CRIMINALIZAÇÃO E REPRESSÃO NAS LUTAS DA EDUCAÇÃO: AÇÕES COERCITIVAS NAS GREVES DE PROFESSORES E PROFESSORAS DA REDE PÚBLICA Sâmbara Paula Francelino 1 RESUMO: O trabalho traz uma reflexão sobre a criminalização e repressão às lutas dos servidores públicos da educação. Aborda- se as ações de criminalização e os mecanismos repressivos do Estado, voltados à deslegitimação e desestruturação das lutas sociais que se intensificam diante da crise estrutural do capital como parte do processo de retirada dos direitos sociais, historicamente conquistados. Destaca-se, em especial, a judicialização e a violência no trato com lideranças e mobilizações de movimentos grevistas na educação pública durante o período em estudo. Palavras-chave: Lutas Sociais; Serviço Público; Educação; Criminalização; Repressão. ABSTRACT: This work has centered on the reflection on the criminalization and repression of struggles of public education servers. It covers up the criminalization of actions and the repressive mechanisms of the state, aimed at delegitimizing and disruption of struggles social to intensify before the structural crisis of capital as part of the process of withdrawal of social rights, historically achieved. It highlights in particular the legalization and violence in dealing with leaders and mobilization of strike movements in public education during the period under study. Keywords: Social struggles; Serviço Público; Education; Criminalization; Repression. 1 Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará. Doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. [email protected]
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CRIMINALIZAÇÃO E REPRESSÃO NAS LUTAS DA EDUCAÇÃO: AÇÕES COERCITIVAS
NAS GREVES DE PROFESSORES E PROFESSORAS DA REDE PÚBLICA
Sâmbara Paula Francelino 1
RESUMO: O trabalho traz uma reflexão sobre a criminalização e
repressão às lutas dos servidores públicos da educação. Aborda-
se as ações de criminalização e os mecanismos repressivos do
Estado, voltados à deslegitimação e desestruturação das lutas
sociais que se intensificam diante da crise estrutural do capital
como parte do processo de retirada dos direitos sociais,
historicamente conquistados. Destaca-se, em especial, a
judicialização e a violência no trato com lideranças e mobilizações
de movimentos grevistas na educação pública durante o período
As lutas sociais têm sido alvo de criminalização que ocorre por meio de um processo
estruturado de violência física2 ou de natureza jurídico-política com um caráter de violência
institucional diante do uso de prerrogativas que visam caracterizar como criminosas lideranças e
organizações políticas da classe trabalhadora. Nesse sentido, criminalizar uma atitude ou
manifestação, ao lhes atribuir características de natureza criminosa, não se configura
simplesmente a partir de uma fala isolada sem repercussão, ou mesmo de prisões resultantes de
uma prática ilegal.
Outra característica desse espectro de coerção às lutas sociais corresponde a repressão
política - forma de ação pública, geralmente tomada por parte do Estado para conter e calar
manifestações de oposição, subversão, contestação e reivindicação diante do poder público. Os
métodos de repressão política incluem frequentemente práticas violentas como o
espancamento, a tortura, além de tiros com balas de borracha e bombas de efeito moral, como
as de gás lacrimogêneo. Esses métodos em conjunto com as práticas de criminalização,
representam a ação estatal para afirmar os interesses do grande capital em detrimento das
necessidades dos trabalhadores.
No Brasil, com o aprofundamento da crise do capital, o aparato estatal no âmbito das três
esferas de governo vem promovendo nos últimos anos uma forte ofensiva contra os direitos dos
trabalhadores e os serviços públicos, trazendo consequências dramáticas para a população que
necessita desses serviços, bem como para os servidores que vivem num estado de insegurança
e incertezas quanto ao seu futuro.
Por influxo desse contexto o governo de “coalização” adotou uma sequência de medidas
no intuito de favorecer a sanha do capital por maior produtividade e lucratividade, prejudicando
os interesses da classe trabalhadora, tais como a contrarreforma da Previdência, as parcerias
público-privadas e o recente Projeto de Lei Complementar 257 (PLP 257/2016), que tem como
alvo o desmonte do serviço público, sob o argumento de preservar o pagamento da dívida
pública ao sistema financeiro.
Com o afastamento da Presidente Dilma, o PMDB, representado pelo presidente interino
Michel Temer tentará a todo custo viabilizar os princípios contidos no programa “Uma Ponte
2 Violência física como criminalização aqui refere-se apenas às prisões arbitrárias, já que, outras formas de violência
como agressão corporal, assassinatos e torturas se constituem como formas de repressão que se articulam com a criminalização à manifestação social, mas não pode ser confundida enquanto tal.
para o Futuro”3 que somado às diretrizes da “Agenda Brasil”4, darão continuidade a retirada de
direitos trabalhistas em todos os âmbitos, bem como eliminarão o conceito de serviço público da
forma como o concebemos atualmente. O teor desses documentos deixa claro que o governo
ilegítimo e usurpador, pretende avançar com um brutal ajuste fiscal, com corte de verbas sociais,
realização da reforma da previdência, entrega do pré-sal às multinacionais e aceleração da
política de privatizações exigindo duro sacrifício da classe trabalhadora brasileira.
Nessa quadra histórica de crise, em que assistimos ao acirramento da desigualdade
econômica e social temos o aplainamento do terreno para um crescente processo de
criminalização e repressão das lutas sociais. O diferencial desse processo no âmbito da
conjuntura política brasileira é que quanto mais as lutas se intensificam no âmbito do serviço
público, em especial, aquelas do setor educacional, mais se institucionaliza o artefato
criminalizante e violento do Estado, ainda que, com variações de intensidade, de sujeitos
envolvidos e mecanismos utilizados.
2 AÇÕES CRIMINALIZADORAS E REPRESSORAS DO ESTADO FRENTE ÀS
ORGANIZAÇÕES E LUTAS DOS SERVIDORES PÚBLICOS
O Estado emerge como produto de uma sociedade de classes, resultando de
contradições e antagonismos inconciliáveis voltado para atenuar os conflitos em defesa da
ordem. O Estado como organização especial da força e da violência é sempre o Estado da
classe dominante, na medida em que as contradições se acirram e a classe trabalhadora se
organiza e se revolta. Como afirma Engels (2010, p. 150) “um dos traços característicos
essências do Estado é a existência de uma força pública separada da massa do povo”.
O Estado moderno resultante do contexto capitalista à medida que controla a produção
de riqueza, detém também o poder no âmbito político, visto que “a formação do Estado moderno
é uma exigência absoluta para assegurar e proteger permanentemente a produtividade do
sistema”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 107).
Como forma de afirmar os interesses do poder dominante, o Estado político expressa os
seus interesses enquanto interesses gerais da sociedade e necessita de instituições políticas
3 Documento divulgado pela Fundação Ulysses Guimarães do PMDB, em 29 de outubro de 2015, aponta ajuste para
cortar subsídios e diminuir gastos públicos, trata de abertura comercial e reforma no orçamento configurando-se, antecipadamente, em um plano de governo.
4 Proposta apresentada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) caracterizado como uma forma de
retomar o crescimento econômico e de realizar reformas necessárias para que o Brasil supere a crise. No entanto, os caminhos para a retomada do crescimento apontam para retrocessos de direitos. Entre as propostas da agenda está a regulamentação dos trabalhadores terceirizados.
para legitimá-los. “Daí a ilusão de que a lei assentaria na vontade e, mais ainda, na vontade
dissociada da sua base real, na vontade livre. Do mesmo modo que o direito é, por sua vez,
reduzido à lei”. (ENGELS; MARX, 2009, p. 112). Pode-se, portanto, caracterizar o direito como a
vontade de uma classe na forma de lei, seu conteúdo é determinado pelas condições históricas
em que se encontra a luta de classes. De acordo com MANDL (2015, p. 4),
[...] o Judiciário é parte fundante do Estado, exercendo historicamente o papel de legalizar determinada decisão política da burguesia. Por outro lado, é também dentro do Judiciário que se expressam importantes resistências das ruas e das lutas. Assim, claramente o Direito é fruto da luta de classes e é sempre importante olhar o que ocorre dentro do Judiciário, explorar suas contradições, apontando claramente sua cotidiana ação de atuar com “dois pesos e duas medidas. .
No Brasil não é recente, mas tem sido crescente nos últimos anos, a judicialização dos
conflitos sociais. Sob a lógica da criminalização das lutas sociais, assiste-se a uma
deslegitimação jurídica do sindicalismo classista e suas estratégias de lutas. Em especial o
combate por meio do judiciário às greves, combinando-se com medidas de repressão aos
trabalhadores grevistas, com severas punições aos sindicatos e mesmo prisões e condenações
às lideranças.
Há que se reconhecer, ainda, que isto se dá em articulação com um processo de
desmoralização e satanização das lutas sociais, orquestrado por meios de comunicação, que
priorizam as falas criminalizatórias e manipulam informações e fatos referentes às manifestações
sociais, sem garantir-lhes um espaço ou mesmo reconhecer-lhes como interlocutores da questão
reportada.
É flagrante a contradição entre as promessas inscritas na Constituição e o que os sujeitos
implementadores da criminalização em curso defendem. De um lado, desigualdade social na
sociedade brasileira, tendo como um dos seus pilares a concentração de renda, quando o Brasil
ocupa o 14º lugar de país mais desigual do mundo, segundo o relatório do Panorama Econômico
Global de 2015 (apud MAIA, 2016). Do outro lado, sujeitos que buscam a organização frente a
um modelo de desenvolvimento concentrador de renda e ambientalmente predatório que tem
bloqueado as mudanças gestadas nas lutas contra as desigualdades sociais, políticas,
econômicas, culturais, amparadas constitucionalmente e nos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos.
A inabilidade do Estado brasileiro no trato com os conflitos sociais se expressa em
registradas diante das ações promovidas pelas organizações de classe. A acusação de
formação de quadrilha que pesa diante de segmentos sociais que se organizam em torno de
uma determinada reivindicação tem levado a vários mecanismos de punição e de deslegitimação
dessas forças organizadas. A criminalização tem sido acompanhada pelo uso da força, da
arbitrariedade e da violência patrocinadas por governos de todas os matizes, que priorizam o
capital econômico em detrimento dos direitos da maioria da população que vive em situação de
pobreza e miseráveis condições socioeconômicas e culturais.
O Judiciário e o Legislativo diante das estratégias implementadas pelas diversas lutas
sociais contribuem para a manutenção de uma ordem injusta e desigual, sob a égide de um
discurso arquitetado pelo seu inverso: o da liberdade e da justiça. A legislação nacional e
internacional é manipulada de acordo com os interesses da classe dominante dificultando o
respeito e a observância dos direitos humanos e trabalhistas historicamente conquistados.
O mais surpreendente e paradoxal aos olhos do observador, está no fato de que a
criminalização não foi contida com os governos do Partido dos Trabalhadores nos últimos anos,
à frente do Poder Executivo, seja ele nas esferas federal, estadual e municipal. Governos estes
que traziam a expectativa de gerar canais de diálogo com as organizações sociais, mas em seu
lugar desenvolveram novas e sofisticadas formas de criminalização e repressão. Destacamos
dois exemplos crassos da atuação do Governo Federal no aspecto da criminalização das lutas
sociais, quando editou a Portaria Normativa de dezembro de 2013, que dispõe sobre as
Operações de garantia da Lei e da Ordem e sancionou a Lei Antiterrorismo, n. 13.260, de 16 de
março de 2016, peças legais que podem ser utilizadas pelo aparato estatal para incriminar e
punir lutadores e lutadoras sociais ao reivindicar seus direitos, legitimando a criminalização e a
violência no âmbito da sociedade.
Nesses termos infere-se que o governo Dilma institucionalizou a criminalização das lutas
sindicais dos servidores públicos federais por meio de uma prática generalizada de punições na
tentativa de intimidar as mobilizações. No serviço público na área da educação, essa intimidação
se dá por meio de processos administrativos, punições disciplinares, constituição de comissões
de sindicância e assédio moral no local de trabalho. Dirigentes e integrantes dos comandos de
mobilização dos servidores públicos são alvos dessas iniciativas intimidadoras. Não raro,
gestores propõem até mesmo a exoneração de lutadores históricos da categoria. As
organizações dos servidores, também tem resistido por meio de denúncias aos organismos
internacionais como a OIT, e estratégias voltadas para pressionar o governo brasileiro contra as
práticas antissindicais.
3 EXPRESSÕES DE CRIMINALIZAÇÃO E REPRESSÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DA
EDUCAÇÃO
As diversas ações que caracterizam como crime, visando deslegitimar ou mesmo reprimir
lutas sociais aparece com forte teor no âmbito das lutas em defesa da educação pública e de
qualidade socialmente referenciada. O domínio de forças conservadoras nos espaços do
aparelho de estado permite que mecanismos variados sejam usados seletiva e simultaneamente
contra as organizações e mobilizações dos servidores públicos da educação.
A luta desses trabalhadores tem se configurado como enfrentamento às políticas de
sucateamento do ensino público e a defesa dos direitos trabalhistas diante da desvalorização da
carreira dos servidores estatutários em âmbito federal, estadual e municipal.
A categoria por meio das suas organizações e lutas têm feito frente à desestruturação
das políticas públicas por meio de diversos protestos e greves em todo território nacional.
Enquanto isso, os governos ao mesmo tempo que retiram direitos e garantias sociais vêm
reprimindo, perseguindo e criminalizando os que lutam por melhoria nas condições de ensino e
trabalho no âmbito da educação.
De 2012 a 2016 é grande o número de greves registradas no Serviço Público, em
especial, nos setores que atuam no âmbito da educação pública, nas três esferas federal,
estadual e municipal. No serviço público federal, por exemplo, em 2012, registrou-se forte
movimento grevista que atingiu as mais diversas categorias do funcionalismo público. A
Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef) apontou que mais
de 300 mil servidores entraram em greve no país.5 Outro dado importante sobre essa questão
é apresentado pelo DIEESE que contabilizou 873 greves em diversos segmentos dos
trabalhadores no país. Desse número 409 ocorreram na Esfera Pública. Já em 2013, o DIEESE
registrou 2.050 greves, um crescimento de mais de 134% em relação ao ano anterior e o maior
número de toda a série histórica. 6
E esta tendência que junho acelerou, com as jornadas de lutas que levaram milhões de
pessoas às ruas das principais cidades do Brasil, expressou-se contundentemente em 2014. O
referido ano foi inaugurado com as grandes greves de serviços estratégicos como os rodoviários
de Porto Alegre e depois os garis do Rio de Janeiro. No caso dos serviços de limpeza urbana as
greves ocorreram em todo país, dos rodoviários aconteceram em Campinas, São Paulo, Rio de
Janeiro, Recife, acompanhada pelos metroviários em São Paulo, Recife, entre outras metrópoles
brasileiras.
Destaca-se aqui as greves “propositivas” dos rodoviários de Porto Alegre e dos garis do
Rio de Janeiro lutando por expressivos aumentos de salário, cruzando-se com duras lutas
5 A onda de paralisações teve início em 17 de maio com a adesão dos docentes e técnicos-administrativos
das universidades e institutos federais de educação superior. Aos poucos, outras categorias se somaram ao movimento por aumentos salariais e reestruturação de carreiras. Na lista, órgãos do Poder Executivo, Judiciário Federal e Ministério Público da União. Disponível em: http://www.condsef.org.br/a-condsef-topmenu-28/historia 6 As informações da série histórica também revelam que o total de greves cadastrado em 2012 é o maior verificado
desde 1997. Disponível em: <http://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2012/estPesq66balancogreves2012.pdf>
defensivas como da USP contra o fechamento do hospital universitário e frente a proposta de
aumento zero.
O ano de 2015, marcado pela crise econômica e crise política teve como emblema
diversas lutas “defensivas”, tais como dos professores do Paraná, do funcionalismo gaúcho,
servidores dos correios, dos petroleiros, dos metalúrgicos. Algumas dessas greves de caráter
defensivo, obtiveram êxito ao reverter o ataque desferido contra a categoria, fato configurado na
greve dos petroleiros e ecetistas.
Em 2016 temos um primeiro semestre agitado no serviço público com mobilizações e
movimentos paredistas em vários estados da federação. No mês de abril, só no Rio de Janeiro
existiam trinta e três categorias de servidores estaduais com suas atividades paralisadas, entre estas
categorias estavam profissionais de educação, saúde, policiais, funcionários do Detran e do judiciário.
No Ceará professores da educação básica também deflagraram greve em abril, continuando o seu
curso durante o mês de maio, mesmo diante da decretação da ilegalidade pelo judiciário.
Ao longo desses últimos anos, o quadro de criminalização e repressão como
instrumentos inibidores das lutas sociais, em especial das greves no serviço público (setor da
educação) ecoou nas respostas dos governantes aos movimentos paredistas. Citemos o caso do
Paraná que teve repercussão nacional nos meios de comunicação de massa. Neste, o governo
paranaense, com a greve dos professores, além de suspender o pagamento das férias,
apresentou um pacote de medidas que retirava direitos dos servidores públicos. Após tentativas
de jogar a greve na iIegalidade o governo fez um acordo parcial que levou a suspensão dessa
paralização por um curto período.7 Após descumprimento do acordo, os professores retomaram
a greve no momento em que o pacote de medidas voltava a pauta para discussão e votação no
legislativo. Ao serem impedidos de ter acesso à Assembleia Legislativa no dia da votação,
acabaram violentamente reprimidos enquanto protestavam nas ruas de Curitiba.
Os professores, que retomaram a greve no sábado, dia 25, protestavam contra aprovação de um projeto de lei que ataca a aposentadoria de mais de 33 mil pessoas com mais de 73 anos. Por determinação da Justiça, a pedido do governador tucano, os professores foram proibidos de acompanhar a votação do projeto de lei que muda o custeio do Fundo de Previdência do Estado. Para colocar novamente o projeto em votação, Richa determinou um cerco ao prédio da Assembleia Legislativa. Mais de 2 mil policiais estão no local desde a segunda-feira, dia 27. Enquanto os deputados votavam mais uma medida do plano de ajuste fiscal contra os trabalhadores, a manifestação que contava com mais de 20 mil pessoas era duramente
7 A greve dos professores foi deflagrada em 9 de fevereiro depois que o governo, por exemplo, atrasou o terço de férias da
categoria. O movimento se acirrou depois que chegou à Assembleia um pacote de medidas de ajuste fiscal. Quase um milhão de alunos da rede estadual estão sem aulas. Desde o início da greve, vários servidores estão acampados no Centro Cívico, onde fica a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e o Palácio Iguaçu. Eles chegaram a invadir o Legislativo quando deputados tentaram aprovar em apenas um dia um pacote de medidas de austeridade que poderia mexer com benefícios dos servidores. Os projetos foram retirados pelo governo para revisão. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/02/tribunal-de-justica-considera-ilegal-greve-dos-professores-do -parana.html>
reprimida pela Polícia Militar. De forma covarde e brutal, a polícia deixou centenas de professores e servidores feridos. (SINDMETAL-SJC, 2015, paginação irregular)
Outro exemplo de criminalização por parte do Estado com servidores públicos da
educação que tem como alvo os movimentos grevistas, se deu com o pedido de prisão do líder
sindical na cidade de Palmas (TO), no ano de 2015 e sua esdrúxula justificativa pelo poder
judiciário local, de acordo com a Redação do Portal CT de Tocantins (2015, paginação irregular):
A Prefeitura de Palmas pediu a prisão do representante legal do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintet) por descumprir a decisão judicial que determinou a suspensão do movimento paredista e por "incitar a paralisação danosa à coletividade". O Paço ainda solicita a aplicação de multa diária e pessoal de R$ 100 mil.
As determinações dos movimentos paredistas se assemelham em torno do corte de
direitos, desvalorização profissional, péssimas condições de trabalho e descumprimento de leis e
acordos por parte dos gestores. A resposta dos governantes também tem sido parecida:
repressão, perseguições e tentativa de criminalização. Torna-se comum a prática de
espancamento, multas, corte de pontos, remoções compulsórias, processos administrativos e
judiciais. Soma-se a falta de democracia, diálogo e transparência dos governantes a omissão e
ineficiência institucional no Estado brasileiro. O corte de salário de trabalhadores, impedimentos
ao procurar entrar em espaços públicos, tornam cada vez mais arbitrárias as injustiças,
agressões e perseguições cometidas contra os trabalhadores da educação.
Sindicatos que corroboram com as intenções dos governistas recebem apoio e proteção
destes, ao mesmo tempo que se distanciam dos interesses dos seus representados e muitas
vezes são suplantados por deliberações no interior da categoria que contradizem os interesses
das direções, isso tem se repetido à medida que se observam as greves que vem ocorrendo em
grande número desde 2012. O Ministério Público, não tem se caracterizado pela defesa dos
interesses da população a quem deveria estar voltado a sua função, mas coaduna com um
Estado e um judiciário que em geral se vincula aos interesses dos opressores.
A ingerência de governantes, contudo, traz grandes prejuízos para a classe trabalhadora,
diante da judicialização das suas lutas para além dos processos de destruição dos direitos
trabalhistas. São multas que ultrapassam um milhão de reais. Agressões físicas, spray de
pimenta, choques, bombas de gás lacrimogêneo, intimações para comparecer à justiça sob a
acusação de desacato, processos administrativos infundados e com clara conotação política,
entre outros. Algumas questões se interpõem diante dos ataques impetrados pelo Estado aos
trabalhadores da educação: é crime protestar? Onde está a liberdade de organização, se isso
tem que ser combatido de forma jurídica e violenta? Em que medida se constitui a democracia
brasileira à medida que o uso de mecanismos de mobilização é reprimido e judicializado?
As respostas mais amplas em nível do Governo Federal que também atinge o processo
de luta no âmbito do serviço público encontram eco na legislação que apontam para a
desestruturação dos direitos à liberdade de expressão e organização. Uma dessas respostas se
expressa no caso emblemático da Lei n. 13.260, de 16 de março de 2016 que regulamenta o
disposto no inciso XLIII, do art. 5o, da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando
de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização
terrorista.
A referida lei possui condicionantes problemáticos como o que gravita em torno da
tipificação do que seja crime de terrorismo. Sinalizamos que um dos maiores problemas da
tipificação se associe ao fato de que sob esse pretexto, as garantias e direitos individuais dos
suspeitos podem ser reduzidos. É fácil identificar quem serão os inimigos da vez: as lutas
reivindicatórias, de qualquer natureza. Isso porque causar terror é uma conduta definida, em
geral, como gerar pânico ou medo na população. São conceitos absolutamente subjetivos que
variam conforme o lugar, o contexto e as pessoas envolvidas.
Essa lei vem, portanto, endossar a tutela penal frente aos direitos e garantias
conquistados pelas diversas lutas dos trabalhadores, diante de toda intensificação da
criminalização de grupos e lutas reivindicatórios, sobretudo pelas instituições e agentes do
sistema de justiça e segurança pública. Assim vem se agravando a lógica que atinge inúmeros
lutadores sociais que foram e estão sendo, através de suas lutas cotidianas, injustamente
enquadrados em tipos penais como desobediência, quadrilha, esbulho, dano, desacato, dentre
outros, em total desacordo com o princípio democrático proposto pela Constituição de 1988.
Diante da sanção da lei que tipifica o crime de terrorismo se incrementa ainda mais o já
tão aclamado Estado Penal segregacionista que funciona, na prática, como mecanismo de
contenção das lutas sociais democráticas e ofensiva diante da organização e luta da classe
trabalhadora brasileira.
Outra proposta que vem no sentido de reprimir e inviabilizar as lutas sociais está no
Projeto de Lei (PL), n. 710/11 que disciplina o direito de greve no serviço público, previsto no
inciso VII do art. 37 da Constituição Federal, de autoria do senador Aluisio Ferreira Nunes
(PSDB-SP).
Caso seja aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela presidência da
República, as greves no serviço público brasileiro sofrerão um duríssimo golpe, tal qual o
aplicado por Judith a Holofernes, representado em dos quadros do pintor Caravaggio. O texto do
projeto revela um cenário dramático para a constituição de movimento paredista no serviço
público e uma decapitação de sua legalidade.
Os pressupostos aqui levantados pela reflexão crítica estão contidos de forma incisiva e
contundente, portanto emblemática, no "Capítulo II" do referido projeto de lei e nos Art. 10, 11,
12, 13, 18, 19, 25 e 32 que em conjunto, representam a exigência de um aparato burocrático
para a deflagração da greve e o controle do trabalho pelo Estado e as muitas situações que
poderão ser adotadas para o julgamento por parte do judiciário da ilegalidade da greve. Por fim
os aspectos que atuaram como "armas" de desmobilização da categoria, como as punições que
compreendem desde o corte de salário à não inclusão no tempo de serviço para aposentadoria
dos dias em que os servidores permanecerem em greve. Nesse cenário, a greve no serviço
público brasileiro poderá assumir duas variáveis: 1) ser constituída à revelia da lei para ser
massiva forte e abranger toda a categoria, portanto ilegal; ou 2) ser legal e sem nenhum impacto
na sociedade, tornando-se inócua para forçar negociações sobre as reivindicações de maior
complexidade com o poder público. Necessário se faz compreender, no entanto, que:
A greve no serviço público [...] não é apenas um ato político de interesse dos trabalhadores como se possa acreditar. Trata-se de uma ação de interesse de toda a sociedade, mesmo quando seu objetivo imediato seja a reivindicação salarial. Afinal, a prestação adequada e de qualidade de serviços à população, que é um dever do Estado, notadamente quando se trata de direitos sociais, depende da competência e da dedicação dos trabalhadores. Sem um efetivo envolvimento dos trabalhadores o Estado não tem como cumprir as suas obrigações constitucionalmente fixadas. (SOUTO MAIOR, 2014, paginação irregular).
Verifica-se, ademais, que os setores patronais, inclusive da esfera pública tem buscado
judicializar as greves, sob a lógica da criminalização das lutas sociais, fazendo com que o direito
de greve se torne, na verdade um antidireito de greve.
Fica claro que quando se cuida de verba alimentar o vencimento do servidor e, portanto,
do direito legítimo de greve não pode deixar de ser titularizado também pelos servidores
públicos, não sendo possível considerar “a legitimidade do corte dos vencimentos sem que se
fale em retaliação, punição, represália ou modo direto de reduzir a um nada o legítimo direito de
greve consagrado na Constituição da República”. (MANDL, 2015, paginação irregular).
4 CONCLUSÃO
O processo de criminalização avança no Brasil com ares de potência institucional,
associado à sofisticação da violência. Já não mais se fundamenta ou se centraliza na atuação da
polícia, instituição que está na ponta do organograma do sistema de justiça. Pelo que se observa
na atualidade, a nova forma deste processo de criminalização potencializou sua atuação a partir
da própria centralidade do sistema de justiça.
É uma maneira encontrada para se deslegitimar as lutas sociais e lutadores/as enquanto
sujeitos coletivos, e, principalmente, enquanto sujeitos de direito. A via campesina, em sua
cartilha denominada “A ofensiva da direita para criminalização dos movimentos sociais”
sistematiza em sua introdução o que viriam a ser os principais objetivos da criminalização, assim
resumidos: impedir que a classe trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas; restringir,
diminuir ou dificultar o acesso as políticas públicas; isolar e desmoralizar as lutas sociais diante
da sociedade; e, ainda, criar as condições legais para a repressão física aos/as lutadores/as
sociais. (VIA CAMPESINA BRASIL, 2010)
A criminalização associada a repressão se configura portanto como uma das principais
estratégias adotadas pelos "donos do poder" para garantir a manutenção da ordem vigente.
Trata-se de uma das mais efetivas formas de desestruturação das lutas sociais. Por esta razão,
apresenta-se em exponencial crescimento conjuntamente ao modelo econômico gerador de
desigualdade amparada pelo poder do Estado.
Com as greves ocorridas no período analisado, mesmo diante das dificuldades
institucionais e da frágil democracia brasileira, os trabalhadores da educação têm resistido de
forma corajosa e aguerrida. Esta resistência tem garantido um mínimo de dignidade e respeito
diante dos mandatários do poder e feito frente à lógica do capital que tem buscado, transformar
profissionais em objetos a serviço do poder de Estado. Todavia, governantes continuam a
desfrutar de uma impunidade extraordinária para realizar suas arbitrariedades, enquanto os
trabalhadores estão sofrendo agressão, assédio moral, processos, multas e remoções.
Diante desse conjunto de elementos, ainda pouco explorados, cabe aprofundamento
dessa realidade criminalizante e repressiva à luta da classe trabalhadora. Esse artigo, contudo,
aponta apenas indicadores que devem trazer inquietações para uma densa investigação teórica
que possa fornecer as bases da resistência diante das facetas da criminalização e da repressão
que ameaçam a organização e o fortalecimento das lutas sociais no enfrentamento das
desigualdades e opressões.
REFERÊNCIAS
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 2. ed. São Paulo. Expressão Popular, 2010. ESCRIVÃO, Antonio Sergio; FRIGO FILHO, Darci. A luta por direitos e a criminalização dos movimentos sociais: a qual Estado de Direito serve o sistema de justiça? São Paulo: Terra de Direitos, 2010. LENIN, Vladimir Ilitch Ulianov. O Estado e a revolução. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. MARX, Karl. Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel. Introdução. São Paulo, Expressão Popular, 2010.
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