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Crypto-Christianismus
O criptocristianismo dos primeiros trs sculos no contexto da
epigrafia Greco-
Romana
Abstract:
This brief essay is about a kind of epigraphic material which
can be grouped into
what modern scholars are calling crypto-christians literature
and it deals with the
first three centuries of Christianity, at a time when the
Christian movement still was
a mere superstitio.
Keywords: Epigraphy, Chrypto-Christianity, Christian Epigraphy,
Early Christianity.
Abstract: este breve ensaio se refere a um tipo de material
epigrfico que pode ser
agrupado dentro do que os especialistas modernos chamam de
literatura crypto-
crist e diz respeito aos primeiros trs sculos da Cristandade, em
um tempo
quando o movimento cristo era ainda uma mera superstio.
Palavras-chaves: Epigrafia, Criptocristianismo, Epigrafia Crist
e Cristianismo
Primitivo.
Introduo
Este pequeno ensaio1 est dividido em trs partes: a primeira
delas diz respeito a
uma breve explicao sobre a epigrafia e algumas questes que a
envolvem, em
particular aquelas ligadas ao problema da epigrafia crist; a
segunda parte, ainda
que modo superficial, est voltada para contexto do tema em
questo; j a terceira
se ocupa de explicar a partir de trs exemplos o tema do artigo,
isto , a epigrafia
cripto-crist .
A epigrafia foi, em seu incio, um ramo da arqueologia e como tal
esteve bastante
ligada ao desenvolvimento desta2. Aos poucos, entre os sculos
XVI e XIX, o estudo
de tbuas, estelas, urnas etc. levou a epigrafia a um outro
patamar, tornando-se,
seu estudo, uma rea de confluncia entre a filologia e a
arqueologia. O estudo
que ora se apresenta tributrio direto desta tradio, ou seja da
epigrafia como
setor de investigao tanto arqueolgica como filolgica. Por isso,
sempre de bom
1 Quero agradecer ao prof. dr. Andr Chevitarese, bem como aos
colegas Daniel
Justi e Andr Barroso pela recepo calorosa com que fui acolhido
nesta jornada. 2 LIMENTANI atribui a Ciriaco (de Pizzicolli) di
Ancona (1391-1453) a descoberta de um novo gnero literrio: o
manuscrito epigrfico-antiquario. LIMENTANI, IDA CALABI. Epigrafia
Latina. Con unappendice bibliografica di Attilio Degrassi. Milo:
Istituto Editoriale Cisalpino, 1968. Pg. 43.
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tom apresentar, ainda que introdutoriamente, alguns elementos
particulares
Epigrafia de modo a tornar este pequeno trabalho mais claro. No
nosso caso
lidamos com um tipo de epigrafia bastante sui generis seja pela
forma, seja por seu
contedo, seja por seu contexto histrico, entre outros: inscries
crists
primitivas. As compilaes de epigrafia crist foram contemporneas
descoberta
da epigrafia propriamente dita, isto , desenvolveu-se de modo
ancilar
arqueologia e filologia desde o sculo XV, at que, no sculo XIX,
ganhasse certa
independncia o que possibilitou a confeco de corpora voltados
especialmente
para o estudo do cristianismo em seus primrdios3. Sobre esse
ponto, a pesquisa
epigrfica relativa ao cristianismo primitivo refletiu com muita
freqncia os
problemas, em nvel terico e metodolgico, surgidos no seio fosse
da Arqueologia,
fosse da Filologia, deixando de lado, por exemplo, algo to comum
ao estudo da
literatura crist dos primeiros sculos, como por exemplos, os
estudos sobre
Histria ou mesmo Teologia. Apenas muito recentemente vemos
despontar
trabalhos monogrficos em que a epigrafia crist passa a ser
fundamental na
investigao histrica acerca do cristianismo primitivo.
Para iniciarmos esta apresentao consideremos preliminarmente que
o objeto da
epigrafia so inscries feitas em um suporte, durvel ou no, cuja
freqncia de
certas palavras ou letras (smbolos) encoraja o epigrafista
transcrio e
traduo. No entanto, esta noo por demais imprecisa, pois em no
poucos
casos o material encontrado acompanhado de desenhos dos mais
variados e
grupo de letras ou palavras que encontram mais de um
significado, forma e
sentido, no perfazendo qualquer padro. Por isso, o contexto,
no
necessariamente histrico, mas antes arqueolgico e\ou filolgico,
se torna de vital
importncia para o discernimento do material epigrfico
pesquisado. Neste caso,
trata-se no somente de sabermos com que suporte estamos lidando
(pedra,
3 J no sculo XX, muitas das inscries crists coligidas entre os
sculos XVII e
XIX foram revisitadas por Telogos e Historiadores da Igreja. Eis
algumas destas
colees dispostas em ordem cronolgica: GRUTER : Inscriptiones
antiquae totius
orbis romani in corpus absolutissimitm redactae (1603). BOSIO :
Roma
sotterranea; ARINGHIUS : Roma subterrnea; SARAZANI : S. Damasi
papae opera,
etc. (1638).RIVINUS : S. Damasi carmina sacra (1652);CIAMPINI :
Vetera
monimenta (1690);FABRETTI : Inscriptionum antiquarum, etc.
(1699);
BUONARROTI : Osservazioni sopra alcuni frammenti di vetri
antichi (1716);
BOLDETTI : Osservazioni sopra i sacri cimiteri (1720); LUPI :
Epitaphium Severae
martyris (1734); MURATORI : Novus thesaurus veterum
inscriptionum (1739-42);
MARANGONI : Acta S. Victorini illustrata, etc. (1740); MERENDA :
S. Damasi papae
opuscula, etc. (1754); GORI : Thesaurus veterum dipticorum
(1759); GAETANO
MARINI (1815). A. MAI : Scriptorum veterum nova collectio, vol.
v.(1831).
MARCHI : / monumenti primitivi dellarte cristiana,etc. (1845);
LE BLANT : Inscriptions chretiennes de la Gaule (1856); BOECK: C.I.
Graecarum, vol. iv. Ed.
Kirchhoff. (1859). In: Marucchi, O. Christian Epigraphy. An
Elementary Treatise. Cambridge: Cambridge University Press, 1921.
Pp.43-44.
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metal, cermica, madeira etc), ou do local em que foi encontrado
(necrpole, praa
pblica, templos) ou do tipo de inscrio feita (votiva, honorfica,
monumental).
Obviamente, isto tudo aumenta em importncia o caso do
cristianismo primitivo
pois, como fica cada vez mais claro para historiografia atual,
estamos falando de
Cristianismos e esta pluralidade possui indubitavelmente
reflexos em suas
manifestaes sejam elas econmicas, sociais, jurdicas ou
artsticas.
Para o presente trabalho, o que nos ocupa um tipo de inscrio
marcada por um
trao muito caracterstico: a dissimulao, ou seja, a necessidade
de o(s)\a(s)
autor(es)\(as) ocultarem(-se) e\ou no revelarem em sua
totalidade o sentido da
mensagem, encobrindo em alguns casos a sua identidade ou
disfarando sua
crena, em uma atmosfera de crise econmica, social e
principalmente poltica,
obrigando a superstitio crist a constante clandestinidade. Neste
caso, as
inscries crists, em muitos casos cifradas, atendem perfeitamente
quelas
virtudes da arte da criptografia apontadas por Francis Bacon
(1561-1626) sculos
mais tarde: no devem ser laboriosas para escrever e ler [mas]
impossveis de
decifrar4. Este tipo de carter da literatura crist primitiva
teve seu
reconhecimento apenas no final da dcada de 60 do sculo XX e
ganhou o nome de
crypto-cristianismo por Jacques Fontaine (Fontaine, 1968:
98-121). Fontaine
aponta mais propriamente o estilo crypto-cristo para a obra de
Minucius Felix
(150-270 d.C.) indicada inicialmente por um dos ltimos editores
da obra Octavius,
J. Beaujeu, que ao qualificar o modo como Felix redige e se
dirige aos seus
adversrios, procedendo por aluses5. Sua obra suscitaria uma
leitura em dupla
transparncia: de um filsofo pago, hostil aos cticos, esticos,
monotestas; mas
tambm de cristo atento s ressonncias judaico-crists e
testamentrias6. Esta
dualidade muitas vezes, em nosso caso, expressa por fenmenos
lingsticos e
morfolgicos como o bilingismo (ou mesmo trilingismo), as
abreviaes de
nomes prprios e, especialmente, pelo aparecimento de um
iconografia bastante
particular quelas superstiones.
-O Problema do Ponto de Vista Histrico.
4 FRANCIS BACON the advancement of learning. II, XVI, 6. 5
Minucius Felix procde par allusions: seuls les connaisseurs taient
en mesure de sapercevoir que lOctauius (...) visait plus
particulirement Favorinus et son cercles. FONTAINE, JACQUES
Minucius Felix et les valeurs ambigus dum style cryptochrtien. In:
Idem. Aspects et Problmes de la prose dart latine au IIIe. sicle -
La gense des styles latins chrstiens. Turim: Bottega dErasmo, 1968.
Pg.101. O texto em questo Octavius de Marcus Minucius Felix
estabelecido e
traduzido por JEAN BEAUJEU. Paris: Les Belles Lettres, 1964. 6
Ibidem, pg. 103.
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de opinio comum7 que a histria das perseguies aos cristos pode
ser dividida
em trs fases: a primeira comeara no raiar do movimento apostlico
e findara com
o famoso incndio em 64 d.C.; a segunda se iniciara com o fim do
governo de Nero
indo at o ano de 250 d.C., j sob o governo de Decius (249-251
d.C.); por fim, a
terceira principiou com Decius e teve seu fim na derrota de
Licinius por Constantino
em 324 d.C. Em relao primeira fase, no se sabe quase nada com
base nas
fontes da autoridade romana e contamos exclusivamente com as
fontes literrias
crists. Na segunda fase, os especialistas afirmam que as
perseguies tiveram um
carter apenas local, sem a participao da autoridade central.
Apenas na terceira
fase, em especial a partir do perodo de Diocleciano (284-305
d.C.) podemos
entrever o envolvimento mais do governo de Roma com a
superstitio crist
(KERETSZTES, 1983: 379-399)8. Ainda que cheio de lacunas, o
perodo neroniano
54-68 d.C. - no deixa de ser exemplar no sentido de fornecer a
tnica com que a
autoridade romana pautar sua atividade perante a crena crist9,
pelo menos at
meados do III sculo, revelando uma virada nas relaes polticas
entre o imperium
romanum e o cristianismo, principalmente aps o incndio em 64 d.
C., ainda que,
diga-se de passagem, a literatura crist pouco tenha tratado
deste fato10. Um
incndio deflagrado na capital levou a uma onda de violncia por
parte das
autoridades romanas. Ao fim e ao cabo 10 dos 14 bairros da
cidade de Roma,
caput mundi, haviam sido engolidos pelo fogo. A procura das
causas encetou,
segundo informa Tcitus (55-117 d.C.), a perseguio de grupos
religiosos e, entre
eles, estavam os seguidores de um Christos (Tac. Ann. 44,
sqq)11. A literatura
romana no deixa dvida sobre as causas da tragdia: teria sido um
incndio
criminoso, maquinado pelo ento imperador Claudio Nero (54-68
d.C.) com
7 Veja as referncias completas na obra pstuma de de Ste. CROIX,
G. E. M Christian Persecution, Martyrdom, & Orthodoxy. Oxford:
Oxford University Press,
2006. Cf tambm: de Ste CROIX, G. E. M. Por que fueron
Perseguidos los primeros cristianos? In: FINLEY, M. I. (ed.)
Estudios Sobre Historia Antigua. Trad. R. Lpez. Madrid: Akal, 1981.
Pp. 233-273 (este artigo consta do livro
pstumo com pequenas modificaes); SHERWIN-WHITE, A. N. Por que
fueron perseguidos los primeros cristianos? Una correction. In:
FINLEY, M. I (ed.) op.cit. Pp. 275-280; e ainda de Ste CROIX, G. E.
M. Por que fueron perseguidos los primeros cristianos? Una replica.
Idem. Op. cit. 281-287. 8 Para o tema, com exaustiva bibliografia
veja: Ste CROIX, G.E.M. Christian Persecution, Martyrdom &
Orthodoxy. Oxford: Oxford Univ. Press, 2006. Em
especial a partir das pginas 50. Cf tambm: KERESZTES, PAUL From
the Great Persecution to the Peace of Galerius. Vigiliae
Christianae. Vol. 37, no. 4 (Dec,
1983). Pp. 379-399. 9A. Harnack, Persecutionem suscitavit qua
ille gloriose pro Christo sanguinem fudit". Syncell. (663, 6-8): 10
interessante notar que o principal autor da nascente historiografia
crist,
Eusbio de Cesaria (265-339 d. C.), em sua Histria Eclesistica,
no cita o fato
mas adjudica ao perodo neroniano (54-68 d.C.) como o do incio
das perseguies. 11 A narrativa do incndio comea de fato no pargrafo
38.
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conseqncias polticas at ento inimaginveis. Muito j foi decantado
destas
famosas passagens, em boa parte, observando menos o fato em si e
mais os
apontamentos de Tcitus, em especial suas observaes sobre a
pretensa
misantropia ou o odium humani generis dos seguidores de
Christos12 e, a se contar
a reao romana, em que alguns foram presos e outros tantos
supliciados,
insultados, crucificados e queimados, o fato causara comoo mesmo
para autores
no-cristos (Cassio Dios Hist. Rom. 62.2. Suet. Nero, XXXVIII)..
No entanto,
a literatura romana no tinha dvida sobre a autoria do incndio.
Um fato, porm,
permanece, ao menos aparentemente, envolto em dvidas. Como
teriam as
autoridades romanas reconhecido os ditos christiani. Segundo nos
informa Tacitus,
em primeiro lugar agarraram correpti13 alguns e pela revelao
destes (indicio
eorum) uma multido foi presa. Eis a grande lio do incndio: como,
de fato, a
represso romana reconhecera os cristos envolvidos neste episdio
e, para alm
da mera especulao retrica, como os cristos ao longo dos trs
primeiros sculos
se reconheciam uns aos outros?
Boa parte dos autores modernos unnime em reconhecer que o
Cristianismo
praticado nos trs primeiros sculos se difundiu de modo plural e
sincrtico14. Em
parte porque sua crena partilhava certos preceitos do monotesmo
judaico15 ou da
cultura dita pag, em parte porque ao longo da histria do Imprio
Romano, em
especial a partir de Nero, a clandestinidade foi uma constante,
impedindo que o
movimento ganhasse coeso fosse em seu formato ritual, fosse
doutrinal. O fato
relevante no apenas na modernidade, mas j na antiguidade, as
comunidades
crists, por meio da documentao disponvel, evidenciavam uma
multiplicidade em
12 No Codex Mediceus (68 II fol. 38), um dos quais serviu para a
fixao do texto
dos Anais de Tacitus possivel ler forma Chrestianos. 13 Um termo
no jurdico, mostrando a aleatoriedade com que a autoridade
romana
decidiu pela captura dos pretensos incendirios. 14 ADOLF von
HARNACK reconhece o sincretismo como algo fundamental para o
entendimento do sucesso da misso crist: Synkretistisch war es [o
Cristianismo] von Anfang an auf heidenchristlichem Boden nicht als
pures Evangelium ist es erschienen, sondern mit allem ausgestattet,
(...). ber nun erst, um die Mitte des
3. Jahrhunderts, war die neue Religion fertig als
synkretistische Religion par excellence, und dabei doch exklusiv! .
Pp. 302-303. Sincrtico foi o Cristianismo desde o princpio sobre
solo pago e cristo. No como Evangelho puro apareceu,
mas antes guarnecido com tudo. Somente, ento, da metade do III
sculo d.C. em
diante, a nova religio esteve pronta como a religio sincrtica
par excellence, e nessa altura, contudo, exclusiva. HARNACK, A.
Mission und Ausbreitung des Christentums in den ersten drei
Jahrhundert. Leipzig: Hinrich, 1915. 15 De fato, o movimento
cristo, desde seus primrdios, seguindo bem de perto a sua matriz
judaica, caracterizou-se por ser um imenso mosaico de percepes.
Da,
melhor entend-lo como um movimento plural, do que singular.
Assim, torna-se
mais interessante pensar em cristianismos do que em
cristianismo. CHEVITARESE, A. L. Cristianismos. Questes e Debates
Metodolgicos. Rio de Janeiro: Kln, 2011. Pg. 22.
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relao ao credo que praticavam16. Um documento de 16 captulos
datado entre o
primeiro sculo e a primeira metade do sculo II d.C. - A Didaque
-, chamada
tambm de Instruo dos Doze Apstolos, nos oferece bem a medida
da
disperso do movimento cristo ao longo desta poca. Com poucos
oficiantes
reconhecidos em um primeiro momento - no h um clero
17propriamente dito - e
a quase inexistncia de uma liturgia que se atm ao batismo,
eucaristia, e
confisso as comunidades crists se ressentem com presena de
falsos profetas
( ) (trs captulos da Didaqu so dedicados ao tema). O
documento,
com fragmentos em vrios idiomas (latim, copta, srio, rabe e
georgio), um
demonstrativo cabal de quanto tempo os cristos ainda levariam
para se
reconhecerem mutuamente como partilhando um credo
semelhante18.
O perodo ps-neroniano no menos confuso neste sentido. Ainda que
admitamos
o surgimento de literatura crist, as questes referentes a que
tipo de categoria
tal literatura pertence suscita ainda bastante controvrsia. No
que diz respeito a
uma literatura propriamente crist destes trs primeiros sculos,
preciso
considerar, com Frances Young, ao menos 5 pontos: A) o que de
fato literrio em
termos cristos? B) Quais textos devem ser includos na categoria
de literrios?
Eles formavam para as comunidades algum tipo de unidade ? C) De
qual nvel
social e cultural eles se originaram (aqui h que se considerar a
fixao da tradio
oral em forma escrita)? D) Quais so as peculiaridades retricas e
de linguagem de
um modo geral deste gnero de textos? Como estes textos devem
ser
16 Veja por exemplo a passagem em que Irineu de Lyon (circa 140
200 d.C.) comenta o fato de a apostasia de Marcio (sculo I d.C.) s
fora considerada
heresia em sua prpria poca, isto , entre o sculo II e III d.C.
(Adv. Haer. III, 4,
3). Cf. os importantes apontamentos de FREND, W. H. C. El
fracaso de las persecuciones en el imperido romano. In: FINLEY, M.
I. (Ed.) op.cit.Pp.289-314. 17 Leia-se hierarquia. 18 STORNIOLO,
IVO; BALANCIN, EUCLIDES M. (Org). Didaqu: o catecismo dos
primeiros cristos para as comunidades de hoje. 16. ed. So Paulo:
Paulus, 2009.
Em especial, os captulos XI 1.Se vier algum at voc e ensinar
tudo o que foi
dito anteriormente, deve ser acolhido. 2.Mas se aquele que
ensina perverso e
ensinar outra doutrina para te destruir, no lhe d ateno. No
entanto, se ele
ensina para estabelecer a justia e conhecimento do Senhor, voc
deve acolh-lo
como se fosse o Senhor. 3.J quanto aos apstolos e profetas, faa
conforme o
princpio do Evangelho. 4.Todo apstolo que vem at voc deve ser
recebido como
o prprio Senhor. 5.Ele no deve ficar mais que um dia ou, se
necessrio, mais
outro. Se ficar trs dias um falso profeta. 6.Ao partir, o
apstolo no deve levar
nada a no ser o po necessrio para chegar ao lugar onde deve
parar. Se pedir
dinheiro um falso profeta. 7.No ponha prova nem julgue um
profeta que fala
tudo sob inspirao, pois todo pecado ser perdoado, mas esse no
ser perdoado.
8.Nem todo aquele que fala inspirado profeta, a no ser que viva
como o Senhor.
desse modo que voc reconhece o falso e o verdadeiro profeta.
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historicamente lidos?19 A epigrafia crist no escapa a estas
perguntas e com elas o
problema de delimitarmos a noo de epigrafia crist se torna mais
complexo. A
literatura crist (e suas distintas formas de expresso escrita)
cresceu no seio da
cultura Greco-Romana e traz consigo traos indelveis desta, entre
eles o fato de
ser praticada por uma elite literariamente educada (HARRIS,
1991). Boa parte do
que at bem pouco tempo atrs se chamava literatura crist se
baseava na
canonicidade dos textos e no legado da Sagrada Tradio (Harnack,
1893: 22-23),
a qual apenas recentemente tem recebido um outro tratamento. No
obstante, o
juzo acerca da epigrafia crist do perodo segue sem uma avaliao
mais
aprofundada20.
Para alm das questes literrias propriamente ditas, h que se
considerar a
canonicidade, isto , a legitimidade que adquirem ao longo dos
primeiros dois
sculos perante os livros que conhecemos hoje como Bibla, e cuja
preocupao
aparece em escritos de Irineu de Lyon e Hiplito. Assim como as
admoestaes da
Didaqu contra os falsos profetas, o processo de canonicidade nos
d a medida da
diversidade de crenas crists de ento.
Dois ltimos aspectos no negligenciveis so, de um lado, que a
circulao de
textos era bastante tmida, e de outro o fato de que o mundo
antigo, em sua
grande maioria, era iletrado, alis iletramento at muitas vezes
celebrado21.
Tudo isso contribua para a heterodoxia, entendida por escritores
antigos e
modernos como um distanciamento da regula fidei,22 no apenas em
termos
19 YOUNG , FRANCES. Introduction: the literary culture of the
earliest Christianity. In: YOUNG, FRANCES et al. (Eds)- The
Cambridge History of Early Christian
Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. PP.
5-10. 20 Em HORSLEY, G. H. R. (ED) New Documents Illustrating Early
Christianity. Austrlia: Macqaurie University 1981, os nove volumes
(a partir do 6. volume foi
editado por S. R. Llewelyn at 2002) no mencionam qualquer
palavra sobre o
problema do estilo ou gnero da literatura crist, detendo-se em
problemas
lingsticos (vol. 5). Harris sugere que, no caso das inscries,
ainda que no seja
possvel provar conclusivamente, devido a sua diversidade possvel
perceber a
heterogeneidade da linguagem falada (HARRIS, WILLIAM V. -Ancient
Literacy.
Harvard: Harvard University Press, 1991. Pg.177). 21Cf. Irineu
de Lyon III, 4, 2. O iletramento no quer dizer absolutamente
analfabetismo. A mensagem de um texto
pode ser alcanada por meio de intermedirios (Harris, 34) ou pelo
uso de elementos simblicos ( R. Thomas, 134),
ou ainda como diz Irineu sem papel nem tinta. Cui ordinationi
assentiunt multae gentes barbarorum eorum qui in Christum credunt,
sine charta vel atramento scriptam habentes per Spiritum in
cordibus suis salutem, et veterem
Traditionem diligenter custodientes, in unum Deum credentes
Neste caso, o que poderia ser
decorativo possui grande valor explicativo para a compreenso da
mensagem. Por
isso, no se pode considerar o iletramento ou mesmo o
semi-letramento como
similar ao analfabetismo, nem tampouco em oposio transmisso
oral. YOUNG,
FRANCES Christian Teaching. In: Young, F. et al. (Eds)-op. cit.
Pp. 464-484. 22
A aproximao entre heterodoxia e desvio da regula fidei aparece
com fora em
vrias ocasies em escritores do cristianismo primitivo. Cf. por
exemplo Athanasius
de Alexandria (295-373 d.C.) Epist. ad Episc. I, 5, 1182-1183
(vol. 25, 549, 16).
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teolgicos, mas tambm rituais at pelo menos o IV sculo23. O fato
traz tona a
necessidade de se explicar como um credo especfico que no possua
qualquer
organizao sistematizadora difundia-se, ao longo destes trs
sculos, a ponto de
distinguir o que era recto do que era obliquo24. Talvez a questo
esteja falsamente
posta na medida em que no se tratava de um credo especfico,
surgido ex-nihilo.
guisa de concluso.
Neste contexto de iletramento e heterodoxia, as representaes
pictricas ganham
um valor incomensurvel, ainda mais caso estejamos falando de
representaes
acompanhadas de escritos de carter pblico como so de fato as
epigrafias. Nelas
possvel entrever certo cuidado em apresentar e ocultar a
mensagem,
simultaneamente. o que os autores modernos tm chamado de estilo
cripto-
cristo25. Em nosso caso, estes tipos de epigrafias nos ajudam a
entender o
Para A. Harnack (Mission und Ausbreitung), o sincretismo inicial
da igreja primitiva
ganhou pouco a pouco a sntese necessria para a formao da
ortodoxia e as
doutrinas desviantes tornaram-se degenerescncias (chamada por
isso de
Verfallstheorie). Quanto crtica Verfallstheorie com as
respectivas crticas a
Harnack cf. WILLIAMS, ROWAN Does it make sense to speak of
pr-Nicene orthodoxy?. In: WILLIAMS, R. (ed.)- The Making of
Orthodoxy: essays in honour of
Henry Chadwick. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. Pp.
1-23.
23 J no incio do sculo XIX, especialistas apontavam para a
diversidade axiolgica
na Igreja Primitiva. Veja por exemplo o livro de MHLER, JOHANN
ADAM Die Einheit in der Kirche oder das Princip (sic) des
Katholicismus, dargestellt im Geiste
der Kirchenvter der drei ersten Jahrhundert. Tbingen: Heinrich
Laupp, 1825.
Especialmente o captulo III. Alm das diversas controvrsias
Teolgicas ou
Cristolgicas, houve ainda a dissenso Eclesiolgica. Por exemplo:
Donatismo (o
Batismo e a Ordenao sacerdotal) no poderiam ser ministrada aos
lapsi. Ainda
havia as controvrsias entre Cristos e Judeus-Cristos ( Nazarenos
Judasmo Messianico, Ebionitas os pobres, cristianismo de converso
Torah e Elchasaitas preceitos morais e dietas). Para um tratamento
do problema veja a obra: WILLIAMS, R. The making of orthodoxy
Essays in honor of Henry Chadwick. Cambridge: Cambridge University
Press, 1989. Em especial o artigo do editor: Does it make sense to
speak of pr-Nicene orthodoxy? Pp.1-23. Cf tambm o
interessante artigo de LOSEHAND, JOACHIM The Religious Harmony
in the Ancient World Vom Mythos religiser Toleranz in der Antike.
In: Gttinger Forum fr Altertumswissenschaft 12 (2009). Pp.
99-132.
24 Orthodoxia, entendida como sana doctrina ou recta fides, no
era noo usada
pelos primeiros cristos. O problema talvez fosse, naquele
contexto, mais de ordem
cultual ou ritual do que propriamente doutrinal. Veja a discusso
em Joachim
Losehand The Religious Harmony in the Ancient World Vom Mythos
religiser Toleranz in der Antike. In: Gttinger Forum fr
Altertumswissenschaft 12 (2009);
Cf. tambm NORRIS Jr., RICHARD A. Articulating Identity. In:
YOUNG, FRANCES, AYRES, LEWIS; LOUTH, ANDREW (eds.) The Cambridge
History of Early Christian Literature. Cambridge: Cambridge
University Press, 2008. Pp. 71-90. 25 Em um artigo recente, HECK,
EBERHARD - Nochmals: Lactantius und Lucretius. Antilucrezisches im
Epilog des lactanzischen Phoenix-Gedichts? - International
Journal of the Classical Tradition, vol. 9, No. 4, Spring 2003,
pp. 509-523, ainda
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universo mental cristo primitivo. Em especial, aquele dos grupos
letrados, isto
dos fazem parte da elite romana. No criptocristianismo imagem e
conceito ganham
fora prpria, formando um conjunto cujo significado, mesmo que
vago, ser
reconhecido por aqueles que partilham valores e conhecimentos
comuns. Neste
contexto, talvez fosse impossvel para Nero encontrar os cristos,
talvez mesmo
fosse impossvel que se reconhecessem o que refora nossa hiptese
de que a nova
f, plural e mltipla desde seu momento mais primevo, tenha
partilhado um
evangelho comum mas com prticas muito diferentes.
Inscries e Comentrios26
A)
A primeira de nossas inscries foi gravada em uma gema de
cornalina, que
pertencia a uma coleo privada em Londres, com outras jias do
mesmo estilo27.
Segundo o relato do arquelogo que comprou proprietria a jia,
teria sido
encontrada em Constanza (Kustendje) em uma praia, junto com
outros objetos e
foi datada como pertencente aos primeiros trs sculos de nossa
Era. Atualmente
encontra-se no Museu Britnico sob o nmero :1895,1113.1,
AN186312. Apesar de
que recuse a idia de estilo crypto-cristo, como advogada por
Fontaine,
favorvel ao uso quando este se refere ao que ele chama de
camuflagem do
contedo cristo na literatura. Para a discusso do termo com
literatura
especializada veja especialmente as pginas 514-515. 26 Trata-se
apenas de observaes preliminares 27 SMITH, CECIL The Crucifixion on
a greek gem. In: The Annual of the British School at Athens. No.
III, Londres: 1896-1897. Pp. 201-206
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estar um pouco avariada possvel ver a figura do Cristo
crucificado, apresentado
de modo frontal, exceto pelos ps. Na altura do exergo, espao em
medalhas ou
moedas onde normalmente se grava a data ou qualquer outra
inscrio, encontra-
se uma linha que serve de suporte para a cena. A cruz, na forma
de um T divide o
que seria o conjunto dos 12 apstolos, seis de um lado e seis de
outro, os quais so
apresentados em uma escala bem menor do que a figura central do
Cristo, mesmo
estando ambos os grupos representados a partir do exergo.
Encimando a gema l-
se claramente a inscrio C , que em grego significa peixe, mas
como
acrnimo equivale s iniciais do ttulo (Jesus
Cristo, filho de Deus, Salvador), em lugar do j tradicional INRI
Iesus Nazarenus
Rex Iudaeorum (Jesus de Nazar, Rei dos Judeus). O autor chama a
ateno para o
fato de que esta pode ser a mais antiga representao da
crucificao ou, ao
menos, uma das primeiras28. Um ltimo ponto a notar a associao
direta entre
imagem e escrita, tornando toda a cena quasi bilnge.
B)
28 Sugesto tambm aceita por G. H. R. HORSLEY New Documents
Illustrating early Christianity. A review of the Greek inscriptions
and papyri published in 1976.
Macquarie University: Australia, 1984. Pg. 140.
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Para a segunda inscrio, conforme nos relata K. Jaro29, uma
antiga lenda conta
que a Imperatriz Helena, esposa de Constantius e me de
Constantino I (306-337
d.C), em 326 d.C. teria encontrado o Titulus Crucis e ordenado
que parte da
inscrio fosse levada ao seu palcio em Roma, e parte seria
mantida em
Jerusalm. Consoante o mesmo Jaro, do ponto de vista paleogrfico
nihil obstat
por datar a inscrio para a primeira metade do sculo I d.C. e que
salvo errore et
omissione no h provas nem de uma falsificao do sculo IV d. C.,
nem em poca
posterior. A inscrio trlinge sendo a primeira linha escrita em
hebraico capital,
da direita para a esquerda, como de praxe na escrita hebraica, e
as outras duas
em grego e latim, respectivamente. Seu contedo to simplesmente o
gentlico
de Jesus, Nazareno30, seguido nas duas ltimas linhas da letra
inicial que designa a
palavra rei, indicando a causa poena: para (basileus) e R para
rex.
Como registra a lenda encontra-se hoje em Roma, na Baslica de
Santa Croce in
Gerusalemme.
1 yrjvnh
2 NAZAREN- B
3- NAZARENUS R
C)
29 JARO, Karl Inschriften des heiligen Landes aus vier
Jahrtausenden. Mainz am Rhein: Philipp von Zabern, 2001. Pg. 319.
30 O escriba parece, ao escrever Nazareno em grego, , ter
substitudo a
forma tradicional com ETA por EPSILON, como est na inscrio.
Ainda neste
sentido, substituiu tambm a letra omikron em grego, o , pelo
ayin - r -em
hebraico na forma cursiva.
-
A ltima de nossas inscries um exemplo claro da integrao do
pictrico com o
escrito propriamente dito, pois alm da mensagem engastada entre
o e o , na
horizontal e o smbolo da cruz, de ambos os lados, na vertical,
temos uma srie de
elementos cuja disposio obedeceu a regras tanto gramaticais
quanto estticas,
cujo fundo sem duvida regido pela crena31. Assim, tanto a
palavra ,
quanto a palavra C, foram abreviadas de forma corrente como em
lngua
hebraica, como reservada aos nomina sacra onde os elementos
centrais da palavra
so omitidos32. A inscrio pertence ao baixo imprio mas um belo
exemplar da
preocupao do escriba e\ou proprietrio de marcar a filiao a sua
crena. digno
de nota, o fato do genitivo possessivo ( theos mou - lit. Deus
de mim) encontrar-se
acomodado bem no centro da inscrio, com a terminao genitiva - -,
coroando
a letra capital . Ela datada provavelmente para o baixo
imprio.
( ) , ( ) , Cristo, meu Deus, Glria para Ti!
Consideraes Finais:
A distncia entre o significado e contedo destas inscries no
irrelevante.
Grosso modo, podemos notar um entrelaamento estreito, ou ao
menos a inteno
de que a composio proporcione uma leitura onde interajam os
elementos visuais
e escritos, entre a composio destas inscries, com a preocupao do
efeito
31 Ed. Pr. Jean-Paul Rey-Coquais, I Tyre 1.49, pp.32-33 (pl.
45.1). 32 TRAUBE, LUDWIG. Nomina Sacra. Versuch einer Geschichte
der christlichen Krzung. Munique: C.H.Beck, 1907. 33 Preocupao esta
que parece no ocorrer com a desinncia da forma dativa
a Ti, deslocada para a extremidade.
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visual, e o seu impacto no pblico-leitor. Preliminarmente, nos
exemplos
mostrados, verificamos ao menos trs constantes, em maior ou
menor grau, dada a
natureza de cada das inscries.
a) A preocupao entre o simblico e semntico na composio das
inscries;
b) A reiterao de certos elementos que funcionem como meio
identificador da
composio epigrfica;
c) A necessidade da anlise comparativa, que no se encerre na
inscrio,
dada a variedade tanto em que tais inscries aparecem, quanto no
que diz
respeito aos contextos histricos distintos.
Embora as consideraes acima sublinhem o fato de que haja um
pblico-leitor
cristo para o qual eram voltadas estas inscries, preciso no
exagerar quanto
ao uso pblico deste tipo de epigrafia. Em primeiro lugar porque
devemos ter em
conta o carter devocional que leva o escriba ou o financiador da
inscrio na
confeco destas, de modo que a composio epigrfica pode ser mais
um sinal de
demonstrao da crena do que de transmisso de uma mensagem; em
segundo
lugar, e como conseqncia da primeira, porque, ainda que
consideremos uma
certa unidade composicional na distribuio dos elementos
figurativos e textuais,
perfeitamente possvel l-los (ou perceb-los) de modo distinto.
Deste modo
imagem e texto podem ser entendidos de maneira harmnica ou no,
isto , sem
um vnculo necessrio entre ambos. Ora, ao considerarmos
pluralidade da
mensagem crist ao longo destes trs sculos, as inscries
crypto-crists atuam
como moto e em conseqncia em infinitas direes, proporcionando o
mosaico de
que se falava alhures.