ALEXANDRE CARVALHO DE ARAÚJO CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel Juaris Weiss Gonçalves Rio de Janeiro 2013
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controle jurisdicional do ato administrativo disciplinar militar
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ALEXANDRE CARVALHO DE ARAÚJO
CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR MILITAR
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel Juaris Weiss Gonçalves
Rio de Janeiro 2013
C2013 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Araújo, Alexandre Carvalho de. Controle jurisdicional do ato administrativo disciplinar militar /
Alexandre Carvalho de Araújo. - Rio de Janeiro : ESG, 2013.
48 f.
Orientador: Cel Juaris Weiss Gonçalves. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2013.
No Estado Democrático de Direito a existência de um controle realizado pelo
Poder Judiciário sobre os atos emanados da Administração Pública é fundamental
para coibir possíveis arbitrariedades que a autoridade pública possa cometer no
exercício dos poderes administrativos.
Destarte, ao emanar atos administrativos disciplinares, assim como em
qualquer outra atividade administrativa, a autoridade pública deve se pautar pela
legalidade e pelos princípios da Administração Pública, sob pena de o ato ser
anulado pelo Poder Judiciário, segundo reza o ordenamento jurídico brasileiro.
Por outro lado, a independência e a harmonia dos Poderes, previstos na
Constituição Federal, exigem que se imponham limitações ao controle jurisdicional
do ato administrativo, seja disciplinar ou não.
Em consequência, há limitações quanto ao controle jurisdicional sobre atos
administrativos que, como no caso perquirido, tenham a finalidade específica de
aplicar uma punição ao militar, em decorrência de conduta por ele perpetrada, a qual
foi apurada e tipificada como transgressão disciplinar, punição esta resultante de um
processo instaurado e conduzido pela autoridade competente, no exercício do poder
administrativo disciplinar militar.
No âmbito militar há ainda uma particularidade quanto ao controle
jurisdicional, pois, ainda no exercício do poder disciplinar, há a possibilidade de a
autoridade militar aplicar uma punição ao transgressor que tenha por consequência
limitar a liberdade de locomoção do indivíduo, prisão disciplinar é o exemplo mais
característico, liberdade esta garantida constitucionalmente por meio do instituto
jurídico do habeas corpus.
Acontece, porém, que o artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal,
prescreve que “não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares
militares”. O dispositivo a princípio teria o condão de proibir a apreciação judicial de
punições disciplinares militares que cerceiam a liberdade de locomoção do
transgressor. Entretanto, constata-se que, mesmo com a vedação constitucional
expressa, há a impetração do instituto jurídico e a apreciação da punição disciplinar
militar pelo Poder Judiciário.
O problema a ser solucionado é revelar, a despeito da vedação
constitucional, se é aceitável o cabimento de habeas corpus em relação às punições
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disciplinares militares e, em caso afirmativo, encontrar a limitação do controle
jurisdicional do ato administrativo disciplinar militar.
Assim, o presente trabalho tem por objetivo geral solucionar o problema
acima exposto, por meio da análise da legislação e do entendimento doutrinário e
jurisprudencial no tocante à limitação do controle jurisdicional do ato administrativo
disciplinar militar, particularmente quando o Poder Judiciário é instado a se
manifestar em sede de habeas corpus impetrado contra punição disciplinar militar
cerceadora da liberdade de locomoção do transgressor.
A citada análise adquire importância na medida em que tem o potencial de
apontar aspectos jurídicos a serem observados pelas autoridades militares, a fim de
se evitar falhas nos processos disciplinares e consequentes demandas judiciais,
proporcionando maior segurança e estabilidade das decisões administrativas.
A hipótese a ser verificada como solução do problema repousa no
entendimento de que o artigo 142, parágrafo 2°, da Constituição Federal, não deve
ser interpretado literalmente, mas sistematicamente com os demais dispositivos e
princípios constitucionais, em especial os direitos e garantias fundamentais
individuais, restando cabível o habeas corpus em relação a punições disciplinares
militares com vistas ao controle jurisdicional do ato administrativo punitivo aplicado
pela autoridade militar, desde que a apreciação judicial verifique apenas aspectos
ligados à legalidade e aos princípios administrativos.
A fim de verificar a hipótese como solução do problema, desenvolver-se-á o
trabalho no sentido de destacar os princípios e dispositivos legais que limitam o
controle jurisdicional dos atos administrativos; no de descrever o processo disciplinar
militar; no de identificar os fundamentos da interpretação doutrinária e jurisprudencial
para o artigo 142, parágrafo 2°, da Constituição Federal. Ao final do
desenvolvimento deverá haver fundamentação suficiente para a confirmação ou não
da hipótese.
Como limitação do trabalho, a descrição do processo disciplinar militar
restringir-se-á àquele positivado no Regulamento Disciplinar do Exército, o qual
possui estrutura normativa de tipificação de conduta e de cominação de pena
semelhante às estruturas normativas positivadas nos regulamentos disciplinares das
demais Forças.
Como metodologia adotada, os resultados estarão fundamentados em
pesquisa realizada em legislação, bibliografia, tais como livros e artigos doutrinários,
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e documentos, tais como decisões retiradas de repositórios jurisprudenciais, sejam
impressos ou disponibilizados na rede mundial (internet).
Apresentar-se-á o desenvolvimento do trabalho em três capítulos.
O primeiro capítulo abordará o controle jurisdicional do ato administrativo.
Para tanto, a fim de apresentar uma base teórica e geral para solução do problema,
discorrer-se-á sobre os fundamentos do citado controle, quais sejam, o Estado
Democrático de Direito e a separação dos Poderes. Em seguida discorrer-se-á sobre
conceitos e princípios da Administração Pública e sobre aspectos do ato
administrativo. Evidenciar-se-á nesse ponto a oposição da supremacia do interesse
público em face da legalidade. Comentar-se-á sobre o sistema adotado no Brasil de
jurisdição única em decorrência da inafastabilidade do Poder Judiciário. Por fim,
discorrer-se-á sobre as limitações ao controle jurisdicional do ato administrativo e a
relação do tema com os conceitos jurídicos indeterminados, bem como com os
princípios da razoabilidade, moralidade administrativa, princípios gerais do direito e
supremacia do interesse público.
O segundo capítulo abordará o processo disciplinar militar. Para tanto,
apresentar-se-ão os conceitos de hierarquia e disciplina, base das Instituições
Militares. Em seguida, descrever-se-á o processo disciplinar segundo o regulamento
do Exército.
O terceiro capítulo abordará o habeas corpus. Para tanto, discorrer-se-á
sobre os fundamentos constitucional e legal deste instituto jurídico, bem como
processo, procedimento e exame de prova. Em seguida, apresentar-se-á o
entendimento sobre a plausibilidade de cabimento de habeas corpus em relação a
punições disciplinares militares, as limitações do controle jurisdicional, bem como a
competência para processar e julgar.
Por fim, a conclusão encerrará o trabalho onde se apresentarão
considerações finais sobre o assunto desenvolvido, revelar-se-á a confirmação ou
não da hipótese em face dos resultados obtidos, bem como serão oferecidas
recomendações e sugestões para aprimoramento do processo disciplinar militar.
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2 CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO
O objetivo deste capítulo é apresentar aspectos relacionados ao controle
jurisdicional do ato administrativo ou, em outras palavras, ato emanado da
Administração Pública. Faz-se mister estabelecer que no presente trabalho o termo
controle jurisdicional se refere àquele controle realizado pelo Poder Judiciário no
exercício da função judicial propriamente dita (função jurisdicional do Poder
Judiciário), ou seja, a possibilidade do Poder Judiciário de dizer o direito no caso
concreto por meio dos processos judiciais. Outrossim, o ato administrativo no
presente trabalho se refere àquele emanado pelo Poder Executivo no exercício da
função executiva propriamente dita (função administrativa do Poder Executivo).
O controle do Poder Judiciário sobre atos da Administração Pública decorre
da separação dos Poderes que, por sua vez, é um princípio que tem sua origem na
concepção do Estado de Direito, cujo conceito evoluiu desde a fase liberal até os
dias de hoje para consolidar o que se denomina Estado Democrático de Direito.
2.1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A instituição do Estado Democrático brasileiro está juridicamente
fundamentado, inicialmente, no preâmbulo da Constituição Federal (1988, p. 11).
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
O mesmo princípio constitucional volta a ser citado no artigo 1º da
Constituição Federal (1988, p. 13), estabelecendo que o Brasil constitui-se em
Estado Democrático de Direito.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
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Segundo Silva (2006, p. 112) o Estado de Direito era um conceito
tipicamente liberal caracterizado por postulados básicos, quais sejam, submissão ao
império da lei, divisão de poderes e enunciado e garantia dos direitos individuais.
Posteriormente o conceito liberal deu lugar ao conceito social de Estado de Direito
na medida em que este se volta precipuamente para a afirmação dos direitos
sociais. Dessas características infere-se que o Estado de Direito é aquela estrutura
política em que o exercício do poder por seus detentores está limitado pelas normas
do seu próprio ordenamento jurídico. Por sua vez, o Estado Democrático se funda no
princípio da soberania popular, isto é, a efetiva participação do povo nos assuntos
públicos. O Estado Democrático visa, assim, realizar o princípio do poder que emana
do povo como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. Por fim,
o Estado Democrático de Direito não é simplesmente a reunião formal de princípios
do Estado de Direito e Estado Democrático. Mais do que isso, O Estado
Democrático de Direito possui a tarefa fundamental de instaurar um regime
democrático que realize materialmente a justiça social.
2.2 SEPARAÇÃO DOS PODERES
A Constituição Federal (1988, p. 13) estabelece no artigo 2º os Poderes por
meio dos quais é manifestada a vontade estatal para consecução de seus objetivos.
É afirmado no mesmo dispositivo que os Poderes são independentes e harmônicos
entre si. É o princípio da separação de Poderes.
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Consagra a Constituição Federal (1988, p. 60) no artigo 60 a separação dos
Poderes como sendo cláusula pétrea, ou seja, norma constitucional estabelecida
pelo constituinte originário proibida de ser alterada pelo constituinte derivado.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] III - a separação dos Poderes;
Segundo Silva (2006, p. 106), na Constituição Federal as expressões “o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário” possuem duplo sentido, isto é, exprimem as
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funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos os
quais estão discriminados ao longo do texto da própria Constituição Federal. Quanto
à expressão “independentes e harmônicos entre si”, explica o autor seu significado
aduzindo primeiramente que, no exercício das atribuições que lhe sejam próprias,
não precisa o titular de um determinado Poder consultar o titular de outro nem
necessita de sua autorização. Porém, há uma faceta quanto à harmonia entre os
Poderes que torna essa independência relativa. Nesse diapasão o autor infere que
“há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e
contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e
indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e
especialmente dos governados”.
É exatamente a separação dos Poderes, entendido esse princípio como um
sistema de freios e contrapesos, que serve de fundamento para a existência do
controle do Poder Judiciário sobre os atos emanados da Administração Pública. Por
outro lado, é evidente que esse controle não pode ocorrer sem que haja limitações
ao Poder Judiciário. Para tanto, necessita-se perquirir conceitos e princípios da
Administração Publica.
2.3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública é a estrutura executiva do Estado para consecução
de seus objetivos. Por isso que o conceito de Administração Pública relaciona-se
com o conceito de Governo, porém dele difere essencialmente. Para Silva (2006,
p. 107) a vontade do Estado é vontade humana expressa por meio de seus órgãos,
os quais podem ser classificados em supremos (constitucionais) ou dependentes
(administrativos).
Os órgãos supremos possuem a incumbência do exercício do poder político,
cujo conjunto se denomina Governo ou órgãos governamentais. Os órgãos
dependentes não possuem a incumbência do exercício do poder político,
desempenham as suas funções através de agentes públicos em plano hierárquico
inferior, portanto são dependentes do Governo e seu conjunto se denomina
Administração Pública ou órgãos administrativos.
2.4 ATO ADMINISTRATIVO
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Segundo Meirelles (2001, p. 59) a Administração Pública não pratica atos de
governo, haja vista estes serem atos resultantes do exercício de faculdade de opção
política, mas tão-somente pratica atos de execução, com maior ou menor autonomia
funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. Esses atos são os
chamados atos administrativos.
Adverte ainda o autor que, apesar de a Administração Pública ser mero
instrumental de que dispõe o Estado para por em prática as opções políticas do
Governo, tem ainda a Administração Pública poder de decisão, porém somente na
área de sua atribuição e dentro dos limites legais de competência executiva. No
exercício do poder administrativo, o agente público se pauta pelos princípios que
regem a matéria.
A Constituição Federal (1988) dedica o Capítulo VII do Título III à
Administração Pública e explicita no artigo 37 os princípios que regem a matéria.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]
A Lei nº 9784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, explicita outros tantos
princípios no artigo 2º.
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da
Desses princípios faz-se mister, para fundamentar os limites do controle
jurisdicional do ato administrativo, confrontar principalmente o princípio da
supremacia do interesse público com o da legalidade.
2.5 SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E LEGALIDADE
Segundo Di Pietro (2001, p. 217), o direito administrativo nasceu e
desenvolveu-se baseado na oposição da supremacia do interesse público em face
da legalidade. É a bipolaridade do direito administrativo. Se por um lado os direitos
individuais devem ser protegidos diante do Estado, razão que serve de fundamento
ao princípio da legalidade, por outro a Administração Pública deve possuir
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prerrogativas e privilégios para alcançar a satisfação de interesses públicos, seja
para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo
(poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos. Se por um lado
protege-se a liberdade do indivíduo impondo restrições à Administração Pública, por
outro lado resguarda-se a autoridade da Administração Pública conferindo-lhe
prerrogativas.
Consequentemente, para proteger a liberdade do indivíduo, sujeita-se a
autoridade pública à observância da lei. É a aplicação à Administração Pública, do
princípio da legalidade. Da mesma forma, para resguardar a autoridade da
Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe conferidos
prerrogativas e privilégios que assegura a supremacia do interesse público sobre o
particular.
Nesse diapasão, Meirelles (2001, p. 80) afirma que os fins da Administração
Pública resumem-se num único objeto, qual seja, o bem comum da coletividade
administrada. Assim, o autor alerta que do princípio da supremacia do interesse
público decorre a indisponibilidade do interesse público, entendendo que a
Administração Pública não pode dispor nem renunciar a poderes que a lei lhe deu
para exercer a tutela do interesse público, pois o titular é o Estado e somente ele
poderá autorizar a Administração Pública a dispor ou renunciar de tal interesse.
Aduz ainda o autor que, como consequência da indisponibilidade do
interesse público, o poder do administrador público é insuscetível de renúncia pelo
seu titular e, por isso, reveste-se ao mesmo tempo do caráter de dever para com a
coletividade administrada. É o poder-dever de agir da autoridade pública que o deve
exercer na conformidade do princípio da legalidade.
Segundo Di Pietro (2001, p. 60) no direito brasileiro o princípio da legalidade
é imposto à Administração Pública no artigo 37, caput, da Constituição Federal, e
completa-se com a regra do artigo 5º, inciso II, segundo a qual “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Observa a
autora que o primeiro dispositivo não define o conteúdo do princípio, porém o
segundo dispositivo tem um conteúdo muito preciso, que impede a Administração de
impor obrigações ou proibições por iniciativa própria, isto é, para fazê-lo depende de
fundamento legal.
Meirelles (2001, p. 82) afirma que o princípio insculpido no caput do artigo
37, da Constituição Federal, significa que o administrador público está, em toda a
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sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem
comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido.
Essa afirmação dá ensejo à máxima de que a Administração Pública só pode fazer o
que a lei permite, enquanto o particular pode fazer tudo que a lei não proíbe.
Infere-se da assertiva do autor que o princípio da legalidade deve então ser
visto no sentido amplo do conceito. De fato, a Lei nº 9784, de 29 de janeiro de 1999,
estabelece no inciso I do parágrafo único do artigo 2º que nos processos
administrativos serão observados, entre outros, os critérios de atuação do
administrador público conforme a lei e o Direito, isto é, legalidade significa observar
não só a lei no sentido estrito, mas também a conformação da atuação do
administrador público aos princípios administrativos.
A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. É o que diz o inc. I do parágrafo único do art. 2º da Lei 9.784/99. Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme à lei, a legalidade significa, igualmente, a observância dos princípios administrativos. (MEIRELLES, p. 82).
Mais adiante Meirelles (2001, p. 83) apresenta o conceito de legitimidade:
Além de atender à legalidade, o ato do administrador público deve conformar-se com a moralidade e a finalidade administrativas para dar plena legitimidade à sua atuação. Administração legítima só é aquela que se reveste de legalidade e probidade administrativas, no sentido de que tanto atende às exigências da lei como se conforma com os preceitos da instituição pública.
Infringindo as normas legais ou os princípios, o agente público vicia o ato
administrativo de ilegitimidade e tem por consequência sujeitá-lo à anulação pela
própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.
2.6 JURISDIÇÃO ÚNICA
Além do princípio constitucional da separação de poderes, o controle
jurisdicional do ato administrativo tem fundamento também no artigo 5º, inciso
XXXV, da Constituição Federal, o qual estabelece que “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direitos”, conhecido como
princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.
Em decorrência também da separação de poderes e da inafastabilidade do
Poder Judiciário é que se afirma que o Brasil adotou o sistema de jurisdição única. O
outro sistema conhecido é denominado contencioso administrativo. Neste, somente
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a Administração Pública pode rever seus atos e decidir de forma definitiva, fazendo
destarte coisa julgada, vedada a interferência do Poder Judiciário. Diferentemente
do contencioso administrativo, na jurisdição única, todos os interesses, quer do
administrado, quer da Administração Pública, se sujeitam a uma única jurisdição
definitiva: a do Poder Judiciário. Meirelles (2001, p. 52) esclarece que isso não
significa que se negue à Administração Pública o poder de decisão, o que se lhe
nega é o caráter de decisão definitiva, a qual é própria das decisões judiciais que
fazem coisa julgada.
2.7 LIMITAÇÕES AO CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO
O controle jurisdicional do ato administrativo tem por limitação a legalidade e
a legitimidade do ato administrativo, sendo vedado ao Poder Judiciário pronunciar-se
sobre o mérito, substituindo-se à Administração Pública, em face do fundamento
constitucional da separação de Poderes.
A competência do Judiciário para a revisão de atos administrativos restringe-se ao controle da legalidade e da legitimidade do ato impugnado. Por legalidade entende-se a conformidade do ato com a norma que o rege; por legitimidade entende-se a conformidade com os princípios básicos da Administração Pública, em especial os do interesse público, da moralidade, da finalidade e da razoabilidade, indissociáveis de toda atividade pública. [...]. O que não se permite ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judicial. (MEIRELLES, 2001, p. 666).
Porém, em relação ao mérito do ato administrativo, Meirelles (2001, p. 146)
observa inicialmente que é um conceito de difícil fixação, porém não deixa o autor de
esclarecer que se consubstancia na valoração dos motivos e na escolha do objeto
do ato, feitas pela Administração Pública, porém somente quando está autorizada a
decidir sobre oportunidade, conveniência ou justiça do ato a realizar.
Neste caso, está o administrador público exercendo o poder discricionário ao
valorar motivos e escolhendo o objeto do ato a ser produzido. Em contraposição, há
atos vinculados em que a Administração Pública, ao atuar, tão-somente atende
imposições legais para produzi-los. Nas lições de Di Pietro (2001, p. 66):
[...] hipótese em que se diz que o poder da Administração é vinculado, porque a lei não deixa opções; ela estabelece que, diante de determinados pressupostos, a Administração deve agir de tal ou qual forma. [...]. Em outras hipóteses, o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa; a lei deixa certa margem de liberdade de decisão diante do caso concreto, de tal modo que a autoridade poderá optar por uma dentre
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várias soluções possíveis, todas válidas perante o direito. Nesses casos, o poder da Administração é discricionário, porque a adoção de uma ou outra solução é baseada em critérios de mérito [...].
Mais restrito quanto à margem de liberdade de decisão, Mello (2006, p. 48)
conceitua discricionariedade ressaltando que a adoção da solução pelo
administrador público deve ser baseada também em critérios de razoabilidade para
consecução da finalidade legal:
Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.
Então, no exercício do poder discricionário o administrador público, diante
das soluções possíveis, todas válidas perante o direito, tem o dever de adotar a
solução mais adequada à satisfação da finalidade legal. Mello (2006, p. 15) afirma
que há na verdade um dever discricionário:
Tomando-se consciência deste fato, deste caráter funcional da atividade administrativa (por isto se diz “função administrativa”), desta necessária submissão da administração à lei, percebe-se que o chamado “poder discricionário” tem que ser simplesmente o cumprimento do dever de alcançar a finalidade legal. Só assim poderá ser corretamente entendido e dimensionado, compreendendo-se, então, que o que há é um dever discricionário, antes que um “poder discricionário”. Uma vez assentido que os chamados poderes são meros veículos instrumentais para propiciar ao obrigado cumprir o seu dever, ter-se-á da discricionariedade, provavelmente, uma visão totalmente distinta daquela que habitualmente se tem.
Observa o autor que, em face do dever de adotar a solução mais adequada,
o Poder Judiciário deve apreciar o ato administrativo, com vistas ao seu controle,
ainda que haja discricionariedade outorgada pela lei ao administrado público:
Em suma: casos haverá em que, para além de qualquer dúvida, qualquer sujeito em uma intelecção normal, razoável (e assim, também a fortiori, o Judiciário) poderá concluir que, apesar da discrição outorgada pela norma, em face de seus termos e da finalidade que anima, dada situação ocorrida não comportava senão uma determinada providência, ou então que, mesmo comportando mais de uma, certamente não era aquela que foi tomada. (MELLO, 2006, p. 41).
O autor ressalta ainda que o Poder Judiciário não deve adentrar questão de
mérito do ato administrativo, pois, neste caso, se apresentam ao administrador mais
de uma solução que atendem a finalidade legal e, consequentemente torna-se
impossível ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada:
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Sem dúvida, perante inúmeros casos concretos (a maioria, possivelmente) caberão dúvidas sobre a decisão ideal e opiniões divergentes poderão irromper, apresentando-se como razoáveis e perfeitamente admissíveis. Nestas hipóteses a decisão do administrador haverá de ser tida como inatacável, pois corresponderá a uma opção de mérito; [...]. (MELLO, 2006, p. 40).
Quanto ao conceito de mérito, aduz o autor que:
Mérito é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada. (MELLO, 2006, p. 38).
Nesse diapasão, Meirelles (2001, p. 666) afirma que o controle jurisdicional
do ato administrativo é exato para os atos vinculados ou regrados, porém não é
menos aplicável aos atos discricionários da Administração Pública.
Nos atos discricionários, aduz o autor, há maior liberdade no modo e
momento de sua prática, porém essa característica não fornece ao agente público o
direito de agir arbitrariamente, seja atuando além de sua competência, seja atuando
contrariamente a princípios administrativos, porquanto, nesses casos, está
caracterizado o abuso de poder.
O abuso de poder é conceituado por Meirelles (2001, p. 102) em termos de
ocorrência quando a autoridade, embora competente para praticar o ato
administrativo, ultrapassa o limite de suas atribuições ou se desvia das finalidades
administrativas.
Para fins didáticos, o abuso de poder reparte-se respectivamente em duas
espécies: excesso de poder e desvio da finalidade. Assim é que o Poder Judiciário
pode anular não só o ato praticado por agente público fora de sua competência, ou
além dela, pois neste caso o agente incorre no excesso de poder, como também o
ato que desatenda aos princípios administrativos, pois neste caso o agente incorre
no desvio do poder.
2.7.1 Conceito jurídico indeterminado
Vezes há que o administrador público se depara com textos legais ou
regulamentares nos quais a hipótese da norma (pressuposto de direito) contem
noções vagas expressos em vocábulos plurissignificativos, de significados
indeterminados, imprecisos, fluidos, que possibilitam a apreciação do fato concreto
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(pressuposto de fato) segundo valoração da própria autoridade competente para
emanar o ato administrativo. São os conceitos jurídicos indeterminados ou conceitos
imprecisos.
A expressão conceito jurídico indeterminado, embora bastante criticável, ficou consagrada na doutrina de vários países, como Alemanha, Itália, Portugal, Espanha e, mais recentemente, no Brasil, sendo empregada para designar vocábulos ou expressões que não têm um sentido preciso, objetivo, determinado, mas que são encontrados com grande frequência nas normas jurídicas dos vários ramos do direito. Fala-se em boa fé, bem comum, conduta irrepreensível, pena adequada, interesse público, ordem pública, notório saber, notória especialização, moralidade, razoabilidade e tantos outros. (DI PIETRO, 2001, p. 97)
O conceito jurídico indeterminado possui características de significação
abstrata que varia no tempo e no espaço de acordo com as necessidades coletivas,
bem como deve ser perquirida pelo administrador público, seja pela adequada
interpretação, quando possível extrair determinada significação da norma legal ou
regulamentar, seja pelo exercício do poder discricionário, quando mais de uma
significação for possível de ser extraída da norma, desde que sempre pautado pelos
princípios administrativos, em especial a razoabilidade.
Em suma muitas vezes – exatamente porque o conceito é fluido – é impossível contestar a possibilidade de conviverem intelecções diferentes, sem que, por isto, uma delas tenha havida como incorreta, desde que quaisquer delas sejam igualmente razoáveis. (MELLO, 2006, p. 23).
Seja o ato administrativo produzido por meio de interpretação ou por meio de
discricionariedade do agente público quando diante da norma contendo conceito
jurídico indeterminado, é evidente que este ato está sujeito ao controle do Poder
Judiciário para que este verifique se a atuação do agente se pautou pela legalidade
e pelos princípios administrativos, isto é, se o agente não cometeu desvio de
finalidade na subsunção do caso concreto à norma.
Induvidosamente, havendo litígio sobre a correta subsunção do caso concreto a um suposto legal descrito mediante conceito indeterminado, caberá ao Judiciário conferir se a Administração, ao aplicar a regra, se manteve no campo significativo de sua aplicação ou se o desconheceu. Verificado, entretanto, que a Administração se firmou em uma intelecção perfeitamente cabível, ou seja, comportada pelo conceito ante o caso concreto – ainda que outra também pudesse sê-lo – desassistirá ao Judiciário assumir est’outra, substituindo o juízo administrativo pelo seu próprio. (MELLO, 2006, p. 24).
Observa-se que os conceitos jurídicos indeterminados são utilizados pelo
legislador na concepção dos pressupostos de direito por ser impossível prever todos
os pressupostos de fato que possam subsumir aos primeiros. Assim é que o
legislador atribui ao administrador público, por meio de normas contendo conceitos
19
jurídicos indeterminados, a incumbência de interpretar esses conceitos segundo
entendimento aceito pela coletividade, bem como, no caso de mais de uma
possibilidade possível e válida para o direito, utilizar os critérios de oportunidade e
conveniência, à luz da razoabilidade, e desta forma encontrar a solução mais
adequada e atender às necessidades coletivas as quais estão em constante
evolução.
Em relação ao ato administrativo disciplinar, encontram-se conceitos
jurídicos indeterminados nas hipóteses das normas que descrevem condutas ilícitas
do direito administrativo disciplinar sancionador, tanto nos regulamentos disciplinares
de servidores civis quanto nos regulamentos disciplinares militares. Exige-se, nestes
casos, especial atenção da autoridade competente para apurar a transgressão
disciplinar e aplicar a correspondente sanção, pois deve considerar todas as
razoáveis possibilidades de interpretação do conceito jurídico indeterminado e
subsumir o fato à norma.
2.7.2 Princípios
Di Pietro (2001, p. 233) cita os princípios da razoabilidade, moralidade
administrativa, princípios gerais do direito e supremacia do interesse público como
princípios de origem pretoriana que foram acolhidos pela Constituição Federal e que
ampliam o controle jurisdicional do ato administrativo.
O princípio da razoabilidade [...] permite ao Poder Judiciário invalidar, por inconstitucionalidade, leis e atos administrativos cujo conteúdo contenha discriminações injustificadas ou medidas que não guardem relação ou proporção com os fins objetivados pelo legislador. [...] O princípio da moralidade administrativa [...] exige da Administração Pública comportamentos compatíveis com o interesse público que lhe cumpre tutelar, voltados para os ideais expressos, agora, de forma muito nítida, no preâmbulo da Constituição; a moralidade tem que estar não só na intenção do agente, mas também e principalmente no próprio objeto do ato e na interpretação que da lei faça o Administrador para aplica-la aos casos concretos. (DI PIETRO, 2001, p. 233).
Quanto aos princípios gerais do direito, positivados ou não, a autora aduz
que há casos em que estes princípios podem reduzir a margem de opções do
administrador público no exercício do poder discricionário citando, como exemplo, a
aplicação do princípio do devido processo legal.
20
Quanto ao princípio da supremacia do interesse público, já abordado
anteriormente, a autora aduz que a Administração Pública só pode atender aos
interesses dos entes que exercem função administrativa quando não conflitarem
com os interesses da coletividade.
Esses princípios exigem que a ação do Poder Judiciário não se limite ao
exame puramente formal da lei e do ato administrativo, mas que se amplie ao exame
da atuação da autoridade administrativa conforme a lei e o Direito.
21
3 PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR
O objetivo deste capítulo é apresentar os princípios da hierarquia e da
disciplina, bem como descrever o processo disciplinar militar no âmbito do Exército
Brasileiro.
3.1 HIERARQUIA E DISCIPLINA
Os princípios basilares das Instituições Militares são a hierarquia e a
disciplina assim expressas na Constituição Federal (1988, p. 99):
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
A Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos
Militares, traz as definições de hierarquia militar e disciplina:
Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico. § 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à seqüência de autoridade. § 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.
O Decreto nº 4.346, de 26 de agosto de 2002, que aprova o Regulamento
Disciplinar do Exército (R-4 ou, em sua sigla mais utilizada, RDE) e dá outras
providências, repete literalmente as definições estabelecidas no Estatuto dos
Militares e acrescenta que são manifestações essenciais de disciplina a correção de
atitudes, a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos, a dedicação
integral ao serviço e a colaboração espontânea para a disciplina coletiva e a
eficiência das Forças Armadas.
3.2 DESCRIÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR MILITAR
22
O processo disciplinar militar é espécie do gênero processo administrativo,
porém reveste-se de características próprias decorrentes da finalidade de apuração
de transgressão disciplinar e do âmbito de aplicação da punição disciplinar, qual
seja, âmbito militar.
A Lei nº 9784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabelece no artigo 69
que os processos administrativos específicos, e o processo disciplinar militar é
específico pela sua finalidade e pelo seu âmbito de aplicação, continuarão a reger-
se por lei própria, aplicando-se ao processo específico apenas subsidiariamente os
preceitos daquela Lei.
O arcabouço legal que fundamenta o processo disciplinar militar é a
Constituição Federal, o Estatuto dos Militares e o Regulamento Disciplinar do
Exército.
A Constituição Federal (1988, p. 19), no artigo 5º, inciso LXI, ao preconizar
que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada de autoridade judiciária competente, ressalva os casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, e delega aos diplomas legais a
incumbência de defini-los.
No caso da incumbência de definição das transgressões militares, o diploma
legal primeiro é a Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o
Estatuto dos Militares. Porém, observa-se no artigo 42 que o Estatuto, por sua vez,
delega essa incumbência a outros diplomas legais, no momento em que preconiza
que a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime,
contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou
regulamentação específicas. Observando mais além, percebe-se que o Estatuto
delega a incumbência de definir, colocados em termos de especificar e classificar, as
transgressões disciplinares militares aos regulamentos disciplinares das Forças
Armadas.
Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.
23
Da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal verifica-se que o
estabelecido no artigo 47 do Estatuto dos Militares suscitou questionamentos sobre
a constitucionalidade do RDE, porém a questão não foi julgada no mérito.
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto no 4.346/2002 e seu Anexo I, que estabelecem o Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro e versam sobre as transgressões disciplinares. 2. Alegada violação ao art. 5o, LXI, da Constituição Federal. 3. Voto vencido (Rel. Min. Marco Aurélio): a expressão ("definidos em lei") contida no art. 5o, LXI, refere-se propriamente a crimes militares. 4. A Lei no 6.880/1980 que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, no seu art. 47, delegou ao Chefe do Poder Executivo a competência para regulamentar transgressões militares. Lei recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Improcedência da presente ação. 5. Voto vencedor (divergência iniciada pelo Min. Gilmar Mendes): cabe ao requerente demonstrar, no mérito, cada um dos casos de violação. Incabível a análise tão-somente do vício formal alegado a partir da formulação vaga contida na ADI. 6. Ausência de exatidão na formulação da ADI quanto às disposições e normas violadoras deste regime de reserva legal estrita. 7. Dada a ausência de indicação pelo decreto e, sobretudo, pelo Anexo, penalidade específica para as transgressões (a serem graduadas, no caso concreto) não é possível cotejar eventuais vícios de constitucionalidade com relação a cada uma de suas disposições. Ainda que as infrações estivessem enunciadas na lei, estas deveriam ser devidamente atacadas na inicial. 8. Não conhecimento da ADI na forma do artigo 3º da Lei no 9.868/1999. 9. Ação Direta de Inconstitucionalidade não-conhecida. (ADI 3340, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005, DJ 09-03-2007 PP-00025 EMENT VOL-02267-01 PP-00089)
Assim sendo, no artigo 1º o RDE estabelece as finalidades daquele
regulamento disciplinar, em consonância com o mandamento legal.
Art. 1o O Regulamento Disciplinar do Exército (R-4) tem por finalidade
especificar as transgressões disciplinares e estabelecer normas relativas a punições disciplinares, comportamento militar das praças, recursos e recompensas.
No artigo 2º o RDE estabelece o âmbito de aplicação de suas disposições
regulamentares.
Art. 2o Estão sujeitos a este Regulamento os militares do Exército na ativa,
na reserva remunerada e os reformados. § 1
o Os oficiais-generais nomeados ministros do Superior Tribunal Militar
são regidos por legislação específica. § 2
o O militar agregado fica sujeito às obrigações disciplinares
concernentes às suas relações com militares e autoridades civis.
Quanto à finalidade de especificar as transgressões disciplinares (e também
de classificar, conforme ordena o Estatuto), o RDE inicialmente conceitua o que é
transgressão disciplinar no artigo 14.
Art. 14. Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à etica, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação
24
elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.
Posteriormente, no artigo 15, o RDE especifica as transgressões
disciplinares como sendo as ações elencadas no Anexo I daquele Regulamento.
Quanto à finalidade de estabelecer normas relativas a punições
disciplinares, o RDE estabelece em vários de seus dispositivos o procedimento a ser
seguido quando da instauração de um processo administrativo disciplinar.
Depreende-se dos dispositivos a preocupação do legislador em balizar o RDE nos
princípios institucionais da hierarquia e da disciplina, nos princípios da Administração
Publica, bem como garantir ao suposto transgressor todas as oportunidades de
exercer e seu direito de contraditório e ampla defesa.
A notícia de ocorrência de transgressão disciplinar pode ser dada por todo
militar que tiver conhecimento de fato contrário à disciplina. Este deverá participá-lo
ao seu chefe imediato, por meio de documento escrito claro, preciso e conciso,
qualificar os envolvidos e as testemunhas e discriminar bens e valores. O local, data
e hora da ocorrência devem ser precisos e as circunstâncias que envolverem o fato
devem ser caracterizadas sem que sejam tecidos comentários ou emitidas opiniões
pessoais.
A autoridade, a quem a parte disciplinar é dirigida, deve dar a solução no
prazo máximo de oito dias úteis, devendo, obrigatoriamente, ouvir as pessoas
envolvidas, obedecidas as demais prescrições regulamentares. Caso não seja
possível solucionar a questão no prazo de oito dias úteis, o motivo disto deverá ser
publicado em boletim e, neste caso, o prazo será prorrogado para trinta dias úteis.
Ao fim do prazo a autoridade, se for a competente para tal, deve decidir pela
instauração do processo disciplinar ou não. Se não for a autoridade competente para
tal, deve encaminhar ao superior imediato. Se não for o caso de instauração de
processo disciplinar, deve verificar ainda se o fato enseja a instauração de inquérito
ou sindicância.
Quanto à competência para a aplicação, o RDE estabelece que é definida
pelo cargo e não pelo grau hierárquico.
Art. 10. A competência para aplicar as punições disciplinares é definida pelo cargo e não pelo grau hierárquico, sendo competente para aplicá-las: I - o Comandante do Exército, a todos aqueles que estiverem sujeitos a este Regulamento; e II - aos que estiverem subordinados às seguintes autoridades ou servirem sob seus comandos, chefia ou direção:
25
a) Chefe do Estado-Maior do Exército, dos órgãos de direção setorial e de assessoramento, comandantes militares de área e demais ocupantes de cargos privativos de oficial-general; b) chefes de estado-maior, chefes de gabinete, comandantes de unidade, demais comandantes cujos cargos sejam privativos de oficiais superiores e comandantes das demais Organizações Militares - OM com autonomia administrativa; c) subchefes de estado-maior, comandantes de unidade incorporada, chefes de divisão, seção, escalão regional, serviço e assessoria; ajudantes-gerais, subcomandantes e subdiretores; e d) comandantes das demais subunidades ou de elementos destacados com efetivo menor que subunidade.
Uma vez decidindo a autoridade competente pela instauração do processo
disciplinar, ela deverá seguir o procedimento preconizado pelo RDE, descrito a
seguir. Este procedimento foi concebido pelo legislador a fim de padronizar a
apuração de transgressões disciplinares, tendo em vista assegurar ao suposto
transgressor o direito do contraditório e da ampla defesa, bem como auxiliar a
autoridade competente na tomada de decisão justa, serena e imparcial, referente à
aplicação de punição disciplinar.
Art. 35. O julgamento e a aplicação da punição disciplinar devem ser feitos com justiça, serenidade e imparcialidade, para que o punido fique consciente e convicto de que ela se inspira no cumprimento exclusivo do dever, na preservação da disciplina e que tem em vista o benefício educativo do punido e da coletividade. § 1º Nenhuma punição disciplinar será imposta sem que ao transgressor sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, inclusive o direito de ser ouvido pela autoridade competente para aplicá-la, e sem estarem os fatos devidamente apurados. § 2º Para fins de ampla defesa e contraditório, são direitos do militar: I - ter conhecimento e acompanhar todos os atos de apuração, julgamento, aplicação e cumprimento da punição disciplinar, de acordo com os procedimentos adequados para cada situação; II - ser ouvido; III - produzir provas; IV - obter cópias de documentos necessários à defesa; V - ter oportunidade, no momento adequado, de contrapor-se às acusações que lhe são imputadas; VI - utilizar-se dos recursos cabíveis, segundo a legislação; VII - adotar outras medidas necessárias ao esclarecimento dos fatos; e VIII - ser informado de decisão que fundamente, de forma objetiva e direta, o eventual não-acolhimento de alegações formuladas ou de provas apresentadas. § 3º O militar poderá ser preso disciplinarmente, por prazo que não ultrapasse setenta e duas horas, se necessário para a preservação do decoro da classe ou houver necessidade de pronta intervenção.
O procedimento se inicia com a entrega do Formulário de Apuração de
Transgressão Disciplinar (FATD), conforme modelo previsto no RDE, ao militar
arrolado como suposto transgressor. A partir de então o militar arrolado terá três dias
26
úteis para apresentar por escrito (de próprio punho ou impresso) e assinado, suas
alegações de defesa.
Este prazo para a apresentação das alegações de defesa pode ser
prorrogado justificadamente conforme discricionariedade da autoridade competente,
em caráter excepcional, sem comprometer a eficácia e a oportunidade da ação
disciplinar. Pode ser concedido, ainda, pela mesma autoridade, prazo para que o
interessado possa produzir as provas que julgar necessárias à sua defesa.
As justificativas ou razões de defesa serão apresentadas por escrito, de
próprio punho ou impresso, de forma sucinta, objetiva e clara, sem conter
comentários ou opiniões pessoais e com menção de eventuais testemunhas. Se
desejar, o suposto transgressor poderá anexar documentos que comprovem suas
razões de defesa e aporá sua assinatura e seus dados de identificação. Pode ainda
ocorrer de o suposto transgressor não desejar apresentar razões defesa. Neste
caso, deverá manifestar esta intenção, de próprio punho. Se o militar não
apresentar, dentro do prazo, as razões de defesa e não manifestar a intenção de
não apresenta-las, a autoridade que estiver conduzindo a apuração do fato
certificará no FATD, juntamente com duas testemunhas, que o prazo para
apresentação de defesa foi concedido, mas o militar permaneceu inerte.
Cumpridas as etapas anteriores, a autoridade competente para aplicar a
punição concluirá pela procedência ou não das acusações e das alegações de
defesa. Uma vez a autoridade competente concluindo pela procedência das
acusações, ela julgará a transgressão com base em análise que considere a pessoa
do transgressor, as causas que a determinaram, a natureza dos fatos ou atos que a
envolveram e as consequências que dela possam advir.
Para tanto, o RDE elenca causas que justificam a falta e circunstâncias que
atenuam ou a agravam a pena que devem ser levadas em conta no julgamento.
Art. 18. Haverá causa de justificação quando a transgressão for cometida: I - na prática de ação meritória ou no interesse do serviço, da ordem ou do sossego público; II - em legítima defesa, própria ou de outrem; III - em obediência a ordem superior; IV - para compelir o subordinado a cumprir rigorosamente o seu dever, em caso de perigo, necessidade urgente, calamidade pública, manutenção da ordem e da disciplina; V - por motivo de força maior, plenamente comprovado; e VI - por ignorância, plenamente comprovada, desde que não atente contra os sentimentos normais de patriotismo, humanidade e probidade. Parágrafo único. Não haverá punição quando for reconhecida qualquer causa de justificação. Art. 19. São circunstâncias atenuantes:
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I - o bom comportamento; II - a relevância de serviços prestados; III - ter sido a transgressão cometida para evitar mal maior; IV - ter sido a transgressão cometida em defesa própria, de seus direitos ou de outrem, não se configurando causa de justificação; e V - a falta de prática do serviço. Art. 20. São circunstâncias agravantes: I - o mau comportamento; II - a prática simultânea ou conexão de duas ou mais transgressões; III - a reincidência de transgressão, mesmo que a punição anterior tenha sido uma advertência; IV - o conluio de duas ou mais pessoas; V - ter o transgressor abusado de sua autoridade hierárquica ou funcional; e VI - ter praticado a transgressão: a) durante a execução de serviço; b) em presença de subordinado; c) com premeditação; d) em presença de tropa; e e) em presença de público.
Segundo esses critérios e desde que não haja causa de justificação, a
autoridade a qual couber aplicar a pena deve classificar a transgressão disciplinar
em leve, média e grave, sendo que será sempre classificada como "grave" a
transgressão disciplinar que constituir ato que afete a honra pessoal, o pundonor
militar ou o decoro da classe.
Art. 6o Para efeito deste Regulamento, deve-se, ainda, considerar:
I - honra pessoal: sentimento de dignidade própria, como o apreço e o respeito de que é objeto ou se torna merecedor o militar, perante seus superiores, pares e subordinados; II - pundonor militar: dever de o militar pautar a sua conduta como a de um profissional correto. Exige dele, em qualquer ocasião, alto padrão de comportamento ético que refletirá no seu desempenho perante a Instituição a que serve e no grau de respeito que lhe é devido; e III - decoro da classe: valor moral e social da Instituição. Ele representa o conceito social dos militares que a compõem e não subsiste sem esse.
O RDE acolhe a tese de que a pena tem caráter de resposta institucional à
sociedade, quanto à preservação dos preceitos constitucionais da hierarquia militar e
disciplina castrense, por meio da punição ao transgressor disciplinar (caráter
repreensivo da pena). Observa-se também que o RDE tem como crença a
recuperação disciplinar do transgressor (caráter educativo da pena) e a prevenção
contra nova ocorrência do fato (caráter preventivo da pena), na medida em que
preconiza que a punição disciplinar deve ter em vista o benefício educativo ao
punido e à coletividade a que ele pertence.
Nesse diapasão, uma vez classificada a transgressão, a autoridade
competente deve estabelecer a punição disciplinar ao transgressor dentre as que
estão sujeitos os militares, quais sejam, em ordem de gravidade crescente: a
28
advertência, o impedimento disciplinar, a repreensão, a detenção disciplinar, a prisão
disciplinar, o licenciamento e a exclusão a bem da disciplina. Advertência é a forma
mais branda de punir, consistindo em admoestação feita verbalmente ao
transgressor, em caráter reservado ou ostensivo. Impedimento disciplinar é a
obrigação de o transgressor não se afastar da OM, sem prejuízo de qualquer serviço
que lhe competir dentro da unidade em que serve. Repreensão é a censura enérgica
ao transgressor, feita por escrito e publicada em boletim interno. Detenção disciplinar
é o cerceamento da liberdade do punido disciplinarmente, o qual deve permanecer
no alojamento da subunidade a que pertencer ou em local que lhe for determinado
pela autoridade que aplicar a punição disciplinar. Prisão disciplinar consiste na
obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado
para tal. Licenciamento e exclusão a bem da disciplina consistem no afastamento, ex
officio, do militar das fileiras do Exército, conforme prescrito no Estatuto dos
Militares.
Para tanto, a autoridade competente deve pautar-se nas normas de
dosimetria da pena preconizadas pelo RDE, dentre as quais a punição disciplinar
deve ser proporcional à gravidade da transgressão, dentro de determinados limites:
para a transgressão leve, de advertência até dez dias de impedimento disciplinar,
inclusive; para a transgressão média, de repreensão até a detenção disciplinar; e
para a transgressão grave, de prisão disciplinar até o licenciamento ou exclusão a
bem da disciplina. O RDE estabelece que as punições disciplinares de detenção e
prisão disciplinar não podem ultrapassar trinta dias e a de impedimento disciplinar,
dez dias.
O RDE estabelece ainda, no Anexo III, a punição disciplinar máxima que
cada autoridade pode aplicar ao transgressor. Observa-se que a aplicação da
punição classificada como "prisão disciplinar" somente pode ser efetuada pelo
Comandante do Exército ou comandante, chefe ou diretor de OM.
Diante de todas essas normas para dosar a punição que será imposta ao
transgressor, verifica-se que o RDE relaciona as transgressões disciplinares no
Anexo I sem fazer menção à sua gravidade, deixando, portanto, totalmente à
autoridade competente julgar, abstrata e subjetivamente, se a descrição se refere a
uma transgressão leve, média ou grave.
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Após ouvir o militar e julgar suas justificativas ou razões de defesa, a
autoridade competente lavrará no FATD, de próprio punho, sua decisão, a qual será
publicada em Boletim Interno, encerrando o processo de apuração.
Uma vez distribuído o Boletim Interno da OM a que pertence o transgressor,
publicando a aplicação da punição disciplinar e especificando as datas de início e
término, dar-se-á o início do cumprimento de punição disciplinar. Nenhum militar
deve ser recolhido ao local de cumprimento da punição disciplinar antes da
distribuição do boletim que publicar a nota de punição. No caso das punições
disciplinares que cerceiam a liberdade do transgressor, a contagem do tempo de
cumprimento da punição disciplinar tem início no momento em que o punido for
impedido, detido ou recolhido à prisão e termina quando for posto em liberdade. O
militar poderá ser preso disciplinarmente, por prazo que não ultrapasse setenta e
duas horas, se necessário para a preservação do decoro da classe ou houver
necessidade de pronta intervenção.
Contra o ato da autoridade competente que aplicar a punição disciplinar
podem ser impetrados os recursos regulamentares peculiares do Exército. São
recursos cabíveis segundo o RDE o pedido de reconsideração de ato e o recurso
disciplinar. Ressalta-se que a tramitação destes recursos deve ter tratamento de
urgência em todos os escalões. É também importante ressaltar que não só o militar
que se julgue, mas também aquele que julgue subordinado seu, prejudicado,
ofendido ou injustiçado por superior hierárquico tem o direito de recorrer na esfera
disciplinar.
Com relação ao recurso de reconsideração de ato, preconiza o RDE que:
Art. 53. Cabe pedido de reconsideração de ato à autoridade que houver proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado. § 1º Da decisão do Comandante do Exército só é admitido o pedido de reconsideração de ato a esta mesma autoridade. § 2º O militar punido tem o prazo de cinco dias úteis, contados a partir do dia imediato ao que tomar conhecimento, oficialmente, da publicação da decisão da autoridade em boletim interno, para requerer a reconsideração de ato. § 3º O requerimento com pedido de reconsideração de ato de que trata este artigo deverá ser decidido no prazo máximo de dez dias úteis, iniciado a partir do dia imediato ao do seu protocolo na OM de destino. § 4º O despacho exarado no requerimento de pedido de reconsideração de ato será publicado em boletim interno.
Preconiza ainda o RDE, sobre o recurso de reconsideração de ato, que o
militar que o requerer, se necessário para preservação da hierarquia e disciplina,
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poderá ser afastado da subordinação direta da autoridade contra quem formulou o
recurso disciplinar, até que seja ele julgado.
Com relação ao recurso disciplinar, preconiza o RDE que:
Art. 54. É facultado ao militar recorrer do indeferimento de pedido de reconsideração de ato e das decisões sobre os recursos disciplinares sucessivamente interpostos. § 1º O recurso disciplinar será dirigido, por intermédio de requerimento, à autoridade imediatamente superior à que tiver proferido a decisão e, sucessivamente, em escala ascendente, às demais autoridades, até o Comandante do Exército, observado o canal de comando da OM a que pertence o recorrente. § 2º O recurso disciplinar de que trata este artigo poderá ser apresentado no prazo de cinco dias úteis, a contar do dia imediato ao que tomar conhecimento oficialmente da decisão recorrida. § 3º O recurso disciplinar deverá: I - ser feito individualmente; II - tratar de caso específico; III - cingir-se aos fatos que o motivaram; e IV - fundamentar-se em argumentos, provas ou documentos comprobatórios e elucidativos. § 4º Nenhuma autoridade poderá deixar de encaminhar recurso disciplinar sob argumento de: I - não atendimento a formalidades previstas em instruções baixadas pelo Comandante do Exército; e II - inobservância dos incisos II, III e IV do § 3o. § 5º O recurso disciplinar será encaminhado por intermédio da autoridade a que estiver imediatamente subordinado o requerente, no prazo de três dias úteis a contar do dia seguinte ao do seu protocolo na OM, observando-se o canal de comando e o prazo acima mencionado até o destinatário final. § 6º A autoridade à qual for dirigido o recurso disciplinar deve solucioná-lo no prazo máximo de dez dias úteis a contar do dia seguinte ao do seu recebimento no protocolo, procedendo ou mandando proceder às averiguações necessárias para decidir a questão. § 7º A decisão do recurso disciplinar será publicada em boletim interno. Art. 55. Se o recurso disciplinar for julgado inteiramente procedente, a punição disciplinar será anulada e tudo quanto a ela se referir será cancelado. Parágrafo único. Se apenas em parte, a punição aplicada poderá ser atenuada, cancelada em caráter excepcional ou relevada.
O RDE cita também que a instalação, o funcionamento e o julgamento dos
Conselhos de Disciplina e Conselhos de Justificação obedecerão à legislação
específica. O dispositivo refere-se a conselhos que, uma vez instalados, funcionam
seguindo processo disciplinar próprio, com aspectos diferentes do processo
disciplinar sumário, até então apresentado no RDE, para apuração de determinadas
transgressões disciplinares e consequente julgamento do transgressor, desde que
este também possua qualificações específicas, conforme a seguir discorrido.
O Conselho de Disciplina, previsto no Decreto nº 71.500, de 5 de dezembro
de 1972, é destinado a julgar da incapacidade do Guarda-Marinha, do Aspirante-a-
Oficial e das demais praças das Forças Armadas com estabilidade assegurada, para
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permanecerem na ativa, criando-lhes, ao mesmo tempo, condições para se
defenderem. Este Conselho também pode ser aplicado ao Guarda-Marinha, ao
Aspirante-a-Oficial e às demais praças das Forças Armadas, reformados ou na
reserva remunerada, presumivelmente incapazes de permanecerem na situação de
inatividade em que se encontram.
Art . 2º É submetida a Conselho de Disciplina, " ex officio ", a praça referida no artigo 1º e seu parágrafo único. I - acusada oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter: a) procedido incorretamente no desempenho do cargo; b) tido conduta irregular; ou c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou decoro da classe; II - afastado do cargo, na forma do Estatuto dos Militares, por se tornar incompatível com o mesmo ou demonstrar incapacidade no exercício de funções militares a ele inerentes, salvo se o afastamento é decorrência de fatos que motivem sua submissão a processo; III - condenado por crime de natureza dolosa, não previsto na legislação especial concernente à segurança do Estado, em tribunal civil ou militar, a pena restritiva de liberdade individual até 2 (dois) anos, tão logo transite em julgado a sentença; ou IV - pertencente a partido político ou associação, suspensos ou dissolvidos por força de disposição legal ou decisão judicial, ou que exerçam atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional. Parágrafo único. É considerada entre os outros, para os efeitos deste decreto, pertencente a partido ou associação a que se refere este artigo a praça das Forças Armadas que, ostensiva ou clandestinamente: a) estiver inscrita como seu membro; b) prestar serviços ou angariar valores em seu benefício; c) realizar propaganda de suas doutrinas; ou d) colaborar, por qualquer forma, mas sempre de modo inequívoco ou doloso, em suas atividades.
Conselho de Justificação, previsto na Lei nº 5.836, de 5 de dezembro
de1972, é destinado a julgar, através de processo especial, da incapacidade do
oficial das Forças Armadas - militar de carreira - para permanecer na ativa, criando-
lhe, ao mesmo tempo, condições para se justificar. Este Conselho também pode ser
aplicado ao oficial da reserva remunerada ou reformado, presumivelmente incapaz
de permanecer na situação de inatividade em que se encontra.
Art. 2º É submetido a Conselho de Justificação, a pedido ou "ex officio" o oficial das forças armadas: I - acusado oficialmente ou por qualquer meio lícito de comunicação social de ter: a) procedido incorretamente no desempenho do cargo; b) tido conduta irregular; ou c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe; II - considerado não habilitado para o acesso, em caráter provisório, no momento em que venha a ser objeto de apreciação para ingresso em Quadro de Acesso ou Lista de Escolha;
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III - afastado do cargo, na forma do Estatuto dos Militares por se tornar incompatível com o mesmo ou demonstrar incapacidade no exercício de funções militares a ele inerentes, salvo se o afastamento é decorrência de fatos que motivem sua submissão a processo; IV - condenado por crime de natureza dolosa, não previsto na legislação especial concernente a segurança do Estado, em Tribunal civil ou militar, a pena restrita de liberdade individual até 2 (dois) anos, tão logo transite em julgado a sentença; ou V - pertencente a partido político ou associação, suspensos ou dissolvidos por força de disposição legal ou decisão judicial, ou que exerçam atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional. Parágrafo único. É considerado, entre outros, para os efeitos desta Lei, pertencente a partido ou associação a que se refere este artigo o oficial das Forças Armadas que, ostensiva ou clandestinamente: a) estiver inscrito como seu membro; b) prestar serviços ou angariar valores em seu benefício; c) realizar propaganda de suas doutrinas; ou d) colaborar, por qualquer forma, mas sempre de modo inequívoco ou doloso, em suas atividades.
Observa-se que a Constituição Federal estabelece no artigo 142, inciso VI,
que o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou
com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em
tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra. Em consonância com o
mandamento constitucional, a Lei nº 5.836, de 5 de dezembro de1972, aponta o
Superior Tribunal Militar como sendo o tribunal competente para julgar o oficial
culpado e declará-lo indigno do oficialato ou com ele incompatível, determinando a
perda de seu posto e patente.
É importante ressaltar que no processo de apuração e julgamento das
transgressões disciplinares por meio do Conselho de Disciplina e pelo Conselho de
Justificação, tal como no processo disciplinar sumário, anteriormente apresentado no
RDE, deve ser garantida ao suposto transgressor a oportunidade de exercer o direito
do contraditório e da ampla defesa, bem como ser assegurada a observância dos
demais princípios norteadores da Administração Pública e das Instituições Militares.
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4 HABEAS CORPUS
O objetivo deste capítulo é apresentar aspectos relacionados ao habeas
corpus, haja vista que, apesar da vedação constitucional insculpida no artigo 142,
parágrafo 2º, da Constituição Federal, o qual prescreve que “não caberá habeas
corpus em relação a punições disciplinares militares”, é garantia constitucional e,
portanto, constitui meio pelo qual o militar transgressor requer perante o Poder
Judiciário a prestação jurisdicional quando não se conforma com a punição
disciplinar, cerceadora de sua liberdade de locomoção, aplicada por seu superior
hierárquico. Constitui assim uma via de controle jurisdicional do ato administrativo e
servirá, no presente trabalho, para se analisar os limites do indigitado controle sobre
os atos da autoridade militar de caráter disciplinar punitivo.
4.1 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal dedica o Titulo II aos direitos e garantias
fundamentais e, neste título, o Capítulo I é dedicado aos direitos e deveres
individuais e coletivos. Neste capítulo, a Constituição Federal inscreveu em seu
artigo 5º, inciso LXVIII, que: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção por ilegalidade ou abuso de poder”. Infere-se que o habeas corpus é o
garantia constitucional destinada a tutelar o direito fundamental de locomoção.
Assim o habeas corpus admite a modalidade preventiva e repressiva. Será
preventivo quando a violência ou coação está na iminência de ser praticada. Será
repressivo quando a violência ou coação já foi praticada, estando o paciente
cumprindo a pena cerceadora de liberdade de locomoção.
Em relação à liberdade de locomoção, o artigo 5º, inciso XV, da Constituição
Federal, preceitua que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,
podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens”. Direito de locomoção é o direito de ir, vir e ficar. Em relação à
ilegalidade, vale a pena lembrar, o princípio está insculpido no artigo 5º, inciso II, da
Constituição Federal, o qual preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”, ou seja, a ilegalidade, no sentido
amplo do conceito, é aquilo que é contrário ao direito, Por sua vez, a ilegalidade
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pode ser manifestada na forma de abuso do poder que, reforça-se o anteriormente
dito, ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato
administrativo, ultrapassa o limite de suas atribuições ou se desvia das finalidades
administrativas.
4.2 FUNDAMENTO LEGAL
O Código de Processo Penal (CPP) regula o instituto do habeas corpus nos
artigos 647 a 667.
É importante ressaltar que, a pesar da previsão legal como recurso, o
habeas corpus é na realidade ação penal de conhecimento, haja vista que, através
desta ação, o paciente leva ao conhecimento do Poder Judiciário a existência de
constrangimento ilegal ou ameaça ao seu direito de locomoção.
Por outro lado, fulcrada no artigo 654, parágrafo 2º, do CPP, a autoridade
judiciária pode, em processo de sua competência, expedir de ofício ordem de
habeas corpus, quando ficar evidenciado que o sujeito sofre ou está na iminência de
sofrer coação ilegal em sua liberdade de locomoção: “os juízes e os tribunais têm
competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de
processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.
4.3 PROCESSO E PROCEDIMENTO
Conforme anteriormente exposto o habeas corpus não é um recurso, mas
sim ação penal de conhecimento. A impetração de habeas corpus enseja processo
de igual nome cujos atos dão forma a um procedimento sumaríssimo:
A relação jurídico-processual do habeas corpus se movimenta através do procedimento sumaríssimo, já que em lugar de citada a autoridade coatora, ou lhe serão requisitadas as informações (art.661 do CPP) ou, se for o caso, será ordenada a apresentação do paciente, desse que se encontre preso (art.657 do CPP), para os fins objetivados pelo art.660, caput, do Código de Processo Penal (interrogatório). Ainda, caracterizada fica também sua qualidade sumaríssima, pelo fato de que efetuadas as diligências e interrogado o paciente, se isto for necessário, o juiz decidirá fundamentadamente, dentro de 24 (vinte e quatro) horas (art.660 do CPP), ou o relator colocará o processo em mesa para o julgamento na primeira sessão, conforme norma preponderante os regimentos internos dos tribunais (MOSSIN, 2005, p. 323).
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Sobre o direito tutelado pelo habeas corpus, faz-se mister tecer algumas
considerações sobre liquidez e certeza, pois a própria Constituição Federal, no artigo
5º, inciso LXIX, ao tratar do mandado de segurança, preceitua: “conceder-se-á
mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por
habeas corpus”, estabelecendo desta forma a liquidez e a certeza do direito tutelado
como requisitos igualmente a serem verificados pela autoridade judiciária quando da
apreciação do habeas corpus.
Em sua obra sobre mandado de segurança, Meirelles (2001, p. 35)
conceitua direito líquido e certo.
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser imparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
Certamente pode-se aplicar este conceito também ao habeas corpus.
Mossin (2005, p. 332) afirma que há condição para a ação de habeas corpus se
resta demonstrado de plano, sem dilação probatória, a ilegalidade ou o abuso de
poder da coação ou da ameaça ao direito de locomoção do paciente. Aduz ainda
que essa demonstração se faz normalmente por meio de prova documental.
Importante ressaltar que as controvérsias que possam surgir durante o
deslinde da questão sobre matéria de direito ou, ainda, matéria de fato que não seja
de alta indagação, não afasta liquidez e certeza do direito reclamado em habeas
corpus. Igualmente liquidez e certeza do mesmo direito não se confundem com
exame de prova que instrui o pedido do habeas corpus.
4.4. EXAME DE PROVA
Segundo Mossin (2005, p. 311), em sede de habeas corpus, diferentemente
das ações de conhecimento ordinárias e dos recursos ordinários, não serve este
instrumento jurídico para que a autoridade judiciária faça inspeção detida da prova,
de maneira aprofundada, a fim de constatar se houve ou não o constrangimento
ilegal ou ameaça ao direito de locomoção do paciente: “abrindo um horizonte bem
vasto, o processo de habeas corpus, devido à sua natureza jurídico-constitucional,
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aliada que seja ao procedimento sumaríssimo, não comporta dilação probatória, não
se presta à instrução nos moldes dos processos comuns”. Consequentemente, o
paciente deve demonstrar de plano o constrangimento ilegal ou ameaça em seu
direito de locomoção.
Por outro lado, não deve a autoridade judiciária tomar posição extrema de tal
modo que ao fim seja negada ao paciente a prestação jurisdicional adequada ao
deslinde uma questão que é de alta relevância para o ordenamento jurídico, eis que
se trata de direito fundamental do indivíduo tutelado constitucionalmente. Mossin
(2005, p. 315) adverte que a necessidade de análise do material probatório que
instrui o processo de habeas corpus deve ser vista de modo bastante cuidadoso,
para que o direito do paciente, ou mesmo do impetrante, não se veja prejudicado,
sob a afirmativa, às vezes bastante vaga, de que há óbice para que órgão julgador
não adentre no campo probatório.
Aduz ainda o autor que não se pode conceber regra rígida que não permite o
exame das provas produzidas, desde que não seja aprofundado, que não implique
em dilação probatória. Pelo contrário muitas vezes se torna necessária a valoração
de algum elemento de prova para se concluir quanto à existência ou não do
constrangimento ilegal ou ameaça ao direito de locomoção do paciente. A
autoridade judiciária deve apreciar ainda que de forma mínima, breve, superficial as
provas até então produzidas para verificar se é procedente ou não a ação de habeas
corpus.
Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça (Sexta Turma) assentou
posição jurisprudencial no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus
nº 7152, em 2 de abril de 1998:
O habeas corpus é um instrumento processual de dignidade constitucional, destinado a garantir o direito de locomoção, não podendo sofrer restrições a sua admissibilidade ao argumento de ser incompatível com a necessidade de exame das provas, se estas encontram-se acostadas à peça exordial e os fatos não apresentam natureza controvertida.
Se desta apreciação mínima, breve, superficial a autoridade judiciária
concluir que para o deslinde da questão há necessidade de aprofundamento do
exame de provas então a via de habeas corpus não é a adequada para a apreciação
da pretensão, devendo-se buscar as vias ordinárias para a tutela do direito.
Por sua vez, o exame aprofundado das provas é entendido como aquele
quer realizado de forma extensa e minuciosa leva inexoravelmente à instauração do
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contraditório de provas, a valoração, cotejo e o balanço das mesmas. A assertiva de
que em sede de habeas corpus não se admite o exame de prova é inconciliável com
a garantia constitucional do direito de locomoção, direito fundamental do indivíduo. A
ilegalidade ou abuso de poder passíveis de serem colhidos por habeas corpus não
admitem essa restrição. Restrição desta monta diminuiria a garantia constitucional
do habeas corpus, assenta o Tribunal de Justiça de São Paulo em acórdão proferido
no Habeas Corpus n° 0300785-06.2011.8.26.0000, em 14 de março de 2012:
A ilegalidade ou abuso de poder passíveis de serem tolhidos pelo writ não admitem essa restrição, autêntico amesquinhamento da garantia constitucional essencial a um estado de direito. O que não tem pertinência no âmbito mais restrito do procedimento de habeas corpus é a reabertura de um contraditório de provas, a valoração, o cotejo, o balanço da prova.
Pelo exposto, apesar de a ação de habeas corpus ensejar um procedimento
sumaríssimo, não há incompatibilidade entre o caráter sumaríssimo e a exame de
provas. O que não se permite é o aprofundamento do exame das provas com a
consequente dilação probatória, mas deve a prova que instrui o pedido ser
examinada pela autoridade judiciária e com bastante cuidado eis que se trata de
garantia constitucional. Assim, não se permite à autoridade judiciária que,
fundamentando-se em não se aprofundar no exame do conjunto probatório, deixe de
inspecionar ainda que de forma mínima, breve, superficial os elementos fáticos
comprovados.
É importante ressaltar que não se permite aprofundamento do exame de
provas e consequente dilação probatória na via do habeas corpus porém a matéria
de direito deve ser examinada pela autoridade judiciária sem que haja possibilidade
de se afastar esse exame ainda que seja imperioso o exame minucioso da tese
jurídica apresentada para tutelar o direito de locomoção do paciente. A restrição
imposta em face da finalidade da garantia constitucional do habeas corpus, reforça-
se, se refere tão-somente à matéria fática.
4.5 CABIMENTO DE HABEAS CORPUS EM RELAÇÃO A PUNIÇÕES
DISCIPLINARES MILITARES
O artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal, prescreve que “não
caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”. Certamente o
cerceadoras da liberdade de locomoção do militar transgressor, tais como a prisão e
detenção disciplinares.
Outrossim, verifica-se do texto constitucional que o legislador não explicitou
nenhuma exceção à vedação de cabimento de habeas corpus em relação a
punições disciplinares militares, apesar de o habeas corpus ser instituto jurídico
concebido para garantir direito fundamental do indivíduo, qual seja, o direito de
locomoção.
Incialmente parece que o legislador constituinte teve a intenção de prestigiar
os princípios basilares das Instituições Militares, quais sejam, a hierarquia e a
disciplina. Oliveira (2005, p. 151) opina nesse diapasão:
Com efeito, pelo fato de os militares encontrarem-se sujeitos a um regime de especial vinculação estatutária com a Administração Pública, ao se excluir o controle judicial sobre o cabimento das penas impostas, optou o legislador constituinte por fortalecer a disciplina nas Forças Armadas, no resguardo da fidelidade aos regulamentos de serviço e ao respeito hierárquico, alcançando-se ademais, a desejada eficiência no sistema de punições internas do serviço.
Acontece, porém, que esta norma constitucional tem que estar em harmonia
com as outras normas constitucionais. É cediço que o habeas corpus é instrumento
jurídico previsto no artigo 5°, inciso LXVIII, garantia constitucional para proteção do
direito fundamental de liberdade de ir, vir e permanecer. Não se trata de
inconstitucionalidade entre normas constitucionais, mas sim da adequada
interpretação no sentido de que a vedação constitucional, ainda que com a intenção
de prestigiar os princípios de hierarquia e disciplina castrenses, não pode estar, em
todos os casos, acima da garantia constitucional do direito fundamental da liberdade
individual de locomoção. Comprovada esta tese está pela simples observação da
posição das normas em questão na topografia do sistema constitucional brasileiro.
Assim é que a questão da adequada interpretação a ser dada ao dispositivo
constitucional teve que ser enfrentada pelo Poder Judiciário, em decorrência de o
transgressor militar disciplinar não se conformar com o cerceamento de sua
liberdade de locomoção, por ato administrativo do superior hierárquico, e em face
disso exigir a prestação jurisdicional para garantir o direito fundamental de ir e vir.
Em relação à adequada interpretação deste dispositivo constitucional o
Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma) assentou jurisprudência, conforme
acórdão proferido no julgamento do Habeas Corpus nº 108268/MS, em 20 de
setembro de 2011, no sentido de que não cabe habeas corpus nas hipóteses de
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punições disciplinares militares, salvo para apreciação dos pressupostos da
legalidade de sua inflição.
Esta jurisprudência tem origem no Habeas Corpus n° 70.648-7, julgado em 9
de novembro de 1993, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, cujo
relator foi o então Ministro Moreira Alves. Naquele julgamento, acordaram os
Ministros, por unanimidade de votos, que a vedação constitucional do artigo 142,
parágrafo 2º, não impede que o Poder Judiciário examine em sede habeas corpus a
ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade do ato administrativo disciplinar
militar, quais sejam, a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado à função e pena
suscetível de ser aplicada disciplinarmente.
Outrossim, o mesmo entendimento jurisprudencial foi assentado no Recurso
Extraordinário n° 338.840, julgado em 19 de agosto de 2003, pela Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal, cuja relatora foi a então Ministra Ellen Gracie. Naquele
julgamento, acordaram os Ministros, por unanimidade de votos, que não há que se
falar em violação ao artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal, “se a
concessão de habeas corpus, impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se
tão-somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de
questões referentes ao mérito”.
No caso, o recurso foi conhecido e provido, pois entenderam os Ministros
que a decisão impugnada concedeu habeas corpus pautando-se pela apreciação
dos aspectos fáticos da medida punitiva militar, invadindo seu mérito e, na esteira do
entendimento assentado no julgamento do Habeas Corpus n° 70.648-7,
anteriormente abordado, reforçaram que se a punição disciplinar militar atende aos
pressupostos de legalidade, também reforçando, a hierarquia, o poder disciplinar, o
ato ligado à função e a pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente, torna
incabível a apreciação do habeas corpus.
Acontece, porém, que a decisão impugnada, proferida pelo Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, também assenta que em relação ao disposto no
artigo 142, parágrafo 2º, da Constituição Federal, o entendimento jurisprudencial é
pacífico no sentido do cabimento do habeas corpus quando o ato atacado revestir-se
de ilegalidade ou constituir abuso de poder, atingindo a liberdade de locomoção do
indivíduo. A única ressalva, assim ressalta aquele Tribunal, diz respeito ao mérito da
sanção administrativa emanada da autoridade militar, ponto que não pode ser objeto
de análise pelo Poder Judiciário.
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No caso em questão, entendeu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região
que afigurou-se o excesso na conduta da autoridade militar, tendo em vista que o
acréscimo de punição decorreu de causa injusta, ou seja, sentimento pessoal de
indignação do superior em razão das alegações apresentadas pelo paciente. Infere-
se, portanto, que aquele Tribunal entendeu que o processo que culminou na punição
disciplinar, ainda que revestido de todas as formalidades legais e regulamentares,
está eivado de vício, haja vista que não se pautou a autoridade militar pela
legalidade em sentido amplo, ou seja, não foram atendidos princípios da
Administração Pública, em especial, princípios do interesse público, da
impessoalidade, da razoabilidade. Destarte, o Tribunal Regional Federal da 4ª
Região entendeu procedente a concessão de habeas corpus, pois o ato atacado
revestia-se de ilegalidade, atingindo a liberdade de locomoção do indivíduo. Assim o
controle jurisdicional do ato administrativo disciplinar emanado pela autoridade
militar não estava adentrando na questão do mérito.
Porém assim não entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do
Recurso Extraordinário n° 338.840, ora em comento. Observou a Ministra Relatora
em seu voto que, da leitura do acórdão recorrido, por ocasião da concessão da
ordem, houve flagrante apreciação dos aspectos fáticos da punição, com a
consequente invasão do mérito da medida punitiva. Aduz ainda que não cabe ao
Poder Judiciário, nas questões atinentes a punições disciplinares militares, traçar
juízo de valor quanto à injustiça da punição, aplicada pela autoridade militar
hierarquicamente superior, também por consistir indubitavelmente em análise do
mérito da medida aplicada.
Não obstante a posição do Supremo Tribunal Federal, consubstanciada no
entendimento jurisprudencial anteriormente exposto, não se pode concordar que a
mera apreciação de aspectos fáticos ou, ainda, o juízo de valor quanto à injustiça da
punição, signifique inexoravelmente que o Poder Judiciário esteja analisando o
mérito da medida aplicada pela autoridade militar.
De fato, enfatiza-se mais uma vez que o controle jurisdicional do ato
administrativo, neste caso para aplicar punição disciplinar militar, deve verificar a
legalidade no sentido amplo (ou legitimidade), ou seja, o ato da autoridade militar
competente para aplicar a punição ao transgressor deve estar amparado por todos
os princípios que iluminam a atividade da Administração Pública.
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Obviamente que as Instituições Militares caracterizam-se universalmente por
seguirem rígidos princípios de hierarquia e disciplina, mas essa característica de
forma alguma pode ser utilizada para o desvio de finalidade no exercício do poder
disciplinar da autoridade militar.
Nesse diapasão, Oliveira (2005, p. 149) lembra:
E como a finalidade de todo ato administrativo é atingir o interesse público projetado pela Administração, inexistindo este há desvio de finalidade. Se o ato praticado, portanto, gerou fim diverso daquele previsto na lei, tem-se o chamado desvio de finalidade.
Como exemplo de desvio de finalidade, o autor cita o caso em que a
aplicação de sanção disciplinar com motivação de perseguição pessoal e não pelo
cometimento de uma efetiva transgressão militar.
Em relação ao interesse público projetado pela Administração, isto é, aquele
a ser satisfeito pela autoridade militar quando da aplicação de uma punição
disciplinar, vislumbra-se aquele projetado no Regulamento Disciplinar do Exército
(RDE), na medida em que este diploma regulamentador do processo disciplinar
acolhe a tese, como já exposto, de que a punição tem por fim preservar os princípios
da hierarquia militar e disciplina castrense (caráter repreensivo), bem como
recuperar disciplinarmente o transgressor (caráter educativo da pena) e prevenir
novas ocorrências do fato (caráter preventivo da pena), haja vista que a punição
disciplinar deve ter em vista educar não só ao punido como também a coletividade a
que ele pertence.
Se, nos moldes do citado exemplo, a aplicação de sanção disciplinar ao
transgressor tem motivação de caráter pessoal e a pena é cerceadora de sua
liberdade de locomoção, resta patente a exigibilidade de serem apreciados pela
autoridade judiciária os aspectos fáticos da punição, ainda que em sede de habeas
corpus, sem que essa apreciação judicial se consubstancie necessariamente em
invasão do mérito da medida punitiva.
Ainda sobre a possibilidade de haver desvio de finalidade quando da
aplicação de sanção disciplinar, em face de motivação de caráter pessoal, cabe
certamente ao Poder Judiciário traçar juízo de valor quanto à injustiça da punição,
isto é, cabe à autoridade judiciária fazer juízo de razoabilidade da punição aplicada
ao transgressor pela autoridade militar, sem que isso signifique necessariamente
afronta à discricionariedade da Administração Pública no exercício do poder
disciplinar.
42
Na jurisprudência, às vezes, aparece a afirmação de que o Poder Judiciário não examina a substância da punição disciplinar, porque constituiria invasão indevida do mérito do ato administrativo. Tal afirmação resulta de indevida extensão da regra do art. 5º, III, da Lei 1.533/1951. É como se tudo que restasse da competência da autoridade e das formalidades essenciais constituísse mérito do ato administrativo. Ocorre que essa regra – aliás, já desatualizada – só foi instituída para o mandado de segurança, em razão da exigência de direito líquido e certo, ou seja, mesmo em sua origem não era válida para o controle judicial das sanções disciplinares nas vias ordinárias (MOREIRA, 2012, p. 43).
O controle jurisdicional do ato administrativo disciplinar militar pode então ser
feito pela via do habeas corpus e, igualmente, pode a autoridade judiciária analisar a
matéria de fato que instrui o respectivo pedido e a razoabilidade da punição.
Observa-se entretanto que, por se tratar do habeas corpus, o que não pode ocorrer
é o aprofundamento do exame das provas do fato, isto é, a já citada dilação
probatória.
4.5.1 Competência para processar e julgar habeas corpus em relação a
punições disciplinares militares
A competência para processar e julgar habeas corpus contra ato
administrativo disciplinar punitivo praticado por autoridade militar das Forças
Armadas é da Justiça Comum Federal, nos termos do artigo 109, inciso VII, da
Constituição Federal (1988):
Art.109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...] VII - os "habeas-corpus", em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; [...].
Ressalte-se que não é da competência do Superior Tribunal Militar
processar e julgar habeas corpus contra ato administrativo disciplinar punitivo
praticado por autoridade militar das Forças Armadas, pois o artigo 124, caput, da
Constituição Federal, assim preconiza: “à Justiça Militar compete processar e julgar
os crimes militares definidos em lei”, não se aplicando o disposto no artigo 6º, inciso
I, alínea ‘c’, da Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992, a qual organiza a Justiça
Militar da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares.
A competência para processar e julgar habeas corpus contra ato
administrativo disciplinar punitivo praticado por autoridade militar estadual é da
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Justiça Militar estadual, nos termos do artigo 125, parágrafos 4º e 5º, da Constituição
Federal (1988), na redação dada pela Emenda Constitucional nº 45.
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...] § 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. § 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. [...].
Ressalte-se que, nesse sentido, a proposta de Emenda Constitucional nº
358/2005 apresenta uma nova redação para o artigo 124, da Constituição Federal,
nos seguintes termos: “à Justiça Militar da União compete processar e julgar os
crimes militares definidos em lei, bem como exercer o controle jurisdicional sobre as
punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas”.
De acordo com a proposta, a Justiça Militar da União recebe competência
para exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos
membros das Forças Armadas, pondo fim à cisão atual, que deixa tal controle à
Justiça Comum Federal. Outrossim, a redação proposta é consentânea com a
atribuição de competência à Justiça Militar estadual para julgar ações judiciais contra
atos disciplinares militares, feita pela Emenda Constitucional n.º 45.
44
5 CONCLUSÃO
A fim de se buscar a solução do problema apresentado na introdução do
presente trabalho, seguindo a metodologia proposta, analisaram-se a legislação e o
entendimento doutrinário e jurisprudencial relacionados ao tema, tendo sido
abordados ao longo do desenvolvimento os princípios e dispositivos legais que
limitam o controle jurisdicional dos atos administrativos, o processo disciplinar militar
adotado pelo Exército e os fundamentos da interpretação doutrinária e
jurisprudencial para o artigo 142, parágrafo 2°, da Constituição Federal.
O controle jurisdicional dos atos administrativos foi abordado no primeiro
capítulo do desenvolvimento. Deste capítulo conclui-se pela possibilidade de o
Poder Judiciário controlar forma e conteúdo dos atos emanados pela Administração
Pública, sem que este controle signifique substituir a atividade administrativa, mas
sim a possibilidade de aquele Poder invalidar os atos que não estão de acordo com
a lei ou que aviltem os princípios administrativos, em especial os princípios da
razoabilidade, moralidade administrativa, princípios gerais do direito e supremacia do
interesse público, eis que princípios de origem pretoriana que ampliam o controle
jurisdicional do ato administrativo para além da mera verificação de aspectos
formais.
O processo disciplinar militar foi abordado no segundo capítulo do
desenvolvimento. Deste capítulo conclui-se pela imperiosa necessidade de o ato
administrativo disciplinar militar atender aos princípios basilares de hierarquia e
disciplina sem, no entanto, dar azo ao abuso de poder, principalmente em relação ao
desvio da finalidade. Percebeu-se que o processo é altamente subjetivo quanto à
dosimetria da pena na medida em que a infração administrativa disciplinar descrita
no RDE (preceito primário) não possui o seu respectivo intervalo de pena aplicável
pela autoridade competente (preceito secundário), diferentemente do que ocorre nas
infrações previstas no Código Penal, onde cada conduta tipificada como crime
possui a sua respectiva descrição (preceito primário) e intervalo de pena aplicável
pelo juiz (preceito secundário). Como meio de se evitar a arbitrariedade e tornar o
processo mais objetivo, poder-se-ia conceber um sistema de infrações e sanções
disciplinares nos mesmos moldes do sistema do Código Penal, corroborado pelo fato
de que as normas penais e disciplinares militares tem como ponto em comum a
previsão de sanções que repercutem na liberdade individual do transgressor.
45
Os fundamentos da interpretação doutrinária e jurisprudencial para o artigo
142, parágrafo 2°, da Constituição Federal, foram abordados no terceiro capítulo do
desenvolvimento. Deste capítulo conclui-se pela verificação da hipótese como
solução do problema, isto é, conclui-se dos fundamentos apresentados que o artigo
142, parágrafo 2°, da Constituição Federal, não deve ser interpretado literalmente,
mas sistematicamente com os demais dispositivos e princípios constitucionais, em
especial os direitos e garantias fundamentais individuais, restando cabível o habeas
corpus em relação a punições disciplinares militares com vistas ao controle
jurisdicional do ato administrativo punitivo aplicado pela autoridade militar, desde
que a apreciação judicial verifique apenas aspectos ligados à legalidade e aos
princípios administrativos.
Tendo em vista apontar aspectos jurídicos a serem observados pelas
autoridades militares, a fim de se evitar falhas nos processos disciplinares e
consequentes demandas judiciais, proporcionando maior segurança e estabilidade
das decisões administrativas, é mister ressaltar que as autoridades competentes ao
conduzir os processos administrativos disciplinares militares, a par da preocupação
com os aspectos formais, como o atendimento ao princípio do contraditório e da
ampla defesa, não devem se olvidar que não menos importante é o atendimento à
finalidade do ato, com especial atenção à razoabilidade na aplicação da pena ao
transgressor.
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REFERÊNCIAS
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