FUNDAO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAO DE HISTRIA
CONTEMPORNEA DO BRASIL (CPDOC)
Proibidaapublicaonotodoouemparte;permitidaacitao. Permitida a cpia
xerox. A citao deve ser textual, com indicao de fonte conforme
abaixo. NETTO,JosLuizCoelho.JosLuizCoelhoNetto(depoimento,
1993).Rio de Janeiro, CPDOC, 2005. 56 p. dat. JOS LUIZ COELHO NETTO
(depoimento, 1993) Rio de Janeiro 2005 Jos Luiz Coelho Netto Ficha
Tcnica tipo deentrevista: temtica entrevistador(es): Celso Castro;
Glucio Ary Dillon Soares; Maria Celina DAraujo levantamento de
dados: Equipe pesquisa e elaborao do roteiro: Equipe sumrio:
Priscila Riscado conferncia da transcrio: Ignez Cordeiro de Farias
copidesque: Leda Maria Marques Soares tcnico de gravao: Clodomir
Oliveira Gomes local: Rio de Janeiro - RJ - Brasil data: 12/01/1993
durao: 1h 40min fitas cassete: 02 pginas: 53
Entrevistarealizadanocontextodoprojeto"1964eoregimemilitar",desenvolvidopelo
CPDOC, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), no
perodo de 1992 e 1995. A pesquisa contou com a participao de Glucio
Ary Dillon Soares. A partir de 1997, passou a
integraroprojeto"Brasilemtransio:umbalanodofinaldosculoXX",apoiadopelo
Programa de Apoio a Ncleos de Excelncia (Pronex) do Ministrio da
Cincia e Tecnologia. O projeto resultou na publicao da trilogia
"VISES do golpe: a memria militar sobre 1964" / Introduo e
Organizao de Maria Celina DAraujo, Glucio Ary Dillon Soares, Celso
Castro.
RiodeJaneiro:Relume-Dumar,1994.,"OSANOSdechumbo:amemriamilitarsobrea
represso"/IntroduoeorganizaodeMariaCelinaDAraujo,GlucioAryDillonSoares,
CelsoCastro.RiodeJaneiro:Relume-Dumar,1994.e"AVOLTAdosquartis:amemria
militar sobre a abertura" / Introduo e organizao de Glucio Ary
Dillon Soares, Maria Celina DAraujo, Celso Castro. Rio de Janeiro:
Relume-Dumar, 1995, alm do livro de depoimentos "ERNESTO Geisel" /
Organizadores Maria Celina DAraujo e Celso Castro. Rio de Janeiro:
Ed. Fundao Getulio Vargas, 1997. temas: Alfredo Stroessner, Anistia
Internacional, Coelho Neto, Comunismo, Exrcito, Guerrilha Rural,
Milton Tavares de Sousa, Partido Comunista do Brasil, Servio
Nacional de Informaes, Sistema Nacional de Informaes (sisni),
Tortura, Wladimir Herzog Jos Luiz Coelho Netto Sumrio Entrevista:
12.01.1993
Fita1-A:RelatosobreaexperincianaForaExpedicionriaBrasileira(FEB);algunsdados
sobreatrajetriapessoaleprofissionaldoentrevistado;asprincipaisrazesquelevaramao
golpe militar de 1964 e sua participao no episdio; opinio do
entrevistado sobre a durao e
ofimdogolpemilitar;relatosobreoServioNacionaldeInformao(SNI)esuaatuao
frentedestergo;relatodasinvestigaesdoSNIao"comunismointernacional",que
influenciava os movimentos de oposio existentes no Brasil durante a
ditadura.Fita 1-B: Os rgos de espionagem internacionais e sua atuao
junto aos governos militares no Brasil; novas informaes sobre o
perodo em que esteve frente do SNI; comentrios sobre os
movimentosdeesquerdaeaguerrilhadoAraguaia;relatosobreoCentrodeInformaesdo
Exrcito(CIE)esuaatuaonestergoduranteogovernoGeisel;lembranasdaatuaoda
guerrilha do
Araguaia.Fita2-A:Osignificadodotermo"linhadura",suasprincipaiscaractersticaseseusmaiores
expoentes;osexcessoscometidosporalgunsmilitares,orespeitoaosdireitoshumanosea
torturaduranteaditadura;aaberturaduranteogovernoGeisel;informaessobreatortura
duranteaditadura;ogeneralFigueiredo,seugovernoeopapeldesempenhadoporestena
abertura poltica no Brasil; opinio dos militares sobre o projeto de
abertura
poltica.Fita2-B:ConsideraessobreareligiocatlicaealgunspersonagensdaIgrejaconsiderados
"subversivos"pelosmilitares;anlisedoentrevistadosobreosgovernosmilitaresdurantea
ditadura; os militares e a sucesso de Figueiredo. Jos Luiz Coelho
Netto Entrevista: 12.01.1993 M.A. - A gente vai comear pedindo ao
senhor para falar sobre a FEB. O senhor um heri de guerra. J.N. -
Eu no digo heri. M.A. - assim que dizem. J.N. - Estive na FEB no 6
Regimento de Infantaria. o regimento de Caapava. Fui o
primeiroaseguir.EueradeCaapava.Eraprimeiro-tenente.Estivenafrentede
combatepraticamenteotempotodo.Smederamumasemanadefolga.Antesno
tivessem me dado porque adoeci na folga. [riso] O resto do tempo eu
estive na frente de combate.
G.S.-ComofoioimpactodessaexperincianaItlia?Osenhortevedepoisalguma
experincia de treinamento nos Estados Unidos ou em algum outro
lugar? J.N. - No. Nos Estados Unidos, no. O treinamento nosso foi
aqui e na Itlia.H um grupo de oficiais que foi antes aos Estados
Unidos e trouxe os ensinamentos para aplicar aqui no nosso preparo.
Agora, sinto que a experincia que a FEB deu para mim e para
outrosfoifabulosa.Principalmente,emtermosderelaeshumanas,emtermosde
chefia,emtermosderesponsabilidadeseemtermosdeenfrentaroperigoapesarde
qualquercoisa.Normalmente,agentenopensavaseiaounoiamorrer.Issofazia
parte do espetculo. C.C. - O senhor chegou a ser ferido em combate,
no ? J.N. - . Levemente. M.A. - O senhor tinha que idade? J.N. - Em
1945 eu tinha 24 anos. Jos Luiz Coelho Netto G.S. - General, e qual
o impacto dessa experincia sobre a sua concepo militar?
J.N.-Ah,bom.Teveumimpactomuitoforteemtermosdeorganizaomilitar,em
termos de instruo, de preparao da tropa, mesmo em tempo de paz, e
em termos de chefia, o que foi muito importante. Muito mesmo. G.S.
- O Exrcito at ento era muito influenciado pela tradio francesa, no
? J.N.-Era.Nsadotamosaorganizaoamericana,jqueanossadivisoiaatuar
enquadrada no V Exrcito americano. G.S. - Com Mark Clark. J.N. -
Mark Clark. M.A. - E qual a diferena que isso fazia?
J.N.-Eutalvezpudessedizerqueofrancserabemmaistericoeoamericanoera
terico-prtico. O problema deles, americanos, era a execuo. Teoria,
s para ensinar,
sparadarosprimeirospassos.Depois,aexecuo.Ento,nsnoshabituamoscom
essetremtodo.Eorestodavidaoadotamosondeservimos.Euservinatropa
praticamenteotempotodo.TiveumapequenatemporadanoSNI,sa,volteiparaa
tropa. M.A. - O senhor serviu com quem na FEB?
J.N.-Bom,meultimocomandantederegimentofoioSegadasViana.Umgrande
comandante, alis. M.A. - E esses comandantes que o senhor teve na
FEB foram depois importantes na sua carreira militar? O senhor
voltou a servir com eles? J.N. - No, no voltei a servir com eles.
Jos Luiz Coelho Netto M.A. - Com nenhum deles? J.N. - Nenhum deles.
Porque eu fiz um curso de especializao em moto-mecanizao e
quandovolteidaItliafiqueisempredentrodesseramo.Durantemuitotempofui
instrutordeescola.Jfuiinstrutoremquasetodasasescolas:EscoladeSargentos,
Escola de Aperfeioamento de Oficiais, Escola de Comando do
Estado-Maior.
G.S.-Parecequeosenhortemumavocaoacadmica.Osenhorfoitrplice coroado.
J.N.- Ah,issoaaconteceu.Fizmeuscursosemesabem.Fuiprimeirolugartrs
vezes... C.C. - algo raro de ocorrer. J.N. - Vem da esse negcio de
trplice coroado, que eu no gosto. Isso a maneira
dedizer,porqueeumededicava.Euentravaparaumaescolaparafazerumcursoe
realmente me dedicava.
G.S.-Agora,general,quandohouveasubstituiodoJniopeloJooGoulartcom
parlamentarismo, o senhor estava onde? J.N. - Eu estava na Escola
de Estado-Maior. C.C. - J era ali na Praia Vermelha? J.N. - J. Eu
era instrutor l. M.A. - Deixa euvoltar um pouquinho para trs. O
senhor nasceu em 1921, no ? J.N. - Foi. M.A. - E o senhor
descendente do antigo general Coelho Neto? Jos Luiz Coelho Netto
J.N. - No. outra famlia completamente diferente. M.A. - O senhor
nasceu onde? Aqui no Rio? J.N. - No Rio. M.A. - Seu pai no era
militar? J.N. - No. M.A. - O general Jos Antonio Coelho Neto no
parente seu? J.N. - No. G.S. - E os Coelho Neto vinculados com o
Fluminense so parentes seus? J.N. - No. Aqueles so da famlia do
escritor. E eu nem Fluminense sou. Meu time o Amrica. M.A. - O
senhor seguiu sendo instrutor em vrias escolas. Em 1961 o senhor no
tinha tido comando. Estava na ECEME. J.N. - . Depois eu fui
comandar o batalho de Santos, 2 BC. Eu era tenente-coronel. E
fuipromovidoacoronelnocomandodobatalho.Ento,comooficialsuperior,fui
comandante de batalho durante dois anos e meio. M.A. - Isso foi
quando? J.N. - Depois da revoluo. Eu j era tenente coronel.
M.A.-Sparaagentesesituarmelhor,atentoosenhortinhasidobasicamente
instrutor. Jos Luiz Coelho Netto
J.N.-Estivetambmnatropa.Servino11RI,emSoJoodelRey,servino Regimento
Escola de Infantaria, no Rio. Muito tempo nos dois.
G.S.-General,pensandoagoracomoanalista,seosenhortivessequemedaras
principais causas do golpe de 1964, da mais importante para a menos
importante, o que o senhor diria? O que levou as foras armadas a
isso?
J.N.-Bom,asrazessovriasetodaselasoriundasdogovernofederaldapoca:
anarquia,corrupodesbragada.Parecequeacorrupoummalcrnicononosso
pas.Infelizmente.Masnapocaeraterrvel.Anarquia...Eraousodeindivduosno
qualificados em vrias funes. G.S. - Incompetentes? J.N. - .
Incompetentes. O presidente era o Jango. O Jango nunca poderia ter
sido nem vereador de Parati. Coitada de Parati que tanto gosto. E
vinha de um pssimo exemplo, que era o do ento presidente que tinha
sado. M.A. - O Jnio Quadros.
J.N.-OJnio.PorqueoJniofoiumadecepo.Euvoteinelecomconvicoeme
decepcioneiempoucosmeses.Aquelasmedidasdeproibirbrigadegalo,ora,issoa
no preocupao de um presidente da Repblica. Pelo amor de Deus!E o
atual est seguindo o mesmo caminho. Tambm votei na chapa do Collor
com convico. Porque, entre Lula, ele e o outro, que eu nem me
lembro mais o nome, evidentemente que, no meu modo de pensar, era
ele. Jovem ainda, pouca militncia poltica, quer dizer, no era um
politiqueiro desses que a gente conhece. E tambm conseguiu me
decepcionar. M.A. - E o Itamar?
J.N.-OItamareuconheci,decertaforma.ElefoiprefeitoemJuizdeFora,lem
Minas. Ele no era tido como um homem de fora, de vontade de execuo.
Eu espero
queelesesaiabem.Porqueumhomemcorreto.Issoele.Muitocorreto.Muito
honesto. No h nada nesse sentido contra ele em Minas. E eu digo
Minas, porque a Jos Luiz Coelho Netto
terradele,aterraondeelecomeounapoltica.FoiprefeitodeJuizdeFora,que
uma grande cidade. Eu espero que ele se saia bem. Ele tem tudo para
se sair bem. Tudo. Eu acho que ele tem at a boa vontade do povo. a
impresso que estou tendo. Eu que no gostava dele, estou gostando.
G.S. - Ele est, parece, surpreendendo positivamente muita gente, no
? J.N. - A mim est.
M.A.-Voltandopara1964,osenhorfaloudeanarquia,corrupo,incompetncia.E
que mais o senhor consideraria? J.N. - As portas abertas para o
comunismo entrar. E isso no se podia permitir de jeito
nenhum.Omundoatualmenteestmostrandooqueaconteceucomospases
comunistas, ou dominados pelos comunistas. Est a para todo mundo
ver. E eu sempre fui radicalmente anticomunista. Veio de meu pai.
Fui criado assim. M.A. - Seu pai fazia o qu? J.N. - Era dentista na
cidade do Rio e fazendeiro no estado do Rio. Meu pai era mineiro.
M.A. - O senhor conspirou em 1964, durante o governo Joo Goulart?
J.N. - . Conspirei. M.A. - Aqui no Rio? J.N. - Aqui no Rio.
G.S.-General,hdesacordoentreaquelesqueanalisamessaetapa da
conspirao da
revoluo.Algunsdizem,usandoumaexpressodeumcolegaseu,queeramilhasde
conspirao. J.N. - Era. Jos Luiz Coelho Netto
G.S.-Outrosdizemqueno.Queonegcioestavamaisoumenoscentralizado,que
havia muita coordenao.
J.N.-No.Havialigao.Masachoquecoordenaoentreosgruposfoioquenos
faltou. A gente sabia o que os outros estavam fazendo, trocvamos
idias. C.C. - No havia um comando unificado. J.N. - No. No havia.
M.A. - Qual era a sua ilha? Quem estava nela? J.N. - O grupo da
Escola de Estado-Maior. M.A. - Quem era? J.N. - Ih! Eram tantos.
Quase todos. G.S. - Os mais relevantes quais eram? Os mais ativos?
J.N. - Quase todo o grupo de instrutores e a maioria dos
oficiais-alunos. A conspirao
eralivreldentro.Enfim,aspessoascriticavamlivrementeogoverno.Aoposioao
governo era total. C.C. - No havia dentro da escola um grupo de
oficiais legalista? J.N. - No. Na poca, no. E se houvesse, eles no
teriam coragem de pr a cara para fora.
M.A.-MasissofoidiferentedoRioGrandedoSul.L,dentrodoExrcito,foimais
difcil ser oposio ao governo Joo Goulart. G.S. - O III Exrcito era
fundamentalmente legalista naquela altura. Jos Luiz Coelho Netto
J.N. - . O III Exrcito foi legalista. No quero ser injusto, mas a
minha impresso que
elenuncaolhouoBrasilcomoumtodo.Querdizer,ogachodeumamaneirageral,
nunca olhou o Brasil como um todo. Olhava o seu rinco e pronto.
Mais nada. G.S. - Tinha um pouco do gauchismo na cobertura ao
Jango. J.N. - Ah, tinha muito. Se bem que eu conheci muitos gachos
que eram contrrios ao Jango. Inclusive um cunhado meu, que gacho de
fronteira, gacho mesmo, como se diz, no suportava o Jango.
G.S.-Agora,general,naquelapocadaconspiraohaviaumplanode governo? Ou
era simplesmente um golpe para tirar o Jango e pensar depois no que
fazer?
J.N.-Olha,planodegovernoeununcavi.Nuncavi.Oproblemaeratirarohomem,
mudarogoverno,prumhomemdecentenapresidncia,eele,comgenteescolhida,
faria um plano para tocar o pas. M.A. - Esse algum decente seria
quem? Os senhores chegaram a cogitar? J.N. - No. Ns ficamos
satisfeitos com a designao do Castelo Branco. C.C. - Muito ligado a
ECEME.
J.N.-.Eeraumhomemqueconhecamosbem.Eutinhasidosubordinadodele,
inclusive... G.S. - Na Itlia?
J.N.-NaItlia.Eraumhomeminteligente,preparado,debonspensamentos,correto.
De forma que quando surgiu Castelo Branco, batemos palma, claro.
M.A. - Na sua avaliao, a escolha do Castelo Branco foi mais
sustentada pelos civis ou pelos militares?Jos Luiz Coelho Netto
J.N. - Acho que mais pelos civis, porque ns no tnhamos candidato
para a eleio.
G.S.-Agora,nopensamentomilitardapoca,oquesepensavaeraumainterveno
rpida ou j havia o pensamento de que iam ficar dez ou 20 anos?
J.N.-No.Nohaviaessepensamento.Veiodepois.Eveiodepois,ameuver,
erradamente. Porque a revoluo no devia ter durado 20 anos. G.S. -
Quando o senhor acha que a revoluo devia ter terminado? J.N. - No
final do quinto ano j dava para se eleger um presidente civil e
tocar isso que chamam de democracia. G.S. - Quer dizer, 1969, por
a. J.N. - . Por a. G.S. - No fim do perodo Costa e Silva. J.N. - .
J no fim. M.A. - Uma eleio direta? J.N. - Direta. M.A. - Por que
que no aconteceu?
J.N.-Houveumapassagemdecomando,puraesimplesmente,deumgeneralpara
outro. Eu no sei o que que eles pensavam. Eu era muito mido na
poca. G.S. - Agora, general, todo mundo diz que Mdici no queria ser
candidato. Jos Luiz Coelho Netto J.N. - No. No queria. Isso eu sei.
Eu sei at por parentes dele. Mas a meu ver foi um
bomgoverno.Umgovernoquepspfirmeemcimadasubverso,eporissohoje
acusadodetudo.Masfoielequemacaboucomasubverso.Esenoacabanaquela
poca, ns teramos grupos subversivos armados at hoje. At hoje. M.A.
- E o senhor acha que um governo civil teria fora para fazer isso?
J.N.-ArturBernardesteve.Foiumgrandegovernocivil.Quandoeupensonum
governo civil, um homem tipo Artur Bernardes. Duro, firme, at mesmo
meio ditatorial, no importa. Est dentro da lei.
M.A.-Agora,osenhorestavaservindoondenogovernoCostaeSilva,quandoha
transio para o Mdici? J.N. - Eu estava na Escola do Estado-Maior.
J.N. - Quer dizer, o senhor no chegou a participar do governo
Castelo Branco, nem do governo Costa e Silva. J.N. - No. No. M.A. -
E no governo Mdici que o senhor vai para o SNI? J.N. - Foi. Foi.
G.S. - Foi o Fontoura quem o chamou? J.N. - No. O chefe da agncia
aqui era o Figueiredo. G.S. - Ah, o senhor veio para a agncia aqui
do Rio. J.N. - . Da agncia aqui do Rio. Jos Luiz Coelho Netto G.S.
- Mais a j no estava mais l em cima da Casa da Borracha no. J tinha
mudado, no ?
J.N.-No.ComeceinaCasadaBorrachaedepoisfomoslparaoMinistrioda
Fazenda. Logo em seguida. Um ms depois. M.A. - Foi uma fase de
grande expanso do SNI e de grandes atribuies. Foi uma fase difcil,
como o senhor mencionou, de combate esquerda. O SNI era o rgo
central. O que que fazia a agncia aqui? J.N. - Ela tinha uma rea de
atuao, que era o Rio de Janeiro e o Esprito Santo. G.S. - General,
deixa eu complementar a pergunta da Maria Celina. Ns, que estvamos
doladodefora,quenoestvamosmetidosnogoverno,parans,tudoqueestava
acontecendoeraumaespciedecaixapreta,nsnosabamosoquequeestava
acontecendoldentro.Hojejacabou,ento,jsepodeestudar.Osenhoresteveno
CIE e o senhor esteve no SNI.No combate luta armada, qual era a
diferenciao de funo dos dois rgos? O que que um fazia que o outro
no fazia? J.N. - Bom, quem mais se empenhou no combate luta armada
foi o CIE. Eu estava l, eu era o subcomandante. Porque ns tnhamos
grupos de guerrilheiros no Araguaia e em outros lugares do interior
e nas grandes cidades: Rio, So Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre.
Ento, ns tnhamos que acabar com eles. G.S. - O SNI ficava com a
parte de informaes e contra-informao. J.N. - Era. Eles no tinham
estrutura. G.S. - Capacidade operacional. J.N. - No. M.A. - O
senhor primeiro serviu no SNI e depois no CIE? Jos Luiz Coelho
Netto J.N. - Foi.
M.A.-OsenhorestavafalandodaagnciaRio.EraRiodeJaneiro,EspritoSantoa
rea de atuao... J.N. - Basicamente isso. E Minas Gerais. M.A. -
Quantas pessoas trabalhavam para o senhor? J.N. - Ah, eu era chefe
de seo. C.C. - Mas na agncia como um todo. S para ter uma idia do
tamanho da agncia. J.N. - Sabe que eu no sei? G.S. - A Agncia
Central era aqui, no ? Ainda era aqui a Agncia Central. J.N. - Era.
G.S. - S depois que foi para Braslia. J.N. - Exato. G.S. - Ento,
deve ter sido a mais importante. M.A. - Duas mil pessoas? Tinha
duas mil pessoas? J.N. - No, no chegvamos a isso. G.S. - Porque o
general Sousa Mendes publicou um trabalho no qual ele afirmava que
durante a gesto dele, no SNI como um todo, tinha perto de 2.300
pessoas. J.N. - . Mas o SNI como um todo. A gesto do Sousa Mendes j
foi numa poca mais pacfica no pas. Bem mais. A gesto do Figueiredo
na agncia Rio... Jos Luiz Coelho Netto G.S. - Foi durante o governo
Mdici. Que foi a barra mais pesada. J.N. - Foi. Ali era brutal.
Brutal mesmo. G.S. - Mas na poca andaram falando num nmero, que eu
acho que no pode ter sido togrande.Falava-se
quecontandoopessoaldetrabalhoefmero,nosopessoal permanente, talvez
tivesse chegado a 20 mil no Brasil inteiro. J.N. - Ah, no creio.
Porque eu sempre tive falta de pessoal. [riso] Eu era chefe de seo
e sempre tive falta de pessoal. M.A. - Que seo o senhor chefiava?
J.N. - Eu chefiava a seo do comunismo internacional. M.A. -
Comunismo internacional? J.N. - . Sim, porque ele veio de fora para
c, no . Ento, ns tnhamos que estar de olho. E aqui dentro acontecia
muita coisa que tinha sido trabalhada ou na Frana ou na...
Iugoslvia. G.S. - Iugoslvia? Porque a Iugoslvia estava s turras com
a Unio Sovitica na poca.
SerquenoseriaaAlemanhaOriental,no?Porqueeleserammaisativostambm.
Tchecoslovquia era um pouco mais ativa. J.N. - No. A Iugoslvia
estava s turras, mas precisava do dinheiro de Moscou, ento, arriava
as calas para Moscou facilmente. M.A. - Bom.A atuao do SNI aqui.
Tinha que dar informao com relao a assalto a banco... Como que se
trabalhava? J.N. - Os agentes eram espalhados por todo lugar. Como
em todo o servio secreto. Jos Luiz Coelho Netto M.A. - Civis e
militares? J.N. - Civis. A maioria. G.S. - De que nvel eram os
agentes? J.N. - Ah, ns tnhamos agentes no nvel mdio e no nvel
superior. G.S. - Engenheiros, advogados... J.N. - Advogados.
Principalmente, advogados. M.A.- E chegava ele l com uma informao,
quer dizer, o Celso Castro fez isso na reunio do MR-8... J.N. - A
ia-se apurar. Entrava a fundo, no ? G.S. - General, o que que o
senhor conseguia fazer para que no se usasse a acusao de esquerda
como instrumento de vendeta pessoal?O senhor est me entendendo?
J.N. - Estou. G.S. - Fulano, que quer subir na carreira, diz que o
outro ali comunista, mas ele no , ele diz que . J.N. - A investigao
resolvia tudo. Porque voc ia atrs do passado do indivduo, ficha
policial,setivesse,qualomotivo,eaatuaodeleemvriossetoresdasuaprpria
atividade. Testemunho de pessoas que trabalhavam com ele ou que
tinham trabalhado. a nica maneira de se fazer uma investigao desse
tipo. M.A. - Ento, tinha que ter muita gente mesmo. G.S. - General,
por ano, me d uma idia de um ano pesado mesmo, a Agncia Central
tinha que investigar quantas pessoas mais ou menos? Jos Luiz Coelho
Netto J.N. - Ah, quantas, eu no sei. Porque ela era muito dividida,
havia muitas sees. G.S. - E na sua seo de comunismo internacional?
J.N. - Bom, a gente tinha o olho permanente na Frana, como eu
disse, na Iugoslvia e em Moscou, claro. G.S. - China no tinha, no?
J.N. - No. M.A. - Cuba. J.N. - No. No. A influncia de Cuba era...
Cuba sempre arrotou grosso e cuspiu fino. M.A. - Come sardinha e
arrota camaro. [riso] J.N. - . G.S. - E a Albnia tambm, no? J.N. -
No. Na poca, no... G.S. - Porque o PC do B estava influenciado,
segundo eu entendo, principalmente pela China e pela Albnia. J.N. -
. Albans. Mas o PC do B teve maior atuao no norte do pas. G.S. - No
Araguaia. J.N. - No Araguaia. Ali era PC do B puro. M.A. - O senhor
investigou tambm os contatos do PC do B? Jos Luiz Coelho Netto
J.N.-Ah,todoselesforaminvestigados.Etemmuitagentehojequedeputado,
senador, est em cargos do governo... G.S. - Mas mudaram, no ,
general. Muitos deles mudaram. J.N. - Mudaram. Muitos deles
mudaram. G.S. - Realmente, de vez em quando eu fico conversando com
algumas pessoas que h
25anosatrsestavamnaextremaesquerda.Hojeestomaisparecidascomaextrema
direita do que qualquer outra coisa. [riso] J.N. - . Mudaram.
Mudaram, porque viram que a esquerda no dava nada, no levava a
nada.
M.A.-Asuaseoeradecomunismointernacional.Osenhorprocuravaseinformar
sobreaspessoasqueestavamviajando,acorrespondnciaquevinhaparaospartidos,
interceptar correspondncia... J.N. - Sim. E os cursos que l fora
davam para os brasileiros. M.A. - Eram muitos? C.C. - Curso terico,
ou de formao prtica? J.N. - No. Formao prtica de guerrilha. M.A. -
Mas a era Cuba que dava curso de guerrilha. J.N. - Tinha Cuba,
Iugoslvia, a... Me esqueo o nome do pas. Tinha outro. G.S. - Os
pases rabes j estavam metidos nisso? A Lbia, a Sria. J.N. - No.
Nunca tivemos nenhum problema, nenhuma preocupao maior. Jos Luiz
Coelho Netto M.A. - E tinha muita gente indo fazer esses cursos de
treinamento no exterior? J.N. - Tivemos anos que s em Moscou tinha
umas 60 pessoas. M.A. - mesmo?! G.S. - Porque eu sei que tinha
outros que iam l estudar medicina, no sei o qu. J.N. - . Subverso
e... guerrilha estava no meio. M.A. - Essas pessoas saam como?
Clandestinas? Com passaporte falso? J.N. - No. Saam dentro das
facilidades que a chamada revoluo ditatorial fornecia. M.A. - Como
assim? J.N. - Tiravam seu passaporte e viajavam. A maioria viajava
primeiro para a Frana ou para a Itlia. E de l ento ia para Cuba ou
Iugoslvia. M.A. - S um minutinho. [FINAL DA FITA 1-A] M.A. - As
pessoas saam como turistas do Brasil e iam... J.N. - Normal.
Normal. G.S. - General, praticamente, como que o senhor conseguia
saber isso? Saa o fulano com alguma vinculao com o PC, uma coisa
assim, e ia para Moscou. Como que se
sabiaseessecaraestavaestudandomedicinaouestavafazendocursodesubverso?
Como isso era feito? O senhor tinha boas informaes de agentes de l,
ou de agentes americanos? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Tnhamos os
agentes de l e tambm fazamos ligao com o CIA, que tinha uma rede
muito extensa no mundo. G.S. - E das vrias organizaes de contra
espionagem que havia no mundo ocidental, quais eram as mais
eficientes? J.N. - Bom, era o CIA americano. E depois era preo duro
entre o alemo e o francs. G.S. - Os ingleses j iniciam com o N6,
no? J.N. - Tambm. Tambm.
G.S.-Israel,agentenotevemuitocontato.Parecequeelessomuitoeficientes
tambm. J.N. - No. No tivemos muito contato. M.A. - E tinha como
acompanhar a atuao deles l em Moscou ou na Iugoslvia? J.N. - De
certa forma. Com muita falha, por falta de pessoal. Porque um
trabalho desses
custacaro.Eparapagarumagentenoexterior,nooprecinhoquepagamparaum
agente aqui. E pago em dlar. Ficava muito restrito. Porque um
trabalho que custa caro. G.S. - E a CIA no fazia isso de graa para
a gente, no? J.N. - A CIA no faz nada de graa. Para ningum! [risos]
Alis, os americanos de uma
maneirageral,nofazemnadadegraaparaningum.Achoqueelesestocertos.Se
ns fazemos, estamos errados. M.A. - Qual era a organizao de
esquerda que tinha mais contato com o exterior? Era o Partido
Comunista? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - PC e PC do B. Porque o PC
era praticamente um apndice do partido comunista
russo.Recebiaordensdel.Nativismoengraadoesse,no.[riso]Recebiamordens
de l. E o PC do B mais ligado ao chins. M.A. - E o senhor ficou no
SNI todo o tempo do governo Mdici? J.N. - No. Cansei de ficar em
sala fechada e pedi tropa. Fui comandar. M.A. - Me explica uma
coisa. Como que o senhor foi parar no SNI? O senhor foi um
homemdetropaedeescola.Enfim,osenhordeviateralgumatributooualguma
ligao pessoal com... J.N. - No, eu tinha um curso de informaes.
M.A. - Que o senhor fez onde? J.N. - Aqui no Brasil. G.S. - Mas
isso foi antes da Escola Nacional de Informaes? J.N. - Foi. Eu fiz
aqui. E parece que eu era muito ativo nesse setor. Ento, o
Figueiredo me puxou para chefiar uma seo da agncia aqui no Rio.
C.C. - O senhor j conhecia o Figueiredo antes. Tinha servido com
ele antes.
J.N.-Ah,Figueiredoeuconheciadesdeelecapito,eucapito.Tnhamosservidona
Escola de Comando do Estado-Maior e em vrios lugares. C.C. - O
senhor vem para o SNI como coronel? J.N. - No. Eu era
tenente-coronel. G.S. - E ficou uns dois, trs anos? Jos Luiz Coelho
Netto J.N.-No.NofiqueitudoissonoSNI,no.Fiqueiumanoepouco.Cansei,me
irritei... M.A. - Por qu? J.N. - Porque na poca a gente dava a
informao comprovada e o governo no tomava providncia nenhuma.
Aquilo irritava a gente. G.S. - Isso foi no governo Mdici? J.N. -
Antes. G.S. - Durante o governo Costa e Silva. J.N. - Que foi o
pior. No meu entender. O Mdici dava todo o apoio. G.S. - OCosta e
Silva segurava? Era ele ou algum subalterno dele? Alguns definem o
Costa e Silva como uma pessoa dura, outros como mais moderado.
J.N.-CostaeSilvaeradurodeboca.Maisnada.Apenasumavezououtraele
realmente tomava uma medida. Quando interessava a ele.Agora, o
cumpridor de todas essas leis mesmo foi o Mdici. M.A. - Mas foi
durante o governo Mdici que o senhor saiu. J.N. - Foi. M.A. - Assim
mesmo o senhor estava aborrecido.
J.N.-No,estavacansadodaquelavida.Aquilocansa.Irrita.Agentenotemhora,
nem noite, em casa, telefonema em cima de telefonema. Quantas vezes
eu tive que sair noite para vir para a agncia. G.S. - Situao de
crise o tempo todo, no ? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - O tempo todo.
G.S. - E aqui no Rio, general, qual era o grupo de atuao mais
perigoso quela poca? J.N. - Ainda era o PC e o PC do B. Porque os
outros, MR-8 e esses eram grupelhos. No faziam mossa a ningum.
Levavam umas palmadas, sumiam. [riso] Mas o PC tinha uma estrutura.
G.S. - Agora, corrija-me se estou errado, mas dos grupos de
esquerda o PC era o menos revolucionrio. J.N. - Bom, o PC tinha uma
teoria. Como em 1935 eles levaram uma paulada vigorosa, eles
achavam que dessa vez tinham que se resguardar de qualquer luta
armada. Porque
sabiamquelutaarmadaporlutaarmada,nsamoscommaisfora.Ento,oPCse
dedicoumaisaoproselitismo.Formarpessoas,grupos,influirnasadministraes
governamentais, municipais, estaduais e federal. Era essa a
orientao deles. Tanto que no Araguaia no tinha ningum do PC. G.S. -
Era s PC do B. J.N. - PC do B. Chins. M.A. - O senhor investigou
algumas pessoas do Araguaia? O senhor trabalhou nisso? J.N. - Sim.
O meu pessoal trabalhou.
M.A.-OsenhorpoderiadarumperfildosguerrilheirosdoAraguaia?Quantos
guerrilheiros tinham l? J.N. - 60. M.A. - 60 guerrilheiros. O SNI
contou. Jos Luiz Coelho Netto
J.N.-Contou.OCIEcontou.60armados.Foraosadeptoslaterais,queagentenem
ligava. No ia perder tempo.
G.S.-Agora,general,umacoisaquepoucagentefaladequehaviaumestadode
guerra... e que houve baixas... J.N. - Ah, houve. G.S. - O senhor
tem idia do nmero de baixas nas foras armadas durante a guerra do
Araguaia?
J.N.-Bom,nstivemos,nosnoAraguaia,umnmeronaordemdequatrocentas
baixas. Mortos. C.C. - Isso em todo o perodo de governos militares?
J.N. - . No combate subverso.
G.S.-Agora,issoincluiosujeitoqueumguerrilheiromaisradicalmataporquesabe
que militar, ou somente os mortos em encontros armados.
J.N.-No,maisemencontrosarmados.Assassinatocara-a-carahouvemuitopouco.
Muitopouco.Elesprocuravamseresguardartambm,no.Porquemontarum
aparelho, como eles chamavam, e ns tambm, um apartamento ou uma
casa, onde eles tinham o material deles e se reuniam, saa caro.
G.S. - Ento, em encontros armados houve um total de quatrocentas
baixas em todas as foras armadas. Isso inclui servios auxiliares
tambm? J.N. - Bom, todas as foras armadas relativo, porque
basicamente era o Exrcitoque estava nisso. Era luta de terra, em
terra, no ? M.A. - A partir de que momento o Exrcito entra no
combate represso de uma forma mais ostensiva, mais direta, tomando
a liderana da represso? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Bom, misso do
Exrcito, das foras armadas, defender a Constituio, defender a ordem
legal. Quando aparecem grupos querendo derrubar a ordem legal, no
precisa haver ordem para contra-atacar. J est implcito na misso.
Ento, eles se organizam e saem em cima. G.S.
-Agora,general,inicialmente, quem estava fazendo a represso era o
DOPS e as PMs, as polcias estaduais.
J.N.-.Comeounapolciaestadual.Maselesnotinhamestruturanenhumapara
enfrent-los. G.S. - E qual foi o momento em que as foras armadas
resolveram entrar? J.N. - Bom, quando cresceu a subverso. M.A. -
governo Mdici, no ? J.N. - Logo no comecinho. Final do Costa e
Silva, Mdici. M.A. - O senhor j estava no SNI. Ento o senhor
acompanhou bem essa filosofia? J.N. - A, sim. setorizado, ento, a
gente cuida do seu setor e ignora muita coisa dos outros setores.
M.A. - O senhor comandou tropas no Araguaia? J.N. - No.
M.A.-Bom,osenhordissequesaiudoSNIporquequeriaumaatividademenos
burocrtica. O senhor foi para onde? Foi comandar tropa? J.N. - No.
Sa do SNI, para onde que eu fui? J tem tanto tempo isso. M.A. - Mas
o senhor se desvinculou dessa rea de informao alguma vez? Jos Luiz
Coelho Netto J.N. - No. Nunca. A gente, comandando tropa, est
dentro do sistema de informaes. Ns fazemos informaes, todo corpo de
tropa tem uma seo de informaes, que o E2, e isso a a gente no se
desliga nunca. G.S. - General, a propsito disso, a duplicidade de
rgos vinculados com informaes
ecomoperaes,oE2eoCIE,parecequeincomodaaalgunsmilitares.Osenhor
poderia falar a respeito disso, para a gente entender melhor?
J.N.-Bom,nohaviapropriamenteumavinculao.TodavezquensdoExrcito amos
fazer uma operao numa determinada rea, informvamos ao SNI. Que era
para no haver encontros. G.S. - No bater cabea. J.N. - No bater
cabea. Havia sim, no nosso meio, oficiais que achavam que ns no
devamos nos meter nisso. Eram oficiais que estavam deslocados da
misso do prprio
Exrcito.Ouousoatdizerquetinhamreceiodeseremdesignadosparaumsetor
desses..Nemtodomundofardadovalente.No,no.Nstemososnossos covardes
enrustidos. G.S. - Agora, general, o CIE comeou a atuar mais depois
que veio para o ministrio, no ? Inicialmente, ele estava no
estado-maior, no ? J.N. - No. O gabinete do ministro tinha um setor
de informaes pequeno, informaes para o ministro, para o gabinete.
Esse setor que foi ampliado para atuar no territrio nacional. E a
surgiu o nome de Centro de Informaes do Exrcito. G.S. - Isso foi
durante a administrao do Orlando Geisel, no ? J.N. - Orlando
Geisel. G.S. - Que trouxe a estrutura do CIE que j existia no
gabinete. Jos Luiz Coelho Netto J.N. - No. Conservou no gabinete, s
que ele cresceu. G.S. - O primeiro a ser criado foi o Cenimar? J.N.
- Isso eu no sei. G.S. - E quem foi o homem que bolou o CIE? J.N. -
Ah, agora no sei. No houve um homem que bolasse. G.S. - Foi mais
uma resposta s necessidades. J.N. - . E havia um conjunto de
homens, de oficiais que estavam preocupados com o problema. M.A. -
E continuou no gabinete do ministro. J.N. - Continuou. Continuou no
gabinete. M.A. - Ento, o ministro era a pessoa mais alta na
hierarquia do CIE. J.N. - Ah, era.
M.A.-MasnotinhaumasubordinaoaoSNI?Comocentrodeinformaes, no devia
obedincia ao SNI? J.N. - No. Nenhuma obedincia. M.A. - Era
paralelo. J.N. - Era paralelo e havia troca de informaes. Nunca
houve choque. G.S. - A quem devia obedincia o comandante do CIE? Ao
ministro? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Ao ministro. Ao ministro.
G.S.-Nocaso,digamos,daexpansodoCIE,noperododoOrlandoGeisel,quem
estava dirigindo o CIE em Braslia? J.N. - Era aqui no Rio. Era o
Fiza de Castro. G.S. - Est vivo ainda? J.N. - Est. G.S. - Quem era
o seu chefe no CIE?
J.N.-Bom,oltimofoi,ohojegeneralnareserva,MiltonTavaresdeSousa.Antes
tinha sido...Agora est me falhando a cabea. G.S. - O senhor
trabalhou com o Milton, ento? J.N. - Miltinho, como chamavam. Bom.
Duro. Firme. Inteligente. M.A. - E a atuao do CIE durante o perodo
Geisel tinha alguma coisa parecida com o que o senhor fazia no SNI?
J.N. - No. Bom. Informao informao, em qualquer lugar, no . Mas ns
ramos mais operacionais.
M.A.-OquesefazianoCIE?Informavassobrequestesmilitares,ouinformava
sobre tudo? J.N. - No. Informvamos sobre qualquer coisa. M.A. -
Inclusive comunismo internacional. J.N. - Ah, principalmente.
Comunismo, subverso de uma maneira geral, corrupo. Jos Luiz Coelho
Netto
G.S.-General,duranteogovernoGeisel,quegruposaindaestavamativosaquino
Brasil? Porque o grosso j tinha acabado. J.N. - No. No governo
Geisel, no. G.S. - Antes. O grosso acabou antes. J.N. - No!
G.S.-Eutinhaaimpressodequeduranteostrsprimeirosanosdogoverno
Garrastazu Mdici o... J.N. - que o grosso estava atuante. G.S. - A,
houve controle. Sobraram alguns grupos. Agora, quais eram os grupos
mais relevantes, que estavam mais atuantes durante o governo
Geisel?
J.N.-Bom,duranteogovernoGeisel,nohouvetantaatuaooperacionaldesses
grupos. Eles foram montados, se organizaram, e comearam a atuar
mesmo no final do
governoCostaeSilva,comeodoMdici.Aqueelescomearamabotaras manguinhas
de fora e ns tivemos que entrar duro em cima deles. G.S. - General,
naquele momento, as foras armadas estavam bem preparadas para
tratar
doproblemadecontra-informaoecontraasinsurgncias,outiveramquemandar
gente para fazer curso fora? J.N. - No. Para isso ns estvamos
preparados.
G.S.-Porqueeuentendoque,numdeterminadomomentoanterioraesse,foram
enviadostcnicosparaseespecializaremvriasreas.UnsparaaAlemanha,outros
para a Frana. Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Foram. O assunto
informaes sempre foi um assunto muito importante para ns. Havendo
ounosubverso.Porqueaguerracomum,normal,desenvolvidaemcima
deinformaestambm.Ento,nanossaformaohmuitodoassuntodebuscade
informaes. Muito. M.A. - Mas a atividade central do CIE me parece
que continuava sendo a atividade de segurana interna, no ? Mesmo no
tempo do Geisel. J.N. - . Toda ela. Mesmo no tempo do Geisel.
Segurana interna nacional. M.A. - Quer dizer, a, segurana interna,
leia-se controle em relao esquerda, no . J.N. - Bom, mais em relao
esquerda.
G.S.-General,quaisforamosgrandestemas,osgrandesproblemasdapocaqueo
senhor teve que tratar, quando estava no CIE? Era problema do MDB,
era problema de sindicato, era guerrilha?
J.N.-No.EramgruposcomunistasradicadosemSoPaulo,noRiodeJaneiro,em
Belo Horizonte, nessas cidades principais. G.S. - E como que se
desmontava operacionalmente um grupo? Porque difcil entrar.
J.N.-.Ns,desdecedo,procuramosinfiltrargentenossanessemeio.Ento,ns
tnhamosgenteinfiltradaentreeles.Tantoquequandohaviaumaaoarmadacontra
um grupo deles, a gente ficava preocupado com o nosso elemento que
estava l. G.S. - Para no pegar o elemento. [riso] J.N. - Sim. A
gente no podia dizer: nesse no, que nosso! Que a... [riso] M.A. -
Pegava mal, no . [riso] Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Ficava. M.A. -
O governo Geisel j era o governo da abertura. Como que se coadunava
uma atividadedeinformaoextremamentepreocupadacomaesquerdacomuma
preocupaodopresidentenosentidodepromoverumamaiorliberalizao?Havia
choque l dentro?
J.N.-No.No,propriamente,porquenumregimedemocrtico,ostrabalhosde
informao e as operaes de informao continuam. s ver nos Estados
Unidos o que faz a CIA e o prprio FBI. Na Alemanha, o servio
secreto alemo. A Alemanha hoje uma democracia. A Frana, uma
democracia meio duvidosa, mas . Nenhum governo prescinde de um
servio de informaes. Nenhum. Tanto que a besteira primeira que o
Collorfezfoiquererdesmontar,desfazeroSNI.Ecriouumnegcioqueathoje
ningum sabe o que . Agora, ns sabemos por que que ele fez isso.
M.A. - Eu no sei. J.N. - Motivo pessoal. G.S. - Ah! Tem a ver com a
audincia que ele ficou esperando na ante-sala? isso?
J.N.-No,elefoiaopalciodoPlanalto,notinhaaudincia,ento,claro,foi
barrado. Depois arrumaram uma hora vaga com o presidente para ele
ser recebido. E ele ficou raivoso com o SNI. Foi a primeira decepo
que eu tive com o Collor. M.A. - Foi acabar com o SNI.
J.N.-Porummotivopessoal.Sefosseummotivodeestrutura,tudobem.Masns
sabamos que no era. Eu estava em Braslia, quando ele foi barrado.
Ficou uma fera. M.A. - Era o general Ivan, no . Bom, durante o
governo Geisel, o senhor ficou no CIE Depois o senhor vai para Belo
Horizonte, em 1979. Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Fui. C.C. - O
senhor no foi diretor de moto-mecanizao? J.N. - Fui. C.C. - Foi
depois do CIE e depois da DE? J.N. - No, antes. C.C. - Antes do
CIE. G.S. - Nessa poca, no CIE, a sua funo era qual? J.N. -
Subcomandante.
G.S.-QuantagentetinhanoCIEmaisoumenos?Porqueasubversojestavabem
controlada nessa poca, no . Ns estamos falando de quantos oficiais
mais ou menos? J.N. - Difcil.Se eu disser, chute.
G.S.-Mandaumchute.Porqueeunoseiaquiseagenteestfalandode30ou
trezentos ou trs mil. J.N. - No. Na ordem de cem, cento e poucos.
M.A. - S? C.C. - Oficiais, ou funcionrios civis tambm? J.N. - No.
oficiais. Os outros eram sargentos. E alguns funcionrios civis.
G.S. - Mais no nvel de datilgrafos e tal. Jos Luiz Coelho Netto
J.N.-No.Deinvestigador,deagente.Tinhamenoscivis,porqueofuncionriocivil
notinhaformao.Osargentotinhaaformao.Ensnotnhamostempo,nem
estruturaparadarumaformaocompletaaocivil.Ento,aproveitvamoscivisque
estavam na polcia, passavam nossa disposio, porque j tinham uma
certa formao. At no linguajar.
G.S.-General,duranteesseperodo,qualfoioseumaiorxitonodesmontedeum
aparelho de esquerda? Qual foi o mais importante para o senhor?
J.N.-Bom,meu,nenhum.Porquetodootrabalhoeraemgrupo.Euachoqueo
principal mesmo foi o Araguaia. G.S. - O senhor j estava no CIE,
quando isso aconteceu. J.N. - J. O principal foi o Araguaia. G.S. -
Como que se soube que tinha gente l no Araguaia? Porque eles
estavam bem metidos. J.N. - Gente nossa infiltrada. G.S. - Dentro
do PC do B. J.N. - .PCB e PC do B sempre foram vendidos por gente
que estava l dentro. [riso] No em tudo, porque eles tambm no
tomavam conhecimento de tudo, no . Mas uma coisa dessa fcil de
saber. M.A. - O senhor falou que eram mais ou menos 60 pessoas
armadas no Araguaia. Mas isso os senhores sabiam desde o incio?
J.N.-No.Sdepoisdechegarl.Erammaisde60.Maseuconto60estruturados. No.
No tnhamos idia nenhuma. Jos Luiz Coelho Netto
G.S.-Enaquelacampanha,parecequenoincio,asforasarmadastiveramvrias
baixas,porquenoestavampreparadasparaaqueletipodeenfrentamento.Edepois
trocaram as tropas e mandaram... J.N. - , fomos surpreendidos.
Porque quando entramos contra eles, l,eles j estavam organizados,
armados, municiados. M.A. - Tinham muitas armas mesmo? J.N. - As
comuns, individuais. Metralhadora de mo, granadas, fuzis, que numa
regio de mata o armamento principal. M.A. - Qual foi o comando mais
importante para desmontar a guerrilha? Foi o Antnio Bandeira? J.N.
- Para desmontar? M.A. - Para desmontar a guerrilha do Araguaia.
Teve vrios... J.N. - Bom, quem acabou desmontando foi o Milton
Tavares de Sousa, chefe do CIE. G.S. - Nessa altura o Ivan era
comandante da regio. J.N. - Era. L em Belm.
G.S.-Nsconversamoscomele.Ento,querdizerqueainfiltraofoiaestratgia
principal de obteno de informao. J.N. - Ah, .Alis uma ao normal em
todo servio secreto do mundo. Infiltrar. G.S. - General, o senhor
quando falou do Milton, disse que gosta dele, que um homem duro, um
homem reto, e do Mdici tambm. Explica para a gente aqui o que que
quer dizer ser da linha dura. Porque na sociedade, o pessoal fala
linha dura, fica achando que come beb, no . Ento, explica a para a
gente. Jos Luiz Coelho Netto J.N. [riso] Ah, meu Deus. Eu nunca
comi beb. Sempre fui considerado da linha dura. G.S. - O senhor foi
considerado da linha dura?
J.N.-Semprefui.Alinhaduraexigiaocumprimentodasleisvigentes,dasleisde
segurana.Ecomoobrigaosua,viviaprocurandoseinfiltrarelevantarosfocosde
subverso. E acabar com eles de qualquer maneira. Acabar com esses
focos. [FINAL DA FITA 1-B] J.N. - (...) estrutura que vinha do PC.
J havia. Em So Paulo tambm. M.A. - Quer dizer, ser duro, mas ser
duro... J.N. - Dentro da lei. M.A. - Mas era uma legislao
excepcional, no era?
J.N.-Sim.Maseraalegislao.Ento,vamoscumprir.Acabou.Quemfezaquela
legislaoexcepcionaljulgounecessrio.Nofoiumhomem.Foiumgrupode
governo. Ento, vamos cumprir, fazer cumprir rigorosamente. C.C. -
Havia algum termo para designar os que no eram linha dura? Quem
eram os que no eram linha dura? J.N. - Ah, no tinha termo. G.S. - O
oposto de duro mole. Chamar algum de mole no mole. [riso] Quemo
senhor acha que eram as pessoas mais representativas, mais
inteligentes e mais atuantes da linha dura, durante o perodo Mdici
e depois no perodo Geisel?
J.N.-Bom,euaindaponhoemprimeirolugarogeneral,queestnareserva,Milton
Tavares de Sousa. Grande cabea. Crnio. Jos Luiz Coelho Netto G.S. -
O Milton esteve no II Exrcito durante algum tempo, no? J.N. -
Esteve. G.S. - Ele est vivo? J.N. - Est. G.S. - Que outras pessoas
o senhor considera representativas desse grupo? M.A. - Antnio
Bandeira... J.N. - Bandeira. G.S. - Bandeira est l em Pernambuco,
no ? J.N. - No sei onde que est o Bandeira. Est l? C.C. - Est na
fazenda.
J.N.-Estnafazenda?[muchocho]Bandeirafoiumgrandecombatente.Inclusive
pessoalmente. G.S. - Entrava no combate? J.N. - Entrava. C.C. -
Isso no perodo do Araguaia? J.N. - . No perodo Mdici, no . O
Araguaia foi apenas uma das situaes. C.C. - Eu me lembro que ele
andava sempre com uma pistola, no ? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - .
Andava e atirava. C.C. - E atirava?
G.S.-Egeneral,osenhorachaqueoMiltonTavaresteveumaatuaomuito
importanteduranteagreveemSoPaulo?Queoutraspessoasosenhorrecomendaria
que a gente conversasse e que representariam melhor a linha dura?
J.N. - Bom, j falaram nos dois principais: Bandeira eMilton. Ah...
pouca gente. No tem muito mais do que isso, no. G.S. - Dentro do
Exrcito, os senhores se designavam assim, como duros? J.N. - No.
M.A. - Agora, na Aeronutica tinha quem? O Burnier... J.N. - Bom,
tinha o Burnier... . Basicamente, o Burnier. M.A. - O senhor
considera tambm o Burnier um homem do cumprimento da lei? Ele tambm
est dentro dessa linha? J.N. - Tambm. Conheo bem o Burnier. G.S. -
Ele est com um problema de vista, no . J.N. - Est. G.S. - Mora em
Maca. J.N. - No. Ele mora ali em... G.S. - Eu achava que ele morava
em Maca, general. Jos Luiz Coelho Netto J.N. - No. Ele tem um stio
em Maca. O Burnier da minha turma. Conheo bem. G.S. - O senhor acha
que o Burnier daria uma entrevista para a gente?
J.N.-Hum...Inclusivehtrsanos,nscriamosumgrupodenominadoCentrode
DefesadaDemocracia.Umacoisadessas.OBurnierestcomopresidente.Euestou
como vice-presidente. E mais dois. M.A. - O senhor gosta, no .
[risos] J.N. - Uma boa fofoca no faz mal a ningum. [riso] M.A. -
Mas o que que os senhores querem com esse centro? No simplesmente
um centro social para encontrar os amigos, no ?
J.N.-No.Nsqueremosnospreparar,estarmospreparadosparanosopormosa
qualquer grupo que queira derrubar a democracia. Qualquer grupo.
G.S. - Agora, falando um pouco de hoje, o senhor v esses grupos na
poltica brasileira? J.N. - No. Alis no vejo ningum na poltica
brasileira. Ns no temos uma liderana. Uma nica sequer como tnhamos
h alguns anos atrs. M.C - General, no perodo Mdici, o senhor falou
que uma vitria expressiva foi o fim
daguerrilhadoAraguaia.Agora,foiumperodotambmemquesearriscoumuitoa
questodosabusosnosdireitoshumanos,no?Comoqueissoeradiscutidol
dentro, como que senhor vivenciou esse problema?
J.N.-Bom,vamos...Foimuitoboaapergunta.Nunca,dentrodocentro,seinsinuou
sequerquenoserespeitassemosdireitoshumanos.Agora,acontecequeaatuao
operacional era feita por grupos organizados dentro das sees de
informao. Em todo grupo h os mais exaltados, os mais radicais.
Ento, soubemos que houve grupos que ao
invadiremcasasouapartamentosouaofazeremprisesusaramdemeiosquensno
Jos Luiz Coelho Netto
autorizvamos.Nsafastamosdosistemaoselementosqueforamrepetitivosnesses
atos.
C.C.-MasesseselementoseramoficiaisdoExrcito,eramsargentos,eramda
segurana militar?
J.N.-Eramoficiaisesargentos.Agenteentendiaqueinvadirumapartamento,por
incrvelqueparea,umaoperaoperigosa.Muitoperigosa.Ento,osujeitoj
invade,sabendoqueldentrotemcinco,seis,oitohomensarmados,jinvadetenso.
Nofcil,no.Alutaacuabertomuitomelhordoquealutaurbana,dentrode
cidade.Cadaesquinaumaarmadilha.Acomearpora.Cadaesquinauma
armadilha.
M.A.-Ento,oCIEsabiaquehaviaalgunsexcessos,masosenhorestdizendoque
eles eram corrigidos. J.N. - . G.S. - Removiam as pessoas, depois
de reincidncia. J.N. - Ah, removamos. M.A. - E como que se sabia
que uma determinada pessoa estava cometendo excessos? J.N. - Pelo
prprio grupo. Pelo prprio grupo. M.A. - E a questo da tortura? O
centro tinha a ver com tortura? J.N. [riso] Nunca houve tortura.
Nunca. M.A. - Nem na Baro de Mesquita?
J.N.-No.Oscomunistasaproveitaramessemotedatorturaparafazeracampanha
deles. A tortura nunca houve. O que tortura? queimar a planta dos
ps, apertar a Jos Luiz Coelho Netto
cabea,quebrarobrao.Nuncahouve.Aprisojumatortura.Apessoaficar
privada de liberdade j uma tortura, meu Deus do cu.Mas eles deram
uma conotao
diferentepalavratortura.Masissoagentenoadmitiaemhiptesealguma.Ns
exigamosquefossedadoaopresoomesmotratamentoquerecebeoprisioneirode
guerra.Porquenaguerra,vocfazoprisioneiroeeletratadocondignamente.Na
priso, no campo de concentrao, seja l o que for... M.A. - Mas na
hora que chegava, por exemplo, um elementodo PC do B ali na Baro
deMesquita,suponhamos,eossenhoresprecisavamarrancardeleumainformao,
saberquantoscolegas,saberondeeraoponto,ondeeraoaparelho,nosepraticava
algum tipo de coao fsica nessas pessoas?
J.N.No.Noprecisa.Noprecisa.Comotempoeointerrogatrio,como
interrogatriointeligente,bemfeito,osujeitocainascontradies,nasarmadilhase
fala. Sem querer falar, ele fala. Eu cansei de ver isso. M.A. -
Aquele caso do Herzog, lembra? Um jornalista que foi encontrado
morto... J.N. - Eu sei qual o caso dele. M.A. - Qual o caso dele?
J.N. - Ele foi encontrado morto. Foi dado como suicdio. Como que a
gente vai provar
quenofoisuicdio?Noerahbitoda2SeodeSoPaulomatarningum.Nem fazer
tortura. No era hbito.
M.A.-Porquevejabem,euestoufalandoissoporquecomoeuachoqueentreos
mdicostemmausmdicos,entreoshistoriadorestempssimoshistoriadores,quer
dizer, em qualquer profisso tem um esprito de porco, no . J.N. -
Tem. M.A. - E o caso do Herzog, depois o daquele operrio em So
Paulo, foram casos que chamaram muito a ateno e que mobilizaram
muito o presidente Geisel, no ? Jos Luiz Coelho Netto C.C. - O
comandante do Exrcito foi exonerado. G.S. - Alis, parece que foi
muito injustiado. Porque no tinha informao sobre isso. J.N. - Ele
foi. No tinha. No tinha.
M.A.-Querdizer,parecequetinhaumespritodeporcoali,lnoIIExrcito,que
andou cometendo...
J.N.-Bom,darunsencontresouunscascudos,issonotortura.Torturaoutra
coisa. No. Nunca houve. Tortura, nunca houve. M.A. - E aquelas
denncias da Anistia Internacional, como que os senhores lidavam com
isso? J.N. - Ah, no dvamos nenhuma bola para ela. Primeiro que a
Anistia Internacional no estava aqui dentro tomando o conhecimento
exato dos acontecimentos. Segundo que a
AnistiaInternacionalcorreomundofazendopropagandodosseusslogans.Eu
consideroaAnistiaInternacionalumbandodevigaristas.Torturaeuvi,porexemplo,
no Paraguai. No escreve no, que eu estou mencionando o pas. C.C. -
No, eu estou escrevendo outra coisa. J.N. - Eu morei no Paraguai,
servi l dois anos e meio. E com os contrrios ao governo Stroessner,
eu vi o que que eles faziam. Aquilo que tortura. C.C. - Tortura
fsica. J.N. - Fsica. Da brava. E, no entanto, a Anistia
Internacional esteve l nunca falou da tortura do Paraguai.
Engraado, no . Muitos dos torturados na poca esto vivos l at
hoje,unsaleijadosat.Porquenessahoraoparaguaiobravo.Elenobrincaem
servio, no. Quando ele toca deguelo, deguelo mesmo.Morei l dois
anos e meio. Jos Luiz Coelho Netto G.S. - Como adido? J.N. - No. Na
Misso Militar Brasileira. Ento, muito dentro do Exrcito. Mais do
que o adido. M.A. - E a abertura poltica do presidente Geisel. O
senhor comeou a falar sobre isso, eu queria falar mais. Ela foi bem
entendida, ela foi bem assimilada pela linha dura? J.N. - No
propriamente, porque ela foi mal feita. Ela foi mal feita. O Geisel
no abriu, escancarou. No deu progressividade. De repente, abriu a
cortina e pronto. C.C. - Mas ele falava que seria lenta e gradual.
O senhor acha que no foi. J.N. - No. No foi gradual. Nem foi lenta.
M.A. - Explica melhor para a gente. O que que andou depressa
demais?
J.N.-Bom,emseguida,esseselementoscomearamasernomeadosparaposies
estaduais e federais. M.A. - O senhor est falando de polticos. Os
senhores eram a favor da anistia? J.N. - Sim. Mas de uma forma bem
feita, no . Por exemplo, vrios que j estavam com
processonaJustia,oprocessoparou.Porqu?Setinhaumprocessoporquetinha
havido um inqurito, que fora transformado em processo face a
acusaes com provas. Ento, a anistia do dia x no podia anular o que
o sujeito fez dez dias, quinze dias antes. No podia. Seno uma
brincadeira. M.A. - O senhor acha que a anistia ento no foi bem
elaborada. J.N. - Acho. Achamos que no foi bem elaborada. G.S. -
General, e como o senhor acha que funcionou a Justia Militar,
particularmente o Superior Tribunal Militar, durante esse perodo?
Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Bom, eu acho que a Justia Militar
funcionou sempre muito bem. G.S. - Porque ela em geral atenuou as
penas...
J.N.-Sim.Masdentrodalei.Elanuncaseopssoperaesdeinformaes.Nunca
atrapalhou a nossa vida. Agora, se um de ns, que fazamos a
represso, fosse acusado e processado perante a Justia Militar, ela
vinha em cima. Isso a gente sabia. Ela vinha em cima.
G.S.-General,osenhorchegouaabriralguminquritocontrasubalternoseuque
tivesse se excedido? J.N. - No. G.S. - Em outras reas? J.N. - Tambm
no tenho conhecimento.
G.S.-Porquetalvezsejaesseonicopontoemquenareconstruoqueagenteest
fazendo do perodo as informaes no esto batendo. Todas as outras
esto. Cada um tem a sua histria, a sua verdade. A histria do Frota
uma, a histria do Geisel outra. J.N. - Certo. G.S. - Mas est
havendo bastante convergncia das opinies sobre por que que houve o
golpe, o que que pretendiam, como que evoluiu. Alguns so da sua
opinio, de que deveria ter parado no fim do governo Costa e Silva,
outros que devia ter parado quando
terminouoCastelo,outros,quandoterminouoMdici,porque,deacordocomvrios
depoimentos, foi o melhor dos governos militares.O que no est
batendo a questo daquilo que, digamos, dentro do jargo militar, as
pessoas se referem como excessos.
Porquehumnmerorelativamentegrandedepessoasquesedizemvtimasde
excessos.Eumnmeromuitopequenodemilitaresqueaceitaquehouverealmente
isso. Ento, est um buraco a no meio. A gente no sabe... Jos Luiz
Coelho Netto J.N.-Bom.Issosimples,enspercebemosissocedo.Opessoal
que era apanhado, aproveitou o mote da tortura, viu que isso dava
resultado, comeou a falar em tortura. E o pessoal nosso no podia
provar que no tinha havido tortura. O sujeito dizia: no, eu
apanheiemtallugar.Mascomo?Mequeimaramemtallugar. Ele no tinha marca
de queimadura. Agora, a imprensa ajudou muito esse estado de
coisas. Como at hoje ela
ajudamuitoobanditismo.Estoucansadodeveraimprensatransformarbandidoem
heri. . A imprensa ajudou muito a difundir essa idia. M.A. - E o
senhor acha que tem uma infiltrao comunista grande entre os
jornalistas? J.N. - Bom, na imprensa sempre teve, no . Mas a eu
acho que mais uma questo de mentalidade, sei l, para aparecer,
vender jornal. Porque isso vende jornal.
M.A.-OsenhorsemprefoiligadomuitoaogeneralFigueiredo,no?Ogeneral
Figueiredo no uma pessoa associada com os duros. J.N. - No, ele no
dissociado. M.A. - No dissociado? J.N. - No. M.A. - Porque o senhor
inclusive vai servir no governo dele. Vai trabalhar no gabinete do
Valter Pires, no . J.N. - E da mesma maneira que eu sempre
trabalhei nesse setor. M.A. - Quando o general Figueiredo entrou,
ele bancou o projeto de abertura que vinha com o Geisel. No isso?
J.N. - Foi. M.A. - E houve uma reao muito grande de militares e de
civis a essa abertura. Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Pela forma como
estava sendo feita a abertura.
M.A.-Explica.OFigueiredoestavareincidindonosmesmospecadosdoGeisel?
isso? J.N. - Estava. E piores at. M.A. - Por qu? J.N. - Pelas
pessoas que ele convocou para vrias solues, pela falta de ao em
cima
deatosqueprecisavamdeumaaoenrgica,forte,e,principalmente,nocampoda
corrupo. Foi muito fraco.
G.S.-Porquequeosmilitaresresolveramseretirar,digamos,depoisdogoverno
Figueiredo? J.N. - Cansamos. Cansamos. M.A. - Mas a luta foi
inglria ou foi gloriosa? J.N. - No. Durante a mesma, teve glria.
Mas cansamos. Cansamos de levar bordoada toa. Cansamos. Ento,
entrou a seguinte mentalidade: agora, o governo que se vire com
oquetem.Sevire.Asortedosgovernosposterioresqueasubversotambm
praticamenteacabouporqueacabamoscomoschefes,oscabeas,no.Ficaramos
ps-rapados.
G.S.-Umacoisainteressante,general,onmerodepessoasqueestiveramnaluta
armada e que hoje renegam isso.Como que o senhor v isso? Porque
parece que eram todos muito jovens tambm. J.N. - Era. A maioria
era. Jos Luiz Coelho Netto M.A. - General, ainda sobre o incio do
governo Figueiredo, foi um tempo muito difcil. 1979, 1980, foram
anos muitos difceis. Atentados a bomba a bancas de jornal... Quem
que patrocinava esses atentados? J.N. - Nunca conseguimos saber.
Podia ter sido o PC, PC do B ou uma dessas falangetas que existem
por a, como MR-8 e outros. J.N. - No poderia ser algum grupo
militar descontente com a orientao do presidente Figueiredo?
J.N.-No.No.Issotambmprocuramosaveriguar,sehaviaalgumnonossomeio
querendo provocar.
M.A.-EocasodoRiocentro?Umcasomuitodelicado,no.Viraemexesetoca nesse
assunto. J.N. - Ah, ali no chegou a haver nada demais, a no ser
para o sargento. A no ser para o prprio sargento. G.S. - Quem
dirigia o I Exrcito naquela altura? Era o Gentil? J.N. - Acho que
era. G.S. - Isso acabou caindo na cabea dele. Eu imagino que
certamente foi uma operao que ele nunca autorizou, no ? J.N. - De
jeito nenhum. De jeito nenhum. M.A. - E a, como que fica? Tem um
sargento na unidade dele que resolve pegar uma
bomba,noseiseresolvemas,enfim,abombaestavanocolodele.Querdizer,pega
umabomba,fazumabrincadeirademaugosto...Noseisesepodechamarde
brincadeira.Enfim,foiumaatitudeextremamentecriticada.Comoqueficaum
comando numa hora dessas? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Fica mal.
M.A. - Mas ele tinha como apurar? J.N. - Muito difcil. M.A. - Por
queera difcil? J.N. - Porque a tendncia ningum falar. G.S. - Para
no incriminar o colega. J.N. - . Isso a entende-se, no . muito
difcil.
G.S.-Oproblema,general,eunoseiseosenhorcompartilhadaopinio,queo
prestgiodoExrcitosofreumuitocomaqueleepisdio.Ento,euachoqueanica
maneira de recuperar esse prestgio teria sido, na poca, descobrir
quem foi o culpado e punir.
J.N.-.HouveumainvestigaonoIExrcito,masnochegaramanenhuma concluso.
No deu em nada. No podia dar. M.A. - O senhor diz que houve uma
questocorporativa? J.N. - . Exatamente. M.A. - Ento, esse caso, o
senhor admite que saiu de dentro das foras armadas? J.N. - .
G.S.-General,osenhordariaumapalavrinhacomobrigadeiroBurnier,paraquea
genteoentrevistassetambm?Porqueeleteveumaparticipaomuitograndena
revoluo,foimalhadoportodomundo,pelaimprensa,eagentequerdaraelea
oportunidade de falar. Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Ah, eu estou
sem o telefone.
M.A.-Antesdeosenhorprocurarotelefone,euqueriaqueosenhorfalasseum
pouquinho sobre o Valter Pires. O Valter Pires era... J.N. - O
ministro do Exrcito. M.A. - Sei. Mas ele concordava com o projeto
de abertura? J.N. - Sim. Em termos. Como todos ns.
M.A.-Querdizer,esseprojetodeaberturaento,dopontodevistadacorporao
militar,era encarado com limitaes. J.N. - Com limitaes. Porque no
foi abertura, foi arrombamento. [INTERRUPO DE FITA]
C.C.-General,nessapocadeinciodeabertura,quemqueincomodavamaisos
militares, quem aborrecia mais? Era a Igreja, era a imprensa, eram
os estudantes? J.N. - No, a Igreja sempre falou muita bobagem, no .
Eu sou catlico, mas parei de ir igreja por causa disso. Desde que
no segundo domingo que eu fui e o sermo do padre
foispoltico.Eudigo:eunovenhoaquiparaouvirpoltica.Nofuimais.Nunca
mais eu fui igreja. At hoje. E no vou. M.A. - Isso desde quando? O
senhor era pequeno ainda?
J.N.-No!Lpelosidosde1963.Pora.Opadresubianoplpitoparafalarde
poltica. Condenando ou apoiando o governo. Ele no tem nem que
condenar, nem que apoiar. Ele tinha que dar o sermo dele, o sermo
da f. A, nunca mais fui. E no
vou.Porquenessetrabalhodeinformaes,euvitantasujeiradepadresedebispos,que
Jos Luiz Coelho Netto fiquei enojado. Padres que tinham filhos e no
registravam seus filhos como filhos dele. Encontramos vrios desses
casos. Um bispo at. M.A. - E o de Tefilo Otoni? O senhor teve um
bate-boca com ele? J.N. - No, eu no cheguei a ter um bate-boca. Eu
disse poucas e boas a ele. Esse bispo de Tefilo Otoni... C.C. - O
senhor se lembra o nome dele?
J.N.-No.Nomelembro.Forammuitosnomesquepassaramnaminhacabea, difcil
lembrar.Ele era um anarquista. Cheio de mulheres. Um oficial meu
foi a Tefilo
Otoniverlumproblemadaunidadeeestevenohospitalvisitandoumoficialque
estavabaixado.Eaoladodacamadooficialestavaumelementodobispo.Estaval
baixado, a senhora me desculpe, mas estava l baixado com doena
venrea. demais, no ? [FINAL DA FITA 2-A] M.A. - O senhor se
decepcionou. J.N. - Me decepcionei. M.A. - Mas esse bispo, o senhor
disse poucas e boas para ele por qu? J.N. - Ah, bom, ele fazia
misria em Tefilo Otoni. E era subversivo mesmo. M.A. - Que outros
bispos? Dom Evaristo Arns, aquele de Nova Iguau...
J.N.-EvaristoArnsnovalenada!Absolutamentenada!OdeNovaIguaueuno
conheo. G.S. - Aquele que pintaram de vermelho e soltaram no meio
da rua. No foi esse? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - Pois . Mas esse
nunca...
M.A.-EoCasaldliga?Esseosenhor,nosseusserviosdeinformaes,deveterse
informado muito sobre ele. J.N. - Era outro. Era outro. Subversivo
como ele s. E safado. M.A. - Mulherengo tambm? J.N. - Tambm. Todos
eles. Muito bem. Gosta de mulher, ento deixa de ser padre. Vai
trabalhar. Eu acho que se est dentro da ordem religiosa, tem que
cumprir os ditames da ordem religiosa. Tem que dar o exemplo.
Seno... M.A. - O senhor acha que eles eram subversivos e que eles
tinham alguma conexo com os partidos de esquerda?
J.N.-Provavelmente.Provavelmente.Nopossogarantir,masprovavelmente.Pela
forma como eles tratavam os elementos do PC, do PC do B, etc..
Tefilo Otoni... Hum... [riso] M.A. - E o Dom Eugnio Sales? J.N. -
No, o Dom Eugnio Sales um bispo, a meu ver, normal. Bispo. Eu nunca
vi um gesto de Dom Eugnio Sales que fosse contrrio boa moral, ao
cristianismo. Porque eu
achoquenstemosumbombispoaquinoRio.Podeseratquenoseja.Masa impresso
que eu tenho dele essa. C.C. - No caso, por exemplo, desse
desentendimento, que o senhor disse poucas e boas para esse bispo,
qual era a repercusso disso no meio militar? O senhor foi criticado
por superiores ou recebeu apoio? J.N. - No. Sempre tive apoio. C.C.
- Era um apoio ostensivo, ou eles tinham medo de dar apoio? Jos
Luiz Coelho Netto J.N. - No. Tive at ostensivo. Ah, esse de Tefilo
Otoni era conhecido. Eu tive apoio da populao de Tefilo Otoni.
Porque eu resolvi ir l. Resolvi ir l, para mostrar que eu no tinha
medo dele. Porque eu tinha uma unidade de recrutamento l, ento, fui
fazer
umavisitaaessaunidade.Eeleespalhouqueiafazerumacarreatacontramim,
etc, etc.. G.S. - Em que ano foi isso, general?
J.N.-1973.Eeutiveoapoiodemaisdequinhentosveculosdapopulaocivil.
Fecharam a rua e me acompanharam. E ele ficou com cara de tacho. Eu
fiz uma reunio
nocampodefuteboldacidadequelotouocampo.Tambm,sadelsemdizeruma
palavra em direo a ele. M.A. - O senhor foi l e falou no campo de
futebol? J.N. - Falei. Falei. M.A. - Isso era comum, um militar ir
para diante de uma grande multido e falar? J.N. - No. Mas eu fui
falar, era a companhia de transportes que eu tinha l. M.A. - Ah, o
senhor foi convidado, no . No foi o senhor que promoveu? J.N. - No,
eu promovi a reunio com a companhia de transportes... Transporte
militar. C.C. - Que era subordinada.
J.N.-Erasubordinada.Promovinocampodefutebol,quetinhaespao.Oquartelda
companhiaeramuitoestreito,pequeno.Eomelhorlugarquetinhaeraocampode
futebol.Fechado,cercadoetudomais.Equandoeuvi,eleestavalotadocoma
populao. Quer dizer, eu tinha o apoio da populao. No procurei, mas
tive. Jos Luiz Coelho Netto
M.A.-Nasuaavaliao,qualfoiomelhordosgovernosmilitares?Foiodogeneral
Mdici? J.N. - Mdici. Sem dvida. M.A. - E o pior? J.N. - Olha, eu no
posso dizer o pior. G.S. - Menos bom. J.N. - Eu no gostaria de
dizer qual o que eu considerei pior, porque ns ramos amigos e ele
ainda est vivo... G.S. - No precisa falar. Eu acho que tem muita
gente que participa da mesma opinio. [riso] J.N. - Mas eu acho que
foi muito ruim. M.A. - Mas c entre ns, tem um comentrio entre os
colegas do presidente Figueiredo de que, depois do infarto, ele
ficou meio desligado. J.N. - Ah, ficou. Ficou. M.A. - Quer dizer,
ele governou dois anos mesmo. Depois a cabea destrambelhou. Foi
isso mesmo? J.N. - No, ele ficou aptico. Perdeu o lan. M.A. - Que
isso at uma reao normal para quem tem um problema de sade desses.Ou
o senhor atribui isso a problemas polticos? J.N. - No. Porque o
Figueiredo sempre foi um homem forte, saudvel. E se sentiu um
bacalhau com o infarte que teve. E isso o abalou. Jos Luiz Coelho
Netto M.A. - Ento, depois disso, o senhor acha que ele realmente
relaxou. E isso contribuiu bastante para que os militares deixassem
o poder? Para que o seu grupo... J.N. - No. Acho que no teve essa
influncia. M.A. - J estavam cansados mesmo. Com ou sem Figueiredo,
j estavam cansados. Era a hora de passar o basto? J.N. - J. Estava
na hora de passar o basto.
M.A.-Agora,passarobasto,ameuver,paraossenhores,noeraabrirmodessas
atividades de informao, de segurana, no ? J.N. - No. Isso nunca se
abriu mo.
G.S.-Agora,general,emummomento,naimprensapelomenos,sefalavamuitona
possibilidade do general Medeiros suceder o Figueiredo. No se
considerou isso? J.N. - No. Ns no consideramos isso. Ns queramos
mesmo que assumisse o governo um civil. Houvesse eleies. Por pior
que fosse o resultado, e parece que est sendo... M.A. - Mas no
eleio direta. Porque eleio direta foi um osso para passar, no .
J.N. - . Mas eu sou pela eleio direta. Eu sou presidencialista. Eu
no acredito, pelo
menosentrens,noparlamentarismo.NsnotemosumParlamentoativo.Por
tradio,onossoParlamentomuitodonhem-nhem-nhem,esticaaqui,esticaali...
No gosta de decidir. Gosta muito de estar com as barbas de molho.
M.A. - Ento, o senhor era a favor da eleio direta. J.N. - Era. M.A.
- J nesse perodo? Jos Luiz Coelho Netto J.N. - J. Era e sou ainda.
C.C. - Na poca dos governos militares, os polticos civis ligados
Arena eram vistos como? Com desconfiana, com apoio? J.N. - Como
poltico. E nenhum poltico merece confiana. C.C. - Mesmo que fosse
do partido governista?
J.N.-Mesmoquesejadopartidogovernista.Elehoje,amanhno.Elefazpacto
com Deus e o Diabo. Pelo menos entre ns, poltico palavro.
G.S.-General,houveummomentonoqualsefaloudainstitucionalizaoda
revoluo.Danecessidadedecriaruminstrumentopoltico,queseriaumpartido,de
normalizar a coisa. Quer dizer, acabar com o casusmo, ter uma
eleio, a vem uma lei
paramudar,etc.Comoqueaspessoasqueosenhorconsideracomoformandoum
grupo de duros viram a institucionalizao da revoluo?
J.N.-Bom,euachooseguinte:todosnssemprequisemosqueopastivesseuma
constituioverdadeiraequefossecumprida.Noessaqueesta,quefoifeitaao
apagar das luzes, est cheia de falhas. Eu acho que preciso ser
feita outra.Um grupo bem escolhido, eleito, para elaborar realmente
uma constituio. Porque a constituio atual chega ao cmulo de
beneficiar os bandidos. Ela acha que prever penalidades fortes para
determinados crimes no democrtico. Hum! No d. A gente v agora a
morte daquela menina, Miriam, em Minas Gerais. Ali era pena de
morte. Matar um adulto j terrvel, quanto mais... G.S. - Matar e
queimar uma criana. J.N. -Ali, para mim, tinha que ter a pena de
morte. G.S. - General, ns queremos agradecer ao senhor a sua
participao... Jos Luiz Coelho Netto J.N. - No, para mim foi um
prazer conhec-los.
G.S.-Nsaprendemosmuito.Equeriaqueosenhordesseumapalavrinhasimptica
com o Burnier. J.N. - Eu ligo hoje noite para ele. G.S. - O senhor
tem o telefone dele? Eu posso lhe telefonar e pedir para o senhor?
J.N. - Tenho. Pode. No, de noite eu ligo para ele. [FINAL DO
DEPOIMENTO]* * A fita 2-B no foi gravada integralmente.