DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO REGIONAL DE SANTOS – UNIDADE SÃO VICENTE Rua Major Loretti, 11 – Parque Bitaru – CEP 11.310-380 Telefone: (13) 3467-2013 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA COMARCA DE SÃO VICENTE – SP. Processo nº Medida protetiva para internação involuntária , brasileira, solteira, portadora da cédula de identidade RG nº. SSP/SP e do CPF nº., com residência na Rua, São Vicente/SP, por meio do Defensor Público que esta subscreve, nomeado pelo Juízo para a defesa, dispensado da apresentação do instrumento de mandato, nos termos do artigo 16, parágrafo único da Lei 1.060/50, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 300 do Código de Processo Civil, fazendo uso das prerrogativas previstas no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50, apresentar sua necessária e tempestiva Contestação, nos autos da ação em epígrafe, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos:
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Telefone: (13) 3467-2013
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª
VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA COMARCA DE SÃO VICENTE
– SP.
Processo nº
Medida protetiva para internação involuntária
, brasileira, solteira, portadora da cédula de identidade RG
nº. SSP/SP e do CPF nº., com residência na Rua, São Vicente/SP, por meio do
Defensor Público que esta subscreve, nomeado pelo Juízo para a defesa,
dispensado da apresentação do instrumento de mandato, nos termos do artigo 16,
parágrafo único da Lei 1.060/50, vem, respeitosamente, à presença de Vossa
Excelência, com fundamento no artigo 300 do Código de Processo Civil, fazendo
uso das prerrogativas previstas no artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/50,
apresentar sua necessária e tempestiva Contestação, nos autos da ação em
epígrafe, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos:
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I. Do relatório
Trata-se de ação, com pedido liminar, que objetiva a
internação compulsória da ré no Hospital Geral Guilherme Álvaro ou, na falta de
vagas, em qualquer outro hospital da rede pública de saúde ou particular, com a
nomeação da agravada como curadora provisória para acompanhamento da ação
e da internação involuntária.
A autora sustenta que a ré possui esquizofrenia paranóide e
transtorno afetivo bipolar, mas se recusa a aceitar a internação em hospital
psiquiátrico.
Narra, ainda, que a ré foi presa em flagrante em surto
psicótico no dia 08.02.11 e que, após pedido de liberdade provisória, obteria
alvará de soltura no dia 09.02.11, por volta das 14h.
Argumenta que a ré tem direito à saúde, que a Lei 10.216/01
garante a internação involuntária e que os genitores da ré são pessoas de idade
que sofrem muito com as crises psiquiátricas, de forma que necessitam da
internação da ré para que possam se restabelecer física, emocional e
psicologicamente.
O Ministério Público manifestou-se pela concessão da
medida liminar, para o fim de determinar a internação psiquiátrica da ré.
Em seguida, o MMº. Juiz proferiu a r. decisão de fl. 38:
“Vistos.
1 – Defiro a gratuidade.
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2 – Estão presentes os requisitos para a concessão da liminar.
Os documentos médicos juntados, lavrados por psiquiatras,
atestam ser a ré portadora de ESQUIZOFRENIA
PARANÓIDE, com surtos psicóticos, e que ela se recusa a se
submeter a tratamento ambulatorial ou mesmo internação
voluntária. A autora, sua mãe, relata ser a ré agressiva e
oferecer risco à integridade física dos pais, pessoas já com
certa idade, e que não conseguem convencer a filha a se
tratar. O que gera circula vicioso de surtos e agressões.
Posto isso, DEFIRO A LIMINAR para autorizar a
internação da ré, por iniciativa de seus pais, em
estabelecimento psiquiátrico adequado para o seu quadro de
saúde, em regime fechado, independentemente do
consentimento da própria paciente, no local e pelo tempo que
for necessário segundo critério médico. Deixo de indicar o
hospital por não ser atribuição do juízo, posto que cada
unidade hospitalar tem suas regras próprias com relação a
vagas, tipo de paciente que recebe, etc., não se podendo
impor judicialmente a internação em determinado
estabelecimento sem que seja o local indicado por médico em
conjunto com a família do paciente.
Expeça-se a autorização.
3 – Sendo manifesta a incapacidade civil da ré, para receber
citação válida, nomeio CURADORA a sua mãe, autora, .
Depois de cumprida a liminar, dê-se vista dos autos à
Defensoria Pública para se manifestar na defesa dos
interesses da ré, no processo.
Int.”
Em cumprimento à ordem judicial, foi expedido alvará para
internação voluntária, assinado o compromisso de curatela e, só então, aberta
vista dos autos à Defensoria Pública.
II. Das questões preliminares
a) Da ausência de citação
Inicialmente, verifica-se que a r. decisão de fl. 38 foi
concedida e cumprida sem a citação da ré, que ainda não ocorreu, sem a
observância do procedimento previsto no artigo 218, parágrafo 1º do Código de
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Processo Civil e antes da nomeação de curador especial para atuar em sua defesa,
em violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido
processo legal.
De acordo com o artigo 218, “caput”, do Código de Processo
Civil, a citação não será feita quando se verificar que o réu é demente ou está
impossibilitado de recebê-la. Para tanto, exige o parágrafo 1º do referido artigo
que o oficial de justiça elabore certidão, descrevendo minuciosamente a
ocorrência, e que, em seguida, seja nomeado médico para examinar o citando.
Apenas após apresentação do laudo, o juiz nomeará curador ao réu e determinará
a citação na pessoa do curador, nos termos dos parágrafos 2º e 3º do Código de
Processo Civil.
Não obstante, no caso em tela, o procedimento legal não foi
realizado. Sem qualquer certidão do oficial de justiça e sem laudo médico de
perito judicial, a r. decisão de fl. 38 considerou que a ré era incapaz para receber
a citação válida e nomeou como curadora a autora.
Ocorre que não se pode presumir a incapacidade da ré para
receber a citação, sob pena de se desconsiderar a plenitude da condição de sujeito
de direitos da ré e todos os direitos garantidos às pessoas com sofrimento mental,
previstos na Constituição Federal, em diversos tratados internacionais e na
legislação infraconstitucional, como a Lei nº 10.216/01.
Salienta-se que a própria autora pleiteou a citação e
interrogatório da ré para contestar a ação (item 4 de fl. 12) e não narrou ser ela
incapaz de receber o ato citatório.
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Além disso, a r. decisão de fl. 38 descumpriu o previsto no
artigo 218 do Código de Processo Civil e os princípios do contraditório, da ampla
defesa e do devido processo legal, criando procedimento não previsto em lei,
impedindo que a ré tenha ciência da ação e, inclusive, possa constituir advogado
de sua confiança para a defender, com quem poderia ter contato pessoal para
apresentar seus argumentos e provas em sua defesa, para ter uma defesa plena e
mais concreta.
Observa-se que o artigo 2º, parágrafo único, incisos V e VII,
da Lei nº 10.216/01, considerando que a pessoa com transtorno mental é sujeito
de direitos e deve ser tratada sem qualquer tipo de discriminação, nos termos do
artigo 1º da referida lei, garante à pessoa com transtorno mental o direito de ter a
presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de
sua hospitalização involuntária e o direito de receber o maior número de
informações a respeito de sua doença e de seu tratamento.
Ademais, o artigo 5º, parágrafo único, inciso VI, da Portaria
GM nº 2.391, de 26 de dezembro de 2002, do Ministério da Saúde (documento
anexo), exige que a Comunicação de Internação Involuntária contenha a
descrição dos motivos da discordância do usuário sobre sua internação, sendo
certo que o paciente deve ser ouvido.
Contudo, tais dispositivos legais acabaram por ser
desrespeitados, diante da r. decisão judicial que determinou a internação
involuntária ré sem que ela tenha sido sequer citada da ação judicial, visto que
ela poderá ser internada sem sequer saber da existência da ação judicial e das
razões apresentadas pelo Juízo para sua internação.
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Salienta-se que a ré possui vinte e quatro anos de idade, já
atingiu a maioridade há seis anos e, até a presente data, não há notícia de que
tenha sido proposta qualquer ação de interdição por seus familiares. Aliás, a
autora propôs ação pleiteando apenas a internação involuntária da ré, mas não a
sua interdição, o que indica que a autora possa não ser incapaz para a prática dos
atos da vida civil.
Ademais, dependendo do tipo e intensidade do transtorno
mental, a ré poderia ter absoluta capacidade para receber a citação judicial, de
forma que a presunção de sua inaptidão caracteriza discriminação repelida pelo
ordenamento jurídico pátrio.
Evidente que, apenas após certificação do oficial de justiça e
laudo judicial circunstanciado e devidamente fundamentado, é que se poderia
efetuar a citação da ré na pessoa de seu curador, em observância ao artigo 218,
parágrafos 1º, 2º e 3º, do Código de Processo Civil, e artigo 6º da Lei nº
10.216/01.
Diante disso, requer-se seja determinada a regular citação da
ré e reconhecida a nulidade da r. decisão de fl. 38 ou, ao menos, que seja
determinada a suspensão da r. decisão de fl. 38.
b) Da incompetência absoluta do Juízo
Por outro lado, nota-se que o Juízo é absolutamente
incompetente para processar a presente ação, visto que a demanda, na forma
como foi proposta pela autora, não é de competência do Juízo de Família e
Sucessões, até porque não foi formulado qualquer pedido de interdição.
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Tanto é assim que a própria autora endereçou sua petição
inicial à Vara Cível da Comarca de São Vicente. Contudo, sem qualquer
justificativa, a ação foi remetida para o Juízo de Família, que, também sem
qualquer motivação acerca de sua competência para processamento do feito,
apreciou o pedido liminar e o deferiu.
Assim, requer-se seja reconhecida a incompetência absoluta
do Juízo, determinada a redistribuição dos autos ao Juízo Cível da Comarca de
São Vicente e declarada a nulidade da r. decisão de fl. 38, nos termos do artigo
113, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil.
c) Da carência da ação
Não bastasse o já alegado, a petição inicial é inepta, pois dos
fatos narrados não decorre o pedido formulado, há falta de interesse de agir e o
pedido é juridicamente impossível, de modo que o processo extinto sem
julgamento de mérito.
Verifica-se que a autora narra que a ré possui transtorno
mental e recomendação médica para internação, mas não deseja ser internada.
Diante da recusa da ré, requer seja determinada judicialmente a sua internação
involuntária sem discriminar prazo.
Ocorre que, se a ré realmente tivesse laudo circunstanciado
determinando a sua internação em virtude de transtorno mental grave, como
determina o artigo 6º da Lei nº 10.216/01, e estivessem presentes as demais
exigências legais para internação, como a autora alega estarem, a internação
involuntária poderia ocorrer independentemente de ação judicial, de modo que
dos fatos narrados não decorre o pedido formulado.
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Considerando a narrativa exposta pela autora em sua petição
inicial, falta interesse de agir a ela, pois não há necessidade da ação judicial para
ter a pretensão pleiteada reconhecida, já que a internação involuntária ocorre
sem o consentimento do paciente, a pedido de terceiro e por recomendação
médica, não por ordem judicial, nos termos do artigo 6º, parágrafo único,
inciso II, da Lei nº 10.216/01.
Importante esclarecer que a internação se dá por ordem
judicial quando ocorre na modalidade da internação compulsória, prevista no
artigo 6º, inciso III, da Lei nº 10.216/01, que é reservada para casos distintos do
presente, como os casos de medida de segurança.
Eventualmente, também é possível decisão judicial sobre
internação quando, em virtude da ausência de vagas, pleiteia-se do Poder Público
a internação em estabelecimento público ou o custeio da internação em
estabelecimento particular. Contudo, trata-se de hipótese totalmente diversa, em
que a ação é proposta contra o Poder Público, para dirimir lide existente entre a
pessoa com sofrimento mental e o Poder Público, situação não mencionada pela
autora.
Conveniente a transcrição do artigo 6º da Lei nº 10.216/01:
“Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada
mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os
seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de
internação psiquiátrica:
I – internação voluntária: aquela que se dá com o
consentimento do usuário;
II – internação involuntária: aquela que se dá sem o
consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III – internação compulsória: aquela determinada pela
Justiça.” (g.n.)
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Na verdade, no caso em tela, o que se percebe é que a ação
acaba por pretender que o Juízo realize a análise meritória sobre a necessidade ou
não de internação (o que não cabe ao Judiciário, mas à equipe técnica de saúde
mental), e supra a deficiência dos relatórios médicos apresentados pela autora,
que não constituem laudo médico circunstanciado, não atestam o esgotamento
dos recursos extra-hospitalares e, portanto, não são suficientes para que a autora
consiga internar a ré.
Conforme asseverado, se a ré realmente preenchesse os
requisitos para a internação involuntária, esta já teria ocorrido, pois, como
explicado, a internação involuntária ocorre a pedido de terceiro e por
recomendação médica, mesmo sem o consentimento do paciente.
Diante disso, apenas se pode concluir que, por não
conseguir a internação da ré, já que ela não pode ser internada sem prévia
análise de equipe técnica de saúde mental, sem esgotamento dos recursos
extra-hospitalares e sem laudo médico circunstanciado, os quais não ainda
foram realizados, a autora pretende supri-los por via judicial, formulando
pedido juridicamente impossível.
Acrescenta-se que não foi formulado pedido de interdição da
ré, o qual seria necessário, nos termos do artigo 1777 do Código Civil, até para
que fossa adequadamente fixada a pessoa do curador, de modo que o
provimento jurisdicional pleiteado não é adequado e, portanto, falta interesse de
agir.
Ademais, foi requerida a internação involuntária sem
discriminar prazo e com amplitude de locais, de forma ampla e ilegal,
formulando-se pedido juridicamente impossível, já que a internação depende de
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laudo médico circunstanciado, deve ser limitada ao período de surto, tem como
finalidade permanente a reinserção social do paciente em seu meio (artigo 2º da
Lei nº 10.216/01) e não pode acontecer em estabelecimentos asilares ou
desprovidos dos recursos que assegurem assistência integral à pessoa portadora
de transtorno mental, incluindo serviços médicos, de assistência social,
psicológicos, ocupacionais, de lazer e outros, além dos direitos previstos no
artigo 2º da Lei nº 10.216/01.
Por tais motivos, necessária se faz a extinção do processo,
sem julgamento de mérito, com fulcro no artigo 267, incisos IV, VI ou XI do
Código de Processo Civil.
III. Do mérito
Ainda que sejam afastadas as preliminares arguidas, a ação
deve ser julgada improcedente.
Inicialmente, é importante esclarecer que a autora pretende:
i) a internação involuntária da ré por ordem judicial; ii) que a internação seja feita
no Hospital Guilherme Álvaro ou, na hipótese de falta de vagas, em qualquer
outro Hospital da Rede Pública de Saúde ou em Hospital da Rede Particular de
Saúde; iii) que seja nomeada curadora da ré.
Para sustentar a internação involuntária da ré, a autora alega
que a ré sofre de esquizofrenia paranóide e transtorno afetivo bipolar, que tem
doença mental desde a adolescência, que toma vários medicamentos controlados,
que tem comportamento agressivo e inconveniente, que já agrediu seus pais e
que, em surto psicótico, foi presa em flagrante por tentativa de furto em 08.02.11.
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Acrescenta, ainda, que a ré não aceita a internação
psiquiátrica, medida que seria recomendada para garantir a sua integridade física,
a de seus familiares e a da sociedade.
Ocorre que tais argumentos não são suficientes para
justificar a internação involuntária da ré.
Conforme já asseverado, a internação involuntária ocorre
sem o consentimento do paciente e a pedido de terceiros, mas não por ordem
judicial e sim por laudo médico circunstanciado, com o preenchimento dos
estreitos requisitos previstos na Lei nº 10.216/01, visto que se trata de medida
excepcional, que deve ser limitada ao período de surto, considerando a
comprovação científica de que as internações por longo período prejudicam a
saúde do paciente.
No caso em tela, os requisitos legais para a internação
involuntária não estão presentes, até porque, se estivessem, a internação já teria
ocorrido sem a necessidade de ação judicial.
A autora narra que a ré possui esquizofrenia paranóide e
transtorno afetivo bipolar e, nesse sentido, apresenta relatórios médicos
subscritos pela médica particular, Dra. , do ano de 2010 e 2011 (fls. 17, 18, 19
e 27).
Nota-se que ambos os relatórios apresentam descrição de
sintomas semelhantes, mas com diagnósticos distintos, ora de transtorno afetivo
bipolar, ora de esquizofrenia paranóide, o que evidencia alguma imprecisão
quanto ao diagnóstico.
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Observa-se que o relatório médico mais recente (fl. 27),
apresentado pela autora, indica, sucintamente, que a ré apresenta crises psicóticas
frequentes e necessita de internação psiquiátrica, embora esteja fazendo uso
diário de medicamento.
Não bastasse isso, é certo que nenhum dos documentos
apresentados configura o laudo médico circunstanciado exigido pelo artigo 6º,
“caput”, da Lei nº 10.216/01.
O laudo médico circunstanciado deve apresentar,
minuciosamente, os motivos que justificam a internação, os quais não foram
devidamente apresentados nos relatórios juntados pela autora.
Além da existência de diagnóstico fechado, com a descrição
da intensidade e gravidade da doença, o laudo deve indicar a necessidade da
extrema medida, que somente pode ser realizada após frustrados os recursos
extra-hospitalares, de acordo com o artigo 4º da Lei nº 10.216/01.
No presente caso, a autora apenas informa que a ré estava
em tratamento com médica particular Dra. , sem especificar a
frequência, característica e recursos envolvidos nos atendimentos para que se
possa aferir se foram esgotados todos os recursos extra-hospitalares disponíveis.
Os relatórios médicos, por sua vez, também não indicam
quais recursos extra-hospitalares vinham sendo utilizados pela ré e muito menos
que eles tenham sido esgotados.
Observa-se que somente foram apresentados receituários de
atendimento no sistema público de saúde no ano de 2009, que não prescrevem a
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necessidade de internação, o que indica que, desde então, a ré apenas vinha
fazendo atendimento psiquiátrico particular, como narrado pela autora, e não
vinha fazendo uso de todos os diversos programas e recursos extra-hospitalares
disponíveis para o seu atendimento, conforme documentos anexos, que são
eminentemente públicos e devem ser oferecidos pelo Município de São Vicente,
que possui Gestão Plena e, portanto, está compromissado com a proteção social
especial de alta complexidade, de acordo com o Plano Nacional de Assistência
Social, com a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social
e com o Plano Estadual de Assistência Social.
Ressalta-se que, de acordo com o artigo 2º, parágrafo único,
incisos I, VIII e IX, da Lei nº 10.216/01, a pessoa com transtorno mental tem
direito a ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às
suas necessidades; a ser tratada em ambiente terapêuticos pelos meios menos
invasivos possíveis; ser tratada, preferencialmente, em serviços de saúde mental.
Ademais, a necessidade ou não de internação deve ser
avaliada por equipe técnica de saúde mental, de composição multidisciplinar e
pública, que avalie a condição do paciente em sua complexidade e que considere
a normativa e os recursos disponíveis no sistema público de atendimento, para
que haja efetivo controle da extrema medida, o que não ocorreu no caso em
questão.
Nesse sentido, o relatório final da III Conferência Nacional
de Saúde Mental, convocada pelo Ministro da Saúde e organizada pelo Conselho
Nacional de Saúde (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. CONSELHO NACIONAL
DESAÚDE. Comissão Organizadora da III CNSM. Relatório Final da III
Conferência Nacional de Saúde Mental. Brasília, 11 a 15 de dezembro de 2001.
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Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2002, 213 p., ISBN
85-334-0592-8):
“6. Controle da internação psiquiátrica
No curso do processo de Reforma Psiquiátrica, é necessário
que os gestores estaduais e municipais estabeleçam
mecanismos efetivos para o controle das internações
psiquiátricas. Com este objetivo, foram aprovadas também as
seguintes propostas:
119. Estabelecer formas de controle único para a emissão de
AIH, assegurando que todas as internações necessárias sejam
autorizadas pelo serviço público, preferencialmente de base
territorial, constituído por equipe de saúde mental.
120. A internação e a reinternação psiquiátrica deverão
ocorrer após avaliação da equipe técnica de saúde mental dos
serviços substitutivos.
121. Estimular a criação de centrais de regulação de
internaçãopsiquiátrica com o objetivo de evitar internações
não indicadas.
122. Rever o critério de tempo de internação e garantir, por
meio de supervisões institucionais e fiscalizações, que o
tempo de internação seja o mais breve possível, de acordo
com avaliação e conduta psiquiátrica e da equipe
multiprofissional.” (p. 46-48, g.n.).
Importante assinalar, também, que o laudo circunstanciado
de internação involuntária deve conter informações sobre os motivos da
discordância do usuário sobre sua internação, sobre a previsão estimada do
tempo de internação, sobre o local de internação, sobre o contexto familiar do
paciente etc., até porque tais informações deverão constar, obrigatoriamente, na
Comunicação de Internação Involuntária, nos termos do artigo 5º, parágrafo
único, da Portaria GM nº 2.391, de 26 de dezembro de 2002, do Ministério da
Saúde (documento anexo). Contudo, nenhuma dessas informações foram
apresentadas nos relatórios médicos juntados.
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De outro lado, verifica-se que a autora não comprova que a
ré tenha doença mental desde a adolescência e nem que ela tenha comportamento
agressivo ou tenha agredido seus pais.
A ré já possui vinte e quatro anos e sua interdição nunca foi
pleiteada. Ademais, não há nos autos documentos que atestem que a ré tenha
iniciado tratamento médico antes de 2009.
Observa-se, outrossim, que o boletim de ocorrência juntado
não indica que a ré tenha praticado qualquer ato violento contra o proprietário do
automóvel e nem contra os policiais que a abordaram e conduziram à Delegacia
da Polícia, sendo que não os relatórios médicos juntados apenas não apontam que
a ré tem comportamento inadequado e agitado.
Importante destacar que não se pode utilizar o referido
transtorno mental da ré, de intensidade e natureza ainda não suficientemente
demonstradas, de forma discriminatória, presumindo-se a necessidade de
internação como forma de auto-preservação, como veda o artigo 1º da Lei
10.216/01, até porque as internações são excepcionais, temporárias e não
configuram a melhor alternativa terapêutica.
Não se pode deixar de considerar que a internação representa
extrema violência ao direito de liberdade da ré e pode caracterizar grave ou até
irreparável prejuízo à sua saúde, caso realmente ela não seja necessária,
sobretudo da forma ampla como foi pleiteada.
Sobre o tema, conveniente a transcrição da r. decisão do
Desembargador Relator, Dr. Testa Marchi, que bem observou a excepcionalidade
da internação psiquiátrica e a necessidade de prévia perícia médica, com laudo
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circunstanciado, considerando que a medida representa extremo cerceamento à
liberdade:
“Tendo em vista a exigência legal, ainda não atendida pela
requerente, reputa-se conveniente, dada a situação
superveniente da alegada piora no estado de saúde do
requerido, uma prévia elaboração de perícia médica, com
laudo circunstanciado em que constem os elementos hábeis a
respaldar a medida que, conquanto possa ser salutar ao
interdito e à família, se mostra constritiva, em razão da
compulsoriedade. A cautela se justifica em virtude de que a
Lei n° 10.216/01, em seu art. 4o estabelece um limite
temporal para a internação e prevê que só deve ser indicada
quando os recursos extra-hospitalares ministrados tenham se
revelado insuficientes e, no caso, se revele a conveniência de
manter o paciente internado.
Acresce, ainda, que o mesmo art. 4o, em seus parágrafos
disciplina que o tratamento deve primar pela reinserção social
do paciente e oferecer assistência integral através de uma
equipe multidisciplinar. Ademais, em face da ausência de
dispositivo legal que autorize, de forma automática, ou ao
menos, desprovida de melhores elementos, a concessão da
tutela pleiteada, determinando a internação do paciente em
estabelecimento psiquiátrico, deve ser mantida a r. decisão
impugnada, até que ultimada a perícia médica, uma vez que a
internação compulsória, embora se destine à preservação da
saúde do paciente e bem estar dos que o cercam, não deixa de
ser um ato que, ao menos em tese, cerceia sua liberdade, o