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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ADMINISTRAO,
CINCIAS CONTBEIS E TURISMO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ADMINISTRAO
MESTRADO ACADMICO EM ADMINISTRAO
TEMSTOCLES MURILO DE OLIVEIRA JNIOR
CORRUPO E COMBATE CORRUPO NO BRASIL: DA PRTICA TEORIA
Orientao da Professora Dra. Joana DArc Fernandes Ferraz
Niteri 2013
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TEMSTOCLES MURILO DE OLIVEIRA JNIOR
CORRUPO E COMBATE CORRUPO NO BRASIL: DA PRTICA TEORIA
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Administrao da Universidade Federal Fluminense em cumprimento s
exigncias para a obteno do grau de Mestre em Administrao.
Orientao da Professora Dra. Joana DArc Fernandes Ferraz
Niteri 2013
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O48 Oliveira Jnior, Temstocles Murilo de Corrupo e combate
corrupo no Brasil: da prtica teoria / Temstocles Murilo de Oliveira
Jnior Niteri: UFF, 2013. 130p.
Dissertao ( Mestrado em Administrao Pblica ) Orientador: Joana
D'Arc Fernandes Ferraz, D.Sc.
1. Corrupo 2. Neo-institucionalismo econmico 3.
Neoliberalismo
CDD. 320
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Eu dedico este trabalho memria de Temstocles Murilo de Oliveira
Neto. Meu pai vivo em meu nome, em minhas recordaes e em minhas
escolhas.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos do Programa de Ps-Graduao em Administrao da
Universidade Federal Fluminense, em especial, a minha orientadora,
a Professora Joana DArc Fernandes Ferraz, por ter me apresentado
diferentes formas de um pensar mais desorientado um estado da alma
que aqui no uso com o sentido de sem rumo. Devo tambm meus
agradecimentos aos Professores Cludio Roberto Marques Gurgel,
Frederico Jos Lustosa da Costa e Joel de Lima Pereira Castro
Junior, que com seus ensinamentos e suas ponderaes sobre o que li,
falei ou escrevi, deram contribuies que vo alm deste trabalho,
visto que mudaram minha prpria viso do mundo e a forma como nele
hoje me posto.
Da. Nilce e Gisele, minhas me e irm, eu agradeo a compreenso
pelos parcos momentos em que estive presente nos dias que foram os
mais difceis de nossa vida familiar. Lorena, ao Matheus, ao Arthur,
ao Pedro e Mariana minha esposa e filhos, eu sou grato pela
pacincia com a minha ausncia fsica e mental. Eu devo ainda um
agradecimento todo especial a meu filho Pedro e a minha esposa.
Ele, que em dezembro de 2011 soubemos que enfrentaria desafios
decorrentes de sua no adequao ao padro neurotpico infantil, me
ensinou a ver que possveis deficincias no so necessariamente
deficincias em si, mas diferenas que exigem que se pense a interao
social e o aprendizado de outras maneiras que vo alm do nosso senso
comum. Ela que comigo teve que aprender a refletir, a criticar e a
decidir sobre estes desafios e sobre a forma de como iramos
encar-los, mesmo estando mergulhados na suposta falta de
objetividade prpria de quem ama e envoltos pela ignorncia de quem,
sobre eles, seja no ensino regular ou fora dele, no foi ensinado a
aprender.
Por fim, gostaria de agradecer ao Brasil e com este trabalho
tento demonstrar esta gratido. Sendo servidor pblico federal
nascido e crescido em Braslia e morador de Niteri, filho de
servidores pblicos, um piauiense e uma mineira, estudante do ensino
pblico do nvel bsico graduao em Administrao, casado com uma gacha,
que tambm servidora pblica, e pai de trs meninos brasilienses e de
uma caula carioca, busco com este trabalho retribuir a meu pas o
que me foi ofertado: minha famlia, meus amigos, minha
nacionalidade, minha lngua, meus regionalismos, minha formao e meu
ofcio. Todas as vidas que a mim se apresentam e que a mim me
apresentam e que no conjunto declaram que sou, em sntese, um
brasileiro.
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RESUMO
O tema deste estudo a corrupo e o combate corrupo no Brasil,
mais especificamente a poltica de combate corrupo implementada pela
Controladoria-Geral da Unio, entre 2004 e 2011. A questo que
norteia esta pesquisa sobre a base terica dessa poltica, ou melhor,
sobre a no indicao desta base. Considerando que o discurso
gerencialista de reforma do Estado, baseado na ideologia
neoliberal, parece ser hegemnico na administrao pblica brasileira
desde a ltima dcada do sculo 20, este estudo orientado pela hiptese
de que o combate corrupo realizado em nosso pas, provavelmente, se
baseou na mesma teoria sobre a qual se apoia o gerencialismo, o
neo-institucionalismo econmico. Este estudo confirma esta relao,
apontando que a poltica que seu objeto reproduziu as limitaes de
sua base terica e de sua ideologia subjacente, contribuindo para
ofuscar as grandes contradies da nossa democracia representativa
liberal contempornea.
PALAVRAS-CHAVE: corrupo; neo-institucionalismo econmico;
ideologia neoliberal.
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ABSTRACT
The subject of this study is the corruption and the fight
against corruption in Brazil, more specifically the anticorruption
policy implemented by the Office of the Comptroller General between
2004 and 2011. The leading question of this research is the
theoretical basis of this policy or rather the absence of it.
Considering that the managerialist approach regarding the reform of
the State, based on the neoliberal ideology, seems to be hegemonic
among the Brazilian public administration since the last decade of
the 20th century, this paper is guided by the hypothesis that the
fight against corruption in Brazil in that mentioned period was
probably based on the economic neo-institutionalism perspective,
which is the same conceptual basis of the managerialism. This study
confirms this connection, pointing out that the Brazilian
anticorruption policy reproduced the limitations of its theoretical
basis and ideology behind it, in order to hide the great
contradictions of our contemporary liberal representative
democracy.
KEYWORD: corruption, neo-institutionalism economic; neoliberal
ideology.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 - Capa da edio de 9/5/1993 da Revista Veja, onde a
inflao representada por um vampiro.
.........................................................................................................................
21 Figura 2 - Capa da edio de 12/1/1994 da Revista Veja, onde a
inflao representada por um drago.
...........................................................................................................................
21 Figura 3 - Capa da edio de 8/6/2011 da Revista Veja, onde um
corrupto representado por um "rato" e h uma referncia sobre uma
anatomia da corrupo. ........................................ 22
Figura 4 - Capa da edio de 28/4/2004 da Revista Veja, onde a
corrupo comparada a uma praga informando que os desvios so da ordem
de 20 bilhes de reais. ..................... 22 Figura 5 - Capa da
edio de 14/4/2010 da Revista Veja, que informa que Culpar as chuvas
demagogia. Os mortos no Rio de Janeiro que o Brasil chora foram
vtimas da poltica criminosa de dar barracos em troca de votos.
.......................................................................
23 Figura 6 - Capa da edio de 26/10/2011 da Revista Veja, que
informa que Com os 85 bilhes de reais surrupiados pelos corruptos
no ltimo ano seria possvel [...] erradicar a misria.
...................................................................................................................................
23 Figura 7 - Momento do pronunciamento da Presidente Dilma
Rousseff em que aparece sobre sua a figura "inflao sob controle" a
primeira de uma srie de vinte e oito. ..................... 24
Figura 8- Momento do pronunciamento a que se refere a figura
anterior em que aparece em destaque a expresso "combate corrupo" a
ltima da srie. ......................................... 24 Figura
9 - Capa da cartilha "Olho vivo no dinheiro pblico que apresenta
definies defendendo a importncia do controle dos cidados sobre os
gastos pblicos. ...................... 37 Figura 10 - Capa da
cartilha Acesso informao pblica, que apresenta as definies da lei
de acesso informao, bem como conceitos e definies importantes
defesa da transparncia como arma de combate corrupo.
................................................................ 37
Figura 11 - Imagem de grfico apresentado na primeira pgina do
Relatrio de acompanhamento das punies expulsivas aplicadas a
estatutrios no mbito da administrao pblica federal do ano de 2011
........................................................................
38 Figura 12 Capa da edio de 30/1/2008 com imagem do vdeo que
evidenciou um esquema de corrupo conhecido como valerioduto,
julgado recentemente pelo STF. ..................... 96 Figura 13
Capa da edio de 10/12/2011 com trecho da gravao de uma escuta
telefnica envolvendo um caso de produo de dossi.
............................................................................
96
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SUMRIO
Prembulo
...............................................................................................................................
11 Introduo
...............................................................................................................................
17 1 A Controladoria-Geral da Unio e a sua atuao
.................................................... 26 2 Os
fundamentos tericos da corrupo, o programa gerencialista e a
ideologia
neoliberal
.....................................................................................................................
41 2.1 As perspectivas tericas sobre a corrupo
..................................................................
41 2.2 O neo-institucionalismo econmico aplicado ao estudo da
corrupo......................... 45 2.3 A ideologia neoliberal e o
programa gerencialista no Brasil
....................................... 51 3 As implicaes da
possvel relao entre a poltica de combate corrupo e o
neo-institucionalismo econmico
...............................................................................
61 4 A prtica do combate corrupo empreendido entre 2004 e 2011
...................... 66 4.1 A seleo do corpus
......................................................................................................
66 4.2 A verificao da teoria na prtica do combate corrupo
.......................................... 72 Concluso
................................................................................................................................
89 Bibliografia
..............................................................................................................................
98 Anexos
....................................................................................................................................
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PREMBULO
Este trabalho apresenta as desconfianas, as suposies, os
referenciais, os procedimentos e os resultados de uma investigao
que crtica e, porque no dizer, autocrtica, visto que busca
evidenciar que perspectivas tericas deram base a uma poltica
governamental que orientou a planificao, a execuo e a avaliao de
projetos e atividades de combate corrupo dos quais, alguns,
participei com minhas certezas, que me foram apresentadas e que
ajudei a aplicar e a reconstruir.
Desde janeiro de 2005 atuo como Analista de Finanas e Controle
dos quadros da Controladoria-Geral da Unio (CGU), principal rgo de
combate corrupo no mbito da administrao pblica federal. No exerccio
deste cargo venho participando de projetos e atividades
relacionados s aes de correio. Estas aes so voltadas ao combate
impunidade no servio pblico federal mediante o exerccio do poder
disciplinar1 da Administrao sobre seus servidores,
materializando-se, principalmente, pela promoo de processos
administrativos disciplinares daqueles que tenham sido faltosos no
exerccio de seus cargos, com o fito de lhes impor, se for o caso,
as sanes disciplinares adequadas.
Desde minha participao no curso de formao para ingresso ao cargo
que hoje exero, convivi com um determinado conjunto de saberes, em
boa parte somente instrumentais, que parecem ser comumente aceitos
como obviedades pela maior parcela das autoridades e dos servidores
que atuam no combate corrupo no Brasil. Este conjunto de saberes
define no s o que a corrupo, sua relevncia e as formas para sua
mensurao, mas tambm suas causas, os locais de sua ocorrncia, os
agentes que nela se envolvem, seus efeitos e as melhores estratgias
para seu enfrentamento.
Atuando sem refletir sobre estes saberes que parecem orientar o
combate corrupo no Brasil, assumo que os reproduzi crendo que as
estratgias de enfrentamento que propunham eram as nicas, sem me
questionar se havia outras existentes j que formas diferentes de
pensar a questo da corrupo no me tinham sido sequer
apresentadas.
Entre 2006 e 2010, exercendo o cargo de Assistente do
Corregedor-Geral da CGU em sua sede, em Braslia, participei do
desenvolvimento de diversas pesquisas que visavam criao e melhoria
de aes de preveno e de represso corrupo. Neste perodo,
1 Aqui, utiliza-se a definio de Meirelles (2003, p. 120),
segundo o qual o poder disciplinar a faculdade de
punir internamente as infraes disciplinares dos servidores e
demais pessoas sujeitas disciplina dos rgos e servios da
Administrao Pblica. Meirelles (2003, p. 122) assevera que com seu
uso, a administrao pblica [...] controla o desempenho [das funes
executivas distribudas] e a conduta interna de seus servidores,
responsabilizando-os pelas faltas cometidas, ou seja, tal poder tem
sua origem e razo de ser no interesse e na necessidade de
aperfeioamento progressivo do servio pblico.
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idealizei e liderei a implementao de uma nova ao de combate
corrupo que foi a razo maior deste estudo: a criao de um cadastro
que permitisse o armazenamento e a divulgao de informaes sobre
todas as sanes disciplinares expulsivas2 aplicadas a servidores de
rgos e entidades do Poder Executivo Federal. Em funcionamento, este
cadastro:
a) possibilitaria a divulgao de dados consolidados sobre a
quantidade de servidores expulsos por ano, por carreira, por rgo e
por fundamento de expulso, que, sendo quantidades numricas, so
facilmente compreendidos pela populao em geral;
b) geraria informaes representativas e suficientes para se
embasar a devida avaliao dos resultados da atuao da CGU isto se
partirmos do pressuposto de que a sano disciplinar expulsiva, como
resultado final mais severo do ciclo de atuao daquele rgo que se
inicia pela vigilncia materializada pelo exerccio dos controles
social e institucional (interno e externo), continua pelo devido
processo de apurao das responsabilidades e se finaliza pela aplicao
da punio adequada;
c) diminuiria a propenso de que servidores pblicos (que so o
grupo social alvo das sanes disciplinares, cuja conduta mproba se
pretendia prevenir ou reprimir) participassem de atos de corrupo, j
que a eles seria demonstrado que os ilcitos praticados no ficariam
mais ocultos, no seriam mais incorretamente apurados e no
permaneceriam mais impunes, mesmo que as punies tivessem que ser as
mais severas isto se partirmos
de um segundo pressuposto: de que a no aplicao de punies
adequadas (a impunidade) um dos incentivos para que servidores
participem de aes ilcitas.
Desta forma, este cadastro no tinha somente o fito de apresentar
dados de fcil compreenso e que refletissem suficientemente os bons
resultados da CGU enquanto rgo central de combate corrupo no mbito
da administrao pblica federal, mas tambm de enfrentar aquela que
tida, segundo o conjunto de saberes que acredito que orientem a
atuao da prpria CGU, como uma das causas bvias para a corrupo no
Brasil, a impunidade no servio pblico federal.
Implementado desde junho de 2006, este cadastro, que contm as
informaes das sanes expulsivas aplicadas, a partir de janeiro de
2003, pelos rgos e entidades do Poder
2 So as penalidades disciplinares de demisso, cassao de
aposentadoria ou disponibilidade e destituio de
cargo em comisso, previstas no art. 127, III, IV e V, da lei n
8112/90.
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Executivo Federal a servidores que cometeram graves
irregularidades no exerccio de seus cargos, foi denominado de
Cadastro de Expulses da Administrao Federal (CEAF), sendo que a
divulgao das informaes consolidadas sobre os registros dele
constantes se d por meio da publicao mensal dos Relatrios de
Expulses3.
primeira vista, este novo cadastro e seus relatrios atenderam
plenamente aos dois primeiros objetivos quanto s expectativas
iniciais, tendo sido as informaes deles constantes as mais
utilizadas pela imprensa e pela prpria CGU para demonstrar os bons
resultados daquele rgo na conduo do combate corrupo por ele
empreendido.
Passados quatro anos do funcionamento do CEAF, observei que a
quantidade de sanes expulsivas aplicadas a servidores vinha
aumentando4, assim, os pressupostos ou melhor, as obviedades que
compunham os dois ltimos objetivos do cadastro foram abalados por
duas desconfianas. A princpio, vi como possvel que os servidores
expulsos poderiam estar retornando ao exerccio de seus cargos por
meio de aes judiciais de reintegrao5, situao que poderia at
aumentar a impunidade, criando uma sensao de que os expulsos
conseguiriam, por meio do Poder Judicirio, retornar ao servio
pblico. Esta hiptese me pareceu pouco explicar esta situao aps ter
tido acesso aos resultados de uma pesquisa realizada em 2010 que
investigou a quantidade de servidores reintegrados pelo Poder
Judicirio aps serem expulsos pela aplicao de sanes disciplinares6,
demonstrando que a razo entre a quantidade de reintegraes e
expulses foi de menos de 1 (um) servidor reintegrado para cada 20
(vinte) servidores expulsos entre 2003 e 2008.
Permanecendo as desconfianas acerca da validade dos pressupostos
que embasam o segundo e o terceiro objetivo do CEAF e de seus
relatrios, a primeira recaiu sobre a representatividade da
quantidade das sanes expulsivas como um indicador suficiente da
efetividade do combate corrupo empreendido pela CGU. A segunda
abalou a crena de que a aplicao e a divulgao das expulses era
medida suficiente para diminuir a corrupo
3 O cadastro e os relatrios so disponibilizados,
respectivamente, pela CGU, por meio dos endereos eletrnicos
www.portaldatransparencia.gov.br/expulsoes e
www.cgu.gov.br/Correicao/RelatoriosExpulsoes. 4 Esta situao pode
ser verificada pelos nmeros do Relatrio de Expulses de 2011
(disponvel pelo endereo
eletrnico
http://www.cgu.gov.br/Correicao/Arquivos/Expulsoes_2011_Estatutarios.pdf)
que apontam um crescimento mdio 11% ao ano no nmero de penalidades
disciplinares expulsivas aplicadas a servidores. 5 Conforme dispe o
caput do art. 28 da lei n 8.112/90, A reintegrao a reinvestidura do
servidor estvel no
cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua
transformao, quando invalidada a sua demisso por deciso
administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as
vantagens. (BRASIL, 1990). 6 Esta pesquisa, voltada ao levantamento
da quantidade de servidores expulsos e, posteriormente,
reintegrados, demonstrou que 89 (oitenta e nove) servidores da
administrao pblica federal foram reintegrados pelo Poder Judicirio
entre 2003 e 2008 (GOMES, 2011, p. 222). Neste mesmo perodo, foram
expulsos por sanes administrativas disciplinares 1969 (mil,
novecentos e sessenta e nove) servidores (CONTROLADORIA-GERAL DA
UNIO, 2012c). Cotejando estes dados, tem-se que a quantidade de
reintegraes, neste perodo, representa 4,5% (quatro e meio por
cento) do total de expulses.
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na administrao pblica federal, pois afetaria o nimo de todos os
servidores, que ocupam cargos de diferentes escales, em participar
de atos relacionados a este fenmeno.
Estas desconfianas no resultaram em considerar que a Administrao
no deva vigiar e punir os servidores quando faltosos, e nem que a
exposio de tal punio ao pblico em geral (em praa) no tenha qualquer
efeito sobre o nimo de servidores que estariam propensos a condutas
corruptas. O que se ps em cheque foi a certeza da suficincia do uso
da quantidade das sanes expulsivas aplicadas como indicador da
efetividade do combate corrupo conduzido pela CGU, pois este no
estava ento indicando que a corrupo estaria efetivamente
diminuindo, pois no havia como se afirmar que seria o tamanho da
corrupo no encontrada e, logo, no punida.
Ainda, levando-se em considerao que o servio pblico formado por
servidores que ocupam cargos em diferentes reas e escales, vi que
tambm no havia como se afirmar, s por estas quantidades de sanes,
que o nimo dos servidores em participar de atos de corrupo
realmente estaria diminuindo, pois poderia haver entre o universo
de servidores ilhas de impunidade, grupos no alcanados pela atuao
da CGU e que sabiam que no o seriam; grupos estes que poderiam ser,
justamente, os que participavam de esquemas de corrupo.
Ento, como confirmar empiricamente que o combate impunidade que
havia sido realizado pela CGU entre 2003 e 2010 foi uma estratgia
efetiva para o combate corrupo?
Em junho de 2010 fui removido pela CGU de Braslia para o Rio de
Janeiro, com o fito de implementar um dos outros projetos que
idealizei, a criao de Ncleos de Correio daquele rgo em outras
unidades federativas, das quais o do RJ foi o piloto. Distante da
sede CGU e no mais trabalhando com o CEAF e com seus relatrios
correspondentes, fui gradualmente percebendo que as desconfianas
acerca dos resultados do uso daquele cadastro, que me acompanhavam
desde Braslia poderiam ser relacionadas a um questionamento
inicial: em que momento a crescente e j elevada quantidade de
expulses de servidores, enquanto confirmao do combate impunidade,
iria se tornar decrescente, denotando a diminuio da participao de
indivduos deste grupo alvo em casos de corrupo?
Perguntas como esta, sobre a qual no vi pronta resposta e que
est presente em outras aes de combate corrupo, em minha conscincia
colocaram em cheque a infalibilidade dos saberes dos quais
resultavam tais aes e os modelos adotados para avali-las, aes e
modelos dos quais eu prprio ajudei a construir. Da decorreu um novo
questionamento: a corrupo realmente pode ser explicada pela
impunidade? Ou seja, o pressuposto da
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sociedade disciplinar7 realmente responde necessidade de
enfrentamento deste fenmeno indesejado?
Ansiando responder a tais questionamentos, resolvi me enveredar
pela pesquisa sobre a corrupo e o combate corrupo no Brasil, a
partir da rea de conhecimento pela qual me graduei e que aquela de
meu interesse. Pretendendo ento participar de um programa de
ps-graduao em administrao, tive conhecimento, em dezembro de 2010,
de que a Universidade Federal Fluminense iria realizar um processo
para selecionar possveis interessados em participar de um Curso de
Mestrado Acadmico na rea. Com vistas a atender as exigncias do
edital de seleo e orientado pelo tema de pesquisa que me motivava,
elaborei um anteprojeto cujo objetivo era justamente verificar a
possibilidade e, se confirmada, aferir a efetividade das aes
voltadas ao exerccio do poder disciplinar, apresentado em maro de
2011.
Tendo sido selecionado e participando do curso promovido por
este Programa de Ps-Graduao em Administrao (PPGAd), surgiram novos
questionamentos que apontaram que as possveis limitaes efetividade
da atuao da CGU ou mensurao desta efetividade poderiam decorrer
justamente da viso acerca do fenmeno da corrupo que dava base a
esta atuao. Sendo assim, as desconfianas originrias e os novos
questionamentos permitiram que eu observasse que as aes
empreendidas pela CGU se baseavam em um conjunto de ideias sobre a
corrupo no Brasil que, tacitamente ou no, eram tidas como verdades
inequvocas, mesmo que no fosse apontada de qual corrente de
pensamento derivavam. A partir da, percebi que este iderio que
forma um sistema de saberes sobre a corrupo no Brasil a possvel
base terica da poltica de combate corrupo que orienta os projetos e
as atividades da CGU voltadas deteco e investigao de esquemas de
corrupo, aos estudos de mensurao de seus efeitos e definio das
medidas preventivas e repressivas para seu enfrentamento, bem como
os modelos de avaliao dos resultados deste enfrentamento.
Em junho de 2012, obtida boa parte dos crditos das disciplinas
do curso de mestrado e sob a orientao da Profa. Joana DArc F.
Ferraz, submeti banca de professores ligados ao PPGAd o projeto de
dissertao intitulado O combate corrupo promovido pela
Controladoria-Geral da Unio entre 2004 e 2011: orientaes e limites,
poca, aprovado.
7 Conceito utilizado por Foucault (1999, p. 79-102) para
explicar os meios pelos quais as sociedades capitalistas
contemporneas construram e vm legitimando um sistema de
coercitivo de adequao do comportamento de seus indivduos a um padro
de organizao econmica, sistema este baseado no exerccio de
prerrogativas jurdico-legais do Estado voltadas ao exerccio da
vigilncia ostensiva, da investigao e do inqurito sobre a licitude
de condutas e da punio dos infratores.
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A execuo do projeto ento aprovado originou novos entendimentos
que provocaram uma reflexo sobre o trabalho dentro do prprio
trabalho. A partir desta reflexo, vi que era necessria a realizao
de alguns ajustes nos objetivos, nas suposies e mesmo no ttulo.
Apesar disto, estes ajustes no alteraram a essncia do que havia
sido aprovado, que continua a se relacionar investigao das bases
tericas que orientaram a viso sobre a corrupo e o combate corrupo
no Brasil empreendido pela CGU e a partir da apontar a existncia de
possveis limitaes atuao deste rgo decorrentes das limitaes destas
mesmas bases.
Assim, este documento resultado do surgimento de desconfianas
que, com o tempo, cresceram e vm crescendo de que o combate corrupo
empreendido pela CGU orientado por um determinado conjunto de
saberes sobre a corrupo, conjunto este que, mesmo que no declarado,
decorre de determinadas perspectivas tericas que no so infalveis,
nem isentas e nem tampouco so as nicas a pensar sobre este fenmeno
indesejado.
Finalmente, destaco que por meio deste trabalho no busquei
responder a todos as desconfianas que lhe deram vida, mas que o
tratei como o incio de um projeto maior.
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INTRODUO
Apresenta-se, abaixo, trecho de notcia publicada8 em 8/3/2012 no
site da Controladoria-Geral da Unio (CGU), rgo da Presidncia da
Repblica responsvel pela conduo da poltica de combate corrupo do
governo federal9:
Expulses do servio pblico federal batem novo recorde em
fevereiro
O nmero de servidores pblicos federais punidos com demisso,
destituio ou cassao da aposentadoria continua batendo recordes. O
mais recente ocorreu no ms passado, quando 48 agentes pblicos foram
expulsos do servio pblico, o maior nmero de expulses aplicadas no
ms de fevereiro desde 2003. No mesmo ms de 2011, por exemplo, foram
39; em 2010, 18; e em 2009, 41. Nos ltimos nove anos, j houve 3.600
punies expulsivas, segundo dados da Controladoria-Geral da Unio.
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012b)
Esta dissertao parte da constatao de que apesar da CGU estar
apresentando um combate cada vez mais austero corrupo no servio
pblico federal brasileiro, um dos resultados mais utilizados em
notcias deste mesmo rgo10 para demonstrar esta austeridade como o
acima destacado tm denotado justamente que o fenmeno combatido no
est, a princpio, diminuindo, mas, pelo contrrio, aumentando.
Partindo da premissa de que a impunidade o maior incentivo
corrupo no servio pblico brasileiro11, a CGU vem acirrando a
vigilncia sobre o comportamento dos servidores pblicos e aplicando
cada vez mais punies queles que tenham incorrido em atos de
corrupo. Com isso, v-se que, ano aps ano, a quantidade de
servidores punidos vem aumentando, o que denota, primeira vista, um
resultado positivo da atuao deste rgo. A questo posta que, se a
aplicao de punies diminui os incentivos para que os servidores
pblicos venham a participar de atos corrupo, ento o aumento da
quantidade de punies aplicadas no passado no deveria ter diminudo a
quantidade de servidores que participam de
8 Notcia acessada em 1/4/2013, disponvel no endereo
eletrnico
http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2012/noticia01912.asp
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012b) 9 Conforme disposto nos
artigos 1, 17, 18, 19 e 20 da lei n 10683/2003. (BRASIL, 2003)
10 A CGU, na seo Imprensa de seu site (endereo eletrnico
http://www.cgu.gov.br/Imprensa/), publicou,
entre janeiro de 2007 e maro de 2012, 28 (vinte e oito) notcias
informando sobre as quantidades de servidores expulsos ou sobre
expulses de autoridades e servidores envolvidos em casos de
corrupo. (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012b) 11
Esta premissa pode ser verificada, por exemplo, a partir da
leitura de um trecho do pronunciamento realizado pelo Ministro de
Estado Chefe da CGU, em 9/12/2011, que ser abordado nos captulos 1
e 3: Ningum desconhece tambm que as causas mais profundas da
corrupo tm razes em questes mais amplas, [...], sobretudo, a
urgente necessidade de reforma das leis processuais penais, que so,
hoje, a principal garantia de impunidade. (CONTROLADORIA-GERAL DA
UNIO, 2011a)
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atos de corrupo no presente? E menos servidores praticando atos
de corrupo no deveria acarretar a diminuio de servidores a punir?
Por que isso no ocorre mesmo aps nove anos?
Aqui, debrua-se sobre esta investigao, sendo ela motivada pela
seguinte questo: a partir de que construo se baseou a ideia de que
a falta de vigilncia e de punio (a impunidade) seria a maior causa
para a corrupo no servio pblico brasileiro, pressuposto que orienta
a poltica conduzida pela CGU? Desta forma, o intuito deste trabalho
analisar a base terica da poltica de combate corrupo do governo
federal conduzida entre 2004 e 2011 pela CGU, bem como sua
ideologia subjacente e sua efetividade prtica, ou seja, analisar os
pressupostos tericos e ideolgicos que serviram para embasar sua
aplicao.
Tal poltica foi implementada por meio dos programas e aes12
constantes dos Planos Plurianuais (PPA)13 dos quadrinios 2004-2007
e 2008-2011 e das leis oramentrias (LOA) do mesmo perodo,
elaborados e aprovados durante os dois primeiros governos federais
comandados pelas coligaes lideradas pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), que levaram Luiz Incio Lula da Silva ao cargo de Presidente
da Repblica em dois mandatos consecutivos. Alis, observa-se que
estes programas e aes decorreram dos programas de governo14
elaborados pelas coligaes mencionadas para as corridas
presidenciais de 2002 e 2006, documentos de onde constam o
entendimento sobre as causas e as consequncias da corrupo, os
diagnsticos sobre sua ocorrncia no Brasil e os compromissos
eleitorais destas coligaes no que tange ao combate a este fenmeno
indesejado. Este conjunto de documentos compe o corpus deste
trabalho.
Apesar de no haver indicaes explcitas entre tais documentos que
esclaream quais foram as bases tericas da poltica a que deram
justificao e cuja implementao formalizaram, observou-se que estas
parecem corresponder perspectiva do neo-
12 Sobre a definio de programa e ao, segundo consta do Manual
Tcnico de Oramento de 2010, do
Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto (2010b, p. 39-42): O
programa o instrumento de organizao da atuao governamental que
articula um conjunto de aes que concorrem para a concretizao de um
objetivo comum preestabelecido, mensurado por indicadores
institudos no plano, visando soluo de um problema ou o atendimento
de determinada necessidade ou demanda da sociedade.[...] As aes so
operaes das quais resultam produtos (bens ou servios), que
contribuem par atender ao objetivo de um programa. Incluem-se tambm
no conceito de ao as transferncias obrigatrias ou voluntrias
[...].
13 Instrumento legal que compe o sistema de planejamento e
oramento federal e que organiza os principais
objetivos, diretrizes e metas da Administrao Pblica Federal
(APF), para o perodo de quatro anos e [que] deve orientar os demais
planos e programas nacionais, regionais e setoriais. (PRESIDNCIA DA
REPBLICA, 2007, p. 40) 14
Neste trabalho, programa e programa de governo so termos que
remetem a objetos diferentes. Enquanto a definio do primeiro aquela
que consta da nota de rodap 12, o segundo se define como sendo o
[...] conjunto de propostas e compromissos, apresentado pelo
partido ou coligao, que norteia a ao dos candidatos na campanha e
depois de eleitos. (PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2008, p. 5)
-
19
institucionalismo econmico15. Considerando que, nas ltimas
dcadas, vivemos no Brasil sob os efeitos do discurso neoliberal que
defende a adoo de um programa de reformas que no declara as
correntes tericas que o embasam, este trabalho se move pela
seguinte questo: a poltica de combate corrupo utilizada pela CGU,
embora no afirme o seu carter gerencialista16 adere aos valores
prprios do discurso que o defende?
Levando-se em considerao o carter fugidio do conceito de
corrupo, nominar e compreender estas bases tericas e a ideologia
por trs delas no significa somente indicar a que corrente de
pensamento esta poltica aderiu, mas dar transparncia ao que ela
disse combater, viabilizando-se que sejam investigadas suas
possveis limitaes a partir do que lhe era mais elementar, a viso
sobre o fenmeno que era seu alvo.
Desta forma, assume-se como hiptese que o combate corrupo
conduzido pela CGU, entre 2004 e 2011, possa ter sido fruto da adoo
de um programa de reformas que reproduz os valores de um pensamento
hegemnico, centrado na lgica neoliberal, que se atribui o sentido
de ser ele prprio racional, legtimo, universal e natural, ou seja,
enquanto verdade, o nico. Assim, parte-se aqui da crena de que a
poltica que orientou este combate partiu de uma escolha terica, de
uma abordagem que no o obvio per si, de uma entre outras vises de
mundo17, cuja seleo teve o fito de dar viabilidade aos fins da
ideologia que lhe subjacente.
Esta investigao se conduz a partir materialismo dialtico,
aplicando as categorias abordadas por Krapvine (1986) relacionadas
ao fenmeno, essncia, ao geral, ao singular, ao contedo e forma para
analisar o contedo dos documentos que embasaram seu objeto. Tendo
que a prtica do combate corrupo efetivado pela CGU corresponde ao
fenmeno e de que a perspectiva do neo-institucionalismo econmico (e
a ideologia neoliberal) possivelmente sua essncia, busca-se aqui
identificar como esta prtica corresponde ao que h de generalidade
nas teorias sobre a corrupo e ao mesmo tempo singularidade desta
perspectiva, bem como ao seu contedo conceitual e s estratgias de
anlise da realidade e de enfrentamento desta realidade tpicas desta
perspectiva.
15 Como ser abordado no captulo 2, a agenda de pesquisa sobre a
corrupo baseada no neo-institucionalismo
econmico se tornou hegemnica a partir da ltima dcada do sc. XX,
resumindo-se na aplicao dos pressupostos da economia neoclssica
para interpretao deste fenmeno e na implementao de polticas de
tolerncia zero para seu combate. (ANECHIARICO e JACOBS, 1996;
FILGUEIRAS, 2008b; GRAAF, 2007) 16
Relacionando o neo-institucionalismo econmico ao programa
gerencialista, Lustosa da Costa (2010, p. 139-148) aponta que o
primeiro tambm a base conceitual e terica do segundo, embora os
defensores deste programa no tenham assumido esta relao. 17
Como abordado nos estudos de Graaf (2007) e de Graaf, Maravi e
Wagennar (2010), h outras perspectivas tericas sobre a corrupo e,
mesmo que no houvesse, isto no tornaria a perspectiva do
neo-institucionalismo por si s imune a suas prprias limitaes.
-
20
OS SENTIDOS DA CORRUPO NO BRASIL Sobre a poltica de combate
corrupo conduzida pela CGU, entre 2004 e 2011, cr-
se que ela tenha sido ento o produto de uma determinada ordem do
discurso18 sobre a corrupo no Brasil (e no mundo) que seleciona e
afirma um determinado conjunto de saberes sobre este fenmeno, sua
relevncia, as causas para sua ocorrncia, seus efeitos e as
estratgias para seu combate, excluindo outros possveis saberes.
A compreenso desta suposta ordem pode explicar as questes que
movem este trabalho, sobre uma possvel insuficincia do pressuposto
que orienta o combate corrupo combinada com a inexistncia de
indicaes sobre a base terica da poltica que legitima este mesmo
combate. Uma possvel insuficincia e um silncio que, interessados ou
no, supe-se que decorram de um sentido que os discursos desta
suposta ordem atribuem-se a si mesmos, os de serem obviedades.
Buscando o encaixe do tema proposto no espao-tempo, neste
trabalhado so utilizadas as imagens das capas do peridico semanal
de maior circulao no pas19, a Revista Veja, como fontes
arqueolgicas dos saberes que indicam quais podem ser os possveis
sentidos atribudos corrupo no Brasil nas ltimas dcadas, pelos meios
de comunicao20.
Mas antes de se tratar especificamente destes sentidos,
trazem-se recordaes sobre um antigo fenmeno tido como o maior
inimigo do desenvolvimento brasileiro, resgatando-se um trecho da
reportagem de capa da edio de 12/01/1994 da Revista Veja, bem como
das imagens das capas daquela edio e de outra de 09/05/1993:
O Brasil, um pas com 150 milhes de vtimas da inflao, amadureceu
bastante na maneira de encarar o drago. A maioria das pessoas
concorda que no h chance de estabilizar a economia se os cofres
pblicos continuarem furados. O que falta alguma unidade, entre
polticos, empresrios e chefes sindicais, sobre a forma de
distribuir o sacrifcio implcito num programa srio de ajuste. esse
problema poltico que est
18 Para Foucault (2010, p. 6-36), esta ordem se materializa por
procedimentos que, mesmo no sendo
formalizados, promovem determinados discursos seja pela repetio
de sua materialidade por meio de citaes em reportagens, estudos
cientficos ou propostas de campanha eleitoral, ou seja pelo
reconhecimento dado voz de determinadas personalidades e entidades
sobre o assunto que abordam ou excluem outros seja pela restrio de
que determinados contedos s possam ser reconhecidos se expressos
por determinadas autoridades, seja porque estes contedos referem-se
a tabus ou a verdades no desejadas num determinado contexto. 19
Informaes obtidas no stio eletrnico da Associao Nacional dos
Editores de Revistas, em 23/01/2013, endereo
http://www.aner.org.br/Conteudo/1/artigo42424-1.asp. 20
Outra questo para a escolha deste peridico remete ao fato de
suas edies estarem integralmente disponibilizadas no site da
revista, por meio do servio acervo digital (endereo eletrnico
http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx , conforme acesso
realizado em 1/4/2013). Este servio permitiu que se verificasse,
por exemplo, que entre maio de 2002 e abril 2012, das 516 edies da
Revista Veja publicadas, nas capas de 120 delas, ou seja, em
25,23%, foram apresentadas chamadas acerca do tema deste
trabalho.
-
21
impedindo a batalha final contra o monstro inflacionrio. No h no
Brasil de hoje foras polticas capazes de impor uma linha de ao
contnua aos demais atores sociais. Cada grupo quer uma coisa e no
se vai para lado algum. (REVISTA VEJA, 1994)
Figura 1 - Capa da edio de 9/5/1993 da Revista Veja, onde a
inflao representada por um vampiro.
Figura 2 - Capa da edio de 12/1/1994 da Revista Veja, onde a
inflao representada por um drago.
At duas dcadas atrs, em nosso pas, o drago da inflao parecia
constar de quaisquer debates que envolvessem temas relacionados a
grandes problemas nacionais, como pobreza, atraso ou
subdesenvolvimento. Representando normalmente um papel de causa dos
males que afligiam nossa nao, a inflao foi reificada em monstro
que, para se dominar tinha que ser primeiramente analisado,
dissecado, compreendido. Um inimigo cuja superao justificava
sacrifcios e abnegaes.
Como indica Anderson (1995, p. 21), a (hiper) inflao, que se
espalhou entre os pases latino-americanos a partir dos anos 1980,
foi adotada como um dos principais argumentos de um discurso
voltado a induzir estas sociedades a adotarem, sem a necessidade de
novas intervenes antidemocrticas, medidas baseadas em polticas
neoliberais. Este autor relembra que, em 1987, quando era consultor
do Banco Mundial e estava a trabalho na cidade do Rio de Janeiro,
ouviu um colega de equipe lhe confessar que considerava a inflao do
Brasil demasiado baixa, o que dificultava que o povo aceitasse a
medicina deflacionria drstica que faltava neste pas os anos
posteriores demonstraram a coerncia deste raciocnio (ANDERSON,
1995, p. 21-22).
Atualmente, ouve-se mais sobre outro fenmeno indesejado. A
corrupo, corriqueiramente tratada como um monstro a ser
superado.
A palavra superao foi a tnica da noite da tera-feira 6, durante
a cerimnia Brasileiro do Ano, promovida pela Editora Trs para
premiar as personalidades do mundo poltico, econmico e cultural que
mais se destacaram em 2011. [...] No pronunciamento de abertura, o
presidente executivo da Editora Trs, Caco Alzugaray, fez questo de
destacar a importncia histrica do que se comemorava no Credicard
Hall, em So
-
22
Paulo. [...] Pouco antes de entregar o prmio de Brasileira do
Ano presidenta Dilma Rousseff, Caco ressaltou que o Brasil
tornou-se um modelo de superao. Derrotamos o desemprego, a estagnao
econmica, as crises internacionais e superaremos o monstro da
corrupo.. (REVISTA ISTO, 2011)
Figura 3 - Capa da edio de 8/6/2011 da Revista Veja, onde um
corrupto representado por um "rato" e h uma
referncia sobre uma anatomia da corrupo.
Figura 4 - Capa da edio de 28/4/2004 da Revista Veja, onde a
corrupo comparada a uma praga informando
que os desvios so da ordem de 20 bilhes de reais.
Tratada por meio da atribuio do sentido de ser ela uma das
grandes justificativas de nosso atraso, representa-se comumente a
corrupo como uma praga entranhada em nosso pas. Souza (2008, p.
81-83) assevera que, no Brasil, onde o pensamento social orientado
por este sentido, a corrupo vem sendo abordada no debate acadmico e
poltico como um conceito central na explicao de nossa sociedade e
de suas mazelas, tornando-se um dois principais argumentos que
defendem que ela inerente ao nosso Estado e a sua incapacidade de
realizar satisfatoriamente suas misses.
Adquirindo este status, a corrupo passou a ser um dos maiores
temas nacionais. No so raros os estudos e as reportagens que,
partindo do pressuposto de que a corrupo uma das causas dos males
de nossa sociedade, buscam quantifica-la, explica-la e apontar
possveis estratgias para seu combate.
Como analisa Bignotto (2011, p. 15-16), duas pesquisas sobre a
corrupo no Brasil, realizadas em 2008 e 2009 pelo Centro de
Referncia do Interesse Pblico21 (CRIP), apresentam resultados que,
num primeiro olhar, indicam que a opinio pblica brasileira
considera a corrupo uma das principais mazelas do pas e a julga a
responsvel por muitos dos problemas que afligem nossa populao.
A corrupo est presente como base para as discusses sobre os
grandes dilemas de nosso pas, como as deficincias dos servios
pblicos de sade e educao, a atuao
21 Os relatrios sobre os surveys mencionados podem ser
encontrados no stio eletrnico do CRIP, endereo
http://www.interessepublico.org/, conforme acesso realizado em
1/4/2013.
-
23
insuficiente dos rgos de justia e segurana pblica, a
precariedade das rodovias, a tributao excessiva ou o alto Custo
Brasil.
Figura 5 - Capa da edio de 14/4/2010 da Revista Veja, que
informa que Culpar as chuvas demagogia. Os mortos
no Rio de Janeiro que o Brasil chora foram vtimas da poltica
criminosa de dar barracos em troca de votos.
Figura 6 - Capa da edio de 26/10/2011 da Revista Veja, que
informa que Com os 85 bilhes de reais surrupiados
pelos corruptos no ltimo ano seria possvel [...] erradicar a
misria.
Estas discusses orientadas pela centralidade atribuda corrupo
buscam racionaliz-la partindo do pressuposto de que ele se localiza
principalmente no campo poltico e no aparato administrativo do
Estado brasileiro, sendo ela um produto de um suposto atraso
presente nas nossas relaes sociais que se regulam por regras
formais e no formais
inadequadas s exigncias do que seria um modelo de Estado
alinhado s novas exigncias do mundo globalizado. (FILGUEIRAS,
2008a, p. 159; SOUZA, 2008, p. 85)
Observando-se a viso sobre a corrupo que emerge destas
discusses, tal parece decorrer da perspectiva terica defendida por
Rose-Ackerman (1996; 1997; 2010), Klitgaard (1994, p. 209-232;
1998) e Silva (1995; 1996; 2001, p. 121-124), que a explicam como
uma transgresso lei, decorrente de uma suposta insuficincia do
arranjo institucional da sociedade formado pelo conjunto de regras
formais e informais , especialmente nos pases subdesenvolvidos,
gera monoplios, uma discricionariedade excessiva dos agentes sobre
a gesto da coisa pblica e uma srie de deficincias no controle que,
juntos acarretam impunidade, sendo este o principal fator que
incentiva polticos e burocratas a fazerem uso indevido de seus
cargos com vistas satisfao de seus interesses particulares.
A POLTICA DE COMBATE CORRUPO DO GOVERNO FEDERAL Neste contexto
em que se pressupe que a corrupo seja uma das grandes razes
para
os maiores dilemas nacionais, como largamente se apresenta pelos
meios de comunicao, a explicao para sua ocorrncia e as propostas
para seu combate se tornam estratgicas nos discursos do Governo, j
que este fenmeno atravessa praticamente todos os grandes
debates
-
24
relativos ao papel do Estado, modernizao da burocracia pblica,
ao desenvolvimento econmico, desigualdade social, afirmao da
cidadania, entre outros.
Um exemplo da relevncia atribuda ao combate corrupo pelo Governo
brasileiro pode ser observado pelo primeiro pronunciamento da
presidente da Repblica Dilma Rousseff em comemorao Independncia do
Brasil, transmitido na noite do dia 6/9/2011, em cadeia nacional de
rdio e televiso. A presidente refora que a inflao estaria sob
controle, enfatiza que o Brasil um pas que, com o malfeito, no se
acumplicia jamais. E que tem na defesa da moralidade, no combate
corrupo, uma ao permanente e inquebrantvel. (PRESIDNCIA DA
REPBLICA, 2011)
Figura 7 - Momento do pronunciamento da Presidente Dilma
Rousseff em que aparece sobre sua a figura "inflao
sob controle" a primeira de uma srie de vinte e oito.
Figura 8- Momento do pronunciamento a que se refere a figura
anterior em que aparece em destaque a expresso
"combate corrupo" a ltima da srie.
Foi a partir deste pronunciamento que teve inicio o delineamento
do objeto de investigao deste trabalho. Buscando compreender como o
Brasil vinha ento empreendendo a poltica de combate corrupo a que a
presidente Dilma Rousseff tinha se referido como permanente e
inquebrantvel, verificou-se por meio do site da Presidncia da
Repblica22 que esta, desde o incio do primeiro governo federal
petista, foi capitaneada pela CGU. Este rgo compe a cpula do Poder
Executivo Federal e tem como misso este fim, conforme indicam os
artigos 1, 17 e 18 da lei n 10.683, de 28/05/2003, diploma legal
decorrente da converso da medida provisria n 103, do dia 1/1/2003.
(BRASIL, 2003)
Dados o tema, o problema e a hiptese, frisa-se que este trabalho
tem como objetivo geral verificar se a poltica de combate corrupo
conduzida pela CGU entre 2004 e 2011 se identifica com a
perspectiva terica do neo-institucionalismo econmico, apontando as
evidncias que sustentam esta identificao. Como meio de viabilizar o
alcance do objetivo geral, definiram-se os seguintes objetivos
secundrios:
22 Pesquisa realizada em 5/5/2012 por meio da leitura das pginas
resultantes da busca pelo termo corrupo
no servio busca, disponibilizado no site localizado no endereo
eletrnico www.planalto.gov.br.
-
25
a) analisar a estrutura e a atuao da CGU entre 2004 e 2011 para
se levantar como se deu na prtica o combate corrupo por ela
efetivamente empreendido, bem como para subsidiar a seleo do
corpus;
b) levantar os marcos tericos sobre o estudo da corrupo e suas
caractersticas; c) estudar a perspectiva terica do
neo-institucionalismo econmico aplicado
pesquisa da corrupo com o uso das categorias do materialismo
dialtico do geral, do singular, do contedo, da forma, da essncia e
do fenmeno, e assim definir os elementos prprios de sua viso sobre
a corrupo e das propostas para seu combate, bem como para levantar
as limitaes desta perspectiva;
d) analisar a relao entre a perspectiva terica do
neo-institucionalismo econmico aplicado corrupo, a ideologia
neoliberal e o programa gerencialista brasileiro por meio da
correspondncia entre seus pressupostos, valores e estratgias de
afirmao, bem como pela contemporaneidade na ascenso deles;
e) levantar as consideraes que emergem da relao estabelecida
entre o neo-institucionalismo e a ideologia neoliberal e que podem
ter sido reproduzidas na poltica de combate corrupo, principalmente
no que tange s estratgias ideolgicas prprias do neoliberalismo de
preservao acrtica do sistema;
f) definir o corpus, explorar seu contedo e selecionar o que
dele representativo para os fins deste trabalho, classificando,
primeiramente, o resultado desta seleo por sua aplicao no conceito
da corrupo, ou no diagnstico sobre sua ocorrncia, ou nas estratgias
para seu combate, e, em cada aplicao, relacionando-o aos temas
prprios da viso do neo-institucionalismo econmico;
g) verificar por meio da aplicao das categorias do materialismo
dialtico da singular, do contedo e da forma ao resultado da seleo e
da classificao do contedo, se a poltica que o objeto deste trabalho
se identifica com a perspectiva terica do neo-institucionalismo
econmico.
Este trabalho tem ainda, como objetivo mediato, apontar que a
poltica que seu objeto no partiu de uma certeza absoluta,
universal, atemporal, natural do fenmeno que pretendia enfrentar,
ou seja, de uma soluo bvia para um problema evidente 23, mas sim de
uma escolha terica entre outras, cuja seleo, como j dito, teve o
fito de dar viabilidade aos fins da ideologia que lhe
subjacente.
23 Expresso trazida por Lustosa da Costa (2010, p. 149), a
partir de uma citao, em nota de rodap, do trabalho
de Jos Wagner Costa Brito intitulado Algumas dvidas quanto
utilidade do nosso planejamento.
-
26
1 A CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO E A SUA ATUAO
Este captulo visa anlise da estrutura e da atuao da CGU com o
fito de levantar o que se materializou da prtica da poltica de
combate corrupo por ela conduzida entre 2004 e 2011. Baseando-se em
dados oficiais e disponveis no site da prpria CGU, busca-se neste
captulo ainda a compreenso de algumas particularidades da atuao da
CGU que tragam evidncias sobre a orientao desta atuao. Desta forma,
alm do estudo das informaes mais gerais sobre os resultados deste
rgo no perodo, algumas incurses a pronunciamentos oficiais e a
produtos de atividades especficas so tambm abordados por fornecerem
indcios de uma possvel base terica. Os resultados deste captulo
devem ainda subsidiar a definio do corpus deste trabalho.
A CGU foi criada por meio da edio da medida provisria n
2.143-31, em 2/4/2001, pelo ex-Presidente da Repblica Fernando
Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB). Com o nome de Corregedoria-Geral da Unio, este rgo atuava
exclusivamente em aes de correio, voltando-se investigao de casos
de corrupo e aplicao das devidas punies a servidores e autoridades
do Poder Executivo Federal neles envolvidos. Segundo reportagem
constante da edio de 11/4/2011 da Revista Veja sobre as razes para
a criao da CGU, esta aponta que:
Nomeada: a procuradora da Repblica aposentada Anadyr de Mendona
Rodrigues, 65 anos, para o comando da recm-criada Corregedoria
Geral da Unio, que tem status de ministrio e visa a coordenar a
apurao de denncias de corrupo e irregularidades no governo. No ser
por falta de rgos e burocratas que a corrupo deixar de ser
investigada adequadamente. O pas j dispe da Secretaria Federal de
Controle, Ministrio Pblico, Polcia Federal, Secretaria de Receita
Federal, Advocacia Geral da Unio e Tribunal de Contas da Unio,
entre outros, sem que o mal consiga ser debelado. Ao empossar a
corregedora, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que ela
ter carta branca para investigar qualquer setor da administrao
federal. Entretanto, no se sabe qual o poder real que Anadyr ter
para bater de frente com luminares da Repblica e pesos-pesados da
poltica, eventuais aliados do Planalto. Ou, ainda, com qual
infra-estrutura, verba oramentria e grau de independncia contar
para promover devassas em esquemas de corrupo e exigir quebra de
sigilo bancrio e documentos de movimentao financeira. A iniciativa
foi uma sada para esvaziar a tentativa da oposio de instalar uma
CPI da corrupo. Dia 2, em Braslia. (REVISTA VEJA, 2001)
Em 7/10/2002, aps 3 (trs) anos de discusses no Congresso
Nacional, o Brasil formalizou sua adeso Conveno Interamericana
contra a Corrupo de 1996, promovida
-
27
pela Organizao dos Estados Americanos (OEA), cujos dispositivos
relativos s medidas preventivas de combate corrupo so transcritos a
seguir:
Artigo II . Propsitos. Os propsitos desta Conveno so:
l. promover e fortalecer o desenvolvimento, por cada um dos
Estados Partes, dos mecanismos necessrios para prevenir, detectar,
punir e erradicar a corrupo; e
[...] Artigo III . Medidas preventivas. Para os fins
estabelecidos no artigo II desta Conveno, os Estados Partes convm
em considerar a aplicabilidade de medidas, em seus prprios sistemas
institucionais destinadas a criar, manter e fortalecer:
1. Normas de conduta para o desempenho correto, honrado e
adequado das funes pblicas. [...] 2. Mecanismos para tornar efetivo
o cumprimento dessas normas de conduta.
[...] 9. rgos de controle superior, a fim de desenvolver
mecanismos modernos para prevenir, detectar, punir e erradicar as
prticas corruptas. (BRASIL, 2002)
Adiantando-se ao atendimento das disposies desta conveno,
principalmente no que tange criao e ao fortalecimento de rgos de
controle superior, o governo federal, poca, por meio do decreto n
4.177, de 28/3/2002, incorporou CGU a Secretaria Federal de
Controle Interno do Ministrio da Fazenda e a Ouvidoria-Geral da
Repblica do Ministrio da Justia. Assim, a CGU se tornou o rgo
componente da Presidncia da Repblica responsvel pelas aes de
controle, correio, preveno e ouvidoria no mbito do Poder Executivo
Federal. Este novo rol de competncias e esta estrutura, que
sofreram poucas mudanas at hoje, conferiram a este rgo de controle
superior, a partir de ento, a responsabilidade pela conduo da
poltica de combate corrupo do governo federal.
Sobre a CGU, destaca-se ainda que esta se constitui como um rgo
autnomo e singular, cuja direo se d pelo exerccio de um cargo
poltico de Ministro de Estado. (BRASIL, 2003)
Sendo este dirigente um Ministro de Estado, ele integra a direo
superior da administrao pblica federal juntamente com o Presidente
da Repblica e os demais Ministros de Estado, o que o torna um dos
componentes da cpula da poltica do Poder Executivo Federal, ou
melhor, um dos membros do governo federal. (MEIRELLES, 2003, p.
60-82)
-
28
A relao entre os Ministros de Estado e o governo federal que
eles mesmos compem se d por afiliao poltica e ideolgica. Logo, o
Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da Unio24, que
exerce um cargo poltico, para permanecer no governo federal deve
adotar (ou, pelo menos, comprometer-se) na direo da pasta
ministerial sob sua gesto, a mesma viso que a do restante Governo
acerca da melhor conduo da administrao pblica federal com vistas ao
alcance dos objetivos do Estado.
O instituto da nomeao e da exonerao ad nutum de Ministros de
Estado garante ao Presidente da Repblica a manuteno dessa unidade
de viso e de interesses, autorizando-o, a qualquer tempo e sem
motivao, a trocar os Ministros que compem seu gabinete ministerial.
Destaca-se que dos componentes da cpula poltica do Poder Executivo
Federal, ou seja, do governo federal, somente o Presidente e o
Vice-Presidente da Repblica exercem cargos eletivos com mandato
certo. (MEIRELLES, 2003, p. 80-81)
A relao de subordinao poltica entre a Presidncia e os Ministrios
tal que mesmo as propostas de planejamento e de estruturao da
avaliao (bem como o oramento) dos rgos e entidades das pastas
ministeriais so revisadas pela Presidncia da Repblica, que pode
impor modificaes.
Para dar cumprimento a sua misso de promover o combate corrupo
no mbito da Poder Executivo Federal, a CGU atua basicamente por
meio de quatro reas finalsticas:
a) controle interno: avaliao da execuo dos oramentos da Unio,
fiscalizao da implementao dos programas do PPA e realizao de
auditorias e fiscalizaes sobre a aplicao de recursos pblicos
federais disponibilizados para serem aplicados por Estados,
Municpios, DF e entidades pblicas e privadas;
b) correio: apurao de possveis irregularidades cometidas por
autoridades e servidores pblicos e aplicao das devidas
penalidades;
c) preveno da corrupo: desenvolvimento de meios de antecipao
ocorrncia da corrupo (promoo do controle social e incremento da
transparncia pblica), implementao de compromissos internacionais
(convenes, acordos, etc.) e gesto de conhecimento sobre a corrupo
(promoo de eventos, campanhas, concursos e implementao de centros
de conhecimento);
24 Denominao legal do cargo do dirigente mximo da CGU. (BRASIL,
2003)
-
29
d) ouvidoria: recebimento, exame e encaminhamento de denncias,
reclamaes, elogios, sugestes e pedidos de informao referentes a
procedimentos e aes de agentes, no mbito do Executivo Federal.
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012a)
Mesmo sendo um rgo autnomo do Poder Executivo Federal, os
impactos da atuao da CGU normalmente ultrapassam este poder/esfera.
Alguns exemplos de situaes em que os impactos das aes da CGU
alcanam outras esferas e poderes so:
a) em sua tarefa de fiscalizar a aplicao de recursos federais, a
CGU avalia o uso que Governos Estaduais e Prefeituras fizeram
destes recursos, devendo, na hiptese de se verificar algum uso
irregular, informar aos rgos competentes para exercer o controle
sobre a administrao pblica destas esferas, como o Ministrio Pblico
Estadual e as cortes de contas estaduais e municipais;
b) ao promover o controle social e, consequentemente, a
sensibilizao e a capacitao de cidados para exercer tal controle,
estes podem exerc-lo sobre as aes de gestores de quaisquer esferas
e poderes;
c) ao buscar a implementao de compromissos internacionais de
combate corrupo firmados pelo Brasil, a CGU pode encaminhar
propostas de alteraes no ordenamento jurdico que podem ser
aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionados pela Presidncia da
Repblica.
Sobre a atuao da CGU entre 2004 e 2011, este foi formalizado por
meio de um programa especfico denominado Controle Interno, Preveno
e Combate Corrupo, cdigo 1173, constante do anexo II dos PPAs dos
quadrinios 2004-2007 e 2008-2011. Ao programa 1173 foram vinculadas
aes oramentrias voltadas ao custeamento e mensurao fsica e
financeira das quatro reas finalsticas da CGU, constante das LOAs
correspondentes ao mesmo perodo.
No PPA 2004-2007, o programa 1173 vinculado a um objetivo
estratgico de governo denominado Promoo e expanso da cidadania e
fortalecimento da democracia, o megaobjetivo III, e neste ao seu
desafio denominado Combater a corrupo, o desafio 3225. J no PPA
2008-2011, o programa 1173 vinculado a um objetivo de governo
denominado Fortalecer a democracia, com igualdade de gnero, raa e
etnia e a cidadania com
25 Este megaobjetivo e seu desafio constam do anexo I da lei n
10.933/2004, posteriormente alterada pela lei n
11.450/2007. (PRESIDNCIA DA REPBLICA, 2004)
-
30
transparncia, dilogo social e garantia dos direitos humanos,
nmero 4, e nele a sua seo intitulada Transparncia e dilogo
social26.
Tomando por base o Relatrio de Gesto da CGU do ano de 201027,
apresentam-se, a seguir, as informaes sobre planejamento e avaliao
que indicam que a CGU deu cumprimento ao programa 1173 e s aes ele
vinculadas (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012b, p. 23-25; 2011d, p.
23-41):
Tabela 1 - Anlise das informaes sobre o programa 1173 e as aes a
ele relacionadas na LOA 2010
Programa Controle Interno, Preveno e Combate Corrupo (cd.
1173)
Objetivo (de 2004 a 2011)
Desenvolver as atividades do sistema de controle interno do
Poder Executivo Federal, em cumprimento ao disposto nos artigos 70
e 74 da Constituio Federal de 1988, bem como fortalecer as
atividades de investigao, apurao e represso das irregularidades no
Poder Executivo com o objetivo de prevenir a corrupo, combater a
impunidade e ampliar a transparncia da gesto pblica.
Objetivo de governo (de 2008 a 2011)
Fortalecer a democracia, com igualdade de gnero, raa e etnia e a
cidadania com transparncia, dilogo social e garantia dos direitos
humanos
Indicador de desempenho ndice de Desempenho Institucional da
Controladoria-Geral da Unio IDIC (%)
Forma de clculo do indicador de desempenho (de 2004 a 2011)
Clculo do ndice de Desempenho: IDIC = somatrio de IDa Clculo do
Indicador de Desempenho das aes: IDa = DFa * POa DFa o percentual
de execuo da meta fsica estabelecida para cada ao. POa a participao
relativa do valor liquidado de uma ao em relao ao total
liquidado por todas as aes de reas finalsticas. Meta anual:
100%
Aes oramentrias consideradas no clculo do indicador de
desempenho do Programa 1173 (correspondem s reas finalsticas da
CGU)
Cdigo 2D58 2B15 2B13 4998
Ttulo (de 2004 a 2011)
Fiscalizao e Controle da Aplicao dos Recursos Federais
Correio no Poder Executivo Federal
Aes de Preveno Corrupo e Transparncia Governamental
Gesto do Sistema Federal de Ouvidorias
Oramento realizado em 2010
R$ 11.666.417,78 R$ 1.810.200,14 R$ 8.121.329,00 R$
152.059,45
Somatrio dos oramentos realizados em 2010
R$ 21.750.006,37
26 Este objetivo de governo consta do anexo I da lei n
11.653/2008. (PRESIDNCIA DA REPBLICA, 2007)
27 Como a inteno somente apresentar o conjunto de informaes e
meta-informaes relativas ao
planejamento e avaliao do programa 1173 para confirmar se este
programa e suas aes foram efetivamente observadas pela CGU em sua
atuao, ou seja, se se tornaram a prtica, abordam-se aqui somente as
informaes sobre a execuo do programa em tela no ano de 2010, j que
no relatrio de gesto de 2011 da CGU, de onde constam os dados sobre
tal execuo, no foram encontradas todas as informaes necessrias a
esta confirmao.
-
31
POa por ao em 2010 36,74% 37,20% 25,58% 0,48%
Mensurao de desempenho (de 2004 a 2011)
Quantidade de aes de controle
Quantidade de aes de correio
Quantidade de aes de preveno
Quantidade de eventos
Meta fsica em 2010 12.000 1.800 1314 24
Realizao fsica em 2010 14.578 2.187 624 11
DFa por ao em 2010 126,8% 121,5% 62,4% 45,8%
IDa por ao em 2010 44,64% 45,19% 12,15% 0,22%
IDIC do Progr. 1173 em 2010 (44,64% + 45,19% + 12,15% + 0,22%)
=102,09%
Assim, cada uma das aes oramentrias do programa 1173 avaliada
por meio de um modelo de mensurao de desempenho baseado na
quantidade de realizaes de determinadas aes fsicas. A avaliao de
uma ao oramentria dada pela porcentagem entre a quantidade de aes
fsicas que se pretendia realizar num dado ano e a quantidade de aes
efetivamente realizadas naquele ano. Estas aes fsicas, cuja
quantidade utilizada para avaliao fsica das aes oramentrias
relacionadas s respectivas reas finalsticas da CGU, so as
seguintes:
a) aes de controle interno (cd. 2D58) - auditorias e fiscalizaes
realizadas pela Secretaria Federal de Controle Interno da CGU;
b) aes de correio (cd. 2B15) - processos disciplinares em geral
(como sindicncias e processos administrativos disciplinares) em
conduo no ltimo dia de exerccio financeiro de cada ano, sob a
responsabilidade da Corregedoria-Geral da CGU;
c) aes de preveno (cd. 2B13) - no consta de quaisquer documentos
consultados at o momento qual a natureza de tal ao, mas h indicaes
que elas so conduzidas pela Secretaria de Preveno da Corrupo e
Informaes Estratgicas da CGU;
d) aes de ouvidoria (cd. 4998) - eventos realizados pela
Ouvidoria-Geral da Unio da CGU.
Analisando ento os resultados constantes dos relatrios de gesto
da CGU do perodo entre 2004 e 2011, confirma-se28 que a CGU pautou
sua atuao por meio das informaes
28 Esta confirmao se deu pela leitura dos Relatrios de Gesto
acessados em 25/2/2013, referentes aos
seguintes [exerccios], disponveis pelos seguintes [endereos
eletrnicos] e conforme informaes constantes das seguintes
[pginas]:
-
32
(objetivos, descries e implementao de ao) relativas ao programa
1173 e s aes oramentrias 2D58, 2B15, 2B13 e 4998 (anexo IV, anexo
V, anexo VII e anexo VIII).
Uma pesquisa no site da CGU29 sobre outras informaes acerca dos
resultados de sua atuao, constatou-se que seu Ministro de Estado
Chefe havia proferido um pronunciamento na sesso de abertura das
comemoraes do Dia Internacional contra a Corrupo, no dia 9/12/2011,
em Braslia, por meio do qual foi apresentada uma retrospectiva da
atuao da CGU durante os mandatos do PT, ou seja, no perodo entre
2003 e 2011. Comentando que a criao daquela data de conscientizao
se deu por sugesto apresentada pelo Brasil Organizao das Naes
Unidas (ONU), aquele Ministro citou a quantidade de convenes de
organizaes de Estados e os estudos e reunies sobre o assunto,
promovidos pelo G-20, Banco Mundial, OEA, ONU, Organizao para a
Cooperao e o Desenvolvimento Econmico (OCDE), entre outros.
Passando abordagem dos resultados das atividades realizadas pela
CGU, e dos pressupostos que as orientaram, o Ministro destacou que,
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2011a)
No que toca ao Controle Interno, especificamente, so milhares de
Auditorias e Fiscalizaes, ano aps ano, seja nas Auditorias
Ordinrias de Contas, nas Fiscalizaes das Transferncias a partir de
Sorteios Pblicos, nas Auditorias Especiais e Investigativas ou nas
de Acompanhamento Sistemtico dos Programas de Governo, e, ainda, na
Orientao aos Gestores.
Tambm utilizamos o que h de mais moderno em tecnologia da
informao, para monitorar a aplicao do dinheiro pblico, no
Observatrio da Despesa Pblica, ferramenta criada pela Controladoria
para cruzar grandes volumes de informaes, com o objetivo de
detectar tipos repetitivos de fraudes. O Observatrio a malha fina
da despesa, sendo capaz de monitorar, de forma gil, a ocorrncia de
situaes atpicas na execuo do gasto pblico.
Outra frente de batalha a vertente punitiva, o que feito pela
nossa Corregedoria-Geral. Se no podemos contar com as sanes penais
ou civis de improbidade, pela via judicial que seria o ideal ns do
Executivo fazemos o que est ao nosso alcance. Aplicamos todas as
sanes cabveis na
a) [2004],
[www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_cgu_2004.pdf],
[p. 115]; b) [2005],
[www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_cgu_2005.pdf],
[p. 12]; c) [2006],
[www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_cgu_2006.pdf],
[p. 17-18]; d) [2007],
[www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_cgu_2007.pdf],
[p. 12-47]; e) [2008],
[www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_cgu_2008.pdf],
[p. 7]; f) [2009],
[www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_cgu_2009.pdf],
[p. 53]; g) [2011],
[www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_cgu_2011.pdf],
[p. 24-25].
29 Pesquisa realizada em 5/5/2012 por meio da leitura das pginas
resultantes da busca pelo termo resultados
CGU no servio busca, disponibilizado no site localizado no
endereo eletrnico www.cgu.gov.br.
-
33
esfera administrativa: de um lado aos agentes pblicos mprobos; e
de outro, s empresas fraudadoras ou corruptoras.
Em consequncia desse trabalho, j foi possvel excluir da
Administrao Federal cerca de 3.500 agentes pblicos envolvidos,
principalmente, em ilcitos ligados corrupo. E, entre esses, mais de
300 ocupantes de altos cargos.
Desse modo, a Administrao deixa de ficar apenas espera da punio
pela via judicial e passa a dar efetividade s previses da lei para
as sanes que ela prpria (a Administrao) pode e deve aplicar,
contribuindo (dentro do que lhe cabe) para a reverso da histrica
cultura da impunidade. [...] Ningum desconhece tambm que as causas
mais profundas da corrupo tm razes em questes mais amplas, como o
financiamento privado de campanhas e de partidos, o sistema
eleitoral, os meandros da elaborao do oramento pblico, e,
sobretudo, a urgente necessidade de reforma das leis processuais
penais, que so, hoje, a principal garantia de impunidade.
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2011a)
Tratando dos projetos formulados e implementados pela CGU, estes
todos conduzidos pela rea finalstica voltada preveno da corrupo,
destacou:
1. o Programa Olho Vivo no Dinheiro Pblico, voltado a estimular
e a capacitar a sociedade para o exerccio do controle social e o
pleno funcionamento do Portal da Transparncia, que divulga
informaes sobre os gastos com recursos federais realizados de forma
direta e por meio de convnios, bem como a relao de servidores
expulsos por punies disciplinares e de empresas fornecedoras de
bens e servios ao poder pblico que esto proibidas de serem
contratadas, dois projetos sobre os quais o Ministro destaca o
reconhecimento:
E desde o ano passado (2010), as despesas do Governo so lanadas
diariamente no Portal. Isto : tudo o que se empenhou ou pagou hoje,
estar exposto no Portal amanh. Isso algo indito no mundo.
A iniciativa tem sido motivo de sucessivos convites recebidos
pelo Brasil para apresent-la em pases e em eventos os mais
diversos. O Portal j recebeu diversas premiaes, entre elas prmio da
ONU como uma das cinco melhores prticas no campo das estratgias de
preveno e combate corrupo ao redor do mundo.
Ainda lembro que tambm foi no Dia 9 de Dezembro de 2004, que
ocorreu o lanamento nacional da cartilha Olho Vivo no Dinheiro
Pblico e do concurso de monografias e redaes destinado a estudantes
dos nveis fundamental, mdio e superior.
Aproveito para parabenizar os vencedores da edio do Concurso de
Monografias deste ano, aqui presentes.
O Programa Olho Vivo no Dinheiro Pblico voltado para o estmulo
ao controle social, realizando cursos presenciais e distncia, para
cidados,
-
34
lderes comunitrios, professoras e membros de conselhos locais.
Ele j foi contemplado com o Prmio Educare (Prmio Nacional de
Excelncia na Educao). (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2011a)
2. o fortalecimento da articulao internacional, com a busca de
novas parcerias e o cumprimento dos compromissos assinados junto
ONU, OCDE e OEA;
3. o fortalecimento da articulao interinstitucional junto aos
rgos do Governo que apoiam e participam do combate corrupo (Polcia
Federal, Ministrio Pblico, Tribunal de Contas da Unio, Receita
Federal, etc.);
4. o lanamento de programas de estmulo tica, como o site
infantil da CGU e as parcerias com o Instituto Maurcio de
Sousa;
5. o lanamento do Cadastro de Empresas Pr-tica e do Cadastro de
Empresas Inidneas, o primeiro que relaciona empresas que se
comprometem a promover a tica e as boas prticas e o segundo, as
empresas suspensas de contratar com a administrao pblica;
6. as articulaes realizadas com o fito de promover reformas no
ordenamento penal e processual penal voltadas a tornar mais
rigoroso o tratamento de crimes de corrupo, bem como a promover a
transparncia pblica e a estimular o controle social, cujo resultado
j se deu pela sano presidencial da Lei de Acesso Informao, em
18/11/2011, sobre a qual, informa:
A partir dessa lei, a informao pblica a regra, e o sigilo, a
exceo. Tambm esto previstas medidas de responsabilizao dos agentes
pblicos que retardarem ou negarem indevidamente a entrega de
informaes.
No mbito desta parceria, hoje lanamos uma cartilha com informaes
bsicas sobre a lei, que ser distribuda aos servidores pblicos, para
facilitar a compreenso do seu papel em assegurar o direito de
acesso informao. [...] Uma das principais unidades da CGU que
cuidar dessa nova tarefa ser a Ouvidoria Geral da Unio, que, para
isso, est sendo inteiramente reformulada e fortalecida.
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2011a)
O pronunciamento encerrado com consideraes feitas acerca do
reconhecimento internacional do Brasil quanto ao combate corrupo,
conforme trecho transcrito abaixo:
J fomos avaliados na Conveno da OEA, na da OCDE e na da ONU. E,
em todas elas, muito bem avaliados. Pelos esforos que o pas vem
empreendendo, hoje j reconhecidos, muito diferentemente da situao
de uma dcada atrs.
No por acaso que nosso pais foi o primeiro a ser convidado pelo
Governo dos Estados Unidos para coliderar, junto com ele a mais
nova iniciativa de
-
35
abertura de informaes para o controle social, denominada
Parceira para o Governo Aberto (OGP na sigla em ingls), lanada em
Nova York, em setembro, pelos Presidentes Barack Obama e Dilma
Rousseff.
Tampouco veio do acaso a escolha para integrarmos o Comit de
Governana Pblica da OCDE, onde o Brasil se voluntariou para ser o
primeiro pas do G-20 a submeter avaliao internacional o seu Sistema
de Integridade Institucional e Preveno da Corrupo. O relatrio da
OCDE, amplamente positivo, acaba de ser divulgado em Braslia, h
poucas semanas, com a presena do Secretario Geral, Angel
Gurria.
E tambm no caiu do cu, por certo, a escolha do Brasil pela
Transparncia Internacional para sediar a prxima Conferncia
Internacional Anticorrupo, em novembro de 2012, o maior evento
mundial nesse tema, que deve reunir em Braslia mais de 1.500
pessoas de mais de cem pases. (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO,
2011a)
Alm das informaes sobre os projetos, as atividades e os
resultados destes, constantes do pronunciamento analisado, h outras
que, para os fins deste trabalho, merecem destaque:
a) a CGU edita um peridico tcnico-cientfico voltado divulgao de
estudos ligados a sua rea de atuao, a Revista da CGU30, cuja edio e
seleo de trabalhos so feitas pela prpria; (CONTROLADORIA-GERAL DA
UNIO, 2012a, p. 30)
b) a CGU mantm e disponibiliza uma base de textos sobre a
corrupo, a Biblioteca Virtual sobre Corrupo (BVC)31;
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012a, p. 30)
c) a CGU promove cursos e eventos com a participao de
autoridades e servidores de todas as esferas e poderes da
administrao voltados discusso e disseminao de conhecimentos sobre
as atividades sob sua competncia, como auditoria, correio, promoo
do controle social, melhoria da gesto, ouvidoria, entre outras;
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012a, p. 16-19)
d) a CGU promove cursos e eventos com a participao
representantes de entidades da sociedade civil, organizaes no
governamentais, lideranas
30 As edies e as informaes sobre o corpo editorial esto
disponveis no stio da CGU na rede mundial de
computadores, pelo endereo eletrnico
http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/RevistaCgu/, conforme acesso
realizado em 1/4/2013. 31
A BVC disponibilizada pelo endereo eletrnico
https://bvc.cgu.gov.br/, conforme acesso realizado em 1/4/2013.
-
36
comunitrias e cidados voltados promoo da tica, do controle
social e da transparncia (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012a, p.
28)
e) so divulgados com certa frequncia pela grande mdia informaes
sobre a quantidade de servidores pblicos federais de rgo e
entidades do Poder Executivo Federal expulsos dos quadros da
Administrao Pblica por ato disciplinar punitivo aps a criao da CGU.
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2012a, p. 42)
Sobre o Portal da Transparncia, reconhecido internacionalmente
segundo tal pronunciamento, destaca-se que este veicula, sobre a ao
governamental, somente informaes que compreendem as receitas e as
despesas, sendo que, conforme apontado por Oliveira Jnior, Jordo e
Castro Jnior (2012, p. 11), as informaes financeiras deste portal,
originrias do Siafi32, poderiam ser cruzadas sem grandes embaraos
com aquelas sobre a execuo fsica constantes do SigPlan33 por meio
do cdigo do programa e da ao oramentria, gerando um conjunto de
informaes sobre as atuao do poder pblico que apresentariam os dados
sobre o que se fez juntamente com o quanto se gastou.
Sobre as cartilhas mencionadas no pronunciamento, a primeira
relativa ao programa Olho vivo no dinheiro pblico e a segunda nova
lei de acesso informao34, trazem-se os seguintes trechos que
informam algumas definies deles constantes, bem como as imagens de
suas capas:
Corrupo: usar o dinheiro pblico como se fosse particular; tirar
dinheiro da merenda, do remdio, da obra e botar no prprio bolso ou
no bolso de parentes e amigos; usar o cargo pblico para beneficiar
interesses privados. Isso crime e d priso. (CONTROLADORIA-GERAL DA
UNIO, 2009, p. 26) Transparncia: quando sabemos onde, como e por
que o dinheiro est sendo gasto. quando as coisas so feitas s
claras, sem mistrios, como devem ser feitas. A administrao pblica
deve ser sempre transparente, porque no deve ter o que esconder do
povo. (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2009, p. 27) Controle social -
a participao do cidado na gesto pblica, na fiscalizao, no
monitoramento e no controle da Administrao Pblica. O controle
social um complemento indispensvel ao controle institucional
realizado pelos rgos que fiscalizam os recursos pblicos. Contribui
para a
32 Sistema Integrado de Administrao Financeira do governo
federal.
33 Sistema de Informaes Gerenciais e de Planejamento.
34 Esta a lei n 12.527, de 18 de novembro de 2011,
disponibilizada pelo endereo eletrnico
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm
, conforme acesso realizado em 1/4/2013.
-
37
gesto ao favorecer a boa e correta aplicao dos recursos, um
mecanismo de preveno da corrupo e fortalece a cidadania.
(CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO, 2011b, p. 22)
Figura 9 - Capa da cartilha "Olho vivo no dinheiro pblico que
apresenta definies defendendo a
importncia do controle dos cidados sobre os gastos pblicos.
Figura 10 - Capa da cartilha Acesso informao pblica, que
apresenta as definies da lei de acesso informao, bem
como conceitos e definies importantes defesa da transparncia
como arma de combate corrupo.
Sendo assim, a anlise das informaes sobre as normas legais, a
poltica de combate corrupo, e os trechos do pronunciamento do
Ministro de Estado Chefe da CGU e dos projetos e atividades
listados acima indica, a princpio, o seguinte:
a) que a CGU parece ser uma das autoridades (talvez a principal)
da ordem do discurso sobre a corrupo no Brasil, o que pode implicar
que este rgo seja um dos responsveis pela regulao da verdade sobre
a corrupo por meio da afirmao dos saberes por ela considerados
vlidos (com seus concursos, revistas, cartilhas, cursos, eventos,
etc.), o que pode, em contrapartida, ocasionar a excluso de outros
que no compartilhem destes mesmos saberes35;
b) que a CGU reproduz os discursos sobre o combate corrupo de
instituies financeiras e organismos internacionais que defendem
valores prprios da ideologia neoliberal e do gerencialismo como a
OCDE e a OEA, tanto que deles recebe o reconhecimento sobre o
combate corrupo que empreende;
c) que a CGU somente articula parcerias com organismos como os
mencionados acima, bem como com aqueles voltados a atividades de
investigao, inteligncia e auditoria e com rgos do Poder Judicirio e
da advocacia pblica, todos voltados a atividades relacionadas a
vigilncia e punio;
35 Se a CGU, como autoridade da ordem do discurso sobre a
corrupo no Brasil, atuar assim como Polzer
(2001, p. 12) assinala que atua o Banco Mundial enquanto
autoridade desta ordem no campo internacional, ento quaisquer
discursos que no partam dos pressupostos que ela defende devero
sofrer processos de excluso, como por exemplo, serem classificados
como sendo argumentos ingnuos ou malicioso, apresentados pelas
partes interessadas.
-
38
d) considerando a publicidade dada s expulses, que a CGU
compreende a impunidade como um incentivo corrupo;
e) que a CGU a partir dos trechos transcritos dos contedos das
cartilhas destacadas entende:
i. que a corrupo um fenmeno compreendido pelo Direito (crime) e
se relaciona afirmao de interesses econmicos de particulares sobre
o interesse pblico, sendo efetuado por ocupante de cargo
pblico;
ii. que transparncia dar publicidade ao gasto pblico como meio
de viabilizar o controle social;
iii. que o controle institucional a fiscalizao dos recursos
pblicos e assim que ela contribui para a gesto, no se relacionando
avaliao dos resultados e dos impactos das polticas pblicas para a
sociedade;
iv. que o controle social um complemento do controle
institucional, voltando-se fiscalizao do gasto pblico, sendo
viabilizado pela transparncia.
f) que a CGU considera que o combate corrupo se d pela combinao
da vigilncia (controle institucional + transparncia + controle
social) e da punio (correio), ou seja, pela diminuio da
impunidade.
Pesquisando, ento, resultados consolidados da CGU no tocante ao
combate impunidade, apontada pelo Ministro como a causa mais
profunda corrupo, encontrou-se um relatrio que aponta as
quantidades anuais de punies expulsivas aplicadas a servidores
pblicos de rgos e entidades da administrao pblica federal entre
2003 e 201136 (Controladoria-Geral da Unio, 2012c). Deste relatrio,
apresenta-se seu primeiro grfico, conforme figura a seguir:
Figura 11 - Imagem de grfico apresentado na primeira pgina do
Relatrio de acompanhamento das punies expulsivas aplicadas a
estatutrios no mbito da administrao pblica federal do ano de
2011
36 Pesquisa realizada em 5/5/2012 por meio da leitura das pginas
resultantes da busca pelo termo resultados
impunidade no servio busca, disponibilizado no site localizado
no endereo eletrnico www.cgu.gov.br.
-
39
Analisando os resultados apresentados acima, constatou-se que as
punies expulsivas no perodo tiveram um aumento anual mdio de cerca
de 10% (dez por cento), somente apresentando decrscimos entre 2004
e 2005 (-6,84%) e entre 2007 e 2008 (-15,02%).
Lembrando que no pronunciamento do Ministro de Estado Chefe da
CGU, no dia 9/12/2011, este afirmou que a impunidade a causa mais
profunda da corrupo, observa-se que justamente por meio deste
pressuposto que se orienta a poltica de combate corrupo conduzida
pela CGU. Ou seja, por meio da intensificao do controle, com vis de
vigilncia, e pelo aumento do resultado concreto e aparente deste
controle, no caso, pelo aumento da aplicao de punies 37, que a CGU
busca combater a corrupo, atacando sua suposta causa mais
profunda.
Mas tendo que a aplicao de sanes, como resultado final da
estratgia de vigilncia e punio da poltica conduzida pela CGU,
prpria materializao do ataque impunidade, o incremento na aplicao
de sanes deveria, em tese, diminuir a corrupo?
Procurando entre os documentos disponveis no site da CGU
informaes que indicassem sobre a perspectiva terica que sustentou
(e talvez ainda sustente) a ideia da existncia de uma forte relao
de causalidade entre a impunidade e a corrupo, base da viso da CGU
sobre este fenmeno e principal justificativa para as aes constantes
da poltica por ela conduzida entre 2004 e 201138, estas no foram
encontradas.
Apesar de no ter sido encontrada tal indicao, pressuposto que o
combate que a CGU buscou promover tenha partido de alguma abordagem
sobre a corrupo, cujo conjunto de proposies tenha expressado as
razes para sua ocorrncia e os meios pelos quais ela se manifesta,
proposies estas a partir das quais se definiram as estratgias
utilizadas para seu enfrentamento.
Dadas esta situao e o pressuposto que a acompanha, formula-se
uma segunda interrogao diretamente vinculada primeira: a poltica de
combate corrupo utilizada pela CGU, embora no afirme o seu carter
gerencialista adere aos valores prprios do
37 Como aborda Foucault (1987; 1999), vigiar e punir so
ferramentas tpicas do controle do Estado sobre os
homens, tendo tido seu uso intensificado a partir da revoluo
industrial e da ascenso do sistema capitalista, por meio do
estabelecimento de formas jurdicas que moldaram a sociedade humana
como uma verdadeira de sociedade disciplinar, voltada a impor uma
determinada ortopedia sobre o comportamento de seus indivduos.
38
Pesquisa realizada no site localizado no endereo eletrnico
www.cgu.gov.br, em 6/5/2012, 12/12/2012 e 25/2/2013, por meio da
leitura das pginas resultantes da busca pelo termo impunidade no
servio busca, no contedo de todos os documentos listados nas sees
"Relatrios e Balanos" e "Cartilhas e Manuais" da pgina acessvel
pelo menu publicaes e no contedo das pginas acessveis pelas abas
Controle Interno, Preveno da Corrupo, Correio e Ouvidoria.
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40
discurso que o defende? O gerencialismo, enquanto estratgia
ideolgica do projeto neoliberal, tem mesmo como finalidade prtica o
combate corrupo?
A importncia do apontamento desta perspectiva terica reside no
fato de que a partir deste possvel que seja verificada a existncia
de estudos que indiquem possveis limitaes desta perspectiva
decorrentes das condies de sua produo (como orientaes ideolgicas),
limitaes estas que podem ser, na prtica, reproduzidas a partir de
sua teoria base.
Ou seja, demonstrar sobre esta prtica e quais foram suas bases
tericas, pode indicar que ela talvez tenha sido engendrada a partir
de uma lgica que buscava mais a uma determinada soluo, do que a
responder ao problema em si, afinal, como aponta Deleuze (2011, p.
229), uma soluo tem sempre a verdade que merece de acordo com o
problema a que ela corresponde; e o problema tem sempre a soluo que
merece de acordo com sua prpria verdade ou falsidade, isto de
acordo com seu sentido.
Finalizada a anlise da prtica do combate corrupo, conduzido pela
CGU, entre 2004 e 2011, o prximo captulo analisar os principais
marcos tericos sobre a corrupo e a possvel aderncia destes
ideologia neoliberal e ao programa gerencialista brasileiro dos
anos 1990.
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2 OS FUNDAMENTOS TERICOS DA CORRUPO, O PROGRAMA GERENCIALISTA E
A IDEOLOGIA NEOLIBERAL
Observada a prtica do combate corrupo conduzido pela CGU no
captulo anterior, este inicia a discusso sobre as principais
perspectivas tericas que estudam este fenmeno, caracterizando-as,
em especial a perspectiva do neo-institucionalismo econmico. Sobre
esta perspectiva, busca-se pela aplicao das categorias do
materialismo dialtico, levantam-se os elementos que sejam prprios
de sua viso sobre a corrupo, bem como das propostas de combate que
nela se baseiam e das limitaes que lhe so inerentes.
Posteriormente, busca-se analisar a relao entre esta perspectiva, a
ideologia neoliberal e o programa gerencialista brasileiro, por
meio da correspondncia entre seus pressupostos, valores e
estratgias de afirmao, bem como pela contemporaneidade na ascenso
deles.
2.1 AS PERSPECTIVAS TERICAS SOBRE A CORRUPO Como aponta
Filgueiras (2008b, p. 354) em seu trabalho sobre os marcos tericos
da
corrupo, a inexistncia de um consenso no pensamento poltico
ocidental sobre o que vem a ser a corrupo torna invivel que se
aponte a existncia de uma teoria poltica nica sobre este fenmeno,
sendo possvel apenas que se indique que h diferentes abordagens
deste problema de acordo com fins normativos especificados em
conceitos e categorias.
Destacando que o pensamento poltico no se organiza em teorias
tendo em vista somente a possibilidade descritiva dos conceitos que
as compem, mas tambm com o fito de proporcionar horizontes
normativos que estabeleam um dever-ser que d enfrentamento aos
problemas prticos que so seus objetos, Filgueiras (2008b, p. 354)
indica que, no sculo XX, as pesquisa sobre a corrupo se organizaram
em torno de duas grandes agendas que expressam opes por polticas,
no quadro internacional, marcando grandes paradigmas de construo do
conceito e da prtica da corrupo..
A primeira, que conforme indica aquele autor foi superada a
partir do final da dcada de 1980, aborda a corrupo a partir da
teoria da modernizao. Tendo como perspectiva