fornecimento gratuito de medicamento eacute dever liacutequido e certo do Estado competindo agrave Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios o seu cuidado conforme estabelece o art 23 II da CF bem como a organizaccedilatildeo da seguridade social garantindo a universalidade da cobertura e do atendimento tudo conforme o art 194 paraacutegrafo uacutenico inciso I todos da Carta Magna
Por se tratar o fornecimento de medicamentos de uma obrigaccedilatildeo solidaacuteria eacute possiacutevel exigir a prestaccedilatildeo de qualquer um ou de todos os entes federativos A escolha cabe ao cidadatildeo ao formular o seu pedido Deste modo reconhece-se no poacutelo passivo de uma accedilatildeo de medicamentos um litisconsoacutercio facultativo e natildeo obrigatoacuterio pois a responsabilidade solidaacuteria dos entes puacuteblicos natildeo obriga ao chamamento ao processo ou a denunciaccedilatildeo agrave lide de outros entes natildeo demandados pelo requerente
Diferente natildeo eacute com o funcionamento do SUS o qual eacute de responsabilidade solidaacuteria da Uniatildeo Estados e Municiacutepios de modo que qualquer um deles tem legitimidade para figurar no poacutelo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso a medicamentos para pessoas carentes Nesse sentido eacute de se destacar a decisatildeo do STJ proferida pelo Ministro Humberto Martins no julgamento do Recurso Especial nordm 1103889RN publicado no DJ de 19032009 Segundo ele o Sistema Uacutenico de Sauacutede seraacute financiado com recursos do orccedilamento da seguridade social da Uniatildeo dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios aleacutem de outras fontes O texto constitucional faz referecircncia agraves trecircs esferas do Poder Executivo para ampliar a responsabilidade de tal forma que natildeo haacute que se falar em litisconsoacutercio
O STF tambeacutem jaacute se manifestou no sentido de admitir a escolha pelo autor do ente da federaccedilatildeo contra quem deseja solicitar medicamentos como se vecirc no julgamento do Agravo de Instrumento nordm 597141RS de relatoria da Ministra Carmen Luacutecia publicado no DJ de 29062007 Ficou decidido que em razatildeo da responsabilidade prevista no artigo 196 da CF a legitimidade passiva para a causa consiste na coincidecircncia entre a pessoa do reacuteu e a pessoa de qualquer um dos vaacuterios entes federativos A presenccedila de um dos vaacuterios legitimados no poacutelo passivo da relaccedilatildeo processual decorre da escolha do demandante jaacute que todos e qualquer um deles tem o dever de cuidar da sauacutede e assistecircncia puacuteblica na forma do inciso II do art 23 da CF
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O fornecimento de medicamentos pelo Estado
Sendo assim o cumprimento do dever poliacutetico-constitucional consagrado no
art 196 da CF consistente na obrigaccedilatildeo de assegurar a todos a proteccedilatildeo agrave sauacutede
representa fator que associado a um imperativo de solidariedade social impotildee-se
como medidas positivas ao poder puacuteblico seja atraveacutes da Uniatildeo dos Estados ou
Municiacutepios
3 O PRINCIacutePIO DA RESERVA DO POSSIacuteVEL E O NUacuteCLEO ESSENCIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Embora haja entendimentos favoraacuteveis ao ldquoPrinciacutepio da Reserva do
Possiacutevelrdquo segundo o qual o juiz natildeo pode alcanccedilar direitos sem que existam meios
materiais disponiacuteveis para tanto as limitaccedilotildees ou dificuldades orccedilamentaacuterias natildeo se
prestam por si soacute como pretexto para negar o direito agrave sauacutede e agrave vida garantido no
art 196 da CF
A Lei 80801990 em seu art 2ordm repetiu que a sauacutede eacute um direito
fundamental do ser humano incumbindo ao Estado prover as condiccedilotildees ao seu
pleno exerciacutecio disciplinando o SUS incumbindo aos entes da federaccedilatildeo a
prestaccedilatildeo de serviccedilos de sauacutede agrave populaccedilatildeo Diante disto natildeo haacute que se dar
acolhida ao argumento da inexistecircncia de previsatildeo orccedilamentaacuteria por parte do
Estado uma vez que caracterizada a urgecircncia do atendimento devido ao cidadatildeo
carente deve-se primar pelo direito agrave vida acima de tudo
A Constituiccedilatildeo Federal eacute expressa ao assegurar o direito agrave vida e o direito agrave
sauacutede como garantias fundamentais instituiacutedas em norma de caraacuteter imperativo
autoaplicaacuteveis de acordo com a responsabilidade solidaacuteria dos entes federativos
Haacute um bem maior que eacute a vida com um respectivo direito agrave sauacutede assegurado
constitucionalmente como direito fundamental bem este que tem o maior valor
devendo ser sempre o bem preponderante sobre os demais direitos assegurados no
texto constitucional significando que entre os dois valores em jogo direito agrave vida e o
direito do ente puacuteblico de bem gerir as verbas puacuteblicas sob qualquer oacutetica deve
prevalecer o bem maior Assim eacute desnecessaacuteria a previsatildeo orccedilamentaacuteria ou a
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Robson de Vargas
licitaccedilatildeo para a aquisiccedilatildeo dos medicamentos solicitados quando necessaacuterios agrave
sobrevivecircncia digna do ser humano
Ainda frente agrave necessidade de se alcanccedilar medicamentos a quem tem
urgecircncia no pleito a alegaccedilatildeo de ofensa agrave separaccedilatildeo dos poderes natildeo merece
acolhida natildeo havendo duacutevida quanto agrave prioridade absoluta do direito subjetivo
postulado isso porque o Judiciaacuterio natildeo estaacute criando poliacutetica puacuteblica mas apenas
determinando o seu cumprimento o que precisa ficar claro jaacute que se trata de uma
das marcas da justiccedila constitucional na contemporaneidade (BOLZAN DE MORAIS
2010 p 150)
Diante disso visando agrave declaraccedilatildeo e concretizaccedilatildeo dos direitos e demandas
sociais bem como a correccedilatildeo dos defeitos legislativos o ativismo judicial enquanto
ampliaccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio voltada para a concretizaccedilatildeo de direito e
demandas sociais atraveacutes de uma interpretaccedilatildeo constitucional estaacute ligado agrave
expansatildeo da jurisdiccedilatildeo constitucional num claro propoacutesito de afirmaccedilatildeo do princiacutepio
da sumpremacia da Constituiccedilatildeo
E essa atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio natildeo eacute uma atuaccedilatildeo poliacutetica partidaacuteria
mas poliacutetica institucional num indiscutiacutevel propoacutesito de resguardar aquilo que eacute
fundamental Deste modo o ativismo judicial longe estaacute de ser uma afronta ao
Estado Democraacutetico de Direito pelo contraacuterio o reaccedila e o fortalece Por isso eacute
fundamental fazer avanccedilar a hermenecircutica constitucional mediante a sistematizaccedilatildeo
completa da concepccedilatildeo espacial do conteuacutedo total das normas constitucionais
O conteuacutedo total de um direito constitucional possui uma parte central
representada pelo seu nuacutecleo essencial isto eacute seu conteuacutedo miacutenimo e uma parte
ponderaacutevel sujeita a teacutecnicas de avaliaccedilatildeo em caso de conflito com outros direitos
constitucionais No acircmbito do direito agrave sauacutede eacute necessaacuterio preservar a ideia de um
conteuacutedo miacutenimo no concernente ao fornecimento de medicamentos pelo Estado
Por consequecircncia sendo o cidadatildeo pessoa carente com uma enfermidade grave e
existindo urgecircncia na utilizaccedilatildeo do medicamento o Estado precisa criar condiccedilotildees
em atender essa necessidade elevando dessa forma efetividade a dignidade
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O fornecimento de medicamentos pelo Estado
humana princiacutepio que serve de inspiraccedilatildeo para o reconhecimento e o
desenvolvimento de um Estado Democraacutetico de Direito
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Diante da expressiva quantidade de cidadatildeos carentes frente a um Estado com inuacutemeras necessidades a atender sem encontrar recursos suficientes para tanto torna-se salutar garantir minimamente a efetividade natildeo soacute do direito agrave sauacutede mas de todos os direitos fundamentais inerentes agrave pessoa humana assegurando-se com isso um nuacutecleo essencial do direito agrave sauacutede pois trata-se de um dos principais direitos fundamentais de caraacuteter prestacional impondo-se a todos os entes federativos a adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas eficazes para o alcance da Justiccedila Social e do bem estar de todos
Esse esforccedilo eacute conjunto a responsabilidade eacute de todos e natildeo pode ser negligenciada Deve ser uma pauta contiacutenua sem antinomias (BARROSO 2004 p 9) a ser garantida pelo sistema normativo e poliacutetico a ponto de tornar os valores e princiacutepios constitucionais uma realidade
REFEREcircNCIAS
BARROSO Luiacutes Roberto Interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo 6 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004 BOLZAN DE MORAIS Jose Luis O estado constitucional diaacutelogos (ou a falta deles) entre justiccedila e poliacutetica In Constituiccedilatildeo Sistemas Sociais e Hermenecircutica ndash Anuaacuterio do Programa de Poacutes-Graduccedilatildeo em Direito da Unisinos n 7 Porto Alegre Livraria do Advogado 2010 BONAVIDES Paulo Curso de direito constitucional 7 ed Satildeo Paulo Malheiros 1997 BRASIL Constituiccedilatildeo (1988) Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil Satildeo Paulo Saraiva 2010 CRUZ Paulo Maacutercio Fundamentos do direito constitucional 2 ed Curitiba Juruaacute 2008 MENDES Gilmar Ferreira COELHO Inocecircncio Maacutertires BRANCO Paulo Gustavo Gonet Curso de direito constitucional 4 ed Satildeo Paulo Saraiva 2009 PIOVESAN Flaacutevia Direitos humanos e o direito constitucional internacional 7 ed Satildeo Paulo Saraiva 2006
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Robson de Vargas
REALE Miguel Liccedilotildees preliminares de direito 25 ed Satildeo Paulo Saraiva 2000 SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais 10 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2009 SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 17 ed Satildeo Paulo Malheiros 2000
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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos
A IMUNIDADE TRIBUTAacuteRIA E OS LIVROS ELETROcircNICOS UMA ANAacuteLISE DIFERENCIADA SOBRE O TEMA1
TAX IMMUNITY AND ELECTRONIC BOOKS A DIFFERENT ANALYSIS ON THE THEME
Luiacutes Henrique Bortolai2
Juliane Cavalcanti Pereira3
Resumo O presente trabalho objetiva uma anaacutelise criacutetica acerca da possibilidade de
incidecircncia do instituto da imunidade tributaacuteria aos livros eletrocircnicos recente evoluccedilatildeo tecnoloacutegica que tem se revelado um objeto presente na realidade social brasileira principalmente devido ao acesso aos meios de comunicaccedilatildeo Esse estudo almeja a apresentaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo que busque trazer maior efetivaccedilatildeo as disposiccedilotildees constitucionais propondo atingir o maacuteximo de sua realizaccedilatildeo possibilitando o acesso agrave cultura e ao conhecimento disponiacutevel
Palavras-chave Imunidade tributaacuteria livro eletrocircnico ordenamento juriacutedico brasileiro Constituiccedilatildeo Federal
Abstract This paper engages in a critical analysis of the possibility of incidence of
the institute of tax immunity over electronic books recent technological developments it has been an object present in the Brazilian social reality mainly due to access to the medium This study aims at presenting an interpretation that seeks to bring greater effectiveness constitutional provisions proposing achieve maximum realization enabling access to culture and knowledge available
Keywords Tax immunity electronic book Brazilian law the Federal Constitution
1 Artigo submetido em 01062013 pareceres de aprovaccedilatildeo em 03072013 e 09092013 aprovaccedilatildeo comunicada em 09092013
2 Doutorando em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Mestre em Acesso agrave Justiccedila na Faculdade Autocircnoma de Direito de Satildeo Paulo (FADISP) Especialista em Direito Tributaacuterio pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de CampinasSP (PUC-Campinas) Membro da Comissatildeo de Cursos e Palestras da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Secccedilatildeo CampinasSP Advogado em CampinasSP Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie ndash Campus Campinas E-mail ltborto04hotmailcomgt
3 Graduanda em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais na Universidade Presbiteriana Mackenzie Campus Campinas E-mail ltjuliane_jujuhotmailcomgt
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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira
INTRODUCcedilAtildeO
O presente artigo objetiva de forma pontual possibilitar um estudo aprofundado sobre a interaccedilatildeo entre a imunidade tributaacuteria e o livro eletrocircnico tomando como base a jurisprudecircncia e a doutrina de modo a concluir as disposiccedilotildees apresentadas especialmente tomando como base os julgados tribunais superiores e focando no tribunal de segunda instacircncia do Estado de Satildeo Paulo
A proposta apresentada para o desenvolvimento do presente trabalho se refere a possibilidade ou natildeo da disposiccedilatildeo contida no artigo 150 inciso IV aliacutenea lsquodrsquo da Constituiccedilatildeo Federal da Repuacuteblica Federativa do Brasil4 ser aplicada ao livro eletrocircnico Tal questionamento busca abordar um tema atual e presente no cotidiano das pessoas graccedilas principalmente as inovaccedilotildees e mudanccedilas que a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica tecircm trazido ao ordenamento juriacutedico brasileiro conjuntamente com a telefonia moacutevel e a banda larga
O presente trabalho natildeo busca esgotar a mateacuteria apresentada mas apenas trazer uma abordagem diferenciada acerca do assunto com uma visatildeo atual deste tema tatildeo relevante que a cada dia que passa assume especial atenccedilatildeo dos inteacuterprete-aplicadores devido aos desdobramentos intriacutensecos e extrinsecos do tema
1 DISCUSSAtildeO JURISPRUDENCIAL
Natildeo se pode negar o fato de que as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas satildeo uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das pessoas se tornando muitas vezes meios de substituiccedilatildeo das vias ordinaacuterias ateacute entatildeo existentes A tiacutetulo de exemplo o Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo jaacute se manifestou acerca do instituto da imunidade tributaacuteria por diversas vezes ainda quando da natildeo disseminaccedilatildeo da rede mundial de computadores no seacuteculo passado dentre as quais se destaca o seguinte trecho
4 Artigo 150 Sem prejuiacutezo de outras garantias asseguradas ao contribuinte eacute vedado agrave Uniatildeo aos Estados ao Distrito Federal e aos Municiacutepios [] VI - instituir impostos sobre [] d) livros jornais perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo
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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos
A imunidade deve ter interpretaccedilatildeo extensiva larga natildeo enfrentando o oacutebice do inciso II do artigo 111 do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Trata-se de uma imunidade imposicional objetiva e natildeo condicionada autecircntica norma que natildeo admite complementariedade legislativa vedando peremptoriamente qualquer ingerecircncia de natureza limitatoacuteria5
Somado a isso o Supremo Tribunal Federal em alguns julgados tem mantido posicionamento pela natildeo abrangecircncia deste benefiacutecio estendendo seu alcance apenas a filmes e papeacuteis fotograacuteficos usados na ediccedilatildeo de livros jornais e perioacutedicos e negando tal aplicaccedilatildeo aos livros eletrocircnicos Ocorre que o verdadeiro fim de tal norma eacute possibilitar a disseminaccedilatildeo de cultura e informaccedilotildees Ao se restringir o acircmbito de atuaccedilatildeo da imunidade haveria um verdadeiro contrassenso dentro das disposiccedilotildees contidas no proacuteprio texto constitucional A proacutepria Suprema Corte jaacute entendeu que todos os insumos utilizados na produccedilatildeo do livro devem ser abarcados pela imunidade tributaacuteria Conforme se observa abaixo ainda que com a vigecircncia de outro texto constitucional o entendimento eacute o mesmo
Imunidade Tributaacuteria Livro Constituiccedilatildeo art 19 inciso III aliacutenea lsquodrsquo Em se tratando de norma constitucional relativa agraves imunidades tributaacuterias geneacutericas admite-se a interpretaccedilatildeo ampla de modo a transparecerem os princiacutepios e postulados nela consagrados O livro como objeto da imunidade tributaacuteria natildeo eacute apenas produto acabado mas o conjunto de serviccedilos que o realizam desde a redaccedilatildeo ateacute a revisatildeo da obra sem restriccedilatildeo dos valores que a foram e que a Constituiccedilatildeo protege6
A Oitava Cacircmara de Direito Puacuteblico do Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo em julgamento datado de 1999 deu provimento ao recurso de apelaccedilatildeo da Fazenda do Estado para declarar a inexistecircncia de imunidade tributaacuteria para os denominados livros eletrocircnicos ndash CD-Rom ndash valendo-se da aplicaccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico de interpretaccedilatildeo para concluir que a proposta ampliativa de imunidade foi rechaccedilada pelos constituintes e deve ser portanto respeitada A ementa e trechos do acoacuterdatildeo satildeo dispostas a seguir
5 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel nordm 196626-2 3ordf Cacircmara Civil Relator Desembargador Luiz Tacircmbara RJTJESP 14199
6 BRASIL Supremo Tribunal Federal Recurso Extraordinaacuterio n 102141RJ Relator Ministro Aldir Passarinho Requerente Enciclopeacutedia Britannica Editores Ltda Advogado Sergio Bermudes e Outros Requerido Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Advogado Helena Cardoso Teixeira Julgamento 18101985 DJ 29111985 RTJ 116267
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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira
Impostos CD-ROM Imunidade tributaacuteria Inexistecircncia Privileacutegio de natureza constitucional Irrelevacircncia da destinaccedilatildeo do bem e da qualificaccedilatildeo da entidade que o produz Hipoacutetese natildeo contemplada no artigo 150 inciso VI lsquodrsquo da CF Interpretaccedilatildeo natildeo extensiva Recursos providos Entretanto natildeo eacute qualquer papel que estaacute imune a tributaccedilatildeo de impostos mas apenas aquele destinado a impressatildeo de livros jornais e perioacutedicos descabendo estender-se o benefiacutecio de natureza constitucional a outras hipoacuteteses natildeo contempladas pela Constituiccedilatildeo vale dizer para abranger outros insumos bem assim sobre legislaccedilatildeo informatizada em forma de CD-Rom e mais programa de computador ndash software As imunidades configuram privileacutegios de natureza constitucional e natildeo podem estender-se aleacutem das hipoacuteteses expressamente previstas na Constituiccedilatildeo [] Resulta pois que se essa proposta ampliativa de imunidades natildeo foi aceita preferindo o legislador constituinte manter aquele privileacutegio apenas e tatildeo somente em relaccedilatildeo a livros jornais e perioacutedicos e o papel destinado a sua impressatildeo natildeo se afigura razoaacutevel contrariar a sua real intenccedilatildeo mens legislatoris para abranger hipoacutetese que ele natildeo resolveu agasalhar incluindo-se a legislaccedilatildeo informatizada ndash CD-Rom e software []7
Tal hipoacutetese se revela desconexa com a atual conjuntura da realidade social e principalmente das reais necessidades e anseios da coletividade A configuraccedilatildeo de meacutetodos de interpretaccedilatildeo como o finaliacutestico e o sistemaacutetico por exemplo permitem uma anaacutelise mais aprofundada das disposiccedilotildees apresentadas natildeo podendo se valer apenas de anaacutelises restritivas quando a situaccedilatildeo apresentada se mostra muito mais rica e complexa merecendo especial atenccedilatildeo Aleacutem disso as disposiccedilotildees legais devem se coadunar com as expectativas e asseios da sociedade que a cada dia que passa tem se modificado e evoluiacutedo sem o devido acompanhamento legislativo O Supremo Tribunal Federal na ADIN nordm 939 no voto do Ministro Sepuacutelveda Pertence extrai-se o seguinte trecho
[] salvaguardas fundamentais de princiacutepios liberdades e direitos baacutesicos da Constituiccedilatildeo como a liberdade religiosa de manifestaccedilatildeo de pensamento pluralismo poliacutetico do regime liberdade sindical a solidariedade social o direito agrave educaccedilatildeo e assim por diante8
Importante que se deixe claro que os magistrados e desembargadores devem se manter atualizados agraves mudanccedilas legislativas mas principalmente as
7 BRASIL Tribunal de Justiccedila de Satildeo Paulo Apelaccedilatildeo Ciacutevel n 2857954-00 Apelante Fazenda do Estado de Satildeo Paulo Apelada Saraiva Data Ltda Relator Desembargador Celso Bonilha Acoacuterdatildeo registrado sob n 00110316 Julgado 16121998 DOE 01021999
8 BRASIL Supremo Tribunal Federal ADIN nordm 939-7-DF Impetrante Confederaccedilatildeo Nacional dos Trabalhadores do Comeacutercio Impetrado Congresso Nacional Relator Ministro Sydney Sanches Julgamento em 14121993 DJU 18031994 RTJ 151755
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A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos
sociais de modo a proporcionar as partes e a parcela da populaccedilatildeo atingida uma interpretaccedilatildeo condizente com as suas reais necessidades O professor Hugo de Brito Machado (2003 p 14) assim jaacute se manifestou sobre o assunto
Embora natildeo verse a questatildeo do livro eletrocircnico o certo eacute que o Poder Judiciaacuterio jaacute cunhou a extrema amplitude da imunidade versada no art 150 VI lsquodrsquo verbis ldquo[] visando a difusatildeo da cultura educaccedilatildeo liberdade de pensamento e comunicaccedilatildeo constituiria injustificaacutevel contradiccedilatildeo do constituinte alijar da abrangecircncia tributaacuteria apenas parcela do processo de difusatildeo da cultura e da educaccedilatildeo da liberdade de pensamento e de comunicaccedilatildeo atraveacutes de jornais e perioacutedicos Restaria evidentemente frustrado o alvo constitucionalrdquo
Segundo Yoshiaki Ichihara (2001 p 326)
Natildeo reconhecer a imunidade tributaacuteria dos livros eletrocircnicos eacute o mesmo que parar no tempo e no espaccedilo preso a interpretaccedilatildeo literal e retroacutegrada sem enxergar a realidade atual e do futuro pois em termos de conteuacutedo funccedilatildeo objetividade recursos para pesquisa copiagem transporte divulgaccedilatildeo rapidez na localizaccedilatildeo dos textos etc os CD-Roms superam em muito os tradicionais livros jornais perioacutedicos etc
Tal disposiccedilatildeo se coaduna perfeitamente com as disposiccedilotildees apresentadas ateacute o momento merecendo especial atenccedilatildeo e realce dada a sua explicaccedilatildeo concisa e direta revelando clara hipoacutetese de aplicaccedilatildeo de meacutetodos diferenciados das normas entatildeo vigentes de forma a concretizar de forma efetiva as disposiccedilotildees do texto constitucional
2 APLICACcedilAtildeO PRAacuteTICA DOS MEacuteTODOS DE INTERPRETACcedilAtildeO
As disposiccedilotildees acerca do instituto da imunidade tributaacuteria estatildeo dispostas na Constituiccedilatildeo Federal revelando a importacircncia que o tema possui Ainda neste diploma em seu artigo 5ordm incisos VI e IX eacute disposto que
Art 5ordm Todos satildeo iguais perante a lei sem distinccedilatildeo de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no paiacutes a inviolabilidade do direito agrave vida agrave liberdade agrave igualdade agrave seguranccedila e agrave propriedade nos termos seguintes [] IV - eacute livre a manifestaccedilatildeo do pensamento sendo vedado o anonimato []
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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira
IX - eacute livre a expressatildeo da atividade intelectual artiacutestica cientiacutefica e de comunicaccedilatildeo independentemente de censura ou licenccedila
Tais disposiccedilotildees se complementam com a previsatildeo apresentada no artigo 220 da Carta Magna ao estabelecer expressamente que
Art 220 A manifestaccedilatildeo do pensamento a criaccedilatildeo a expressatildeo e a informaccedilatildeo sob qualquer forma processo ou veiacuteculo natildeo sofreratildeo qualquer restriccedilatildeo observado o disposto nesta Constituiccedilatildeo sect 1ordm - Nenhuma lei conteraacute dispositivo que possa constituir embaraccedilo agrave plena liberdade de informaccedilatildeo jornaliacutestica em qualquer veiacuteculo de comunicaccedilatildeo social observado o disposto no art 5ordm IV V X XIII e XIV sect 2ordm - Eacute vedada toda e qualquer censura de natureza poliacutetica ideoloacutegica e artiacutestica
Tais normas fornecem embasamento e fortalecem o entendimento de que eacute possiacutevel se realizar uma interpretaccedilatildeo sistemaacutetica que toma o ordenamento juriacutedico brasileiro como um todo e natildeo apenas a partir de uma visatildeo segmentada e particular tiacutepica da interpretaccedilatildeo literal Sob o ponto de vista objetivo a imunidade tributaacuteria incidente sobre livros jornais revistas perioacutedicos e seu papel buscando efetivar os princiacutepios basilares e fundamentais do regime democraacutetico tais como a difusatildeo cultural de informaccedilotildees e principalmente do conhecimento disponiacutevel natildeo merecendo ser restringido ou limitado O Coacutedigo Tributaacuterio Nacional expressamente dispotildee em seu artigo 111 que
Art 111 Interpreta-se literalmente a legislaccedilatildeo tributaacuteria que disponha sobre I - suspensatildeo ou exclusatildeo do creacutedito tributaacuterio II - outorga de isenccedilatildeo III - dispensa do cumprimento de obrigaccedilotildees tributaacuterias acessoacuterias
Diante de tal disposiccedilatildeo legal fica evidente que no caso da isenccedilatildeo de tributos anistia renuacutencia e natildeo incidecircncia a interpretaccedilatildeo mais condizente eacute a literal se restringindo as disposiccedilotildees apresentadas no texto infraconstitucional Jaacute quanto ao instituto da imunidade disposta no texto constitucional a interpretaccedilatildeo mais propiacutecia eacute a teleoloacutegica-sistemaacutetica ao buscar a finalidade da norma de forma ampla e que concretize as disposiccedilotildees ali apresentadas Como a imunidade ocorre antes mesmo da criaccedilatildeo do poder de tributar enquanto que a isenccedilatildeo e demais institutos satildeo criados depois em clara hipoacutetese de renuacutencia fiscal revelando a Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 512
A imunidade tributaacuteria e os livros eletrocircnicos
diferenccedila niacutetida entre os dispositivos A primeira deve possuir um acircmbito de atuaccedilatildeo muito maior que as demais devido agrave sua funccedilatildeo protetora dentro do ordenamento juriacutedico brasileiro Walter Barbosa Correcirca (1998 p 130) leciona que
Ao desenvolver a atividade de interpretaccedilatildeo da norma imunizadora a natureza e finalidades da imunidade satildeo essenciais de pronto afastando a interpretaccedilatildeo literal proacutepria das isenccedilotildees instituto esse que ateacute haacute pouco tempo confundia-se com a imunidade e vice-versa
Diante disso natildeo pode haver uma notiacutecia vinculada pela via impressa imune e a mesma informaccedilatildeo transmitida pela rede mundial de computadores natildeo ser contemplada apenas por natildeo estar materializada num papel Nesta linha ainda relevante opiniatildeo eacute trazida por Heleno Taveira Tocircrres e Vanessa Nobeel Garcia ao afirmarem em estudo sobre o tema que ldquo[] exige que o ato de aplicaccedilatildeo reconheccedila os valores fixados pela sociedade no ordenamento juriacutedico e que os garanta com efetividade plenardquo (TOcircRRES 2003 p 83) A ponderaccedilatildeo de valores deve sopesar toda e qualquer comparaccedilatildeo que for feita de modo a proporcionar o meacutetodo mais propiacutecio agravequela situaccedilatildeo apresentada Diante disso o princiacutepio da isonomia deve pautar o estudo entre as formas de livro existentes de modo a natildeo possibilitar a ocorrecircncia de qualquer injusticcedila A utilizaccedilatildeo dos meacutetodos claacutessicos de interpretaccedilatildeo satildeo insuficientes e revelam natildeo alcanccedilar o verdadeiro nuacutecleo essencial preceituado pelo norma constitucional o conhecimento existente
Assim a problemaacutetica levantada sobre o verdadeiro conceito de livro bem como sobre a possibilidade de aplicaccedilatildeo da imunidade tributaacuteria ao livro eletrocircnico pode ser solucionada com a utilizaccedilatildeo de dois meacutetodos de interpretaccedilatildeo de forma simultacircnea o teleoloacutegico e o sistemaacutetico O primeiro busca a finalidade da norma revelando o seu papel essencial quando se tem como objeto de estudo alguma disposiccedilatildeo do texto constitucional Portanto na aplicaccedilatildeo de uma disposiccedilatildeo constitucional deve-se ater aos fins sociais a que esta foi criada buscando o bem estar da coletividade seguindo o preceito disposto no artigo 5ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nordm 465742)9
9 ldquoNa aplicaccedilatildeo da lei o juiz atenderaacute aos fins sociais a que ela se dirige e agraves exigecircncias do bem comumrdquo
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Luiacutes Henrique Bortolai e Juliane Cavalcanti Pereira
Nesta esteira ainda o outro meacutetodo apresentado o sistemaacutetico se mostra relevante e propiacutecio a presente proposta vez que possibilita segundo as palavras do hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiacutes Roberto Barroso a ldquo[] atribuiccedilatildeo de novos conteuacutedos agrave norma constitucional sem modificaccedilatildeo do seu teor literal em razatildeo de mudanccedilas histoacutericas ou de fatores poliacuteticos e sociais que natildeo estavam presentes nas mentes dos constituintesrdquo (BARROSO 2009 p 137) Com isso a aplicaccedilatildeo conjunta destes meacutetodos interpretativos confere aos livros eletrocircnicos o benefiacutecio das garantias da imunidade tributaacuteria O professor Alfredo Augusto Becker (2007 p 272) pondera em quatro etapas o ato de interpretaccedilatildeo da lei quais sejam
1) Distinccedilatildeo dos elementos da hipoacutetese de incidecircncia da regra juriacutedica em apreccedilo 2) Estudo preacutevio das consequecircncias da regra juriacutedica 3) Anaacutelise de todos os fatos da hipoacutetese de incidecircncia de modo a preencher todas as lacunas apresentadas e 4) Ponderar se as consequecircncias da regra de incidecircncia foram respeitadas
De fato natildeo se pode interpretar uma norma imunizante como se interpreta uma norma instituidora de isenccedilatildeo de caraacuteter infraconstitucional por exemplo A norma constitucional foi encartada no texto maior para a proteccedilatildeo de valor fundamental a humanidade a liberdade de expressatildeo sem a qual natildeo se pode falar em uma efetiva democracia participativa Tendo em vista isso deve ser atribuiacutedo o
sentido que traga maior eficaacutecia a estas disposiccedilotildees O professor Joseacute Joaquim Gomes Canotilho faz menccedilatildeo expressa ao princiacutepio da maacutexima efetividade ou seja diante de uma situaccedilatildeo conflitante deve-se proceder pela aplicaccedilatildeo do meacutetodo mais condizente com a realidade faacutetica de forma a possibilitar a maior inclusatildeo possiacutevel do dispositivo (CANOTILHO 2003 p 167) Outro pensador bem pontual a presente demanda eacute Konrad Hesse ao afirmar que a interpretaccedilatildeo do texto constitucional sempre deve almejar a sua efetiva concretizaccedilatildeo Segundo aludido doutrinador ldquoo que natildeo aparece de forma clara como conteuacutedo da Constituiccedilatildeo eacute o que deve ser determinado mediante a incorporaccedilatildeo da lsquorealidadersquo de cuja ordenaccedilatildeo se tratardquo (HESSE 1992 p 40)
A interpretaccedilatildeo de norma constitucional sempre necessita de cuidados Atento ao princiacutepio da supremacia constitucional natildeo pode o inteacuterprete-aplicador se
Constituiccedilatildeo Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2012 vol 4 n 7 Jul-Dez p 507-527 514