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Contador de História

Oct 12, 2015

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Teresa Carter
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  • O que uma histria? A importncia das histrias em nossas vidas Voc consegue imaginar uma vida sem histrias? muito difcil porque as histrias esto

    por todos os lados: nas novelas, nos romances, nos filmes, nas sries, nas piadas e at nas

    fofocas! Em muitos sentidos, podemos dizer que a nossa vida uma histria, e a histria

    das outras pessoas tambm faz parte das nossas vidas.

    Por exemplo, se pensarmos na histria da nossa famlia. Poderemos nos lembrar de

    diversas cenas, momentos, eventos e memrias que nos influenciam. Histrias de grandes

    personalidades tambm nos ajudam a ter referncias em momentos crticos, em situaes

    de deciso ou podem nos guiam por toda a vida, como o caso das histrias de vidas dos

    lderes religiosos.

    Se formos pensar no ensino, quantos e quantos professores so vistos pelos alunos como

    tendo falta de didtica, como sendo aquele professor que sabe mas que no sabe passar

    porque, no final das contas, explica, explica, explica mas no d exemplos, no aproxima a

    teoria da vida, no mostra como isto tem relao com o mundo, com a prtica, com os

    nossos sentidos, no mesmo?

    Neste texto, vamos definir o que histria. No estamos falando aqui da disciplina

    acadmica que estudada na faculdade de histria mas sim de um estilo de escrita e

    fala que envolve personagens, cenrios, desenvolvimentos e mudanas que so

    organizadas em forma de narrativa. Enfim, todos ns sabemos o que uma histria. s

    pensarmos na histria do Chapeuzinho Vermelho ou na histria de vida de Jesus, que por

    sinal, ensinava por parbolas, ou seja, histrias. Assim como Buda, Confcio, Maom

    tambm ensinavam por histrias.

    Uma histria, portanto, pode ter uma importncia to grande a ponto de mudar uma vida! E

    umas 20 formas que utilizamos no consultrio para modificar o sentido de uma experincia

    e resignificar o presente para alterar o futuro.

    Por exemplo, se a paciente tem como sintoma principal o cime, podemos contar uma

    histria de uma mulher igualmente ciumenta que perdeu o marido (o que a far refletir sobre

    a gravidade do seu problema), mas conseguiu reconquist-lo depois de ter passado pela

    terapia e mudado suas atitudes.

  • Ou seja, uma histria no s um exemplo. Uma histria organiza o modo como

    entendemos o mundo, d um significado para uma experincia e pode nos guiar em muitas

    situaes.

    Ao longo do Curso, no faremos a diferena que os antigos faziam entre estria e histria,

    quer dizer, histria inventada (como do Chapeuzinho Vermelho) ou histria real, como a de

    Napoleo Bonaparte. At porque a questo da verdade uma questo para a cincia, para

    a disciplina da histria e o que estamos querendo com o Curso Contador de Histrias Grtis

    nos aperfeioarmos na habilidade de contar uma histria para algum. Com este objetivo

    em mente, vemos que tanto faz se a histria real ou inventada, se o personagem fictcio,

    vive ou viveu.

    O que uma histria? Antes de falarmos especificamente sobre a definio de histria, temos que entender que

    uma grande histria no se faz com grandes personagens, com dilogos perfeitos ou pelo

    fato de o contador ser um grande ator. O que faz uma histria ser uma tima histria

    a curiosidade. O leitor ou ouvinte atrado para continuar prestando ateno por causa de

    sua vontade, por seu desejo intenso de saber o que vem depois, o que vai acontecer, ou

    seja, como a histria termina?

    Estudos das neurocincias comprovaram que o prazer sentido ao saber o final da histria,

    seu fechamento ou concluso vem do neurotransmissor dopamina. como uma

    recompensa prazerosa que o crebro nos proporciona por ter continuado a seguir os passos

    da narrativa e chegado ao final.

    Pare para pensar: lembre-se de um filme ou novela que voc viu com muita ateno. Porque

    voc continua vendo at o final?

    A resposta : curiosidade. O que ser que vai acontecer? Nos perguntamos todo o momento

    at que, finalmente, chega-se ao clmax e resoluo. Talvez no percebamos mas h a um

    prazer, uma recompensa, um sentimento de satisfao ao ter acabado com a curiosidade.

    Pare para pensar: lembre-se de quando voc ouviu uma histria desinteressante. Porque

    voc no quis continuar prestando ateno? De novo, temos a mesma resposta. A histria

    no lhe despertou a curiosidade.

    Agora, vamos definio. Uma histria :

    1) Como o que acontece

    2) afeta algum

    3) na busca por um objetivo difcil

  • 4) e como ele ou ela muda no caminho

    Em outras palavras, o que e como acontece o enredo (1). O enredo afeta algum ou

    algumas pessoas, que so os personagens (2). O algum mais importante o protagonista.

    O objetivo difcil a questo da histria, ou o seu motivo (3). E como o protagonista muda

    no caminho o que a histria trata, o seu centro 4).

    Um exemplo de uma histria Uma das histrias mais famosas de todo o mundo Romeu e Julieta. Creio que todos j a

    conhecem. Ento, vamos aplicar o esquema anterior.

    1) Como o que acontece: Romeu e Julieta so filhos de duas famlias que se odeiam.

    Apesar disso, os dois se apaixonam.

    2) afeta algum: os personagens protagonistas so Romeu e Julieta.

    3) na busca por um objetivo difcil: o objetivo difcil ficar junto, realizar o amor, apesar do

    dio existente entre as duas famlias.

    4) e como ele ou ela muda no caminho: no caminho, h todo o sofrimento e apaixonamento

    dos dois personagens at o final trgico.

    O esquema acima, utilizado para definir o que uma histria pode e deve ser aplicado em

    todas as histrias. Em poucas palavras, podemos dizer que uma histria como o enredo

    afeta os personagens internamente.

    Pare um pouco e pense em um exemplo de uma histria que voc goste. Aplique o esquema

    de definio e analise os componentes bsicos. E, em seguida, utilize tambm o prximo

    exemplo abaixo:

    Chapeuzinho Vermelho Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho, que tinha esse apelido pois

    desde pequenina gostava de usar chapus e capas desta cor.

    Um dia, sua me pediu:

    - Querida, sua av est doente, por isso preparei aqueles doces, biscoitos, pezinhos e

    frutas que esto na cestinha. Voc poderia levar casa dela?

    - Claro, mame. A casa da vov bem pertinho!

    - Mas, tome muito cuidado. No converse com estranhos, no diga para onde vai, nem

    pare para nada. V pela estrada do rio, pois ouvi dizer que tem um lobo muito mau na

    estrada da floresta, devorando quem passa por l.

  • ()

    E a histria continua. Bem, vamos analisar juntos este trecho?

    Veja que a primeira frase j introduziu a protagonista, Chapeuzinho Vermelho e explica

    uma caracterstica sua. Logo em seguida, temos o enredo: Chapeuzinho ter que ir at a

    casa de sua av. Porm, ela tem um objetivo difcil que conseguir passar pela estrada da

    floresta, muito perigosa pela presena de um lobo malvado.

    Notou que em apenas 5 frases o leitor j fica curioso? Ele fica curioso porque, embora no

    perceba conscientemente, j foi atrado pelo centro da histria e provavelmente sem

    perceber j comea a se questionar sobre como ser a travessia pela floresta. O que ser

    que vai acontecer? Ser que ela vai encontrar o lobo? Se encontrar, o que ser que o lobo

    vai fazer?

    Preste bem ateno como em pouqussimo tempo a curiosidade foi criada. Especialmente

    com crianas, temos que despertar rapidamente a curiosidade. De outro modo, ela no vai

    querer ouvir ou ler. Mas no s com crianas, todos ns gostamos de histrias, mas de

    histrias boas, interessantes, ou seja, histrias que despertam o nosso interesse, a nossa

    curiosidade o mais rpido possvel.

    Concluso e Exerccio Para contar uma histria, ns temos que conhecer os elementos que a compe. Podemos,

    portanto, dividir uma histria em seu enredo, personagens, problema (motivo ou objetivo) e

    mudanas que conduzem resoluo do problema.

    Digamos que ns vamos escrever uma histria. Podemos pensar em um conto ou um

    romance. Imagine que vamos comear sem saber o problema do personagem. Sem

    problema praticamente no temos enredo.

    Seria como comear a contar a histria da Chapeuzinho Vermelho apenas falando da

    Chapeuzinho. Sem problema e sem enredo, nada acontece. A histria no existe ou no

    mximo temos uma histria como aqueles filmes suecos sem msica e sem movimento.

    Ento, para sabermos como contar uma histria, temos que ter conscincia dos

    personagens, mas no s dos personagens. Temos que saber qual problema o personagem

    (ele ou ela) vai tentar solucionar e como a tentativa de soluo afeta e muda internamente

    quem o personagem .

    Um ltimo exemplo rpido. Victor Frankl era um mdico psiquiatra judeu. Em 1942 ele

    preso pelos nazistas e mandado para um campo de concentrao. Seu pai e sua mulher

  • so mortos, mas ele consegue manter-se vivo. Durante o perodo em que esteve no campo

    de concentrao, ele consegue encontrar sua tese central sobre o sentido da vida.

    Quando vamos contar a histria do Frankl, ficamos impressionados com o problema: estar

    preso em um campo de concentrao, passando por enormes torturas. Mas ficamos ainda

    mais fascinados ao saber como ele mudou com este problema extremo: encontrou o seu

    sentido para a vida e fundou a logoterapia.

    isso, queridos amigos, para saber como contar uma histria, temos que saber o que

    uma histria. Depois disso, temos que entender os elementos da histria que estamos para

    contar e captar rapidamente a ateno e curiosidade de quem nos ouve ou l. E somente

    conseguiremos faz-lo se mostrarmos logo desde o comeo o personagem e o problema

    enfrentado por ele ou ela.

    Na prxima lio (em breve), falaremos sobre como prender a ateno do leitor.

    Mas ainda tem mais! Se voc est querendo escrever sua prpria histria, certifique-se das

    questes tratadas no texto. Para facilitar, faa estas 4 perguntas:

    1) O que acontece? Que eventos tem que acontecer para o protagonista superar os

    desafios que est enfrentando?

    2) A quem acontece? Qual a pessoa afetada pelos eventos? Tenha em mente, com

    clareza, quem o protagonista da histria, ou seja, saiba quem a pessoa em busca de um

    objetivo difcil.

    3) Qual o objetivo do protagonista? Todas as boas histrias apresentam desde o

    comeo um objetivo inevitvel, que o protagonista tem que lidar.

    4) Como o protagonista muda? Quais so as mudanas que acontecem ao personagem

    central? O que ela aprende com as experincias do problema central e com os objetivos que

    almeja?

  • Como prender a ateno do ouvinte Ol amigos!

    Esta a nossa 2 Lio do Curso Contador de Histrias Grtis. Nesta lio, temos um

    objetivo bem especfico que ajudar voc a prender a ateno do seu ouvinte ou leitor, ao

    contar uma histria. E, por incrvel que parea, muitas e muitas pessoas no sabem fazer

    isso! Felizmente, no uma tarefa to difcil. Acompanhe o nosso texto que, ao final, voc

    saber como captar, atrair e manter a ateno na contao de histrias.

    Histria Escrita O ttulo Vamos comear falando sobre histrias escritas. Um livro ou um texto (como este) comea

    a chamar a ateno pelo ttulo. Um ttulo bem construdo poder despertar a ateno do

    leitor para comear a leitura.

    Vejamos alguns exemplos de livros famosos:

    - Como fazer amigos e influenciar pessoas

    - Pai rico e pai pobre

    - A interpretao dos sonhos

    - Os 7 hbitos das pessoas realmente eficazes

    - O mito da liberdade

    Todos estes livros so best-sellers da psicologia e da literatura chamada de Auto-Ajuda.

    Veja a diferena aqui Diferena entre psicologia e auto-ajuda

    Independente do contedo poderamos utilizar exemplos de outras reas vemos que

    existe um certo padro para despertar o interesse do leitor. No primeiro livro, Como fazer

    amigos e influenciar pessoas temos um problema e o ttulo j insinua que, aps a leitura,

    voc conseguir fazer mais amigos. semelhante ao ttulo do texto que voc est lendo

    agora Como prender a ateno do ouvinte a palavra como traz a ideia de mtodo. O

    ttulo ento uma proposta cujo centro a promessa de resolver um problema.

    No segundo livro, ns estabelecemos dois tipos de pais, um que rico e outro que pobre.

    semelhante colocar uma numerao (veremos no quarto livro). O ttulo tambm cria uma

    dicotomia, uma polaridade entre ser rico e ser pobre e imediatamente nos chama a ateno

    sobre como seria ser criado por cada um dos personagens.

    O terceiro ttulo, A Interpretao dos Sonhos, apresenta uma proposta de resoluo de um

    problema que elptica, ou seja, escondida. Pelo ttulo, j podemos ver que o autor

  • defende a tese de que os sonhos podem ser interpretados. Tambm desperta a nossa

    curiosidade para saber como interpretar os sonhos.

    O quarto livro 7 hbitos das pessoas realmente eficazes um clssico exemplo de

    listas. As pessoas adoram listas como top 5 ou top 10. O nmero 7 tambm considerado

    por muitos um nmero importante e ficamos j curiosos para saber quais destes 7 hbitos

    ns temos ou podemos adquirir.

    E o Mito da Liberdade, de Skinner, tambm um excelente exemplo da psicologia

    comportamental sobre um problema especfico, a liberdade. A palavra mito remete uma

    dvida. Ser a liberdade um mito? Ser que estamos presos? Ser que somos

    condicionados? Ser que o mundo exterior nos limita em nossas decises?

    O que temos em comum em todos estes ttulos a tentativa de despertar o interesse, a

    ateno, a curiosidade dos leitores. Os livros de Autoajuda so melhores na criao da

    curiosidade, no mesmo? A necessidade de atrair a ateno rpido fica clara, tanto nos

    ttulos como nos textos, artigos, matrias.

    Bem, o ttulo apenas o comeo. At aqui estvamos falando da histria escrita, ok? O

    prximo passo igual tanto para a histria oral como para a histria escrita, que so as

    primeiras frases, que devem despertar o quanto antes a curiosidade. A primeira impresso

    a que fica.

    Atraia a ateno imediatamente Toda boa histria j comea a mostrar desde o incio como algum (o protagonista) tem que

    lidar com um problema que no pode afastar. Como no pode afastar o problema, a pessoa

    tem que lidar com ele e neste processo ela muda, se transforma e aprende.

    Por exemplo, no Memrias Pstumas de Brs Cubas, aps uma breve introduo, o captulo

    1 comea do seguinte modo:

    Algum tempo hesitei se devia abrir estas memrias pelo princpio ou pelo fim, isto , se

    poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja

    comear pelo nascimento, duas consideraes me levaram a adotar diferente mtodo: a

    primeira que eu no sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem

    a campa foi outro bero; a segunda que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.

    Moiss, que tambm contou a sua morte, no a ps no introito, mas no cabo; diferena

    radical entre este livro e o Pentateuco.

    Dito isto, expirei s duas horas da tarde de uma sexta-feira do ms de agosto de 1869, na

    minha bela chcara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prsperos, era

  • solteiro, possua cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitrio por onze

    amigos. Onze amigos! ()

    Temos ento logo de comeo uma situao inusitada que o protagonista, Brs Cubas, ter

    que lidar: a prpria morte! Ficamos atrados imediatamente para saber mais, curiosos sobre

    como a histria continua.

    Se estamos escrevendo uma histria ou contando oralmente temos que instigar o nosso

    ouvinte ou leitor logo, com a seguinte questo em mente: Com qual problema o protagonista

    ter que lidar?

    Temos que passar a histria com elementos surpresas (falaremos mais em Lies

    posteriores), mas sempre mantendo a coerncia e a lgica interna, ainda que a histria

    possa ser fantstica. Com isso, temos que levar em conta trs regras bsicas:

    - De quem a histria? Ou seja, sobre quem estamos falando?

    - O que est acontecendo? Tambm pode ser, em certos tipos, porque isto est

    acontecendo?

    - O que est em jogo?

    De quem estamos falando? A tendncia de todos ns ao ouvir uma histria nos ligarmos ao protagonista. Podemos

    sentir simpatia pelo heri ou pela herona ou podemos sentir antipatia pelo vilo ou vil. Seja

    por aproximao ou afastamento, vamos nos atentar instantaneamente para o protagonista

    ou para os personagens centrais da trama.

    Veremos em uma Lio posterior que a tendncia do leitor e do ouvinte sentir o que o

    protagonista sente. Ainda que a experincia seja totalmente estranha para ns, vamos nos

    ligando histria atravs do personagem.

    Pense em um filme de terror em que o protagonista vai para uma casa mal assombrada.

    Embora a experincia possa nunca ter acontecido, ou seja, ver fantasmas, poltergeists,

    assombraes, vamos sendo conduzidos e sem que percebamos estamos dentro do filme,

    sentindo tanto medo como o personagem que est para abrir uma porta

    Tambm interessante observar como filmes e romances constroem o personagem

    apresentando elementos especficos. Assim, a histria pode comear com o personagem

    em uma sala de aula, ou conversando com sua famlia, ou vestindo uma roupa que nos vai

    guiar para saber quem quem na narrativa.

  • O que est acontecendo? Para ficarmos querendo saber o que vai acontecer a seguir, temos que saber o que est

    acontecendo agora. O tempo fundamental na narrativa e a criatividade humana sem

    limite para colocar em ordens alternativas o passado, o presente e o futuro.

    Por exemplo, a Odisseia de Homero conta a histria da volta de Ulisses da Guerra de Troia

    para sua casa e como esta volta conturbada e cheia de aventuras. O comeo da histria

    no linear, no comea pelo comeo. Mostra Ulisses j no meio do caminho, na ilha de

    Calipso. O que est acontecendo j o meio da histria mas isto no importa: est

    acontecendo algo! Algo que vai captar a nossa ateno. Nada pior do que uma histria em

    que nada acontece, no mesmo?

    Um outro exemplo magnfico o de Cem Anos de Solido, de Gabriel Garca Marquez:

    MUITOS anos depois, diante do peloto de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buenda havia

    de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era

    ento uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construdas margem de um rio de

    guas difanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes

    como ovos pr-histricos. O mundo era to recente que muitas coisas careciam de nome e

    para mencion-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo ms de maro,

    uma famlia de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto a aldeia e, com um grande

    alvoroo de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos. Primeiro trouxeram o

    im. Um cigano corpulento, de barba rude e mos de pardal, que se apresentou com o nome

    de Melquades, fez uma truculenta demonstrao pblica daquilo que ele mesmo chamava

    de a oitava maravilha dos sbios alquimistas da Macednia. Foi de casa em casa arrastando

    dois lingotes metlicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeires, os tachos, os

    tenazes e os fogareiros caam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos

    pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e at os objetos perdidos h muito tempo

    apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta

    atrs dos ferros mgicos de Melquades. As coisas tm vida prpria, apregoava o cigano

    com spero sotaque, tudo questo de despertar a sua alma. Jos Arcdio Buenda, cuja

    desatada imaginao ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e at mesmo alm

    do milagre e da magia, pensou que era possvel se servir daquela inveno intil para

    desentranhar o ouro da terra ()

    Logo no comeo do romance, um dos mais fantsticos livros j escritos, vemos que Gabriel

    Garcia Mrquez mostra que muita coisa est acontecendo ao personagem Aureliano

    Buenda e seu pai Jos Arcdio Buenda. Tanto o que vai acontecer anos depois (estar

  • diante do peloto de fuzilamento) como acontecimentos remotos do passado como conhecer

    o gelo e ver seu pai tentar encontrar ouro com o im.

    - O que est em jogo? H muitos anos atrs, eu estava inventando uma histria do zero para uma prima de nove

    anos. Estava j estudando estas questes da narrativa na faculdade, porm, tudo era novo

    para mim. Na minha nova histria infantil, fui improvisando e cometi um erro fatal: na histria

    tudo dava certo, tudo se encaixava e no havia um problema a ser resolvido. Isto fez com

    que a minha prima ficasse no to interessada em continuar me ouvindo.

    Este erro que cometi no pode acontecer! Uma histria tem que ter um problema, uma

    dificuldade, um risco, um elemento que atrapalhe. Se formos analisar todos os filmes de

    comdia romntica que j foram lanados sem sombra de dvida veremos o seguinte

    progresso:

    1) O casal se conhece

    2) O casal se apaixona

    3) H um problema que dificulta a relao como ter que mudar de cidade, aparecer uma

    terceira pessoa, uma doena

    E neste ponto 3 que podemos compreender que o que est em jogo o risco de o casal

    no continuar junto.

    4) Na maior parte das vezes, o casal consegue resolver o problema e viver feliz para sempre

    Agora, imagine uma histria que no tenha um problema. Isto vai fazer com que nada

    acontea. Ou no mnimo far com que nada de interessante acontea.

    Concluso e Exerccio

    Todas as histrias possuem um objetivo, um sentido, um ponto (como se diz em ingls,

    What is your point?). Com isso, se voc deseja escrever uma nova histria ou se voc que

    recontar uma histria, voc deve saber desde j o para qu, a finalidade, o objetivo. Deste

    modo, voc consegue colocar as coisas de um modo que o seu objetivo j aparea desde o

    comeo.

    Digamos que estamos conversando sobre animais selvagens e voc comea a contar uma

    histria relacionada. Logo de comeo voc j pode captar a ateno do ouvinte dizendo: Vi

    na TV ontem uma histria que se passou no norte dos Estados Unidos, nas montanhas. Um

    urso encontrou o pai e a filha e os atacou. Em poucas palavras, menores que um tweet,

    voc consegue mostrar o seu ponto, a histria de um ataque de ursos.

  • Com certeza, surge a questo: Mas o que aconteceu com o pai e a filha?

    Nunca demais repetir: para captar a ateno de seu ouvinte ou leitor voc tem que

    despertar a curiosidade. Se puder despertar a curiosidade logo nas primeiras frases, melhor,

    muito melhor. Deste modo, voc no correr o risco do desinteresse. Saiba muito bem qual

    o objetivo da histria, porque, seno, voc estar passando apenas um tanto de cenas e

    eventos desconectados.

    Exerccio:

    Saiba qual o seu tema. Que aspectos da natureza humana a histria trata? Qual o tom

    da histria? uma tragdia? Uma comdia? Uma histria romntica?

    Saiba qual a questo interna que o personagem est vivenciando. Que tipo de desafio

    o protagonista tem que enfrentar para atingir o seu objetivo?

    Saiba qual o enredo. Que eventos externos afetam o personagem? Qual a sequncia

    de eventos? O que acontece antes e o que acontece depois?

    No exemplo da histria do ataque, o tema a sobrevivncia em um ambiente selvagem. A

    questo que os dois esto vivenciando como enfrentar um perigo real, que pode acabar

    com suas vidas ou deixar sequelas permanentes. O enredo o seguinte: Pai e filha vo para

    as montanhas realizar um passeio. No meio do caminho, encontram um urso gigante. O urso

    os ataca. Eles lutam por sua sobrevivncia. Durante a luta, pai e filha caem em um penhasco

    de mais de sessenta metros. Apesar dos ferimentos serem graves, eles so resgatados.

    A histria do urso acaba bem. Pai e filha so atacados, mas sobrevivem.

    Como podemos ver um tema trgico, embora o final seja positivo.

    Para aproveitar melhor esta Lio de nosso Curso, tente:

    1) criar uma nova histria,

    2) contar uma histria que voc j conhea (oralmente ou por escrito),

    3) observe sempre as narrativas nos romances, filmes, sries, novelas e pessoas que so

    excelentes em prender a ateno do ouvinte como palestrantes.

  • Sentindo o que o protagonista sente Ol amigos!

    Hoje vamos dar sequncia ao nosso Curso de Contador de Histrias Grtis. Como j

    mencionamos na Lio anterior Como prender a ateno do ouvinte? temos sempre uma

    grande tendncia de nos identificar com o protagonista ou com os personagens centrais das

    histrias, ou seja, normalmente vamos sentindo o que o personagem sente, muitas vezes

    at sem perceber.

    Assim, comum sentir raiva quando h uma contrariedade ou tristeza quando h um

    sofrimento ou medo em um filme de terror ou alegria em um romance, no mesmo?

    Por isso, podemos pensar que uma histria uma criao que visa trazer para o leitor o

    mundo do personagem central (e dos personagens ao seu redor). O objetivo o de que os

    sentimentos vivenciados pelo protagonista sejam compartilhados pelo leitor ou pelo ouvinte.

    Neste sentido, quem mais importa em uma histria no o autor, no so os personagens,

    quem d vida a uma histria quem est participando dela, como leitor, como ouvinte! o

    que ns chamamos na teoria da literatura de teoria da recepo. Quem est recepcionando,

    quem est atento aos acontecimentos e participando internamente da histria e quem d

    vida histria o foco. Afinal, sem leitor, sem ouvinte, no h histria.

    Pois bem: hoje vamos falar sobre a identificao do leitor/ouvinte com o protagonista. O

    intuito explicar o que acontece para haver esta identificao. Mas, mais importante em

    um Curso para formar Contadores de Histrias saber como provocar esta identificao.

    Como fazer com que o leitor vista a pele do personagem? Como fazer com que o ouvinte

    entre na narrativa ao ponto de esquecer at sua prpria vida?

    Se pararmos para pensar um pouco, isto o que acontece quando ns entramos na histria.

    Quando as histrias so fascinantes, em qualquer uma das artes (literatura, cinema, teatro),

    ns deixamos de lado o nosso mundo particular, para adentrar o mundo de um outro. E,

    neste processo, aprendemos e evolumos.

    Sentindo o que o personagem sente No plano das histrias e na vida, como vem demonstrando as neurocincias as emoes

    tm primazia sobre a razo. O que sentimos, as nossas emoes, vem primeiro do que a

    lgica, do que a cognio. Por este motivo, qualquer processo de mudana deve partir das

    emoes, dos complexos afetivos, e no (s) do conhecimento ou da conscientizao sobre

    o problema.

  • Em outras palavras, vemos que se a mudana s consciente, se afeta s a razo, mas

    no toca as emoes, a mudana pequena e provavelmente ter vida curta. Um exemplo

    simples : um fumante pode saber conscientemente que fumar prejudicial, mas somente

    no momento em que sentir a dor das consequncias ou presenciar casos de doena

    prximos e sentir a necessidade profunda de parar, que conseguir parar de vez.

    Enfim, as emoes correspondem a uma grande parte das nossas experincias. Se vamos

    ao cinema e no entramos no filme, provvel que no estejamos sentindo o que os

    personagens esto sentindo. Tudo pode parecer distante, alheio, sem ligao com a nossa

    realidade.

    Um outro exemplo que j vi acontecer diversas vezes so os documentrios que retratam

    as mortes de animais para a alimentao humana. Quando vemos uma vaca sendo

    assassinada para que possamos comer, se sentimos a sua dor extrema, o medo e o terror,

    provavelmente vamos nos ligar ao sentimento do animal e vamos querer parar de comer

    carne.

    Este um exemplo da ligao afetiva que podemos criar. Por outro lado, podemos ver um

    filme sobre a mfia japonesa e tudo isto ser to distante que no nos afeta em nada.

    Enfim, o ponto aqui que para sabermos contar uma histria, bem contada, temos que

    despertar a curiosidade e criar uma forte ligao afetiva e emocional com quem est disposto

    a nos ouvir ou a ler.

    Voltando ao nosso tema, regra geral: tudo o que acontece na histria deve afetar o

    protagonista. Na verdade, a partir do olhar do protagonista que sentiremos como um

    evento externo afeta as suas emoes. E, atravs das emoes do protagonista que

    sentiremos com ele (ou ela).

    Um exemplo fantstico o filme Melinda e Melinda, do Woody Allen. Se voc ainda no viu,

    sugiro que veja. Na histria, temos uma mesma protagonista que vivencia os mesmos

    eventos. Porm, enquanto uma Melinda sente tudo como uma tragdia, a outra Melinda

    sente tudo como se fosse uma comdia. Com isto, o filme torna-se interessantssimo sobre

    o tema que estamos tratando aqui, pois os eventos externos so at certo ponto indiferentes.

    O que realmente importa como o protagonista reage.

    Deste modo, a reao do protagonista deve ser:

    - Especfica;

    - Ser pessoal;

    - Afetar o seu objetivo

  • Tambm devemos distinguir entre reaes que so externas (quando o protagonista faz

    algo) e reaes que so internas (quando o protagonista pensa, sente, lembra, cr, etc.)

    Um exemplo dos sentimentos expressos pelo protagonista facilmente visvel no romance

    de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther. um livro belssimo, em alemo. To bonito

    na lngua original que eu recomendaria a vocs que aprender alemo s para ler Goethe j

    valeria a pena. No comeo do livro, temos (a traduo minha):

    Como eu estou contente, por haver partido! Meu melhor amigo, o que o corao do

    homem? Afastar-me de voc, de quem eu tanto gosto, de quem eu era inseparvel, e estar

    feliz! Eu sei, voc me perdoa. No foram todas as minhas relaes arranjadas pelo destino

    para angustiar um corao como o meu? Pobre Leonore! Eu fui, talvez, imperdovel. Tenho

    alguma culpa se a paixo nasceu no corao de sua irm, enquanto eu procurava distrair-

    me com suas faceirices?

    Evidente que este exemplo, do livro que inaugura o romantismo, mostra os sentimentos do

    personagem central, Werther, de um ponto de vista interior. Em suas cartas, ele vai contando

    o que est sentindo, o que est lhe acontecendo e de que modo ele est mudando e sendo

    afetado pelas relaes com os outros personagens, em especial, Charlotte, por quem se

    apaixona.

    O livro brilhantemente construdo. Tanto foi que, no decorrer da histria que se torna

    trgica, muitos jovens leitores da poca sentiram tanto o que Werther sentia que houve uma

    onda de suicdios na Europa. Claro que este um exemplo extremo de identificao. Mas

    dadas as consequncias trgicas podemos ver como o que acontece ao personagem central

    um romance no correspondido tambm era sentido por muitas pessoas na poca. A

    identificao foi tanta que eles fizeram o que personagem faz no final.

    Voltando ao nosso tema de hoje, como podemos criar esta identificao? Vejamos as

    diferenas entre a narrao em primeira e em terceira pessoa.

    Narrao em primeira pessoa Na narrao em primeira pessoa, o prprio protagonista quem conta a histria. ele ou

    ela que vai nos introduzir em seu mundo e como as circunstncias esto afetando as suas

    expectativas, sonhos e objetivos. o mesmo caso do Werther e de muitos outros romances.

    Na Lio anterior, falamos j do Memrias Pstumas de Brs Cubas, que ao contrrio do

    livro de Goethe j enquadra-se em um movimento literrio posterior, o realismo.

  • Uma das cenas mais fantsticas do livro narra esta situao vivenciada por Brs Cubas

    (tambm em primeira pessoa). Apesar de grande, gostaria de trazer para que, quem no

    conhece, conhea:

    Que me conste, ainda ningum relatou o seu prprio delrio; fao-o eu, e a cincia mo

    agradecer. Se o leitor no dado contemplao destes fenmenos mentais, pode saltar

    o captulo; v direito narrao. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que

    interessante saber o que se passou na minha cabea durante uns vinte a trinta minutos.

    ()

    Isto dizendo, [A Natureza] arrebatou-me ao alto de uma montanha. Inclinei os olhos a uma

    das vertentes, e contemplei, durante um tempo largo, ao longe, atravs de um nevoeiro,

    uma coisa nica. Imagina tu, leitor, uma reduo dos sculos, e um desfilar de todos eles,

    as raas todas, todas as paixes, o tumulto dos Imprios, a guerra dos apetites e dos dios,

    a destruio recproca dos seres e das coisas. Tal era o espetculo, acerbo e curioso

    espetculo. A histria do homem e da Terra tinha assim uma intensidade que lhe no podiam

    dar nem a imaginao nem a cincia, porque a cincia mais lenta e a imaginao mais

    vaga, enquanto que o que eu ali via era a condensao viva de todos os tempos. Para

    descrev-la seria preciso fixar o relmpago. Os sculos desfilavam num turbilho, e, no

    obstante, porque os olhos do delrio so outros, eu via tudo o que passava diante de mim,

    flagelos e delcias, desde essa coisa que se chama glria at essa outra que se chama

    misria, e via o amor multiplicando a misria, e via a misria agravando a debilidade. A

    vinham a cobia que devora, a clera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena,

    midas de suor, e a ambio, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos

    agitavam o homem, como um chocalho, at destru-lo, como um farrapo. Eram as formas

    vrias de um mal, que ora mordia a vscera, ora mordia o pensamento, e passeava

    eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espcie humana. A dor cedia

    alguma vez, mas cedia indiferena, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que

    era uma dor bastarda. Ento o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das

    coisas, atrs de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpvel,

    outro de improvvel, outro de invisvel, cosidos todos a ponto precrio, com a agulha

    da imaginao; e essa figura, nada menos que a quimera da felicidade, ou lhe fugia

    perpetuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e ento ela

    ria, como um escrnio, e sumia-se, como uma iluso.

    Ao contemplar tanta calamidade, no pude reter um grito de angstia, que Natureza ou

    Pandora escutou sem protestar nem rir; e no sei por que lei de transtorno cerebral, fui eu

  • que me pus a rir, de um riso descompassado e idiota. Tens razo, disse eu, a coisa

    divertida e vale a pena, talvez montona mas vale a pena. Quando J amaldioava o

    dia em que fora concebido, porque lhe davam ganas de ver c de cima o espetculo.

    Vamos l, Pandora, abre o ventre, e digere-me; a coisa divertida, mas digere-me.

    A resposta foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e a ver os sculos que

    continuavam a passar, velozes e turbulentos, as geraes que se superpunham s

    geraes, umas tristes, como os Hebreus do cativeiro, outras alegres, como os devassos de

    Cmodo, e todas elas pontuais na sepultura. Quis fugir, mas uma fora misteriosa me retinha

    os ps; ento disse comigo: Bem, os sculos vo passando, chegar o meu, e passar

    tambm, at o ltimo, que me dar a decifrao da eternidade. E fixei os olhos, e continuei

    a ver as idades, que vinham chegando e passando, j ento tranquilo e resoluto, no sei at

    se alegre. Talvez alegre. Cada sculo trazia a sua poro de sombra e de luz, de apatia e

    de combate, de verdade e de erro, e o seu cortejo de sistemas, de ideias novas, de novas

    iluses; cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e amareleciam depois,

    para remoar mais tarde. Ao passo que a vida tinha assim uma regularidade de calendrio,

    fazia-se a histria e a civilizao, e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se,

    construa o tugrio e o palcio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, criava a cincia, que

    perscruta, e a arte que enleva, fazia-se orador, mecnico, filsofo, corria a face do globo,

    descia ao ventre da Terra, subia esfera das nuvens, colaborando assim na obra misteriosa,

    com que entretinha a necessidade da vida e a melancolia do desamparo. Meu olhar,

    enfarado e distrado, viu enfim chegar o sculo presente, e atrs deles os futuros. Aquele

    vinha gil, destro, vibrante, cheio de si, um pouco difuso, audaz, sabedor, mas ao cabo to

    miservel como os primeiros, e assim passou e assim passaram os outros, com a mesma

    rapidez e igual monotonia. Redobrei de ateno; fitei a vista; ia enfim ver o ltimo, o

    ltimo!; mas ento j a rapidez da marcha era tal, que escapava a toda a compreenso; ao

    p dela o relmpago seria um sculo. Talvez por isso entraram os objetos a trocarem-se;

    uns cresceram, outros minguaram, outros perderam-se no ambiente; um nevoeiro cobriu

    tudo, menos o hipoptamo que ali me trouxera, e que alis comeou a diminuir, a diminuir,

    a diminuir, at ficar do tamanho de um gato. Era efetivamente um gato. Encarei-o bem; era

    o meu gato Sulto, que brincava porta da alcova, com uma bola de papel

    simplesmente genial a descrio do que acontece ao personagem Braz Cubas e como

    esta alucinao no captulo VII (O delrio) do Memrias Pstumas nos faz entrar na histria.

    Podemos ver claramente como ele descreve com detalhes o que lhe aparece aos cinco

    sentidos, mas no s: ele tambm compartilha conosco o que ele pensa e suas expectativas.

  • Narrao em terceira pessoa Em princpio, pode parecer mais complicado trazer o leitor ou ouvinte para se identificar com

    o personagem quando a histria narrada em terceira pessoa. Para quem no se lembra

    das aulas de portugus, a narrao em terceira pessoa quando contamos do seguinte

    modo:

    , estando to ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera s pressas

    porque cada vez mais matava servio, embora s viesse para deixar almoo e jantar prontos,

    dera vrios telefonemas tomando providncias, inclusive um dificlimo para chamar o

    bombeiro de encanamentos de gua, fora cozinha para arrumar as compras e dispor na

    fruteira as maas que eram a sua melhor comida, embora no soubesse enfeitar uma

    fruteira, mas Ulisses acenara-lhe com a possibilidade futura de por exemplo embelezar uma

    fruteira, viu o que a empregada deixara para jantar antes de ir embora, pois o almoo

    estivera pssimo, enquanto notara que o terrao pequeno que era privilgio de seu

    apartamento por ser trreo precisava ser lavado, recebera um telefonema convidando-a

    para um coquetel de caridade em benefcio de alguma coisa que ela no entendeu

    totalmente mas que se referia ao seu curso primrio, graas a Deus que estava em frias,

    fora ao guarda-roupa escolher que vestido usaria para se tornar extremamente atraente para

    o encontro com Ulisses que j lhe dissera que ela no tinha bom-gosto para se vestir,

    lembrou-se de que sendo sbado ele teria mais tempo porque no dava nesse dia as aulas

    de frias na Universidade, pensou no que ele estava se transformando para ela, no que ele

    parecia querer que ela soubesse, sups que ele queria ensinar-lhe a viver sem dor apenas,

    ele dissera uma vez que queria que ela, ao lhe perguntarem seu nome, no respondesse

    Lri mas que pudesse responder meu nome eu, pois teu nome, dissera ele, um eu

    O modo maravilhoso como Clarice Lispector abre o seu Uma aprendizagem ou o livro dos

    prazeres A origem da Primavera ou a A Morte Necessria em Pleno Dia em terceira

    pessoa. Porm, ainda que a narrativa em terceira pessoa seja um pouco mais distanciada

    do que a primeira, vemos como ela brilhante ao colocar o leitor dentro das cenas. Podemos

    dizer que em terceira pessoa porque temos frases com o sujeito oculto como:

    (Ela) viera das compras ela (fora) cozinha para arrumar as compras (ela) recebera um

    telefonema convidando-a para um coquetel de caridadepensou no que ele estava se

    transformando para ela, no que ele parecia querer que ela soubesse, sups que ele queria

    ensinar-lhe a viver sem dor apenas (e assim segue).

    A narrativa to fluda pois retira os travesses de dilogo e retira igualmente a necessidade

    de estar sempre falando (ela pensou, ela disse) e tambm no insere nem aspas nem itlico

  • para marcar uma passagem. A narrativa igualmente fluda pois vai mesclando fatos e

    eventos com sentimentos e opinies de Lri (a protagonista). Assim, ao invs de ser um

    grande amontado de fatos (ela fez, pegou, disse) vamos sentindo com ela o que ela est

    sentindo.

    Se pegarmos qualquer outro livro bem escrito em terceira pessoa, veremos que o autor

    sempre trar o que o personagem central est pensando ou sentindo, porque no universo

    interior do protagonista que a histria acontece.

    E para ficar ainda mais claro que, sendo em terceira pessoa ou no, o que importa mostrar

    para todos os sentimentos, sensaes e opinies do protagonista, gostaria de trazer o

    comeo do Retrato de um Artista quando jovem:

    Era uma vez e uma vez muito boa mesmo uma vaquinha-mu que vinha andando pela

    estrada e a vaquinha-mu que vinha andando pela estrada encontrou um garotinho

    engrachadinho chamado beb tico-taco.

    Seu pai lhe contava aquela histria: seu pai olhava para ele atravs dos culos; ele tinha

    um rosto peludo. Ele era um beb tico-taco. A vaquinha-mu vinha pela estrada onde Betty

    Byrne morava: ela vendia bala de limo.

    Oh, os botes de rosa selvagem

    Naquele lugarzinho verde.

    Ele cantava aquela cano. Aquela era a sua cano.

    Oh! O verde ia chatear!

    Quando a gente molha a cama primeiro quente depois ca frio. Sua me punha um oleado.

    Aquilo tinha um cheiro esquisito. Sua me tinha um cheiro mais gostoso do que o seu pai.

    Apesar de o narrador ser em terceira pessoa, vemos como o autor consegue trazer-nos para

    dentro dos sentimentos e sensaes do protagonista, Stephen Dedalus, desde o comeo,

    quando ainda um beb!

    Concluso e Exerccio

    Para contarmos bem uma histria no devemos apenas dizer os fatos em uma ordem

    cronolgica. Temos que entender o modo pelo qual estes fatos afetam o nosso personagem

    central, na busca de seu objetivo ou na busca da resoluo do problema. Temos que nos

    lembrar que as emoes so um estado de conscincia bsico e comum e que nos atinge

    antes (e possivelmente mais) do que a lgica, do que o pensar.

  • Por isso to importante saber o que o personagem sente e transmitir para quem est

    disposto a conhecer a nossa histria quais so os sentimentos e porque o protagonista sente

    desse jeito em cada um dos momentos vivenciados por ele ou ela.

    Devemos nos lembrar que para escrever uma nova histria ou para recontar uma histria j

    criada, ns temos que treinar. Se voc est escrevendo uma nova histria, tem que ter

    disposio para escrever e reescrever caso as verses primeiras no fiquem de acordo. Do

    mesmo modo, se voc vai contar uma histria para outras pessoas, tenha em mente que

    talvez voc possa ir aperfeioando os detalhes, com o intuito de saber o que funciona e o

    que no funciona.

    E, finalmente, vamos s perguntas que devemos conduzir:

    - O seu leitor ou ouvinte sabe o que o protagonista sente e quais so as suas expectativas?

    - O que especificamente tem que acontecer para que o protagonista atinja os seus objetivos?

    - Tudo (ou quase tudo) o que acontece na narrativa afeta o seu protagonista em cada um

    dos momentos da trama?

    - H reao do protagonista frente s experincias que ele est vivenciando? A reao,

    lembre-se, pode ser externa (um ato, um gesto, uma ao) ou interna (um sentimento, um

    pensamento, uma crena, uma ideia).

    - O seu leitor ou ouvinte consegue perceber a relao existente entre os eventos externos e

    as reaes do seu personagem central?

    - Se voc est criando um personagem em primeira pessoa, todas (ou quase todas) as

    situaes refletem o ponto de vista do protagonista?

  • Os objetivos do personagem Ol amigos!

    Continuando o nosso Curso de Contador de Histrias Grtis, vamos falar agora sobre a

    importncia de entender que cada personagem tem um objetivo, tem um propsito, tem uma

    misso, assim como eu e voc, assim como todos ns.

    Se vamos contar uma histria, seja ela fictcia ou real, ns temos que imediatamente captar

    o que o personagem quer, qual o seu alvo, qual a sua meta, seno, corremos o risco de criar

    uma histria to parada que no despertar o interesse do nosso ouvinte ou leitor. Em uma

    histria com um personagem sem objetivo ns teremos, simplesmente, uma histria sem

    sentido. E at significativo observar que sentido tambm quer dizer direo, propsito,

    mira.

    O que o personagem ou protagonista quer? Devemos comear o nosso estudo tanto na criao de uma nova histria como na

    preparao para contar qualquer histria com a pergunta: O que o personagem principal

    quer? Temos que deixar claro desde o incio qual o objetivo a ser alcanado, geralmente

    superando obstculos e dificuldades, at para que o nosso leitor ou ouvinte possa se

    identificar com o personagem e entrar em sua pele.

    Podemos dividir o objetivo de nosso personagem central em dois pontos:

    - objetivo externo;

    - objetivo interno

    Em outras palavras, o objetivo externo o que ele quer, enquanto que o objetivo interno

    pode ser entendido como o porqu ele quer.

    Por exemplo, temos o filme A Origem, com Leonardo Di Caprio. Para quem no conhece o

    filme, vou disponibilizar a sinopse:

    Sinopse A Origem

    Em um mundo onde possvel entrar na mente humana, Cobb (Leonardo DiCaprio) est

    entre os melhores na arte de roubar segredos valiosos do inconsciente, durante o estado de

    sono. Alm disto ele um fugitivo, pois est impedido de retornar aos Estados Unidos devido

    morte de Mal (Marion Cotillard). Desesperado para rever seus filhos, Cobb aceita a ousada

    misso proposta por Saito (Ken Watanabe), um empresrio japons: entrar na mente de

    Richard Fischer (Cillian Murphy), o herdeiro de um imprio econmico, e plantar a ideia de

  • desmembr-lo. Para realizar este feito ele conta com a ajuda do parceiro Arthur (Joseph

    Gordon-Levitt), a inexperiente arquiteta de sonhos Ariadne (Ellen Page) e Eames (Tom

    Hardy), que consegue se disfarar de forma precisa no mundo dos sonhos.

    O filme interessante sob diversos aspectos, inclusive por abordar a temtica dos sonhos

    e, mais especificamente, a temtica dos sonhos lcidos. No filme, podemos ver que o

    personagem central, Cobb, junto de seus amigos, plantar uma nova ideia na mente do filho

    de um bilionrio para que ele desfaa o imprio do pai e, com isso, a concorrncia possa

    ganhar o mercado para si. Este , ento, o objetivo externo.

    O objetivo interno vai sendo apresentado com o tempo. Inicialmente, pode-se dizer que o

    objetivo interno voltar para os EUA sem nenhuma acusao pela morte de sua esposa.

    Porm, como vamos entrando na mente do personagem, podemos reconhecer que o

    objetivo interno outro: entender as suas memrias e se reconciliar com a projeo

    inconsciente de sua mulher e lidar com a culpa de ter sido, possivelmente, o responsvel

    indireto por sua morte.

    Bem, este um exemplo que imagino que nem todos conhecem, mas fica a mais uma dica

    para um excelente filme.

    Podemos entender a diferena entre o objetivo interno e o objetivo externo questionando o

    que o objetivo externo, se for realizado, vai trazer para a pessoa, para o seu crescimento ou

    desenvolvimento. Por exemplo, um personagem que quer encontrar um grande amor pode

    com ele passar a se sentir amado ou digno de amor ou passar a ser capaz de criar empatia

    com os outros ou ser altrusta.

    Em outras palavras, o que a realizao do objetivo externo vai trazer para a mudana do

    personagem. A mudana interna, consciente ou inconscientemente, ser tambm a

    realizao do objetivo interno. Esta distino importante porque apenas a realizao do

    objetivo externo pouco para que o leitor possa se identificar com o personagem, ou melhor,

    podemos ir mais fundo na provocao da identificao tambm mostrando ou deixando claro

    qual seria o objetivo interno.

    Um personagem que quer enriquecer tem apenas um objetivo interno. Mas um personagem

    que quer enriquecer para superar o seu sentimento de inferioridade possui muito mais

    profundidade, no mesmo?

    Concluso e exerccio Para concluir, vamos pensar juntos nas questes que devemos ter em mente quando vamos

    analisar como contar ou criar uma histria:

  • Se todos os protagonistas tm que ter um objetivo, um propsito, uma meta, vamos nos

    perguntar primeiro:

    1) Qual o objetivo externo do personagem? O que ele quer mais do que tudo? O que o

    motiva em sua ao?

    Lembre-se que o objetivo tem que ser especfico. Por exemplo, querer um amor

    inespecfico. Que tipo de amor? Uma relao amorosa? Se sentir amado pela famlia, pelos

    amigos?

    2) Qual o objetivo interno do personagem? Por que ele quer tanto o seu objetivo externo?

    Pense no objetivo interno como o sentido da sua motivao pela busca externa. Por

    exemplo, a busca pelo amor de um homem mais velho pode ser uma representao

    inconsciente, edpica, para que uma mulher consiga entender e reconhecer a relao

    conturbada que teve e tem com o pai ausente.

    3) Para realizar ambos os objetivos o que o personagem ter que enfrentar como problema

    ou obstculo? O que ele ter que superar? O que o personagem vai sentir? Medo? Raiva?

    Desespero? Vazio?

    Para criar curiosidade e interesse, temos que fazer com que quem est nos ouvindo ou

    lendo consiga se identificar com o personagem. E a identificao acontece especialmente

    na dimenso das emoes. Para atingir o seu grande objetivo, qual vai ser o sentimento

    principal que o personagem ter que lidar ou quais sero as emoes principais?

    4) Qual a verdade ou segredo que o personagem escondeu dos outros ou de si e que

    explica quem ele e porque tem estes objetivos em especial?

    Em uma boa histria, temos que nos surpreender frequentemente. No filme utilizado aqui

    como exemplo, A Origem, podemos ver como personagem central escondeu de seus

    amigos uma importante verdade, que os coloca em perigo que o da sua relao com sua

    mulher e o modo como os dois viveram antes de sua morte. Esta verdade vai sendo

    desvelada aos poucos durante a narrativa.

    A ideia central aqui que, ao criar ou contar uma histria, voc saiba qual a histria

    pregressa do personagem. Mas, claro, no necessrio criar ou memorizar uma biografia

    extensa e interminvel. Precisamos ter em mente apenas os aspectos da vida pregressa do

    nosso personagem que afetam diretamente a histria que estamos contando.

    Podemos ver isto claramente no filme A Origem. Ficamos sabendo sobre a verdade do

    personagem apenas no que diz respeito sua relao com sua esposa, relao passada e

    anterior ao momento da narrativa mas que afeta diretamente o seu desenrolar. No ficamos

  • sabendo de outros aspectos como relao com os pais ou trabalhos anteriores ou como foi

    a sua vida no segundo grau.

    O escritor criou a histria e tambm criou este background anterior da relao com a

    esposa e os filhos mas ele no criou o que era irrelevante para a narrativa do filme. Para

    chegarmos neste ponto de expandir a histria mas somente at o ponto da necessidade

    podemos nos fazer ainda duas perguntas:

    a) Que evento especfico causou o seu problema ou o seu medo?

    b) Que evento criou a necessidade do objetivo externo e interno?

    Na prxima Lio de nosso Curso, vamos falar mais sobre as motivaes internas dos

    personagens.

  • As motivaes internas do protagonista | Ol amigos!

    Esta a 5 Lio de nosso Curso de Contao de Histrias Grtis. Na Lio anterior, falamos

    da importncia de passarmos adiante os objetivos, internos e externos, dos personagens e,

    em especial, do protagonista. E que, para faz-lo, ns temos que ter em mente a histria

    pregressa sobre os tpicos que vo ser importantes na narrativa.

    Por exemplo, se eu vou contar a histria de um grande msico, ser relevante saber tudo

    sobre o que foi a msica para o protagonista desde o incio, com suas relaes de amizade

    e de amor moldadas e unidas sua paixo verdadeira. No precisamos criar ou saber tudo

    a respeito do protagonista, como o seu time de futebol ou os seus programas de TV favoritos.

    Como o tpico central ser a msica, a histria pregressa vai estar ao redor desta temtica

    tambm.

    Certa vez vi uma pequena biografia do Villa Lobos e a histria contava as exigncias

    extremas que tinha sido feitas por seu pai para ele estudar com toda a dedicao. Exemplos

    singulares ajudam a pintar o quadro: Villa Lobos tinha que falar qual era a nota que um

    passarinho estava emitindo em sua janela e, se errasse, era punido severamente.

    Portanto, ao criar ou contar uma histria, tenha conscincia dos elementos da histria do

    personagem relacionados narrativa. Em outras palavras, desenvolva a histria pregressa

    sempre tendo em vista o que vai afetar a prpria contao.

    As motivaes internas do protagonista Para facilitar, podemos nos perguntar:

    - O que aconteceu no passado de nosso personagem que provocou seu medo ou problema?

    - Que evento especfico teve como consequncia a criao de sua motivao / objetivo /

    habilidade?

    Reunindo as duas respostas, teremos j uma pequena biografia que nos ajudar na

    conduo da histria a partir do momento que ela comea, ou seja, o presente para o

    personagem que devemos nos identificar e fazer o pblico se identificar.

    Por exemplo, no filme A Rede Social (fictcio ou no) sobre o criador do facebook, Mark

    Zuckenberg, ns j sabemos desde o incio sobre o facebook. Mas no sabemos quem o

    personagem.

    O garoto inseguro que conversa com uma garota no incio do filme o criador do facebook.

    Antes de criar, ele tem que enfrentar a dificuldade de se enturmar em Harvard. Ou seja,

  • apesar de brilhante intelectualmente (por ter entrado com nota mxima no vestibular) e

    sempre conseguir responder as perguntas dos professores, ele simplesmente no se

    encaixa. Paradoxalmente, ele vai criar a maior rede social do mundo.

    Entretanto, que evento especfico levou a esta criao? Primeiro, o filme conta o dia em que

    ele conseguiu invadir os computadores de Harvard e pegar fotos. Com as fotos, ele criou

    um site simples no qual o visitante podia votar em qual das duas garotas era mais bonita em

    cada nova pgina aberta.

    Ele demonstra no s uma habilidade brilhante como tambm a capacidade tcnica de criar

    um site que desperta interesse das pessoas, inclusive chegando ao ponto de fazer sair do

    ar os servidores da Universidade. E, finalmente, o que controverso no filme e faz com que

    a empresa no o tenha endossado: o evento de que Zuckenberg havia roubado a ideia de

    uma rede social de dois alunos de Harvard que justamente o tinham contratado para a

    programao.

    Temos ento o background, o pano de fundo, para a criao do facebook, o tema do filme.

    Para que a histria fosse contada, tnhamos que responder s duas perguntas anteriores:

    - Qual era o medo ou problema do protagonista? Vemos que a sua incapacidade de criar

    relaes amorosas e, ao mesmo tempo, a sua capacidade de passar por cima da tica.

    - Que evento especfico teve como consequncia a criao de sua motivao? Vemos que

    os eventos foram a sua habilidade tcnica e o engodo dos alunos que o tinham contratado

    para a programao. Estes dois eventos acabam gerando nele o grande objetivo, a grande

    motivao de criar uma rede social. Com a ajuda de outras pessoas, entre elas o criador do

    Napster, Sean Parker, ele obtm financiamento e expande a ideia inicial na maior rede social

    do mundo, com mais de 1 bilho de pessoas cadastradas.

    Este evidentemente um exemplo que pode no ter tanta relao com a realidade (ou ter,

    no saberemos ao certo). Porm, o que quis apontar que para contar a histria do

    facebook, temos que contar a histria do seu criador e os fatores que o levaram a criar o

    facebook. Para que a histria gere curiosidade, temos que conhecer as motivaes internas

    que estavam presentes.

    Dizer que foi apenas para criar um negcio e ganhar dinheiro com isso, no prenderia a

    ateno de ningum, no mesmo? Ento os eventos especficos (traio e roubo de uma

    ideia) e os problemas e medos do personagem (ser nerd e no se encaixar) so muito mais

    interessantes e ajudam na conduo da narrativa.

  • Concluso Uma forma de questionar as motivaes internas entender o porqu e o para qu dos

    comportamentos do personagem. Como vimos no exemplo do facebook, ao nos

    questionarmos sobre:

    - Por que Mark Zuckenberg criou o facebook?

    - Para que ele o criou?

    Com as respostas ns podemos chegar s motivaes internas. Ele pode ter criado para

    superar as suas dificuldades de relacionamento (o filme comea com um encontro com uma

    garota que d errado), ou seja, a sua finalidade poderia ser superar o seu prprio bloqueio

    e ajudar as outras pessoas a faz-lo.

    Se voc pegar alguns filmes e alguns romances de qualidade ver que a histria tecida a

    partir destas perguntas. Se no for um filme bom isto pode ficar escondido ou ser uma

    motivao to sem sentido que no prender a ateno de ningum.

    Portanto, analise as histrias que voc encontra sempre e procure encontrar os objetivos

    internos e externos bem como as motivaes mais profundas e que afetam diretamente o

    que acontece. E quando for contar uma histria, criada ou no por voc, considere de ter

    claro em sua mente as questes que abordamos nessa lio para que voc consiga criar a

    curiosidade em que est at ouvindo ou lendo e, igualmente, manter a ateno at o final.

  • Toda histria deve ser especfica Ol amigos!

    Continuando o nosso Curso de Contador de Histrias Grtis, na Lio de hoje vamos falar

    sobre um ponto importantssimo para contar ou criar uma histria que seja cativante para o

    nosso pblico: a especificidade. Pessoas que sabem contar histrias sabem como entreter

    e explicar utilizando detalhes que so fundamentais para a narrativa. De outro modo, tudo

    fica vago, abstrato e desinteressante.

    Vamos imaginar juntos uma cena cotidiana na qual algum est nos contando algo que

    aconteceu. A pessoa diz: O Joo no veio trabalhar. Imediatamente surge a questo: Por

    que ele no veio? A resposta poderia ser: porque ele est doente. E outra pergunta: Qual

    a doena ou ele est doente de que? A resposta poderia ser: ele est gripado.

    Apenas neste pequeno dilogo, notamos que o narrador no contou o mnimo necessrio

    da notcia. Quer dizer, no nosso cotidiano, ao contarmos algo a algum estamos trazendo

    uma narrativa para quem nos ouve ou l e um aspecto fundamental e at primrio falar

    de forma especfica.

    Voltando ao pequeno dilogo anterior. Se pessoa j falasse: Joo no veio trabalhar hoje

    porque est doente. Pegou uma gripe forte, est com febre mas j foi ao mdico e deve

    retornar em quatro dias.

    Dizendo desta forma, estamos sendo especficos, estamos indo direto aos detalhes e at

    no necessrio para o ouvinte perguntar mais sobre o que est acontecendo. Em qualquer

    histria, temos que fazer o mesmo.

    Perguntas bsicas como:

    - Porque?

    - Quando?

    - Onde?

    - Para que?

    - De quem?

    - Com quem?

    Ajudam-nos a elaborar todas as especificidades necessrias para contar bem uma histria.

    Por incrvel que parea, at autores renomados e que escrevem para a TV, para filmes ou

    ficaram consagrados com seus romances podem vir a deixar passar detalhes. So os furos

    ou buracos que no so propositais e prejudicam no entendimento. No caso da TV, muito

    comum vermos este tipo de falha nos finais das novelas. Por ter criado tantos personagens,

    o autor se perde e no consegue especificar o que aconteceu com cada um.

  • A importncia dos detalhes Psicologicamente, podemos compreender que qualquer narrativa possui em si elementos

    de linguagem que nos fazem imaginar ou conceber as cenas de forma concreta. Por serem

    imagens, quando mais detalhes, melhor e mais fcil ser a imaginao.

    Imagine o comeo de uma histria:

    Em um belo lugar, um homem disse para um estranho que no estava se sentindo bem

    Claro que podemos comear a imaginar a cena, mas fica difcil. como se tivssemos que

    completar o que foi narrado com informaes nossas. E embora uma grande parte da

    imaginao caiba ao receptor, no este tipo de narrativa que ser considerada a melhor

    prtica.

    Comecemos de novo:

    Na bela praia de Copacabana, um senhor de estatura baixa e gordo, disse para um

    sorveteiro que estava com indigesto

    Do mesmo modo que no outro incio, cada um de ns ir imaginar a praia de um jeito (a

    partir de suas lembranas) e ir criar um rosto e caractersticas para o sujeito que est

    passando mal. Porm, alguns detalhes j foram apresentados e isto facilita em muito.

    Para voc no ter dvidas sobre a importncia dos detalhes ao contar uma histria, chegue

    para um grande amigo ou amiga sua e diga. Eu me apaixonei!

    Quantas e quantas perguntas vo surgir, no mesmo?

    Todas as perguntas listadas anteriormente quando, onde, por quem, de forma iro

    aparecer instantaneamente. Faa o teste e voc ver.

    Portanto, toda histria est nos detalhes especficos que afetam uma pessoa (ou

    personagem).

    O que deve ser especfico? E, para no errarmos de forma alguma nos detalhes especficos, vamos ver 6 pontos que

    devem ser trabalhados ao contar ou criar uma histria:

    1) O porqu a razo especfica que leva o personagem a fazer alguma coisa;

    2) A especificidade das metforas, ou seja, elementos que so importantes na narrativa e

    que trazem a imagem de um outro significado. Por exemplo, o anel no Senhor dos Anis

    no apenas um anel, uma metfora, uma imagem para um poder extraordinrio que,

    como esperado, descrito de forma especfica pelo autor.

  • 3) Memrias tem que ser especficas tambm. No adianta dizer que um fato lembrou o seu

    personagem de um fato no passado, indistinto e vago. A lembrana tem que ser clara e

    especfica. Por exemplo, Alberto estava comendo batata-frita, o que o lembrava de quando

    era pequeno, e sua me lhe dizia que deveria comer melhor mas, ao mesmo tempo,

    preparava s guloseimas, no s aos domingos.

    Quer dizer, no adianta dizer que Alberto se lembrava da sua me ao comer batata-frita.

    Novamente, temos que nos perguntar o porqu e o que e ele se recordava.

    4) As reaes a eventos externos devem tambm ser especficas. Como, de que forma, o

    personagem reage ao que lhe acontece?

    5) As possibilidades que passam pela mente do personagem quando ele vivencia um novo

    fato ou tenta descobrir o que est acontecendo tambm devem ser trazidos para o leitor ou

    ouvinte. Como dizemos na psicologia cognitiva, para entendermos uma pessoa temos que

    compreender o modo como ela interpreta o mundo e no o mundo que est disposto para

    ela. Em outras palavras, quando algo acontece para o personagem o que ele pensa? O

    que ele sente? De que forma ele ou ela entende?

    6) A forma especfica como personagem muda. A mudana a prpria essncia de uma

    narrativa, de uma histria. Para entrarmos na histria, temos que compreender como o

    personagem muda, ou seja, o que especificamente acontece para que ele mude seu jeito

    de ser?

    Em suma, temos que criar a histria como todos os detalhes necessrios para que a

    narrativa seja coerente, clara e atraente. Uma outra forma de checar se estamos fazendo

    corretamente passar a utilizar cada vez mais informaes sensoriais.

    Por exemplo, poderamos reelaborar um de nossos exemplos:

    Em um dia frio na praia de Copacabana, com pouqussimas pessoas na praia e no mar,

    Antnio, com seus bem vividos quarenta e quatro anos de idade pensou que podia morrer.

    Desta vez, no seria como das outras vezes em que tinha sido chamado de hipocondraco

    pelos mdicos de planto, ele estava com o rosto plido, com falta de ar e uma profunda

    nusea que ia do estmago aos intestinos. Vendo um sorveteiro com cara de bom moo a

    poucos passos, ele diz

    Note que so os pequenos detalhes que do contornos para a histria e fazem dela muito

    mais instigante do que dizer Em um belo local, um homem disse

    E estes detalhes so detalhes sensoriais, dos 5 sentidos: viso, audio, tato, paladar e

    olfato.

  • Como vimos em outras lies, um detalhe mnimo j nos ajuda a construir o personagem,

    por exemplo, a Chapeuzinho Vermelho.

    A partir de agora, observe as histrias que voc l e ouve e perceba como h uma grande

    diferena entre uma histria interessante e uma histria desinteressante. O truque,

    principalmente, est nos detalhes.

  • Suspense e Conflito Ol amigos!

    Um fato curioso que eu j observava h muito tempo em filmes era que quase todos eles

    tinham um vilo. Especialmente os filmes de Hollywood, mais fceis de assistir, sempre

    apresentam o heri ou a herona (protagonista) e o vilo ou vil. Em alguns filmes isto

    bvio e j vemos logo quem quem. Em outros, a relao pode ser mais intrincada e o

    personagem que aparece para criar suspense e conflito aparece no meio da narrativa.

    Se em nossa vida particular, no nosso cotidiano, ns temos a grande tendncia de evitar

    conflitos, nas histrias os conflitos so essenciais, pois atravs deles que h movimento,

    mudana, transformao. Uma histria sem conflito assim como uma histria sem detalhes

    especficos (ver Lio anterior) uma histria desinteressante.

    Evidentemente, a presena do conflito no acontece apenas nos filmes. Tambm encontra-

    se presente em romances, contos de fada, mitos e em toda narrativa que pode ser

    considerada de qualidade.

    Imagine Romeu e Julieta em uma nova verso em que tudo d certo e eles no tem o grande

    conflito entre suas famlias. Poderia ser at mais desejvel, mas ns, como leitores,

    queremos que o conflito esteja l para que possamos sentir as dificuldades enfrentadas

    pelos personagens, como no famoso conceito de catarse.

    Se pegarmos o tema do Romeu e Julieta, veremos que toda comdia romntica, no cinema,

    quer seja excelente quer seja por demais aucarada, tem uma estrutura que basicamente

    esta: o casal se conhece h um conflito por algum motivo o casal se reconcilia. E o que

    aconteceria se tirssemos o conflito. Absolutamente nada, pois no teramos uma histria

    para contar.

    O que significa o conflito em uma histria? Conflito vem, etimologicamente, de conflictu, confligere. Fligere significa lutar, bater. Conflito

    , portanto, lutar com algo ou com algum. Porm, apesar de utilizarmos esta palavra aqui

    no nosso Curso de Contao de Histria, isto no significa que toda e qualquer histria ter

    que ter cenas violentas, brigas, discusses.

    A ideia do conflito em uma histria vai muito mais na direo de um impasse, de uma

    dificuldade, de um problema que tem que ser resolvido. Em alguns casos, podemos pensar

    no conflito como a luta do personagem principal para lidar com um inimigo ou inimiga.

  • Por exemplo, no famoso filme O Diabo veste Padra, vemos como a protagonista vivida nas

    telas pela Anne Hathaway tem que lidar com a sua chefe, vivida por Meryl Streep. O conflito

    entre as duas e o conflito entre as perspectivas da personagem da Anne entre ser ela mesma

    e ser o que os outros esperam dela (a metfora de estar na moda) o que move toda a

    trama.

    Conflito, portanto, no quer dizer uma guerra, literalmente falando. Conflito, em uma

    narrativa, o que podemos chamar de a luta dos opostos, a luta entre duas perspectivas

    dspares.

    Steve Jobs, um dos criadores da Apple, conhecido por sua habilidade de criar

    apresentaes persuasivas. No livro Presentation Secrets of Steve Jobs, podemos ler uma

    ideia bastante curiosa sobre como, em cada apresentao, ele elaborava uma narrativa,

    cujo centro era a criao de um conflito com um inimigo ou problema e, posteriormente,

    dava a resoluo para o problema.

    Sei que este exemplo pode parecer extrapolar o nosso Curso, mas um exemplo fantstico

    para a ideia de um conflito. Por exemplo, no lanamento do Ipad 1, ele claramente coloca a

    situao:

    J tnhamos os notebooks (telas grandes) e o Iphone (tela pequena). Ser que seria possvel

    encontrar uma tela entre os dois dispositivos? Ele cita a tentativa dos netbooks. Porm, os

    netbooks eram muito ruins em todos os aspectos, como um notebook pssimo. O inimigo,

    ento, seria os netbooks por apresentarem uma soluo insatisfatria.

    Entretanto, o suspense foi criado. Ser que seria possvel criar algo entre um notebook e

    um Iphone? E, depois de vrios suspenses, ele apresenta o Ipad, na poca uma grande

    inovao.

    Me lembrei desse exemplo, porque no livro Presentation Secrets of Steve Jobs, o

    autor, Carmine Gallo, coloca que Steve Jobs sempre tinha um inimigo contra o qual lutar e

    a partir do qual criar suas apresentaes. s vezes era a IBM, s vezes era a Microsoft e s

    vezes era um produto especfico como o caso dos netbooks.

    Utilizando a ideia de um inimigo, de algo contra o qual lutar, ele conseguia criar histria

    cativantes para quem o estava ouvindo.

    Tipos de Conflito em narrativas Podemos encontrar diversos exemplos de conflitos em filmes, sries, romances, contos de

    fadas e mitos. Mas existem alguns que aparecem com mais frequncia:

  • 1) Conflito entre protagonista e antagonista: o conflito mais comum e mais fcil de

    perceber. Basicamente, o conflito entre o bom e o mau, entre a boa moa e a vil, entre o

    Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau.

    2) Conflito entre o que se acredita ser verdade e a verdade: um tipo de conflito mais

    psicolgico, mais subjetivo, mais interno. Neste caso, a descoberta da verdade e o suspense

    que leva at a descoberta o que conduz o enredo. Exemplos so os filmes e romances

    policiais, nos quais a descoberta da verdade (o assassino ou culpado) barrada

    constantemente pelo que se pensa que a verdade at que se descubra a verdade, de fato.

    3) Conflito entre o querer e a realidade: a narrativa construda a partir do desejo, da

    vontade, da esperana e expectativa do protagonista que luta (conflito) com a realidade que

    est a sua frente. Por exemplo, uma histria sobre um sujeito que quer ser um grande

    cirurgio plstico mas no tem dinheiro suficiente para estudar. Tambm so comuns as

    histrias que tratam da diferena entre o que o personagem quer e o que os outros esperam

    que o personagem queira. Romeu e Julieta tambm se enquadraria aqui.

    4) Conflitos entre o querer e o no querer: neste tipo de histria, o personagem possui um

    grande conflito interno entre uma parte de si que deseja algo e uma parte de si que no

    deseja ou teme as consequncias. Outra possibilidade o conflito entre o medo e o desejo

    de realizar.

    Concluso e Perguntas A fim de criar ou contar uma boa histria, voc deve estar consciente dos conflitos que

    movem a narrativa. Perguntas como as seguintes podem te ajudar a aclarar os suspenses

    e os conflitos:

    - Qual a conflito especfico entre isto e aquilo que realmente importante?

    - O seu leitor ou ouvinte consegue perceber qual o conflito principal? Os conflitos no

    precisam ser necessariamente abertos e expostos, mas se forem escondidos, h a

    necessidade de dar dicas ou pistas para que se possa perceber.

    - O conflito fora o personagem a mudar ou buscar a mudana?

    A partir de agora, voc tambm poder passar a perceber como eu que toda boa histria

    apresenta um conflito, um problema, uma dificuldade a ser enfrentada, talvez vencida e que

    quase toda histria tem um antagonista, um vilo ou vil, um inimigo a ser combatido ou

    conquistado.

  • Causa e efeito Ol amigos!

    Continuando o nosso Curso Contador de Histrias Grtis, hoje vamos falar sobre mais um

    aspecto importante em toda e qualquer histria que a relao entre causas e efeitos.

    Embora as histrias captem a nossa curiosidade pela emoo, a nossa natureza racional

    tambm exige que a narrativa tenha lgica.

    No vamos entrar aqui em uma discusso filosfica sobre lgica, sobre causas e efeitos,

    pois esta no a nossa inteno. Para os nossos objetivos, basta saber que uma histria,

    basicamente, uma concatenao de eventos internos e externos. Para que esta

    concatenao nos desperte interesse, ela tem que ter coerncia, tem que ter uma ordem

    que faa sentido.

    Causa e efeito nas histrias Para que no tenhamos que ir mais a fundo em questes de conhecimento, da filosofia e da

    psicologia sobre como ocorrem as relaes causais, vamos descrever as relaes de causa

    e efeito do seguinte modo:

    1) Se

    2) Ento

    3) Portanto

    Estas trs palavras nos ajudam a criar e a verificar se a conduo da narrativa tem sentido,

    coerncia e lgica. Podemos comear por uma narrativa completamente sem lgica, como

    dizemos por aqui, sem p, nem cabea:

    1) Se eu for para os Estados Unidos

    2) Ento, encontrarei aliengenas

    3) Portanto, no devo ir ao supermercado

    Como podemos ver facilmente, estas trs frases juntas, unidas no fazem sentido algum.

    Claro que este um exemplo bizarro e extremo da falta de coerncia. Porm, em algumas

    narrativas, podemos vir a encontrar alguns problemas nesse aspecto da histria. Problemas

    menos graves, verdade, porm a diferena apenas de grau.

    No outro extremo, podemos encontrar uma relao que faa sentido, que tenha uma ligao

    entre as trs frases e que so inteligveis:

    1) Se eu for para os Estados Unidos

    2) Ento, encontrarei pessoas que falam ingls

  • 3) Portanto, devo estudar ingls para conseguir conversar com eles

    Faz muito mais sentido, no mesmo?

    Um ponto interessante a ser observado que as relaes de causa e efeito continuam tendo

    validade mesmo em histrias fantsticas, de fico cientfica, futuristas, desenhos animados.

    Ou seja, uma histria, em um filme ou romance, no tem que ser realista para possuir lgica.

    Uma regra de ouro para quem est fazendo o nosso Curso tambm para criar histrias a

    de Jorge Lus Borges. O grande autor do realismo fantstico dizia que uma boa histria

    fantstica tinha que ter apenas um elemento fantstico. O restante deveria ser normal.

    Por exemplo, no maravilhoso livro de contos Aleph, temos duas histrias magnficas. O

    Aleph conta a histria de um ponto no espao no qual as pessoas poderiam ver todo o

    espao, quer dizer, olhando atravs dele todo o universo se tornava visvel. Em outro conto,

    Imortais, o protagonista busca e encontra a fonte da imortalidade e os imortais, seres com

    todo o tempo.

    So duas histrias, cada qual com um toque de fantstico. Ou seja, ele no criou uma

    histria que unia um ponto atravs do qual todo o espao estava ali e, ao mesmo tempo,

    existiam seres imortais. A regra dele que cada histria deveria ter apenas um dado de

    fantasia alm da realidade.

    E, portanto, em cada histria de Borges podemos ver como este elemento inusitado une-se

    a uma narrativa coerente, com detalhes minuciosos e que nos instigam a continuar a leitura

    e saber o que ocorrer.

    Em outras palavras, podemos ir ao cinema para ver um filme sobre aliengenas. O fato de o

    filme contar com a presena de aliengenas no quer dizer que o filme no tenha que ter

    lgica. Alguns aspectos podem ficar inexplorados (como o fato dos aliengenas falarem a

    nossa lngua), mas no que diz respeito construo da histria, o autor ter que fazer as

    pontes entre os trs elementos:

    1) Se os aliengenas esto entre ns e esto escondidos

    2) Ento, cabe aos protagonistas encontrar os maus e puni-los

    3) Portanto, toda a humanidade estar a salvo

    O que importante notar aqui que, embora seja surreal e at bizarro, h uma lgica entre

    as frases. Podemos ver todos os outros contedos que trabalhamos nas lies anteriores:

    objetivo dos personagens, detalhes especficos, protagonistas e antagonistas e assim por

    diante.

  • Causas e efeitos Dentro e fora Podemos encontrar as relaes de causa e efeito em duas dimenses: a dimenso interna

    e a dimenso externa. Assim como j estudamos na lio sobre objetivos internos e

    externos, faz-se necessrio compreender que o que tem mais peso para prender a

    curiosidade do leitor ou ouvinte so as relaes de causa e efeito internas. Mas vamos por

    partes.

    Primeiro, precisamos descrever exatamente o que uma causa de dentro ou interna e o

    que uma causa de fora ou externa.

    Uma causa e um efeito externo o que acontece no mundo ou atravs da ligao com os

    demais personagens, enquanto que uma causa e efeito interno o porque o que acontece

    externamente tem relevncia.

    Por exemplo:

    Em uma cena, vemos a esposa apaixonada esperando pelo marido. Porm, os minutos, as

    horas vo passando e nada dele chegar. Ento, ela comea a ficar preocupada e nervosa.

    Portanto, ela liga para todos os seus conhecidos atrs de notcias. (Isto o que acontece

    externamente).

    O nosso protagonista, o marido, porm, poderia no ter chegado por uma srie de causas,

    no mesmo?

    Se ele encontra no caminho de casa um grande acidente, envolvendo um caminho e um

    nibus escolar, ento ele para tudo o que est fazendo e tenta ajudar ao mximo. Portanto,

    com a situao trgica, ele esquece de ligar para casa.

    Outra possibilidade poderia ser menos nobre.

    Se ele encontra a sua amante ao parar para comprar algumas coisas no supermercado,

    ento ele sente desejo e vai at a casa dela. Portanto, ele no liga para a esposa e no

    caminho de volta fica pensando em uma desculpa razovel.

    Todas as duas alternativas tm lgica, tem coerncia. Porm, o que acontece externamente

    tem menos importncia do o porqu de acontecer.

    E, para concluirmos, tambm temos que considerar que ao contarmos uma histria ou criar

    uma completamente nova, temos que analisar se as relaes de causa e efeito que esto

    presentes tem importncia, tem relevncia, tem valia para a continuidade da histria.

    De outro modo, ao inserir relaes de causa e feito sem precisar, estaremos entrando em

    digresses. Para checar se estamos ou no entrando em uma digresso, s perguntar:

    E da?

    Isto afeta a continuidade da histria?

  • O leitor ou ouvinte precisa saber disso?

    Se cortar esta parte, far diferena?

    No prximo texto, falaremos sobre o que pode dar errado, acaba dando.

  • O que pode dar errado, vai dar errado Ol amigos!

    Vocs j notaram que uma histria bem contada sempre possui uma dinmica de que o

    pode dar errado, acaba dando? Eu j tinha observado este fato e pesquisando para escrever

    mais uma Lio aqui do nosso Curso de Contador de Histrias Grtis eu me fiz esta

    pergunta: Ser que toda histria necessariamente tem que ter esta dinmica?

    Em outras Lies, ns j falamos que o protagonista tem que ter um objetivo (interno e

    externo) que a narrativa conduz o leitor ou ouvinte nesta busca pela realizao mas, no

    caminho da realizao, o protagonista vai enfrentar problemas, dificuldade e ter que lutar

    ou lidar com o antagonista.

    Isto no quer dizer que toda histria ser pessimista ou ento como aqueles tpicos filmes

    americanos em que tudo d errado, absolutamente tudo, somente para causar um efeito

    cmico, engraado, divertido.

    Este aspecto de que o pode dar errado, vai dar errado tem uma outra concepo.

    Vejamos:

    O que pode dar errado, vai dar errado Um dado curioso da neurocincia que ns, como espcie, aprendemos muito observando

    o comportamento das outras pessoas. Assim como acontece na vida real, tambm podemos

    aprender pela fico: em filmes, histrias em quadrinhos, desenhos animados,

    documentrios, romances de todos os tipos. Observar o comportamento alheio (alm de

    qualquer considerao moral sobre a fofoca), nos ensina a viver melhor.

    Em outras palavras, se vemos um filme no qual um personagem se transforma totalmente

    aps passar por uma experincia difcil (o ponto de que muitas coisas do errado para ele),

    como se ns vestssemos a pele do personagem e entrssemos tanto na histria que

    vivemos o que ele vive. Deste modo, samos da histria com uma experincia a mais e este

    fator seria benfico para a nossa evoluo enquanto espcie.

    Teorias parte, esta curiosidade natural do ser humano pela vida dos outros (reais ou

    fictcios) nos conduziria a prestar ateno e a aprender com a experincia que, portanto,

    no precisa ser vivenciada diretamente. Assim, aprendemos com a experincia que se cria

    com os erros no nossos, dos outros.

    De toda forma, o importante aqui perceber que ao contar ou criar uma nova histria

    preciso elaborar uma dinmica na qual o personagem passe por transformaes a partir de

  • situaes difceis ou complicadas que o levam a mudar. A mudana (ou at a incapacidade

    para a mudana) s pode aparecer no momento em que inevitvel enfrentar os medos, os

    problemas, os monstros internos ou externos.

    A diferena que pode residir entre o que personagem admite e o que ele tem como segredo

    mais bem guardado, vai aparecer justamente atravs das condies adversas.

    As dificuldades surgem aos poucos Outro aspecto que frequente encontrarmos em boas narrativas que os erros,

    dificuldades, problemas vo surgindo aos poucos para que o personagem central possa ir

    crescendo com o tempo e, lentamente, ganhando a admirao ou conquistando o status de

    ser o heri ou herona da trama. (Em ingls, hero, heri, um sinnimo para protagonista).

    Do mesmo modo que acontece na vida real, o personagem geralmente apresenta como que

    uma zona de conforto, ou seja, uma tendncia a permanecer esttico, imvel em sua prpria

    identidade. So os pequenos problemas que vo conduzindo-o para a mudana ou para o

    conflito que, talvez, o leve a mudar.

    Nesse sentido, como se o protagonista esperasse que as coisas mudassem por si

    mesmas, atravs do destino ou da vontade de Deus. Porm, em uma boa narrativa, o que

    pode dar errado, vai dar errado, quer dizer, problemas vo acontecer at que ele ou ela

    seja forado a tomar uma atitude.

    Como disse, a histria acontece no que pode ser considerado uma luta de opostos, entre o

    protagonista e seu antagonista, entre o objetivo e a realidade, entre o querer e o no querer.

    Essa fora contra a qual o protagonista tem que lugar seja interna ou externa ter que

    ser apresentada de forma gradual, aos poucos.

    Um bom exemplo para o tema que estamos tratando aqui a histria do Ulisses, na Odisseia

    de Homero. Ulisses quer voltar para casa, depois de ter lutado na Guerra de Troia. Porm,

    o seu querer contraposto com todo o tipo de dificuldade, divina e humana, de oposio.

    Toda a histria centra-se nessa dificuldade, e as dificuldades vo se sucedendo durante

    longos vinte anos de exlio.

    Em princpio, poderamos ver a histria do Ulisses e de praticamente qualquer protagonista

    em uma boa histria e pensarmos: Ora, por que isto no acaba logo e todo o conflito logo

    resolvido? Porque se for resolvido, a histria acaba.

    Se Ulisses conseguisse voltar direto de Troia para taca no teramos todas as aventuras

    com sereias, deusas, gigantes. As dificuldades que vo surgindo podem ser, portanto,

    consideradas a prpria histria. Sem a ideia de que o que pode dar errado, dar errado

  • no teramos nada para contar. (E esta questo daria at ensejo para um novo texto, sobre

    as razes que levam as pessoas a se interessarem tanto pelas tragdias, por exemplo, nas

    notcias dos jornais).

    Mas voltando: com isso, podemos concluir que um protagonista, um heri, s ser um heri

    se for digno e merecedor do ttulo. Em outras palavras, o protagonista (em geral o mocinho

    ou a mocinha) ter que sofrer at superar o que quer que tenha que superar. E aqui entra

    um aspecto bastante surpreendente. Um bom mocinho ou uma boa mocinha do ponto de

    vista de causar identificao no precisa ser um personagem sem erros, sem falhas, sem

    o mal.

    Um mocinho ou mocinha que seja apenas bonzinho e no sofra, no tenha culpa, no seja

    intenso ao seu modo, ser provavelmente um personagem muito chato. E, ns como

    contadores ou como criadores de histrias, temos que nos atentar para este ponto. Se

    pudermos mostras as falhas, inseguranas, medos e temores dos nossos personagens,

    devemos faz-lo, porque atravs destas caractersticas que conseguiremos captar e

    manter a ateno do nosso pblico.

    Concluso

    Ao contar, recontar, criar ou recriar uma histria tenha em mente que as dificuldades so

    inerentes narrativa. Uma histria de felicidade eterna no ser nada interessante. Afinal,

    estamos falando de narrativas e no de um comercial de margarina.

    Em nossas histrias, a dinmica do que o que pode dar errado, vai dar errado tem que

    estar presente, pois s assim nossos personagens conseguiro superar os obstculos que

    tem que enfrentar para conseguir obter o que querem ou precisam.

    Em suma, sem problemas no h nenhuma histria.

  • Casualidades e causalidades Ol amigos!

    Quando passamos a analisar o modo como uma histria construda e contada, vamos ver

    que toda boa histria tem que ter uma relao entre casualidades e causalidades. Estas

    duas palavras, embora parecidas no som e na grafia, significam questes muito diferentes

    em uma narrativa.

    Neste texto, vamos analisar as diferenas e entender os motivos que levam construo

    pelo autor ou contador de histrias de pistas casuais, escondidas e camufladas, que vo se

    revelando com o tempo como causas relevantes para as consequncias enfrentadas pelos

    protagonistas e outros personagens, a fim de provocar a curiosidade quem est lendo ou

    ouvindo.

    Esta mais uma Lio de nosso Curso de Contador de Histrias Grtis.

    Casualidade e causalidade Para no confundir as duas palavras, fica mais fcil se a