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Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho
2011 1
Contra Clausewitz
THIAGO TREMONTE DE LEMOS
Resumo
Este trabalho foi extrado da dissertao de mestrado intitulada
Cultura e poltica: a
natureza da guerra moderna no pensamento de Carl von Clausewitz.
As experincias
militares vividas por Clausewitz, entre o final do sculo XVIII e
o incio do sculo XIX,
foram a fonte de sua reflexo. Traremos aqui o debate acerca de
seu pensamento, a
partir de dois autores anticlausewitzianos: B. H. Liddell Hart e
John Keegan.
Controvrsias, polmicas e anlises acerca do sentido de sua
teoria. O artigo est
organizado em duas partes: B. H. Liddell Hart contra Clausewitz,
a partir da obra de Liddell Hart, As grandes guerras da histria, e
John Keegan contra Clausewitz, sobre o livro de Keegan, Uma histria
da guerra.
Palavras-chave: Clausewitz, Liddell Hart, Keegan, guerra,
cultura, poltica.
Abstract
This article is a docket of the thesis Cultura e poltica: a
natureza da guerra moderna
no pensamento de Carl von Clausewitz. The military experiences
lived by Clausewitz,
at the end of century 18th
and the beginning of century 19th
, had been the source of its
reflection. We will show here the discussion against Clausewitz
from two authors: B. H. Liddell Hart and John Keegan.
Controversies, polemics, and analysis of the meaning of
his theory. The paper is organized into two parts: "B. H.
Liddell Hart contra
Clausewitz, from the Liddell Harts book Strategy and John Keegan
contra Clausewitz; about the Keegans book A history of warfare.
Keywords: Clausewitz, Liddell Hart, Keegan, war, culture,
politics.
A influncia do pensamento sobre o pensamento
, na histria, o fator mais importante.
B. H. Liddell Hart
As guerras que Clausewitz conheceu,
as de que participou, foram as da Revoluo Francesa
e o motivo poltico que ele sempre considerou um fator de
precipitao e controle da guerra
estava sempre presente, ao menos no incio.
Keegan
A guerra no a continuao da poltica por outros meios. O mundo
seria mais
fcil de compreender se esta afirmao fosse absolutamente
verdadeira. Pelo menos
para o general prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), autor
do tratado Da guerra.
Departamento de Histria da Universidade de Braslia. Doutorando
em Histria Social pela Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo, bolsista Mdulo II CAPES
(Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior).
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O general-filsofo descreveu as experincias mais intensas da
guerra moderna e pensou
sobre a natureza de seu conceito.
Poderia constatar outra coisa seno a guerra como poltica? Ou no
mnimo a
guerra como um instrumento da poltica? A Europa do sculo XIX
poderia ser
compreendida por outro tipo de guerra seno aquela que obrigava
os Estados a lanarem
mo do maior nmero possvel de soldados, obstinados em desarmar o
adversrio de
qualquer jeito, como um duelo? Poderia ter fora se no estivesse
apoiada na trindade
povo-exrcito-Estado1? A guerra moderna no foi isso?
O conceito de guerra, ontologicamente falando, apenas expressa
as impresses
de um homem que conseguiu traduzir em palavras sua vida nos
campos de batalha. Este
homem, contudo, no era uma folha em branco. Sua leitura de mundo
era atravessada
pelos valores de sua cultura. Uma cultura que, apesar de seu
forte apego tradio,
jogava-o contra os eventos que presenciava; obrigava-o a ter
jogo de cintura para no
sofrer de esquizofrenia. Se, de um lado, os valores da nova e
moderna Europa
desprestigiavam seus antigos mandatrios, ainda havia basties de
resistncia da antiga
aristocracia em lugares como a Prssia. Nos paradoxos da
modernidade e da tradio;
da fidelidade vasslica e do sentimento nacionalista, Clausewitz
teve a perspiccia de
perceber que, se o mundo no seria mais o mesmo, a guerra tambm
no poderia ser.
Mas as transformaes no aniquilam o passado. Este traduzido para
os novos tempos.
A guerra moderna aceitaria os valores do guerreiro, porque, no
front, so estes que
ainda contam. Mesmo racionalizada matematicamente, a guerra
continua a ser uma ao
do homem. E este, por mais que deseje, no consegue se emancipar
por completo de
suas paixes e afetos, ainda que seja possvel transcrev-los em um
tratado poltico-
militar.
Todavia, o pensamento de Clausewitz no ficou circunscrito ao
momento
histrico de sua produo. Seu alcance atravessou os anos e as
fronteiras da Prssia. Da
guerra serviu de manual das polticas externas de algumas das
potncias militares
1 A trindade que caracterizaria a guerra real e completaria sua
definio como fenmeno total,
comportaria trs componentes que expressariam suas tendncias
dominantes. O primeiro componente
englobaria uma violncia original, uma hostilidade e uma
animosidade, considerados como um
impulso natural cego, todos ligados ao povo. Nesse contexto, as
paixes que se manifestariam na
guerra seriam inerentes ao povo. O segundo componente diria
respeito ao jogo de probabilidades e do
acaso que movem a livre alma criativa, que depender das
caractersticas de seu comandante e de seu
exrcito. Por fim, a subordinao da guerra poltica e aos objetivos
polticos, assunto de deciso
exclusiva do governo de um Estado [grifo nosso] (PASSOS, 2005:
8).
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mundiais (como Frana e Alemanha at 1914) e de revolucionrios
socialistas2 (como
Lenin, que foi leitor de Clausewitz), desde a segunda metade do
sculo XIX, quando o
general alemo Helmuth von Moltke3 (1800-1891), ao lado do
chanceler Otto von
Bismarck (1815-1898) considerados os principais articuladores da
unificao alem ,
incorporaram aspectos de sua teoria4. A Weltpolitik alem, a
partir de ento, era
clausewitziana:
Batizando de clausewitzianos o pensamento e a prtica
bismarckiana no que
se refere ao tema decisivo das relaes entre poltica e guerra,
arrisco-me a
suscitar pelo menos diversos movimentos Pode o tratado de
Frankfurt passar como moderado? A anexao da Alscia-Lorena no cavava
um fosso
entre Alemanha e Frana que nada poderia preencher? No semeava
os
germes de um dio que deveria explodir mais cedo ou mais
tarde?
para julgar eqitativamente o chanceler de ferro, conveniente
conformar-se com as regras clausewitzianas da crtica sim, sem
dvida, Bismarck julgava que as guerras, em sua poca, constituam um
meio normal
de se atingir as metas da poltica. Na conduta das operaes ele no
se
perturbava com as consideraes humanitrias, mas tambm no
imaginava
o equivalente ao massacre dos prisioneiros ou das populaes civis
(ARON,
1986b: 24-25).
Conseqentemente, outros pases adotaram concepes similares5, no
apenas
no sentido de conhecer melhor a mquina de guerra alem, mas tambm
por ver no
2 extremamente significativo que Clausewitz tenha sempre gozado
de prestgio entre os intelectuais
marxistas, com destaque para Lnin (KEEGAN, 1995: 34). [Da
guerra] foi apreciada por Engels ( um estranho caminho para
filosofar, mas, muito bom, em si mesmo) e lida por Marx. Lenin
durante sua estadia em Zurique fez anotaes sobre o texto. Hitler
disse que era fundamental e Eisenhower se
ateve firmemente a sua leitura em seus dias no US Army War
College (CREVELD, 1991: 34).
3 Da guerra revelou-se um livro de efeito retardado. Somente
depois de quarenta anos de sua publicao, em 1832-35, que se tornou
amplamente conhecido, e de uma forma indireta. Helmuth von
Moltke,
chefe do Estado-Maior prussiano, tinha aparentemente dons mgicos
de comando que haviam
derrubado o poder do Imprio austraco e depois do francs, numa
campanha de poucas semanas, em
1871. O mundo queria evidentemente conhecer seu segredo, e
quando Moltke revelou que, alm da
Bblia e de Homero, o livro que mais o influenciara fora Da
guerra, a fama pstuma de Clausewitz
estava garantida. O fato de que Moltke fora aluno da escola de
guerra da Prssia quando Clausewitz
era seu diretor no foi notado e, de qualquer forma, era
irrelevante; o mundo interessou-se pelo livro,
leu-o, interpretou amide mal, mas desde ento acreditou que ele
continha a essncia da guerra bem-
sucedida (KEEGAN, 1995: 37).
4 o marechal Hindenburg, depois da guerra de 1914-1918, pagara
seu tributo de admirao e de reconhecimento quele que havia se
transfigurado em pai fundador da teoria alem da guerra pelas
vitrias de Moltke: Existe um livro, De la Guerre, que jamais
envelhecer. Seu autor Clausewitz. Ele conhecia a guerra e os
homens. Devamos escut-lo e, quando seguamos suas prescries, era
para nosso bem. O inverso significava a infelicidade
(HINDENBURG. Aus meinen Leben. Leipzig, 1930, p. 101 apud ARON,
1986b: 9-10).
5 Na Frana, a descoberta de Clausewitz se situa aps as derrotas
de 1870, acompanhando a descoberta, ou a redescoberta, de Napoleo,
exigindo assim um estudo particular. Pode ser que o Trait, bem
ou
mal compreendido (mal compreendido, a meu ver) carregue uma
parte de responsabilidade nas
concepes dos generais franceses de 1914 (ARON, 1986b: 10).
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pensamento de Clausewitz uma fonte segura para o sucesso das aes
poltico-militares,
como foi o caso do marechal francs Ferdinand Foch
(1851-1929):
O futuro marechal Foch entrara na Escola de Guerra em 1885, ano
em que
Cardot6 apresentava pela primeira vez as ideias clausewitzianas
aos futuros
chefes do exrcito francs. A descoberta do deus da guerra andava
de par com seu profeta. A comparao entre a campanha de 1806 e a de
1870, entre
o gnio do mestre e o talento do discpulo, tornara-se um tema de
moda da
histria e da crtica militares (ARON, 1986b: 27).
Clausewitz foi acusado de ser responsvel por alguns dos eventos
mais terrveis
do sculo XX. Isso parece um juzo descomedido. Seguindo do mesmo
modo a crtica
sarcstica de Raymond Aron em seu Pensar a guerra7, nos vemos
impossibilitados de
aceitar passivamente a condenao das ideias de Clausewitz como a
origem dos
acontecimentos poltico-militares na Europa entre 1860 e
1945.
Ao adotarmos a histria conceitual, reconhecemos a fora de um
conceito para
alm de seu contexto social. No limitamos a produo intelectual de
um pensador, ou o
significado de determinado termo apenas no mbito de uma poca
especfica. Os
conceitos so ampliados e teorias tornam-se frmulas em outros
momentos, sem que o
autor tivesse qualquer dimenso de seu alcance ainda que o
desejasse, como foi o caso
de Clausewitz. Mas no pretendemos cair na investigao moral de
qualquer
pensamento deslocado de seu tempo.
Os conceitos no nos instruem apenas sobre o carter singular
de
significados passados; a par disso, eles contm possibilidades
estruturais e
simultaneidades como no-simultaneidades, as quais no podem
ser
depreendidas por meio da seqncia dos acontecimentos na
histria.
Conceitos que abarcam fatos, circunstncias e processos do
passado (KOSELLECK, 2006: 116).
A condenao de Clausewitz no apenas retrica. Nem sua exaltao.
Ainda que
alguns no vejam nenhum problema de os eventos mais trgicos da
humanidade estarem
vinculados ao pensamento clausewitziano, vem na teoria do
general-filsofo frmulas
eficientes para a defesa dos interesses de Estado.
6 Lucien Cardot (1838-1920), general do exrcito francs.
7 Depois de 1945, os historiadores examinaram inmeras vezes
Bismarck e sua obra com a finalidade de atingir as origens da
catstrofe alem. Pesquisa inevitvel, sempre legtima e sempre v. Lus
XIV
preparara a Revoluo Francesa e Bismarck tornara Hitler possvel.
Uma Alemanha dividida ou uma
Alemanha unificada de outra maneira que no a ferro e fogo
implica um outro curso dos
acontecimentos, da diplomacia e da guerra! No consigo ver em
nome de que poderamos condenar a
unidade alem seno, vtimas da iluso retrospectiva de fatalidade,
tomando como necessrios os
prosseguimentos desta unidade (ARON, 1986b: 19).
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Mesmo assim, pensamos que todo e qualquer tribunal da Histria no
parece
legtimo nesse caso. Entendemos que suspender juzos de valor no
negligenciar um
posicionamento frente ao passado, mas conseguir analis-lo sem o
compromisso moral
que macula a reflexo, permitindo-nos observar pontos que excedam
a avaliao
maniquesta da histria das guerras.
Tambm no desconsideramos o poder das teorias e a influncia do
pensamento
na materializao das aes humanas. Vemos uma ntima relao entre os
dois, mas no
os articulamos de maneira dedutiva e mecnica. Um no determina o
outro, em nenhum
tipo de equao. Tambm no somos partidrios do determinismo
histrico, que v as
ideias como estritos resultados de impresses empricas. Pensamos
na relao
substancial entre teoria e prtica. No h primazia de uma sobre a
outra, como tambm
no possvel deixar de perceber que uma est diretamente implicada
outra.
Marx, em sua obra A ideologia alem ridicularizou seus colegas
que
acreditavam fazer, no pensamento, uma revoluo maior que a
Francesa8. No retirou,
por assim dizer, a importncia das ideias, apenas colocou a sua
origem na prxis. Por
mais fora que tenha uma ideia, no deveria ela somente ser
responsvel por
discusses? Mesmo que seja uma ideia sobre o que e como se faz a
guerra? Se
aceitarmos isso, teremos de concordar com Kant em sua Uma
histria universal sob o
ponto de vista cosmopolita, ao afirmar que o impacto das ideias
da Revoluo Francesa
no mundo foi mais forte do que os prprios acontecimentos de
1789.
Escolhemos o meio-termo. Optamos por no separar teoria de
prtica, fatos de
pensamento, matria de forma; por isso, entendemos que a adoo de
ideias, em
contextos diferentes de sua produo, significa outras ideias,
resultando em outras
aes, ainda que a teoria de Clausewitz tenha a pretenso de ser
universal, pois sua
manipulao sempre conjunturalmente histrica.
8 Segundo anunciam idelogos alemes, a Alemanha passou nos ltimos
anos por uma revoluo sem
paralelo. O processo de decomposio do sistema de Hegel, iniciado
com Strauss, transformou-se
numa fermentao universal para a qual so arrastados todos os
poderes passados. No caos geral, poderosos imprios se formaram para
logo de novo rurem, emergiram momentaneamente heris para
serem de novo remetidos para a obscuridade por rivais ousados e
mais poderosos. Foi uma revoluo
ao p da qual a Revoluo Francesa uma brincadeira de crianas; uma
luta universal face qual as
lutas dos Didocos aparecem mesquinhas. Os princpios
expulsaram-se uns aos outros, os heris do
pensamento derrubaram-se uns aos outros com uma pressa inaudita,
e nos trs anos, entre 1842 e
1845, varreu-se mais do passado na Alemanha do que anteriormente
em trs sculos Tudo isto teria ocorrido no pensamento puro (MARX,
s/d: 9).
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Alis, se Clausewitz pudesse se defender no tribunal que o
condenou, evocaria
seus aforismos de Da guerra e a sua prpria biografia como provas
de que os que o
acusaram estavam equivocados, pois afirmava exatamente a
associao entre teoria e
prtica. Ainda que desejasse uma obra atemporal, foi a partir de
sua experincia de vida
que Da guerra foi escrita e, portanto, a adoo de sua teoria em
outros tempos esteve
diretamente relacionada com as mais diversas conjunturas e no
com seus desejos em
1815. Esta frmula serve-nos para suspender o julgamento de
Clausewitz que mais
moral que histrico e discutirmos algumas das reflexes sobre a
teoria clausewitziana.
O debate sobre as ideias do autor de Da guerra bastante
exaltado. H quem
entenda ser necessria uma reviso urgente do conceito de guerra
de Clausewitz; outros
preferem conhec-lo a fundo antes de recus-lo, e ainda outros
buscam na relao entre
guerra e poltica, exposta por Clausewitz, alternativas para
pensar a sociedade, num
profundo exerccio filosfico.
Dos historiadores da guerra que se opuseram, acusaram e
condenaram a teoria de
Clausewitz como a responsvel pelas duas guerras mundiais do
sculo XX, destacamos
os ingleses B.H. Liddell Hart e John Keegan. Liddell Hart
atribuiu pelo menos a
crueldade dos eventos da Primeira Guerra Mundial ao pensamento
clausewitziano.
Keegan foi mais longe e incluiu a Segunda tambm na acusao e
condenao do
general prussiano, por sua influncia no pensamento de
Hitler:
Clausewitz rejeitava a ideia de que h uma maneira engenhosa de
desarmar e vencer o inimigo sem grande derramamento de sangue e
essa
apropriadamente a tendncia da Arte da Guerra. Desprezava-a, como
sendo uma noo nascida da imaginao de filantropos. No levava em
conta que essa ideia talvez tivesse sido ditada por algum
esclarecido, interessado em
servir a ptria e no apenas por apreciadores de uma luta de
gladiadores.
Os seus ensinamentos, manejados por discpulos irrefletidos,
serviram para
incitar generais a procurarem a batalha a todo custo, em lugar
de criarem
uma oportunidade vantajosa para disput-la. Em conseqncia, a arte
da
guerra foi reduzida, em 1914-18, a um processo de carnificina
mtua
(LIDDELL HART, 1982: 273).
o deus da guerra no um arremedo. Quando os regimentos de
recrutas da Europa marcharam para a guerra, em 1914, carregando sua
retaguarda
de reservistas, a guerra que os enredou foi, de longe, a pior
que os cidados
pudessem esperar. Na Primeira Guerra Mundial, a guerra real e a
guerra verdadeira logo se tornaram indistintas; as influncias
moderadoras que Clausewitz declarara sempre entrarem em ao para
ajustar a natureza potencial e o propsito real da guerra
reduziram-se invisibilidade;
alemes, franceses, ingleses e russos descobriram-se
aparentemente
travando uma guerra pela guerra (KEEGAN, 1995: 38).
Hitler deve ser visto retrospectivamente como o lder guerreiro
mais
perigoso que jamais atormentou a civilizao Hitler concebia a
vida como luta e guerra, portanto, como meio natural pelo qual a
poltica racial
alcanaria seus objetivos. Em 1934, afirmou em Munique: Nenhum de
vocs
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leu Clausewitz, ou, se o fez, no aprendeu a relacion-lo ao
presente. Em seus ltimos dias de vida em Berlim, em abril de 1945,
quando sentou-se
para escrever seu testamento poltico ao povo alemo, o nico nome
que
citou foi o do grande Clausewitz, ao justificar o que tentara
realizar (KEEGAN, 1995: 383-384).
Porm, ainda que anticlausewitzianos e severos juzes do
pensamento e das
conseqncias [atribudas] ao pensamento do prussiano, possuem
trabalhos que
investigaram profundamente a teoria de Da guerra.
B. H. Liddell Hart contra Clausewitz9
Quem presenciou a Primeira Guerra Mundial avalia que no houve,
at ento na
histria da humanidade, experincia mais brutal. A Primeira Guerra
trouxe o que h de
mais terrvel na humanidade, por duas causas: a primeira, porque
guerra; a segunda,
porque o motivo poltico ou era incompreensvel ou to explcito que
a guerra era a pior
forma de resolver as antipatias entre as partes envolvidas. Sem
dvida que a guerra
sempre a pior das solues, mas no caso europeu de 1914, parecia
to evidente, mas,
paradoxalmente, completamente absurda, que os resultados do
conflito deixaram o
mundo todo estarrecido, como pensa Hobsbawm em sua A era dos
imprios:
A possibilidade de uma guerra generalizada na Europa fora,
claro,
prevista, e preocupava no apenas os governos e as administraes,
como
tambm um pblico mais amplo Na dcada de 1890, a preocupao com a
guerra foi suficiente para gerar o Congresso Mundial (Universal)
para a
Paz Nos anos 1900, a guerra ficou visivelmente mais prxima e nos
anos 1910 podia ser e era considerada iminente.
E contudo sua deflagrao no era totalmente esperada. Nem durante
os
ltimos dias da crise internacional j irreversvel de julho de
1914, os estadistas, dando os passos fatais, acreditavam que
realmente estivessem
dando incio a uma guerra mundial. Uma frmula seria com
certeza
encontrada, como tantas vezes no passado (HOBSBAWM, 1988:
419-420).
A experincia da Primeira Guerra, para todos os envolvidos, foi
extremamente
marcante. Como conseqncia imediata, na Inglaterra, por exemplo,
houve uma forte
reao contra tudo e todos que eram simpticos a qualquer tipo de
guerra. Sir Winston
Churchill (1874-1965), em suas memrias sobre a Segunda Guerra
Mundial, ao
descrever o ambiente ingls ps-Primeira Guerra, destacou o
sentimento pacifista que
tomou um pas abismado com o que ocorrera com o mundo e que,
segundo o ex-
9 O subttulo em questo inspirado na introduo do II volume de
Pensar a guerra, Clausewitz a era
planetria, de Aron, intitulado exatamente da mesma forma. Ver
ARON: 1986b.
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primeiro-ministro ingls, levou acomodao e negligncia quanto ao
crescimento
militar da Alemanha de Hitler:
Nesse perodo obscuro, os sentimentos mais vis eram aceitos
sem
questionamento pelos lderes dos partidos polticos. Em 1933, os
estudantes
da Unio de Oxford, inspirados por um certo Mr. Joad, aprovaram
sua
vergonhosa resoluo: Esta Casa no lutar, em nenhuma situao, por
seu Rei ou Pas. Mal sabiam os tolos rapazes que aprovaram essa
resoluo que muito em breve estariam destinados a vencer ou tombar
gloriosamente na
guerra que viria (CHURCHILL, 2005a: 48).
Nosso interesse aqui no discutir a relao entre as duas Grandes
Guerras, mas
como anunciamos que alguns pensadores atribuem a Clausewitz a
culpa pelos conflitos,
entendemos que a sua meno seja pelo menos relevante para se
entender esta
contradio: para Churchill, o que promoveu a tragdia da Segunda
Guerra foi a paz do
entreguerras, ou seja, o afrouxamento da violncia foi exatamente
a causa de uma
violncia ainda maior que a da Primeira Guerra.
O pacifismo, como ironiza Churchill, no se restringiu populao
civil. Parte dos
militares ingleses que participaram da Primeira Guerra Mundial
passou a pensar em
formas mais econmicas de se guerrear. Entre eles estava Sir
Basil Henry Liddell Hart
(1895-1970), capito do exrcito ingls. Atuou na Primeira Guerra
Mundial desde 1914.
Em 1916, foi ferido por um ataque de gs, sendo obrigado a dar
baixa.
Crtico feroz da concepo clausewitziana de estratgia e ttica de
guerra, Liddell
Hart entendia que a guerra deveria ser feita por gente mais
especializada e, portanto, em
menor nmero. Dava s manobras de guerra de aes indiretas um lugar
destacado nas
operaes militares. Em sua obra Strategy, traduzida para o
portugus pela IBRASA
como As grandes guerras da histria, relata eventos desde
Alexandre da Macednia at
a Segunda Guerra Mundial que, segundo pensava, demonstravam no s
a eficincia da
ao indireta, mas tambm como os princpios da doutrina de
Clausewitz estavam
equivocados. Aron que em sua pesquisa sobre o pensamento de
Clausewitz entendeu
que boa parte de seus intrpretes e discpulos o interpretou mal
julgou Liddell Hart,
apesar de adversrio terico do general prussiano, como um
conhecedor autorizado de
seu pensamento e tambm como o maior escritor militar de nosso
tempo:
ele me parece o mais inteligente e o mais tpico dos
anticlausewitzianos de lngua inglesa reteve duas contribuies do
Trait: a importncia das foras morais e a supremacia da poltica. O
resto ele condena: a prescrio
implcita da luta at a morte, a recusa pela manobra, a busca do
choque
brutal dos exrcitos de massa (ARON, 1986b: 9).
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Talvez o panorama antibelicoso ingls aps a Primeira Guerra
Mundial tenha
afetado excessivamente um militar calejado como Liddell Hart,
mas, novamente, no
pretendemos cair no determinismo histrico. Liddell Hart parece
ser mais profundo do
que a rejeio emotiva de uma guerra levada ao extremo da
violncia. Podemos supor
que a experincia da guerra inesquecvel e que a repulsa aos seus
aspectos mais
explcitos seja comum. Agora, um historiador das guerras e tambm
soldado, como
Liddell Hart, tem um entendimento mais racional desse evento.
Sua noo sobre a
diminuio de derramamento de sangue nas guerras no um manifesto
contra guerra,
mas uma teoria que envolve uma relao entre teoria e poltica que
difere frontalmente
da de Clausewitz.
Em outra obra, The ghost of Napoleon, Liddell Hart critica a
tese de Clausewitz,
mirando em seu centro: o continuum poltica e guerra:
estranho que ele no tenha percebido que ele prprio se
contradizia, j
que, se a guerra a continuao da poltica, ela deve
necessariamente ser
conduzida pensando-se nas vantagens do ps-guerra. Um Estado que
gasta
suas foras at o limite do esgotamento condena sua prpria poltica
ao
fracasso (LIDDELL HART, 1937: 121).
Muito da crtica de Liddell Hart a Clausewitz tambm se concentra
no paradigma
da superioridade numrica como fator decisivo para as guerras. O
capito ingls
apontava diretamente para isso como, alm de um equvoco
estratgico, um custo
humano muito alto, no s para os exrcitos, mas para a populao dos
pases de um
modo geral, j que para aumentar o contingente militar, os
alistamentos em massa
mandavam homens absolutamente despreparados para o front.
Evidentemente, Liddell
Hart no se preocupou com as relaes entre poltica e guerra que
contaminaram os
pases europeus desde o sculo XIX, ainda que as visse. Tanto que
os bons
exemplos utilizados em Strategy antecedem as guerras napolenicas
vividas por
Clausewitz. Ao destacar as campanhas de Alexandre, Anbal, Cipio,
Csar e Belisrio,
na Antiguidade e no incio da Idade Mdia, procurou demonstrar
que, em muitas
ocasies, esses generais se encontravam em menor nmero que seus
adversrios e,
valendo-se de aes indiretas, saram-se vitoriosos. Em
contrapartida, aponta
inversamente para campanhas militares em que o general possua um
exrcito mais
numeroso que o do inimigo, como o caso do prprio Napoleo e, por
isso mesmo,
acreditando no paradigma da superioridade numrica, saiu
derrotado.
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Clausewitz atribua superioridade numrica um dos princpios mais
importantes
para o sucesso de um exrcito na guerra moderna. Todavia,
apresenta algumas
excees, como a vitria de Frederico com 30.000 homens sobre
80.000 austracos em
Leuthen. Segundo Clausewitz, essa tese, que lhe parecia
evidente, ainda no era tratada
de modo to aberto pela literatura militar. Cita, por exemplo, o
livro Histria da Guerra
dos Sete Anos, do tambm general prussiano George Friedrich von
Tempelhoff (1737-
1807), como o primeiro trabalho a tratar da superioridade
numrica na guerra, ainda que
de forma superficial, como elemento fundamental para o sucesso
de uma campanha.
Dessa forma, Clausewitz realmente definiu este como norte para a
conduo da guerra:
Se estamos firmemente convencidos de que uma superioridade
considervel
permite obter tudo pela violncia, esta convico no pode deixar
de
influenciar os preparativos da guerra; pois tentaremos nos impor
com maior
fora possvel e alcanar esta preponderncia para ns prprios ou
pelo
menos nos precavermos contra a do adversrio. Eis o que pode
dizer acerca
da fora absoluta com a qual a guerra tem de ser conduzida
(CLAUSEWITZ, 1996: 206).
indubitvel que a perspectiva de Clausewitz envolve um cenrio de
paridade
tecnolgica e de unio entre governo, exrcito e povo. Talvez,
nesse sentido, a
experincia vivida por Liddell Hart na Primeira Guerra Mundial
seja uma amplificao
daquela vivida pelo prussiano. Liddell Hart preocupou-se em
contestar a proposta
ttico-estratgica de Clausewitz e a relacionou com os horrores de
uma guerra total.
Para isso, utilizou-se de um outro pensador da guerra, para ele,
absolutamente diferente
do prussiano10
: Sun Tzu (544-496 a.C.).
Sun Tzu, a quem atribuda a obra A arte da guerra conhecido
manual chins
sobre natureza da guerra, ttica e estratgia militar apresentou,
para Liddell Hart,
teorias mais consistentes sobre o que e como um general deveria
agir no campo de
batalha. Segundo o ingls, os aforismos de Tzu eram mais
eficientes do que os do
prussiano. Para averiguar isso bastaria enumerar a quantidade de
citaes do autor
chins no incio de Strategy, entre elas, O ideal, na guerra,
quebrar a resistncia do
inimigo sem luta (LIDDELL HART, 1982: 13).
A contraposio de Clausewitz e Tzu artificial. Mesmo porque no
possvel
afirmar que Clausewitz conhecesse A arte da guerra de Tzu,
apesar de esta ter sido
10 A quem se referia como Mahdi das massas e dos massacres
mtuos.
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Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho
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traduzida para o francs em 177611
. No h problema nesse artifcio de Liddell Hart; seu
propsito fundamentar-se em outro referencial que o afaste dos
paradigmas do
prussiano. Tzu demonstrava que era desejvel a utilizao da menor
violncia possvel,
pois a vitria poltica como deveria ser sobre algum minimamente
preservado,
em que os efeitos da derrota no repercutam nem como
ressentimento, nem mesmo o
custo para a reconstruo do que foi destrudo seja muito alto. Em
tese, parece ser um
pensamento mais racional que o do prussiano, alcanar cem vitrias
em cem
batalhas no o pice da excelncia. Subjugar o exrcito inimigo sem
lutar o
verdadeiro pice da excelncia (TZU, 2002: 62).
Curiosamente, quanto finalidade da guerra, Tzu e Clausewitz se
parecem:
ambos defendem a guerra submetida poltica, ainda que entendam a
sua execuo por
meios distintos (Clausewitz, se leu Tzu, o incluiu no rol das
almas ingnuas e
filantrpicas que desejam uma guerra sem violncia). Tirando esse
aspecto, Tzu e
Clausewitz tm paradigmas absolutamente diferentes, o que
facilitou a adoo dos
princpios do pensador chins por Liddell Hart como fundamento
para sua crtica a
Clausewitz. Michael I. Handel, em sua obra Masters of war, traz
um significativo
estudo comparativo entre as teses principais de Clausewitz e
Tzu12
, em que as
perspectivas quanto ao ideal de vitria e utilizao de foras, por
exemplo, so
absolutamente divergentes. Enquanto Clausewitz, como j vimos,
defende a utilizao
de todas as foras possveis para desarmar o inimigo, Tzu opta por
uma via mais
econmica e, teoricamente, menos violenta. Nesse ponto Liddell
Hart traz o seu estudo
sobre a ao indireta e se ope vigorosamente ao pensamento
clausewitziano, como no
exemplo dos combates da Primeira Guerra Mundial, no Oriente
Mdio:
difcil precisar se essas operaes [combates entre britnicos e
turcos] na
Palestina devem ser classificadas como uma campanha ou como
batalha,
completada com uma perseguio, porque embora com as foras em
contato
ela terminou antes que esse contato fosse rompido, o que a
classificaria
como batalha, porm a vitria foi obtida, principalmente, por
aes
estratgicas e a parte da luta armada foi insignificante.
Isso motivou uma depreciao do seu resultado final, especialmente
por
parte daqueles cuja escala de valores governada pelo dogma
de
Clausewitz, de que o sangue o preo da vitria (LIDDELL HART,
1982:
241).
11 Segundo Sueli Barros Cassal, na edio de A arte da guerra, de
Sun Tzu, pela L&PM (TZU, 2001: 7).
12 Ver HANDEL, 1996: 19, Table 2.1.
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A leitura de Liddell Hart do dogma tem fundamento, mas
substancialmente
mais exagerada do que pensava Clausewitz: O que significa
dominar o inimigo?
quase sempre a destruio da sua fora militar, por morte ou
ferimento, ou qualquer
outro meio, de modo que a destruio seja integral ou simplesmente
suficiente para
impedi-lo de continuar a combater (CLAUSEWITZ, 1996: 258).
Clausewitz, com isso, no defende a destruio total do inimigo,
mas a realizao
do objetivo de desarm-lo13
. Entretanto, Liddell Hart est correto ao entender que, se o
inimigo pensar como Clausewitz, os combatentes provavelmente se
destruiro, caso
haja igualdade de foras.
Liddell Hart, ainda assim, no deixa de reconhecer as contribuies
de Clausewitz
para os estudos sobre as guerras, principalmente a nfase dada
pelo prussiano ao nimo
e aos aspectos psicolgicos. Contudo, para Liddell Hart, no foram
os mritos de
Clausewitz seu legado, e sim seus erros, em especial o paradigma
da superioridade
numrica. Sem dvida, Clausewitz atribui a esse fator um papel
determinante, mas no
mbito da guerra moderna. Enquanto Liddell Hart v, de outras
pocas at a Segunda
Guerra Mundial, a ao indireta como a estratgia mais eficiente do
que os paradigmas
clausewitzianos:
Foram seus erros, entretanto, que exerceram maior influncia no
curso
subseqente da Histria a superioridade em nmero se torna dia a
dia mais decisiva. Esse mandamento serviu para reforar o instinto
conservador dos militares em sua resistncia s possibilidades da
nova
forma de superioridade que a inveno mecnica cada vez mais
proporcionava. Deu, tambm, poderoso impulso extenso universal e
ao
estabelecimento permanente do mtodo de conscrio, como um
meio
simples de aumentar os efetivos dos exrcitos. A aplicao desse
processo,
por falta de adaptao psicolgica, tornou, entretanto os exrcitos
mais
sujeitos ao pnico e a colapso repentino (LIDDELL HART, 1982:
427-428).
A contestao de Liddell Hart, contudo, nesse sentido, parece no
dar crdito ao
pensamento de Clausewitz em toda sua extenso. No captulo III, do
Livro V de Da
guerra, intitulado A relao de fora, o tema da superioridade
numrica retomado,
mas acrescentada a a determinao dos combatentes e dos recursos
tecnolgicos dos
exrcitos:
13 A violncia isto , a violncia fsica (uma vez que a violncia
moral no existe fora dos conceitos de
Estado e Lei) constitui, portanto, o meio, o fim ser impor a
nossa vontade ao inimigo. Para se atingir com total segurana este
fim, tem de se desarmar o inimigo, sendo este desarmamento, por
definio, o objetivo propriamente dito das operaes de guerra.
Acaba por vir a constituir o prprio
fim, que afasta, por assim dizer, como se tratasse de algo que
no fizesse parte da prpria guerra (CLAUSEWITZ, 1996: 8)
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No captulo VIII do livro III sublinhamos a importncia da
superioridade
numrica Se examinarmos com total imparcialidade a histria
militar moderna, precisaremos reconhecer que a superioridade
numrica se torna
dia aps dia mais decisiva A coragem e a moral do exrcito
aumentaram em todos os tempos a sua fora fsica, e ser sempre assim;
mas existiram
pocas na histria em que a superioridade dependia da organizao e
do
equipamento dos exrcitos, e outras em que a superioridade moral
dependia
da sua maior mobilidade (CLAUSEWITZ, 1996: 346).
Ora, o fato de Clausewitz presenciar o nivelamento dos recursos
tecnolgicos
utilizados pelos exrcitos no implica que seja possvel projetar a
manuteno dessa
igualdade. Lembremos que Clausewitz teve como fonte para seu
trabalho sua prpria
experincia de vida, o que revela, pelo menos para termos de
entendimento de sua obra,
uma localizao temporal e, conseqentemente, uma evidncia: o maior
vencedor
militar da poca de Clausewitz, ainda que contra o seu desejo,
foi Napoleo e este
utilizou a superioridade numrica como fiel da balana nas
batalhas que disputou (como
Cnsul e imperador, principalmente). Mesmo a derrota do exrcito
francs encarada
por Clausewitz como o resultado de uma relao de foras em que
Napoleo se
encontrava mais fraco:
As relaes numricas entre os exrcitos russo e francs opostos um
ao outro
no incio da campanha de 1812 eram ainda mais desfavorveis Rssia
do
que a relao entre Frederico e os seus inimigos durante a Guerra
dos Sete
Anos. Mas os russos tinham a perspectiva de reforar muito no
decurso da
campanha. Bonaparte tinha toda a Europa em segredo contra
ele
(CLAUSEWITZ, 1996: 887).
Outro aspecto a ser ressaltado na crtica de Liddell Hart teoria
de Clausewitz
a sua noo da finalidade da guerra. Para o capito ingls, talvez
sentindo na prpria
carne os efeitos da Primeira Guerra Mundial, a guerra tem por
fim garantir a paz14
.
Nesse sentido, faz um juzo moral sobre as naes, diferenciando as
que so pacficas e
as que so agressoras. Liddell Hart no discorre muito sobre esse
assunto, no entanto,
fica evidente que o critrio para a distino frgil. O discurso que
serve para justificar
a defesa de uma nao pode ser visto tambm como justificativa para
se antecipar e
atacar um possvel inimigo que demonstre ser agressor. A
conjuntura poltica no se
mantm imvel. Talvez quem defensor da paz num primeiro momento
pode continuar
defendendo esse discurso para conquistar e anexar territrios de
inimigos agressores ou
14 A finalidade da guerra, em nosso ponto de vista, assegurar
uma paz em melhores condies
(LIDDELL HART, 1982: 425).
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submet-los politicamente, mantendo-os sempre vigiados. Os papis
se alteram
conforme o desenrolar dos eventos. Quanto a isso no h previso.
Talvez, nesse
sentido, Clausewitz tenha sido explcito demais, ao no declarar o
que seria uma
vontade poltica legtima para se comear uma guerra, pois, segundo
seu sistema, fazer
isso seria coroar os argumentos daqueles que vem na poltica uma
pureza de esprito
incapaz de sair do plano da sociabilidade natural. Ora, se a
guerra a continuao da
poltica por outros meios porque atende vontade poltica de um
Estado e no a um
princpio moral superior que seria a manuteno da paz. Algumas
passagens do Livro
VIII trazem a posio de Clausewitz:
O objetivo da guerra deveria sempre ser, segundo o seu conceito,
a derrota
do inimigo.
j admitimos que a natureza do objetivo poltico, a vastido das
nossas prprias exigncias ou das do inimigo e o conjunto das nossas
condies
polticas tm uma influncia mais decisiva sobre a guerra.
Sabe-se evidentemente que s as relaes polticas entre
governos
engendram a guerra; mas imagina-se geralmente que essas relaes
cessam
com a guerra e que uma situao totalmente diferente, submetida s
suas
prprias leis e s a elas, se estabelece nesse momento.
Ns afirmamos, pelo contrrio: a guerra nada mais seno a
continuao
das relaes polticas, com o complemento de outros meios. Dizemos
que se
lhe juntam novos meios, para afirmar ao mesmo tempo em que a
guerra em
si no faz cessar essas relaes polticas, que ela no as transforma
em algo
inteiramente diferente, mas que estas continuam a existir na sua
essncia,
quaisquer que sejam os meios de que se servem, e que os
principais
filamentos que correm atravs dos acontecimentos de guerra e aos
quais elas
se ligam no so mais que contornos de uma poltica que prossegue
atravs
da guerra at a paz (CLAUSEWITZ, 1996: 853-865-870).
Ao pensar o objetivo na guerra, Liddell Hart seguiu o mesmo
expediente de
Clausewitz: percebeu o continuum entre poltica e guerra e que os
objetivos, poltico e
militar, eram diferentes, mas inseparveis. A tese de Clausewitz
no exatamente esta?
A diferena reside no olhar moral que se tem em relao ao meio e
no ao fim. O
propsito, ainda que no falado por Clausewitz, o mesmo que
formulado por Liddell
Hart, mas os valores so diferentes. A cultura de Clausewitz, bem
como a conjuntura
poltica em que viveu no lhe dava nenhuma oportunidade para
pensar na paz.
John Keegan contra Clausewitz
O historiador ingls John Keegan, diferentemente de Clausewitz e
Liddell Hart,
no foi um guerreiro, mas seu pai foi soldado durante a Primeira
Guerra Mundial, e ele
cresceu na regio onde estavam estacionados os exrcitos para a
invaso do Dia D na
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Segunda Guerra Mundial. De modo que, mesmo sem ter experimentado
no front os
horrores da guerra, a sua presena o ronda desde criana. Seu
envolvimento com a
histria militar foi alm de sua graduao, Na faculdade, a maioria
de seus amigos havia
feito o servio militar, ele, por sua vez, foi declarado incapaz
para o exrcito devido a
uma doena contrada na infncia que o deixou, segundo suas
palavras, aleijado. Mas
enquanto seus pares resolveram seguir carreira como mdicos,
engenheiros e
advogados, ele tornou-se historiador militar.
Talvez a frustrao por no ter se envolvido, na prtica, com a
guerra, tenha-o
moldado como um grande pensador que prefere ver a guerra atravs
mais de seus
valores simblicos e de seus mecanismos de funcionamento, do que
pela sua trgica
realidade. Isso no significa que seja ignorante nos assuntos
tticos e estratgicos; pelo
contrrio, dispe de um vasto repertrio, sem contar suas vigorosas
pesquisas dos
acontecimentos militares e descries minuciosas sobre
guerras.
Foi sua obra Uma histria da guerra que nos cativou para a
pesquisa. Portanto,
seria evidente que, ao tratarmos do pensamento de Clausewitz,
adotaramos o estudo de
Keegan. E, de fato, isso ocorreu. Contudo, suas concluses e
crticas que, no primeiro
momento em que tivemos contato com seu livro, nos pareciam to
verdadeiras,
passaram a ser questionadas. Por isso, sua importncia para ns
ainda maior. A leitura
de Uma histria da guerra no foi apenas a contemplao e a aceitao
passiva de suas
teses, mas a provocao para se estudar Clausewitz, to criticado
por Keegan e que,
honestamente falando, conhecamos apenas pela mxima e por ouvir
dizer de que a
guerra a continuao da poltica por outros meios.
Keegan categrico ao abrir com a seguinte frase sua anttese
fundamental: a
guerra no a continuao da poltica por outros meios15
. Desse modo, sentamo-nos
obrigados a pelo menos entender, alm da crtica, o objeto
criticado. E, em vez de
reforarmos as posies anticlausewitzianas de Keegan, ficamos
desconfortveis a
tomar algum partido. Se a guerra no a continuao da poltica, o
que ? Para Keegan,
a guerra , antes de poltica, cultural.
Em resumo, no plano cultural que a resposta de Clausewitz
pergunta o que a guerra falha. Isso no de forma alguma
surpreendente. Todos ns achamos difcil tomar distncia suficiente de
nossa prpria cultura para
perceber como ela faz de ns, como indivduos, o que somos. Para o
homem
15 A guerra no a continuao da poltica por outros meios. O mundo
seria mais fcil de compreender
se esta frase de Clausewitz fosse verdade (KEEGAN, 1995:
19).
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ocidental moderno, com seu compromisso com o credo da
individualidade,
essa dificuldade to grande quanto o foi para gente de outros
lugares e
pocas. Clausewitz era um homem de seu tempo, filho do
Iluminismo,
contemporneo dos romnticos alemes, um intelectual e um
reformista
prtico, um homem de ao, um crtico de sua sociedade e um
apaixonado
crente na necessidade de mud-la. Era um observador perspicaz do
presente
e um devoto do futuro. No que fracassou foi em ver quo
profundamente
enraizado estava em seu prprio passado, o passado de um oficial
prussiano
de um Estado centralizado europeu. Se sua mente tivesse apenas
mais uma
dimenso intelectual e se tratava de uma mente j muito
sofisticada , talvez pudesse ter percebido que a guerra abarca
muito mais que a poltica,
que sempre uma expresso da cultura, com freqncia um determinante
de
formas culturais e, em algumas sociedades, a prpria cultura
(KEEGAN,
1995; 28).
Para Keegan, Clausewitz no percebeu essa condio porque no quis.
Sua
experincia junto aos cossacos, na Rssia, contra a invaso de
Napoleo, em 1812, seria
suficiente para ver que no se guerreia apenas por um Estado, mas
por elementos de
uma cultura guerreira que est para alm da poltica. Essa , para
Keegan, assim como a
guerra, um outro aspecto das diferentes culturas16
. A guerra cultural e no poltica,
pois a prpria poltica uma manifestao da cultura. Ora, cultura
tambm no um
conjunto de hbitos e costumes intransponveis, que servem apenas
como critrio
identitrio das sociedades. Cultura um processo dinmico; fluxo.
Momentos de
ruptura social so tambm momentos de rupturas simblicas,
psicolgicas e de valores.
A cultura tambm se transforma. Ainda que a mxima de Keegan, o
homem um
animal cultural, seja vlida, s o exatamente por conter uma
pluralidade de culturas17.
Lembremos a distino de civilizao e cultura apresentada por
Norbert Elias18
; mesmo
no ocidente, tomar uma pela outra um equvoco.
curioso, tambm, que Keegan no tenha citado sequer uma s vez o
trabalho de
Raymond Aron, Pensar a guerra, em sua obra. Talvez, se o tivesse
utilizado, perceberia
o quo importante foram as crises pelas quais Clausewitz passou.
No h dvidas
quanto qualidade da pesquisa de Keegan, mas o dilogo com outro
intelectual
16 Clausewitz foi incapaz de reconhecer uma tradio militar
alternativa no estilo de guerrear dos
cossacos porque s podia reconhecer como racional e valendo a
pena uma nica forma de organizao
militar: as foras pagas e disciplinadas do Estado burocrtico.
Ele no admitia que outras formas
tambm pudessem servir bem suas sociedades, e defend-las ou
ampliar seu poder, se fosse esse o objetivo (KEEGAN, 1995:
235).
17 A no ser que o homem seja um animal de uma determinada
cultura e no o caso, o prprio Keegan,
em sua Uma histria da guerra, mostrou a guerra atravs das mais
diferentes culturas e nem por isso
julgou o que era mais ou menos cultural.
18 Ver ELIAS, 1994a.
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autorizado para falar de Clausewitz, como Aron, renderia um
aprofundamento sobre as
questes pessoais do prussiano, ao mesmo tempo em que envolveria
suas perspectivas
polticas e os valores de classe.
Clausewitz viveu um grande dilema poltico-cultural: o que ser um
nobre
bastardo (segundo as palavras de Aron), no momento em que a
Europa de um modo
geral rompia com os valores sustentados pela nobreza e passava a
valorizar o modo de
vida e a poltica liberal? E a sua Alemanha, que ainda no era um
pas, ia para o outro
lado e a nobreza continuava a determinar a vida poltica dos
diversos estados
germnicos. A contradio social era, segundo Elias, maior que a
francesa e, como
resultado dessa tenso, no houve revoluo, e sim a manuteno da
tradio
germnica, incorporada, desde a poca de Clausewitz, ao
nacionalismo. A cultura de
Clausewitz era a do nobre guerreiro, mas que conseguiu ir alm de
um mero
representante de classe e passou a pensar nas transformaes
polticas que estava
vivendo. Ainda assim, era um aristocrata, fiel ao monarca e
contrrio democracia. Foi
a cultura de Clausewitz que o levou a pensar no continuum da
guerra e da poltica.
O modelo do Estado nacional colocava-se de forma impetuosa como
a nica
forma de sobrevivncia das sociedades europeias, e a guerra,
tanto para Clausewitz
como para Keegan, refletia isso. Ento, por que o prussiano
poderia pensar que o futuro
seria diferente? Por que desejaria ele a paz? Por que se
preocupar com um desejo apenas
e no com o que de fato acontece nas relaes humanas? Keegan tambm
concorda com
o fato de que h guerra e haver guerra, mesmo que no a desejemos.
Clausewitz no
notou que a cultura era a essncia da guerra? Evidentemente que
no! No era sua
preocupao; contudo, jamais negou a importncia da virtude
guerreira, e isso no um
aspecto da poltica.
Keegan no foi ingnuo e, certamente, leu Da guerra melhor do que
ns, mas
tinha um propsito: apresentar uma definio mais ampla e
verdadeira do conceito de
guerra que a de Clausewitz. Desse modo, no era possvel fazer
tantas concesses.
Mesmo assim, no pode ser acusado de forma alguma de ter sido
leviano na anlise do
pensamento de Clausewitz, j que apresenta de forma franca e
aberta suas referncias
para pensar a guerra, a poltica e a cultura e suas contraposies
teoria do prussiano.
No entanto, o plano de Keegan aparentemente o mesmo que o do
prussiano: escrever
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Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho
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uma obra atemporal sobre a guerra, seus fenmenos e sua essncia.
Nesse caso, temos
de verificar como se d o afastamento de seu pensamento em relao
ao de Clausewitz.
Como dissemos, para Keegan, a guerra no a continuao da poltica
por outros
meios. Portanto, precederia a prpria ideia de Estado. Mas, por
que a poltica seria
exclusivamente uma manifestao do Estado Civil? verdade que
Keegan no disse
isso, mas apontou para esta definio do conceito de poltica
adotado por Clausewitz.
E est certo. Da guerra trata da guerra entre Estados e, logo, a
guerra a continuao da
poltica dos Estados. Contudo, o conceito de Estado,
historicamente moderno e,
conseqentemente, fruto do universo social de onde e quando
surgiu, no universal. A
isso no necessria nenhuma petio de princpio a Clausewitz quanto
ao seu estatuto
conceitual de poltica, pois pensa a guerra como sua extenso
apenas depois de anunciar
que a guerra a ampliao de um duelo ( a prpria cultura de
Clausewitz que fala aqui
e no sua frieza analtica e dedutiva). Mas a urgncia histrica o
pressionava, no havia
motivos para tratar da guerra em outros termos e, mesmo assim,
somente trinta anos
aps a escrita de Da guerra, que temos a utilizao de seus
preceitos de forma prtica
entre os Estados beligerantes.
A filiao que Keegan faz de Clausewitz ao pensamento
aristotlico19
parece-nos
tambm descontextualizada da tradio filosfica qual o prussiano
estava vinculado. O
paradigma do homem como animal poltico j havia cado por terra
com o pensamento
hobbesiano. No havia mais lugar para acreditar na sociabilidade
natural do ser humano.
Mesmo Kant, de quem Clausewitz era leitor, formulou a ideia de
insocivel
sociabilidade 20, ou seja, fundamental que os homens vivam em
sociedade, mas
estaro sempre em competio uns com os outros. Hobbes fundou
teoricamente a
filosofia do Estado Civil, a partir de uma natureza humana
no-poltica e, se a noo de
poltica de Clausewitz estava diretamente ligada ao conceito
moderno de Estado,
ele no poderia pensar em termos aristotlicos.
A crtica de Keegan seguiria assim por um caminho aparentemente
muito seguro.
Ao enunciar contrariamente a Clausewitz que o homem , antes de
ser um animal
19 O homem um animal poltico, disse Aristteles. Clausewitz,
herdeiro de Aristteles, disse apenas
que um animal poltico um animal que guerreia. Nenhum dos dois
ousou enfrentar o pensamento de
que o homem um animal que pensa, em quem o intelecto dirige o
impulso de caar e a capacidade
de matar (KEEGAN, 1995:19).
20 Ver KANT, 1986.
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Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho
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poltico, um animal cultural, Keegan re-funda a natureza humana
em outros termos. Em
primeiro lugar, questiona-se se o sentido aqui no seria apenas
semntico, pois um
homem isolado produz cultura? Se retomarmos o fundamento terico
de Hobbes quanto
confeco do Estado, aquilo que pensado como cultural somente pode
ser visto com
o surgimento da poltica: o pacto entre indivduos deliberando um
rbitro capaz de p-
los em paz, detentor legtimo da violncia, pacificador e portador
legal das armas.
evidente que estivesse sobre este registro o pensamento de
Clausewitz, de modo que a
noo de cultura na prtica humana da guerra fosse apenas uma mera
curiosidade para
as discusses etnogrficas do sculo XIX. Na prpria teoria
hobbesiana contratualista
e apoltica da natureza humana , o estgio pr-estatal do homem uma
fase da guerra
de todos contra todos os homens. A crtica de Keegan, nesse
sentido, vai atrelada a esta
confirmao antropolgica hobbesiana de que a guerra antecede a
prpria poltica.
Contudo, o princpio de Hobbes antiaristotlico; portanto, ainda
que a dimenso
apoltica da guerra esteja privilegiada por Keegan, no a em
detrimento da teoria
clausewitziana. O general prussiano ponderou com cautela a
importncia dos aspectos
morais na guerra e, portanto, deu nfase cultura do guerreiro,
que tambm era sua
cultura.
Em segundo lugar, para haver cultura, conceito to caro e to
maltratado
atualmente, necessrio mais do que um nico indivduo isolado e
isento de relaes;
fundamental que este se relacione com outros, com o espao e o
tempo em que vive e
com elementos que permeiam tambm sua histria21
.
Keegan, ao criticar os pressupostos metafsicos de Clausewitz,
parece entender a
sociabilidade como condio natural do ser humano (numa aproximao
muito mais
evidente ao princpio aristotlico de substncia humana do que
aquela que feita pelo
prussiano). Mesmo que o homem esteja vivendo nas mais distintas
formas de
organizao social pr-poltica cl, tribo, famlia, horda ,
pressupe-se certa
sociabilidade imanente ao homem capaz de produzir cultura sem
que algum Estado o
regule. No entanto, o paradigma da sociabilidade se instaura
como uma verdade
indemonstrvel, compreensvel, mas indeterminada. Logo, no compete
saber a
21 O pensamento de Clausewitz aos olhos de alguns intrpretes,
como prisioneiro de iluses,
alimentadas pelo meio, pelo esprito do tempo uns viram a uma
sobrevivncia do racionalismo, outros do realce vontade mais do que
racionalidade e desvendam a constncia do pensamento
clausewitziano (ARON, 1986a: 82).
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Anais do XXVI Simpsio Nacional de Histria ANPUH So Paulo, julho
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ontologia da guerra em termos metafsicos estaramos jogados num
processo
infinitamente repetitivo , mas entender que, ao atribuir o
fundamento poltico da
guerra, Clausewitz manifestou o que viveu, em toda sua cultura
e, por que no dizer, em
sua poltica.
Talvez a definio de Florestan Fernandes (1920-1995), apresentada
na
introduo de sua obra A funo social da guerra na sociedade
tupinamb, responda
melhor pergunta de Keegan, o que a guerra?, num plano mais amplo
que o cultural
e poltico. E isso no implica abandonar o que pensou Clausewitz,
nem mesmo o
prprio Keegan:
A GUERRA UM FENMENO HUMANO. No se pode dizer precisamente
como e quando ela surgiu, no passado remoto da humanidade.
Nem
tampouco se pode presumir a que necessidades existenciais ela
correspondeu originariamente. At onde alcana a investigao
emprico-
indutiva, atravs da reconstituio arqueolgica, da reconstruo
histrica e
da observao direta, a guerra se apresenta como fato social, no
sentido
restrito de existir como uma das instituies sociais incorporadas
a
sociedades constitudas (FERNANDES, 2006: 21).
Em suma, a guerra um hbito, como gostaria Keegan, mas tambm
poltica
para o habitus de Clausewitz. A cultura ou a poltica no podem
ser entendidas como
origem de nada. Porm a histria nos ensina a entender que as
prticas sociais so
construes humanas e no valores etreos ou universais. A guerra,
para Clausewitz,
somente poderia ser entendida no plano da poltica. Ele a viu com
os olhos de quem foi
soldado e a viveu numa conjuntura absolutamente impregnada de
poltica. Teorizou
sobre o que poderia narrar e no sobre o que desejaria ver e,
mesmo assim, no se
esqueceu de que a virtude do guerreiro um dos aspectos
determinantes da guerra.
Bibliografia
ARISTTELES. Poltica. Braslia: Universidade de Braslia, 1985;
ARON, Raymond. Pensar a guerra, Clausewitz: a era europia. Vol.
1 (Coleo Pensamento
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