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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE
ARQUITETURA
Programa de Ps-Graduao em Arquitetura
GEOMETRIAS DO ESTILO Genealogia da noo de estilo em
arquitetura
RONI ANZOLCH Arquiteto, Professor Assistente, Mestre em
Arquitetura (UFRGS, 1996)
Orientador:
ROGRIO DE CASTRO OLIVEIRA Arquiteto, Professor Titular, Doutor
em Educao (Faculdade de Educao, 2000)
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Arquite-tura da Faculdade de Arquitetura da UFRGS como requisito
parcial para a
obteno de grau de Doutor em Arquitetura.
PORTO ALEGRE MARO DE 2009.
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Agradecimentos
A meus filhos e minha esposa,
pela inestimvel compreenso.
Ao Prof. Dr. Rogrio de Castro Oliveira,
pela prestimosa acolhida e paciente orientao.
in memoriam
Dedico este trabalho
memria de pais Irineu e Ilsa Maria
e a do Prof. Dr. Elvan Silva,
mestre, colega e amigo.
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Resumo
Estilo essencialmente um conceito de juzo de expresso. Em arte
atua em nvel de me-talinguagem pela injuno ou sobreposio de
linguagens afins. Do grego met provm a noo de intermediao ou de
mudana de lugar e marca o ponto a partir do qual se pode
de-constituir os nveis de relacionamento dessas linguagens. um fato
histrico em arquitetura que analogias lingsticas desta natureza
paream constituir o modelo de uma linguagem em especial ou pelo
menos boa parte dela. Ento as formas pelas quais se desenham as
estratgias de integrao dessas linguagens acabam por nos induzir a
pen-sar a arquitetura como uma linguagem de fato.
Em Teoria da Arquitetura, este nvel de discusso levado a efeito,
ainda que de forma elptica, muitas vezes ocultando os instrumentos
e a centralidade de um jogo esttico cru-cial. Como nas categorias
estticas de Vitrvio, trata-se de formas de interao que dese-nham o
relacionamento simultneo e tentativo de elementos e intenes de
desenho. Um estudo genealgico das linhas de argumentaes sobre o
tema, presentes nas publicaes classificadas como Teoria da
Arquitetura, permite que se reconstituam os traos evoluti-vos do
relacionamento e funcionamento destas suas categorias. Como num
jogo elas se comportam como regras relativamente constantes cujas
hierarquias de relacionamento podem se alterar sob determinadas
circunstncias histricas. Se em determinado perodo histrico estas
relaes tendem a permanecer constantes, nos perodos de mudana ou
transformao novas categorias podem ser propostas, reorganizando
instrumentos e pro-cedimentos.
A reconstituio da Teoria da Arquitetura como um discurso de
estilo enseja, portanto, um estudo extensivo de suas manifestaes
histricas na arquitetura ocidental desde o Renascimento. So formas
de controle a priori e a posteriori que se alternam e tensionam a
criao, alterando o grau de organizao ou entropia do sistema tanto
quanto a previsibi-lidade ou imprevisibilidade do resultado final.
Dessa forma, pela perspectivizao de um conjunto de proposies, pelo
acordo entre sentidos e inteligncia ou mesmo pelo etos do objeto,
pode-se, como fio de Ariadne, recuperar o sentido de uma Teoria da
Arquitetura e renovar o interesse hermenutico para o tema.
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Abstract
Style is, essentially, a concept of expression judgement. In
art, it concerns metalinguistics for injunction or superposition of
languages alike. From the greek met comes the notion of
intermediation or place changing from what we can de-constitute
these languages re-lationship levels. In Architecture, and this is
an historical fact, linguistic analogies like this seem to
constitute models of special languages or at least for a good deal
of them. Thus, forms for whom one can design integration strategies
for these languages could in-duce us to think them as they were a
real language.
In Architectural Theory, yet on an elliptical way, this level of
discussion takes place, but many times omitting tools and the
centrality of a crucial game. As in the vitruvian esthet-ical
categories they are interaction forms that draws the attempting and
simultaneous re-lantionship of elements and design intentions. A
genealogical study of this theme plead lines current on
publications known as Architectural Theory allow us to reconstitute
the evolutionary traces of these operative categories. As in a game
they behave like relatively constant rules whose relationship
hierarchies may change on some historical circum-stances. If in
some historical period these relations tend to appear constant, in
changing or transformation periods new categories may be proposed
then reorganizing tools and procedures.
To reconstitute Architectural Theory as a style discourse drive
us to an extensive study of its disclosings in occidental
architectural history since Renaissance. So, there are a priori and
a posteriori control forms who alternate themselves stressing
creation, changing its degree of organization or entropic system so
as the previsibility or imprevisibility of final design results.
Notwithstanding, from the perspectivation of a propositions
ensemble, be-tween a feeling and intelligence accord, or even by
the architectural object ethos, style re-deems, as the Ariadnes
thread, the sense of an Architectural Theory, bringing a new
hermeneutical interest on the theme.
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ndice
Frontispcio 1
Agradecimentos in memoriam 3
Resumo 5
Abstract 6
ndice 7
Introduo 10
1 Parte Teoria e Objeto
Cap. 1 - Postulados 15
i. Etimologia 16
ii. Objeto do estilo 18
iii. Teoria do estilo 29
iv. A esttica moderna 15
Cap. 2 - O estilo arquitetonicamente considerado 39
i. Estilo vs. linguagem 41
ii. Propriedades do objeto 50
iii. Paradigmas 54
iv. Notao e geometria 59
Cap. 3 - Cdigos e operaes 61
i. Cdigos: redundncia e multiplicidade 64
ii. Cdigos: esteticidade 67
iii. Operaes (geomtricas) e elementos de estilo 76
1. Composio 77
2. Ornamento 86
3. Meta-teoria 91
Cap. 4 - Termos de Investigao 94
1. Dez abordagens: ponderaes e refutaes 96
2. Plano de investigao 116
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2 Parte Estilo no Sistema Clssico
Cap. 5 - Genealogia do Estilo I: a hegemonia italiana 119
5.1. Etimologia 119
5.2. Desenho e geometria 120
5.3. Estilo e gramtica 129
5.4. Ordens e estilos 136
5.4.1.i . A emergncia do disegno 124
5.4.1.ii . O desenho nella prattica 144
5.4.1.iii . Geometria et cogitatio 151
Cap. 6 - Genealogia do Estilo II: da Itlia para a Frana 156
6.1. Auctoritas et cogito 156
6.2. A ascenso francesa 158
6.3. Gramtica e ambigidade 165
6.4. tica, visualidade, distoro 171
6.5. LAcadmie, les cours e les principes 175
6.6. Contra e a favor 183
6.7. Architettura civile 185
Cap. 7 - Genealogia do Estilo III: a hegemonia francesa 193
7.1. Continuidade e desenvolvimentos 195
7.1.i. Mapeamento 196
7.1.ii. Tratados de perspectiva e outros gneros de publicaes
203
7.1.iii. Necessidade do ensino 211
7.2. Do Nouveau Trait ao Saggio 216
7.3. Arquiteturas rurais, o gtico e o extico 231
7.4. Obras paradigmticas 234
Cap. 8 - Intermezzo: Architecture parlante 245
8.1. Homens da Academia 247
8.2. Antigo e moderno 248
8.3. Cambiando escalas 252
8.4. Ars combinatoria 261
8.5. Tromperies 281
8.6. Metalinguagem: as formas do romantismo 291
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3 Parte Estilo no Sculo XIX
Cap. 9 - Linguagem ou estilo? 295
9.1. As artes do desenho: hegemonias 299
9.2. Histria da arte: decadncia e imitao 300
9.3. Hierglifos e ideogramas 303
9.4. Um dilema sagaz 305
9.5. Um mtodo 320
9.6. Uma instituio 327
Cap. 10 - De corpo e alma 335
10.1. Palladianismo e gosto grego 338
10.2. Arquitetura (toscana) nos trpicos 342
10.3. Policromia 344
10.4. A acrpole alem 351
10.5. Im welchem style sollen wir bauen? 361
10.6. Doutrinas do estilo ideal 365
10.7. Gottfried Semper: as artes industriais 366
10.8. A tectnica de Viollet-le-Duc 385
10.9. Teoria de estilo 401
Cap. 11 - Eplogo: o novo estilo 416
11.1. O legado de Semper 417
11.2. O legado de Violle-le-Duc 426
11.3. O legado de John Ruskin 435
11.4. Gramticas do ornamento 436
11.5. A dissidncia alem 438
11.6. A Academia: de si para si mesma 440
Concluses 444
i. Publicaes: forma e contedo 446
ii. Categorias estticas 451
iii. Consideraes finais 456
Bibliografia 458
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Introduo
A principal motivao para desenvolver uma tese sobre estilo em
arquitetura provm do intuito de discernir seus instrumentos do juzo
esttico. Isto implica no estudo das bases de sustentao do estilo
como forma de expresso, as quais no esto inteiramente dentro do
campo de atuao da arquitetura. Mas cuja presena ou pertinncia
qualquer arquiteto capaz de perceber intuitivamente.
A questo do estilo se torna mais aguda em reas em que o domnio
da expresso seja um tema importante. O que distingue estas reas de
outras o fato de nelas conflurem vrias tcnicas com diferentes nveis
de integrao e sobreposio entre si. E que sugere, j de incio, a
possibilidade de manipulao destas relaes em benefcio, justamente,
da inten-sidade da expresso.
Uma integrao deste tipo no ocorre seno num nvel de compreenso
acima do traba-lho de cada uma desta partes. Do grego, o advrbio e
preposio, met, forma vocbulos com idias de intermediao e mudana de
lugar ou condio. Sendo a arquitetura um lugar da integrao de
linguagens afins, no discurso e na prtica ela j nos coloca um n-vel
acima da construo e do edifcio, e a partir do que j podemos falar
de intermediao e hierarquias.
1. Na lngua escrita e falada, estilo metalinguagem do discurso.
Em arquitetura, cons-truo e edifcio so fruto do trabalho humano e o
espao uma pr-condio. Forma e ti-po, por exemplo, j so designaes
derivadas que ocorrem neste nvel de interao. As categorias
vitruvianas de ordenao, disposio, eurritmia, simetria, ornamento e
distri-buio no ocorrem seno neste nvel e so um primeiro e timo
exemplo disso.
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A linguagem o ato de utilizao da fala e depende de certo nvel de
coero da lngua. Inegavelmente, a arquitetura manifesta a existncia
de tais nveis, mas que no so os mesmos, nem se confundem com os da
linguagem comum. Alis, no coincidem seno em alguns pontos em que j
foram e continuam sendo motivos de analogias e metforas.
Embora linguagem e estilo se superponham, seus limites so um
pouco mais indefinidos. A participao maior de um ou outro depende
da redundncia do gnero. Em gneros mais redundantes o estilo
comanda, caso contrrio, o que impera a linguagem, como funo de uma
expectativa. Assim como no esperamos metforas num texto cientfico,
no esperamos demonstrao de axiomas num poema.
2. Nas ltimas dcadas, a inflao de interpretaes semiolgicas, sob
a gide de uma ci-ncia geral dos signos, fez prevalecer a idia de
que a linguagem (sob a forma de uma co-ero dos meios) que sempre
predominava. Porm, ser que mesmo assim que a coisa deve ser
entendida? E o que a lingstica convencional tem a dizer? Porque o
estilo tra-tado como fantasmagoria? Porque a averso aisthesis? So
todas questes para a qual no h respostas, nem posicionamentos e que
nos servem de mote para uma investigao. O estilo certamente teve e
continua tendo um grande papel na arquitetura, mas sua di-menso foi
incompreensivelmente minimizada. Todos reconhecem a fora do estilo,
mas dele nada se fala.
H muitos recursos numa teoria de estilo e que a prtica
arquitetnica e cremos, artstica, jamais abriu mo. Se algum diz
estilo colonial, clssico, barroco, japons, vernculo nos-so
imaginrio alinhava num instante, toda uma coleo de formas de um
repertrio. Mas se outrem diz que tal obra tem estilo pode estar se
referindo a uma qualidade intrnseca e no ao contedo de uma expresso
mais ou menos conhecida, mais ou menos previsvel.
Se nos referimos mdia em arquitetura, falamos da influncia da
mdia impressa e ele-trnica, dos meios de difuso que os arquitetos e
estudantes de arquitetura tinham dis-posio para se manterem
informados das tendncias dos centros de difuso, cujo per-curso
possvel seguir, historicamente falando. Os desenhos e, hoje,
particularmente as imagens, tem um grande papel nisso, estimulando
certo repertrio de preferncias pesso-ais. J o juzo vinculado ao
texto mais restrito e geralmente restrito tericos e especia-listas,
mas que tambm ocupam postos-chave na divulgao das informaes e do
teor do debate.
3. O estilo uma propriedade dos objetos que nos suscita reaes.
Podemos reconhecer os caracteres do estilo presentes nos objetos,
mas, por outro lado tambm preciso que o ob-servador saiba l-los ou,
pelo menos, distingui-los. O estilo se expe aos nossos sentidos,
mas tambm ao intelecto. No h manifestao de estilo sem o apelo aos
sentidos, mas sua percepo no se completa se no induzir um
entendimento ou leitura especial do ob-jeto, estabelecendo novas
relaes cognitivas.
No resultado da investigao que ora apresentamos h um passado de
grandezas em que muitas das interrogaes que ainda fazemos hoje, em
sala de aula, constatamos no ser nenhuma novidade. O estilo se
origina na prtica, mas interposies tericas podem su-gerir ou
possibilitar desenvolvimentos inovadores. Na teoria e na prtica o
estilo posto em discusso e dessa forma que se percebem suas
diferenas mais genricas e mais par-ticulares. Na Teoria da
Arquitetura se concentra a parte cognitiva de uma Teoria de Estilo
e na prtica, a parte sensvel do fazer, aquela que reapresenta o
conceito. Tratado desta forma o estilo constitui um tema
pr-filosfico, antecipando enunciados e valoraes.
No podemos olhar o estilo, no entanto, exclusivamente como uma
norma ou uma taxo-nomia. O estilo no necessariamente uma ordem a
priori. Entretanto, se buscarmos uma
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expresso em que o estilo o resultado de um processo, ele ser um
a posteriori. Este o caminho sempre apontado como o das expresses
inovadoras e originais, e cujos resulta-dos so bem menos
previsveis. Se, pelo contrrio, escolhemos o estilo antecipadamente,
estaremos aumentando, justamente, a previsibilidade na constituio
do objeto.
Mas o estilo no o nico trao a priori. O prprio gnero j
constitudo de cdigos que antecedem qualquer deciso. So traos dados,
pr-condies que no cabem ao arquiteto refutar ou escolher: limite de
cargas, pontos de apoio, escoamento das guas, caractersti-cas dos
materiais, orientao solar e resistncia dos materiais, entre outros
mais. E da mesma forma certos traos culturais e geogrficos.
4. O estudo das manifestaes de estilo no envolve apenas o uso de
certo aparato oriun-do da lingstica, tampouco se resume ao estudo
do comportamento de signos. Estilo envolve produo e criao, segundo
os procedimentos de cada gnero analisado. O esti-lo est presente no
objeto cotidiano e no obra de arte. No Kitsch e na criao acadmica.
Em todos os casos sua presena pode ser muito bem delineada pelos
elementos de que se utiliza e da forma como os utiliza.
Em lingstica, o estilo um trao do texto e no pode ser
compreendido no limite de uma frase. A gramtica governa a frase, o
estilo governa o texto. A linguagem est mais ligada ao gnero ou ao
modo e muito menos articulada que o estilo. funo da lin-guagem
garantir o mnimo entendimento das mensagens em seus domnios
especficos, se este for o caso. A gramtica uma lgica estabelecida
por consenso. O nico possvel equivalente de uma gramtica em
arquitetura, nesse caso, seriam os requisitos construti-vos. Mas a
tentao dos tericos renascentistas, por exemplo, era mesmo de
afirmar uma gramtica mais explcita. Por meio das ordens e suas
normas sintticas, a arquitetura simularia uma lngua culta.
Mas em arquitetura, por conta da redundncia, lxico, gramtica,
sintaxe, linguagem e es-tilo parecem trocar continuamente de posio.
Ora, isto no acontece com nenhuma ln-gua escrita, menos ainda com a
linguagem verbal, marcadas por uma relativa constncia no tempo. Na
arquitetura, pelo menos, os ciclos dos perodos artsticos parecem
solida-mente atados este tipo de estrutura lingstica com grande
capacidade de se rearticular. Entretanto, quando a estruturao
lingstica fraca, assomam os recursos retricos, ca-pazes, inclusive
de simular, reforar ou estender o sentido inoperante da
linguagem.
As figuras da retrica, tambm conhecidas por figuras de linguagem
ou figuras de estilo detalham um variada gama de circunstncias e
usos com denominaes extravagantes como zeugma ou hipozeuzo. O
arquiteto ou o estudante de arquitetura as utilizam sem precisar
saber de sua existncia, mas isto porque elas j esto difusas na base
de sua pr-tica.
5. Na Histria da Arte, o estilo nos permite acesso compreenso do
significado das o-bras, como e para qu foram feitas. Atravs dele
podemos situar as manifestaes do grupo e do indivduo no tempo e no
espao. A Histria da Arquitetura e os dados da pesquisa histrica so
fundamentais para estudo do estilo, mas o foco de uma Teoria de
Estilo no so estes dados nem o trabalho de busca, catalogao e
validao de fontes primrias.
O estudo que ora empreendemos de hermenutica das obras tericas,
vis--vis o seu su-cesso ou fracasso propositivo. Os instrumentos
para o estudo do estilo so os mesmos que j apontamos na teoria de
Vitrvio, acrescidos de uns poucos elementos novos. J a insero de
novos conceitos ou categorias operativas na prtica s ocorre em
perodos
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muito especiais. Trata-se destes perodos em que o sistema
vigente parece naufragar e novos conceitos surgem como bia de
resgate.
Mas examinando cada conceito luz da epistemologia podemos ter
uma idia do grau de relacionamento com o desenvolvimento cientfico.
O reducionismo comum s idias cien-tficas tem a pouca utilidade. O
que no quer dizer que ele no exista ou seja inerte, mas o que de
fato conta que o conhecimento arquitetnico no se presta reduo
cientfica, mas sim, pelo contrrio, acumulao gradual. Contudo no se
trata de uma acumulao pura e simples. Em momentos historicamente
propcios esta tradio acumulada sofre uma profunda reorganizao.
O estilo acompanha solidariamente estes momentos e nas obras
tericas podemos acom-panhar o registro disso. Por isso estilo tambm
reflexo epistemolgica e a teoria da ar-quitetura mostra o retrato
da situao epistmica da disciplina a cada momento de muta-o. Um
conceito simples, bem formulado, o suficiente para reformular todo
o processo. O aparecimento de prottipos um excelente sinal destas
mutaes.
6. Em arquitetura, contrariando o senso comum, a teoria nunca
est muito longe da prti-ca, pois o escopo desta teoria a reflexo
sobre a prtica. Pode ser que no oferea solu-es imediatas problemas
concretos e cotidianos, o que, de toda forma, no seu papel. Mas
preciso, muitas vezes, olharmos estes problemas de um nvel mais
alto para poder entend-los melhor. Tambm no possvel imaginar-se uma
Teoria da Arquitetura in-dependente da prtica. A arquitetura no uma
cincia, um fazer. Mas podemos estu-dar este fazer
cientificamente.
A aproximao da arte com a cincia, por sua vez, no nenhuma
novidade, pois por via da tekhn nasceram como irms siamesas. Os
antigos gregos no conseguiam distinguir a tekhn da epistm, ou seja,
a habilidade do conhecimento, e esta separao s ocorreu por um
artifcio retrico de Aristteles. Heidegger, em um de seus ltimos
textos (A Arte e o Espao, 1969) retorna ao tema, definindo a relao
entre arte e cincia como mesmidade: o espao da arte e o da cincia
so exatamente o mesmo. Isso s refora o fato de que a rela-o da arte
com seus artfices uma tekhn potik, um fazer especial, distinto das
ativida-des comuns. Evidentemente, os pontos de contato entre a
arte e a cincia no esto muito distantes. Filosoficamente, o estilo
a reflexo sobre a arte e sua criao. Distingue a obra comum da obra
extraordinria. Da especificidade de particularidades tcnicas
axiologia das o-bras, a discusso sobre estilo nos leva ao limite
entre o artstico e o filosfico, sem deixar de ser arte [tekhn], nem
se transformar estritamente numa filosofia.
7. Neste trabalho, portanto, pretendemos estudar a genealogia
dos conceitos operativos ou categorias estticas em arquitetura,
comparativamente, da Renascena ao final do sc. XIX e alvorecer do
sc. XX. Partimos do fato de que estes conceitos esto firmados na
lite-ratura que forma o grande quadro da Teoria da Arquitetura em
todas as suas formas. Tratados, ensaios, artigos, oeuvres, manuais
de perspectiva registram o estgio de relaes entre teoria e prtica.
Ainda que de forma aparentemente assistemtica, eles parecem
es-crever uma obra contnua, complementando-se umas s outras,
estendendo e detalhando temas seminais.
Entretanto, em funo da envergadura do tema e, no intento de ser
suficientemente a-brangente, mas sem perder de vista detalhes
importantes, e levando em conta a dimenso
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de um trabalho de doutorado, houvemos por limitar o estudo
aprofundado at meados do sc. XIX, cujos desdobramentos ao final do
sculo apenas mapeamos.
Trata-se de um perodo que, em sua totalidade, no dispe de uma
viso organizada para estudo desde o ponto de vista terico e segundo
uma viso cumulativa do conhecimento. E uma distino importante que
no conduzimos os temas com fins apologia da arqui-tetura de um
perodo determinado. A discusso de idias em cada perodo ou local
nasce de um fluxo contnuo e respeita as dificuldades conceituais e
terminolgicas de cada po-ca, tentando mostrar a superao dos
problemas com os meios e instrumentos intelectuais ento
disponveis.
Embora a previso inicial fosse chegar at os dias de hoje, em
virtude da complexidade crescente de abordagens, cada vez mais
divergentes e especificas, resolvemos deixar essa parte para uma
futura continuao, para o que este trabalho dever servir de base. Os
vnculos da prtica da arquitetura no pas e nas Amricas com os
desenvolvimentos eu-ropeus foram ressaltados, resgatando-se a
informao possvel para um eventual redese-nho de suas origens.
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Ars sine scientia nihil est.
(Mestre Jean Mignot, sc. XIV)
Loin que les rgles nuissent linvention, linvention nexiste point
hors de rgles
(Quatrmre de Quincy)
Uma obra de arte boa se nasce de uma necessidade.
(Rilke)
As formas reaparecem, os sistemas no.
(Emil Kaufmann)
Cap. 1 Postulados Em arquitetura, a forma mais comum de
abordagem terica aquela que
visa a organizao de um conhecimento oriundo da prtica. Isto
implica, portanto, no estudo de seus instrumentos, meios, conceitos
e propsitos que interagem com seu objeto, no caso, a edificao.
A teoria da arquitetura o mbito natural para isso. Uma teoria de
estilo, justamente, a instncia que parece se afinar melhor com este
tipo de pro-posta. Mas uma teoria de estilos s ser uma ocorrncia
parcial no domnio da arquitetura, ou seja, preciso que nela se
distinga o que de sua nature-za prpria e o que est fora ou
compartilhado com outros domnios da pro-duo e do conhecimento
humanos. Neste sentido, devemos entender estilo em estreita
correspondncia ao etos historicamente determinado.
O estilo provm da obra humana e est um degrau acima do artefato.
um trabalho que transforma o objeto em obra, conferindo-lhe
singularidade. O estilo distingue obras de objetos, objetos de
objetos e obras de obras segun-do um grau de individuao. A obra
compartilha com o objeto seus traos essenciais; o estilo no
essencial ao objeto; o estilo um acrscimo, uma qualidade que
distingue o objeto.
Se o estilo um acrscimo, em certos perodos este processo
francamente acumulativo, em outros parece haver uma tendncia geral
entropia ou reordenamento geral do sistema. No primeiro caso certas
invenes e ino-vaes so bem-vindas, sendo facilmente incorporadas ao
sistema, no se-gundo, a entropia geral do sistema constitui uma
barreira altamente seletiva novas inseres. Como num movimento
cclico de sstole e distole, h momentos de maior e menor abertura,
mas que nunca volta ao mesmo pon-to de partida.
O estilo um logos que permeia certa produo humana e no pode ser
a-tribudo s a determinados caracteres ornamentais. A retrica ou
figuras de estilo so recursos mais ou menos conscientes que agem
sobre esta produ-o. A possibilidade da articulao de recursos
retricos j indcio de uma manifestao de linguagem.
Em literatura, o estilo no ser encontrado na frase, mas no texto
e no dis-curso. Nem tampouco se pode confundir com uma gramtica. Em
arte, o estilo algo que se acrescenta ao cdigo de base do objeto.
Nas cincias
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exatas, estilo pode sugerir determinada forma de se compreender
ou resol-ver um problema. Em arquitetura, no s demonstra a
compreenso da totalidade do problema arquitetnico posto em jogo,
como orienta a confi-gurao e o sentido da produo de seu objeto.
O ornamento , sem dvida, o mais visvel dos atributos de estilo.
Mas na-da impede, no entanto, que um estilo prescinda de
ornamentos. Um estilo pode ser reconhecido por caracteres mais
abstratos como distribuies, dis-posies e propores. As mltiplas
possibilidades de arranjos que confe-rem a cada estilo uma sintaxe
peculiar e significativa, constituindo seus traos mais marcantes e
inconfundveis. O grau de estilo denota a homoge-neidade e a
entropia a que o disegno submete o produto. O mais alto grau
implica, portanto, em arquitetura, num alto grau de restries
sintticas presentes concepo do objeto.
O carter evolutivo e genealgico da noo de estilo em arquitetura
pode ser recuperado numa releitura em perspectiva das obras face
aos conceitos propostos em tratados e escritos. Com isso, queremos
demonstrar aqui que, ao invs do que normalmente presumido, o estudo
destas obras nos reve-la um sistema altamente organizado, entrpico
e acumulativo, como se a teoria da arquitetura fosse uma nica obra,
capaz de se repropor de forma contnua e permanente. Mas que
determinados momentos sofre um proces-so bastante drstico de
reorganizao de seu epistema.
* * *
Compreender a Teoria da Arquitetura nos moldes de uma Teoria de
Estilo demanda, em primeiro lugar entender o que vem a ser esta
ltima, desde um ponto de vista sincrnico, para depois entend-la no
mbito do gnero, e s ento examinar suas condies particulares de
criao. Em segundo lugar preciso compreender as condies em que estas
operaes so pro-postas, dando origem s formas histricas de criao,
compreendendo-as desde um ponto de vista diacrnico. Por isso, nesta
primeira parte, houve-mos por nos situar dentro das condies mais
gerais de uma teoria do estilo para depois chegar, gradativamente,
elucidao de sua parte mais tcnica, que aqui chamaremos de conceitos
operativos.
i. Etimologia a coluna e a pena Originalmente, no grego, stylos
designa coluna. No latim stilus designava
uma haste de planta ou um ferro de ponta com que os antigos
escrevi-am nas tbuas enceradas. No final do sculo XIV passaria a
designar uma maneira ou arte de escrever, de falar, e em meados do
sculo XV j signi-ficaria uma maneira de exprimir o pensamento,
particularmente em Frana e na Inglaterra, por associao errnea do
latim stilus com o grego stylos. No incio do sculo XVII, o mesmo
sentido seria estendido s artes visuais, configurando seu
significado moderno. J no sculo XIX significa-ria certas
caractersticas de ornamentao, eventualmente designadas por gosto ou
aspectos de poca, regio ou indivduos1. Na Enciclopdia Mi-rador o
termo definido uma caracterstica comum ou espcie de homo-geneidade
que caracteriza e torna identificveis certos produtos do traba-lho
intelectual2.
1 Johnson, P-A. The Theory of Architecture: Concepts, Themes and
Practice, 1994, p. 407. 2 Enciclopdia Mirador, 1976.
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Estilo um termo marcado pela polissemia e pela tendncia a
aglutinar novos significados, caracterstica, portanto, marcadamente
filosfica. Ori-ginrio da escrita, estilo foi transposto para as
artes, filosofia e por ser obje-to de especulao tambm na cincia3.
Hoje o termo pode ser encontrado em quase todas as reas do
conhecimento e mesmo nas cincias experimen-tais ou axiomticas como
a fsica e a matemtica.
etimologia stylos (grego), stilus (latim), estilo (portugus e
espanhol, scs. XIV E XV), stile (italiano, scs. XIV e XV), style
(francs, 1380), style (ingls, 1387), Stil (alemo, sc. XV).
qualidade e mtodo
Para os crticos italianos do sculo XVI, caractersticas
distintivas eram referidas como uma maniera: o que iria alm do
simples hbito, e incluiria a maneira do artista desenhar de memria,
no solues detalhadas, mas maneiras de resolver certas classes de
problemas4. Caso em que tais coi-sas, hbitos e caractersticas
tornam possvel falar do repertrio ou da maneira de um arquiteto
tanto como uma qualidade, como metodologia5. A partir do sculo XIX,
o mesmo significado passa a ser usado tambm em reas de expresso
intelectual ou cientfica como economia, matemtica, poltica, estilos
de vida ou de pensar.
retrica Mas a obra que, individualmente, mais colaborou para o
desenvolvimento da noo de estilo foi a Ars Poetica (Epistola ad
pisones) de Horcio (65-8 a.C.). Obra clssica da retrica latina que
demonstra uma tcnica para reci-tar poemas longos. dela que se
origina o princpio ut pictura poesis, ou seja, na poesia como na
pintura, e cujo emprego na arte teve em Alberti e Quatremre de
Quincy talvez seus maiores divulgadores. O termo ars poe-tica,
hoje, associado a dispositivos da metalinguagem e tcnica retrica
como escrevendo sobre escrever, cantando sobre cantar e pensando
sobre pensar, por exemplo. Neste sentido a retrica um recurso
literrio que amplia a imaginao, melhora o entendimento e a
profundidade da narra-tiva.
relevncia Atualmente, a relevncia do estilo como tema de
investigao vai bem mais alm da mera classificao. Ainda que
inicialmente o estilo constitua uma taxonomia ou um inventrio de
caractersticas comuns de objetos, atravs dele que chegamos a
determinar aspectos constitutivos do objeto, e podemos entender e
compreender sua criao. Estilo, portanto, ao mesmo tempo em que se
oferta como tema filosofia da arte, tambm um con-junto de tcnicas
ou procedimentos que, como tais, podem ser estudados.
Mas ter estilo no o mesmo que ter um estilo. Estilo uma
qualidade inerente arte, no apenas do ponto de vista esttico, mas
tambm da compreenso das obras. Mesmo em obras contemporneas como um
guia de leitura, uma chave de acesso ao significado ou mesmo traos
que nos conduzem percepo de sua singularidade. A, a heurstica da
criao, da compreenso e da contemplao pode dispor um plano comum de
enten-dimento, face ao processo contnuo de renovao da linguagem
artstica.
3 Granger, G-G. Filosofia do estilo, 1974. 4 Heath, in: Johnson,
op. cit., p. 408. (orig, ing., trad. livre) 5 Ibid. (orig, ing.,
trad. livre)
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18
ii. O Objeto do estilo
obra e objeto Obras so singulares, objetos so coletivos. Se
entendermos uma obra como objeto, ser com a inteno de estudar suas
propriedades comuns e, portanto, cientficas, como no caso da
morfologia. Se o entendermos como obra, sua condio singular ser
mais importante do que seus traos comuns, da mes-ma forma que seus
significados. Mas se estilo uma qualidade inerente o-bra de arte,
nada impede que compartilhe traos com objetos cotidianos, em maior
ou menor grau. Objeto e obra diferem por um grau de individuao de
seus estilos.
A maleabilidade, que tambm poderamos chamar de elasticidade,
parece ser a principal caracterstica de um objeto de estilo.
Restries de utilidade, como no caso da arquitetura, so importantes
mas no so definitivas. A possibili-dade de acumular solicitaes de
natureza diversa, ou seja, que seu uso no seja algo especfico como
uma pea de motor, por exemplo, torna um objeto suscetvel operaes de
estilo. A fivela do cinturo de um nobre godo, uma espada de samurai
ou um edifcio representativo denotam funes especiais em que o
estilo fundamentalmente uma distino.
Entretanto, devemos considerar desde j a possibilidade de que
todo objeto tenha estilo ou possa ter estilo. Para Mikel Dufrenne6
(1910-95) tal condio s no seria preenchida pelos objetos
estritamente funcionais ou standard produ-zidos pela indstria, mas
ainda sim teramos que considerar a hiptese de um estilo que ainda
no tenha sido devidamente codificado ou reconhecido. Ou no caso
especial do Kitsch, em que pairem dvidas sobre a propriedade ou
autenticidade de certos caracteres ou na mlange de elementos de
estilos dis-tintos.
A mensagem do estilo eminentemente esttica, ocorre no mbito da
lngua e a partir de uma linguagem: h linguagens em que o fato de
estilo irrelevante ou rarefeito, mas no h estilos sem uma linguagem
que lhe sirva de base. A base do estilo um uso muito peculiar dos
cdigos lingsticos. Contudo, apesar de certo esforo decifrativo, os
caracteres ou atributos que identificam um estilo, em maior ou
menor grau, so reconhecveis nos objetos e como propriedades destes
objetos.
cdigos lingsticos
Um cdigo um sistema de sinais que pode ser usado para enviar uma
men-sagem, seja no caso das lnguas naturais, seja no caso dos
cdigos Morse ou Braille. Para Umberto Eco o cdigo o modelo de uma
srie de convenes comunicacionais que se postula existente como tal,
para explicar a possibili-dade de comunicao de certas mensagens7.
Cdigos podem naturais ou artificiais, fortes ou fracos, explcitos
ou implcitos.
Mas nem tudo pode ser codificado, por que os sistemas de signos
que repre-sentam uma realidade, semelhana das lnguas naturais, se
constituem em sistemas de notao complexos:
fonemas-palavras-frases-texto, notao musi-cal ou arquitetnica, etc.
sempre possvel que algum registro da lngua no possa ser reduzido a
uma notao ou que esta no seja suficientemente articu-lada para
isso.
Expresso utilizada por E.E. Viollet-le-Duc. Ver cap. 11. 6
Dufrenne, M. Style, 1992. 7 Eco, U. A Estrutura Ausente, 1997, p.
39.
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19
possvel separar nveis de codificao da mensagem em funo do objeto
e da finalidade com que nos propomos a us-lo ou examin-lo. Eco
distingue vrios8, aos quais poderamos certamente acrescentar
outros, e entre eles pa-rece se estabelecer um sistema de relaes
homlogas, como se todos os n-veis fossem definveis com base num s
cdigo geral que a todos estrutura9.
J na reduo de uma realidade a um processo grfico, o
reconhecimento de um objeto homlogo ao modelo de relaes
perceptivas. O objeto desenha-do se baseia num conhecimento ou
recordao deste objeto, tanto quanto numa seqncia de relaes de traos
j conhecida (schemata) ou uma conven-o grfica simplificada
(perceptum) 10. Vale o exemplo do rinoceronte de D-rer,
representado iconicamente como recoberto por lminas e escamas por
quase dois sculos, inclusive por zologos que viram o animal, mas no
sabi-am denot-lo seno por estes meios (Fig. 1.1).
Fig. 1.1
Albrecht Drer.
Rinoceronte, 1515.
A tcnica de represen-tao do animal per-durou inclusive entre
zologos que viram e descreveram o ani-
mal.
cdigo de base e objeto neutro
Afora as questes relativas iconicidade, a estrutura do objeto
ou, equivale dizer, seu cdigo de base, a representao mental prvia
de sua categoria ou o mesmo objeto em um estado neutro11 ou
standard. Este cdigo define uma sintaxe do objeto, o todo e suas
partes, e que permite a identificao de sua classe. Definio, alis,
no muito diferente da de tipologia arquitetnica. Em arquitetura, as
tipologias preenchem esta funo de objetos referenciais,
8 A mensagem pode por em jogo vrios nveis de realidade: o nvel
tcnico-fsico da substncia de que so feitos os significantes; o nvel
da natureza diferencial dos significantes; o nvel dos significantes
denotados; o nvel dos vrios significados conotados; o nvel dos
sistemas de expectativa psicolgicos, lgicos e cientficos a que os
signos remetem (...). Eco, op. cit., p. 55. 9 Id., p. 55. 10 Id.,
p. 110. 11 O sistema natural de regulamentao da lngua, por um lado,
e o dos sobrecdigos impostos a priori, por outro, de-vem, com
efeito, ser definidos antes de qualquer anlise dos efeitos de
estilo, cuja base e suporte eles constituem. Esse estabelecimento
preliminar do campo operatrio do artista de natureza ao mesmo tempo
lingstica e filosfica; deve-ria, no entanto, ser empreendido num
esprito estruturalista, no sentido de que no so pormenores que
formam a base neutra do efeito do estilo. Granger, op. cit., p.
246.
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20
medida que so estruturas socialmente aceitas12. O objeto neutro
ou referen-cial anlogo gramtica, irrepresentvel e taxonmico. Como
objeto terico assemelha-se ao que Roland Barths13 (1915-80) definiu
como o grau zero do estilo. A gramtica que possamos atribuir ao
tipo ou ao cdigo de base a mesmo que nos possibilita o
reconhecimento do objeto enquanto tal. No deixa de ser um sistema
de expectativas aos quais certas diferenas podem ser identificadas
como manifestaes de estilo ou deformidades strictu sensu. Para
Ferdinand de Saussure, no distanciamento entre esta gramtica
refe-rencial e os objetos concretos que se manifesta a estrutura e
seus cdigos estticos, ou seja, por diferena14.
cdigos estticos Ento, nesta ambigidade manifesta da mensagem que
o esttico se mani-festa. Para Eco a mensagem assume uma funo
esttica quando se apresen-ta estruturada de modo ambguo (...) em
relao ao sistema de expectativas que o cdigo15, ou seja, quando
pretende atingir o destinatrio mais por sua forma. Isto porque a
mensagem esttica pode estar, via de regra, associa-da a outras
mensagens. Em obras artsticas esta relao pode se inverter. No caso
da arquitetura, por exemplo, o ornamento denota uma inteno esttica,
embora seu emprego sozinho no faa sentido algum. J nas artes
menores o ornamento parece ser a prpria razo de ser do objeto.
Mas uma obra ou um interlocutor pode estabelecer uma espcie de
cdigo privado ou individual de um nico falante, o idioleto. Se a
mensagem estti-ca, por exemplo, se realiza ao transgredir a norma,
todos os nveis da mensa-gem transgridem a norma segundo a mesma
regra16. Esse idioleto gera imita-o, maneira, consuetude estilstica
e tambm novas normas, como nos de-monstra a Histria da Arte. O
exemplo das runas interessante, neste senti-do, pois a Esttica nos
sugere que se possa entrever a totalidade de uma obra ainda que
mutilada ou corroda pelo tempo, porque ao nvel dos estratos ain-da
perceptveis pode-se inferir o cdigo gerador das partes que
faltam17.
Esta percepo vm dos formalistas russos, para quem a arte aumenta
a difi-culdade e a durao da percepo, descreve o objeto como se o
visse pela primeira vez e o fim da imagem no tornar mais prxima da
nossa com-preenso a significao que a veicula, mas criar uma percepo
particular do objeto. Na arte existe ordem, mas no h uma nica
coluna de templo grego que siga o preceito risca e o ritmo esttico
consiste num ritmo prosaico vio-lado; caso esta violao se torne um
cnone, perder a fora que tinha como procedimento-obstculo 18.
lngua e linguagem Nada impede, por um lado, que ponhamos em
dvida, a qualquer momento, que os fatos visuais sejam ou se
comportem como fenmenos lingsticos. Se alguns chegam a negar a
possibilidade de uma interpretao lingstica aos signos visuais,
restringindo-a aos signos exclusivamente verbais, outros h que
acenam com a possibilidade de que, mesmo negando o carter de signo
aos fatos visuais, ainda sim os interpretem em termos lingsticos19.
Por outro lado, no se pode negar que os signos visuais comuniquem,
pois como adver-
12 Krger, M.J.T. A Arquitetura das tipologias, 1985. 13 Barthes,
R. O grau zero da escritura, 1971. 14 de Saussure, F. Curso de
Lingstica Geral, 1997. 15 Id., p. 52. 16 Id., p. 58. 17 Luigi
Pareyson apud Eco, op. cit., p. 58. 18 Victor Chklovsky apud id.,
p. 70. 19 Eco, op. cit., p. 97.
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te Eco, nem todos os fenmenos comunicacionais so explicveis
pelas cate-gorias da Lingstica20, o que sugere espao para uma
aproximao mais se-miolgica da questo.
Mas ainda se faz mister enfatizar a distino clssica de Ferdinand
Saussure (1857-1913) entre lngua e linguagem. Para ele, lngua o
conjunto dos hbi-tos lingsticos que permitem a uma pessoa
compreender e fazer-se compre-ender21. um acervo que guarda consigo
toda a experincia histrica acu-mulada por um povo durante a sua
existncia. sincrnica e diacrnica ao mesmo tempo. a parte social da
linguagem, exterior ao indivduo, que, por si s, no pode nem cri-la,
nem modific-la; e ela no existe seno em virtu-de de uma espcie de
contrato estabelecido entre os membros da comunida-de22. J a
linguagem a faculdade natural de usar uma lngua23 e denota a
manifestao particular de uma mensagem ou ato individual da fala24 e
a lingstica o estudo cientfico da linguagem humana25.
De forma complementar Joseph Nivette considera a lngua uma
estrutura em que todas as partes esto ligadas entre si de maneira
harmoniosa e tendem para o mesmo fim26. Desde o ponto de vista mais
amplo da lngua possvel entender que todos os fenmenos lingsticos
fazem parte da lngua, qual-quer que seja o seu aspecto desordenado,
incompleto ou artificial27 e que uma lngua sempre logicamente
estruturada. Hoje se considera linguagem qualquer sistema de signos
que sirva de meio de comunicao de idias ou sentimentos atravs de
signos convencionais, sonoros, grficos, gestuais etc., podendo ser
percebida pelos diversos rgos dos sentidos, o que leva a
dis-tinguirem-se vrias espcies de linguagem: visual, auditiva,
ttil, etc., ou, ain-da, outras mais complexas, constitudas, ao
mesmo tempo, de elementos di-versos28. Considera-se tambm formas de
linguagem mais especficas como o jargo (social, profissional ou
disciplinar); o sistema formal de smbolos esta-belecidos em funo de
axiomas, regras e leis que estruturam um enunciado, tambm ditas
linguagens artificiais ou simblicas; as linguagens naturais, ou
seja, aquela oriunda da capacidade natural de uma espcie, como as
lnguas humanas e as linguagens animais); e as linguagens figuradas,
que se caracte-riza pelo emprego sistemtico de figuras de palavras
que comportam mudan-a de sentido, como a metfora, a metonmia,
etc29.
iii. Teoria de estilo
mbitos Estilo um termo que permeia os domnios da arte e da
cincia. H um estilo de matemtica, outro de fsica. Entre os gneros
artsticos se observa a consti-tuio de zonas de transposio, como no
caso das artes visuais, onde o estilo caracteriza com maior
evidncia a homogeneidade da produo de uma poca. Se, no primeiro
caso, isso nem sempre percebido com facilidade, no segun-do, se
torna possvel estabelecer at mesmo conexes com estgios do pen-
20 Id.., p. 97. 21 de Saussure, op. cit., p. 92. 22 Id., p. 22.
23 Id., p. 17. 24 A cada instante, a linguagem implica ao mesmo
tempo um sistema estabelecido e uma evoluo: a cada instante, ela
uma instituio atual e um produto do passado. Id,. p. 12. 25 de
Carvalho, C. Saussure e a lngua portuguesa, 2004. 26 Nivette, J.
Princpios de Gramtica Gerativa, 1975, p. 3. 27 Id., p. 4. 28
Ferreira, A.B.H. Novo Dicionrio Aurlio Sculo XXI, 1999. 29 Houaiss,
A. Dicionrio Eletrnico da Lngua Portuguesa, 2004.
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22
samento cientfico.
Estilo uma ordem da beleza, parte cognitiva da intensidade desta
sensao (aisthesis). propriedade do objeto, mas s pode ser
reconhecido e estudado enquanto classe, paradigmaticamente. Sendo
assim, no h estilo de um obje-to s, pois os traos daquele no
ocorrem seno num conjunto determinado de objetos distintos. Uma
teoria de estilos, como observa o mesmo autor, visa prtica: a
determinao do estilo no serve mais para classificar objetos, mas
para prescrever sua fabricao.30 Este movimento do descritivo ao
pres-critivo decorre dos meios que descobrimos pelo reconhecimento
de seus efei-tos. Estes contedos, geralmente restritivos, so cdigos
bastante especficos que permitem trabalhar ou reconhecer um estilo.
Dessa forma, para o mesmo autor, os estilos so sistemas
pr-estabelecidos de procedimentos e receitas oferecidas escolha do
criador para produzir uma obra de determinado g-nero.31
As contribuies mais significativas para uma teoria de estilo
provm da lin-gstica e da filosofia da linguagem, assim como da
hermenutica, fenomeno-logia, semiologia e, mais recentemente, das
chamadas design sciences. A psico-logia da Gestalt, da mesma forma,
teve e continua tendo seu devido respaldo, se bem que o interesse
por ela parea ter se retrado nas ltimas, seja pela falta de novas
contribuies significativas, seja pela incorporao parcial de seus
contedos fenomenologia.
Mas mais do que a procura de uma norma ou de uma taxonomia, o
estudo do estilo no permite o acesso compreenso plena da obra:
i. pelo conhecimento de suas formas ou regras de produo;
ii. atravs do entendimento do significado dos objetos e das
obras sin-gulares ou exemplares, ou seja, de uma teoria do
significado;
iii. na direo dos desdobramentos conceituais e suas e implicaes
formais na criao de objetos.
traos comuns Estilos podem ser compartilhados por coletividades,
pocas e lugares. Seus traos atuam como denominadores comuns. Nas
sociedades primitivas, ver-nculo o estilo de uma forma de produo
inconsciente de si mesma. Quan-do esta tenta incorporar elementos
novos sem ainda ter o controle necessrio para tanto, diremos que o
estilo arcaico, no mesmo sentido da descrio de Paul Feyerabend32
sobre a arte grega pr-clssica. A arcaicidade revela justa-mente o
esforo de transposio das barreiras do utilitrio e do ritual para o
esttico.
Os traos comuns de uma classe de objetos definem estilo como
coletivo. E neste aspecto o sentido de uma teoria de estilos
generalizante. Neste movi-mento, observadas as barreiras de gnero,
os traos de estilo migram entre objetos e gneros. Se o estilo no
propriamente um objeto, mas certas pro-priedades reconhecveis deste
objeto, uma teoria do estilo ser o discurso so-bre estas
propriedades.
Mas gnero, tipologias e iconografias tambm so traos comuns que
consti-tuem formas predominantes s quais o estilo se superpe. Da
mesma fora os cdigos de base dos objetos se sujeitam ao do estilo,
formando classes. O
30 Dufrenne, op. cit. (fr. orig., trad. livre) 31 Id. (fr.
orig., trad. livre) 32 Feyerabend, P.K. Contra o Mtodo, 1985.
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23
estilo oscila, portanto, entre o coletivo e o singular, entre a
produo de obje-tos e a criao de obras, entre os traos comuns dos
objetos cotidianos e os traos altamente individuados e inovadores
das grandes.
traos livres Para Gilles-Gaston Granger33, o estilo surge a
partir da existncia de traos livres na linguagem, segundo uma
liberdade de escolha, de poder liberar uma mesma mensagem de
maneiras diferentes. O grau zero do estilo ocorre quando as condies
de transmisso da mensagem se reduzem ao estritamen-te necessrio. O
cdigo Morse, por exemplo, no teria estilo. No apresenta seno um
nico cdigo e sentido de leitura. A existncia de traos livres (1) e
a possibilidade de veiculao de outros cdigos a partir pluralidade
destes traos (2) configuram, portanto, as duas primeiras e
fundamentais condies do estilo.
Objetos, da mesma forma, podero sofrer transformaes de estilo se
neles houver a possibilidade de se encontrar estes traos livres.
Tais objetos devem ter um cdigo suficientemente malevel ou serem
suscetveis superposio de outros nveis de informao. Caso contrrio,
como no caso do cdigo Mor-se, o objeto constituiria uma nica
mensagem, coincidindo a sintaxe com sua semntica34. O resultado
disso seria a ausncia total de estilo, pelo menos numa situao
hipottica. Mas, se no referido cdigo pudermos distinguir outra
mensagem que no o seu sentido ordinrio porque ali h outro cdigo
superposto, como no caso de uma mensagem secreta. O exemplo do
cdigo, portanto, s vale em circunstncia de estrita utilidade.
Qualquer outra inter-posio sobre o sentido estrito da mensagem j
poderia tomar o curso do esti-lo. Mas como um fato assim no uma
coisa corriqueira, a manifestao de estilo um fenmeno comum a
qualquer objeto.
A sobre-codificao do estilo, no entanto, no necessariamente uma
opo consciente por parte do produtor-criador que se v na
contingncia de ter de fazer isto ou aquilo ou optar por esta ou
aquela forma. A terceira condio do estilo, portanto, surge da
distino entre os cdigos explcitos e impltos. Os primeiros, a
priori, constituem os traos gerais do gnero e das intenes mais
evidentes, e de certa maneira coercitivas, da obra, como no caso da
mtrica no poema ou do compasso e do ritmo na msica. Os segundos, a
posteriori, de-monstram que as regulamentaes a priori no so
demasiado imperativas, de modo que os traos previamente organizados
ainda esto sujeitos a alteraes num segundo momento ou nvel. Ou
seja, so os prprios traos a priori que, ao reorganizar o objeto ou
obra, deixam espao para o surgimento de cdigos secundrios mais
especficos. Seno basta imaginarmos, em caso contrrio, a aplicao da
idia bem difundida em arte da forma fixa. justamente a situa-o em
que os traos a posteriori desaparecem por completo. Ao que Granger
sintetiza:
O efeito de estilo em geral aparece, pois, como ligado
sobre-codificao e nos limites em que esta conserve uma parte, pelo
menos, de seu carter a poste-riori. O aspecto de inveno e criao de
um estilo est, ao mesmo tempo, no poder de organizar de modo
prenhe, elementos originariamente fora-de-cdigo da lngua e de
variar suas modalidades. 35
33 Granger, op cit., p. 220. 34 Id., p. 220. 35 Granger, op.
cit., p. 232.
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24
grau de estilo O estilo ser tanto mais evidente quanto maior ou
mais evidente for a organi-
zao de seus traos livres. O estilo , portanto, uma manifestao de
grau e, neste sentido, tambm de uma escala entrpica36. A entropia
um estado de desordem no qual a ordem um sistema de probabilidades
introduzido no sistema para poder prever-lhe o andamento37. A ordem
no sistema funo dos cdigos, sejam eles mais lingsticos ou mais
estticos, conforme a situa-o assim o exija ou permita. A
legibilidade do objeto, nesse caso, depender da interao com seu
cdigo de base ou de um conjunto de expectativas que, em ltima
anlise, dependem de decises do artista-criador. Ao enfatizar a
legibilidade, o estilo poder estar simulando uma operao gramtica. O
si-mulacro lingstico pode se apresentar em situaes onde esta ltima
se apre-senta fraca ou rarefeita, caso caracterstico expresso das
artes ditas visuais ou no-lingsticas.
A descoberta de um novo nvel de organizao de um sistema esttico
de-pender, em tese e, paradoxalmente, da possibilidade de
des-ordenar ou des-estruturar prticas consagradas pelo uso. A
des-ordem identifica zonas de rudo no trato com o objeto. A
introduo de rudos num sistema estvel pode advir de trs caminhos
bsicos, no-excludentes: do acrscimo ou sub-trao de elementos ou
partes (1), de novas solicitaes ao objeto (2) ou de alteraes na
topologia ou na leitura (sintaxe) de suas partes (3). A articulao
conjunta destas trs variveis um fato histrico: renascimento,
neoclassicis-mo, modernismo so tendncias em que o aporte individual
assume uma importncia fundamental.
jogo de formas Entretanto, como postula Granger, a noo de estilo
no originariamente uma categoria esttica, no sentido especfico
desse termo, que evoca valores de contemplao.38 Isto quer dizer que
o efeito de estilo no pressupe uma condio esttica ou artstica a
menos que possa vir a ser considerado objeto de fruio. Ento, nesse
sentido que podemos entender porque objetos este-ticamente
desligados de seus contextos originais possam servir contempla-o
como no caso das mscaras e objetos rituais africanos, das canoas
maori ou certas estruturas de engenharia. Deslocadas de seus
contextos originais, no se apresentam seno como pura sintaxe e
delas se pode depreender o esboo de uma esttica negativa: as
condies de uso (sintaxe) so elididas e o efeito resta apenas como
uma semntica ou jogo de formas39.
individuao do objeto
Em sentido contrrio a esta via generalizante e coletiva, a
liberdade do artista no se resume escolha do estilo. Ela pode
apontar para a contestao de traos tericos e regras prticas, pela
inveno de novos traos e novas regras. Situao em que o estilo aponta
para uma individuao do objeto, em direo singularidade da obra. Os
traos desta (a posteriori) se delineiam por diferena aos do cdigo
de base daquele ou de um estilo comum ou coletivo (a priori). O
estilo de uma obra surge, portanto, por contraponto ao estilo do
objeto ou por diferena norma ou termo comparativo.
36 Parece-nos que a pluralidade das codificaes pode ser colocada
em evidncia sobre trs aspectos essenciais, mais complementares do
que exclusivos uns dos outros, e provavelmente no exaustivos. A
saber: uma variao de entropia das mensagens em relao a entropia
mdia de um corpus - a presena de sobre-cdigos propriamente ditos,
superpostos aos cdigos de base - e enfim, a possibilidade de uma
gnese transformacional das mensagens estilisticamente marca-das a
partir das mensagens neutras. Id., p. 224. (grifo original) 37 Eco,
op. cit., p. 14. 38 Granger, op. cit. , p. 218. 39 Id.
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25
A singularidade da obra individual ocorre no mbito do estilo. Os
traos ge-rais deste ainda subsistem e orientam a leitura daquela
por diferena, como na lingstica de Saussure40. A individuao da obra
de arte, ainda que num n-vel mais alto de singularidade, no elimina
os traos comuns de outras obras da mesma categoria. Mas neles est a
origem de um elemento de surpresa presente na obra e que a afasta
do estilo comum: a entropia presente no estilo individual apresenta
uma re-organizao original de seus traos originais. A descoberta de
traos livres , portanto, o resultado de um trabalho que demonstra
capacidade de inovar. A liberdade do artista no se resume escolha
antecipada do estilo, como repara Dufrenne, ela se manifesta pela
contestao dos tra-os que a definem na teoria e das regras que a
definem na prtica, pela inven-o de novos traos e de novas
regras41.
etos A prtica do estilo um comportamento sensvel com vnculos na
realidade da produo de objetos. Articulando-se na tenso entre os
valores individuais e sociais, estilo um etos. Etos42 (, ) o lugar
de costume ( , o lugar dos cavalos) e sua raiz ethikos () designa
carter moral ou um modo de persuaso. A tradio grega reserva
preservou a forma thos para valores socialmente compartilhados e
para as manifestaes do pensamento humano e thos para as manifestaes
individuais de carter43, donde se pode depreender o sentido de uma
tenso latente.
O etos tambm pode ser entendido como uma categoria afetiva, como
aquilo que prprio e adequado a certas situaes ou gneros e capaz de
exercer certa influncia psquica44. Pos meio disto se estabelecem os
sinais inequvo-cos dos personagens de uma pea de teatro e que no
permite que se confun-da uma comdia com uma tragdia, ou, na
pintura, uma cena pica com uma cena burlesca. Em arte, o etos
cumpre o papel de uma instncia mediadora, capaz de articular a obra
com seu contexto, na continuidade com os moldes lingsticos,
dando-lhe uma relativa previsibilidade. Isto, em gramtica,
e-quivaleria analogamente ao modo lingstico.
estilo ou linguagem O estilo se refere totalidade da mensagem e
pertence ao mbito da esttica. Mas no encontraremos o estilo, como
afirma Granger, na frase elementar, nem na gramtica, nem no
sintagma, mas num mbito maior como o do texto ou da obra. Ento,
quando as mensagens vo alm do trivial, quando seus significados
ascendem do nvel da linguagem meta-linguagem, o estilo pas-sa a
fazer sentido, o que permite acesso a um outro nvel de significado.
Sen-do assim, o universo do estilo maior que o da linguagem.
40 de Saussure, op. cit., 1978. 41 Dufrenne, op. cit., p. 298.
(fr. orig., trad. livre) 42 O dicionrio Ferreira (Aurlio) registra
somente a forma etos, sem distino de sentido. Ferreira, Aurlio B.
de Holan-da. Novo Dicionrio Aurlio Sculo XXI. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1999. 43 O dicionrio Houaiss registra a forma etos como
aportuguesamento das formas thos (conjunto de valores que permei-am
e influenciam uma determinada manifestao artstica, cientfica ou
filosfica) e thos (carter pessoal; padro relati-vamente constante
de disposies morais, afetivas, comportamentais e intelectivas de um
indivduo). Na tradio grega, so termos diferentes e cujas acepes no
se confundem. Houaiss, A. Dicionrio Eletrnico da Lngua Portuguesa.
So Paulo, Objetiva, 2004. 44 categoria esttica toda entidade que
rena as seguintes caractersticas: um abstrato afetivo, ou seja, o
tipo ou a es-sncia de uma impresso emocional ou sentimental sui
generis; uma disposio objetiva interna de elementos da obra de arte
em interao orgnica, constituindo o conjunto de exigncias necessrias
para que a reao afetiva se produza; um gnero ideal visado pela obra
que lhe permita aportar juzos de valor e estimar essa conquista de
acordo com a maior ou menor aproximao do ideal buscado; e, enfim, a
responsabilidade de ser encontrada em todas as artes, sejam elas
pls-ticas, musicais, literrias, etc. Souriau, A. Les catgories
esthtiques, 1985, p. 299. (fr. orig., trad. livre)
-
26
Ora, linguagem que est contida no estilo, que pertence, por sua
vez, ao mbito da lngua45. Por isto, como aponta Dufrenne, a noo de
estilo encon-tra um campo de aplicao muito mais vasto que as artes
da linguagem ou mesmo da arte: um campo onde se situam todos os
objetos produzidos pelo trabalho humano, ainda que estes objetos
escapem de qualquer forma a uma estruturao, mas que as
sobre-determina, (...) d lugar a uma sobre-estruturao ou uma
sobre-codificao menos manifesta e menos eficaz.46
O que nos leva a compreender que o estilo, e no a linguagem,
prprio ao objeto e que todo objeto tem estilo, inclusive aqueles
estandardizados da in-dstria, inteiramente ordenados ao conceito
que preside sua fabricao, pois respondem normas ideolgicas47. Com
isto podemos falar de um estilo de pintura ou de edifcio, mas tambm
de um automvel ou de um aparelho telefnico. A linguagem, por sua
vez, prpria ao artista-criador, cuja fala est inscrita no objeto e
de uma certa maneira.
gramtica A gramtica a lgica da linguagem, aceita por acordo
comum, o conjunto de prescries e regras que determinam o uso
considerado correto da lngua escrita e falada48. Vista sob o ngulo
descrito nos pargrafos precedentes ela parece se enquadrar no
contexto dos cdigos a priori, cujas regras podem permanecem em
parte no-formuladas, ainda que abertas na lngua, como sugere
Granger49. Sendo assim, a gramtica mais uma categoria de restri-es
pr-definidas, tambm chamados sobre-cdigos ou cdigos de base, co-mo
as dos gneros e dos estilos acadmicos.
Mas a superposio de cdigos, condio para o fato de estilo, s
eviden-temente possvel se o cdigo de base reger apenas uma parte da
substncia lingstica a que ele d sua forma.50 No caso do cdigo
Morse, por exemplo, a codificao uniforme governa a totalidade da
substncia constituda unica-mente de traos e pontos, mas isto no
impede que surjam efeitos variveis j em sua execuo mesma e que
passa a gerir sua gramtica de base; no caso das lnguas naturais as
variveis se tornam disponveis em nvel abstrato, muito mais
complexo, como nos esquemas semnticos e sintagmticos. a origem de
elementos fora-de-cdigo, no previstos, mas presentes na lngua, que
vem a reforar a lngua tanto nos sistemas a priori dos gneros e
mtricas como nos sistemas constitudos e legveis a posteriori nas
mensagens.51
Dessa forma o carter explcito destes cdigos a priori ou
sobre-cdigos per-mitiu que se isolasse suas regras constitutivas de
forma a gerar estoques de frases tal como numa combinatria
matemtica. Todavia, uma lngua no um sistema formal, pois est
fortemente vinculado prtica e de forma muito mais coercitiva do que
uma lgebra52. Em primeiro lugar porque nas lnguas naturais, as
frases (ilocuo) j nascem condicionadas pela semntica. O que quer
dizer que as frases devem fazer sentido j num nvel inicial de
formao.
45 de Saussure, op. cit. 46 Dufrenne, op. cit., p. 299. (fr.
orig., trad. livre) 47 Ibid. (fr. orig., trad. livre) 48 Houaiss,
op. cit. Na gramtica tradicional o tratado descritivo-normativo da
morfologia e da sintaxe de uma lngua (ficando de fora, portanto, a
fontica e a semntica). Em lingstica descritiva o estudo objetivo e
sistemtico dos ele-mentos (fonemas, morfemas, palavras, frases
etc.) e dos processos (de formao, construo, flexo e expresso) que
constituem e caracterizam o sistema de uma lngua. Loc. cit. (do
grego: , grammatik; feminino substantivado de grammatiks). 49
Granger, op. cit., p.221. 50 Id., p. 223. 51 Ibid. 52 Id., p.
202.
-
27
E em segundo lugar porque a estratgia de combinao tem de
enfrentar o problema da sintaxe, ou seja, o lxico no uma realidade
linear e no pode ser livremente combinado53. No universo de ilocues
possveis h um sub-conjunto de alternativas vlidas ou validveis.
Para a gramtica transforma-cional de Noam Chomsky54, por exemplo,
as estruturas de significado, ine-rentes ao estilo, no esto postas
como problema.
Este segundo passo, na direo de regras capazes de gerar sentenas
vlidas em que consiste a contribuio prvia de Katz e Fodor55. Eles
se propem a aprimorar a descrio lexical por meio de operadores
lgicos, denominados marcadores gramaticais e semnticos, capazes de
realizar uma seleo restri-tiva do sentido dos vocbulos. No entanto,
suas propostas remetem o reco-nhecimento dos aspectos sintticos ao
limbo dos distinguidores especficos, onde sua teoria semntica no
oferece explicao geral, tampouco avana.
dentro deste quadro que deriva a anlise matemtica das sintaxes,
seja por via das pesquisas metalgicas sobre sistemas formais, seja
pelas tentativas de mecanizar as estruturas lingsticas. Ambas
partem de realidades opostas e parecem se complementar. Porm, os
problemas advindos da sintaxe e da semntica, num e noutro caso no
ocultam certo grau de ambigidade. E ne-las, por conseguinte, o
estilo permanece como uma sorte de perturbao da ordem dada. As
perspectivas de desenvolvimento se restringem formaliza-o de um
sistema de escolha dentre alternativas possveis56. O problema, de
qualquer forma, que tais abordagens, embora importantes para o
estudo sistemtico de certos aspectos da linguagem, no vo alm da
frase. E sendo assim, tanto faz analisar um bilhete ou um texto
literrio. Concentrando-se na mecnica das ilocues, remetem o estudo
do estilo inteiramente ao plano das significaes.
redundncia Para que um objeto possa manifestar traos livres, a
linguagem do gnero dever apresentar elevado grau de redundncia, que
possibilite a atuao de cdigos de alto e baixo nvel57. Como na
poesia, a frase padro gramatical-mente correta substituda por
aliteraes, ritmos, mtrica e consonncias prprias ao gnero, sem
deixar de ser fenmeno da lngua. A gramtica, pos-ta em segundo
plano, assim como o nvel mais trivial da mensagem, ressalta a
prevalncia da condio da forma e dos planos de entendimento, no sem
uma boa dose de ambigidade, que constituem a razo de ser da
poesia.
A redundncia base das linguagens poticas, visuais e sonoras,
pois a partir dela que o estilo pode assumir as descontinuidades do
cdigo de base dos objetos, tema que j aventamos aqui. A linguagem,
se tomarmos o gnero, o modo predominante como os objeto falam. A
linguagem aqui, ento, no o equivalente direto de uma mensagem que
possa ser lida, mas compreendida indiretamente por sugestes e
aluses montadas pelo estilo. Nas linguagens no-verbais importa
menos dizer do que mostrar-se, fazer-se ouvir, ser per-
53 (...) a lngua, no sentido saussuriano do termo, se j o
resultado de uma colocao em perspectiva estrutural da linguagem, no
, no entanto, um sistema formal. No um modelo da linguagem, ao
contrrio das lnguas simblicas que so modelos da atividade lgica, ou
de modo mais geral, se se quiser, enquanto parte da Matemtica,
puras estruturas abstratas subme-tidas quase completamente ao livre
arbtrio combinatrio. Id., p. 190. (grifo original) 54 Chomsky, N.
Aspects de la thorie syntaxique, 1971. 55 Fodor, J.; Katz, J.J. The
structure of language: readings in the philosophy of language, 1964
apud Granger, op. cit. 56 Granger ainda aventa o desenvolvimento de
certa teoria de cunho sintagmtico (Analyse conceptuelle du Coran
sur cartes perfures, 1963), baseada na possibilidade de combinaes
estritamente lexicais para a formao de significados gradati-vamente
mais complexos. (N.A.) 57 Trata-se a bem de um plano de codificao
mais ou menos rgido, de uma sobressintaxe superpondo-se ao plano
fundamental da estrutura lingstica. Granger, op. cit., p. 228.
-
28
cebido. Os traos livres se incorporam por novas relaes que so
tornadas perceptveis58.
O estilo se torna um recurso fundamental nas artes medida que a
gramtica se torna irrelevante. Se h algo de gramtico nas artes no
seno por simu-lacro linguagem. Isto porque a articulao de sentido,
prpria linguagem, portanto, se desloca para um plano no-verbal59.
Dessa forma, ento, o estilo opera a partir das regras do gnero e,
mais propriamente que linguagens, de seus consensos
comunicativos60. Quando as restries de natureza formal so muito
fortes, fato comum poesia e s artes em geral, o nvel de redundncia
ou entropia das mensagens aumenta61: menos importante o que se diz
do que como se diz.
estilstica: nveis coercitivos
Por fim nos deparamos com uma estilstica, cincia ou filosofia
dirigida estrutura de um objeto, mas, como ressalta Granger, sem se
deixar render fenomenologia, nem negar a esse objeto uma
individualidade prpria con-dio artstica62. Dessa forma, mais
razovel que o objeto seja identificado com esta estrutura e a obra
como um desvio; o primeiro uma espcie de norma, suscetvel a um
estudo cientfico e generalizante; o segundo, um even-to singular
sujeito a manipulaes de ordem simblica e, portanto, de
signifi-cado.
Da tenso que se estabelece entre o objeto e a obra surge o
primeiro indcio da emergncia de uma estilstica. Mas o desgnio da
cincia a estrutura, e se-guindo as leis gerais do objeto o efeito
de estilo seria a conseqncia de uma coero individuadora. Definem-se
a, ento, duas orientaes para o uso do estilo. De um lado a
estruturao das modalidades transmitidas pela lngua - complexa,
coercitiva e estruturada em diferentes nveis; de outro, a
organiza-o em aumentos de materiais redundantes da linguagem da
qual o estilo se origina.
Neste sentido, uma estilstica no se reduz a apontar os traos
compartilha-dos de uma linguagem de base, mas tambm entender o
comportamento do estilo numa sucesso de nveis de realizao. Por
isto, nesta linha de racioc-nio, nos parece possvel seccionar o
estudo em trs nveis fundamentais: uma linguagem comum prpria ao
gnero (1), os traos de um estilo coletivo e-mancipado desta
linguagem (2) e os traos exclusivos e singulares do estilo da
obra.
Mas a proposio de uma estilstica, no mbito da expresso artstica,
vai bem mais alm. No sentido do estudo das manifestaes de expresso
ou artsti-cas, a linguagem uma base de referncia, qual se somam as
figuras da re-trica e mesmo o auxlio da psicologia ou da
semiologia. Como disciplina mediadora ela fundamenta a esttica da
linguagem em seu sentido pleno que se esforaria por descrever os
procedimentos por meio dos quais o usurio de uma lngua procura
suscitar no auditor um vivido, uma experincia frtil e
58 Silva, E. Arquitetura & Semiologia, 1985, p. 133. 59 Id.,
p. 105. 60 SILVA, E. Fundamentos tericos da crtica arquitetnica,
2001. 61 Uma mensagem rica em efeitos de estilo deve ser mais
redundante do que a mensagem neutra, uma vez que se sub-mete a uma
mltipla rede de regras, que reforam a organizao lingstica da base.
Granger, op. cit., p. 231 62 Que o seu papel seja mais marcante
nesse domnio que no das outras cincias deve ser considerado,
parece-nos, no somente com um indcio entre outros do carter ainda
incerto desse conhecimento, mas tambm como a marca intrnse-ca de
seu objeto. Na medida em que o fenmeno de que partem mais completo,
mais concreto, do que o das outras cincias, o trabalho, o trabalho
de estruturao acha-se a menos determinado; a multiplicidade dos
modelos possveis aqui possveis no significa o arbitrrio, mas a
necessidade de abordar o fenmeno segundo vrios ngulos e, em todo
caso, reconstru-lo como objeto em vrios nveis. Id., p. 340-41.
-
29
individuada.63 Claro que o enunciado de Granger implica no etos
coercitivo de estruturas prprias anlise cientfica. Mas o mesmo
autor argumenta que a prpria histria, para ele, tambm constri
modelos, trazendo luz uma estruturao estratificada de seu objeto e
mostrando que essas organizaes parciais so apenas pontos de vista
hierarquizados numa totalidade que escapa de outro modo a um
conhecimento racional.64
A coero do modelo histrico de que fala Granger, se exerceria a
no senti-do de uma normatividade, atrelando as formas a seus
significados de origem. A coero do modelo esttico, se assim tambm
pudermos entend-lo, se acu-sa na forma de regras associativas.
Estas regras, que bem poderamos chamar de compositivas ou
sintticas, ao se disseminarem, passam a fazer parte do corpus
operativo do gnero e tendem a ser assimiladas como atemporais.
iv. A esttica moderna
subjetividade A esttica moderna ocidental, particularmente, est
fundada sobre a desco-berta da subjetividade humana. A Crtica do
Juzo65 de Immanuel Kant (1724-1804) o divisor de guas entre a velha
esttica pitagrica de cunho estritamente objetivo, e a nova esttica
fundamentada no sujeito e na expres-so da individualidade e da
sensibilidade do sujeito. Um ideal de expresso ou de poder
expressivo que no tardaria a suplantar a beleza clssica e a lgi-ca
do equilbrio como etos dominante.
A subjetividade, contudo, no relega o objeto a um plano
secundrio. A rela-o de intensidade das sensaes, atrelada a uma
compreenso ainda mais elementar da linguagem artstica, procura
identificar o correlativo objetivo que, nos objetos, produz tal
efeito. Na medida em que deixa de lado esquemas pr-concebidos da
beleza, a percepo moderna constri um juzo muito mais especfico e
particular, como caso de Kant:
Para distinguir se algo belo ou no, referimos a representao, no
pelo en-tendimento ao objeto em vista do conhecimento, mas pela
faculdade da imagi-nao (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e
ao seu sentimento de prazer ou desprazer. O juzo de gosto no ,
pois, nenhum juzo de conhecimento, por conseguinte no lgico e sim
esttico, pelo qual se entende aquilo cujo fun-damento no pode ser
seno subjetivo.66
Porm a sensao continua sendo um dado objetivo:
(...) entendemos contudo pela palavra sensao uma representao
objetiva dos sentidos; e, para no corrermos sempre perigo de ser
erroneamente falsa-mente interpretados, queremos chamar aquilo que
sempre que sempre tem de permanecer simplesmente subjetivo, e que
absolutamente no pode constituir nenhuma representao de um objeto,
pelo nome, alis de um sentimento. A cor verde dos prados pertence
sensao objetiva, como percepo de um obje-to do sentido; o seu
agrado, porm, pertence sensao subjetiva, pela qual ne-nhum objeto
representado (...)67
sintomtico que Kant proponha isto numa poca em que a psicologia
j dava seus primeiros passos e que ele mesmo j utilize a expresso
para de-
63 Id., p. 342. 64 Ibid. 65 Ttulo original: Kritik der
Urteilskraft, 1790. (N.A.) 66 Kant, I. Crtica da Faculdade de Juzo,
1993, p. 47-8. (itlico orig.)
67 Id., p. 51. (itlico orig.)
-
30
signar o estudo do comportamento do ser humano. Ao longo do
sculo XIX, este campo do conhecimento ganharia fora lentamente e
seus conceitos ra-pidamente se espalhariam por outras reas da ao
humana, particularmente as artes.
nova sensibilidade A construo de uma nova sensibilidade, tal
como a ideava John Ruskin (1819-1900), a mesma que se deixa
assimilar s descobertas cientficas relati-vas ao tema. Dos signos
incondicionais da arte de Humbert de Superville (1770-1849)
fisiologia de Wilhelm Wundt (1832-1920) e a psicologia de The-odor
Lipps (1851-1914), a esttica e a histria da arte sofrem um profundo
realinhamento ao final do sc. XIX e se impem como disciplinas
indepen-dentes, ainda que de forma relativa.
Do entrelaamento entre arte e cincia se faz surge um corpo de
teorias estti-cas que se constitui na Alemanha, aps a segunda
metade do sc. XIX. Estas teorias intentam estabelecer um pensar
terico sobre a arte, no s como re-flexo, mas tambm como ao. Teorias
que tiveram sua origem, mal ou bem, nos escritos de Gottfried
Semper (1803-79), que influenciaram decisivamente nesta direo. Ele
provavelmente um dos pais da doutrina do Gesamtkunst-werk (obra de
arte total, reunio de todas as artes numa s) junto com seu dileto
amigo, o compositor Richard Wagner (1813-83). Fora da Alemanha, o
nico equivalente altura destes desafios foi o francs Eugne Emmanuel
Viollet-le-Duc (1814-79).
Dos desmembramentos disto poderamos citar agora, resumidamente,
as teo-rias visualistas de Heinrich Wllfflin (1864-1945), as idias
abstracionistas de Wilhelm Worringer (1881-1965) e a pesquisa
ornamental de Alos Riegl (1858-1905) que reconsideraram,
respectivamente, a excelncia da produo barro-ca, os padres
geomtricos das expresses artsticas tradicionais (etnografias) e a
importncia das artes menores. No caso de Riegl, particularmente,
seu conceito de Kunstwollen (volio artstica, desejo de arte) parece
reunir j as caractersticas de uma arte moderna ao propor uma
concepo de arte basea-da na expresso de uma volio (subjetiva) que
desconsidera as formas esta-belecidas da arte.
a Gestalt Boa parte do sucesso do etos criativo da Bauhaus se
deve ao influxo destas teorias, fato que afirma o modernismo como
um movimento originalmente germnico68. Mas a construo de uma
sensibilidade moderna (ao abstrato) dependia de um corpo de teorias
que, em sua forma continental (Kunstwis-senschaften69) viriam na
forma da psicologia Gestalt, e que conferiu um status cientfico ao
estudo da psicologia da forma.
A ao da Gestalt consistia dos efeitos que elementos isolados de
um determi-nado contexto tais como cores, formas, ritmos e linhas
poderiam produzir na percepo das pessoas. A aplicao prtica dos
conceitos obtidos a partir dos indicativos de estmulos sensoriais
deu um enorme impulso afirmao dos valores de uma arte abstrata como
o que ocorreu nas artes plsticas e no de-sign da Bauhaus ao longo
da dcada de 1920. A Gestalt provm originalmente da psicologia e sua
introduo na Bauhaus se deve ao trabalho pioneiro de Paul Klee
(1879-1940, Fig. 1.2), Wassily Kandisnky (1866-1944) e Lzsl
Mo-holy-Nagy (1895-1946).
68 As teorias alems tm repercusso na Rssia czarista (ou
pr-revolucionria), mas este tema no ser tratado aqui.
69 Cincias gerais da arte, por oposio ao art critic anglo-saxo.
(N.A.)
-
31
Fig. 1.2
Paul Klee. Moa sem par, 1922.
A construo de uma nova sensibilidade exi-gia o rompimento com as
formas estabelecidas da arte, recolocando a
experincia sensvel em primeiro plano.
semiologia A semiologia, cincia no apenas dos sistemas de signos
reconhecidos como tais, mas como a cincia que estuda todos os
fenmenos da cultura como se fossem sistemas de signos70, como Eco a
define, nos d bem a medida que a invaso de termos oriundos da
lingstica de Saussure e a semitica de Char-les Sanders Peirce71
tiveram sobre reas da comunicao humana. So es-quemas
interpretativos de cultura, oriundos da Teoria da Comunicao, que
chegam a suplantar os esquemas da Gestalt to caros cultura moderna
pro-palada pela Bauhaus, por exemplo. Partem do entendimento de que
tudo comunicao e tudo pode ser reduzido signos. Os signos,
dispersos na cul-tura de massa, passam a ser vistos como uma
realidade supra, como uma linguagem em si mesmos.
Porm a se configura uma tendncia, em parte por presso dos meios
de co-municao de massa, a interpretar tudo luz da semiologia. Com
isso a lin-guagem, como termo, suplanta o estilo, que passa a ser
visto como uma for-ma superada, uma taxonomia de formas mortas. Mas
linguagem um termo genrico que apenas sugere a possibilidade de
comunicao do gnero, que ento passou a se chamar meio. Forma-se um
tipo de terico-comentarista capaz de falar sobre todos os meios se
saber nada de nenhum, como no caso das teorias e derivaes da Escola
de Frankfurt. A transposio de categorias lingsticas, por meio da
semiologia e da semitica, para uma anlise geral de signos, ainda
causa horror aos puristas. O problema principal que muitos aspectos
tcnicos so postas de lado para favorecer uma viso de conjunto
favorvel publicidade. De toda forma, o relacionamento da lingstica
com a semiologia nunca foi resolvido.
Mas a publicidade no visa a fruio nem a contemplao, atitudes
tipica-mente estticas, e sim o convencimento e a persuaso. Por
isso, por trs do mundo plano da publicidade, ficam as
tecnicalidades rejeitadas. Uma mirade de teorias e modelos tem
levado a semiologia ao esmigalhamento e a cincia
70 Eco, op. cit. 71 Peirce, C.S. Collected papers, 1958 (tt.
bras: Semitica).
-
32
que ainda no existia e que no se sabia o que viria a ser, como
propunha Saussure, de linguagem em linguagem cada vez mais se
transforma numa Torre de Babel72. No percurso inverso ao da
semiologia, voltaremos ento s travas das tecnicalidades
esquecidas.
trava lingstica O principal problema, pondera Elvan Silva, que
nem todo processo comu-nicativo constitui uma linguagem, pois para
isso seria preciso admitir-se a possibilidade de seu desmembramento
em unidades independentes73. Mas isto nem sempre possvel, como no
caso da pintura, escultura ou fotografia. No caso da primeira, por
exemplo, as diferenas cromticas entre as diversas regies de um
quadro no so intervalos nem constituem elementos fsicos legtimos
para um processo de decomposio da figura em termos autno-mos. Por
isso, o autor nos apresenta uma situao bastante ambgua, de no
sabermos se o mesmo se trata mais de uma comunicao no-verbal do que
de uma linguagem no-verbal, onde termo linguagem estaria
designando, abstra-tamente, a faculdade biolgica que possibilita
aos indivduos aprender e usar a lngua.74
s linguagens discretas ou contnuas ainda se coloca o problema
adicional de suas seqncias perceptivas. No caso da linguagem verbal
h o problema da seqncia temporal de colocao dos vocbulos segundo a
ordem daquilo que se pretende enunciar. Mudando-se esta ordem,
altera-se o sentido, pois cada elemento tem um valor nico. o caso
do sintagma, caracterizado como uma seleo e combinao de signos,
numa extenso linear irreversvel75, ou seja, situao em que os
elementos no podem ser pronunciados simultane-amente, nem
invertidos, pois cada termo extrai seu valor por oposio ao que o
antecede e ao que o sucede.76
gneros e notao Entretanto, algumas perspectivas de superao deste
imbrglio podem ser vislumbradas, por exemplo, na msica. Se como
linguagem eminentemente no-verbal ela contnua, se desenvolveu,
gradativamente, um processo de codificao grfica que permitia
transcrever a sua continuidade musical. Ne-le, com recursos
lingsticos discretos, a composio musical pode ser anali-sada desde
uma perspectiva rigorosamente semiolgica, tal como em obras
literrias.
A perspectiva de uma anlise do comportamento dos gneros tendo em
vista o sistema notacional nos obriga a contornar a viso
tradicional sobre o siste-ma das artes. Via de regra, os gneros
artsticos so considerados basicamente segundo a forma de percepo
mais atuante, privilegiando a viso do recep-tor/fruidor. Todavia,
desde o ponto de vista do processo de criao parece impor-tante
direcionar a ateno ao papel crucial desempenhado pela notao,
ele-mento por excelncia do criador.
Na arquitetura, como na msica, a notao o meio pelo qual se
procura cap-tar, de um modo mais ou menos rigoroso, a possvel
caracterizao discreta da lngua, tal como na escrita77. a ferramenta
destinada transcrio, tal co-
72
(http://www.univ-ab.pt/~bidarra/hyperscapes/video-grafias-4.htm)
Stio da Universidade Aberta de Lisboa, aces-sado em 31/10/2008. 73
No contexto de uma linguagem discreta (ou descontnua) os elementos
componentes da mensagem podem ser isola-dos, sendo portadores de
significaes individuais, mesmo isoladamente. Silva, E. Fundamentos
tericos da crtica arquitet-nica. Porto Alegre, UFRGS-CNPq, 2001.
Relatrio de Pesquisa. (itlico original) 74 Crystal apud Silva, E.
Fundamentos, p. 81. 75 Silva, E. Semiologia & Arquitetura, op.
cit., p. 103. 76 Id., p. 103-5. 77 Silva, E. Semiologia, p.
105.
-
33
mo a fala para a escrita. Esta intermediao opera por um processo
de cdi-gos grficos representativos. Mais do que signos com instrues
precisas, estes cdigos se articulam por meio de regras prprias e
preceitos tericos abstratos: a composio. E, mais do que uma simples
ferramenta de transcrio e representao, seu poder de organizao
abstrata do objeto representado no tardaria a impor-se na criao de
objetos.
Sob este mundo de possibilidades aberto pela composio nem mesmo
a pre-suno sobre a pintura, cuja transcrio coincidiria formalmente
com seu prprio objeto, pode se manter. A schematta, seqncia de
esboos sucessivos para construo da cena e conhecida desde a
Renascena, demonstra que nem na pintura a criao um processo linear.
Na planta ou na pauta, a notao uma instruo precisa. Nenhum texto ou
descrio pode substitu-los. A no-tao uma linguagem concisa;
acrescida de regras e conceitos abstratos ela uma composio. Com
elas realizamos operaes de estilo, alterando a forma de um objeto
pelo ato de compor.
epistema cumulativo Por meio da notao o repertrio de um gnero
pode assim ser trabalhado continuamente, repropondo-se suas formas
e significados, num processo de inovao contnua. Entretanto, em
certas pocas, estes mesmos processos ar-tsticos se renovam de forma
mais ou menos extensa. o momento em que todo o processo se
reorganiza, h uma forte mudana de expresso ou surge ento um novo
estilo e que, como nota Jacques Guillerme, muitos insistem em
entender como linguagem78.
Esta reorganizao dos processos criativos, por degraus ou
patamares suces-sivos, parece se alinhar muito bem com a descrio do
conhecimento cientfi-co por Piaget79. Para ele todo conhecimento
deve ser considerado como rela-tivo a certo estado anterior de
menor conhecimento e como suscetvel de constituir ele mesmo um
estado anterior por relao a um conhecimento mais desenvolvido80.
Com isto, determinar como se acrescem os conhecimentos implica em
considerar que todo conhecimento sob ngulo de seu desenvol-vimento
no tempo, ou seja, como um processo contnuo, sem jamais atingir seu
comeo ou fim 81. Piaget entende a epistemologia gentica como uma
homologia: todo conhecimento implica uma estrutura e um
funcionamento o estudo de uma estrutura mental constitui uma sorte
de anatomia e a comparao da estruturas diversas e assimilveis, uma
sorte de anatomia comparada82.
Sob este ponto de vista, as rupturas de sistema de que fala
Kaufmann83 no so seno uma outra forma de enunciar o problema da
transio de estilos. O fenmeno o mesmo, mas o que parece uma ruptura
pode bem ser a reorga-nizao de um velho sistema num novo patamar de
relaes. Em reas no axiomticas do conhecimento, particularmente no
estudo da criao artstica, o concurso de outras reas no contnuo, nem
constante. O sistema se reor-
78 Guillerme, J. The Idea of Architectural Language: A Critical
Inquiry. In: Oppositions n 10, fall 1977, p. 21-26. 79 Piaget, J.
Introduction lpistemologie gntique, 1950. 80 Id., p. 13. (fr.
orig., trad. livre) 81 Ibid. (fr. orig., trad. livre) 82 Id., p.
14. (fr. orig., trad. livre) 83 (...) o homem no esquece por
completo as formas que seus antepassados idearam. Estas voltam uma
que outra vez. Sempre houve renascimentos e sempre os haver.
Contudo, h uma grande diferena entre o gtico e o neo-gtico. E,
junto ao aparecimento e desaparecimento das formas se produz outra
mudana, de razes mais profundas, de maior alcance: a mudana na
inter-relao das partes, ou seja, no que proponho a chamar o
sistema. Kaufmann, E. La arquitec-tura de la ilustracin, 1974, p.
96. (esp. orig.)
-
34
ganiza e se atualiza continuamente, alguns elementos so deixados
de lado em benefcio de outros mais adequados, mas a lgica
acumulativa prevalece. Quando um novo patamar alcanado, o sistema
tem seu alcance ampliado.
genealogia Muito prxima epistemologia gentica, a compreenso
genealgica nos re-mete ao estudo das origens. O mtodo genealgico
nos impe o estudo evolu-tivo das idias. A Encyclopdie de Diderot a
ela se refere como conhecimento sistemtico: genos [raa, linhagem] +
logos [discurso, tratado], o que nos coloca o problema da conexo de
dois termos. De um lado, da expresso de uma determinada categoria
e, de outro, do gnero de representao daquela cate-goria, onde as
palavras discours ou trait parecem indicar um problema de traduo.
De acordo com Sigrid Weigel, com a derivao do grego, o termo no s
marcado como uma palavra de provenincia estrangeira, mas como parte
de uma genealogia lingstica na qual o cmputo de sua provenincia
acompanhado da troca de uma linguagem para outra.84
So conhecidas as teses de Friedrich Nietzsche (1844-1900) e
Michel Foucault (1926-84) sobre o tema. O primeiro reprops o tema
para a filosofia em sua Genealogia da Moral85 como instrumento de
crtica configurao da moral crist, para ele erigida segundo a tica
do escravo. O segundo86 retoma a idia explorando-a no sentido de
desconstruir uma construo moral dominante a partir de temas
secundrios. Com isso se entenderia a formao genealgica de um
contedo inicialmente difuso ou secundrio que Foucault denominou de
emergncia (Entstethung). Embora num sentido diverso de Nietzche,
sua idia de genealogia no busca uma origem ou causalidade nica, mas
de lu-tas.
Entretanto, no sculo XIX, inquestionavelmente, o sentido mais
amplo e di-fundido de genealogia era o da histria das linhagens das
famlias nobres87. Neste sentido se inclui toda a gama de
representaes de narrativas tabulares, grficas e simblicas nas quais
os registros e tabelas formam uma sorte de fase transicional entre
as representaes mticas e grficas.88 Dito de outra forma, a histria
do conhecimento genealgico s pode ser descrita no con-texto de seus
modos de mediao e representao. Ou, para ser mais preciso,
genealogia a histria das prticas simblicas, iconogrficas e
retricas, sis-temas de gravao e tcnicas de cultura nas quais o
conhecimento das fam-lias, raas e espcies ou da sucesso da vida no
tempo repartido.89
Kant a utilizava como equivalente aos seus Stambegriffe, ou
seja, os conceitos primitivos e originais do puro entendimento.
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