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CASTILHO, C. J. M. Construo de uma metodologia cientfica...
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CONSTRUO DE UMA METODOLOGIA CIENTFICA VOLTADA AOS ESPAOS VIVIDOS
DOS MOVIMENTOS
SOCIOTERRITORIAIS
CONSTRUCTING A SCIENTIFIC METHODOLOGY OF LIVING SPACES OF THE
SOCIOTERRITORIAL MOVEMENTS
Cludio Jorge Moura de CASTILHO1
RESUMO
Iniciamos a presente reflexo com a recolocao da questo da dvida
da Cincia para com a sociedade. Em seguida, tratamos do
desenvolvimento da construo de uma metodologia
socioterritorialmente coerente com princpios da construo do
bem-estar social. Posteriormente, ressaltamos o papel da geografia
em uma metodologia socioterritorialmente coerente. Em seguida,
destacamos prticas de assessoria aos movimentos socioterritoriais a
partir da experincia das instituies pblicas: MSEU-DCG-UFPE. Por
ltimo, como concluso deste escrito, defendemos a restituio da idia
de uma Cincia que, de fato, seja capaz de contribuir construo de
uma metodologia efetivamente coerente com o entendimento e a
explicao da natureza dos espaos vividos dos movimentos
socioterritoriais, bem como das prticas de suas intervenes nesses
espaos. A reviso da literatura sobre o assunto, com base em uma
parte das reflexes tericas e metodolgicas encontradas em livros e
artigos selecionados por ns, constituiu a principal fonte e
material realizao deste trabalho. Palavras-chave: Metodologia
cientfica; Espaos Vividos; Movimentos socioterritoriais.
ABSTRACT We began the present reflection with a review on
Sciences indebtedness with regard to society. Following this, we
discuss the development of the construction of a methodology
coherent with principles of socioterritorial well-being.
Subsequently, we highlight the role of geography in a methodology
coherent with the citizens space. After that, we point out the role
of public institutions like MSEU-DCG-UFPE in socioterritorial
movement, promoting social learning and cooperation. Lastly, we
concluded this study by defending the idea that Science must
contribute to a methodology coherent with the comprehension and
explanation of the nature of the living spaces within movements
which have been found themselves in the situation of transforming
their socioterritorial reality. The literature about this subject,
based on a part of theoric and methodologic reflections found
within books and scientific papers selected by us, provided the
most important material and sources for this study. Key words:
Scientific methodology; Living spaces; Socioterritorial
movements.
1 Professor dos programas de graduao e ps-graduao em Geografia e
Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de
Pernmabuco. Coordenador do grupo de pesquisas Movimentos Sociais e
Espao Urbano (MSEU/UFPE). E-mail:
[email protected] e [email protected]
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CONSIDERAES INICIAIS
O exerccio de refletir sobre a construo de uma metodologia
cientfica voltada
aos espaos vividos dos movimentos sociais no uma tarefa fcil,
principalmente devido
complexidade, sobretudo, em termos da apreenso dos prprios
movimentos sociais
como objeto de pesquisa e interveno. O que acontece graas
existncia de diversas
perspectivas em debate como, ao mesmo tempo, prpria dinmica
extremamente
multifacetada e incerta dos movimentos sociais.
Essa tarefa ainda se torna mais rdua quando pretendemos
execut-la a partir da
contribuio de um campo do conhecimento cientfico como a
geografia, que,
tradicionalmente, tem sido entendido e exercido atravs de
perspectivas mais ligadas
materialidade do que simbologia dos processos sociais
transformadores de espaos.
Ainda que, neste ltimo caso, j possamos contar com algumas
reflexes que tm trazido
contribuio interessante no que diz respeito ao aspecto simblico
das territorialidades
dos movimentos sociais.
Tendo em vista essa dificuldade que, por outro lado, no nos
impede de realizar a
nossa tarefa, convm prosseguirmos o nosso raciocnio fazendo uma
distino entre
metodologia e mtodo. Consideramos metodologia como uma dimenso
mais abrangente
do trabalho intelectual, que se ocupa do conjunto dos
procedimentos a serem utilizados
pelo conhecimento cientfico, questionando os seus limites e as
suas vantagens, tendo
como meta, ao mesmo tempo, o conhecimento e a interveno ou no na
realidade. O
mtodo, por sua vez, refere-se ao conjunto de instrumentos e
procedimentos utilizados
obteno das metas pretendidas.
Todavia, muito longe de uma viso dicotmica, consideramos
metodologia e
mtodo como duas dimenses intrinsecamente associadas entre si,
fazendo parte, assim,
do trabalho global do pensador. Parece-nos que esta nossa
concepo aproxima-se da de
Demo (1995) segundo a qual:
Metodologia distingue-se em nosso meio de Mtodos e Tcnicas, por
estar em jogo no segundo caso o trato da realidade emprica,
enquanto no primeiro existe a inteno da discusso problematizante, a
comear pela repulsa em aceitar que a realidade social se reduza
face emprica. No se trata de rebaixar Mtodos e Tcnicas a atividade
secundria. Para o trato da face emprica so essenciais. Metodologia
adquire o nvel de tpica discusso terica, inquirindo criticamente
sobre as maneiras de se fazer cincia. Sendo algo instrumental, dos
meios, no tem propriamente utilidade prtica direta, mas fundamental
para a utilidade da produo cientfica. A falta de preocupao
metodolgica leva mediocridade fatal. (Ibid., p.12)
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esta mediocridade que tem reduzido a atividade intelectual a uma
mera
especulao terica, na medida em que no se considera a necessidade
de pensar em
mtodos que contribuam realmente operacionalizao das teorias, dos
conceitos e das
categorias de anlise escolhidos realizao das nossas atividades.
Ou, por outro lado, a
um mero ativismo instrumental de levantamento e descrio de dados
e informaes da
realidade, mediante uma lgica formal empobrecedora. Isto quando
no se avalia e
considera em que medida os mtodos so, realmente, teis elucidao
da realidade em
sua complexidade e totalidade na busca de intervenes coerentes
com o processo de
produo de espaos relacionados com a vida e as atividades dos
movimentos sociais.
Defendemos, por isto, uma prtica de reflexes cientficas que
venham a indicar caminhos
substanciais ao debate sobre a mudana das condies materiais e
simblicas de
existncia da sociedade como um todo.
Do contrrio, os cientistas tornar-se-o, segundo ainda esse mesmo
autor, um
idiota especializado. No podemos deixar de acrescentar que, como
argumenta Quaini
(1983), o que continua alimentando a existncia deste idiota
especializado :
[...] no somente a ignorncia, mas tambm o substancial desprezo
pela cultura e a histria da cultura, que tpico do especialista para
o qual a histria da prpria disciplina no se confunde com a histria
da cultura e da cincia! deveria reduzir-se a uma espcie de folclore
corporativo sob forma de distribuio dos prmios: Fulano descobriu
isto; sicrano demonstrou aquilo e, com tantas verdades assim
acumuladas, esta ou aquela disciplina chegou brilhante situao em
que a vemos hoje, graas aos bons ofcios dos especialistas
contemporneos. Diante desta concepo da histria da geografia
[cincia] que, devendo separar-se da histria da cultura e das
cincias humanas e reduzir-se a uma especializao de uma
especializao, no somente perde qualquer funo epistemolgica em relao
geografia, mas se torna tambm estritamente funcional para um
sistema de ensino e de pesquisa amplamente identificvel como um
sistema feudal necessrio insistir sobre os princpios que, embora
com dificuldades, esto se afirmando na histria das cincias humanas.
(Ibid., p.11)
insistindo sobre a necessidade da concretizao dos princpios
contextuais e
ticos acima colocados que poderemos exercer [...] um ato de
confiana na possibilidade
de construir uma geografia humana plenamente responsvel diante
destas tarefas e
socialmente til. (Ibid., p.13) Nesta perspectiva, mas tratando
da cincia de um modo
geral, Demo (Op. Cit.) diz que seria importante que o
pesquisador apresentasse, a partir de
seus estudos, uma discusso que:
[...] deveria interessar a todos os que se colocam no horizonte
da qualidade cientfica, seja como competncia acadmica tcnica, seja
como potencialidade poltica, no sentido de mudar a sociedade em
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direes mais desejveis. Construir cincias sociais no pretender
produtos acabados, verdades definitivas, mas cultivar um processo
de criatividade marcado pelo dilogo consciente com a realidade
social que a quer compreender, tambm para transformar. (Ibid.,
p.14) (destaque do autor)
Desse modo, reforando esta idia, no mbito do debate que pretende
encorajar
uma prtica de cincia que promova a criatividade e inovao no
fazer a histria, diz Alves
(2005, p.72) que: A cincia no progride quando os modelos
(artefato construdo pelo
cientista) so confirmados pela investigao, mas quando certas
anomalias foram os
cientistas a question-los. desse modo que a cincia consegue
atualizar-se, continuando
capaz de elucidar a complexa e multifacetada realidade social em
sua totalidade.
Motivados pelo compromisso de reforar esse debate, buscamos,
neste texto, tratar
dos encaminhamentos implementao da construo de uma metodologia
que, com
mtodos socialmente coerentes, seja capaz de contribuir para um
debate profcuo sobre
mudanas concretas das atuais condies existenciais dos espaos
vividos dos
movimentos sociais. Para isso, faz-se relevante a anlise da
natureza de diversas prticas e
experincias de ocupao, apropriao e uso dos espaos pelos sujeitos
sociais que se
mobilizam, a partir dos seus prprios espaos de vida e
atividades, no seu acontecer
histrico. Da a necessidade de se considerar a relevncia da
dimenso espacial dos
movimentos sociais na sua dialeticidade e solidariedade, isto ,
compreendendo o espao
como, palco, suporte, meio e, concomitantemente, como condio
coletiva realizao
daquelas prticas e experincias.
Com efeito, o espao no constitui um mero receptculo dos
processos sociais,
visto que esses processos no acontecem no ar, mas a partir de
suas bases materiais as
quais so, simultaneamente, construdas e usadas pelos diversos
atores sociais, numa
dinmica permanente e movimentando-se em algum sentido. Desse
modo, as suas aes
so socioterritoriais e no meramente sociais, sendo, por isto
que, na nossa viso,
preferimos chamar esses sujeitos de socioterritoriais.
No podemos, portanto, deixar de considerar a dimenso espacial
das lutas sociais
no processo de reflexo sobre a elaborao e, simultaneamente, a
implementao de uma
metodologia coerente com a formao de novos territrios ou, pelo
menos, de territrios
diferentes dos que conhecemos que se apresentam com fortes
desigualdades, dando as
costas aos princpios que garantem relaes sociais mais humanas e
isto na perspectiva
de quitar nossa dvida para com a sociedade. neste sentido, ento,
que reafirmamos a
seguinte idia:
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O espao construdo e a distribuio da populao, por exemplo, no tm
um papel neutro na vida e na evoluo das formaes econmicas e
sociais. [...] O espao a matria trabalhada por excelncia. Nenhum
dos objetos sociais tem uma tamanha imposio sobre o homem, nenhum
est to presente no cotidiano dos indivduos. A casa, o lugar de
trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem esses pontos,
so igualmente elementos passivos que condicionam as atividades dos
homens e comandam a prtica social. A prxis, ingrediente fundamental
da transformao da natureza humana, um dado scio-econmico [sic], mas
tambm tributria dos imperativos espaciais. (SANTOS, 1982, p.18)
Iniciamos a presente reflexo com a recolocao da questo da dvida
da cincia
para com a sociedade; para, somente em seguida, tratarmos do
desenvolvimento da
construo de uma metodologia socioterritorialmente coerente,
destacando,
posteriormente, o lugar da geografia e dos gegrafos como
professores e pesquisadores
junto a instituies pblicas nessa discusso. Por ltimo, como
concluso deste escrito,
defendemos a restituio da idia de uma cincia que, de fato, seja
capaz de contribuir
construo de uma metodologia efetivamente coerente com o
entendimento e a explicao
da natureza dos espaos vividos dos movimentos sociais, bem como
das prticas de
interveno nesses espaos.
DVIDA DA CINCIA PARA COM A SOCIEDADE
Pensamos que a cincia deve, na perspectiva de manter um
compromisso, ao
mesmo tempo, prtico e tico 2, cumprir, tambm, com o seu papel de
procurar indicar
solues para os problemas sociais relativos ao ambiente, pobreza,
desinformao, ao
desemprego e apatia poltica dentre tantos outros problemas no
menos importantes
que afligem as pessoas nos seus mais diversos espaos vividos, em
todo o mundo. A este
respeito ainda:
[...] talvez ela [a cincia] pudesse fazer a experincia de tentar
encontrar seu sentido ao lado da bondade. Ela poderia, por um
pouco, abandonar a obsesso com a verdade e se perguntar sobre seu
impacto sobre a vida das pessoas: a preservao da natureza, a sade
dos pobres, a produo de alimentos, o desarmamento dos drages (sem
dvida os mais avanados em cincia), a liberdade, enfim, essa coisa
indefinvel que se chama felicidade. A bondade no necessita de
legitimaes epistemolgicas. Com Brecht, poderamos afirmar: Eu
sustento que a
2 A tica da qual estamos falando, aqui, confunde-se com a que
foi apresentada por Paulo Freire em sua Pedagogia da autonomia...,
isto : [...] falo da tica universal do ser humano [...], enquanto
algo absolutamente indispensvel convivncia humana (2002,
p.19-20).
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nica finalidade da cincia est em aliviar a misria da existncia
humana. (ALVES, 2005, p217) (itlicos no original)
Trata-se, enfim, de exercer o humanismo nas aes humanas,
organizando e
controlando o mundo emprico para que o homem possa realizar suas
experincias
eminentemente humanas, reconhecendo-se, neste mundo nos seus
espaos vividos
como homem. o que Quaini definiu, baseando-se em K. Marx, como
humanismo
positivo:
este humanismo positivo uma das condies da geografia humana?
Creio que sim. a condio principal para que a geografia humana possa
realizar sua vocao de cincia subversiva. Uma vocao que, como vimos,
demorar a se realizar e que se verificar recuperando, ora mais ora
menos conscientemente, principalmente as instncias humanistas que
do materialismo do sc. XVIII e, de modo mais geral, do iluminismo,
se projetam no socialismo utpico e nas correntes filosficas mais
vitais do sc. XIX, como demonstraria, por exemplo, o exame da
evoluo histrica do problema da cidade e do antagonismo
cidade-campo. (QUAINI, Op. Cit., p.56)
Quando a cincia volta-se, por exemplo, questo da conquista de
direitos sociais
negados pela civilizao em diversos lugares do mundo, podemos por
este caminho
propor solues a vrios problemas decorrentes dessa questo. por
esse motivo que, no
contexto de necessidades prticas, levantamos o problema definido
na seo anterior e
procuramos investig-lo na perspectiva da sua superao. Contudo, o
que se tem
presenciado, at os nossos dias que:
[...] o produto tendencial das cincias sociais no o
enfrentamento dos problemas sociais na teoria e na prtica, em favor
dos desiguais, mas a fabricao competente de tcnicas de controle
social a servio do grupo dominante, percebe [ndo-se] que a
neutralidade , sobretudo, til. til ao cientista, porque lhe cmodo
desconhecer a imbricao com os fins enquanto pode viver sombra e com
a sobra do poder vigente. Sobretudo til ao poder vigente, que
aproveita das cincias sociais seu potencial ideolgico. (DEMO, Op.
Cit., p.24)
desse modo que se forma o idiota especializado, que acaba, por
sua vez,
contribuindo para a permanncia desta ordem das coisas. Nesta
perspectiva, o que
temos visto em muitas instituies de ensino e pesquisa em todo o
mundo a busca
desenfreada por recompensas em termos de premiaes, projetos
aprovados junto a
agncias nacionais e internacionais financiadoras de pesquisa,
convites recebidos para
participao em eventos de grande projeo, promoo de eventos em
busca de promoo
pessoal, execuo de programas medocres de extenso muito
diferentes das aes de
comunicao teorizadas e praticadas por Paulo Freire ainda nos
anos 60 do sculo
passado etc., em detrimento da necessidade da reflexo acerca da
utilidade social efetiva
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do conhecimento que est sendo produzido muitas vezes sem sequer
aproximar-se dos
problemas identificados. Ao agir desta maneira, o cientista
desvia-se do seu compromisso
tico acima lembrado, tornando-se um fantoche nas mos dos grupos
sociais hegemnicos.
Para resolver este problema, um primeiro passo acha-se
justamente na atitude de
reassumir o seu compromisso tico no que tange ao enfrentamento
dos problemas sociais,
libertando-se dos resqucios de conservadorismo pelo medo de
perder a sua posio
social. Mas como? Combatendo idias de que no h alternativa
contra o modelo vigente de
sociedade; aproximando-se mais dos lugares de vida das pessoas
que mais sofrem
procurando ouvir e dialogar com elas numa perspectiva
efetivamente dialtica, libertando-
se do rano de uma autoridade cientfica que desemboca em posturas
autoritrias e
arrogantes, como se somente o cientista fosse o dono da verdade;
considerando a produo
cientfica numa perspectiva de discutibilidade no que concerne
aos seus prprios conceitos
e categorias, isto , considerando-a sempre como algo provisrio
porque sujeito ao erro
como qualquer obra humana; enfim, primando, simultaneamente,
pelas suas qualidades
lgico-formais e polticas, tericas e prticas.
Exercendo essas novas atitudes, seremos capazes de construir
metodologias, por
meio das quais chegaremos ao conhecimento, com base nas suas
prprias fontes sociais e
territoriais de existncia, em suas diversas e multifacetadas
situaes histricas
especficas. S assim que o conhecimento poder ser legitimado:
[...] como mediao para o homem bem conduzir sua existncia.
Cabe-lhe o compromisso de evidenciar a intencionalidade de nossa
existncia, para orient-la rumo a uma qualidade de vida que esteja
altura de nossa dignidade de pessoas humanas. por isso que se diz
que seu compromisso com a construo da cidadania, entendida esta
hoje como a nica forma decente de sermos plenamente humanos.
(SEVERINO, 2002, p.13)
Do contrrio, segundo Santos (1988, p.18-19),
Quando a cincia se deixa claramente cooptar por uma tecnologia
cujos objetivos so muito mais econmicos que sociais, ela se torna
tributria dos interesses da produo e dos produtores hegemnicos e
renuncia a toda vocao de servir a sociedade. Trata-se de um saber
instrumentalizado [...]. As cincias sociais no fazem exceo nesse
contexto. O mesmo movimento tambm as deformou e descaracterizou.
Nunca demais insistir no risco representado por uma cincia social
monodisciplinar, desinteressada das relaes globais entre os
diferentes vetores de que a sociedade constituda como um todo.
Em outras palavras, esta cincia social monodisciplinar e
desinteressada
compromete-se apenas com a realidade existente, no a
problematizando e, por esta
razo, fazendo-a permanecer tal como . Em assim sendo,
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O modo capitalista de pensar, enquanto modo de produo de idias,
marca tanto o senso comum quanto o conhecimento cientfico. Define a
produo das diferentes modalidades de idias necessrias produo das
mercadorias nas condies da explorao capitalista, da coisificao das
relaes sociais e da desumanizao do homem. [...] subjuga quem no
capitalista, invertendo o sentido do mundo e dando uma direo
conservadora e reacionria ao que deveria construir a sociedade
transformada, desvinculando e contrapondo entre si o saber e a
prtica. (MARTINS, 1986, p.IX-X) (itlicos no original)
Em definitivo, devemos superar o problema da fragmentao entre
teoria e prtica,
resgatando a idia da relevncia da cincia social como um todo
complexo e mediante uma
postura tica. Com efeito, na medida em que passamos a considerar
o papel efetivamente
social que a cincia possui, a partir de mtodos vinculados s
reais condies sociais e
territoriais das pessoas em sua prpria existncia, conseguiremos
fazer algo diferente.
Para o qu, reiteramos, necessrio levar em conta a dimenso
espacial dialeticamente
vinculada s dimenses social, cultural, poltica, econmica etc. no
processo de produo
de territrios mais humanos, segundo o contnuo movimento
histrico. assim que
pensamos poder contribuir ao debate acerca da construo de uma
metodologia
socioterritorialmente coerente com relao aos espaos vividos dos
movimentos sociais,
quitando assim a dvida ressaltada nesta seo.
POR UMA METODOLOGIA SOCIALMENTE PERTINENTE
O nosso interesse por este tema surgiu quando nos aproximamos
mais de perto
das prticas de experincias concretas de movimentos
socioterritoriais 3 no espao urbano
do municpio do Recife; e, por conseguinte, quando comeamos a
dialogar diretamente
com os atores desses movimentos em seu pleno processo de ocupao
de uma rea da
cidade com vistas conquista do seu direito cidade, indo,
portanto, muito alm do mero
3 Apesar de conhecermos a distino entre movimentos
socioespaciais e movimentos socioterritoriais que faz Pedon (2009),
preferimos, neste texto, no discuti-la em profundidade, mas apenas
recoloc-la para o conhecimento dos colegas que ainda no a conhecem,
isto : o movimento socioespacial , segundo ele, uma forma de
mobilizao social para gerir determinadas demandas num determinado
espao e sem buscar introduzir nenhum elemento novo, enquanto que o
[...] movimento socioterritorial pode ser considerado como uma
forma de organizao da classe trabalhadora, tendo por base os grupos
populares ou as camadas populares excludas e subordinadas. (Ibid.,
p.183) ainda um movimento que [...] corresponde a uma categoria de
mobilizao coletiva mais restrita do que o movimento socioespacial,
isso ocorre porque sua principal demanda est voltada a conquista do
territrio ou [...] da soberania por parte de um grupo sobre um
espao apropriado podendo ser [...] de governana . (Ibid.,
p.184)
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acesso moradia: trata-se, mais especificamente do caso do espao
vivido da
Comunidade Josu de Castro (CASTILHO, 2011).
Com efeito, foi no decorrer desta proximidade geogrfica com
relao aos
problemas efetivos inerentes ao nosso objeto de estudos que nos
demos conta de que
ainda temos que nos esforar muito para elaborar e implementar
metodologias e mtodos
por meio dos quais possamos compreender a natureza da
geograficidade dos movimentos
sociais, dando visibilidade e explicando a lgica das novas
prticas socioterritoriais
capazes de reagir de modo diferente aos imperativos
homogeneizadores vinculados
racionalizao instrumental dos interesses mercadolgicos;
considerando que vivemos em
uma sociedade perversa produzida por um processo de
desenvolvimento desigual que,
muitas vezes, reage violentamente contra a espontaneidade do
povo.
Tanto que, ao incio desta experincia, por mais que tivssemos
conhecimento
das teorias dos movimentos sociais, sentimo-nos um pouco
perdidos quando, enquanto
grupo de pesquisa 4, passamos a desenvolver atividades de
comunicao 5 no referido
espao vivido. Diante deste problema, procuramos construir uma
metodologia de pesquisa
que fosse mais pertinente no que tange ao entendimento do papel
dos movimentos
socioterritoriais na conquista do direito moradia e,
concomitantemente, na produo de
espaos de vida efetivamente humanos. Ademais, sempre em contnuo
processo de
construo e reviso, esta metodologia parte, portanto, da
realidade territorial vivida
pelos seus prprios sujeitos os movimentos sociais e os seus
participantes em sua
complexidade e totalidade, no sentido de avaliar em que medida
essas prticas esto de
fato promovendo mudanas concretas em termos de qualidade poltica
das suas aes,
repercutindo, por sua vez, na qualidade do espao produzido.
Nesse sentido, a metodologia que estamos construindo parte da
anlise territorial
dos movimentos sociais na sua prxis. Ela possui como principal
objetivo, a partir da
atuao direta do pesquisador da cincia no seio do processo de
produo de espaos
vividos e junto com os seus prprios sujeitos, avaliar em que
medida existe de fato, no
referido processo, movimentos socioterritoriais, isto ,
processos conjuntos de ocupao,
apropriao e construo de lugares efetivamente novos. Uma
perspectiva analtica que,
4 Vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal
de Pernambuco, este grupo de pesquisa chama-se Movimentos Sociais e
Espao Urbano (MSEU).
5 De acordo com a crtica j feita h dcadas por P. Freire, ns
recusamos considerar as atividades do MSEU numa perspectiva de pura
extenso visto que no se produz conhecimento estendendo aos espaos
vividos o conhecimento produzido na academia; mas, trabalhando
neles, numa perspectiva dialgica, a partir dos embates entre
conhecimento cientfico e senso comum.
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em vez de limitar-se em apontar causalidades, procura entender a
realidade em seu
contexto histrico-geogrfico global:
A questo no , pois, de levar em conta causalidades, mas
contextos. A causalidade poria em jogo as relaes entre elementos,
ainda que essas relaes fossem multilaterais. O contexto leva em
conta o movimento do todo. [...] somente atravs do movimento do
conjunto, isto , do todo, ou do contexto, que podemos corretamente
valorizar cada parte e analis-la, para, em seguida, reconhecer
concretamente esse todo. Essa tarefa supe um esforo de classificao.
(SANTOS, 1985, p.11)
Para efetivar a aproximao dos pesquisadores do MSEU com o
movimento
socioterritorial em epgrafe, elaboramos e implementamos um
projeto de ao intitulado:
OFICINA COM OS MORADORES DE JOSU DE CASTRO: PENSANDO A CIDADE A
PARTIR
DO TERRITRIO VIVIDO: A CIDADE VISTA DO LADO DE C! Este projeto
possui trs
objetivos gerais: desenvolver a compreenso sobre o que a cidade,
identificar os
principais sujeitos sociais que influem no processo de construo
da cidade e estimular
uma reflexo sobre o papel dos movimentos sociais na construo da
cidade que se
imagina e deseja construir. Objetivos que se acham
intrinsecamente articulados entre si,
na medida em que, ao se entender o que a cidade, podemos
compreender como acontece
o seu processo de construo, bem como o papel desempenhado pelos
seus principais
agentes hegemnicos.
Com isso, os sujeitos ocupantes podem identificar as
intencionalidades dessas
aes, confrontando-as com as suas prprias e formando uma
autoconscincia sem
dirigismos e/ou tutelas capaz de faz-los compreender por eles
mesmos a importncia
da sua organizao social a partir das suas prprias experincias
territoriais de vida. E
claro que no precisamos lembrar que ns tambm aprendemos muito
com este trabalho
de comunicao, inclusive renovando no somente as nossas idias e
teorias, como
tambm as nossas energias e utopias.
Poderamos considerar esta metodologia como uma metodologia
alternativa que,
de acordo com Demo (1995), abrange, em seu conjunto, os
seguintes tipos de trabalho e
posturas, os quais ns consideramos como mtodos: pesquisa
participante, avaliao
qualitativa, hermenutica, fenomenologia e outros saberes, que,
seguindo o raciocnio do
autor, no excluem um ao outro e nem mesmo os mtodos
convencionais. Mas busca
entender o processo social em sua totalidade, a qual est sempre
em movimento em algum
sentido. Vejamos abaixo em que consiste cada um desses tipos de
mtodo.
No que diz respeito pesquisa participante, devemos ressaltar que
ela parte da
prtica do pesquisador no seu contato direto com a realidade a
ser abordada, mas sem
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pretender subordinar a teoria, aproximando essas duas dimenses
prtica e terica
inerentes construo do prprio conhecimento, no mbito da prpria
dinmica social e
territorial das pessoas. Desse modo, este tipo:
[...] exige na mesma pessoa o pesquisador formalmente competente
e o cidado politicamente qualitativo [unindo teoria e prtica].
tambm o lugar do espao educativo, em sentido poltico, tanto do
pesquisador, quanto da comunidade. [...] Acredita-se que a prtica
maneira de conhecer, nem sempre sofisticada como a teoria formal,
mas por vezes mais adequada ao dia-a-dia da sociedade, que no pode
apresentar para todo momento uma teoria do momento. [...] Equivale
tambm a dizer que saber popular no substitui o conhecimento
cientfico. (DEMO, 1995, p.239)
Com isso, seguindo o argumento de Demo (Ibid.), o conhecimento
cientfico
continua fundamental do ponto de vista instrumental porm s se
tornando til aos
sujeitos concernidos quando passa a ser digerido pelos seus
membros numa espcie de
autodiagnstico. esse conhecimento que garante a elaborao e
implementao de
estratgias de enfrentamento prtico dos problemas identificados,
analisados e discutidos,
para o qu, alis, a prpria necessidade de organizao poltica
visando ao combate das
desigualdades existentes colocada como relevante. Por isso que,
para ele, o
autodiagnstico, as estratgias de enfrentamento prtico e a
necessidade de organizao
poltica constituem os traos fundamentais da pesquisa
participante.
Trata-se, efetivamente, de abandonar de vez com a prtica do uso
de um mtodo
absoluto cujo resultado principal reside na abstrao 6 do
movimento histrico, ou seja,
6 Segundo Marx (2002, p.190): A idia abstrata, a idia absoluta
que considerada segundo o aspecto da unidade consigo mesmo intuio
[...], que na sua prpria verdade absoluta decide deixar o momento
da sua particularidade ou da determinao e alteridade inicial, a
idia imediata como sua reflexo, emergir livremente de si como
natureza [...]; toda esta idia, que se comporta de forma to
especfica e barroca, e causou aos hegelianos enormes dores de
cabea, nada mais do que a abstrao, ou melhor, o pensador abstrato.
a abstrao que, clareada pela experincia e elucidada sobre sua
verdade, decide, sob vrias falsas e ainda abstratas condies,
abandonar-se a si mesma e estabelecer a sua alteridade, o
particular, o determinado, no lugar da sua auto-abstrao, no-ser,
universalidade e indeterminao; e que resolve deixar a natureza, que
escondia em si como simples abstrao, como uma entidade de
pensamento, emergir livremente de si, ou seja, decide esquecer a
abstrao e observar a natureza livre da abstrao. A idia abstrata,
que se torna intuio sem intermediao, nada alm do pensamento
abstrato, que a si se abandona e se decide pela intuio. Toda esta
transio da lgica para a filosofia da natureza constitui
exclusivamente a transio do ato de abstrair para o ato de intuir,
transio que para o pensador abstrato extremamente difcil de
realizar e que ele, portanto, s descreve assim em termos estranhos.
O sentimento mstico, que encaminha o filsofo do pensamento abstrato
para a intuio, o tdio, a expectativa de um contedo. (O homem
alienado de si mesmo da mesma forma o pensador alienado do seu ser,
ou seja, da vida natural e humana. Por conseqncia, os seus
pensamentos so espritos que existem fora da natureza e do homem.
[...]) (itlicos no original) Foi esta idia que, detonou um processo
de reflexo acerca da necessidade de libertar o conhecimento da sua
abstrao pura, considerando, assim, a necessidade de
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defendemos que a cincia deve elucidar o movimento histrico que
faz nascer relaes
sociais, econmicas, polticas etc. Desse modo,
[...] os metafsicos, que, fazendo tais abstraes, imaginam fazer
anlise, e que, medida que se separam cada vez mais dos objetos,
supem aproximar-se deles a ponto de penetr-los, esses metafsicos
tm, por sua vez, razo em afirmar que as coisas aqui embaixo so
simples bordados, cujas categorias lgicas constituem a entretela.
[...] Dessa maneira, [...] idias, [...] categorias so to pouco
eternas quanto s relaes que expressam. So produtos histricos e
transitrios. (MARX, 2007, p.132; p.137)
Utilizamo-nos, ento, de elementos da pesquisa participante
visando construir um
espao comum de debates para entendermos melhor a natureza do
movimento
socioterritorial promovido pelos seus atores em sua prpria
prxis, na busca de
avaliarmos as possibilidades reais de novas dinmicas
territoriais na cidade. Os objetivos
relativos ao projeto da oficina supramencionada foram
delimitados de maneira a
estimular os seus atores a conseguirem fazer autodiagnsticos da
sua prpria situao
territorial cotidiana. E isso, principalmente, com vistas
avaliao, por eles mesmos, da
necessidade de organizao e mobilizao poltica, permanentes, a fim
de enfrentarem os
problemas vivenciados na rea ocupada e elaborarem estratgias ao
enfrentamento
prtico desses problemas nas vrias escalas do seu acontecer,
frente a imperativos
vinculados necessidade da reproduo contnua do sistema
vigente.
Paralelamente, lanamos mo da avaliao qualitativa das suas aes,
na busca
contnua de articular qualidade poltica e formal da pesquisa
sobre o papel dos
movimentos socioterritoriais na produo de espaos vividos mais
humanos; e isto
pretendendo responder a questes do tipo: quando podemos saber se
os movimentos
estudados esto num caminho socioterritorialmente coerente? Em
que reside a qualidade
poltica das suas aes? Quais as perspectivas concretas dessas aes
tornarem-se fatores
de mudana social concreta? Os depoimentos, testemunhos e
propostas, em seu conjunto,
constituem, segundo Demo (Ibid.), produtos tpicos deste tipo de
pesquisa, chegando-se a
captar a relevncia do contedo dos discursos e das prticas
identificados in loco. Desse
modo, no deixamos tambm de considerar a questo da anlise de
contedo, a qual
No se refere, em primeiro lugar, ao contedo de um discurso,
entendido como um discurso redigido formalmente. [...] refere-se em
si a contedos da prtica, deixando-se em plano secundrio a roupagem
final da elaborao discursiva. Assim, no importa tanto se a
linguagem gramaticalmente correta, se a expresso confusa, se h
contradio mais ou menos flagrante em termos de lgica. [...]
Contedo, pois, ser a
aproxim-lo da sua dimenso concreta, isto , da vida, prtica,
experincia, enfim, das relaes socioespaciais das pessoas no seu
cotidiano.
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implicao histrica concreta de vida das pessoas, os compromissos
ideolgicos em jogo, as lutas que envolvem o dia-a-dia, os fins que
se perseguem, os resultados obtidos, e assim por diante. (Ibid.,
p.246)
Em assim sendo, o discurso pressupe a dimenso da linguagem a
qual, ligada a
algum lugar especfico da sua existncia cotidiana:
[...] representa uma das objetivaes fundamentais atravs das
quais a prtica social da vida quotidiana transmitida. E a partir da
vida quotidiana, domnio do senso comum, que se pode fundamentar um
discurso sobre a percepo do espao. aqui que o mundo pr-selecionado
e pr-interpretado em relao reflexo cientfica (dos gegrafos, por
exemplo). (BETTANINI, 1982, p.78)
Por meio do discurso sobre a percepo do espao vivido pelos
movimentos
socioterritoriais, consegue-se identificar e analisar tipos
diferentes de territorialidades
dentre as quais destacamos aquelas oriundas, simultaneamente, do
institudo e do vivido:
a primeira implicando, muitas vezes, em violncias que, segundo a
racionalidade
instrumental da sociedade global, impem uma ordem que nega
radicalmente o existente
que no se submete aos seus propsitos; e a segunda dizendo
respeito justamente a esse
existente que, no se submetendo de todo aos interesses globais,
procura reapropriar-se
do espao redescobrindo novas prticas sociais de existncia. O que
nos aproximou, assim,
ainda mais da idia de espao vivido, a qual:
[...] deixa de lado, portanto, a concepo geomtrica de um s espao
uniforme para restabelecer as variedades de espacialidade; h, no
espao vivido, uma diversa modalidade de viver a noo de distncia.
Uma distncia-qualidade que difere radicalmente da noo geomtrica
(Intervalo que separa dois pontos do espao...); em outras palavras,
que nada tem de qualitativo. Ela diz respeito a espao livre onde
atividade e vida se expandem. Onde o indivduo sente-se bem (
vontade) sem que se d contato imediato entre o eu e o devir
ambiente. (BETTANINI, 1982, p.116) (itlico no original)
Nesta mesma direo, defendendo a tese de que a proximidade que
interessa ao
gegrafo no aquela que se limita a uma simples considerao de
distncias fsicas entre
pontos no espao, mas aquela que se acha vinculada idia de
contigidade fsica entre
pessoas nos seus prprios lugares de existncia, vivendo
intensamente suas inter-
relaes, Santos (1997, p.255) diz que assim que: [...] a
proximidade pode criar a
solidariedade, laos culturais e desse modo a identidade. O que
acontece no lugar, pois:
No lugar, nosso Prximo, se superpem, dialeticamente, o eixo das
sucesses, que transmite os tempos externos das escalas superiores e
o eixo dos tempos internos, que o eixo das coexistncias, onde tudo
se funde, enlaando, definitivamente, as noes e as realidades de
espao e de tempo. No lugar um cotidiano repartido entre as mais
diversas pessoas, firmas e instituies cooperao e conflito so a base
da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ao prpria, a vida
social se
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individualiza; e porque a contigidade criadora de comunho, a
poltica se territorializa, com o confronto entre organizao e
espontaneidade. O lugar o quadro de uma referncia pragmtica ao
mundo, do qual lhe vm solicitaes e ordens precisas de aes
condicionadas, mas tambm o teatro insubstituvel das paixes humanas,
responsveis, atravs da ao comunicativa, pelas mais diversas
manifestaes da espontaneidade e da criatividade. (Ibid.)
Ao mesmo tempo, tivemos que considerar, tambm, elementos do
mtodo da
interpretao dos discursos e das prticas ligadas ao movimento
socioterritorial
observado na realidade da Ocupao Josu de Castro, em uma
perspectiva mais
abrangente. A esta metodologia podemos dar o nome de
hermenutica, a qual,
[...] dirige-se a compreender formas e contedos da comunicao
humana, em toda a sua complexidade e simplicidade. O intrprete
sempre algum dotado de bagagem prvia, porque ningum consegue
compreender a comunicao sem deter algum contexto relativo a ela, em
sentido prvio. [...] o dilogo no sentido mais legtimo do termo.
[Como] o que o homem toca deixa de ser apenas dado para emergir
como referncia histrica prenhe de sentido. Compreender tais
sentidos, depreender tais significados, apreender preferncias
culturais tarefa da hermenutica, que precisa saber equilibrar
capacidade formal com percepo poltica. (DEMO, Op. Cit., p.249)
No podemos deixar de considerar, ainda, o sentido que se tem
dado, de modo
mais profundo, ao termo e tarefa de interpretar. Dessa maneira,
interpretar,
[...] em sentido restrito, tomar uma posio prpria a respeito das
idias enunciadas, superar a estrita mensagem do texto, ler nas
entrelinhas, forar o autor a um dilogo, explorar toda a fecundidade
das idias expostas, cotej-las com outras, enfim, dialogar com o
autor. [...] A primeira etapa de interpretao consiste em situar o
pensamento desenvolvido na unidade na esfera mais ampla do
pensamento geral do autor [...]. A seguir, o pensamento apresentado
na unidade permite situar o autor no contexto mais amplo da cultura
filosfica em geral, situ-lo por suas posies a assumidas, nas vrias
orientaes filosficas existentes, mostrando-se o sentido de sua
prpria perspectiva e destacando-se tanto os pontos comuns como os
originais. [...] Depois disso, j de um ponto de vista estrutural,
busca-se uma compreenso interpretativa do pensamento exposto e
explicitam-se os pressupostos que o texto implica. [...] O prximo
passo da interpretao a crtica. [...] O que se visa, durante a
leitura analtica, a formulao de um juzo crtico, de uma tomada de
posio, enfim, de uma avaliao cujos critrios devem ser determinados
pela prpria natureza do texto lido. (SEVERINO, Op. Cit.,
pp.56-57)
Afinando ainda mais a coexistncia dos mtodos que fazem parte de
uma
metodologia alternativa, consideramos tambm alguns elementos da
fenomenologia. Esta
pretende, segundo Demo (Op. Cit.), compreender a realidade
social em sua intimidade,
colocando o homem como um ator de uma sociedade concreta que
cotidiana, a do
homem comum [...] que organiza sua vida pelo senso comum, pelo
conhecimento
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imediatista que patrimnio cultural da maioria. (Ibid., p.250)
Trata-se, na realidade, de
uma forma de interpretao da vida cotidiana das pessoas na sua
prpria existncia,
ocupando, apropriando-se e organizando os seus espaos de vida.
Desse modo:
A vida quotidiana o mundo da vida o terreno de fundamentao de
onde se origina toda formao de sentido e, portanto, tambm, a
cincia. Esta funo ocultada pela sua extrema e invasora obviedade,
pelo seu estar sempre aqui [...]. Esta conscincia passou tambm
atravs dos seguidores de Lukcs dentro do pensamento marxista. Agns
Heller reconhece vida quotidiana o papel de fermento da histria, de
mediadora para o no-quotidiano do qual a escala preparatria [...].
Os espaos da vida quotidiana, portanto, podem representar um ponto
de partida. (BETTANINI, 1982, p.122)
O que, por sua vez, pode ser til compreenso dos comportamentos
das pessoas
nos seus prprios espaos de existncia, avaliando perspectivas de
humanizao desses
espaos, no como positividades inconseqentes, mas como imaginao e
criao. Dessa
maneira:
Estudar o vivido significa superar a dimenso do espao-extenso,
ou espao-suporte das atividades, para acolher a noo de representao
do espao, como espao construdo atravs do olhar das pessoas que o
vivem-habitam. Como espao produzido pelos valores e pela ideologia
(cultural, social, econmica) (Ibid., p.118)
Por ltimo, tambm consideramos elementos do mtodo dos saberes
alternativos
pelo qual Demo valorizou a sabedoria como um conhecimento que
tem origem, sobretudo,
na prtica, fazendo coincidir o que se fala e o que se faz, na
busca da felicidade; o bom senso
que significa ter sensibilidade para intuir solues possveis e
adequadas para os
problemas constatados; e a utopia que argumenta contra os fatos
visando possibilidade
da reconstruo da realidade.
Com isso, notamos que cada um dos tipos de mtodos ligados
metodologia
alternativa acima considerada contribui, em seu conjunto
complexo, para o conhecimento
da totalidade dos processos sociais e territoriais no seu prprio
acontecer histrico. Nesta
perspectiva, procuramos contribuir para a construo de caminhos
metodolgicos mais
humanos os quais, vinculados ao conjunto das necessidades,
intenes e vivncias da
dinmica dos sujeitos dos movimentos socioterritoriais, possam de
fato ser teis ao
pensar e fazer diferentes. Ainda durante as dcadas de 60 e 70 do
sculo XX, quando o
processo de globalizao comeava a consolidar-se e sofisticar-se
cada vez mais, M. Santos
j nos indicava um ponto de partida a ser considerado nessa
perspectiva. E isto com base
em leituras de trabalhos de um eminente gegrafo francs,
Maximilien Sorre, do que se
chegou idia de qu:
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Nas condies atuais [das referidas dcadas] da economia universal,
a regio [espaos locais!] j no uma realidade viva, dotada de
coerncia interna. Definida, sobretudo, do exterior, seus limites
mudam em funo dos critrios que lhe fixamos. Por conseguinte, a
regio no existe por si mesma. [...] Ora, os processos [...] so na
maioria das vezes comandados do exterior e impostos aos homens e
atividades num espao determinado. A ausncia de uma autonomia
regional paralela falncia da Geografia Regional considerada nos
moldes clssicos. (SANTOS, 1986, p.10) (itlicos no original)
Do que suscitou a elaborao e discusso, pelo mesmo pensador, dos
conceitos de
espao derivado e espao alienado, os quais so de suma relevncia
para o entendimento e
a elucidao acerca da natureza e das possibilidades de conflitos
e cooperao existentes
em cada rea pesquisada: pas, regio, metrpole, cidade, bairro,
localidade etc.
No mbito desta preocupao, destacamos, ao mesmo tempo, a
necessidade de
desenvolvimento de uma tcnica que, segundo Santos (1982; 1985;
1986), constitua uma
tcnica especfica da geografia, muito embora esta tcnica tenha
sido usada, tambm, por
outros campos do conhecimento cientfico: essa tenso entre foras
externas (as que
buscam manter os espaos mais valorizados para os interesses do
capital) e internas (as
que impem os seus interesses queles oriundos de outros lugares),
em uma permanente
relao violenta de imposio em que as primeiras tornam-se mais
fortes, no se
coadunando com as segundas, suscita aes de oposio e reao.
Ainda que tal oposio no seja explcita, as diferenas de
comportamento resultantes da idade diferente das variveis presentes
podem se apresentar como elementos de resistncia. A prpria
autonomia da evoluo dos fatores internos localmente amalgamados
pode constituir uma barreira, mais ou menos eficaz, s transformaes
de origem no-local. (SANTOS, 1985, p.78)
O que no pode deixar de ser considerado no processo da construo
do nosso
futuro trabalho de pesquisa e ao, indicando as diferenciaes
territoriais que provm
desse jogo de tenses. Buscando ento fazer uma cartografia
socialmente pertinente,
fundamentando-se na experincia francesa de elaborao dos atlas
regionais, Santos
(1986) argumentou o seguinte:
Essa nova cartografia testemunha a dificuldade para encontrar
solues adequadas aos problemas de representao que se colocam, mas
ao mesmo tempo estimula a imaginao e abre um novo caminho graas
elaborao de mapas parciais, representativos de problemas simples ou
complexos, suscetveis de explicitar, conjuntamente, verdade, mas
com clareza e exatido. (Ibid., p.48)
De l para c, muito se avanou no sentido da elaborao deste tipo
de cartografia,
do que se engendrou um conjunto de tcnicas e resultados que tm
sido teis no que diz
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respeito criao de formas de representao dos vrios problemas
sociais em diversas
partes do mundo. No caso do Brasil, podemos citar a este
respeito diversos tipos desta
forma de representao: atlas de desenvolvimento humano, atlas da
pobreza etc. O que
tem sido usado no somente para o maior entendimento dos
problemas socioterritoriais,
como tambm para buscar resolv-los a partir de aes de gesto e
planejamento.
Uma coletnea de trabalhos escritos por gegrafos, urbanistas,
engenheiros
ambientais, tcnicos em geoprocessamento e outros, numa
perspectiva interdisciplinar,
trouxe uma contribuio interessante para a reflexo sobre a tarefa
de uma geoinformao
socialmente pertinente. Podemos sintetizar esta contribuio,
colocando a seguinte idia:
[...] no basta somente a confeco de mapas digitais coloridos,
ilustrando, por exemplo, a excluso social de determinada cidade por
quantis; fundamental que, com o auxlio de tcnicas apropriadas de
anlise espacial, possam-se extrair tendncias do padro de manifestao
da excluso social de forma contnua no espao. Ou ainda, no
suficiente apenas mapear a ocorrncia de crimes em um sistema
georreferenciado, deve-se tambm estud-los de forma dinmica,
entendendo sua proliferao no espao e no tempo em articulao com
inmeras variveis socioeconmicas e biofsicas, e como as estradas
podem atuar como vetores de expanso da criminalidade. [...] Nesse
ponto reside o desafio da geoinformao em gesto urbana e regional,
que se pode definir como um paradigma emergente na pesquisa multi e
interdisciplinar que se dedica a explorar a extrema complexidade de
problemas socioambientais em um ambiente de Sistemas de Informaes
Geogrficas (SIGs). [...] a geoinformao no se limita ao uso de
tcnicas computacionais para solucionar problemas espaciais, mas se
refere, ao contrrio, a uma forma totalmente nova de fazer cincia em
um contexto geogrfico. (ALMEIDA, CMARA E MONTEIRO, 2007, p.13)
Apesar dessa coletnea ter se orientado principalmente para a
resoluo de
problemas mais ligados s deseconomias de aglomerao das regies
metropolitanas e
grandes cidades brasileiras, buscando solues para resolver
limitaes ao equilbrio do
modelo social existente, esta preocupao no inviabiliza a sua
importncia social. E isto
porque, em promovendo um entendimento mais preciso da real
natureza do processo de
produo dos diversos espaos vividos nas cidades e nos campos, as
populaes menos
favorecidas tambm tero acesso aos conhecimentos gerados pela
geoinformao,
adquirindo, assim, meios mais precisos elaborao dos seus
projetos de vida. Projetos
que podero ser discutidos no mbito do prprio planejamento
participativo ou fora dele,
na medida em que os seus protagonistas acharem-se
discriminados.
Desse modo, a aproximao geogrfica com relao experincia ora em
questo,
munida de um arsenal de mtodos socioterritorialmente coerentes
com a realidade efetiva
dos espaos vividos dos movimentos sociais, permitiu-nos
compreender melhor a
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complexidade da realidade social e territorial dos seus atores.
E isto sem cairmos em um
ecletismo inconseqente, mas, tal como dissemos em outro artigo,
[...] juntando e
articulando os seus [da realidade vivida pelos movimentos
sociais] fragmentos de modo a
recuperar a complexidade [socioterritorial] em sua totalidade.
(CASTILHO, 2005)
O PAPEL DA GEOGRAFIA EM UMA METODOLOGIA
SOCIOTERRITORIALMENTE
PERTINENTE
A geografia constitui um campo de estudos muito til no
tratamento do processo
de produo social do espao vivido dos movimentos sociais,
notadamente no que diz
respeito construo de metodologias socioterritorialmente
pertinentes. O que ocorre na
medida em que os sujeitos sociais sempre usam, de modo dialtico,
contraditrio e
solidrio, uma poro do espao geogrfico territrio para realizar as
suas
intencionalidades de acordo com os propsitos contextuais
vigentes.
Levando em considerao o nvel simblico psicosfrico desse processo
de
produo espacial, mediante uma perspectiva multidimensional e
interdisciplinar, temos
uma proposta fundamental construo de uma prtica cientfica
efetivamente diferente
da que tem acontecido na realidade, isto , sem preocupaes com a
sua contextualizao
socioterritorial e afastada dos problemas sociais. Do ponto de
vista procedimental,
convm, ento, ressaltar que:
Ao mesmo tempo em que se instala uma tecnosfera dependente da
cincia e da tecnologia, cria-se, paralelamente, e com as mesmas
bases, uma psicosfera. A tecnosfera se adapta aos mandamentos da
produo e do intercmbio e, desse modo, freqentemente traduz
interesses distantes; desde, porm, que se instala, substituindo o
meio natural ou o meio tcnico que a precedeu, constitui um dado
local, aderindo ao lugar como uma prtese. A psicosfera, reino das
idias, crenas, paixes e lugar da produo de um sentido, tambm faz
parte desse meio ambiente, desse entorno da vida, fornecendo regras
racionalidade ou estimulando o imaginrio. Ambas tecnosfera e
psicosfera so locais, mas constituem um produto de uma sociedade
bem mais ampla que o lugar. Sua inspirao e suas leis tm dimenses
mais amplas e mais complexas. (SANTOS, 1997, p.204)
Da a consolidao dos processos de aproximao, tambm, entre os
diversos
campos do conhecimento cientfico, sob parmetros efetivamente
transdisciplinares e
interdisciplinares, no mbito da histria das prticas
socioterritoriais. Com efeito:
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pela interveno da histria e da sociologia que a geografia humana
ir se definir at originar um campo interno prprio: a geografia
social, que tende a privilegiar o grupo humano e em seguida o
espao. Os desequilbrios territoriais no so mais, a esta altura,
condies naturais, mas espelho de uma diviso social que passa atravs
e no interior dos Estados. este o itinerrio que a geografia humana
percorre consolidando a prpria tica diversa com o projeto de ajudar
o homem a tomar em suas mos o prprio destino: tornando-se, assim,
cincia subversiva. (BETTANINI, 1982, p.61) (itlicos no
original)
Convm insistir na idia da construo de uma metodologia
socioterritorialmente
pertinente dos espaos vividos dos movimentos sociais a fim de
que faamos da cincia
uma tarefa humana efetivamente til s prticas cotidianas das
pessoas no seu existir, ao
mesmo tempo individual e coletivo. Na medida em que consideramos
essas prticas na sua
complexidade e totalidade, teremos condies efetivas de entender
a natureza e a lgica
dos movimentos da sociedade nos e a partir dos territrios
vividos em seu acontecer
permanente. Da por que acreditamos que a pertinncia qual nos
referimos tem tudo a
ver com uma questo teleolgica do processo de conhecimento, o que
pode ser resumido
na colocao logo abaixo:
H um sentido em que as coisas que fazemos s adquirem significao
se sabemos [qual a] sua finalidade: [...] Explicar alguma coisa em
funo da pergunta para qu? compreend-la em funo de seus propsitos,
objetivos, finalidades. Explicaes desse tipo se chamam teleolgicas
[...]. (ALVES, 2005, p86)
Como ponto de partida, definimos o espao geogrfico, objeto de
estudo da
geografia, como instncia social intrinsecamente ligada e
relacionada com as demais
instncias inerentes dinmica histrica da sociedade no seu
existir, querendo isto dizer
que:
[...] a essncia do espao social. Nesse caso, o espao no pode ser
apenas formado pelas coisas, os objetos geogrficos, naturais e
artificiais, cujo conjunto nos d a Natureza. O espao tudo isso,
mais a sociedade: cada frao da natureza abriga uma frao da
sociedade atual. Assim, temos, paralelamente, de um lado, um
conjunto de objetos geogrficos distribudos sobre um territrio, sua
configurao geogrfica ou sua configurao espacial e a maneira como
esses objetos se do aos nossos olhos, na sua continuidade visvel,
isto , a paisagem; de outro lado, o que d vida a esses objetos, seu
princpio ativo, isto , todos os processos sociais representativos
de uma sociedade em um dado momento. (SANTOS, 1985, pp.1-2)
desse modo que, reiteramos, a geografia pode dar uma
contribuio
fundamental, numa perspectiva, evidentemente, interdisciplinar
junto com os demais
campos do conhecimento cientfico. A pesquisa geogrfica, pelo seu
prprio carter, possui
como ponto de partida, uma preocupao da realidade concreta da
sociedade
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considerando, ao mesmo tempo, suas dimenses reais (o que de fato
existe: os nveis do
fsico, do tecnosfrico) e virtuais (o que se pensa sobre o que se
faz e sobre o viver, como
se reage ao que no corresponde s expectativas coletivas, o que
poderia ser, mas com os
ps no cho: os nveis do simblico, do psicosfrico) (LEFEBVRE,
1999) aproximando-se
dos espaos vividos das pessoas no seu prprio cotidiano
territorial, inclusive, de lutas. O
que ocorre no sentido de entender esse cotidiano em permanente
processo de mudana,
contribuindo para intervenes em algum sentido diferente, a
caminho do melhor. Por
isso, devemos j de cara deixar claro que:
Na verdade, o espao geogrfico considerado como uma poro bem
delimitada do territrio tanto o teatro das aes da sociedade local
quanto das influncias externas e at mesmo estrangeiras, cujo peso
nem sempre perceptvel primeira vista. todo o problema da influncia
dos fatores de macrodeciso os Estados e as grandes firmas , cuja
fora depende da escala espacial prpria de cada um, mas que exercem
uma influncia certa na distribuio dos homens, dos equipamentos e
das atividades. (SANTOS, 1986, p.62)
Desse modo, o que tambm se faz relevante refere-se ao refletir e
pesquisar em
que medida se est avanando na direo de se fazer valer, ao mesmo
tempo e com o
mesmo poder de deciso, a influncia tambm dos fatores de
microdeciso, ou seja, aqueles
capazes de mudar a lgica imperativa da concretizao,
principalmente, dos interesses
dominantes. Temos, ento, que definir como meta a de
contribuirmos construo de
contra-territrios que venham a reforar as prticas de contestao
dos sujeitos
socioterritoriais, visando submisso dos imperativos do
crescimento econmico aos
interesses efetivos dos homens simples, para o qu, faz-se
necessrio valorizar as suas
territorialidades simblico-culturais especficas.
E isto adotando como mtodos de pesquisa tarefas que como as de
observao,
descrio e anlise dos processos sociais de vida e atividades
sejam capazes de
identificar os sujeitos e as aes predominantes e pertinentes ao
objeto da pesquisa, no
seu prprio acontecimento histrico-geogrfico, organizando e
usando os seus territrios
como lugares da sua existncia. Com o uso desses mtodos, no mbito
de uma metodologia
socioterritorialmente pertinente, que se consegue reconstituir a
base real por meio da
qual o espao produzido, identificando os sujeitos
socioterritoriais presentes nos lugares
observados, as suas aes, os resultados dessas aes e as condies
gerais das
territorialidades investigadas, reconstituindo a estrutura da
forma espacial existente. Com
isso, poder-se-, enfim, elucidar a realidade apreendida a fim de
explicar e entender a
natureza filosfica do processo de produo espacial pelas diversas
aes sociais que se
acham ora em conflito ora em cooperao.
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Do ponto de vista da operacionalizao das categorias e dos
conceitos discutidos,
com base nos princpios do conjunto dos mtodos vinculados a uma
metodologia
alternativa, tal como apresentados na seo anterior, recorremos a
um esquema
operacional que Santos (1988) nos apontou no momento em que
tratou dos fundamentos
tericos e metodolgicos da geografia, sob a tica da situao atual
do espao. Esquema
que complementa aquele dos nveis tecnosfricos e psicosfricos do
processo de produo
espacial no curso do seu prprio acontecer. Em assim sendo, nas
suas prprias palavras:
A formulao de um cenrio de organizao espacial exige duas sries
paralelas de preocupaes: a) o conhecimento da situao presente, isto
, dos elementos que explicam a situao atual, nos seus aspectos
genticos e presentes. Isso nos d igualmente o conhecimento dos
processos subjacentes realidade e deve, tambm, permitir reconhecer
tendncia; b) fixao de metas, construdas sob a base de inter-relaes
provveis. [...] Desse modo, a pea essencial do estudo ser a anlise
da situao atual em que no apenas sejam identificados os aspectos de
estrutura, mas tambm as tendncias aparentes ou escondidas atrs do
presente. (Ibid., p.115)
Para a efetivao da anlise da situao atual da realidade espacial
estudada, tem-
se que considerar ainda, segundo Santos (1988), quatro princpios
bsicos, a saber: um
estudo formal (estatstico e documental); uma anlise de contedo;
uma periodizao de
identificao das tendncias; e uma definio da problemtica atual. O
primeiro,
preocupando-se com as tarefas de entender a distribuio espacial
das atividades
humanas e, ao mesmo tempo, com os fluxos gerados por estas
atividades; o segundo, com
a caracterizao da evoluo do contexto e de suas variveis
identificando as suas causas,
a distino entre evoluo espontnea ou evoluo planejada e os seus
efeitos
recprocos e as condies da evoluo recente; o terceiro, as
caractersticas e a
identificao das tendncias nascentes em cada perodo e das
rupturas que marcam as
mudanas de um perodo a outro e a identificao dos fatores de
evoluo e mutao e as
suas principais consequncias; e o quarto, a concentrao geogrfica
das atividades e suas
consequncias, as atividades recentes ou no de controle externo e
suas consequncias, as
perspectivas de uma evoluo espontnea e os seus componentes
especulativos, os
diversos nveis do papel do Estado.
A considerao destes princpios bsicos anlise da situao atual da
realidade
espacial, por estar fundada em fatos concretos [...] nos indicar
o melhor caminho de uma
geografia que d conta do real e tenha, assim, importante papel
prospectivo. (SANTOS,
1988, p.116-117) Claro que, no precisa repetir, considerando
concomitantemente os
princpios das citadas metodologias alternativas.
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O PAPEL DE ASSESSORIA DAS INSTITUIES PBLICAS NOS MOVIMENTOS
SOCIOTERRITORIAIS
Antes de mais nada, vale ressaltar o fato da tradio da cincia
social crtica
brasileira no que diz respeito ao seu compromisso e envolvimento
com atividades de
militncia explcitas ou implcitas junto s prticas dos sujeitos
socioterritoriais ativos. O
que se deve, talvez e sobretudo, situao de precariedade e de
injustia territorial vivida
por um nmero considervel de brasileiros. A este respeito:
Comme le fait remarquer Pcaut [], en soulignant leur spcificit
par rapport dautres pays, les intellectuels brsiliens se sont mis
collectivemente depuis bien longtemps au service de lexploration de
la ralit nationale et de la mise en forme de la socit. [] Au cours
des vingt dernires annes, aprs le retour la dmocratie, les
spcialistes des sciences sociales ont contribu en tant que
chercheurs et citoyens penser les transformations et les difficults
de la socit brsilienne, le mlange des genres tant largement
pratiqu. [] Sil est vrai, comme nous lavons dj soulign, que le thme
de la participation populaire, vu sous langle des mouvements
sociaux, est celui qui a occup prioritairement lagenda des
chercheurs dans les annes 1970 et 1980 [], cest celui de la
violence urbaine qui sest hiss au premier plan dans les annes 1990.
(VALLADARES, 2006, p.147)
E a nossa mais recente experincia, ora apresentada, vem a
corroborar esse
compromisso e envolvimento. Isto porque pensamos que as
instituies pblicas, e
principalmente sob parmetros inherentes a um imperativo tico, no
podem deixar de
desempenhar seu papel de analisar e interpretar dados e
informaes sobre os problemas
sociais, com a finalidade de promover debates relevantes no que
concerne ao processo de
formao dos espaos vividos desejados pelos seus ocupantes.
No conjunto dessas instituies, acha-se justamente a
Universidade. Neste sentido,
entram em cena os grupos de pesquisa nela desenvolvidos, dentre
os quais trataremos do
caso particular da experincia ligada ao MSEU 7. Este grupo de
pesquisa possui como
objetivos principais pensar e refletir, promovendo debates sobre
o papel dos movimentos
socioterritoriais no processo de produo do espao geogrfico (no
mbito urbano, em
7 Apesar deste texto destacar a atuao do MSEU-UFPE, no se pode
deixar de citar o nome de outros grupos e instituies de interesse
pblico que atuaram no espao vivido em questo: Ncleo de Assessoria
Jurdica Popular da UFPE (NAJUP-UFPE), Forum de Aes Populares de
Pernambuco (FAP), Associao dos Anistiados Polticos de Pernambuco
(APAPE), Rede de Resistncia Solidria, Associao Pernambucana de Mes
Solteiras (APEMAS) etc.
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princpio), identificando, ao mesmo tempo, as formas de uso deste
espao pelos sujeitos
socioterritoriais que buscam construir seus espaos vividos tal
como desejam.
Munidos dos mtodos de pesquisa, apresentados anteriormente
pesquisa
participante, avaliao qualitativa, hermenutica, fenomenologia e
outros saberes,
associados aos da geografia demos incio ao nosso trabalho
fomentando in loco a
realizao de discusses e debates sobre a prpria ocupao Josu de
Castro (realizados
sempre na rua principal da rea em tela), geralmente nos mesmos
dias de ocorrncia das
Assemblias peridicas dos ocupantes, aproveitando-nos da maior
presena de pessoas j
reunidas anteriormente para discutirem seus problemas especficos
referentes ao proceso
de construo do seu espao vivido.
Deste modo, executvamos as atividades das oficinas, pensadas e
construdas pelo
conjunto dos membros do MSEU, aps a realizao daquelas reunies,
geralmente
ocorridas s noites das teras-feiras, com o objetivo de, a partir
dos pontos de pauta
colocados em discusso pelos Coordenadores locais do movimiento,
darmos incio ao
nosso trabalho. O contedo dessas discusses, geralmente, girava
em torno do que fazer
para conseguirem a garantia do direito das famlias de
permanecerem na rea que haviam
escolhido ocupar.
Da por que as nossas oficinas, sempre numa perspectiva
participante, (re)
colocavam questes sobre a situao dos ocupantes na cidade,
relacionando-a com o
problema maior que vinham enfrentando naquele momento 8, ou
seja, o da iminncia de
expulso das famlias. Isto a partir da retomada de
palavras-chaves pronunciadas pelos
participantes das Assemblias a fim de no somente valorizar os
seus prprios saberes,
deixando-os mais vontade com relao nossa presena, como tambm de
demonstrar-
lhes o quanto eles mesmos j tinham conhecimento da sua situao e,
ao mesmo tempo, do
que fazer e escolher como caminos para resolv-los, de acordo com
as reais necesidades
do cotidiano do seu espao vivido. A figura 1 ilustra, em parte,
a dinmica das oficinas
realizadas in loco pelo MSEU, no que toca, sobretudo, ao
incentivo permanncia do
processo de mobilizao socioterritorial local, mas com o apoio de
externalidades
comprometidas com a causa.
8 Esta angstia vivenciada pelos ocupantes teve seu incio em
setembro de 2008 quando do incio das atividades de ocupao at maio
de 2010 quando conquistaram oficialmente, pelo menos, o direito de
no serem expulsos da rea depois do que outros problemas passaram a
ter prioridade no processo de consolidao do seu espao vivido a
exemplo do processo de construo das casas e do entorno. (CASTILHO,
2011)
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Figura 1: Panfleto de mobilizao na Ocupao Josu de Castro Fonte:
Trabalho de autoria dos alunos do programa de graduao em geografa,
membros do MSEU-UFPE, em 2010. Nota: convm dizer que todo o
material produzido para a realizao das atividades do MSEU, bem como
os artigos por ns escritos sobre o processo de luta relativo
experiencia da
Ocupao Josu de Castro, sempre passaram pelo filtro crtico de
membros do movimiento.
No curso deste trabalho, entre os anos de 2009 e 2010, foram
obtidos resultados
preliminares significativos, dentre os quais destacamos: o
reconhecimento do MSEU da
Universidade como una instituio pblica que, como tal, atua na
dimenso da cidadania,
atravs da leitura e discusso do espao vivido construdo pelos
movimentos
socioterritoriais; envolvimento dos estudantes dos programas de
graduao e ps-
graduao em geografia da UFPE, membros do MSEU, em um processo
real de
aproximao com a prtica tericamente discutida em sala de aula,
entendendo-o como
parte relevante de um processo global de aprendizado e pesquisa;
e a releitura dos
movimentos socioterritoriais na atualidade, a partir da
proximidade geogrfica com o
problema. Este ltimo ponto tem reforado e consolidado,
concomitantemente, o
desenvolvimento de indagaes e estudos sobre a questo, nos cursos
de geografia da
UFPE (Recife).
Alguns desses estudos e indagaes concretizaram-se em projetos de
pesquisa,
monografas e dissertaes. Como ponto comum entre estes trabalhos,
tem-se colocado,
direta ou indiretamente, a seguinte questo: em que medida os
movimentos
socioterritoriais, em seus espaos vividos, tm conseguido obter
conquistas substanciais
capazes de construir o espao do cidado. O que , por seu turno,
uma condio sine qua
non construo de uma cidade, ou pelo menos, de territrios
efetivamente mais justos?
Isto apesar de termos a conscincia de que, sob o capitalismo que
temos, isso talvez seja
impossvel de ser concretizado.
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Da parte da Ocupao Josu de Castro, o trabalho do MSEU junto com
o de outros
grupos de pesquisa criados no interior da prpria UFPE tambm tem
sido visto como
uma experincia profcua dinmica do movimiento em epgrafe, no
obstante os
inmeros problemas e as inmeras dificuldades enfrentadas no
processo. Em termos mais
concretos, segundo lderes locais, as nossas oficinas foram teis
no que concerne ao
apoio que demos nos campos do fomento a principios de unio,
solidariedade e
mobilizao permanentes, visando conquista definitiva do direito a
permanecer no lugar
escolhido por eles mesmos para construrem seus territrios e
viverem.
Com efeito, a finalidade das oficinas coordenadas pelo MSEU
seguiu o que estava
sendo, naquele perodo, postulado por Zermeo (2009), isto : a sua
finalidade no era a
de fragmentar e pulverizar as aes tal como tem sido feito pelas
classes hegemnicas,
mas a de reunir as pessoas a partir dos seus prprios territrios.
O que foi realizado
concretamente, na medida em que se conseguiu despertar nos
prprios sujeitos
socioterritoriais da Ocupao suas prprias capacidades e
potencialidades para
conhecerem, posicionarem-se e mobilizarem-se em torno dos seus
problemas cotidianos.
E isto com o propsito de recuperar, atravs de procedimentos
dialgicos, a relevncia de
seus desejos e de suas atividades na construo, segundo Santos
(1997), de lugares fortes.
De um ponto de vista diretamente voltado construo efetiva do
territrio dos
ocupantes em epgrafe, o MSEU, a pedido dos prprios atores
socioterritoriais do
movimiento em epgrafe, chegou a elaborar e apresentar um croquis
relativo construo
do espao coletivo e um outro do espao privado das famlias locais
(figuras 2 e 3).
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Figura 2: Croquis do plano de construo do territrio da Ocupao
Josu de Castro Fonte: Trabalho realizado em 2010, de autoria de
alunas do curso de arquitetura do ESUDA, sob
orientao da arquiteta e aluna do programa de ps-graduao em
geografa da UFPE, Nancy Siqueira Nery, que tambm so membros do
MSEU.
Figura 3: Croquis da planta de construo das casas da Ocupao Josu
de Castro Fonte: Trabalho realizado em 2010, de autoria de alunas
do curso de arquitetura do ESUDA, sob
orientao da arquiteta e aluna do programa de ps-graduao em
geografa da UFPE, Nancy Siqueira Nery, que tambm so membros do
MSEU.
Vale ressaltar que os dois planos de construo do territrio
local, apresentados
acima, foram bem aceitos pelo movimento em seu conjunto,
correspondendo a parte de
suas expectativas. verdade que, aps a apresentao dos croquis,
eles solicitaram a
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realizao de alguns ajustes, em decorrncia das suas prprias
necessidades, as quais
somente eles teriam mesmo condies de apontar. O MSEU acatou as
solicitaes feitas
pelos moradores, mas as obras no foram realizadas em virtude de
uma srie de
problemas internos: tenses entre os moradores, esvaziamento do
movimento, influncia
do trfico de drogas etc.
Entretanto, aps um lapso de cerca de oito meses a partir da
apresentao deste
trabalho ao movimento novembro de 2010 , a atual Coordenao da
Ocupao Josu de
Castro voltou a solicitar a retomada do trabalho do MSEU.
Este conjunto de aes rene, portanto, algumas das caractersticas
do papel
desempenhado pela Universidade, a qual, como assessora dos
procesos de construo dos
espaos vividos, tambm pelos movimentos socioterritoriais, deve
cumprir na sociedade.
Com efeito, vale ressaltar que:
Corresponde a las universidades, igualmente, el establecimiento
de redes de profesionales, de dependencias y de actores
experimentados, as como la sistematizacin, acopio y crtica de todos
estos ejercicios de regionalismo sostenible de manera que auxilie
eficazmente en su labor de asesora y seguimiento de las distintas
experiencias (LABRA e ZERMEO, 2011, p.4).
Est claro, por outro lado, que, como j notamos, este processo
muito difcil de
concretizar-se tal como desejamos MSEU e moradores na prtica,
ainda que haja
esperanas ao nvel psicosfrico da imaginao e das expectativas dos
sujeitos
envolvidas durante a construo do espao vivido na Ocupao Josu de
Castro.
Ademais, o tempo, muitas vezes, pode entravar qualquer processo
de mudana nos
casos dos movimentos socioterritoriais ora em questo. Em outras
palavras, enquanto
estvamos continuamente engajados no referido movimento, atravs
da realizao das
oficinas do MSEU, os moradores continuaram mobilizados at
conquista do direito de
no serem mais expulsos do seu territrio.
Aps esta conquista, por uma srie de razes, muitas instituies
inclusive o
MSEU reduziram o tempo da sua presena e os seus trabalhos na
Ocupao. Alm disso,
demoramos a encontrar apoio tcnico e cientfico realizao das
tarefas concernentes,
por exemplo, ao georreferenciamento da rea, para a construo do
plano urbanstico
apresentado anteriormente 9.
Contudo, justamente com base neste ambiente de cooperao,
conquista e
esperana, mas concomitantemente de competio, recuos e angstias,
que vislumbramos
9 Agradecemos muito ao Prof. Dr. Jaime Mendona do Departamento
de Cartografia da UFPE, que, de pronto, aceitou esta tarefa como
uma misso e sem regatear.
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a construo de alternativas em termos de movimentos sociais e de
espaos construdos.
Problemtica que tem que ser compreendida, tambm, como resultado
da capacidade de
criao e articulao do prprio povo em diferentes escalas do seu
acontecer,
concretizando aes capazes de, pelo menos, influrem em alguns
aspectos da lgica atual
de produo espacial das nossas cidades.
MAIS DO QUE UMA CONCLUSO: RESTITUIO DO PAPEL DA CINCIA NA
CONSTRUO DE UMA METODOLOGIA CIENTFICA VOLTADA AOS ESPAOS VIVIDOS
DOS MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS
Diante do exposto, cabe dizer, voltando, sobretudo, a Alves
(2005), a Demo (1995)
e a Santos (1982, 1985, 1986, 1988, e 1997), que os cientistas
que se especializam de
modo exacerbado numa nica tcnica, almejando tornar-se seres
superiores, destacados
da sociedade, terminam reforando mitos, os quais constituem um
perigo criao de
verdadeiras obras humanas. E isto na medida em que induz
comportamentos e inibe o
pensamento criativo e inovador. Ao mesmo tempo, devemos
considerar que:
A cincia uma metamorfose do senso comum. Sem ele, ela no pode
existir. E essa a razo por que no existe nela nada de misterioso ou
extraordinrio. [...] Se a gente compreender o senso comum poder
entender a cincia com mais facilidade. E nada melhor para
compreend-lo que brincar com alguns problemas. (ALVES, 2000,
p.14-15)
Nesta brincadeira, a prpria escolha do objeto de pesquisa sempre
voltada
interveno na busca de melhorar as condies de vida das pessoas
deve ser um
processo relacionado com as necessidades fundamentais do
contexto histrico-geogrfico
em que a pesquisa desenvolvida. Com isto, a cincia deve ser
coerente, notadamente,
com as necessidades tecnosfricas e psicosfricas da sociedade. O
que se faz ainda mais
pertinente em cidades de fortes desigualdades socioterritoriais
como as brasileiras dos
nossos dias. 10 Dessa maneira:
Do que j se disse sobre o sentido poltico da pesquisa conclui-se
claramente que a escolha e a delimitao de um tema de pesquisa
pressupem sua relevncia no s acadmica, mas, sobretudo, social. Na
sociedade brasileira, marcada por tantas e to graves contradies, a
questo da relevncia social dos temas de pesquisa assume ento um
carter de extrema gravidade. (SEVERINO, 2002, p.159) (itlico do
autor)
10 Na nossa trajetria acadmica, sempre buscamos realizar
discusses, pesquisas e estudos que fossem
pertinentes para contribuir ao entendimento da desigual
realidade socioespacial urbana existente no nosso pas, a fim de
prover a sociedade em termos de elementos terico-metodolgicos
encorajadores da mudana das precrias condies de vida em que vivem
as suas populaes.
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Essa aproximao dos conhecimentos da cincia com os do senso comum
faz-se
interessante e necessria, porque a cincia isolada puramente
positivista no acredita na
emoo e no desejo como aspectos relevantes; o senso comum, ao
contrrio, nunca deixou
de acreditar nesses aspectos sem os quais no se consegue criar e
inovar.
Ser bom em cincia e no senso comum ser capaz de inventar solues.
[...] A questo no saber uma soluo j dada, mas ser capaz de aprender
maneiras novas de sobreviver. [...] isto , a capacidade a aprender
solues novas para problemas novos. [...] O senso comum e a cincia
so expresses da mesma necessidade bsica, a necessidade de
compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. (ALVES,
2000, p.20-21)
Em outras palavras, a compreenso deste mundo no acontece apenas
pela
observao dos fatos em si buscando apenas analis-los
superficialmente, mas,
simultaneamente, em uma perspectiva dialgica, pela apreenso da
ordem invisvel que se
acha subjacente aparncia dos fatos. Foi nesta perspectiva que
Rubem Alves falou que o
cientista um caador do invisvel. Para o qu, alis, uma teoria e
uma ao consequentes
se fazem recursos fundamentais:
[...] a teoria indispensvel a todo trabalho cientfico. Ela no
necessria somente para organizar as descobertas dos pesquisadores
de maneira a lhes dar um sentido, porm, mais fundamentalmente, para
determinar as questes que devem ser colocadas. O saber cientfico no
aparece jamais como resultado espontneo, por assim dizer, da
pesquisa emprica bruta, mas somente sob a forma de solues de
problemas levantados; e tais solues supem um sistema coordenado de
problemas estabelecidos de maneira lgica. (MYRDAL apud SANTOS,
1986, pp.26-27)
Portanto, para ns, como sustentamos desde o incio deste escrito,
a cincia deve
constituir uma ao social essencialmente dinmica, inovadora e
criativa; e isto,
principalmente, porque ela sempre deve procurar acompanhar os
movimentos do real,
refletindo e construindo novos procedimentos terico-metodolgicos
e contribuindo,
atravs da indicao de novas questes, para produo de uma realidade
socioespacial,
pelo menos diferente da existente:
Os novos conhecimentos cientficos apontam para o reino do
possvel, enquanto sua realizao concreta pertence mais ao domnio das
condies econmicas, culturais e polticas. Como o Futuro no nico, mas
deve ser escolhido, so as cincias sociais que se tornam as cincias
de base para uma construo voluntria da histria. Como? Trata-se de
alargar sua base filosfica de tal modo que as preocupaes
teleolgicas no constituem obstculo fiel transcrio dos fenmenos.
(SANTOS, 1988, p.21)
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CASTILHO, C. J. M. Construo de uma metodologia cientfica...
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Diante do que acabamos de expor, por que motivo, ento, no
podemos, tambm,
usar da nossa imaginao criativa (HARVEY, 2004) para o
desenvolvimento de
perspectivas radicais de mudanas sociais, formando verdadeiros
contra-territrios? Lutas
que, de acordo com Moreira (2007), ao referir-se a
contra-espaos, representam formas
novas e democrticas de produo de espaos, que devem se fortalecer
para no
sucumbirem aos imperativos de interesses alheios.
Para isto, precisamos concretizar uma mudana cultural
significativa com relao
s nossas posturas, simultaneamente intelectuais e prticas.
Quando escrevemos nossas
posturas, referimo-nos no somente ao MSEU e s demais instituies
que se engajaram
no processo de ocupao do territrio Josu de Castro, mas
coletividade das instituies
pblicas Universidade. E isto porque nem todos os membros dessa
Coletividade fazem
valer seu compromisso pblico para com a prpria sociedade que a
sustenta.
A experincia do trabalho das oficinas realizadas pelo MSEU-UFPE
na Ocupao em
tela foi bastante interessante no apenas no que tange sua
contribuio, como instituio
pblica que articula e facilita aes territoriais em andamento no
processo de
construo de espaos vividos no mbito dos movimentos sociais, bem
como nos da
construo e sistematizao de metodologias e mtodos socialmente
pertinentes ao
desenrolar desses processos sociais.
Contudo, temos conscincia de que muitos caminhos teremos que
percorrer no
sentido de tornar essa metodologia e os mtodos a elas
relacionados mais dinmicos e
adequados apreenso, anlise e interpretao dos problemas que dizem
respeito ao
processo, ao mesmo tempo, difcil e incerto inerente construo dos
referidos espaos
vividos. Para o qu, alis, devemos, ainda, continuar colocando o
nosso arsenal terico-
metodolgico construdo e em construo, simultaneamente em prova,
discusso e
avaliao pelos prprios sujeitos das nossas preocupaes, isto , os
movimentos
socioterritoriais nos seus prprios espaos vividos.
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