputada impura e inferior ou quando so quebradas as
regras
bsicas da comensalidade e da hospitalidade. Por exemplo, um
brmane
encarregado das tarefas do templo, no aceitar a hospitalidade de
um
brmane encarregado dos ritos funerrios, pois ritualmente
superior a
este.
3. Contaminao permanente: acontece num casamento com algum de
casta
inferior, porque quebra o princpio da endogamia que garante
a
perpetuidade do sistema de castas. Por isso, ainda normal que
os
casamentos sejam combinados e organizados pelos pais dos
futuros
esposos.
Todavia, em Portugal e na dispora, o casamento entre castas
diferentes
no geralmente contrariado. (Kendall 1997, 70).
c) Especializao vocacional: cada aldeia deveria teoricamente ser
auto-
suficiente, possuindo pessoas com aptides e conhecimentos
especializados
para irem ao encontro de todas as necessidades da comunidade.
Sabemos
que nem sempre possvel empregar todos os membros da famlia ou
da
casta na sua ocupao hereditria; da que com a crescente
diversificao
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de oportunidades se tenham formado novas subcastas, baseadas em
novos
desempenhos profissionais. O sistema de castas est a sofrer
significativas
modificaes, porque comearam, por exemplo, a aparecer brmanes
no
exrcito, no comrcio, como empregados de mesa, cozinheiros e
at
hipnotizadores de serpentes, ou noutras ocupaes mais
modestas.
2. Os Vedas
Como toda religio evoluda, o hindusmo rege-se por textos
sagrados, chamados
Vedas, que foram sendo compilados aproximadamente entre 1500 a
800 a. C.. De incio
eram transmitidos oralmente atravs de mnemnicas, visto que a
escrita s apareceu
no sculo VII a. C. Teoricamente so eles que sustentam a verdade
que todos
pretendem atingir e que fornecem as orientaes fundamentais sobre
o modo de vida
que fiis devem seguir, embora a maioria das regras prticas hoje
em uso apenas
aparea em comentrios ou anexos aos textos vdicos. O brahmacarya
ou aprendizado
bramnico implicava aprender os 4 Vedas de cor. Existem duas
verses do texto vdico:
shit (texto tal como se recita) e pada (texto com as palavras
decompostas nos seus
elementos, para facilitar a anlise gramatical).
As quatro colees dos Vedas so: o Rigveda, o Yajurveda, o
Smaveda, e o
Atharvaveda.
1. Rigveda: ou Veda dos cnticos, contm os textos mais antigos
(1500 a 1000 a.
C.), que se recitavam durante os sacrifcios; composto por mil e
vinte e oito
hinos, dirigidos a diversas divindades, divididos em 10
livros.
2. Smaveda: so extratos do Rigveda com notaes musicais arcaicas
para uso
dos cantores, durante os sacrifcios.
3. Yajurveda: composto por cinco colees de preces e poesias para
serem
recitadas em voz baixa nos sacrifcios.
4. Atharvaveda: o ltimo a ser compilado, contm 731 encantamentos
em 20
livros, refletindo uma religio mgica e popular.
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S no sculo XVIII foram passados forma escrita, at ento foram
sendo
transmitidos oralmente. (Thomaz 2009/2010, 20-21) e (L. Renou
1980, 19-27).
A literatura para-vdica (1000-50 a. C.) consiste em textos
escritos em prosa,
normalmente comentrios dos Vedas, considerados rut (audio do som
primordial
e eterno, ou seja revelao), ao contrrio dos textos posteriores,
considerados
apenas smti , tradio. Os trs grupos de textos so:
1. Brhmaas: comentrios rituais, lendas, tradies histricas,
narraes
fabulosas, incluindo tentativas muito rudes de especulao
filosfica.
2. rayakas: o que significa tratados da floresta, so escritos
relacionados com
o eremitismo e de cunho mstico ou filosfico.
3. Upaniadas: designam as revelaes privadas ou colquios
espirituais dos
mestres a seus discpulos, de carter esotrico e de tipo
especulativo e mstico.
Existem seis cincias auxiliares do estudo dos Vedas, chamadas
vedngas
(membros, i. e., anexos dos Vedas), a saber: ritual, fontica,
gramtica, etimologia,
mtrica e astronomia. A compilao desses conhecimentos foi
primeiramente realizada
sob a forma de stras, ou seja, colees de aforismos, destinados a
serem facilmente
decoradas. Os Kalpastras so os mais antigos e tratam dos
rituais, que esto divididos
entre rautastras (culto pblico) e Ghyastras (culto domstico).
Tambm aparecem
as primeiras compilaes de costumes jurdicos, os dharmastras,
tratados de direito
religioso, sendo o mais conhecido as Leis de Gautama (sc. V a.
C.). Foi tambm sob a
forma de stras que o grande gramtico Pini (sc. V ou IV a. C.)
analisou
profundamente a estrutura do snscrito clssico e fixou
definitivamente as suas regras.
Mais tarde aparecem tratados em verso conhecidos por stras, de
que o mais
conhecido o Mnavadharmastra ou leis de Manu, que data dos
arredores da era
crist.
O Mahbhrata o maior poema do mundo (quase 100.000 estncias,
equivalente a
sete vezes a Ilada e a Odisseia juntas), atribudo ao mtico poeta
Vysa, cujo tema
central a luta entre duas famlias: os Kauravas e os Pdavas pelo
reino de
Hastinpura (perto da atual Delhi); na verso atual o tema
principal constitui apenas
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do poema, sendo os outros episdios, lendas, fbulas e discursos
didticos
interpolados. Entre essas interpolaes contam-se o poema de Nala
e Damayanti,
pequena epopeia muito antiga e de carter popular, a Bhagavad-gt,
poema filosfico
considerado o Novo Testamento dos hindus, uma verso da lenda de
Rma, mais
breve e aparentemente mais antiga que o Rmyaa, um tratado de
poltica e filosofia,
etc. O Mahbhrata atual constitui assim uma espcie de enciclopdia
popular do
hindusmo.
O Rmyaa atribudo a Vlmki que tambm inventou o loka, estrofe de
32 slabas,
mtrica tpica da epopeia snscrita. O tema central o desterro de
Rma, prncipe
herdeiro do Koala, para a floresta, onde a sua esposa Sit
raptada e levada para
Laok (ilha de Ceilo ou Xri Lanc) e finalmente, recuperada por um
exrcito de
macacos. Dividido de incio em 5 livros (do 2 ao 6 atuais),
foram-lhe acrescentados
mais dois (1 e 7) de carter bramnico contendo o 1 a histria de
Paraurma, um
brmane que exterminou todos os cxatrias, exceto Rma, que depois
o venceu, mas
por respeito aos brmanes, lhe poupou a vida. O 7 livro consiste
na revelao de
Rma como encarnao de Vixnu, de modo a dar um carter religioso ao
poema.
Os principais Puras so 18, formados a partir do sc. III; contm
epopeias
secundrias com mitos, lendas cosmognicas, genealogias de deuses,
heris e reis e
falsas profecias. (Thomaz 2009/2010, 41-43).
3. Os conceitos-chaves da mentalidade hindu: karman, ssra,
dharma,
yoga e moka
A sociedade e a cultura indianas so sustentadas por alguns
conceitos basilares, tais
como karman, ssra, dharma, yoga e moka, sobre os quais nos
debruaremos a
seguir. (Kendall 1997, 63-64).
a) Karman (no nominativo karma) a lei moral da causa e efeito,
sustentando que
tudo quanto um indivduo resulta das suas aes nas vidas passadas.
O
karman traz em si a ideia de reencarnao. Toda a matria como um
mar de
corpos que adquire vida pelas almas que vo reencarnando. Os
indivduos
-
17
transitam da morte para o renascimento atravs de um processo de
tal forma
doloroso, que os mais elevados ensinamentos e sacrifcios hindus
tm por
objetivo a fuga ou libertao desse mesmo processo contnuo, que
se
denominam ssra. O progresso espiritual d-se quando um indivduo
vive de
forma virtuosa, o contrrio acontece quando se deixa dominar pela
maldade. O
comportamento e a personalidade so condicionados pela atitude
que manteve
na vida anterior. A mentalidade hindu vive nesse paradoxo: se
por um lado,
sustenta a responsabilidade pessoal e o livre arbtrio de cada
ser humano,
simultaneamente, admite a constante presso do karman individual
resultante
das vidas passadas impondo um destino incontornvel.
b) Dharma significa lei, aproximando-se do conceito judaico de
Torah. O dharma
consiste nas normas, responsabilidades e deveres inerentes a
cada casta e sexo,
concretizados nas regras que so o seu aspeto mais prtico. Para
alm dessas
normas particulares existe um dharma universal, que inclui o
perdo, o
conhecimento espiritual, a ausncia de raiva e ganncia, a pureza
e a
capacidade de distinguir entre o bem e o mal. (Monteiro 2007,
31).
c) Yoga significa unio e pode entender-se em dois sentidos: um
sentido por
assim dizer psicolgico, denotando a unio das faculdades do
indivduo
conducentes sua unificao como pessoa, e um sentido teolgico,
denotando
a unio do esprito individual ao Esprito Universal, ou, se
preferirmos, a unio
da alma a Deus. Em qualquer dos casos o seu objetivo , de certo
modo,
melhorar o karman para que a pessoa consiga escapar ao ssra. O
yoga
clssico de Pantajali visa a absoluta libertao das limitaes do
corpo e da
mente, disciplinando a compostura e elasticidade fsicas, bem
como o
desenvolvimento de uma mente e vontade dceis. Consideram-se oito
graus: 1
yama (autocontrolo), observando cinco regras morais:
no-violncia, verdade,
no roubar, castidade e ausncia de avidez; 2 niyama (observncia),
ou seja,
pureza, temperana, austeridade, estudo vdico e devoo a Deus; 3
sana
(postura); 4 pryma (controlo da respirao); 5 pratyhra que o
treino dos rgos sensoriais para no transmitirem as suas percees;
6
dhra, concentrao num s objeto, que pode ser por exemplo a ideia
de
-
18
Deus; 7 dhyna (meditao); 8 samdhi (meditao profunda), com
temporria dissoluo da personalidade,
conduzindo ao kaivalya, estado de
isolamento e beatitude final do esprito. Na
poca medieval d-se a diviso entre
diversas escolas: o yoga clssico
(Rjayoga), o Mantrayoga
baseado na repetio
incessante de slabas mgicas para dissociar a conscincia, o
Hathayoga (yoga
da fora) com predomnio para exerccios fsicos e, por vezes, unies
sexuais
como meio de salvao e o Layayoga semelhante a este. (Thomaz
2009/2010, 75-
76).
Quando o praticante de yoga atingir o grau mais profundo da
conscincia, que a
ausncia de qualquer representao, conseguir o completo domnio de
si prprio, a
pureza espiritual e a libertao de qualquer dependncia.
d) Esta libertao ou fuga, chama-se moka, soltura, e o resultado
da
iluminao intelectual; isto , depois de compreender a verdadeira
natureza da
realidade, o indivduo deixaria de estar dependente da armadilha
dos desejos,
do karman e do ssra. Por outras palavras, o moka a morte da
iluso e dos
desejos que escravizam e fazem o indivduo sofrer por causa de
uma existncia
condicionada.
e) O moka inclui uma dupla conotao: do ponto de vista da negao,
significa o
fim da nsia, da iluso e da morte; afirmativamente, representa o
estado de
conscincia e felicidade pura, a participao na verdade imortal do
brahman,
esprito primordial ou alma universal.
Para o hindusmo existem dois caminhos (mrga) ou modos de vida
para alcanar o
moka: o primeiro a renncia, isolando-se da sociedade para
meditar, jejuar e privar-
se de todo o conforto fsico (nivttimrga); o segundo modo a
humildade, o respeito
pelos outros, principalmente os mais velhos, a pureza nas aes e
pensamentos e a
modstia na vida mundana (pravttimrga). (Monteiro 2007, 36).
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19
4. Os sacerdotes
Aos sacerdotes compete celebrar os casamentos, cerimnias fnebres
e outros ritos
que ritmam a existncia dos fiis, acolh-los, abeno-los, receber
deles as suas ofertas
de flores, frutos, leite, dinheiro, etc., enquanto recitam ou
cantam mantras dos Vedas.
Na Antiguidade o culto centrava-se nos sacrifcios, que
principiavam com uma
cerimnia em que o sacerdote acendia por trs vezes fogo sobre o
altar e terminava
com as mais das vezes com a manducao da vtima oferecida em
sacrifcio.
Aparentemente devido influncia do pacifismo jaina e budista, o
sacrifcio foi desde
h sculos substitudo pela puj, venerao, que consiste no
oferecimento de leite,
flores, arroz, incenso, fruta, etc., divindade. Como sinal de
aceitao dos deuses, o
celebrante durante a puj coloca na palma da mo dos ofertantes
umas gotas de gua
ou leite, uma folha ou uma flor. (Kendall 1997, 71).
A puj celebrada no templo pelo menos trs vezes por dia. Esse
ritual tambm
celebrado nos lares hindus. A famlia prepara um altar onde se
coloca a imagem (mrti)
do deus da sua devoo e os utenslios necessrios, a saber: uma
campainha, um
recetculo para atear o fogo, leite, mel e manteiga derretida. Ao
p do altar domstico
as pessoas renem-se para recitar mantras e orar.
A adorao quotidiana, logo de manh, seguida de outros ritos ao
meio dia e tarde,
representa o cumprimento das cinco dvidas que todos os seres
humanos possuem
desde o seu nascimento: para com os deuses, para com os sbios,
para com os seus
mestres e pais, para com a humanidade em geral e finalmente,
para com todos os seres
vivos. Os deuses so aplacados com a adorao, os sbios com o
estudo das escrituras,
os professores e pais com as ofertas, a humanidade dando de
comer aos hspedes e os
seres vivos so alimentados com os restos das refeies. Este dever
para com todas as
criaturas pode passar por alimentar uma vaca no caminho com po
duro, ofertas de
flores (smbolo do amor), de frutos (smbolo de fadiga), queimar
pauzinhos de incenso
ou velas (smbolo de lealdade para com as divindades). (Petrini
2007, 158).
-
20
Os sacerdotes, que so normalmente brmanes, orientam a vida
religiosa do templo e
ensinam os jovens na sua vida espiritual. O responsvel pela
formao dos brmanes
o guru ou mestre. Os brmanes so facilmente identificados por
usarem um cordo de
algodo a tiracolo, de nome upavta, passando sobre o ombro
esquerdo e depois por
baixo do brao direito. O cordo constitudo por 3 fios entrelaados
enquanto
solteiro, e por 6 fios aps o casamento, sendo substitudo
anualmente, num dia
determinado pelo aparecimento da lua cheia.
5. Ritos de passagem (sskras sacramentos)
As informaes aqui colhidas baseiam-se no estudo realizado por
Pandurang Vaman
Kane, advogado e vice-presidente da Sociedade Asitica de
Bombaim, em 1941, que
traou em detalhe a histria do Dharmastra (leis sagradas do
hindusmo); Kane
descreve pormenorizadamente os sskras ou sacramentos, no captulo
VI da primeira
parte do segundo volume da sua vastssima obra.
O Dr. P. V. Kane utilizou como base de orientao da sua
investigao o estudo
publicado em 1898 por Dr. Julius Jolly, em lngua alem, contendo
a descrio das leis e
dos costumes hindus.
A iniciao (upanayana) um rito de puberdade, considerado o
sacramento que as
pessoas das classes superiores (hoje, praticamente, s os
brmanes) realizam como
forma de nascer de novo (dvijatva). Eles tm a convico de que
pelo pecado o homem
degenera, mas pela graa pode regenerar-se e assim ser conduzido
(nayana) mais
acima e mais perto (upa) do esprito. Durante essa cerimnia
recita-se o mantra de
nome Gyatr ao sol, smbolo ou forma visvel de Deus, pedindo a
iluminao e a
sabedoria. O ritual upanayana pode ser realizado de vrias
formas, dependendo das
pessoas em questo; pode, por exemplo, ser acompanhado pelo
brahmopadea
(instruo dos Vedas), bem como por um banho sagrado chamado
sntaka, ou at
mesmo pela tonsura. Apesar de todos os rituais exigidos, o mais
importante para a
eficcia do ato a f do crente.
O upanayana serve para integrar o jovem dentro do grupo dos
adultos, abre as portas
ao estudo dos Vedas e confere determinados privilgios e
responsabilidades. Existem
-
21
outros sacramentos mais frequentes, de cariz mais popular, tais
como o nmakaraa
(imposio do nome), o annaprana (oferta do primeiro alimento
slido) e o
nikramaa (primeira sada rua da criana); os sacramentos do
garbhdhna
(conceo), pumsavana (rito para a criana seja do sexo masculino)
e smantonnayana
(apartar do cabelo a uma mulher grvida) possuem um carter mgico,
ou pelo menos
simblico, mais acentuado, enquanto o casamento (vivha) serve
para propagar a
espcie e dar continuidade comunidade.
As leis de Manu [II. 27-28] afirmam que, no caso dos que nascem
duas vezes (dvijs), os
pecados da fecundao e da gestao so apagados com oblaes de fogo
(homa)
durante a gravidez e parto. Quando a criana masculina recitam-se
os mantras, mas
se for feminina a cerimnia realiza-se sem os mantras. (Manu [II.
66]).
Se os sskras (exceto upanayana) no forem realizados na devida
altura deve realizar-
se o vyttihoma em reparao e s depois o sacramento. Por cada
sskra no
realizado a penalizao a efetuar chamada de pdakcchra, mas se for
a tonsura
(cauda ou caula) o nome ardhakcchra. Em todos os sacramentos, na
ausncia do pai
ou esposo, o seu papel pode ser substitudo por qualquer parente
varo.
Hoje em dia, a maior parte das pessoas s celebra os rituais do
upanayana (iniciao) e
do vivha (casamento).
Em forma de sntese, apresentarei a descrio dos 16 sskras da
ancestral tradio
hindu:
1. Garbhabharman: (gestao, de garbha, embrio, feto): ritual que
realizado
antes do momento da conceo para garantir o nascimento de uma
criana
saudvel.
2. Niekakarman: (rito da gravidez) deve ser celebrado quando so
certos os sinais da
gravidez. (Thomaz 2009/2010, Cdigo de Vixnu, livro XXVII).
3. Psavana: para que nasa uma criana do sexo masculino, antes
que o embrio
comece a mexer. No dia mais auspicioso (segundo a astrologia)
dos primeiros dez
dias do terceiro ms a contar da conceo, a mulher depois de lavar
a cabea logo
de manh e ainda com o cabelo molhado, senta-se diante do fogo
voltada para
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22
oriente. O esposo fica por detrs dela, toca-lhe no umbigo com a
sua mo direita e
recita o mantra: Dois homens, Mitra e Varua.
4. Smantonnayana: significa separao dos cabelos da mulher e
realizado entre o
6 e o 8 ms de gravidez, para que gestao seja sem problemas e ela
fique
protegida contra os maus espritos. Na quarta noite da lua
crescente, o homem
acende uma fogueira e a esposa senta-se numa pele de boi e
segura com a mo
direita o cabelo. O esposo faz oito oblaes de manteiga
clarificada enquanto recita
os seguintes mantras: Que Dht, atenda o seu devoto; Invoco Rk e
Oh
Prajpati, no h outro como tu. Depois, ele separa o cabelo da
esposa, da fronte
para trs, por trs vezes, com um pente feito de ramos verdes de
rvores de fruta,
espinhos de porco-espinho e erva kua, recitando quatro vezes o
mantra: bhr,
bhuvah, svar, om, Terra, espritos, cu, om!. No final queimam um
animal em
sacrifcio.
5. Viubali: esta cerimnia realiza-se no oitavo ms de gravidez,
no segundo, stimo
ou dcimo-segundo dia lunar (tambm chamado, tithi), quando a lua
se situa-se na
manso de ravana, Rohii ou Pu. Cozem arroz para ser oferecido a
Viu,
recitando com voz baixa o mantra: namo nryaya, saudao a
Nryaa
(epteto de Vixnu), e depois comem separadamente duas bolas do
mesmo arroz.
6. Ytakarman: ritual muito antigo do nascimento da criana e
composto por seis
partes:
1. Oferta aos deuses de manteiga clarificada e de coalhada
acompanhada de
mantras;
2. Repetir trs vezes no ouvido direito do neo-nato a palavra vk
linguagem (esse
termo poder estar relacionado com Saraswati, deusa do
conhecimento, msica,
artes e cincias). (Lochtefeld 2002, 316). Em vez da anterior,
pode ser usada a
palavra vedoasiti, significando Veda o teu nome
confidencial.
(www.hinduism.co.za/sacramen.htm s.d.).
3. Passar na lngua do beb com uma colher, manteiga clarificada,
coalho e mel;
4. Dar criana um nome que ser o seu nome secreto;
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23
5. Colocar o recm-nascido a mamar;
6. Dirigir me mantras, ou seja, oraes sagradas.
7. Nmadheya (ou Nmakaraa): ritual da atribuio do nome, aos 11
dias aps o
nascimento, aps o perodo da impureza causado pelo parto da me.
Este ritual
importante e levado muito a srio pelos hindus, da que o nome
deve ser
auspicioso, no caso de um brmane; indicando poder, no caso de um
cxatria; riqueza
para o vixia e desprezo no caso de um xudra. Nas raparigas o
nome dever formar-
se com um nmero impar de letras e terminar em d, sendo a me a
primeira
pessoa a saber do nome.
8. dityadarana (ou Nikramaa): um rito menor que consiste em
mostrar
criana o sol, no 4 ms aps o nascimento.
9. Annaprana: ritual realizado ao sexto ms, quando a criana
sentada no colo da
me, toma primeira vez, arroz cozido com mel e manteiga
clarificada. O pai coloca
diante do filho um instrumento de trabalho, uma arma e um texto
sagrado e o que a
criana escolher considerado um indicador da sua futura ocupao
como adulto.
10. Chdkarana (caula - ou cdkarman): (tonsura) cerimnia que se
realiza aos
3 anos de idade, cortando o cabelo da criana totalmente; pode
tambm ser parcial,
deixando-se apenas uma mecha ou tufo de cabelo no alto da cabea.
Note-se que
para as meninas prevalecem os mesmos rituais, mas sem a recitao
dos mantras.
A cerimnia deve ser realizada num dia auspicioso, segundo o
calendrio hindu.
entrada da casa pem um recipiente com fogo, e na direo dos
seguintes pontos
cardeais colocam:
A sul, vinte e um molhos de erva kua, um vaso com gua tpida, uma
lmina
feita de madeira de udumbara (Ficus glomerata), um espelho e um
barbeiro de
navalha na mo.
A oriente, quatro vasos separados com arroz, cevada, ssamo e
feijo para o
barbeiro.
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24
A norte, cozinha-se sem cerimnia juntamente arroz, mostarda e
excremento
de vaca.
A me cobre o corpo da criana com roupa lavada, senta-se na erva
kua,
olhando de este para oeste do fogo, com as mos voltadas para
norte.
O pai preside ao ritual com as quatro oferendas ao fogo; depois
pega na vasilha
da gua com a mo direita e molha os cabelos do filho, olhando
para a navalha e
para o espelho; enquanto faz isso, vai recitando os mantras
prprios, terminando
por sentar-se voltado para este. No fim, colocam o cabelo
cortado no recipiente do
excremento, que por sua vez o pai ou outro membro da famlia
levar para a floresta
para ser enterrado.
11. Vivhasskra: ritual do casamento; s se deve celebrar com
mantras.
curioso notar que segundo os antigos dharmastras o nmero de
possveis esposas
varia consoante a hierarquia das castas: assim o brmane poder
ter 4 esposas, o
cxatria, trs, o vixia, duas, e o xudra apenas uma. duvidoso que
esta bela simetria
tenha alguma vez tido correspondncia na prtica.
12. Upanayana: A melhor forma de saber a importncia que a
iniciao ritual
upanayana teve na sociedade indo-ariana apresentar uma descrio
do ritual.
Originalmente, era uma cerimnia muito simples: o adolescente
abeirava-se do guru
ou mestre (crya) com uma folha ou erva na mo (samidh, i. e.,
lenha,
combustvel) para oferecer ao fogo sagrado e perguntava ao mestre
se podia
tornar-se seu aluno (brahmacrin). S mais tarde que essa cerimnia
se tornou
muito mais elaborada, como veremos a seguir.
O tempo mais adequado para realizar essa cerimnia difere
consoante a casta:
preferencialmente, os brmanes aos 8 anos, na primavera
(vasanta); os cxatrias aos
11 anos, no vero (grma); e os vixias aos 12 anos, na estao do
outono (arad),
sempre no dia mais auspicioso de acordo com o nome do menino e
segundo o
horscopo astral.
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25
O brahmacrin (aluno) de cabelo cortado, senta-se entre o guru e
o fogo com o
rosto virado para oriente, trajando duas peas de roupa prprias
da sua casta: parte
inferior chamada vsas e para cobrir a parte superior uttarya.
Relativamente
veste inferior (vsas) para o brmane, cxatria e vixia, deve ser
de cnhamo, linho e
pele de antlope, respetivamente. Alguns gurus admitem que essa
pea de roupa
possa ser de algodo, mas ter de ser tingida de
laranja-amarelado, garana-
vermelho ou aafro-da-ndia de acordo com a ordem das castas
referidas acima. A
veste superior (uttarya) feita de pele de antlope negro, tigre
(ou coruja) e de
cabra, tambm segundo a ordem das castas mencionadas.
O guru enche as suas mos com gua e passa-a para as mos do
discpulo
pronunciando mantras prprios. Depois, com as duas mos colocadas
sobre ombros
do menino, vira-o para a direita e toca-lhe no lugar do corao,
acompanhando
esses gestos sempre com oraes. O iniciado acende uma tocha no
fogo e recita um
mantra a Agni. Em seguida, toca nas chamas por trs vezes e passa
as mos pelo
rosto para que o brilho do fogo ilumine a sua face e o deus Agni
lhe conceda
iluminao e prosperidade futura. O aluno de joelhos inclina-se at
aos ps do
professor. J de p, o guru toca-o com a sua mo no lugar do umbigo
e depois no
corao recitando tambm os mantras prprios.
O seu cinto (mekhal) deve ser feito de muja (espcie de junco),
corda de arco e
erva grossa balbaja (Eleusine indica) e os cordes sacrificiais
de algodo, cnhamo e
l, respetivamente. Depois de atar o cinto ao aluno, o professor
diz: Este cinto faz
acabar toda a blasfmia e o protetor da verdade. O discpulo pede
que lhe ensine
a svitr (estncia em honra de Savitr, deus do Sol), que ser
pronunciada,
pacientemente, pelo crya frase por frase, estrofe por estrofe at
ao ltimo verso.
Aos iniciados -lhes fornecido um bordo (dada) de madeira palxa
(pala, i. e.,
Butrea frondosa), khadira (acacia catechu) e udumbara, da altura
do cabelo, da testa
e do nariz para cada uma das castas.
O brahmacrin suplica comida primeiro sua me e depois a duas
mulheres com
que tenha alguma relao de afinidade ou s mulheres presentes em
geral. Em
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26
seguida, comunica ao mestre o que recebeu pela mendicncia e
termina ficando em
silncio o resto do dia.
Finalmente so transmitidas as responsabilidades ao aluno, tais
como: estudar os
vedas, acender a chama a Agni, cuidar dos deveres e assistir em
tudo o que for
necessrio ao guru responsvel por ele. A cerimnia termina com a
confeo de
uma refeio pelo aluno (svitracaru), que no deve comer alimentos
picantes nem
salgados durante trs dias.
O upanayana termina com o ensino do mantra vdico conhecido como
o gyatr,
dirigido a Svitr (o sol), proferido pelo crya.
A partir dessa descrio pode-se concluir duas coisas
fundamentais:
a) A finalidade do upanayana iniciar a pessoa no estudo dos
Vedas que comea
com o ensino dos mantras pelo guru ao discpulo.
b) Com o passar do tempo foi-se atribuindo muita importncia a
certas
indumentrias tidas como essenciais para a realizao do ritual do
upanayana,
principalmente o cordo sacrificial (yajopavta).
Quem compara o ritual dos tempos antigos com a forma como
realizado
atualmente, nota que o elemento principal dessa cerimnia se
centra agora no uso
desse cordo sacrificial. O cordo deve ser para o brmane, cxatria
e vixia de
algodo, cnhamo e l, respetivamente, e constitudo por trs
segmentos, que por
sua vez, cada segmento ter nove fios bem entrelaados. colocado
no pescoo do
iniciado com os dois polegares e o seu tamanho no deve
ultrapassar o umbigo nem
deve estar acima do peito. Normalmente usado a tiracolo,
suspenso no ombro
direito e descendo sobre o peito at ao lado oposto; chama-se
nivta se for usado
suspenso ao pescoo.
Essa indumentria recebida na iniciao (veste, pele, cinto, cordo
e bordo) dever
ser sempre usada quando celebrarem um ato religioso. Caso
algumas dessas peas se
estragar dever ser substitudo por uma nova consagrada com
mantras prprios,
atirando a outra gua.
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27
Note-se que a cerimnia da iniciao no pode ser adiada para depois
dos 16 anos no
caso dos brmanes; para os cxatrias dos 22 e os vixias 24 anos.
Na hiptese de algum
desses jovens no fazer a iniciao, segundo a sua casta, so
excludos, desprezados
pelos nascidos duas vezes (dvijas) e chamados vrtyas,
vagabundos.
13. Vedavratas: so diversos tipos de votos ou promessas que
demoram um ano a
cumprir. Esses votos prescrevem certas observncias, tais como:
corte do cabelo e
dos pelos do rosto, no ter emoes agressivas nem relaes sexuais,
no se
perfumar, no danar nem cantar, no comer mel nem carne e andar
descalo. Esses
votos tambm podem passar por fazer outras coisas, como por
exemplo: usar o
cinto (mekhal) do ritual de iniciao, mendigar comida, usar um
bordo, banho
dirio, queimar um pau de incenso ou tocar nos ps do mestre pela
manh.
14. Keanta ou godna: o sacramento que est ligado aos votos
referidos
anteriormente, mas implica rapar os pelos do corpo todo: cabea,
rosto, axilas e
membros. Os brmanes realizam este ritual aos 16 anos, os
cxatrias aos 22 anos e os
vixias aos 14 anos.
15. Snna ou samvartana: consiste no banho cerimonial depois de
terminar os
estudos vdicos. A pessoa que realiza esse ritual chamada de
sntaka, com trs
espcies:
a) Vidysntaka: o aluno que realiza o estudo dos Vedas, mas no
conseguiu
terminar os votos (vratas);
b) Vratasntaka: o aluno realiza os votos, mas no terminou o
estudo dos Vedas;
c) Vidyvratasntaka: o mais pleno, o grau que se alcana quando
conclui os
dois.
Somente com a permisso do guru deve o banho cerimonial ser
realizado.
16. Antyei: realizao dos rituais fnebres, que explicaremos mais
frente.
Atualmente todas estas fases esto muito mais atenuadas,
valorizando-se antes o
conhecimento dos textos sagrados e a educao das crianas. A idade
adulta centra-se
na autonomia e compromisso familiar; finalmente, o indivduo
retira-se da vida
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28
profissional e social entregando os negcios aos filhos,
procurando a paz e a calma
interior.
Somente os nascidos duas vezes esto habilitados a escutar as
escrituras sagradas e
participar nos rituais correspondentes. A recitao dos mantras
introduzida pela
slaba sagrada OM, smbolo do conhecimento e da fora espiritual
hindusta. A mais
clebre de todas as invocaes, sussurrada aos ouvidos dos membros
das castas
superiores na sua iniciao, necessita ser rezada todos os dias de
manh: o mantra
dito gyatr, vedamtri ou svitr, um dos versos mais sagrados do
Rigveda (Livro III,
hino 62, v. 10), dele existem vrias tradues (Kng, Religies do
mundo, em busca dos
pontos comuns 2005, 64):
OM, esta glria do deus Savit, que supera todas as coisas!
O brilho da divindade, meditemos sobre ela, que ela nos inspire
o conhecimento.
Podemos constatar que, antes da independncia em 1947 quase
metade da populao
da ndia no sabia ler nem escrever e metade das crianas em idade
escolar no
frequentava a escola. Da que o que mais importava realizar eram
os inmeros ritos
religiosos que acompanham toda a vida quotidiana, em casa ou no
templo. (Kng,
Religies do mundo, em busca dos pontos comuns 2005, 66).
6. Vida, sade, doena, morte e luto
O hindusmo sustenta que o ser humano no s um corpo, mas algo
mais: uma
personalidade que pensa, que recorda, que tem inclinaes devido
sua histria,
experincia e escolhas. No ser humano reside uma reserva de ser
que no morre, nem
tem fronteiras na conscincia e na felicidade. Este centro
infinito de todas as vidas, este
eu escondido, ou tman, no mais do que a divindade brahman.
Assim, o ser
humano corpo, personalidade e tman. O problema reside nas
distraes, falsas
suposies e instintos egostas que fazem parte do nosso ser
superficial. At um
candeeiro totalmente coberto de p pode obscurecer a luz que traz
dentro de si, por
isso, a pessoa humana tem necessidade de limpar as impurezas do
ser, para que o seu
centro infinito possa brilhar em todo o seu esplendor. (Smith
2007, 44-45).
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29
A cultura religiosa hindu tem uma viso negativa da existncia em
que o mundo e a
prpria vida do homem so uma espcie de mal. A vida, concebida
como
intrinsecamente doente, encontra expresso na clebre orao das
upanihades: Do
no ser faz-me ir at ao ser, das trevas faz-me ir at luz, da
morte faz-me ir at
imortalidade.
O mal, em ltima anlise, a finitude, que encontra a sua mais
evidente expresso no
morrer, enquanto o bem, e com ele, a felicidade, podem ser
acolhidas s no infinito.
Por isso, sustentam que a dor responsabilidade de cada um, nesta
ou numa vida
anterior. No se vive uma vez s mas vrias, at conquistar a
libertao: privilgio s de
alguns, porque a grande maioria das almas continuar a vaguear no
ssra, isto
continuar a reincarnar, assumindo variados corpos do reino
mineral, vegetal, animal e
humano, de acordo com o karman acumulado no cumprimento das suas
aes. Em
consonncia com isto a Bhagavad-gt afirma que como um homem,
tirando as
roupas usadas veste outras novas, assim a prpria alma encarnada,
despindo os corpos
usados, assume outros novos. (Petrini 2007, 162).
A filosofia hindu oferece esta possibilidade de purificao,
porque assenta em valores
ticos e morais enraizados nos princpios orientadores do
comportamento dirio que
abrangem a vida e a morte dentro dos ideais da justia, da
solidariedade, da humildade
e do prximo. Assim os hbitos, as crenas e as oraes traduzem a
importncia que a
passagem neste mundo tem para se atingir a verdade absoluta, a
perfeio da
humanidade e a plenitude espiritual.
Todo o comportamento humano tem por objetivo a libertao
espiritual, que para ser
alcanada exige a realizao de prticas rituais e sacrifcios, o
cumprimento de
determinadas obrigaes, o respeito das leis e ensinamentos
contidos nos Vedas e nas
Upanishades. Cada pessoa deve comportar-se de acordo com as
normas do seu vara
(casta), ou seja, de acordo com aquilo que nasceu para ser. A
imortalidade da alma
transmite ao indivduo a noo de transcendncia e da presena divina
em si e em cada
ser humano, onde todos e cada um so parte de Deus. (Monteiro
2007, 33).
O destino krmico credita, na vida do indivduo, tudo o que ele
precisa para cumprir a
sua misso, de que a doena e o sofrimento fazem parte como formas
de purificao
-
30
das reaes acumuladas nas vidas anteriores ou como consequncia de
uma ao na
vida presente (Brasil 1997).
A medicina yurveda a cincia sacra da vida: yus significa vida,
vitalidade,
longevidade, sade e isto implica que o terapeuta no se ocupa s
da doena mas
tambm de promover um excelente estado de sade e de longevidade.
Para isso, h
que prestar especial ateno vida toda da pessoa. A vida e a sade
do ser humano
so condicionadas em parte pelo karman, mas tambm, pela conduta
de vida e pela
conscincia da prpria pessoa.
A sade uma condio dinmica, no um estado permanente. Nos
textos
tradicionais a definio de sade a seguinte: Aquele que tem
equilbrio entre os
fatores constitutivos do corpo, que controlam as atividades
fisiolgicas, os fatores
responsveis pelo metabolismo e pela digesto, os elementos dos
tecidos, os produtos
de recusa ou excrees, as atividades fsicas e mentais juntamente
com a felicidade da
alma, dos sentidos e da mente, considerado uma pessoa em
perfeita sade. (Petrini
2007, 165-166).
A medicina tradicional hindu, entende que para uma pessoa estar
de sade tem que
existir um equilbrio numa trplice dimenso: psique, corpo e
esprito. Por exemplo,
uma pessoa pode estar bem fisicamente, mas se est doente
espiritual ou
mentalmente no pode ser considerada uma pessoa com sade. Uma
mente feliz
capaz de produzir efeitos positivos sobre o corpo; ao contrrio,
uma mente infeliz ou
em conflito, pode ser potencialmente fonte de doenas.
Julgo ser interessante aqui referir que em 1996 a Doutora Madel
T. Luz elaborou um
pioneiro estudo intitulado de Racionalidades mdicas e prticas de
sade, no Instituto
de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), sobre
medicinas no convencionais comparadas. Na primeira fase do seu
projeto identificou
quatro racionalidades mdicas, a saber: biomedicina, homeopatia,
medicina chinesa e
ayurveda. Madel T. Luz sintetizou a sua pesquisa, de forma lgica
e estruturada da
seguinte forma:
-
31
Racionalidades mdicas
Medicina Ocidental
Homeopatia Medicina Chinesa
Ayurveda
Cosmologia Fsica newtoniana clssica
Cosmologia ocidental tradicional (alqumica) e clssica
Cosmologia taoista (gerao do microcosmo a partir do
macrocosmo)
Cosmologia smkhya da criao (purua e prakriti)
Doutrina mdica
Teoria da causalidade da doena e seu combate
Teoria da fora vital e seu desequilbrio nos indivduos
Teoria do yin/yang, das cinco fases e do seu equilbrio nos
indivduos
Teoria dos cinco elementos e dos doas nos indivduos
Morfologia Morfologia dos sistemas
Organismo material e fora vital animadora
Teoria dos canais e colaterais, pontos de acupuntura, dos rgos e
vsceras (Zang Fu)
Teoria dos dhtus (tecidos) e malas (excrees)
Fisiologia ou dinmica vital
Fisiologia e fisiopatologia
Fisiologia energtica, fisiologia dos sistemas, fisiopatologia do
medicamento e da doena.
Fisiologia do Qi, Zang Fu e da dinmica yin/yang
Dinmica dos trs doas e sub-doas, teoria do ojas (essncia vital)
e dos srotas (canais)
Sistema de diagnstico
Semiologia: anamnese, exame fsico e exames complementares
Semiologia: anamnese do desiquilbrio individual. Diagnstico e
remdio da enfermidade individual
Semiologia: interrogatrio, inspeo, auscultao, olfao e palpao
Trividha parika (as trs categorias da semiologia): inspeo,
palpao e questionrio
Sistema de interveno teraputica
Drogas, cirurgia e higiene
Medicamentos homeopticos e higiene
Tui Na, Qi Gong, Tai Chi, Acupuntura, moxibusto, dieta,
medicamen-tos de origem animal, vegetal e mineral
Massagem com leos, sudao, dieta, rotina diria e sazonal,
medicamen-tos de origem animal, vegetal e mineral e as
-
32
5 terapias depuradoras.
Anotei este quadro sintico que compara as racionalidades mdicas
atuais com as
medicinas tradicionais no convencionais, apenas para realar os
contributos positivos
que ambas podero receber e oferecer mutuamente, tais como:
Colocar a pessoa doente no centro do processo teraputico.
Estreitar a relao mdico-paciente como elemento fundamental do
cuidar.
Olhar a pessoa como um todo e investir em mtodos de diagnstico
mais
simples e com o mesmo nvel de eficcia dos outros.
Favorecer todas as situaes em que se acentue a autonomia da
pessoa doente.
Finalmente, ter como paradigma de agir sempre em prol da
preveno, num
estilo de vida saudvel que privilegie o exerccio fsico e a
alimentao
naturalmente adequada.
7. Sofrimento
Segundo a literatura filosfica indiana, a matria conduz ao
sofrimento pois as pessoas
satisfazendo-se com os bens materiais no procuram melhorar, mas
optam pelo
conformismo. O objetivo da vida o conhecimento como fonte de
libertao e
alcanar a proximidade de Deus. (Monteiro 2007, 26).
8. Salvao para alm da vida terrena
A Bhagavad-gt faz uma ordenao de todas as vias de salvao e prope
a oferenda
do fiel, mediante a realizao do que a idade e o sexo impem.
Esquecendo as
distines de casta, prope a possibilidade de o homem se converter
num asceta, para
poder participar nas obras divinas: Arjuna, de uma coisa podes
estar certo: nenhum
dos que me pagam o seu tributo de lealdade e de amor se perder.
Porque quem faz
-
33
de mim o seu refgio, por mais baixo que seja o seu nascimento,
mulher, arteso ou
at servo, percorrer o caminho mais elevado (Bhagavad-gt, IX ,
31-32).
Os valores morais que cada um vive tm a ver com o seu carter e
com o momento da
vida em que se encontra (rama). A elevao espiritual e a
aproximao ao Ser
Supremo podem realizar-se atravs do conhecimento, do karman
(correto agir) ou
mediante a bhakti (devoo). (Castro 2004, 186-187).
O caminho da sabedoria considera o Todo-Poderoso como um
conceito, sem forma ou
sentimentos. A via da devoo (bhakti) concretiza-se na orao de
petio (prrthana)
e pela oferenda (puj), que pode ser material, mental ou
espiritual, a Deus.
Indicaremos algumas condies que se devem observar antes de
iniciar qualquer puj
(Castro 2004, 211-214):
Lugar da orao: dever ser um local limpo e reservado. Na
impossibilidade de
se proporcionar esse lugar, marca-se o lugar com uma esteira ou
lenol.
Higiene pessoal: o banho permite ao fiel sentir-se limpo e leve.
A limpeza atinge
os 10 rgos sensoriais (olhos, nariz, ouvido, lngua, mente,
umbigo, mos,
genitais, pernas e nus). Se no for possvel tomar banho, deve
pelo menos
humedecer as mos, pernas, rosto e cabelo.
Vesturio: todo o corpo deve estar coberto, sobretudo a cabea e
os ombros.
Purificao (pvanntara): a limpeza das imagens deve ser feita com
um pano
limpo e com gua do Ganges, no havendo pode limpar-se com gua
de
qualquer rio.
Sentar: o fiel dever sentar-se de pernas cruzadas, com a perna
esquerda sobre
a direita, podendo altern-las, mas sempre sobre um tapete, uma
esteira ou
almofada. Os idosos que no sejam capazes podero sentar-se numa
cadeira
baixa.
Tilaka, bindu e sindra: (ndia 2009)
-
34
a) Tilaka significa marca ou sinal em snscrito. Existem
diferentes formas e
materiais de tilaka, com significados diversos. Ele aplicado,
com o dedo
anelar da mo direita no centro da fronte, ponto onde acreditam
situar-se o
terceiro olho ou o olho espiritual. Posteriormente, comum
colocarem-se
gros de arroz. O tilaka pode ser de cinzas de madeira, de pasta
de sndalo
(candana), ou de sndalo-vermelho. Cada um com o seu
significado
especfico:
O sndalo: calma, tranquilidade e pureza.
O sndalo-vermelho: poder, riqueza e estabilidade.
As cinzas: devoo, dedicao e compromisso.
Os sinais pintados na fronte dos sacerdotes e sadhus no indicam
astros, mas o deus da
sua preferncia. Assim, um vixnuta usa quase sempre riscos
verticais com ou sem
ponto, ou ainda um V ampliado, com linhas retas de outras cores
no meio. Um xivata
usa dois ou trs riscos horizontais (tripudra, frequentemente com
um ponto ou um
sinal oval. Os devotos de Shakti (energia csmica) costumam
utilizar aafro, sendo o
sinal feito apenas uma linha vertical ou apenas um ponto
vermelho (Kng, Religies do
mundo, em busca dos pontos comuns 2005, 80-81) e (Lvy 2008, 37)
e (Cunha 2009,
10).
Podemos identificar essas diferenas nas seguintes ilustraes:
-
35
b) Bindu um ponto vermelho usado pelas mulheres casadas. Hoje em
dia tem
vrios formatos e vrias cores, e utilizado por todas as mulheres
como um
adorno.
c) Sindra um p vermelho (feito de cinbrio) que s as mulheres
casadas
aplicam na diviso do cabelo. Este sinal significa o desejo de
longevidade do
marido e por isso este que lho aplica pela primeira vez, durante
a
cerimnia de casamento.
Sankalpa (desejo, inteno, deciso, convico, propsito): os gestos
e
oferendas so de grande simbolismo. Os devotos oferecem gua e
flores
divindade, depois colocam gua e arroz na palma da mo e lanam
ambos ao
cho. Aplicam o tilaka imagem da divindade; o gesto de unir uma
mo com a
outra, demonstra responsabilidade e unio com Deus.
Vratas: so ritos votivos que so realizados para pedir ou
agradecer um voto ou
pedido divindade. O hindu acredita que a orao no est completa se
no for
acompanhada por uma oferenda que pode passar por fazer jejum,
pedir
perdo, agradecer benefcios para a sua famlia.
O paraso, o inferno e o mundo animal no so seno terrenos de
colheita dos
resultados do karman, enquanto o mundo humano (do qual a ndia
constitui o centro)
a terra do karman. O svarga (cu, paraso) pode ser adquirido pela
prtica do
sacrifcio ou at pela morte gloriosa num campo de batalha.
(Vrios, Atlas das Religies
2000, 86).
As principais divindades
-
36
O hindusmo acredita que Deus pode encarnar em variadssimas
formas, entre as quais
existem trs principais: Bram ou Brahm (criador), Vixnu
(conservador) e Xiva
(destruidor).
1. Bram (Brahm) vem da raiz bh que denota a noo de crescer. Bram
a
personificao masculina do Absoluto, pai e origem de todas as
coisas, criador
do Universo. representado com quatro rostos e quatro braos para
indicar a
sua omnipotncia. Est presente em todas as coisas e pode
manifestar-se sob
qualquer espcie humana, animal (vaca sagrada, elefante) ou
mineral (rio
Ganges).
2. Vixnu a divindade solar que preside a toda as coisas criadas,
conservando-as e
fazendo-as prosperar. Lacxmi (Laksm), deusa da riqueza e da
sorte, sua
companheira.
3. Xiva: chamado o destruidor. A encarnao de suas energias
femininas,
sem as quais ele no teria poder, sua parceira Prvat (tambm
designada por
Shakti, Durg e Kl). Xiva , muitas vezes, representado apenas
simbolicamente
como Linga (falus) sob a forma natural ou como tronco de coluna:
expresso
geradora da fora divina, a que toda a vida deve sua origem. O
linga est
associado yoni (tero, vagina), sua contrapartida feminina, de
modo que o seu
conjunto expresso de Xiva com sua consorte, mas tambm da
complementaridade dos sexos.
-
37
Atualmente, constata-se que medida que o culto ao deus Bram se
vai extinguindo
(prova disso que s existe um templo dedicado a ele em Pushkar,
no Rajasthan),
Vixnu e Xiva ocupam o centro da religio. Vixnu tambm conhecido
com Bhagavant,
o Bem-aventurado, e Xiva como Senhor (vara), e colocados acima
de todos os
deuses celestes (devas) dos Vedas (Kng, Religies do mundo, em
busca dos pontos
comuns 2005, 74-75).
A conceo da divindade tambm pode ser vista como a conjugao das
trs formas
seguintes (trimrti):
a) Brahman: Deus no seu aspeto impessoal, energia csmica, luz
divina.
b) Partman: Deus na sua vertente localizada dentro de todo o ser
vivo.
c) Bhagavant: Deus no seu aspeto pessoal supremo.
Para os hindus Deus o universo e tudo o que est no universo
representa Deus.
As inmeras divindades hindus constituem singulares e
individualizadas manifestaes
da Divindade nica: Brahman, o Absoluto. Para os seus seguidores
o conceito de
divindade geralmente apresentado como uma entidade andrgina que
abrange, ao
mesmo tempo, o poder da vida e da morte. Algumas seitas hindus
focalizaram a sua
ateno na prtica da sexualidade como sendo a melhor expresso
simblica, no
hesitando em representar imagens de casais divinos no ato de
cpula. Outras seitas
defendiam um ascetismo ao extremo, a ponto dos membros destas
seitas andarem
vestidos de vento, ou seja, completamente nus. (Kendall 1997,
66-67).
A expresso da f
O hindusta devoto abre e acaba as suas oraes com o pronnama
(gesto que significa
venerao, exaltao e consiste em levantar as mos, juntando as
palmas e tocando
com elas o lado esquerdo do peito e a testa. As mos representam
as prprias aes, o
lado esquerdo do trax o lado do corao e a testa representa os
pensamentos.
Assim, o indivduo oferece intimamente todas as suas aes, o
prprio amor (corao)
e os seus pensamentos (cabea). (Petrini 2007, 156).
-
38
A tica hindusta baseia-se na crena na reencarnao das almas
depois da morte
segundo os mritos pessoais; a libertao do ciclo das reencarnaes
pode acontecer
atravs de quatro caminhos:
1. Aspirar virtude, mesmo em detrimento dos bens materiais.
2. A virtude a prtica da no-violncia.
3. O sofrimento faz parte da purgao.
4. Libertar-se dos vcios, porque s conduzem a uma reencarnao
inferior atual.
A esperana hindu est em ser finalmente absorvido no seio de
Brahman, atravs da
verdade, por isso, a meditao tem um papel predominante na
vida.
O hindusmo ajuda os fiis a adorarem Deus de trs formas
particulares: atravs da
slaba sagrada, o canto dos mantras e o uso do madala (crculo).
Um madala um
sinal geomtrico complexo, usado no culto, para englobar o
universo inteiro. Para os
ritos importantes traado um madala sobre a terra consagrada,
usando ps
coloridos, e imediatamente a seguir apagado. Os espaos no madala
simbolizam os
deuses mais populares ou divindades privadas, com Vixnu ao
centro. (Petrini 2007,
157).
O culto
Para muitos hindus o centro da vida religiosa o lar,
onde realizam os cultos domsticos logo pela manh
junto do mandira, pedindo uma bno para
aquele dia, para a pessoa que faz a
orao e para todos. Frequentemente,
colocam ao lado do mandira familiar
fotografias de familiares falecidos, do
casamento dos filhos, ou outras. Os
templos destinam-se s cerimnias mais solenes ou para as
festividades, cabendo aos
sacerdotes cuidar do templo, venerar os deuses, realizar as
cerimnias e orientar os
hindus nas oraes e na interpretao dos textos sagrados (Monteiro
2007, 61).
-
39
As festas e celebraes
natural concluir que uma religio com tantas divindades tenha
tambm muitas festas,
mais de quarenta por ano, indicamos apenas as principais:
Mahivartri: (grande noite de Xiva) ocorre na lua nova de
fevereiro:
homenageia-se Xiva e celebra-se a criao primordial com os
fiis
ornamentando os templos e passando l a noite em orao.
Hol, hl ou holk: a ltima festa do calendrio hindu na maioria das
regies
(em que o ano comea com o equincio de Maro), celebrado na lua
cheia,
encerrando as colheitas de inverno; a festa da renovao da vida,
com danas
e procisses aos templos. Podemos afirmar que o carnaval indiano
que
decorre durante cinco dias. (Barcelos 2005).
As pessoas, descontraidamente, atiram umas s outras gua tingida
de vermelho, com
p de aafro, que acreditam possuir propriedades afrodisacas, e
vermelho como
smbolo da vida e do amor. Esta festividade mostra a face pouco
conhecida de uma
religio alegre, onde o encontro com Deus se realiza no no
silncio, na meditao e na
interioridade, mas na orgstica alegria, com danas e barulho
(Kng, Religies do
mundo, em busca dos pontos comuns 2005, 55).
Ganeacaturth: celebrao do nascimento de Ganexa, protetor na
ultrapassagem de obstculos.
Ano Novo: em muitas regies celebra-se o primeiro dia do ano no
primeiro dia
do ms de Krttika, correspondente a Outubro Novembro do
calendrio
gregoriano, embora noutras se celebre o ano novo no dia da
entrada do Sol no
signo do Carneiro (21 de Maro).
Durg-puya: em honra de Durg (Durg, deusa da fecundidade, uma
das
formas da parceira de Xiva). Celebra-se em Outubro-Novembro, com
dez dias
de procisses e cerimnias nos templos.
-
40
Gopam: festival anual celebrado no dia 8 (aa) da lua de Krttika
em honra
do jovem Crixna vaqueiro (gopa), em que a vaca honrada e
adornada com
flores e alimentada de uma forma especial em toda a ndia. (Cunha
2009, 6).
9. Hindus em Portugal
Residem em Portugal cerca de 8000 hindus, na sua maioria
provenientes de
Moambique e da ndia Portuguesa. Em 1982 constituram a Comunidade
Hindu
Portugal, reconhecida juridicamente, com Assembleia Geral, Direo
e Conselho Fiscal
(Kendall 1997, 69). O principal idioma indiano em Portugal o
Gujarati, lngua do
estado do Guzerate (Gujarat), onde se insere Diu.
Dois anos mais tarde surgiu em Santo Antnio dos Cavaleiros a
Associao de
Solidariedade Social Templo de Xiva, com o intuito de congregar
a populao hindu da
freguesia e promover o desenvolvimento das suas atividades
religiosas e sociais. A
comunidade hindu a residente cresceu substancialmente e
tornou-se urgente a
aquisio de um espao prprio que permitisse o convvio e a
congregao desta
populao.
Em 1991 a associao legalizou-se e deu incio construo de um
templo hindu na
freguesia. Dez anos depois deu-se finalmente, a cerimnia de bno
do terreno
(Cerimnia de Bhmpjana) onde foi construdo um salo provisrio para
os membros
e simpatizantes realizarem as cerimnias religiosas. O Templo de
Xiva abrange ainda a
comunidade da Portela (Sacavm) e de Chelas (Lisboa). (Xiva
2004).
10. Relacionamento da assistncia espiritual e religiosa na
prestao dos
cuidados de sade e seu enquadramento legal
O Estado Portugus, pelo Decreto-Lei 253/2009 de 23 de setembro,
reconheceu o
direito aos doentes internados em unidades do Servio Nacional de
Sade (SNS), a
serem assistidos espiritual e religiosamente pelas comunidades
religiosas de pertena,
representadas pelos seus legtimos ministros, pastores ou lderes
espirituais. Passo a
-
41
citar um pargrafo da introduo do referido Decreto-Lei, muito
pertinente neste
trabalho: A assistncia espiritual e religiosa nas instituies do
SNS permanece
reconhecida como uma necessidade essencial, com efeitos
relevantes na relao com o
sofrimento e a doena, contribuindo para a qualidade dos cuidados
prestados.
Particular ateno deve ser dada aos doentes em situaes
paliativas, com doena de
foro oncolgico, com imunodeficincia adquirida ou com severidade
similar.
(Assembleia da 23 de setembro de 2009).
O mesmo diploma legal, ao afirmar claramente o carter essencial
da assistncia
espiritual e religiosa s pessoas doentes, reconhece
inequivocamente o valor
teraputico desta dimenso no contexto da prestao de cuidados de
sade.
Graas aos reconhecidos progressos das cincias da sade em geral e
dos novos
paradigmas da medicina atual em particular, considera-se a
pessoa humana na sua
globalidade isto , holisticamente e no apenas reduzida a um rgo
a ser tratado em
srie, nem tampouco como uma manta de retalhos suturados, porque
uma exigncia
tica bsica o respeito pelo outro no seu todo, sem amput-lo de
nenhuma das suas
dimenses. J Plato focou este aspeto fundamental quando
clarificou a diferena
entre os termos pan e holon. O conceito de pan entende o todo a
partir das partes, o
todo como soma dos seus elementos, e holon, compreende o todo
antes das partes, o
todo como totalidade, que mais do que a soma das partes. (Borges
2004, 98).
No que ao ser humano diz respeito, no devemos v-lo meramente
como o somatrio
das suas mais variadas dimenses, porque seria ver o todo a
partir das partes, ou seja,
dentro do conceito de pan. A dimenso espiritual no se limita a
ser apenas mais uma
das suas dimenses, mas aquela que capaz de tocar todas as outras
e revelar a
amplitude integral, no s do seu interior, mas da globalidade do
ser humano. O
conceito de holon impede que se reduza o homem ao seu aspeto
mais rudimentar, ou
seja, a uma mquina.
Assim sendo, no considerar a espiritualidade como parte
integrante do ser humano
falhar eticamente, porque omite da pessoa uma das suas mais
abrangentes dimenses.
Entenda-se que a espiritualidade se relaciona com tudo o que est
para alm do
material, o no objetivvel, o transcendente.
-
42
Tendo em conta que o termo espiritualidade est revestido com as
mais variadas
roupagens, minha inteno esclarecer que ela no uma dimenso vazia
de
contedo nem algo que se compare a uma nebulosa indefinida e
misteriosa, mas como
uma dimenso real e inerente a todo e qualquer ser humano que
busca a verdade com
humildade e que se interroga pelo sentido profundo das coisas e
da vida. Tambm
tenho a conscincia de que impossvel esgotar, neste ponto, uma
temtica to
complexa e abrangente como a da espiritualidade; da que o meu
objetivo seja partir
de uma viso holstica da pessoa, ou seja da pessoa constituda por
vrias dimenses,
fsica, intelectual, psquica, social e espiritual, para
evidenciar o papel da
espiritualidade como parte integrante e importante no processo
teraputico do ser
humano que perdeu a sade.
Podemos constatar que as pessoas facilmente confundem
espiritualidade com
religiosidade, da que penso ser necessrio distinguir e definir
bem estes dois
conceitos:
a) O termo religio reporta-nos para um conjunto de rituais,
smbolos, oraes,
objetos de culto, crenas, estruturas materiais e temporais
referidas a uma
ordem superior que d um significado concreto ao sentido da vida
humana,
caracterizando um ambiente comunitrio especfico; so pois sempre
referidos
a um tempo e espao concretos. Cada religio expressa de forma
particular a
sua viso do mundo e da vida relacionada sempre divindade em que
acredita.
b) A espiritualidade uma das dimenses do ser humano que, no
estando fora
do que razovel, desafia a lgica do puro raciocnio mecnico e
possibilita o
sentido holstico da nossa existncia humana. Ela tem a ver com a
experincia
interior de cada um, com tudo o que no objetivvel, ou seja, com
o
transcendente, o que nos ultrapassa, os valores supremos ou
eternos. Podemos
entender a espiritualidade como uma dimenso distinta do que
biolgico,
revelando-se assim como uma experincia muito pessoal e ntima que
pode, ou
no, ser expressa dentro de uma religiosidade.
A doena desorganiza e condiciona as relaes da pessoa nas esferas
da vida familiar,
social, laboral, emocional e espiritual onde ela interage, vive
e se realiza. As reaes
-
43
doena, tanto pelo prprio como pela famlia, entre outras
circunstncias, dependem
da pessoa afetada, das particulares circunstncias culturais e
sociais, da natureza dos
laos afetivos e emocionais e, consequentemente, da sua relao com
o
Transcendente, como sentido prximo e ltimo da sua vida, isto , a
espiritualidade.
No contexto dos cuidados de sade, a espiritualidade dever ocupar
o seu devido lugar,
tal como qualquer outra dimenso no processo teraputico da
pessoa, como por
exemplo: integrar o processo de cuidar numa equipa
interdisciplinar.
Quando refiro equipa interdisciplinar entendo todas as pessoas
que esto envolvidas
no processo teraputico, a saber: os profissionais de sade, os
auxiliares e famlia, mas
principalmente o doente. Para que o processo seja
verdadeiramente teraputico ser
sempre mais adequado oferecer uma resposta proporcionada,
integral e satisfatria
pessoa doente pela equipa que est empenhada em cuidar dela. No
podemos
esquecer que este trabalho em equipa tambm influenciado por
razes de ordem
econmica, bem como por filosofias e polticas que regem os
sistemas de sade onde o
prioritrio a eficcia tcnica, a estatstica, as medidas que visam
fazer mais e melhor
investindo menor esforo financeiro, sem perder de vista a
eficcia e os ndices de
qualidade.
A par disto, constatamos que o vertiginoso desenvolvimento das
tcnicas teraputicas
acompanhado pela mais variada gama de medicamentos e
instrumentos, cada vez mais
sofisticados, se transformou no brao armado da medicina
convencional, sendo
tambm o sinal mais evidente de que a tcnica afastou a doena, a
dor e a morte para
horizontes nunca antes imaginados. Simultaneamente, no cuidar em
sade, no basta
o saber cientfico e tcnico, preciso mais para servir e cuidar a
pessoa humana no seu
todo (Conselho 1995). A pessoa global, a sade global,
consequentemente, a
doena tambm global, da que a pessoa doente necessita de cuidados
harmoniosos
a todos os nveis.
No plano espiritual podemos verificar que as situaes de doena e
o sofrimento,
frequentemente, colocam na pessoa necessidades, medos e
interrogaes que, em
muito, ultrapassam as cincias da sade biolgica necessitando, por
isso, de
acompanhamento humano, espiritual e religioso. Compreende-se
assim a importncia
-
44
destas dimenses no cuidado integral da pessoa, nomeadamente em
ambiente
hospitalar, a nvel do apoio, presena, acompanhamento,
descodificao da simblica
espiritual ou religiosa e purificao da linguagem do
sofrimento.
Exatamente a, a espiritualidade e a sua expresso religiosa podem
proporcionar
pessoa uma viso ampla da sua prpria existncia, contribuir para
criar um estado de
serenidade e de segurana que d pessoa a capacidade de enfrentar
o seu sofrimento
com outras condies e integrar a sua situao de vulnerabilidade
dentro da totalidade
da sua vida.
Para que a abordagem espiritual e religiosa tenha credibilidade
e respeite parmetros
cientficos, necessrio reger-se por padres e modelos apoiados nas
cincias
humanas com vista a realizar um acompanhamento espiritual
emptico e eficaz, no
ficando partida hipotecado, devido subjetividade ou mera boa
vontade de um
qualquer aventureiro.
Torna-se pertinente alertar para o perigo constante de utilizar
a dimenso espiritual
exclusivamente como ferramenta teraputica, onde o milagrismo
fcil se converte num
desvio, com sequelas devastadoras para a pessoa. No podemos
escamotear o que a
espiritualidade verdadeiramente : a dimenso ntima e misteriosa
de cada um que
nos constitui como seres que transcendem o biolgico e material.
No entanto, existem
sempre perigos espreita, por isso h que saber orientar-se por
uma espiritualidade e
religiosidade saudveis.
Alm das razes supra mencionadas pelas quais os cuidados de sade
devem integrar a
dimenses espiritual e religiosa, referirei mais alguns aspetos
que ganham elevada
pertinncia neste nosso mundo globalizado pela cada vez maior
circulao de ideias,
bens e mobilidade de pessoas, nomeadamente das populaes
migrantes vindas de
pases materialmente mais pobres procurando melhores condies de
vida, trabalho e
bem-estar; de forma muito generalizada, refiro-me s pessoas
provenientes do Oriente
e do Hemisfrio Sul; da que em geral provm o hindusmo e o
islamismo dos que
procuram estabelecer-se nos pases ocidentais ditos
desenvolvidos, maioritariamente
localizados na rea a norte do equador. Todo esse caudal
populacional traz consigo o
seu patrimnio cultural, social e espiritual, onde as referncias
religiosas e ao sagrado
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esto bem presentes e por isso, devem ser tidas em linha de conta
pelos pases de
acolhimento.
Este trabalho pretende ser um contributo positivo para todos os
profissionais de sade
poderem ter acesso s informaes que os habilitem a conhecer e
respeitar a cultura,
as crenas e respetivos rituais de todos os seus pacientes, desde
que essas expresses
espirituais e religiosas no colidam com a boa prtica clnica, nem
com o normal
funcionamento dos cuidados teraputicos necessrios recuperao do
estado de
sade da pessoa em causa.
Por ltimo, estes conhecimentos permitiro dotar os profissionais
de sade de
competncias culturais, sociais, religiosas e espirituais de
forma a desempenharem o
seu papel, no processo teraputico, de maneira mais plena e
eficaz em prol da pessoa
vulnervel e doente.
Abordagem temtica por reas da sade
1. O incio da vida
a. Me e famlia
Uma das consequncias da globalizao do nosso mundo a franca
circulao de
ideias, bens e pessoas; por isso, torna-se pertinente que os
profissionais de sade
sejam culturalmente competentes, para que os cuidados que
prestam tenham em
considerao a cultura e as convices filosficas e religiosas das
pessoas de que
cuidam.
Consideremos que para um hindu o conceito de famlia bastante
abrangente, no se
circunscrevendo aos laos consanguneos, mas a todos aqueles com
quem estabelecem
uma significativa ligao afetiva. No lar todos assumem uma funo
especfica: o chefe
sustenta e d o nome famlia, a esposa responsvel por gerir a casa
nas tarefas
domsticas e educar os filhos, e pela participao nas atividades
religiosas. Ela tem um
papel fundamental na harmonia do lar. O sucesso e a designao de
boa esposa
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traduzem-se no xito do marido e no bem-estar da famlia. Os avs
cuidam dos netos e
orientam os outros membros que contribuem para o oramento
familiar (Monteiro
2007, 46).
As jovens hindus usam um sinal vermelho na testa, acrescentando
aps o casamento
uma mancha tambm encarnada, no cimo da cabea. Quando ficam
vivas, retiram
este segundo sinal. (Monteiro 2007, 73).
semelhana de muitas outras tradies tambm o hindusmo considera
que as
mulheres menstruadas esto numa situao imprpria de se aproximarem
do mandira
domstico ou de ir ao templo.
A maternidade vista pelas mulheres hindus como consequncia
natural da sua
condio feminina. Os ensinamentos sobre os cuidados e preocupaes
da
maternidade so transmitidos informalmente atravs dos conselhos e
orientaes das
pessoas mais prximas, tais como a me, a sogra ou alguma
cunhada.
A gravidez e a maternidade so valorizadas e consideradas bnos de
Deus pela
famlia. (Monteiro 2007, 13. 48). No entanto, o dha