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Creditos Adicionais Mesquita

Oct 14, 2015

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Elaine Kirkland
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  • Biblioteca Digital da Cmara dos Deputados

    Centro de Documentao e Informao

    Coordenao de Biblioteca

    http://bd.camara.gov.br

    "Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.

  • CMARA DOS DEPUTADOS

    CENTRO DE FORMAO, TREINAMENTO E APERFEIOAMENTO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    Flvio Gomes de Mesquita

    CRDITOS ADICIONAIS EXTRAORDINRIOS

    ABERTOS POR MEDIDA PROVISRIA:

    UMA ANLISE EXPLORATRIA

    Braslia

    2007

  • Flvio Gomes de Mesquita

    CRDITOS ADICIONAIS EXTRAORDINRIOS

    ABERTOS POR MEDIDA PROVISRIA:

    UMA ANLISE EXPLORATRIA

    Monografia apresentada para aprovao no Curso de

    Especializao em Oramento Pblico

    Orientador: Jos Levi Mello do Amaral Jnior

    Braslia

    2007

  • Autorizao

    Autorizo a divulgao do texto completo no stio da Cmara dos Deputados e a reproduo total ou parcial, exclusivamente, para fins acadmicos e cientficos.

    Assinatura:_________________________________

    Data ____/____/_______

    Mesquita, Flvio Gomes de. Crditos adicionais extraordinrios abertos por medida provisria [manuscrito] : uma anlise exploratria / Flvio Gomes de Mesquita. -- 2007. 80 f.

    Orientador: Jos Levi Mello do Amaral Jnior Impresso por computador. Monografia (especializao) Centro de Formao, Treinamento e Aperfeioamento, da Cmara dos Deputados, Curso de especializao em Oramento Pblico.

    1. Crdito adicional, Brasil. 2. Oramento pblico, Brasil. I. Ttulo.

    CDU 336.121.65(81)

  • CRDITOS ADICIONAIS EXTRAORDINRIOS ABERTOS POR MEDIDA

    PROVISRIA: UMA ANLISE EXPLORATRIA

    Monografia Curso de Especializao em Oramento

    Pblico 1 Semestre de 2007.

    Aluno: Flvio Gomes de Mesquita

    Banca Examinadora:

    ____________________________________________

    Orientador: Jos Levi Mello do Amaral Jnior

    ____________________________________________

    Professor Convidado: Edilberto Carlos Pontes Lima

    Braslia, 13 de junho de 2007.

  • minha querida esposa, Valria, e aos meus maravilhosos filhos,

    Priscyla e Arthur, pelo apoio incondicional.

  • De tudo ficam trs coisas:A certeza de que estamos sempre comeando...A certeza de que precisamos continuar...A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...Portanto, devemos:Fazer da interrupo um caminho novo...Da queda, um passo de dana...Do medo, uma escada...Do sonho, uma ponte...Da procura, um encontro...

    Fernando Pessoa

  • RESUMO

    Constitui este trabalho esforo no sentido de analisar a figura do crdito adicional extraordinrio veiculado por medida provisria. A abordagem tem como foco principal constatar se o Poder Executivo, quando edita medida provisria objetivando crdito extraordinrio, vem observando os pressupostos necessrios, como prescreve a Constituio Federal. Para tanto, efetua-se uma anlise detida desses requisitos constitucionais e da natureza jurdica de ambos os institutos, com ateno a alguns dos princpios constitucionais atinentes ao assunto, notadamente em relao ao da legalidade, sem perder de vista as situaes que reclamam a utilizao de crdito extraordinrio. Tambm se apresenta uma rpida viso histrica da origem institucional do parlamento, a fim de se desvendar as razes para a sua criao. Avaliam-se ainda as conseqncias do controle poltico e do controle jurisdicional exercidos sobre essa prtica do Presidente da Repblica de expedir medidas provisrias para abertura de crdito extraordinrio. Para alicerar a pesquisa buscou-se socorro na exegese da Carta Constitucional vigente, bem como na doutrina e na jurisprudncia especficas.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ADCT Ato das Disposies Constitucionais Transitrias

    ADI Ao Direta de Inconstitucionalidade

    ADI-MC Medida Cautelar em Ao Direta de Inconstitucionalide

    ADPF Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental

    CF Constituio Federal

    CIDE Contribuio de Interveno no Domnio Econmico

    CMO Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e Fiscalizao

    CN Congresso Nacional

    CPC Cdigo de Processo Civil

    CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira

    DJ Dirio de Justia

    EC Emenda Constitucional

    LDO Lei de Diretrizes Oramentrias

    LOA Lei Oramentria Anual

    MP Medida Provisria

    PLV Projeto de Lei de Converso

    RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

    STF Supremo Tribunal Federal

  • SUMRIO

    INTRODUO....................................................................................................................... 10

    1 MEDIDA PROVISRIA ....................................................................................................... 12

    1.1 Origem da legiferao de urgncia ..................................................................................... 12

    1.2 Pressupostos constitucionais ............................................................................................... 15

    1.3 Medida provisria em matria oramentria ...................................................................... 19

    1.3.1 Histria do parlamento ..................................................................................................... 19

    1.3.2 Controle poltico .............................................................................................................. 22

    1.3.3 Princpios constitucionais ................................................................................................ 36

    2 CRDITO ADICIONAL EXTRAORDINRIO .................................................................. 44

    2.1 Pressupostos constitucionais ............................................................................................... 45

    2.2 Despesas que justificam o crdito extraordinrio ............................................................... 47

    2.2.1 Guerra, comoo interna e calamidade pblica ............................................................... 47

    2.2.2 Estado de defesa e estado de stio .................................................................................... 48

    3 CONTROLE JURISDICIONAL ........................................................................................... 52

    3.1 A constitucionalidade das medidas provisrias que abrem crditos extraordinrios ......... 52

    CONCLUSO......................................................................................................................... 72

    REFERNCIAS.......................................................................................................................76

  • INTRODUO

    A presente monografia tem por objetivo examinar o instituto do crdito

    adicional extraordinrio provido por medida provisria editada pelo Presidente da Repblica.

    O assunto ganha relevo na medida em que se percebe que o Congresso

    Nacional no tem tempo hbil para apreciar a medida provisria a ponto de evitar o uso

    antecipado por parte do Poder Executivo dos recursos do crdito extraordinrio, dada a

    eficcia imediata da MP.

    De fato, temos visto nas duas ltimas dcadas um excesso na utilizao da

    competncia de editar medidas provisrias pelo Executivo, apropriando-se de forma

    preponderante da funo legislativa, no se restringindo quelas que tratam de crdito

    extraordinrio, mas tambm em relao a diversos outros temas.

    Quanto ao crdito extraordinrio, uma das espcies de crdito adicional,

    constitui ajuste lei oramentria aprovada, que visa atender situaes importantes e urgentes

    que no foram contempladas no oramento, por absoluta imprevisibilidade.

    Dessa forma, em relao medida provisria procurou-se analisar a origem

    da legiferao de urgncia, trazendo algumas caractersticas das experincias espanhola e

    italiana, com o intuito de identificar em que modelo os constituintes se inspiraram para incluir

    na Constituio brasileira de 1988 a previso dessa espcie normativa.

    No sentido de obter o maior nmero de elementos para melhor caracterizar

    o instituto da medida provisria tambm foram examinados os pressupostos constitucionais

    da relevncia e da urgncia, partindo de uma interpretao semntica, bem como a prpria

    natureza jurdica do ato emanado pelo Presidente da Repblica, tanto quanto sua forma

    quanto ao seu contedo.

    Foi tambm investigada a origem do parlamento em busca do

    estabelecimento de algum liame com a matria oramentria. Percebeu-se que o parlamento

    surgiu da necessidade do rei em obter o consentimento do povo para aumentar e arrecadar

    impostos e para definir os gastos da coroa. A partir da, o parlamento ganhou fora e passou a

    restringir o poder do rei, assumindo a funo de controle poltico.

    10

  • Dentro do contexto de controle poltico exercido pelo Congresso Nacional,

    procurou-se demonstrar os desdobramentos advindos da apreciao de medida provisria que

    abre crdito extraordinrio, com especial ateno para as relaes jurdicas que surgem a

    partir da edio da MP, dada a sua eficcia imediata.

    Seguindo a lgica utilizada para o estudo da medida provisria, em relao

    figura do crdito extraordinrio, resolveu-se investigar tambm os seus pressupostos

    constitucionais, o que permitiu constatar a coincidncia quanto exigncia do requisito da

    urgncia, tanto para o uso de medida provisria quanto para a abertura de crdito

    extraordinrio.

    Passou-se ento a se analisar as hipteses constitucionais que autorizam o

    uso de crdito extraordinrio, inclusive procurando desvendar o animus, a mens legis que

    moveu o constituinte a especificar tais situaes no dispositivo constitucional. Teria sido uma

    tentativa de estabelecer um balizamento para que o Presidente da Repblica pudesse se

    orientar no momento de expedir medida provisria objetivando crdito extraordinrio?

    Efetuou-se tambm uma rpida investigao quanto s medidas do estado de defesa e do

    estado de stio, para constatar a possibilidade ou no do emprego de crdito extraordinrio em

    tais circunstncias.

    Por fim, resolveu-se trazer a lume a postura do Poder Judicirio, restrita

    tica do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle de constitucionalidade, quando da

    apreciao de aes diretas de inconstitucionalidade, com relevo para aquelas que questionam

    o atendimento dos pressupostos constitucionais exigidos para a edio de medida provisria

    que abre crdito extraordinrio.

    11

  • 1 MEDIDA PROVISRIA

    1.1 Origem da legiferao de urgncia

    O regime absolutista baseava-se na soberania do rei com poderes ilimitados;

    no no-reconhecimento de direitos fundamentais dos indivduos, que pudessem ser opostos,

    em juzo, vontade do monarca; na desigualdade entre os indivduos e no intervencionismo

    econmico.

    Como reaes a esse absolutismo desptico advieram as revolues liberais:

    a Revoluo Inglesa de 1689, da qual originou-se o Bill of Rights; a Declarao de

    Independncia das treze colnias americanas em 1776; e a Revoluo Francesa, cujos

    postulados ganharam foros de universalidade atravs da Declarao dos Direitos do Homem e

    do Cidado de 1789.1

    A teoria da tripartio dos poderes, pregada por Montesquieu, surgiu em

    contraposio a esse modelo de Estado absolutista, no qual todo o poder estatal encontrava-se

    concentrado nas mos de um s rgo ou poder, o soberano, no havendo controle algum dos

    atos praticados por este, mesmo porque, no havia outro poder que, dispondo das mesmas

    prerrogativas, tivesse fora suficiente para se contrapor s ilegalidades cometidas pelo poder

    centralizado nas mos do soberano.

    O princpio da separao dos poderes apregoado por Montesquieu fundava-

    se na realidade histrica da sociedade poltica: a experincia eterna mostra que todo homem

    que tem poder tentado a abusar dele; vai at onde encontra limites. Mas havia a

    necessidade de conter o poder soberano. Como faz-lo? Montesquieu continuou a ensinar:

    Quem o diria! A prpria virtude tem necessidade de limites. Para que no se possa abusar

    do poder preciso que, pela disposio das coisas, o poder freie o poder. Uma constituio

    1 NOBRE JNIOR, Edlson Pereira. Medidas provisrias: controles legislativo e jurisdicional. Porto Alegre: Sntese, 2000, p.27.

    12

  • pode ser de tal modo que ningum ser constrangido a fazer coisas que a lei no obriga e a

    no fazer as que a lei permite.2

    Assim, a teoria da tripartio dos poderes aparece como resposta ao poder

    centralizado, propondo o sistema de freios e contrapesos, segundo o qual, cada funo tpica

    do Estado (legislativa, executiva e judicial) seria desempenhada por cada um dos trs poderes,

    que se controlariam mutuamente, de maneira equilibrada.

    Note-se, ainda, que a lei nasce no Estado Liberal para assegurar a liberdade

    dos indivduos frente ao poder do soberano, bem como para regular as prprias relaes entre

    os cidados. A lei deveria ser natural, decorrente da natureza das coisas, nascida da prpria

    sociedade.

    Definitivamente, com o Estado Liberal, o parlamento assume a funo

    legislativa, como prelecionava Montesquieu: j que, num Estado livre, todo homem que

    supe ter uma alma livre deve governar a si prprio, necessrio que o povo, no seu

    conjunto, possua o poder legislativo. Mas com isso impossvel nos grandes Estados, e sendo

    sujeito a muitos inconvenientes nos pequenos, preciso que o povo, por intermdio de seus

    representantes, faa tudo o que no pode fazer por si mesmo.3

    Observe-se que cabe ao legislador compreender as necessidades dos

    indivduos e formular as leis naturais que devero ser observadas por toda a sociedade, a fim

    de garantir a sua prpria preservao, por meio de uma harmoniosa convivncia entre seus

    membros.

    As revolues liberais deram origem a um capitalismo selvagem que

    estabeleceu um grande paradoxo entre a elite patronal e o proletariado, o que provocou um

    movimento social de resistncia, liderado, de um lado, pela igreja, e por outro, pelos

    socialistas, comunistas e anarquistas.

    NOBRE JNIOR traduz muito bem o sentimento da poca:4

    As necessidades sociais, evidenciadas, em princpio, pela Revoluo Industrial e, posteriormente, pelos movimentos socialistas que se sucedem, ao longo do tempo, demonstram, com clareza, que no basta ao ser humano o atributo da Liberdade, mas h um imperativo maior, que a prpria condio de usufruir dessa liberdade, ou seja, a condio scio-econmica capaz de admiti-la como pessoa humana.

    2 Ibidem, p. 29.3 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. O Poder Legislativo na democracia contempornea: a funo de

    controle poltico dos Parlamentos na democracia contempornea. Braslia: Revista de Informao Legislativa, a. 42 n. 168 out/dez, 2005, p. 3.

    4 NOBRE JNIOR, Edlson Pereira, op. cit. p. 32.

    13

  • A reao ao modelo liberal ganhou relevncia com o Manifesto

    Comunista de Marx e Engels, em 1848; a Comuna de Paris, em 1871; e a Encclica

    Rerum Novarum, de 1891, do Papa Leo XIII, que criticavam o Estado por no se preocupar

    em garantir aos operrios uma existncia digna.

    Surge a partir da, uma ateno do Estado para direitos at ento ignorados:

    ordem econmica, sade, educao, previdncia social, religio, etc. Tais direitos foram

    incorporados na Constituio de Weimar, de 1919, assinalando o aspecto intervencionista

    do Estado na ordem econmica e social.

    Com o surgimento do Estado Social, ou Estado-Providncia, ou ainda

    Welfare State, novas atribuies foram incorporadas ao rol de responsabilidades do Estado. O

    Estado, que no modelo liberal atuava como simples mediador das relaes econmicas e

    sociais, passou a ser chamado a resolver conflitos, tendo que passar de mediador a agente.

    Com o novo papel assumido pelo Estado na sociedade, o paradigma do

    Estado Liberal passou a no corresponder com a presteza necessria a estas novas atribuies

    estatais. Diante dessa nova realidade surgiu a necessidade de encontrar meios que

    viabilizassem a consecuo dos novos fins a que se propunha o Estado Social.

    Assim, os parlamentos se mostraram incapazes de atender, em matria de

    legislao, s necessidades do Welfare State, em razo de diversos fatores: a tecnicidade das

    questes, mormente econmico-financeiras, que tem de enfrentar o Estado-Providncia; a

    premncia do tempo em relao ao volume de regras a ser aprovado; a inconvenincia do

    debate pblico relativamente a certas matrias (como defesa, cmbio, etc.); a necessidade de

    uma adaptao flexvel a circunstncias locais ou transitrias; a freqncia de medidas de

    urgncia, etc. Esses e outros fatores conduziram os parlamentos a um dilema: ou causar a

    paralisia do governo ou delegar poderes que no conseguiam desempenhar, como acentua

    FERREIRA FILHO.5

    interessante, neste ponto, trazer algumas especificidades dos modelos de

    legislao de urgncia espanhol e italiano, os quais serviram de inspirao ao Constituinte de

    1988.

    Na Espanha, o art. 86 da Constituio indica, pressupor a expedio dos

    decretos-lei, a existncia de uma extraordinria e urgente necessidade. Averbe-se que o

    termo necessidade, nas condies utilizadas, evoca algo inevitvel, fatal, fazendo reportar-se

    5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional. 31. ed. rev., ampl. e atualizada. So Paulo: Saraiva, 2005, p. 157.

    14

  • existncia de uma situao na qual a inrcia governamental capaz de provocar prejuzos em

    detrimento do interesse pblico (grifo nosso).6

    No quadro hispnico, bem de ver que a expresso necessidade no fora

    utilizada isoladamente, mas com adjetivao. Exige-se, de logo, uma necessidade

    extraordinria, de relevo para a sociedade, segundo determinada viso poltica. Quanto ao

    qualificativo urgente, tem-se, em tom unssono, a sua vinculao nas hipteses em que o

    desenrolar do procedimento legislativo, inclusive o abreviado, no permite tempestivamente a

    aprovao da finalidade proposta pelo Governo. Em suma, vem a significar que a atuao

    parlamentar no pode tomar em tempo as medidas indispensveis satisfao de uma

    impostergvel necessidade social.

    Na Itlia, a formatao dos decreti-legge pende da ocorrncia de casos

    extraordinrios de necessidade e urgncia (casi straordinari di necessita e urgenza), com

    requisitos similares ao modelo hispnico.7

    Foi dentro deste contexto que surgiram as leis delegadas e a legiferao de

    emergncia, inspirada no modelo italiano, com o instituto do decreto-lei, que no Brasil, a

    partir da Constituio de 1988, foi sucedido pela medida provisria.

    1.2 Pressupostos constitucionais

    Nos termos do art. 62 da Constituio Federal, o Presidente da Repblica

    somente poder editar medidas provisrias quando presentes os requisitos da relevncia e da

    urgncia.

    A fluidez e a impreciso dos conceitos de tais pressupostos fizeram com que

    fossem enquadrados como conceitos jurdicos indeterminados, em razo do juzo de valor que

    cada intrprete empresta ao contedo e extenso de cada pressuposto. O que relevante e

    urgente para algum, talvez no o seja para outrem. Certo que, houve uma razo para que o

    legislador originrio condicionasse a edio de medidas provisrias existncia de tais

    circunstncias. Entender o contrrio seria admitir primeiramente, a desnecessidade ou a

    inutilidade no texto constitucional, e por via de conseqncia, que o Presidente da Repblica, 6 NOBRE JNIOR, Edlson Pereira, op. cit. p. 121.7 Ibidem, p. 123.

    15

  • de acordo com a sua convenincia, de maneira livre e irrestrita, pudesse definir o que

    relevante e o que urgente, para produzir normas com fora de lei, o que em ltima anlise

    seria um grande absurdo.

    No sentido de colaborar com a interpretao dos signos, SANTOS trouxe

    alguns significados segundo alguns dicionaristas:8

    Relevante/Relevncia: que releva, saliente, importante. Aquilo que importa; aquilo que preciso, relevans.De relevar, do latim relevante (reerguer), entende-se o que aprecivel, tem fundamento, legtimo, razovel, em virtude do que se mostra admissvel, evidente, insupervel.Assim, matria relevante, seja de fato ou de direito, a que se apresenta em toda exuberncia, em toda evidncia, para ser acatada ou apreciada como justificativa do pedido, da pretenso, ou da proteo ao direito.Urgncia: Do latim urgentia, de urgere (urgir, estar iminente), exprime a qualidade do que urgente, isto , premente, imperioso, de necessidade imediata, no deve ser protelado, sob pena de provocar, ou ocasionar um dano, ou um prejuzo.Assim, a urgncia assinala o estado das coisas que se devam fazer imediatamente, por imperiosa necessidade, e para que se evitem males, ou perdas, conseqentes de maiores delongas ou protelaes.Juridicamente, a justificativa da urgncia provm, invariavelmente, no somente da necessidade da feitura das coisas, como do receio, ou do temor, de que qualquer demora, ou tardana, possa trazer prejuzos.

    Segundo NIEBUHR, os conceitos de relevncia e urgncia remetem o

    intrprete diretamente a situaes fticas determinadas. No h relevncia e urgncia em

    abstrato, sem o correspondente suporte ftico. Tais conceitos s so aferveis mediante o

    perigo ou a ocorrncia de algo que precisa ser palpvel.9

    So os fatos que iro indicar se a medida provisria relevante e urgente. Se

    no existem, pode-se afirmar que a medida est eivada de vcio e que o seu uso foi indevido.

    O pressuposto da relevncia que autoriza o uso de medida provisria no

    deve ser encarado como a relevncia prpria do processo legislativo comum. Ao contrrio,

    deve ser entendida como uma relevncia excepcional, que justifique o uso do expediente

    normativo.

    Se as medidas provisrias s so admissveis para atender a interesses

    relevantes, resulta imediatamente claro que no qualquer espcie de interesse que lhes pode

    servir de justificativa, pois todo e qualquer interesse pblico , ipso facto, relevante. Donde

    e como nem a lei, nem a Constituio tm palavras inteis h de ser entender que a meno

    8 Cndido de Figueiredo, 1940 e Plcido e Silva, 1967, v.4 apud SANTOS, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo. A medida provisria na Constituio: doutrina, decises judiciais. So Paulo: Atlas, 1991, p. 24.

    9 NIEBUHR, Joel de Menezes. O novo regime constitucional da medida provisria. So Paulo: Dialtica, 2001, p. 92.

    16

  • do art. 62 relevncia implicou atribuir uma especial qualificao natureza do interesse

    cuja ocorrncia enseja a utilizao de medida provisria.10

    CLVE acentua que possui relevncia aquilo que importante,

    proeminente, essencial, exigvel ou fundamental. Quanto s medidas provisrias, a relevncia

    demandante de sua adoo no comporta satisfao de interesses outros que no os da

    sociedade. A relevncia h, portanto, de vincular-se unicamente realizao do interesse

    pblico. De outro ngulo, a relevncia autorizadora da deflagrao da competncia normativa

    do Presidente da Repblica no se confunde com a ordinria, desafiadora do processo

    legislativo comum.11

    Nos dizeres de BARIONI: infere-se, destarte, que se todo interesse pblico

    relevante e, da mesma forma, no se concebe que a lei venha a balizar matrias irrelevantes,

    a relevncia a que se refere o art. 62 da Constituio Federal excepcional, incomum,

    proveniente de situaes anmalas, alm dos parmetros ordinrios, que justifiquem a edio

    de medida provisria.12

    O pressuposto da relevncia deve ser entendido como sendo algo to

    importante que justifique o abandono ao princpio da separao dos poderes, transferindo-se a

    competncia legislativa para o Chefe do Executivo. No pode ser um interesse qualquer, pois

    a regra geral de que compete ao Legislativo produzir normas. Conclui que o art. 62 da

    Constituio Federal exige uma relevncia qualificada pela necessidade de uma normatizao

    que no pode sujeitar-se ao rito comum de produo normativa, pois, caso contrrio, esvaziar-

    se-ia o contedo do referido pressuposto.13

    O pressuposto da urgncia exprime a qualidade de algo que urge, premente,

    que precisa ser feito com rapidez, portanto, de necessidade imediata, no podendo ser adiado,

    sob pena de provocar um prejuzo, at mesmo, irreparvel.

    Com relao urgncia, GRECO afirma ser possvel extrair da CF um

    critrio indicador de parmetro neste sentido. De fato, no existe urgncia se a eficcia da

    disposio veiculada pela medida provisria s puder se materializar aps um lapso temporal

    suficientemente amplo que permitiria a tramitao normal do processo legislativo, em alguma

    das formas disciplinadas pela Constituio.14

    10 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 16 ed. revista e atualizada. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 120.

    11 CLEV, Clmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 2 ed. revista, atualizada e ampliada. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 173.

    12 BARIONI, Danilo Mansano. Medidas provisrias. So Paulo: Pillares, 2004, p. 70.13 CHIESA, Cllio. Medidas provisrias: regime jurdico-constitucional. 2 ed. revista, ampliada e atualizada.

    Curitiba: Juru, 2002, p. 46.14 GRECO, Marco Aurlio. Medidas provisrias. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 24.

    17

  • E segue com um exemplo: no me parece haver urgncia em que, em maio,

    se introduza modificao na legislao tributria cuja eficcia s ocorrer em 1 de janeiro do

    ano subseqente (por fora do princpio da anterioridade).

    Se a situao ftica colocada permite aguardar os prazos dos outros

    procedimentos legislativos especiais previstos na Constituio Federal, quais sejam, projeto

    de lei de iniciativa do Presidente da Repblica com solicitao de urgncia e lei delegada, no

    h a urgncia que exige o uso de medida provisria.

    Para BARIONI a urgncia poder-se-ia definir como sendo a impossibilidade

    de se esperar o curso normal do tempo, sob pena de perecimento do interesse almejado

    (periculum in mora). Com efeito, s haver urgncia capaz de justificar a utilizao de

    instrumento normativo primrio capaz de produzir efeitos independentemente de prvia

    apreciao parlamentar, como ocorre com as medidas provisrias, quando mesmo os projetos

    de lei com pedido de urgncia ou a delegao legislativa no puderem dar resposta tempestiva

    situao ftica que se apresenta.15

    Relativamente ao conceito de urgncia, tm-se trs elementos: (1) uma

    situao que demanda atuao indispensvel e imediatamente necessria do Poder Executivo;

    (2) a atuao do Poder Executivo no se compatibiliza com os instrumentos que abreviam o

    processo legislativo; (3) admitidas a urgncia e a relevncia, o contedo do ato no pode

    contrariar princpios constitucionais que resguardam, em situaes especficas, a segurana

    jurdica e a democracia (existncia de normas constitucionais que regulam situaes

    especficas de urgncia, instituindo o instrumento a ser utilizado), nas palavras de VILA.16

    Pelo que se observa, no obstante a Constituio Federal, no caput do seu

    art. 62, faculte ao Presidente da Repblica o uso da medida provisria, porque utiliza o verbo

    poder, entende-se que uma vez verificada situao que reclame a atuao indispensvel e

    imediatamente necessria do Poder Executivo, presentes, portanto, a relevncia e a urgncia,

    no poder haver discricionariedade em editar ou no a medida provisria, sob pena de ser

    responsabilizado pelos prejuzos causados na demora ou pela no utilizao.

    AMARAL JNIOR salienta que, no Brasil, quanto urgncia, existe uma

    prtica institucional que atrela a medida provisria no tanto a um determinado lapso

    temporal, mas, sim, a um juzo poltico de oportunidade e convenincia. Da o no raro uso da

    expresso urgncia poltica.17

    15 BARIONI, Danilo Mansano, op. cit., p. 71.16 VILA, Humberto Bergman. Medida Provisria na Constituio de 1988. Porto Alegre: Sergio Antonio

    Fabris, 1997, p. 83.17 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do. Medida provisria e a sua converso em lei: a emenda

    constitucional n. 32 e o papel do Congresso Nacional. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 158.

    18

  • No de esquecer, entretanto, que urgente deve ser no apenas a adoo da

    norma editada (vigncia) como, igualmente, a sua incidncia (aplicao). Por isso, tida

    como inadmissvel a adoo de medida provisria para produzir efeitos aps determinado

    lapso temporal (eficcia diferida).18

    1.3 Medida provisria em matria oramentria

    1.3.1 Histria do parlamento19

    A evoluo semntica do termo ingls parliament envolveu ao longo do seu

    percurso uma forte conotao poltica desde o perodo normando, quando a palavra francesa

    parlement (de parler) comeou por significar ao de falar em pblico, evoluindo depois

    para o significado scio-poltico de conferncia e, finalmente, de conselho, onde se

    discutiam assuntos da maior importncia.

    O uso oficial do termo parliament surgiu em 1258, na Inglaterra, no reinado

    de Henrique III, nas Provises de Oxford, onde se anuncia que haver trs parliamenta por

    ano: o primeiro, no oitavrio da festa de So Miguel; o segundo, no dia seguinte ao da festa da

    Candelria e o terceiro, no primeiro de Junho.

    O termo ingls parliament tem atualmente dois significados distintos: a)

    conjunto das duas cmaras legislativas (Pares e Comuns); b) uma legislatura (perodo

    compreendido entre duas eleies gerais).

    As origens institucionais do Parlamento tero de ser procuradas nos antigos

    Conselhos, nos quais os reis medievais se apoiavam para tornarem mais eficaz a sua

    governao e para que a sua autoridade fosse respeitada e temida por todas as classes ou

    estados do reino.

    18 CLEV, Clmerson Merlin, op. cit., p. 177.19 Subseo elaborada basicamente com apoio da obra de CARVALHO, Joo Soares. Antecedentes da Histria

    Parlamentar Britnica. Lisboa: Livros Horizonte, 1989.

    19

  • Isto significa que o Parlamento no nasceu por carta rgia ou por fora de

    qualquer reivindicao revolucionria, mas sim duma necessidade gentica do direito natural,

    que paulatinamente se foi institucionalizando, na prtica dos rgos de apoio ao monarca, os

    quais vo tomando conscincia das funes polticas que ento exerciam. Os trs rgos mais

    significativos que acompanharam a instituio da realeza e lhe serviram de conselho

    permanente ou ocasional, entre os sculos VII e XIII, foram o Witenagemot saxo, o Magnum

    Consilium normando e a Curia Regis angevina.

    O Witenagemot foi considerado o mais significativo dos trs conselhos.

    Designava-se por Witan o conjunto de conselheiros, constitudo por arcebispos, bispos,

    abades principais, condes (ealdormen) e oficiais do rei (ministri regis), e, por Witenagemot, a

    assemblia propriamente dita ou Conselho geral do rei, onde os conselheiros, convidados a

    nvel pessoal, no representavam ainda qualquer regio.

    Os conselheiros legislavam com o monarca, nomeavam condes e investiam

    bispos, faziam concesses de terras Coroa, decretavam impostos, decidiam sobre a guerra e

    a paz e constituam-se em Supremo Tribunal de Justia. Os assuntos religiosos e eclesisticos

    tambm eram debatidos e decididos no Witenagemot, como rgo mximo dos anglo-saxes

    em todas as reas do poder. Por isso, foi considerado um valioso antecedente histrico do

    Parlamento ingls, dada a sua capacidade legislativa, judicial e jurisdicional.

    Magnum Consilium ou Great Council foi a designao dada assemblia

    normanda, por Guilherme, duque da Normandia, aps a conquista da Inglaterra, aproveitando

    a tradio saxnica do Witenagemot, mas com maior subordinao feudal ao soberano.

    O Grande Conselho ocupava-se de assuntos genricos do reino, quando o

    monarca o convocava, sendo as suas funes mais importantes: auxiliar o rei na feitura das

    leis e no julgamento de causas levadas ao Tribunal do Rei. Reunia-se, para esse fim, trs ou

    quatro vezes por ano. Era composto de arcebispos, bispos, nobres e ministri regis (oficiais do

    rei), alm de outros que o monarca decidisse convocar.

    Nos assuntos do dia-a-dia, o rei socorria-se de um Conselho mais restrito,

    denominado, desde o incio da dinastia normanda, Curia Regis, por vezes chamado tambm

    Consilium Regis.

    A Curia Regis representava o Conselho ou Tribunal do Rei. Funcionava

    como um Conselho de Ministros sob a presidncia do soberano, que nele decretava as suas

    ordenaes (ordinances) e decidia todos os problemas do seu Governo. Era composto por

    prelados, nobres e cavaleiros, todos especialistas nas funes que hoje classificaramos de

    20

  • legislativa, executiva e judicial. Grupos bem definidos e especializados foram destacados da

    Curia Regis e formaram os clebres tribunais do Common Law.

    Muitas vezes, arbitrariamente ou por razes de Estado, reis decidiram com a

    Curia Regis assuntos polticos e religiosos que deveriam ter sido levados ao Magnum

    Conselho, o que fez com fosse considerada como ilustre na histria do parlamento.

    A origem estrutural do Parlamento surgiu a partir de uma luta para ter o

    domnio das receitas e despesas da Coroa e para transformar o sistema poltico. O Parlamento

    convocado pelo Rei Eduardo I era formado por dois grupos distintos: o primeiro composto

    por Lordes eclesisticos e laicos, ou seja, o Clero e a nobreza; o segundo, por cavaleiros,

    cidados e burgueses os Comuns.

    Todas as verbas para as despesas da Coroa tinham de ser autorizadas pelo

    Parlamento, assim o rei no podia deixar de convoc-lo.

    Como as contribuies e impostos afetavam mais os Comuns, dependentes

    apenas da vontade do soberano, foram estes que assumiram a tarefa de controlar o sistema

    tributrio. O Poder da Cmara dos Comuns foi aumentando na proporo da necessidade que

    a Coroa tinha de subsdios para face s despesas do Governo e aos custos da defesa do

    territrio. Quando o rei precisava de dinheiro para governar, reunia o Parlamento, para pedir

    subsdios e, ao mesmo tempo, para propor o lanamento de um novo imposto ou de uma taxa

    peridica. Os Comuns aproveitavam a oportunidade para requerer ao soberano uma

    contrapartida em direitos e liberdades, ao mesmo tempo em que iam consolidando uma

    prtica, que hoje um direito, de fiscalizar as finanas do Executivo e de pedir explicaes

    sobre a utilizao das verbas concedidas. Este sistema ir permitir aos Comuns discutir planos

    de governo, intervindo, criticando, fiscalizando e sugerindo medidas que ficavam consignadas

    em diplomas e regulamentos parlamentares, com iniciativa dos Comuns. Assim comeou a

    sua participao no delicado processo legislativo.

    Por outro lado, a aspirao dos nobres, tendente a limitar os poderes

    polticos e as prerrogativas do soberano, levou-os a condescender no convvio parlamentar

    com cavaleiros, cidados e burgueses, os quais se mostravam mais interessados nos assuntos

    econmicos e financeiros do que polticos propriamente ditos. Assim agiram por que: a) a

    grande insistncia dos Comuns pelo domnio da rea financeira iria reforar a causa da luta

    nos nobres pela reduo dos poderes e das prerrogativas do monarca; b) mantendo os Comuns

    em conflito com o rei, afastavam do monarca a possibilidade de t-los como aliados na sua

    oposio s pretenses dos nobres; c) sentiam que, deste modo, os Comuns iriam dar

    continuidade s suas mais importantes reivindicaes, expressas na Magna Carta.

    21

  • De fato, alguns artigos desse importante documento jurdico de 1215 diziam

    respeito s objees contra as arbitrariedades cometidas pelo rei, que acabaram permitindo a

    formao da Cmara dos Comuns. Vejamos alguns desses artigos:

    Art. 12. Qualquer taxa militar ou tributo no nosso reino s podero ser exigidos pelo conselho geral do reino, exceto quando seja para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro o nosso filho mais velho e para casar, uma s vez, a nossa filha mais velha. Para isso, apenas poder ser lanado um tributo razovel. De igual modo se proceder quantos aos tributos da cidade de Londres.

    A taxa militar (scutagium) era cobrada pelo rei aos cavaleiros que no lhe

    prestavam servio militar direto.

    O artigo 14 d as normas para reunio do Conselho em que o rei dever

    propor o tributo:

    Art. 14. Para obtermos o conselho geral do reino no lanamento de qualquer tributo, excepto nos trs casos acima descritos, ou taxas militares, convocaremos por escrito, individualmente, os arcebispos, bispos, abades, condes e bares maiores. Convocaremos tambm, coletivamente, atravs dos nossos xerifes e bailios, todos aqueles que nos tm por suserano, para uma data e um lugar determinados, com pelo menos, quarenta dias de antecedncia.

    BASTOS e MARTINS entendem encontrar-se nas discusses dos

    oramentos a origem dos Parlamentos modernos, sendo ainda hoje, nos pases civilizados, seu

    debate, o grande momento de atuao de tais instituies. Seria uma violncia democracia e

    ao sistema representativo permitir que as leis oramentrias fossem veiculadas por fora de

    deciso de um homem s.20

    1.3.2 Controle poltico

    Como visto anteriormente o parlamento, historicamente, teve por funo

    primordial autorizar a cobrana de tributos, consentir os gastos pblicos, tomar contas dos que

    usam o patrimnio pblico. O consentimento nos impostos advinha do princpio consagrado

    na Magna Carta de 1215, de que sem o consentimento dos contribuintes ou de seus

    20 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentrios Constituio do Brasil. 2 ed., atualizada. So Paulo: Saraiva, 2001 apud AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, op. cit., 2004, p. 216

    22

  • representantes no poderia haver cobrana. A funo legislativa foi conquistada pelo

    parlamento por meio de uma barganha: o consentimento de impostos em troca do poder de

    votar as leis.

    A aprovao de tributos e a votao de leis fizeram com que os parlamentos

    pudessem exercer um controle poltico sobre todos os rgos do governo.

    Como bem assinala VILA, a Constituio Federal Brasileira, ao dispor

    sobre a organizao dos Poderes, inicia pelo Poder Legislativo, que formado por

    representantes do povo (art. 1, pargrafo nico: Todo o poder emana do povo, que o exerce

    por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio). O

    princpio democrtico como aqui se analisa fundamental. V-se que a validade da

    produo normativa condicionada a um procedimento de deciso, por meio do qual o poder

    possa ser exercido pelos cidados. Faz-se necessrio verificar, quanto a esse procedimento, a

    distino entre os poderes Executivo e Legislativo.21

    E continua o ilustre doutrinador: O Poder Legislativo decide por meio de

    debate pblico e de argumentao com capacidade de gerar consenso, via discusso e votao,

    antes da produo de efeitos (CF: art. 44 e 59). A produo de normas est ligada a esse

    procedimento, anterior, de formao do contedo da norma. O essencial ao procedimento ,

    justamente, o consentimento prvio, por meio do debate pblico, realizado pelos

    representantes do povo (CF: art. 1, pargrafo nico).

    No por acaso que o Poder Legislativo vem em primeiro plano quanto

    organizao dos poderes. De fato, o principal deles dentro da teoria da separao dos

    poderes. Essa primazia fcil de ser compreendida, pois a administrao e a jurisdio,

    funes prprias dos Poderes Executivo e Judicirio, respectivamente, pressupem a

    existncia da lei. no Congresso Nacional - CN que produzido, segundo o processo

    definido na Constituio Federal, todo o regramento jurdico que vai condicionar o

    comportamento dos indivduos.

    O Congresso Nacional representa a Casa do Povo, o foro adequado para a

    promoo desse debate, onde os parlamentares convocam os vrios segmentos da sociedade

    civil para reunies e audincias pblicas, facultando-lhes a livre manifestao dos diversos

    pontos de vista, dos mltiplos interesses, tudo em busca de um pacto comum, assegurando

    assim, a observncia dos princpios da democracia, do pluralismo poltico, entre outros. Este

    processo representa a fonte natural da produo normativa do pas.

    21 VILA, Humberto Bergman., op. cit., p. 56.

    23

  • Como j dito anteriormente, as exigncias do Estado Social tm feito com

    que o Poder Legislativo tenha que abnegar do exerccio pleno da funo legislativa em favor

    do Poder Executivo (governo), delegando a este competncia extraordinria para legislar,

    observados os parmetros constitucionais fixados.

    Em razo da competncia legislativa excepcional conferida ao Poder

    Executivo, cabe ao Congresso Nacional, nos termos do inciso X, art. 49 da Constituio

    Federal, fiscalizar e controlar os atos daquele Poder, conforme se pode observar:

    a) Analisar e aprovar as medidas provisrias editadas e encaminhadas pelo

    Executivo (art. 62 da CF);

    b) Apreciar o projeto de lei delegada, se assim determinar a resoluo de

    delegao para o Executivo (art. 68, 3 da CF);

    c) Rejeitar o veto do Presidente da Repblica a projetos de lei aprovados no

    Congresso Nacional (art. 66, 4 e 5).

    Ao Poder Executivo, a Constituio Federal outorga instrumentos que

    podem acelerar o processo legislativo:

    a) Iniciativa privativa de lei (art. 61 1, I, II, incisos a a f);

    b) Solicitao de urgncia para apreciao de projetos de sua iniciativa (art.

    64, 1);

    c) Elaborao de leis delegadas (art. 68).

    Tambm ao Congresso Nacional so conferidos mecanismos que podem dar

    maior agilidade ao processo legislativo, quais sejam:

    a) Aprovao de projetos de lei pelas Comisses, que dispensem a

    apreciao do Plenrio, portanto, com carter terminativo (art.58, 2, I);

    b) Votao de projetos com pedido de urgncia, sob pena de sobrestamento

    da pauta de deliberaes (art. 64, 2).

    Note-se que a funo legislativa ordinria primordialmente assegurada ao

    Congresso Nacional. Ao Poder Executivo atribuda a competncia excepcional para editar

    atos em situaes bem delineadas na Carta Maior.

    Quando o Presidente da Repblica pratica tais atos excepcionais, o faz de

    forma atpica, valendo-se de uma quarta funo do Estado, qual seja, a poltica, que por sua

    vez distingue-se das outras trs funes constitucionais legislativa, administrativa e

    jurisdicional ditas, portanto, tpicas. As questes polticas pertinentes normalidade

    institucional j esto prescritas na Constituio, sem reclamar a interveno de qualquer dos

    poderes constitudos. Nesse sentido, os mecanismos previstos na Constituio para o

    24

  • exerccio da funo poltica visam resguardar e aprumar o modo de estruturao do poder

    vigente, transpassado ordem jurdica, diante de situaes anmalas, cujos efeitos no se

    poderia prever e, por corolrio, tampouco as solues. Na prtica, medidas provisrias,

    declarao de guerra, interveno federal e outros atos polticos devem ser concebidos

    restritivamente, como exceo, jamais como regra. Tais instrumentos entram em cena para

    restabelecer a normalidade, evitando o perecimento da ordem jurdica, devendo ser invocados

    e utilizados com moderao.22

    importante realar que o uso de medida provisria pelo Presidente da

    Repblica representa uma exceo derrogatria do postulado da diviso funcional do poder e

    no tem carter autnomo, pois se subordina vontade emanada do Congresso Nacional.

    Voltando a tratar do controle que exerce o Legislativo sobre atos do

    Executivo, oportuno relevar o processo de apreciao do projeto de lei oramentria e o de

    converso em lei de medida provisria.

    A repetio anual da discusso do oramento um momento importante da

    funo de controle poltico, (...) pois submete vigilncia parlamentar a realidade global do

    programa anual do Governo e oferece ocasio para um debate geral acerca das finalidades da

    ao do Executivo, conforme apontamento de COTA.23

    A converso em lei da medida provisria , tambm, momento em que o

    Congresso Nacional exerce estreito controle poltico sobre a decretao de urgncia adotada

    pelo Presidente da Repblica, que apresenta alguns significados: (1) a lei de converso da

    medida provisria ao transformar o ato legislativo do governo em um do Parlamento

    recupera, ao menor em parte, um dos ideais de Montesquieu, qual seja, a lei no poder ser

    aplicada pela mesma autoridade ou rgo que a fez; (2) integra diferentes grupos

    parlamentares na formao definitiva da vontade legislativa do Estado, o que ganha ainda

    mais importncia em um sistema de governo presidencialista (em que no se presume o apoio

    de uma maioria parlamentar ao governo do dia); (3) demonstra que a Constituio confere a

    potestade de legislar, com primazia, ao Poder Legislativo, porque a esse e lei no so

    opostos os requisitos de relevncia e urgncia (exigidos que so da medida provisria e do

    Presidente da Repblica), bem assim militam contra a medida provisria as cautelas que

    cercam o processo de converso em lei; (4) rejeitada a medida provisria, dado ao

    Congresso Nacional dispor sobre os seus efeitos por meio de decreto legislativo.24

    22 NIEBUHR, Joel de Menezes, op. cit., p. 66. 23 COTA, verbete Parlamento, p. 886 apud AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, 2005, p. 12.24 Idem.

    25

  • Para AMARAL JNIOR, o processo de converso em lei da medida

    provisria o pice do controle do Poder Legislativo sobre o exerccio da potestade

    legislativa confiada pela Constituio ao Poder Executivo por meio da decretao de

    urgncia.25

    A Constituio Federal no autoriza o uso de medida provisria que trate de

    matria oramentria. o que se nota da leitura do art. 62, 1, inciso I, letra d, in verbis:

    Art. 62. Em caso de relevncia e urgncia, o Presidente da Repblica poder adotar medidas provisrias, com fora de lei, devendo submet-las de imediato ao Congresso Nacional. 1 vedada a edio de medidas provisrias sobre matria:I relativa a:(...)d) planos plurianuais, diretrizes oramentrias, oramento e crditos adicionais suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, 3;(...)

    A ressalva que traz a alnea d, constante no art. 167, 3, diz respeito

    figura do crdito extraordinrio, dado o carter de imprevisibilidade e urgncia inerente a esse

    tipo de crdito adicional. Vejamos:

    3 A abertura de crdito extraordinrio somente ser admitida para atender a despesas imprevisveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoo interna ou calamidade pblica, observado o disposto no art. 62.

    Vrios autores demonstram severa restrio ao emprego de medidas

    provisrias para abertura de crditos extraordinrios, como se pode observar:

    SANCHES sugere a edio de Decreto Legislativo, de preferncia a partir

    de projeto de iniciativa da Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e Fiscalizao,

    tratando, dentre outros contedos, de dar apropriada interpretao ao 3 do art. 167 da

    Constituio, restabelecendo a sistemtica tradicional de abertura de crditos extraordinrios

    por decreto, na forma definida pelo art. 44, da Lei n. 4.320, de 17 de maro de 1964.26

    PEREZINO conclui que resulta inequvoco a adoo, entre outras

    providncias concernentes aos crditos extraordinrios: alterar o artigo 167, 3, da

    Constituio Federal, visando eliminar a necessidade de edio de medidas provisrias para a

    abertura de crditos adicionais, perturbando o j tumultuado ordenamento jurdico ptrio.27

    25 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, 2004, p. 130.26 SANCHES, Osvaldo Maldonado. Abertura de Crditos Extraordinrios por Medidas Provisrias: Equvoco

    e Irracionalidade.Braslia: Cadernos Aslegis, v. 5, n. 13, jan-abr/2001, p. 33.27 PEREZINO, Luiz Fernando de Mello. Crdito Extraordinrio: discusso sobre tramitao e forma de

    operacionalizao. Braslia, Revista de Informao Legislativa, Ano 36, n. 142, abr/jun-1999, p. 305.

    26

  • SCHETTINI ao questionar sobre a possibilidade de o Congresso Nacional

    alterar a programao de despesa constante de medida provisria, alinhou-se dentre aqueles

    que defendem a posio de que os crditos extraordinrios devem ser abertos por decreto

    executivo.28

    Consoante leitura do art. 167, 3, da Constituio Federal, o Poder

    Executivo est autorizado a editar medidas provisrias que abram crditos extraordinrios

    para atender necessidades excepcionais de despesas, desde que observados os requisitos da

    imprevisibilidade, da urgncia e da relevncia.

    Para disciplinar a edio de atos normativos do Poder Executivo, entre os

    quais as medidas provisrias, foi publicado o Decreto n. 4.176, de 28 de maro de 2002, que

    estabelece normas e diretrizes para a elaborao, a redao, a alterao, a consolidao e o

    encaminhamento ao Presidente da Repblica de projetos de atos normativos de competncia

    dos rgos do Poder Executivo Federal.

    O artigo 40, inciso I, alnea d, do Decreto autoriza o uso de medida

    provisria para a abertura de crdito extraordinrio, de acordo com o artigo 167, 3, da

    Constituio Federal.

    O Decreto 4.176, de 2002, e seus anexos I e II, definem uma srie de

    questes que precisam ser respondidas, impondo um trabalho de anlise de cada caso,

    exigindo a apresentao de justificativas plausveis que apontem para a necessidade da adoo

    de medida provisria e a caracterizao dos pressupostos de relevncia e de urgncia, em

    busca de maior consistncia e segurana que legitimem a utilizao daquele instrumento

    normativo excepcional.

    Passo a partir de agora, a analisar detidamente o processo de apreciao e

    aprovao de medidas provisrias, a que se refere o art. 62 da Constituio, no mbito do

    Congresso Nacional, notadamente, em relao quelas que abrem crdito adicional

    extraordinrio, no descuidando das diferentes situaes jurdicas advindas da atuao

    parlamentar.

    A apreciao de medidas provisrias foi disciplinada pelo Congresso

    Nacional por meio da Resoluo n. 1, de 2002-CN, e de forma subsidiria, pela Resoluo n.

    1, de 2006-CN.

    O exame e o parecer de medida provisria que verse sobre crdito

    extraordinrio sero elaborados pela Comisso Mista de Planos, Oramentos Pblicos e 28 SCHETTINI, Francisco de Paula. Emendas a projetos de lei de crdito adicional. Braslia: Revista de

    Informao Legislativa, Ano 34, n. 135, jul/set-1997, p. 198.

    27

  • Fiscalizao CMO, conforme se abstrai do 6, art. 2, da Resoluo n. 01, de 2002-CN,

    abaixo reproduzido:

    Art. 2 Nas 48 (quarenta e oito) horas que se seguirem publicao, no Dirio Oficial da Unio, de Medida Provisria adotada pelo Presidente da Repblica, a Presidncia da Mesa do Congresso Nacional far publicar e distribuir avulsos da matria e designar Comisso Mista para emitir parecer sobre ela.(...) 6 Quando se tratar de Medida Provisria que abra crdito extraordinrio lei oramentria anual, conforme os arts. 62 e 167, 3, da Constituio Federal, o exame e o parecer sero realizados pela Comisso Mista prevista no art. 166, 1, da Constituio, observando-se os prazos e o rito estabelecidos nesta Resoluo.

    A Resoluo n. 1, de 2006-CN, por sua vez, ao tratar dos crditos

    extraordinrios abertos por medida provisria, assim prescreve:

    Art. 110. A CMO, no exame e emisso de parecer medida provisria que abra crdito extraordinrio, conforme arts. 62 e 167, 3, da Constituio, observar, no que couber, o rito estabelecido em resoluo especfica do Congresso Nacional.Pargrafo nico. A incluso de relatrio de medida provisria na ordem do dia da CMO ser automtica e sua apreciao ter precedncia sobre as demais matrias em tramitao.Art. 111. Somente sero admitidas emendas que tenham como finalidade modificar o texto da medida provisria ou suprimir dotao, total ou parcialmente.

    Como pode ser observado, a CMO a comisso mista que examina as

    medidas provisrias relativas a crditos extraordinrios. O caput do art. 5, da Resoluo n.

    01/2002, traz aspectos interessantes quanto ao seu parecer:

    Art. 5. A Comisso ter o prazo improrrogvel de 14 (quatorze) dias, contando da publicao da Medida Provisria no Dirio Oficial da Unio para emitir parecer nico, manifestando-se sobre a matria, em itens separados, quanto aos aspectos constitucional, inclusive sobre os pressupostos de relevncia e urgncia, de mrito, de adequao financeira e oramentria e sobre o cumprimento da exigncia prevista no 1 do art. 2.

    No tocante aos pressupostos constitucionais, o 5 do art. 62 da

    Constituio Federal dispe:

    5 A deliberao de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mrito das medidas provisrias depender de juzo prvio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.

    No mesmo sentido, o art. 8 da Resoluo n. 1, de 2002-CN, prev:

    Art. 8 O Plenrio de cada uma das Casas do Congresso Nacional decidir, em apreciao preliminar, o atendimento ou no dos pressupostos constitucionais de

    28

  • relevncia e urgncia de Medida Provisria ou de sua inadequao financeira ou oramentria, antes do exame de mrito, sem a necessidade de interposio de recurso, para, ato contnuo, se for o caso, deliberar sobre o mrito.Pargrafo nico. Se o Plenrio da Cmara dos Deputados ou do Senado Federal decidir no sentido do no atendimento dos pressupostos constitucionais ou da inadequao financeira ou oramentria da Medida Provisria, esta ser arquivada.

    Atente-se para o fato de que h um exame preliminar de admissibilidade da

    MP, caracterizado pela verificao do atendimento dos pressupostos constitucionais ou de sua

    adequao financeira e oramentria, para ento passar deliberao acerca do mrito da

    medida provisria.

    Note-se, ainda, que pela dico do pargrafo nico, o no-atendimento dos

    pressupostos constitucionais ou a inexistncia de adequao financeira ou oramentria da

    MP implicam no seu arquivamento, revelando o carter terminativo imposto por tais

    situaes.

    Passo agora a analisar as situaes que podem advir do processo de

    apreciao, pelo Congresso Nacional, de medidas provisrias que tenham por objeto a

    abertura de crdito extraordinrio, bem como suas conseqncias.

    - Situao n. 1: a medida provisria aprovada na forma editada pelo

    Poder Executivo

    Essa situao no suscita maiores polmicas, pois a MP sendo aprovada

    exatamente de acordo com o que foi proposto pelo Poder Executivo, no h o que se

    questionar quanto legalidade das despesas executadas a partir da edio da medida

    provisria, valendo-se das dotaes oramentrias aprovadas por meio do crdito

    extraordinrio veiculado por ela.

    Assim reza o art. 12 da Resoluo n. 1, de 2002-CN:

    Art. 12. Aprovada Medida Provisria, sem alterao de mrito, ser o seu texto promulgado pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional para publicao, como lei, no Dirio Oficial da Unio.

    Qualquer questionamento quanto eficcia da medida provisria no tempo

    sanada quando a medida provisria aprovada, sem alterao de mrito, e publicada, j na

    condio de lei. como se houvesse uma retroao no tempo para escoimar qualquer vcio da

    MP, convalidando a sua plena eficcia a partir da edio.

    29

  • - Situao n. 2: a medida provisria tem parte de sua programao

    rejeitada

    Ocorre quando uma parcela da programao proposta pela medida

    provisria suprimida, sem introduo de nova programao oramentria (com diminuio

    do valor total do crdito).

    Essa situao enseja a apresentao, a aprovao e a sano de um projeto

    de lei de converso, conforme prescreve o 4, do art. 5, da Resoluo n. 1, de 2002-CN:

    4 Quanto ao mrito, a Comisso poder emitir parecer pela aprovao total ou parcial ou alterao da Medida Provisria ou pela sua rejeio; e, ainda, pela aprovao ou rejeio de emenda a ela apresentada, devendo concluir, quando resolver por qualquer alterao de seu texto:I - pela apresentao de projeto de lei de converso relativo matria; eII - pela apresentao de projeto de decreto legislativo, disciplinando as relaes jurdicas decorrentes da vigncia dos textos suprimidos ou alterados, o qual ter sua tramitao iniciada pela Cmara dos Deputados.

    A sano do projeto de lei de converso PLV faz com que a medida

    provisria perda sua eficcia. A apresentao do PLV, em razo da programao suprimida,

    dar-se- por duas hipteses distintas: a) a programao excluda no atendeu os pressupostos

    constitucionais de admissibilidade ou no apresentou adequao oramentria e financeira; b)

    a programao eliminada observou os pressupostos constitucionais de admissibilidade e de

    adequao financeira e oramentria, mas foi rejeitada no mrito.

    No primeiro caso, se a despesa no apresentava os pressupostos

    constitucionais de admissibilidade, portanto, no revelava a urgncia, a relevncia e a

    imprevisibilidade prescritas na Carta Maior como necessrias para deflagrar a legiferao de

    urgncia, no h amparo constitucional que legitime o referido dispndio.

    No tambm no encontra arrimo constitucional a despesa que est em

    descompasso com a legislao financeira ou oramentria. Toda e qualquer despesa deve

    guardar conformidade com as leis oramentrias e financeiras vigentes, notadamente, com a

    lei de responsabilidade fiscal, com o plano plurianual e com a lei de diretrizes oramentrias.

    Uma questo que se coloca diz respeito execuo da despesa com a

    liquidao dos recursos at que seja sancionado o PLV, quando no atendidos os pressupostos

    constitucionais de admissibilidade ou de adequao financeira ou oramentria. Poderia o

    30

  • decreto legislativo previsto no 3 do art. 62 da Constituio Federal e no inciso II, do 4 do

    art. 5 da Resoluo n. 1, de 2002-CN, convalidar tais despesas?

    MORAIS e FERNANDES entendem que no poderia haver a homologao

    da execuo dos recursos liquidados at o momento da sano do projeto de lei de converso

    que se referissem parte que no tiver atendido, na avaliao, do CN, os pressupostos

    constitucionais de admissibilidade ou de adequao financeira ou oramentria. Entretanto,

    chamam a ateno para o conceito de liquidao da despesa, que constitui a etapa da execuo

    oramentria que tornaria legalmente inevitvel, em face do surgimento do direito adquirido

    dos credores, a liberao dos recursos pblicos.29

    A liquidao da despesa se d com a entrega do bem ou com a prestao do

    servio para a administrao pblica. o estgio da despesa em que realizada a verificao

    do direito adquirido pelo credor, com base em ttulos e documentos por ele apresentados. A

    partir dessa fase surge a obrigao da administrao em pagar pelo bem ou pelo servio j

    prestado e o direito inquestionvel de receber por parte do fornecedor.

    Percebi que houve certa contradio na exposio dos consultores, pois

    afirmaram que o decreto legislativo no poderia homologar as despesas j liquidadas at a

    sano do PLV, entretanto, concluem que somente as despesas empenhadas, licitadas ou

    contratadas, mas no liquidadas, que no correspondessem programao finalmente

    aprovada pelo CN, deveriam ser imediatamente canceladas pelo Poder Executivo, reservando

    montante suficiente apenas para o ressarcimento relativo aos direitos j adquiridos pelos

    credores frente Administrao.

    Dessa forma, entendo que somente as despesas no liquidadas seriam

    passveis de cancelamento, com a conseqente anulao de seus empenhos, o que deveria ser

    ordenado pelo decreto legislativo.

    A segunda hiptese trata da programao suprimida pelo Congresso

    Nacional, porquanto o seu mrito foi rejeitado, a despeito de observar os pressupostos

    constitucionais de admissibilidade e de adequao financeira e oramentria.

    Nesse caso, as despesas constantes da programao original executadas

    desde a edio da MP at a sano do projeto de lei de converso, embora distintas da

    programao aprovada, encontram amparo legal, visto que atenderam os requisitos

    constitucionais da urgncia, da relevncia e da imprevisibilidade, bem como da adequao

    29 MORAIS, Edson; FERNANDES, Mrcio Silva. Crdito Extraordinrio: abertura por medida provisria e tramitao no Congresso Nacional. Estudo Tcnico n.. 16. Consultoria de Oramento e Fiscalizao Financeira da Cmara dos Deputados, 2003, p. 14.

    31

  • financeira e oramentria, autorizativos da abertura de crdito extraordinrio por meio de

    medida provisria.

    Pelo teor do caput e do 12, do art. 62, da Constituio Federal, abaixo

    reproduzidos, o Poder Executivo estaria autorizado, a partir de edio da MP, a realizar os

    gastos constantes no crdito:

    Art. 62. Em caso de relevncia e urgncia, o Presidente da Repblica poder adotar medidas provisrias, com fora de lei, devendo submet-las de imediato ao Congresso Nacional.(...) 12. Aprovado projeto de lei de converso alterando o texto original da medida provisria, esta manter-se- integralmente em vigor at que seja sancionado ou vetado o projeto.

    MORAIS e FERNANDES defendem que, havendo aprovao parcial da

    programao proposta, o decreto legislativo exigido poder homologar as despesas liquidadas

    at o momento da sano do PLV, ainda que ultrapassem o limite estipulado no projeto

    aprovado, sob a alegao de que tal medida estaria de acordo com o 12, do art. 62, da

    Constituio Federal. Quanto s despesas no liquidadas que excedessem o limite finalmente

    aprovado pelo CN, por representarem previso de despesas rejeitadas no CN e que ainda

    podem ser canceladas, seria razovel que o decreto legislativo prescrevesse o seu

    cancelamento.30

    O 11, do art. 62, da Constituio Federal, abaixo transcrito, que consta

    com a mesma redao na Resoluo n. 01/2002, art. 11, 2, trata da homologao tcita das

    despesas j liquidadas. J em relao s despesas no liquidadas, o Poder Executivo dever

    promover a anulao dos empenhos, deixando saldo suficiente para fazer frente aos direitos

    adquiridos de fornecedores de bens e servios para a administrao pblica.

    11. No editado o decreto legislativo at 60 (sessenta) dias aps a rejeio ou a perda de eficcia de Medida Provisria, as relaes jurdicas constitudas e decorrentes de atos praticados durante sua vigncia conservar-se-o por ela regidas.

    - Situao n. 3: a medida provisria rejeitada no mrito

    Os comentrios feitos em relao segunda hiptese da situao n. 2, que

    trata da rejeio de uma parcela da programao da MP, tambm no tocante ao seu mrito,

    30 Ibidem, p. 17.

    32

  • so inteiramente aplicveis a essa situao, em que a MP totalmente reprovada. Do mesmo

    modo, nos termos fixados pela alnea II, do 4, do art. 5 e pelo caput do art. 11, ambos da

    Resoluo n. 1, de 2002-CN, a Comisso Mista apresentar decreto legislativo disciplinando

    as relaes jurdicas originadas durante a vigncia da medida provisria.

    - Situao n. 4: a medida provisria arquivada

    Esta situao ocorre quando, preliminarmente, um dos Plenrios, da Cmara

    dos Deputados ou do Senado Federal, em relao a toda a programao da medida provisria,

    decide pela no identificao dos pressupostos constitucionais e/ou pela ausncia de

    adequao oramentria ou financeira, conforme se abstrai do contedo do art. 8 da

    Resoluo n. 1, de 2002-CN, in verbis:

    Art. 8. O Plenrio de cada uma das Casas do Congresso Nacional decidir, em apreciao preliminar, o atendimento ou no dos pressupostos constitucionais de relevncia e urgncia de Medida Provisria ou de sua inadequao financeira ou oramentria, antes do exame de mrito, sem a necessidade de interposio de recurso, para, ato contnuo, se for o caso, deliberar sobre o mrito.Pargrafo nico. Se o Plenrio da Cmara dos Deputados ou do Senado Federal decidir no sentido do no atendimento dos pressupostos constitucionais ou da inadequao financeira ou oramentria da Medida Provisria, esta ser arquivada.

    Atente-se que, no caso de medida provisria que trata de abertura de crdito

    extraordinrio, de acordo com o 3, do art. 167, da Constituio Federal, o requisito da

    imprevisibilidade tambm dever ser apreciado.

    Recorde-se, aqui, que o arquivamento da MP denota o carter terminativo

    imposto pelo no-atendimento dos pressupostos constitucionais ou pela inexistncia de

    adequao financeira ou oramentria da MP.

    Surge nesse caso a indagao quanto s relaes jurdicas originadas

    enquanto da vigncia da MP. Entendo que o Congresso Nacional no deveria editar decreto

    legislativo convalidando a execuo oramentria efetuada at o arquivamento da MP, pois o

    Poder Executivo ignorou as exigncias constitucionais. Acredito que a melhor sada, ainda

    que o efeito prtico seja o mesmo, seria transferir toda a responsabilidade ao Presidente da

    Repblica, adotando a figura da homologao tcita prevista no 11, do art. 62, da

    Constituio Federal, e no 2, do art. 11, da Resoluo n. 1, de 2002-CN.

    33

  • MORAIS e FERNANDES apregoam que a CMO, no exerccio da

    competncia a ela atribuda pelo art. 2, 6, da Resoluo n. 1, de 2002-CN, poderia

    adicionalmente propor que fosse realizada audincia pblica com o(s) Ministro(s) de Estado

    da(s) rea(s) contemplada(s) pelo crdito extraordinrio, com o intuito de promover discusso

    com pedido de explicaes sobre as razes de urgncia, relevncia e imprevisibilidade que

    ensejaram a edio da MP.31

    - Situao n. 5: perda de eficcia da medida provisria por decurso de

    prazo

    Havendo inrcia do Congresso Nacional quanto apreciao da medida

    provisria no prazo constitucional previsto, no se manifestando, portanto, em relao aos

    pressupostos constitucionais, adequao financeira e oramentria, ao mrito da MP, esta

    perder sua eficcia desde a edio, o que preceitua o 3, do art. 62, da Constituio

    Federal:

    3. As medidas provisrias, ressalvado o disposto nos 11 e 12 perdero eficcia, desde a edio, se no forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogvel, nos termos do 7, uma vez por igual perodo, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relaes jurdicas delas decorrentes.

    Quanto aos efeitos jurdicos das despesas j realizadas pelo Poder Executivo

    at a perda de eficcia da MP, poderia o decreto legislativo conferir respaldo jurdico s

    mesmas, j que constitui uma situao em que o Poder Legislativo deixou transcorrer o prazo

    in albis sem deliberao sobre a MP. Diferentemente da situao em que h a rejeio,

    neste caso o Congresso Nacional sequer se manifesta.

    No tocante s despesas no liquidadas, o decreto legislativo tambm poderia

    convalid-las ou se optar pela anulao dos empenhos dever reservar recursos para saldar

    eventuais perdas e danos devidos ao fornecedor.

    - Situao n. 6: medida provisria que tem sua programao reduzida

    por emendas aprovadas

    31 Ibidem, p. 21.

    34

  • A Resoluo n. 1, de 2006-CN, em seu art. 111, em seo que trata

    especificamente dos crditos extraordinrios abertos por medida provisria, somente admitiu

    emendas que modifiquem o texto da medida provisria ou suprimam sua dotao, total ou

    parcialmente.

    A nova redao teve sua origem em sugestes formuladas por consultores

    de oramento, que queriam evitar as emendas de acrscimo ou de remanejamento. Ora, se o

    Presidente da Repblica quem detm o conhecimento pleno das causas motivadoras do

    crdito extraordinrio por MP, no razovel admitir que os parlamentares possam apresentar

    emendas para criao de novos subttulos oramentrios aumentando o valor do crdito,

    inclusive sem indicao de fonte, ou mesmo remanejar parte da programao para outro

    subttulo que no se configure merecedor de um crdito extraordinrio.

    Os efeitos produzidos por essas emendas de reduo so os mesmos que j

    foram tratados nas situaes que prevem a rejeio total ou parcial da medida provisria.

    A questo sensvel que se coloca, novamente, diz respeito s despesas j

    executadas pelo Poder Executivo, cuja programao tenha sido subtrada, total ou

    parcialmente, do projeto de lei de converso sancionado. O decreto legislativo dever

    disciplinar as relaes jurdicas oriundas dos atos praticados durante a vigncia da medida

    provisria.

    - Situao n. 7: o projeto de lei de converso aprovado no Congresso

    Nacional vetado

    O Presidente da Repblica, fazendo uso de suas atribuies constitucionais,

    pode vetar, total ou parcialmente, a programao final do projeto de lei de converso

    aprovado pelo Congresso Nacional, do mesmo modo como a qualquer projeto de lei.

    Se o PLV aprovado reduziu a programao inicialmente proposta pelo

    Poder Executivo, o veto uma tentativa de oferecer legalidade s despesas por esse j

    executadas.

    No entanto, se o PLV aprova a programao originalmente proposta e

    vetado pelo Presidente da Repblica, embora possa parecer estranho, o que se pode

    depreender que o Poder Executivo esteja desistindo de uma parcela da programao

    oramentria, correspondente ao veto, por alguma inadequao constatada.

    35

  • 1.3.3 Princpios constitucionais

    A funo legislativa primria, de acordo com a Constituio Federal,

    plenamente atribuda ao Congresso Nacional. Ao Poder Executivo conferida a competncia

    para edio de atos com base em situaes especficas. Um desses atos, a medida provisria

    deve se conformar com as normas que definem a funo legislativa. na Constituio Federal

    que se encontram os limites de cada Poder do Estado. Os princpios constitucionais

    representam uma forma de limitao.

    Nesse sentido, importa analisar a competncia excepcional do Poder

    Executivo para editar medidas provisrias, sob o enfoque dos princpios constitucionais

    fundamentais: do Estado de Direito, da proporcionalidade, da segurana jurdica e ainda do

    princpio democrtico e do princpio da legalidade.

    O princpio do Estado de Direito, como valor imanente ao ordenamento

    jurdico, estabelece a ligao estrutural entre a atividade do Estado e o Direito. A atividade do

    Estado est relacionada ao Direito quanto finalidade e quanto ao processo de interveno.32

    Em outras palavras, a atividade do Estado est absolutamente vinculada s

    normas que compem o complexo jurdico, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais.

    Conexo ao princpio do Estado de Direito, e como limite atuao

    legislativa do Poder Executivo, est o princpio da proporcionalidade que, entre outras

    determinaes, impe que a atuao seja absolutamente indispensvel, e a escolha do meio

    menos restritivo, dentre os abstratamente disponveis. Nesse sentido, a atuao legislativa do

    Poder Executivo s legtima quando nenhuma outra, menos restritiva, possa ser adotada.33

    Assim, a eficcia imediata da medida provisria e a sua edio sem a

    apreciao prvia do Congresso Nacional tornam-na mais restritiva que a lei. Se a situao,

    que se apresenta relevante e urgente, puder ser atendida por outros instrumentos normativos,

    sem riscos de prejuzos, deve-se afastar a possibilidade de utilizao da medida provisria.

    O princpio da segurana jurdica tem por finalidade garantir estabilidade

    aos direitos estabelecidos em nvel constitucional e previsibilidade quanto aos efeitos

    jurdicos dos atos normativos.34

    32 VILA, Humberto Bergman, op. cit., p. 49.33 Idem.34 Ibidem, p. 50.

    36

  • A questo que se coloca para cotejo com o princpio da segurana jurdica

    diz respeito aos efeitos da medida provisria no convertida em lei. Se a medida provisria

    produz efeitos a partir de sua edio, a no-converso em lei tem efeito ex tunc, ou seja,

    retroage no tempo ao momento da expedio e restabelece a legislao anterior. E os efeitos

    jurdicos produzidos em decorrncia da medida provisria? Entendo que a eficcia transitria

    e revogatria das medidas provisrias, pendente da condio resolutiva de converso em lei,

    de certa forma atenta contra o princpio da segurana jurdica, na medida em que os efeitos

    jurdicos produzidos a partir de sua edio no esto plenamente assegurados, uma vez que

    podero sofrer modificaes durante o processo de apreciao no Congresso Nacional.

    FERREIRA FILHO afirma que se trata de uma revogao condicional que

    depende para solidificar-se da converso em lei do texto revocatrio. Neste caso, como o

    efeito da medida provisria ex tunc desde sua edio -, se deve entender que desde esse

    momento no mais vigora a norma colidente. Entretanto, se a converso no ocorrer, restaura-

    se o Direito anterior. A no-converso da medida provisria tem, portanto, efeito

    repristinatrio sobre o Direito com ela colidente. 35

    O princpio democrtico, insculpido no art. 1, pargrafo nico da

    Constituio Federal, em se tratando de produo normativa, merece particular relevo. Ao

    acentuar a participao dos cidados nas decises polticas, a CF estabelece o procedimento

    legislativo como meio capaz de incorporar essa dimenso pluralista e participativa (CF:

    prembulo, art. 1, V), exteriorizada pela pluralidade de interesses e partidos polticos que

    compem esse conjunto de atos. Por isso, conexo ao princpio democrtico est o princpio da

    legalidade. A lei, em determinados casos (CF: art. 5, II e XXXIX; art. 150, I; art. 165, I, II e

    III; art. 166, caput), o nico instrumento apto a inovar o ordenamento jurdico. 36

    importar frisar que a medida provisria, com sua eficcia precria, porm

    imediata, no pode regular situaes em que a Constituio Federal, em respeito ao princpio

    da legalidade, impe a necessidade de lei que, por via de conseqncia, reclama a apreciao

    do Congresso Nacional, por meio dos representantes do povo (princpio democrtico), tudo

    isso, antes da produo de eficcia do ato normativo.

    Como se v, antes mesmo de privar o Poder Executivo de dispor sobre tais

    matrias, a Constituio Federal ao determinar a necessidade de que certos mbitos materiais

    fossem regulados por lei, imps o cumprimento da forma, que se traduz no rito prprio de

    discusso, de consenso no mbito do Congresso Nacional, para dar legitimidade norma.35 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Do processo legislativo. 5. ed. rev., ampl. e atualizada. So Paulo:

    Saraiva, 2002, p. 245.36 VILA, Humberto Bergman, op. cit., p. 51.

    37

  • Assim, nas matrias que a Constituio Federal permitiu o emprego de

    medida provisria, a lei de converso aprovada pelo Congresso Nacional oferece estabilidade

    aos efeitos transitrios da MP e representa a estreita observncia do princpio democrtico.

    Ademais, a apreciao do Congresso Nacional representa uma forma de controle exercido

    sobre o Executivo, procurando coibir a prtica de abusos por parte desse Poder.

    A competncia presidencial para editar medida provisria surge somente

    diante de caso de relevncia e urgncia, como exceo ao princpio geral da legalidade. Essa

    excepcionalidade legalidade impe-lhe interpretao estrita. Sendo a norma uma exceo ao

    princpio democrtico (e, portanto, ao da legalidade), seu mbito material de aplicao ,

    segundo o prprio sistema, restrito. O intrprete no restringe o sentido da norma; a prpria

    norma que possui sentido restrito diante do sistema constitucional. Conclui afirmando que a

    competncia estabelecida no artigo 62 da CF constitui exceo aos princpios constitucionais

    fundamentais, especialmente, os relativos segurana, democracia e legalidade.37

    AMARAL JNIOR trazendo citao de Machado: No nos parece que a

    utilizao de medidas provisrias constitua exceo ao princpio da legalidade. O Presidente

    da Repblica, ao edit-las, est exercendo funo legislativa da qual se encontra investido

    pela Constituio. Excepcional , na verdade, essa competncia que lhe atribuda, mas o ato

    resultante de seu exerccio , induvidosamente, um ato legislativo. 38

    Ainda sob o enfoque do princpio da legalidade, julgou-se apropriado

    analisar a natureza jurdica da medida provisria.

    A despeito de reconhecer que comum, na doutrina brasileira, reduzir a

    expresso lei significao prpria da lei formal, assevera que a medida provisria lei,

    porque consta das espcies normativas primrias elencadas no art. 59 da Constituio Federal.

    Por isso, integra o processo legislativo em face de expressa previso constitucional.39

    SEABRA FAGUNDES anota que atualmente, o direito constitucional

    admite, em determinadas circunstncias rigidamente disciplinadas, o exerccio da funo

    legislativa pelo Executivo. Por conseguinte, a lei no apenas aquela editada pelo Poder

    Legislativo. possvel afirmar que, no atual contexto da experincia jurdica, todo ato

    emanado das entidades s quais a Constituio atribua funo legislativa, quando praticado no

    uso da competncia constitucionalmente outorgada, ser lei, desde uma perspectiva

    genrica.40

    37 Ibidem, p. 69.38 MACHADO, p. 34 apud AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, 2004, p. 123.39 CLEV, Clmerson Merlin, op. cit., p. 168.40 SEABRA FAGUNDES, p. 19-20 apud CLVE, Clmerson Merlin, idem.

    38

  • A previso contida no art. 59 de que o processo legislativo compreende

    tambm as medidas provisrias no lhes outorga natureza legislativa, pois o sentido da

    incluso est em que elas tendem a se converter em lei (art. 62, pargrafo nico antes da EC

    n. 32), ou seja, uma hiptese especial de produo legislativa. Em suma, a CF no seu art. 62

    autoriza o Presidente da Repblica, a praticar um ato, de natureza administrativa, ao qual ela

    atribui fora de lei. Esta a viso de GRECO. 41

    MELLO no admite que a medida provisria seja considerada lei porque

    no provem do Legislativo e apresenta suas razes: 1) as medidas provisrias correspondem a

    uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as leis so via normal de

    disciplin-los; 2) as medidas provisrias so, por definio, efmeras, enquanto as leis, alm

    de perdurarem normalmente por tempo indeterminado, quando temporrias tm seu prazo por

    elas mesmas fixado, ao contrrio das MPs, cuja durao mxima j est preestabelecida na

    Constituio:120 dias; 3) as medidas provisrias so precrias, isto , podem ser infirmadas

    pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que deve aprecia-las, em contraste

    com a lei, cuja persistncia s depende do prprio rgo que a emanou (Congresso); 4) a

    medida provisria no confirmada, isto , no transformada em lei, perde sua eficcia desde o

    incio, enquanto a lei, diversamente, ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos ex nunc; 5) a

    medida provisria , para ser expedida, depende da ocorrncia de certos pressupostos,

    especialmente os de relevncia e urgncia, enquanto, no caso da lei, a relevncia da matria

    no condio para que seja produzida; antes, passa a ser de direito relevante tudo o que a lei

    houver estabelecido. Demais disso, inexiste o requisito de urgncia. 42

    O ilustre doutrinador, fazendo distino do ato administrativo, define ato

    poltico ou de governo com sendo aqueles praticados com margem de discrio e diretamente

    em obedincia Constituio, no exerccio de funo puramente poltica, tais o indulto, a

    iniciativa de lei pelo Executivo, sua sano ou veto, sub color de que contrria ao interesse

    pblico. 43

    Acompanhando o entendimento de MELLO, NIEBUHR afirma que a

    medida provisria adequa-se perfeitamente ao conceito de ato poltico ou de governo, porque

    expedido pelo Presidente da Repblica, de forma discricionria, para evitar gravame

    insuportvel para o interesse pblico. Acrescenta ainda que a medida provisria tem carter

    normativo, por ser um ato geral e abstrato, que serve para regular as relaes sociais, cujo

    descumprimento acarreta sano e que tem fora de lei, visto que inova a ordem jurdica, 41 GRECO, Marco Aurlio, op. cit., p. 16.42 MELLO, Celso Antnio Bandeira de, op. cit., p. 119.43 Ibidem, p. 351-352.

    39

  • criando, alterando ou extinguindo direitos. Salienta o seu carter excepcional, porque

    produzida pelo Executivo e no pelo Legislativo, representando exceo ao princpio da

    diviso de poderes; efmera, como o prprio nome indica, ela provisria, no devendo

    perpetuar-se no tempo, mas apenas atender situao excepcional; cautelar porque deve ser

    utilizada apenas para oferecer resposta situao relevante e urgente, cuja interveno

    legislativa no pode esperar o procedimento legislativo ordinrio; tambm precria, visto

    que pode ser rejeitada a qualquer momento pelo Congresso Nacional. 44

    FERREIRA FILHO assinala que a medida provisria um tpico ato

    normativo primrio e geral. Edita-o o Presidente no exerccio de uma competncia

    constitucional, de uma competncia que, insista-se, lhe vem diretamente da Constituio.

    Manifesta assim a existncia de um poder normativo primrio, prprio do Presidente e

    independente de qualquer delegao. Prega ainda que a medida provisria por ter fora de lei

    vlida, portanto, gera direitos e obrigaes desde sua edio, pois lei, no sentido amplo

    que tem essa palavra no art. 5, II, da Constituio.45

    AMARAL JNIOR sustenta que a medida provisria por ter fora, valor e

    eficcia de lei materialmente lei, mas no lei formal do Congresso Nacional, tornando-se

    lei, formal, pelo processo de converso. Trata-se de ato de natureza legislativa confiado ao

    Presidente da Repblica, de modo que o Poder Legislativo e o Poder Executivo partilham ao

    menos em alguma medida a potestade de legislar. Entende ainda que, se a medida provisria

    lei (ao menos materialmente), efetivamente revoga a legislao anterior com ela conflitante,

    ainda que o faa sob condio resolutiva, qual seja, a converso em lei. 46

    No que diz respeito s medidas provisrias, no obstante os

    questionamentos de ordem doutrinria em relao sua natureza jurdica, o Supremo Tribunal

    Federal firmou entendimento de que se trata de ato dotado de fora normativa, ressalvada

    sua validade enquanto proposio legislativa suscetvel de ser convertida ou no em lei (ADI

    293, Relator Ministro Celso de Mello e ADI 427, Relator Ministro Seplveda Pertence) e,

    portanto, sujeita, em tese, ao controle abstrato de constitucionalidade.

    Compartilho da posio defendida por FERREIRA FILHO e AMARAL

    JNIOR, quanto eficcia revogatria da medida provisria enquanto lei material. O exame

    do Congresso Nacional, convertendo a medida provisria em lei, de fato, sana o vcio

    produzido pelo ingresso do ato normativo no mundo jurdico sem a apreciao preliminar do

    Legislativo, formalidade esta exigida para o processo legislativo ordinrio. 44 NIEBUHR, Joel de Menezes, op. cit., p. 85.45 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, op. cit., 2002, p. 240.46 AMARAL JNIOR, Jos Levi Mello do, op. cit., 2004, p. 126.

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  • Doravante, passo a analisar os dispositivos constitucionais que tratam da

    produo normativa no tocante temtica oramentria, sob o enfoque do princpio da

    legalidade e da limitao material, especialmente o uso de medidas provisrias para

    disciplinar tal matria.

    Segundo o artigo 165 da Constituio Federal, sero de iniciativa do Poder

    Executivo, as leis que tratem de matria oramentria, nestas palavras:

    Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecero:I-o plano plurianual;II-as diretrizes oramentrias;III-os oramentos anuais.

    de simples constatao que o texto constitucional ex