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O Debate sobre Habitao nos Congressos Pan-Americanos de
Arquitetos:
1920-1940 Fernando Atique1
Costumeiramente, os estudos internacionais sobre a habitao se
voltam anlise de
transposies, vinculaes ideolgicas e, at mesmo, cpias de modelos
entre pases. Tratam,
tambm, da anlise da tecnologia empregue na construo, bem como da
documentao e
crtica de obras paradigmticas de arquitetos envolvidos com esse
campo da arquitetura e do
urbanismo. No caso brasileiro a situao no diferente. Muito
embora tenhamos uma
produo editorial, e mesmo acadmica, tmida no que tange a
trabalhos sobre a habitao, -
perto do que se esperaria para um pas de propores continentais
-, possumos trabalhos que
fornecem subsdios mnimos sua compreenso. Dentre essa produo
mnima, contudo,
ressente-se a falta de trabalhos que tratem, tambm, das
repercusses de eventos que
discutiram essa questo do alojamento, sobretudo daqueles que
reuniram profissionais da rea
do projeto e da construo. Por esse breve panorama percebe-se que
a histria e a crtica
ligada habitao enfrenta, ainda, uma srie de lacunas. Dentre
essas lacunas, destaca-se a
necessidade de uma anlise do debate que foi processado sobre o
tema nas cinco primeiras
edies dos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos, e que tem
merecido da historiografia
poucas linhas em trabalhos dos mais diversos interesses.2 ,
pois, visando contribuir no
entendimento dos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos e dos
debates e proposies
acerca da habitao, processados em suas edies, que se estrutura
esse paper.
1 Professor Universidade So Francisco USF, Doutorando FAU-USP.
E-mail: [email protected] 2 Sero analisadas apenas as
cinco primeiras edies dos Congressos Pan-Americanos de Arquitetos,
pelo fato das reunies posteriores a 1940, j possurem certa
homogeneidade de pensamento, em funo do apogeu do Movimento Moderno
de Arquitetura. As cinco edies inaugurais desses Congressos,
entretanto, atestam uma pluralidade de pensamento e opes
ideolgicas, polticas, estticas e construtivas, entre os arquitetos,
tornando sua anlise mais interessante para o entendimento das opes
processadas aps 1940.
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UM EVENTO A SER DECIFRADO
A literatura acerca da poltica habitacional brasileira tem sido
muito criteriosa ao
apontar que foram tbias as medidas de amparo e de resoluo ao
problema da habitao, entre
o final do sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo XX. Muitos
autores mostram uma
completa ineficcia de posturas do poder pblico nessa rea, nos
primeiros anos do sculo XX
(BONDUKI, 1999, p.39; VAZ, 2002, p.54). Outros mostram que a
questo do alojamento das
classes menos favorecidas estava, prioritariamente, nas mos da
iniciativa privada, que
promovia a construo de vilas operrias e ncleos fabris pelo
Brasil todo (CORREIA, 1998,
p. 76; BLAY, 1985, p. 77). No que diz respeito anlise da poltica
habitacional promovida
pelo Estado, temos obras que promovem uma reflexo aprofundada do
assunto, como o j
citado livro de Nabil Bonduki, e a dissertao de mestrado de
Marta Farah, Estado,
Previdncia Social e Habitao, de 1983, dentre alguns outros.
estranho, todavia, que
inexistam trabalhos que apontem para a importncia dos Congressos
Pan-Americanos de
Arquitetos na divulgao de modelos, conceitos e posturas
polticas, desde 1920, ano em que
foram criados. Tal investigao necessria, uma vez que ao analisar
os Anais de tais eventos,
bem como as reportagens publicadas no Brasil e nos pases latinos
sobre essas reunies de
arquitetos, consegue-se perceber um elenco de discusses,
recomendaes e iniciativas que,
mesmo que muitas vezes, s no campo conceitual, surtiram efeito
no pas. O que esse artigo
procura fazer exatamente isso. Ou seja, sondar as origens de
certas iniciativas, mesmo que
esparsas, que demarcam um incio do enfrentamento do problema da
habitao voltada
classe laboriosa a partir de referncias presentes no debate de
arquitetura pan-americanista.
Antes, contudo, faz-se necessrio apresentar os Congressos
Pan-Americanos, bem
como, circunscrever o alcance de suas idias no pas.
AS NOES DE PAN-AMERICANISMO
Os Congressos Pan-Americanos de Arquitetos foram idealizados por
um grupo de
arquitetos uruguaios que tinham por interesse, inicialmente, a
defesa e a regulamentao da
profisso de arquiteto naquele pas. A gnese de tais eventos
remonta a 1914, ano em que
organizada a Sociedade de Arquitetos do Uruguai por iniciativa
de alguns profissionais,
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atuantes na primeira metade do sculo XX, como Alfredo R. Campos,
Alfredo Baldomir,
Horacio Acosta y Lara, dentre outros. A iniciativa de
regulamentao e defesa dos
profissionais da arquitetura naquele pas surtiu efeito e foi
colocada por tal comisso
fundadora, como cabvel e necessria aos outros pases do
continente americano. Nesse
sentido, organizou-se, em 1916, o Comit Permanente dos
Congressos Pan-Americanos, que
ficou locado, durante vrios anos, em Montevidu, sob a direo de
Horacio Acosta y Lara,
tendo, por funo existencial, estruturar a participao dos pases
das Amricas nos congressos
a serem realizados.
Essa vontade de lutar pelo reconhecimento da profisso e pela
delimitao das
atribuies profissionais dos arquitetos em toda a Amrica, como
expressaram os uruguaios,
deve ser entendida tendo em vista a poltica pan-americanista, em
debate desde o sculo XIX.
O tema do pan-americanismo foi constante durante os oitocentos,
envolvendo os pases da
Amrica do Sul e os Estados Unidos, pas considerado pela histria,
genericamente, como o
formulador do congraamento das Amricas, j que foi o criador da
doutrina Monroe, em
1823.
No momento em que o Uruguai lana a idia dos Congressos
Pan-Americanos de
Arquitetos (1914), tal discusso j estava amalgamada no
continente. Autores das mais
variadas tendncias polticas j haviam escrito sobre o tema,
expondo concepes curiosas,
como a do brasileiro Heitor Lyra que, em um texto publicado na
Revista Americana, em 1917,
dizia que
se Monroe, em 1823, estabelecera publica e officialmente as
bases do panamericanismo, a Amrica do Sul alguns antes j pensara em
adoptar essa poltica liberal. (...) Era o sonho de Bolvar dizia
ele. Somente unida a Amrica poderia se apresentar al mundo com
aspecto de majestad y grandeza sin ejemplos en las naciones
antiguas (REVISTA AMERICANA, 2001, p.201). Entretanto,
independentemente de tentar encontrar a genealogia do
pan-americanismo,
uma grande parcela dos autores ligados intelectualidade das
Amricas do Sul e Central via
com ceticismo os objetivos dos Estados Unidos mediante a
doutrina Monroe, como a
declarao do diplomata brasileiro Oliveira Lima, em 1906, deixa
claro:
A doutrina Monroe sempre foi, desde o seu primitivo estgio, uma
doutrina egosta que visava reservar a Amrica, econmica e
diplomaticamente, para um apangio da sua poro preponderante, em vez
de continuar a depender das suas velhas metrpoles, no
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mais exclusivistas do que a nova. E tanto nunca foi uma doutrina
altrusta ou mesmo cujas responsabilidades fossem comuns, e tambm as
vantagens, a todas as repblicas americanas, representando uma
garantia recproca de defesa, de preservao e de soberania (...) que
os Estados Unidos se guardaram ciosamente o direito de escolher a
ocasio ou o pretexto da sua aplicao de acordo com seus prprios
interesses (LIMA, 1980, p.37).
Se a doutrina Monroe, em seus primeiros anos, propalava-se como
uma resposta
negativa da Amrica, sobretudo de seu pas liberto mais antigo os
EUA - Europa, em
funo de um suposto interesse de reintegrao de suas ex-colnias,
ela foi, de fato, uma
poltica de pretenso dominadora por parte dos norte-americanos,
sobretudo durante o governo
de Roosevelt. Essa tentativa de dominao imperialista por parte
dos EUA produziu
discursos acalorados em prol da necessidade de manifestaes
nacionalistas de repdio a essa
tendncia. A realidade brasileira3 permite com que se perceba o
grau de importncia desse
debate nas primeiras pocas do sculo XX. Especificamente, o caso
mais contundente, no
Brasil, envolve o livro de Eduardo Prado, A Iluso Americana, de
1893, documento, ao
mesmo tempo, monarquista e antiestadunidense. Eduardo Prado,
poucos anos depois da
Proclamao da Repblica, ainda defendia que apenas um governo
centralizador, vitalcio,
calcado em ttulos de nobreza, seria capaz de encaminhar o Brasil
rumo s resolues de seus
problemas polticos. Mas, de fato, seu suposto
anti-republicanismo ecoou fortemente
durante o governo do Marechal Floriano Peixoto, quando atacou,
pautado em anlises
apaixonadas, incidentes polticos deflagrados ou encabeados pelos
Estados Unidos: o modelo
de pas livre e republicano da Primeira Repblica (REBELO, 2001,
p. XI).4
Seu livro acabou sendo confiscado pelas tropas do governo
federal, no mesmo dia do
lanamento, e s veio a pblico em 1896, na Frana. Contudo, a obra
pode ser considerada um
3 Obviamente, no se pretende analisar a Amrica toda tendo por
base apenas a realidade brasileira, mas, o debate pan-americanista
no Brasil pode ser tomado como parte de um sistema que englobava
posies semelhantes em toda a Amrica. 4 Citando situaes em que a
poltica externa norte-americana feriu os interesses nacionalistas
do Mxico, do Peru, da Colmbia, do Haiti, da Argentina e de outras
naes da Amrica, Eduardo Prado queria mostrar que j era
tempo de reagir contra a insanidade da absoluta confraternizao
que se pretende impor entre o Brasil e a grande repblica
anglo-saxnica, de que nos achamos separados, no s pela grande
distncia, como pela raa, pela religio, pela ndole, pela lngua, pela
histria e pelas tradies de nosso povo. (...) O fato de o Brasil e
de os Estados Unidos se acharem no mesmo continente um acidente
geogrfico ao qual seria pueril atribuir uma exagerada importncia.
(...) Pretender identificar o Brasil com os Estados Unidos, pela
razo de serem do mesmo continente, o mesmo que querer dar a
Portugal as instituies da Sua, por que ambos os pases esto na
Europa (PRADO, 2001, p.31).
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dos ensaios inaugurais da linha de crtica poltica externa dos
Estados Unidos. Eduardo
Prado pode ser citado como um dos primeiros autores a se
indispor noo de fraternidade
americana, preconizada pela doutrina Monroe. Expondo opinies
pessoais na obra em
questo, Prado anunciava que a fraternidade americana [era] uma
mentira, j que existiam
mais dios, mais inimizades entre as naes ibricas da Amrica, do
que entre as naes
da Europa (REBELO, idem).
Pelo que se nota, Eduardo Prado no via a possibilidade de uma
postura pan-
americanista, devido a suas concepes polticas (era monarquista,
e como tal, era zeloso das
expresses nacionais bem demarcadas como fator de existncia de
uma nao) e sociais (j
que era defensor das questes de raa, credo e histria como
identificadoras dos pases).
Mas, o teor contestador de Eduardo Prado pode ser encontrado, em
certo sentido,
tambm nos escritos do j citado diplomata Oliveira Lima. Como
expe Washington Lus
Pereira de Souza Neto (1980), na introduo da obra
Pan-americanismo: Monroe, Bolvar,
Roosevelt, de 1907,
clara estava a inteno poltica de Oliveira Lima sobre o
pan-americanismo e sobre o sistema de governo norte-americano.
Opunha-se ao rooseveltismo de Nabuco, procurava demonstrar os
perigos que adviriam da extenso da doutrina de Monroe com o
corolrio de Roosevelt e esboava uma nova orientao da poltica
externa brasileira, a qual deveria, em sua opinio, basear-se em uma
maior aproximao com a Argentina e demais repblicas
latino-americanas, na manuteno das tradicionais relaes com o mundo
europeu, e no na busca aodada de relaes privilegiadas com os
Estados Unidos da Amrica (SOUZA NETO, 1980, p.10). Oliveira Lima,
ao contrrio de Prado, no era propriamente um oponente da noo de
pan-americanismo, mas repudiava a poltica do Big Stick, de
Roosevelt. A postura de
Oliveira Lima foi definida por Gilberto Freyre como
pan-americanista crtica (Idem, p.11).
Mas esse pan-americanismo crtico encontrava oposio em outro
diplomata brasileiro,
Joaquim Nabuco.
Joaquim Nabuco foi o intelectual brasileiro da Primeira Repblica
que mais se
empenhou em divulgar supostas benesses de uma aliana dos pases
da Amrica Latina com os
norte-americanos. Em suas conferncias em algumas universidades
dos Estados Unidos,5
5 Como Wisconsin, Chicago, Columbia, entre algumas outras.
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Nabuco exprimiu opinies laudatrias no s apenas dessa aliana,
como de celebrao do que
chamava de civilizao norte-americana: Vs, com toda a vossa alta
civilizao, no
podeis fazer mal a nenhuma outra nao. O contacto intimo
comvosco, seja em que condio
for, s poder, portanto, trazer beneficio e progresso outra parte
(NABUCO, 2001, p.40).
Joaquim Nabuco, num sbio jogo de palavras, transmitiu sua noo de
pan-
americanismo, tentando demonstrar que, para ele, tal atitude de
congraamento traria muitos
benefcios aos latinos, mas, tambm aos norte-americanos:
O nico effeito que posso enxergar no trato intimo da America
Latina comvosco que ella viria a ser lentamente americanizada; isto
, ela se impregnaria, em medida diversa, do vosso optimismo,
intrepidez e energia. (...) No quero dizer que algum dia
emparelhemos com o vosso passo. Nem o desejamos. Excedestes toda a
actividade humana de que ha memoria , sem perturbar o rhythmo da
vida. Fizestes novo rhythymo s para vs. Ns nunca o poderamos
conseguir. Para as raas latinas festina lente a regra da saude e da
estabilidade. E seja-me licito dizer que um bem para a humanidade
que todas as raas no marchem a passo igual, que todas no corram
(Idem).
Para Nabuco, era importante deixar claro que os demais pases da
Amrica no tinham
por inteno tentar se igualar aos Estados Unidos, talvez temendo
uma interrupo na
transmisso dos efeitos da americanizao acima referida. Para ele,
era natural que a
repblica estadunidense fosse a lder da fraternidade das Amricas
por consider-la
predestinada a isso por questes de raa, credo e geografia.
Em linhas bem gerais, podemos vislumbrar, ento, a existncia de
trs grupos polticos
no trato com a questo pan-americanista: o de repdio completo aos
modelos e proposies de
aliana com os Estados Unidos, no Brasil, encabeada por Eduardo
Prado; o de crtica rdua
poltica pan-americanista como era comandada pelos Estados Unidos
durante o governo de
Theodor Roosevelt - muito embora visse a necessidade de uma
aliana entre os pases da
Amrica Latina -, tendncia capitaneada, por aqui, por Oliveira
Lima; e a de Fraternidade
Americana, entre ns, vinculada atividade diplomtica de Joaquim
Nabuco, e seguida,
tambm, pelo Baro do Rio Branco.
O que se depreende da anlise dos documentos que tratam
especificamente dos
Congressos Pan-Americanos de Arquitetos que havia uma
interpretao de pan-
americanismo, entre seus participantes e idealizadores,
aparentemente prxima dos conceitos
pelos quais Joaquim Nabuco o entendia, e, nesse sentido, o
editorial da revista Architectura no
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Brasil, de setembro de 1923, singular, ao referir-se aos
objetivos ideolgicos do II
Congresso Pan-Americano de Arquitetos, ento, em curso, em
Santiago do Chile:
Reune-se pela segunda vez em nosso continente o Congresso
Pan-Americano de Architectos, cujo promissor inicio realizou-se ha
tres annos passados na linda cidade de Montevido, capital do nosso
vizinho amigo o Uruguay. (...) O Brasil, como um dos grandes
membros da grande famlia americana, congratula-se com os demais
paizes amigos pela realizao desse congraamento de obreiros do
bello, no qual se renem debaixo do mesmo palio fraternal da paz e
trabalho, os principaes architectos americanos, portadores de idas
e principios, cuja utilidade para o engrandecimento da architectura
em nosso continente excuzamo-nos de enaltecer. (... )Para governo
de uma profisso, as resolues dos congressos internacionaes no eram
o sufficiente. Alm das sabias lies adquiridas no convivio com o
meio selecto de architectos da velha Europa, nesses magnos torneios
de arte, algo de mais especializado e absolutamente restricto ao
meio ambiente da America necessitavam os nossos architectos, porque
ha sempre uma mesma lei moral de harmonia que nos irmana e
engrandece, baseada em um novo ideal altamente de solidariedade
humana (...) (ARCHITECTURA NO BRASIL, 1923,p.141).
O que corrobora a afirmao anterior citao o fato de que os
Congressos tinham
como lnguas oficiais o espanhol, o portugus, mas tambm, o ingls
e o francs,
possivelmente em decorrncia dos pases da Amrica do Norte Estados
Unidos e Canad
falarem tais idiomas. Essa simples deteco permite perceber um
ideal de reunio que
pretendia facilitar o intercmbio do conhecimento entre as
Amricas. Contudo, ao analisarmos
os Anais de tais encontros, percebemos um certo predomnio na
participao de profissionais
da Amrica do Sul, como Argentina, Brasil, Uruguai e Chile, e,
num menor nmero, da
Colmbia, da Venezuela, do Peru, como ainda de pases da Amrica
Central e Caribe, como
Cuba, e at os Estados Unidos. Com relao aos arquitetos
norte-americanos, convm frisar
que eles participaram de quase todas as cinco primeiras edies,
exceto do II Congresso,
realizado em Santiago do Chile, em 1923, por proibio do governo
local, mas sempre com
um nmero muito pequeno de delegados, no chegando a se
constiturem em um grupo
hegemnico em nenhuma dessas ocasies. J o Canad participou, pela
primeira vez, do IV
Congresso, no Rio, mesmo assim, por representao do arquiteto
britnico Robert Prentice,
atuante na antiga capital federal do Brasil, mas membro de uma
sociedade de classe daquele
pas (REVISTA DE ARQUITECTURA, 1930).
possvel, tambm, que a noo pan-americanista uruguaia, ao formular
essa espcie de
evento, em 1914, tenha sido vinculada noo do congraamento das
Amricas, ainda mais
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se notarmos que a sugesto dessas reunies partiu de Alfredo R.
Campos, arquiteto que
tambm era militar, e que chegou a ser Ministro da Guerra de seu
pas, atividade que lhe
garantia certa simpatia pelas atitudes ordenadoras vistas na
doutrina Monroe.6 Pela anlise
de suas concluses, publicadas em diversas revistas do Brasil e
da Argentina,7 percebe-se,
claramente, que os Congressos Pan-Americanos de Arquitetos
serviram mais de instrumento e
frum de debate dos problemas dos pases latinos, do que de espao
de divulgao de
elementos ideolgicos ou polticos norte-americanos, muito embora,
vez ou outra, os Estados
Unidos fossem celebrados como modelo para o esclarecimento de
dvidas surgidas nas
sesses de trabalho, como no caso da relevncia dos arranha-cus
como modelo tambm
cabvel aos pases da Amrica do Sul (REVISTA DE ARQUITETCTURA,
1930, p.494).
Talvez sem muita clareza no momento de suas realizaes, esses
congressos estavam
seguindo concepes pan-americanistas parecidas com as de Oliveira
Lima em sua prtica, ou
seja, minorando a ascendncia norte-americana sobre a Amrica, ao
mesmo tempo em que no
as impediam de existirem; reiterando a necessidade de dilogo com
a Europa e conclamando a
uma aliana entre os demais pases da Amrica.
Na anlise da temtica desses congressos, salta aos olhos uma
certa antecipao s
resolues presentes em eventos internacionais, como no campo do
urbanismo; um incio de
teorizao sobre os problemas decorrentes da metropolizao das
cidades, como, por exemplo,
a questo da habitao, e, tambm o arranjo de teorias que se
mostravam um tanto quanto
idealistas para a realidade dos pases latino-americanos das
dcadas de 1920, 1930 e 1940.
Antes de entramos, contudo, na anlise especfica sobre a questo
habitacional presente nesses
Congressos, convm explicitar os temas de cada uma de suas cinco
primeiras edies.
ASPECTOS TEMTICOS DOS CONGRESSOS PAN-AMERICANOS DE
ARQUITETOS
6 Contudo, pela escassez de bibliografia sobre o tema, ainda no
foi possvel comprovar se tal hiptese est correta. 7 As principais
so Arquitetura e Urbanismo, publicao do IAB; Arquitetura e
Construes, Architectura no Brasil, Revista de Engenharia do
Mackenzie College, Revista de Arquitectura, da Sociedade Central de
Arquitectos de Buenos Aires.
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A primeira edio dos Congressos Pan-americanos ocorreu em
Montevidu, em 1920,
sob a presidncia do arquiteto Horacio Acosta y Lara. Da leitura
das concluses desse evento,
transparece sua idia central que era a de lutar e estimular a
promulgao e sano de leis que
regulamentassem a profisso de arquiteto em cada pas
participante. Nesse sentido, fica claro
que o primeiro congresso procurava dialogar com os poderes
centrais de cada pas, entendidos
como os responsveis diretos por oficializar as concluses obtidas
no evento.
O Segundo Congresso foi realizado em Santiago do Chile, em 1923,
tendo sido
presidido pelo arquiteto Ricardo Gonzles Corts. O que se
depreende, de imediato, de suas
concluses, a necessidade de estudo e entendimento sobre o
urbanismo em todas as escolas
da Amrica. Aparece, tambm, o debate acerca da conservao dos
monumentos histricos
dos pases latino-americanos, atitude que antecipou a discusso e
a criao de vrios servios
com essa finalidade nos pases participantes, como por exemplo,
no Brasil.8
O terceiro encontro, o primeiro que, de fato, contou com a
presena de um grande
nmero de participantes, ocorreu em Buenos Aires, tendo sido
presidido pelo arquiteto Raul E.
Fitte. Nessa edio dos Congressos Pan-americanos a questo do
ensino nas Escolas de
Arquitetura foi uma das pautas centrais, deslocando o debate
persistente sobre a questo da
proteo aos profissionais para a que incidia sobre qual
profissional se queria ver formado
na Amrica. Contudo, nesse Congresso que aparecem, pela primeira
vez, teses especficas
sobre qual seria o destino da arquitetura com a proliferao da
vertente moderna.
O Congresso seguinte foi organizado pelo Brasil, e ocorreu na
cidade do Rio de
Janeiro, em 1930, sob a presidncia do arquiteto Nestor Egydeo de
Figueiredo. Das
reportagens sobre esse encontro depreendem-se as noes de
nacionalismo que vigoravam em
cada pas participante, sobretudo no pas anfitrio, mas, podem ser
sentidas, tambm, as
repercusses positivas e negativas acerca da arquitetura e do
urbanismo modernos, bem como
da metropolizao das cidades da Amrica do Sul. Nessa edio dos
Congressos Pan-
americanos decide-se que Havana, em Cuba, seria a organizadora
do prximo encontro,
agendado para 1933. Contudo, problemas polticos e econmicos
levaram a uma interrupo
de dez anos nos encontros, que, por fim, acabaram sendo
realizados novamente em
Montevidu.
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O Quinto Congresso Pan-Americano de Arquitetos ocorrido no
Uruguai, em 1940,
fecha um ciclo de vinte anos, e mostra uma discusso muito
interessante sobre temas sociais,
quer seja sobre a resoluo dos crescimentos desordenados das
cidades, quer seja sobre o
problema habitacional da populao de baixa renda, e, ainda, sobre
a necessidade de se lutar
por fundos de aposentadoria para os arquitetos. A discusso que
comeou em Montevidu, em
1920, tendo como base a regulamentao da profisso dos arquitetos,
retorna mesma cidade,
com temas que parecem indicar no uma mudana nas atividades
profissionais dos arquitetos,
mas, sim, uma ampliao do entendimento da prpria profisso,
mediante a possibilidade de
discusso e amadurecimento proporcionados pelos congressos. Essa
edio dos Congressos
Pan-Americanos foi presidida pelo arquiteto Daniel Rocco.
POSIES, PROPOSIES E PROJETOS HABITACIONAIS
Uma das sesses de trabalho do I Congresso Pan-Americano de
Arquitetos versava
sobre as Casas Baratas Urbanas e Rurais na Amrica. Dentre os
seis artigos que
compuseram suas concluses oficiais, estava a que defendia a
difuso da edificao familiar
nos arredores dos bairros fabris e industriais dotando-os de
fcil acesso aos centros urbanos
e recomendando a edificao de casas coletivas nos centros
densamente povoados
(ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p.68). Essa concluso se
coadunava com a da
sesso denominada Transformao, Desenvolvimento e Embelezamento da
Cidade de Tipo
Predominante na Amrica, que requeria das autoridades nacionais e
municipais de todos os
pazes da America aes de forma a determinar a localisao, disposio
e extenso dos
parques, jardins, praas e espcie de suas plantaes, assim como
outros espaos livres que
tenham por objtivo a higienizao interior das moradias (Idem,
p.67).
Em artigo publicado no Boletim do Instituto de Engenharia de So
Paulo, em 1941, o
engenheiro Francisco Baptista de Oliveira, explicita que na
Argentina, em 1915, foi criada
uma lei (9677) que instituiu a Comisso Nacional de Casas Baratas
rgo oficial,
subordinado ao Ministrio do Interior, que orientava e executava
as construes populares
daquele pas (OLIVEIRA, 1941, p.83). Dentre as atividades dessa
Comisso, apontadas por
8 O Brasil teria seu Servio do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional SPHAN - constitudo apenas em 1937, muito embora, outras
iniciativas locais j fossem existentes desde a dcada de 1920
(RODRIGUES, 2000, p. 13).
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Baptista de Oliveira, estava a construo de vrios bairros (...)
compostos de casas
individuais e coletivas, todos destinados, exclusivamente, a
trabalhadores de pequenos
recursos (Idem). Como sabemos que a participao da Argentina
nesse I Congresso Pan-
Americano de Arquitetos foi grande, podemos perceber que as
concluses dessa sesso sobre
casas baratas foram influenciadas pelos argentinos.
Mas, muito embora j delegassem ao poder pblico a necessidade de
controlar e prever
o crescimento das cidades em crescimento acelerado na Amrica,
essas concluses tinham
ainda resqucios do pensamento higienista do sculo XIX, que via
as habitaes de carter
social em duas categorias: salubres e insalubres. O fato, tambm,
de frisar que as habitaes
baratas fossem dispostas ao lado de indstrias, em bairros
fabris, demonstra, muito mais,
certa segregao espacial que dispe ao lado dos lugares de
trabalho a mo-de-obra, do que
uma soluo estudada para produzir zonas de expanso e a
requalificao do espao da cidade
como a experincia de Ernst May, em Frankfurt, nos revela (ARS,
1991, p.23).
Se nessas concluses, num primeiro momento, podemos perceber um
raciocnio
tradicional sobre a forma e os lugares da cidade, numa segunda
visada, notamos a noo do
incremento s habitaes nos centros urbanos, em edifcios
coletivos. Entretanto, tais edifcios
coletivos, como as concluses da sesso Meios Prticos para
Estimular a Edificao
expunham, eram previstos dentro de padres de higiene e segurana
que se exigem nas casas
de habitao coletiva, com o objetivo principal de transformar os
conventilhos em
apartamentos ou outro qualquer tipo de habitao proletaria
salubre. (ARQUITETURA E
URBANISMO, 1940, p.70).
Outro item que merece ser frisado o que corresponde demarcao de
um carter
assistencialista nas resolues desse Congresso. Tal afirmao fica
comprovada quando se
examina a seguinte concluso da j citada sesso, Casas Baratas:
considerar como obra de
previso social a construo de abrigos noturnos para indigentes
que chegam periodicamente
s grandes cidades, sem encontrar lugares baratos e dignos em que
hospedar-se
(ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p.68).
Nessa frase encontra-se o princpio bsico do pensamento de alguns
industriais,
denominados por Franoise Choay, Pr-Urbanistas Progressistas
(CHOAY, 2000, p.4),
que, em situaes semelhantes nas cidades industriais europias, se
comportavam tentando
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evitar o vagar e os ajuntamentos dos pobres na cidade, pois viam
em tais atitudes um perigo e
uma ameaa sociedade e ao capital urbanos. Essa tentativa de
apoiar os indigentes que
vagavam entre as cidades, ou entre os bairros das cidades,
persistiu durante algumas dcadas
como um dos pontos principais da poltica sobre o alojamento
urbano, na Amrica. No Brasil,
podemos citar um exemplar arquitetnico de primeira grandeza que
se baseia nesse programa,
o Albergue da Boa Vontade, de 1931, projetado por Affonso Reidy
e Gerson Pompeu
Pinheiro, no Rio (CZAJKOWSKI, 2000, p.47).
Malgrado essas concepes, talvez as concluses mais avanadas
ideolgica e
politicamente dessa edio dos Congressos Pan-Americanos foram as
que solicitavam dos
Governos, das Municipalidades e Instituies particulares, apoio
para a construo de
habitaes. Mas, dentre essas, a que talvez merea maior destaque a
que apontava a
convenincia de se fundar em cada pas o que denominaram de Banco
Nacional Construtor
de Casas Econmicas, instituio que fosse, pelo que transparece de
outra concluso do
evento, a responsvel por incrementar a construo de habitaes
higienicas e baratas, por
meio do apoio moral, legal e pecunirio dos Governos,
Municipalidades e Instituies
particulares (ARQUITETURA, op. cit.).
Se, em 1920, o Congresso Pan-Americano de Arquitetos se colocava
a favor da
constituio de um banco construtor de casas, com capital misto,
em sua segunda edio, em
1923, os arquitetos se pronunciavam com mais veemncia, delegando
responsabilidade ao
Estado, por meio de suas instituies de Crdito facilitar
emprestimos a juros modicos, seja para fomentar a iniciativa
particular seja para estimular a formao de cooperativas que se
submetam aos estatutos e tipos que o Estado determinar ou ainda
garantindo um determinado interesse s Empresas e Sociedades que
derem as garantias que o Estado exigir (ARQUITETURA E URBANISMO,
1940, p. 72). Esse esmiuar de alternativas para o trato com a
questo do financiamento da habitao,
verificada aqui, devida a uma srie de iniciativas e experincias
chilenas, pas que era o
anfitrio dessa segunda edio dos Congressos Pan-Americanos de
Arquitetos. Dentre essas
experincias, podemos ressaltar uma lei de 1906, desse pas, que
facultava aos Conselhos de
Habitaes Proletrias (...) ordenar a demolio ou reparao das
habitaes anti-
higienicas, e, ainda, a atuao da Caixa de Crdito Hipotecrio do
Chile, que influenciou,
inclusive, a seguinte concluso do evento, em sua sesso de
trabalho, igualmente denominada
Casas Baratas, Urbanas e Rurais na Amrica:
-
Com o fim de estimular a edificao e fomentar ao mesmo tempo a
previso social, o II Congresso Pan-Americano de Arquitetos julga
que deve-se recomendar em todo o continente a Instituio do
Seguro-Habitao mediante a formao de Casas Patronais mantidas pela
contribuio dirta das Emprezas, do Estado e dos operrios e
empregados que sejam beneficiados (ARQUITETURA, op. cit. 73). Como
esperavam, essa resoluo surtiu alguns efeitos no continente e,
tambm, em
especial, na realidade brasileira, podemos ver ecos desse
pensamento em dois momentos: um
na constituio dos Institutos de Aposentadoria e Penses IAPs,
durante a dcada de 1930,9
e o outro, temporalmente mais prximo dessa resoluo, com a Lei
Eli Chaves, de 1923. Essa
lei deu origem s Caixas de Aposentadorias e Penses CAPs -, que
tinham por objetivo
estabelecer maior controle sobre os recursos arrecadados pelos
sistemas previdencirios
autnomos, que teriam servido como fundo de greve nas grandes
mobilizaes operrias do
final da dcada de 10 (BONDUKI, 1999, p.101), mas que,
oficialmente, capitalizavam os
recursos arrecadados entre sindicatos de trabalhadores, em
investimentos que produzissem um
aumento desse fundo. Todavia, independente de qual tenha sido o
modelo que serviu de apoio
a essas iniciativas brasileiras, o que podemos notar que havia
uma certa equivalncia do
Brasil com as discusses do continente americano acerca das
formas de viabilizar a produo
de habitao.
Outra funo declarada como pertencente ao escopo de aes do
Estado, era a que
incidia sobre o fomento e a formao de indstrias e [de] elementos
de construo que se
submetam a determinados tipos, classes e dimenses, procurando a
produo em srie de
tipos estandardizados (ARQUITETURA, op. cit, p.72). Essa uma
concluso que parece
estar em dia com as principais realizaes norte-americanas e
europias, uma vez que utiliza
um vocabulrio altamente especializado acerca da necessidade de
uma produo em massa,
como escrevem, em srie, visando a constituio de um repertrio de
elementos e formas de
construir que barateassem a produo habitacional. Como aponta a
arquiteta Maria Luiza de
Freitas, a discusso sobre a racionalizao da construo comeou a
aparecer nos
peridicos de engenharia [nacionais] a partir de 1918, mas
abordando aspectos relativos
insolao, acstica, clculo de concreto etc, sendo que, s a partir
de 1924, o termo passou
9 Os IAPs foram estudados por Marta Farah, Paulo Bruna e Nabil
Bonduki com grande afinco, mas no encontramos em suas obras
referncias a essa recomendao, de 1923, dos Congresso
Pan-Americanos, talvez pelo fato de ter sido a nica edio em que os
brasileiros no compareceram (ARCHITECTURA NO BRASIL, 1923,
p.142).
-
figurar com maior nfase entre ns, muito em funo de artigos da
revista Architectura e
Construes, do Boletim do Instituto de Engenharia e da Revista
Polytechnica
(FREITAS, 2002, p.182). Essa informao deixa claro, ento, que
havia entre os pases das
Amricas Central e do Sul o conhecimento dessas maneiras de
otimizao da construo, mas,
alm disso, um empenho em v-las empregadas nesses pases. Contudo,
sabemos que no
Brasil essa inteno no vingou por completo, e at os dias de hoje
enfrentamos problemas de
vrias ordens no que tange especificao de elementos e materiais
de construo.
Outro dado que demonstra um certo avano em termos de poltica
habitacional foi o que
o 10 artigo das citadas concluses postulava acerca da
necessidade dos governos dos pases
americanos criarem concursos que pudessem obter a fixao de
moradias tipo e o fomento de
iniciativas industriais que colaborassem com uma expanso da
produo de habitaes
(ARQUITETURA, 1940, p.72). Nesse tpico, temos uma explicitao do
modus operandi
pelo qual se via a resoluo da questo habitacional.
A questo dos concursos como meio de garantir trabalho e a atuao
do arquiteto na
sociedade volta baila, em 1927, no III Congresso realizado em
Buenos Aires. Junto a esse
tema, houve uma sesso exclusiva para o debate da Edificao
Econmica, que reiterava a
necessidade da criao de uma legislao regulando cooperativas,
mutuarias e sociedades
edificadoras, tanto urbanas como rurais, visando (...) a
construo de casas econmicas
(ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p.79; REVISTA DE ENGENHARIA,
1927, p.14).
Podemos Perceber que a questo do financiamento habitacional era
um dos principais debates
no perodo, e sua incluso, novamente, como recomendao por parte
dos congressistas atesta
avanos em sua circunscrio, anteriormente tida apenas como
pertencente ao escopo de aes
do Estado. Nessa edio dos Congressos Pan-Americanos, o elenco de
categorias que
deveriam ser regulamentadas (cooperativas, mutuarias e
sociedades edificadoras) mostra que
era por meio de suas atuaes que o problema habitacional estava,
efetivamente, sendo tratado
nos pases participantes, entre eles, o Brasil.
Nesse Congresso, o tema da construo tambm abordado, devendo,
segundo as
recomendaes, serem utilizados materiais e estruturas mais
economicas suprimindo os
elementos superfluos e tratando de eliminar os intermediarios
que fazem aumentar o custo da
construo, mas tambm, serem criadas sociedades tcnicas
especialisadas na execuo
-
dessas obras (Ibidem). O que deve ficar claro, que a supresso de
elementos suprfluos a
que faz referncia a citao anterior, no uma diretriz
corbusieriana, mas uma recomendao
que se aplicava geometrizao da construo, segundo a chamada
arquitetura perretiana
(SEGAWA, 1999, p.59), ou, segundo o que se conhece, hoje, como
Art Dco, Mission Style e
Neocolonial Simplificado (NASCIMENTO, 2004, p.85; LEMOS, 1989,
p.183, PINHEIRO,
2004, p.301).
Outras trs consideraes desse terceiro encontro pan-americano
precisam ser
destacadas. A primeira delas a que concerne fundao de um Museu
Social em cada
pas, que teria a funo de estudar e procurar solues para os
problemas juridicos,
economicos, tcnicos e sociais relacionados com a habitao. O
urbanista Candido Malta
Campos Neto, em seu livro Rumos da Cidade: urbanismo e
modernizao em So Paulo,
nos informa que a idia de Museu Social advm do Muse Social de
Paris, que aglutinava os
principais representantes do nascente urbanismo cientfico e
ps-haussmanniano francs
(CAMPOS NETO, 2002, p.143) Campos ainda esclarece que na
Argentina a idia de Museu
Social antiga e remonta a 1911, ano em que criado, a partir do
apoio de correntes
ruralistas argentinas, proponentes da modernizao de base agrria
como caminho para a
soluo dos conflitos urbanos (Ibidem). necessrio frisar que o
Museo Social Argentino foi
uma das principais instituies de debate e divulgao do urbanismo
naquele pas. Sendo
assim, fica claro que a idia de Museu Social, como instituio
vlida a cada pas, presente nas
concluses do terceiro Congresso, surgiu da presena e atuao do
rgo argentino e de seus
membros entre os organizadores da edio processada em Buenos
Aires.10
A segunda recomendao advm, pelo que foi investigado, da atuao do
Museo Social
argentino, j que era o postulado de separao do estudo e resoluo
do problema habitacional
em dois: o das Vivendas Rurais e o das Habitaes Urbanas. Essa
separao surgiu em funo
da necessidade de assegurar ao homem do campo um mnimo de
higiene e comodidade,
alm de provocar, no lavrador, um maior apego terra em que
trabalha (ARQUITETURA
E URBANISMO, 1940, p.79; REVISTA DE ENGENHARIA, 1927, p.14).
Nessa
recomendao est embutido um raciocnio elitista, que procurava
alijar o homem do campo
10 No encontramos referncias criao de uma instituio semelhante
no Brasil, mesmo sabendo que o engenheiro Vtor Freire chegou a se
associar ao rgo argentino (CAMPOS NETO, 2002, p.143) e que os
Congressos Pan-Americanos recomendaram sua fundao.
-
de uma suposta vontade de ser urbano e, assim, abandonar a
produo rural em sua pequena
propriedade ou nos grandes latifndios, onde era empregado.
Por fim, o Congresso deixava claro que nos pases em que j
existia legislao prpria
favorecendo a aquisio de habitao por funcionrios pblicos,
houvesse uma preferncia na
escolha de chefes de famlias numerosas, mesmo que fossem
funcionrios menos antigos do
que outros chefes com famlias menores (REVISTA DE ENGENHARIA,
1927, p.15). Essa
a primeira vez que aparece o discurso acerca da necessidade de
aquisio da moradia por parte
da populao proletria. Esse tema seria retomado nas edies
seguintes, como poderemos
ver, passando a ser, nos anos 30, um dos principais temas de
discusso em todo o continente
americano.
Mas, no Rio de Janeiro, em 1930, durante a quarta edio desses
congressos, houve um
debate acirrado, tambm, acerca da pertinncia dos arranha-cus11
como forma e esttica nas
cidades americanas (REVISTA DE ARQUITECTURA, 1930, p.496).
Dentre inmeras
polmicas que o tema suscitava, compareceu uma soluo que acabou
sendo incorporada s
resolues acerca da Soluo Econmica do Problema Residencial12, a
saber:
que se recomende um estudo que permita a edificao
cooperativista, ou seja, a diviso das casas por pisos e
apartamentos e, sua venda fracionada, como uma das frmas para
resolver o problema residencial urbano, para operarios e empregados
(ARQUITETURA, op. cit., p.82).
O que se propunha era a adoo da habitao coletiva como forma de
minimizao de
encargos econmicos, como de rea urbana na construo das habitaes
de carter social.
Isso soava enfaticamente s recomendaes do congresso anterior, de
Buenos Aires, que
explicitava o desejo de que se criassem casas individuais ou
coletivas, e alm, que se
vendessem habitaes a chefes de famlia vinculados ao Estado. Como
explicitam Nabil
Bonduki e Flvia Brito do Nascimento, os casos de conjuntos
habitacionais de grandes
propores, no Brasil, foram poucos, mesmo dentre os produzidos
pelos IAPs, j que a opo
11 Nesse perodo, qualquer edifcio notadamente vertical em meio a
paisagem de uma cidade, era denominado arranha-cu (ATIQUE, 2004,
p.112). 12 A sesso de trabalho sobre esse tema foi composta da
seguinte maneira, segundo artigo da Revista de Arquitetctura, de
Buenos Aires: Presidente: Arq. Pasman, argentino. Vicepresidente:
Giurua, uruguayo. Secretario: Gouva Freire, brasileo. (REVISTA DE
ARQUITETCTURA, 1930, p.475).
-
governamental recaiu sobre a casa isolada nos lotes das
periferias, financiada ao trabalhador,
ou ainda, a auto-construo (BONDUKI, 1999, p.303; NASCIMENTO,
2004, p. 77). Nesse
quesito, pode-se perceber a afinao de atitudes da poltica do
perodo Vargas com as
discusses dos dois ltimos Congressos Pan-Americanos de
Arquitetos.
Outra concluso do IV Congresso era a noo de que a habitao
deveria ser pensada
dentro dos princpios reguladores dos planos urbanos, em execuo,
em vrias partes do
continente nesse perodo. Nota-se por meio dessa concluso, a
pertinncia que o urbanismo
adquiria nesse evento, sendo inclusive lavrada uma recomendao
para que essa discusso
fosse presente nas edies subseqentes, o que de fato foi.
Mas um dos pontos centrais do IV Congresso Pan-Americano de
Arquitetos, no que
tange habitao, foi a concluso de que o caminho para a
regularizao das cidades e da
prpria vida do trabalhador deveria ser a difuso da noo de que as
casas econmicas
fossem encaradas sob o aspcto de Assistencia Social e no como
beneficiencia
(ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p.82). Vislumbrando essa
concluso,
perceberemos que se postulava a necessidade de uma poltica de
amparo e de preocupao
com o problema habitacional, e no uma atitude de doao, de
filantropia, como nos informa
o Dicionrio Aurlio, sculo XXI (1999). Esse o tema central do
debate acerca do acesso da
populao moradia, nos anos 30. Marisa Carpintro, em sua obra A
Construo de um
sonho, esclarece que
a casa como propriedade dos trabalhadores passou a ser discutida
e viabilizada pelo Estado, muito mais no sentido da formao e
incorporao do trabalhador ordem dominante, do que como preocupao
meramente financeira relacionada acumulao e especulao imobiliria
(CARPINTRO, 1997, p.187). Carpintro explicita que a casa prpria, na
viso dos tcnicos, resolveria o problema da
fixao de classes em espaos, ordenados mediante os planos
urbansticos, nas cidades; na da
Igreja Catlica, era a possibilidade de minorar as desigualdades
sociais, mas, tambm, afastar
o pai de famlia das doutrinas subversivas que atentassem contra
a decncia e a ordem
urbanas; e, por fim, para o Estado, o trabalhador contribuiria
na preservao dos seus
direitos, incorporando toda a lgica imposta pelo regime vigente
(CARPINTRO, 1997,
p.190). Tendo sido o Brasil o pas anfitrio dessa reunio
pan-americana, pode-se notar que a
divulgao dessa concluso pode ter surtido efeito entre a platia,
mas, tambm, entre a
-
sociedade ilustrada do perodo, uma vez que os trabalhos do
Congresso foram divulgados
amplamente pela imprensa local.13
O V Congresso Pan-Americano de Arquitetos, realizado em 1940,
aponta a
preponderncia do urbanismo, seja na escolha dos temas, seja nas
referncias utilizadas nas
discusses. Como exposto, em 1930, quando da realizao do IV
Congresso, havia a inteno
do aprofundamento dessas questes, e o problema habitacional j
era tratado como parte das
funes urbansticas. Nesse sentido, seguindo de perto a
institucionalizao dos saberes
ligados arquitetura, em curso nos pases da Europa e nos Estados
Unidos, bem como a
politizao do urbanismo (CAMPOS NETO, 2002, p.483) o Congresso
decide que seja
institudo em cada pas americano o Instituto Nacional da Vivenda,
dentro de um Ministrio
de Assuntos Sociais, ou, na falta desse, dentro de qualquer
outro ministrio responsvel por
essa questo do alojamento (REVISTA DE ARQUITECTURA, 1940, p.
197).14
decidido tambm, nessa reunio, que se crie o Instituto
Pan-Americano da Vivenda,
instalado na cidade de Buenos Aires, e a vir a ser composto por
representantes de todos os
pases americanos, que seriam, tambm, os responsveis por sua
manuteno. Algumas
atribuies desse Instituto seriam servir de ligao entre os
Institutos Nacionais da
Vivenda, entre a Oficina Internacional do Trabalho e qualquer
outra entidade mundial que
se dedique aos problemas da Vivenda e do Urbanismo; promover
investigaes sobre a
racionalizao das construes, sobre urbanismo, legislao, entre
outros assuntos, que
possam interessar em uma matria acertada em termos de vivenda;
proporcionar
reunies periodicas de tcnicos que estudem e resolvam problemas
especiais, tratados em
Comisses Nacionais ou em Congressos Pan-Americanos; estabelecer
e cuidar de uma
publicao inter-americana que divulgue toda informao que julgue
conveniente e
necessria ao fomento dessa matria (REVISTA DE ARQUITECTURA,
1940, p.197;
ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p.86). Essas concluses so a
sntese de um
momento em que se procuravam atitudes mais maduras no
enfrentamento da questo
habitacional. Elas so fruto de sua poca, marcada, nas Amricas,
pela perda das iluses
estticas e conservadoras dos Planos de Melhoramentos do comeo do
sculo, em funo da
13 Entre os inmeros visitantes das reunies e das festas do
Congresso estava Francisco Chateaubriand, dono do maior
conglomerado impresso no perodo (REVISTA DE ARQUITETCTURA, 1930,
p.471).
-
beligerncia europia na Segunda Guerra, e de um de seus maiores
efeitos: as constantes levas
de imigrantes que rumavam ao continente em busca de novas
casas.
CONSIDERAES FINAIS
Estos congresos han sancionado conclusiones que han encontrado
el apoyo inmediato de varios gobiernos americanos, ya que las
conclusiones de los congresos son meros votos de aspiracin, hasta
que encuentran la sancin legal necesaria e indispensable, de las
autoridades, para que resulten eficaces (ALVAREZ 1931, p.114)
Desde sua primeira edio, em 1920, pudemos perceber que os
Congressos Pan-
Americanos se debruaram sobre a questo habitacional; debate que
perpassou todos os pases
a partir da ecloso da grande indstria, no sculo XIX. Ao contrrio
do que a historiografia
costumeiramente aponta, havia entre os pases da Amrica Latina
uma capacidade de deteco
e de cunhagem de solues aos seus problemas. Com tal afirmao no
se quer nem minorar a
importncia da Europa ou dos Estados Unidos como fontes de solues
espaciais para a
Amrica, mas tambm, no se pretende incorrer no erro de forar
relaes tbias entre a
Europa e os pases da Amrica, sobretudo o Brasil, no campo
habitacional.
Estudar os Congressos Pan-Americanos de Arquitetos tarefa que
precisa ser mais
constante entre nossos historiadores da Arquitetura e Urbanismo.
As razes para tal feito so
vrias, mas podem ser sintetizadas, grosso modo, assim:
Existncia de um debate institucionalizado entre os pases
americanos nas questes concernentes feio e melhoria das
cidades;
na regulamentao profissional; na difuso de modelos tericos e
prticos para a formao dos profissionais; na defesa do patrimnio
edificado, e na variedade de solues arquitetura
renovadora.
14 Essa determinao parece tentar suprir a lacuna que a no criao
de Museus Sociais, como requerido, em 1927, na Argentina causou, j
que seus objetivos era muito prximos.
-
No caso brasileiro, tentamos verificar repercusses das idias
debatidas nesses eventos no
que concerne habitao, e conseguimos verificar uma postura muito
interessante do pas na
aceitao, transposio e at mesmo cunhagem de atitudes divulgadas
nessas reunies pan-
americanistas de arquitetos.
Dentre as vrias detectadas, talvez a que merea ser retomada, a
ttulo de concluso, a
que diz respeito difuso da casa prpria. A experincia brasileira
de produo e fixao da
mo-de-obra habitao foi a de prover ao morador urbano a casa
prpria. Como visto,
um dos principais veculos de acesso moradia com propriedade
particular no pas foi a
criao dos IAPs. Mas, discordando de Nabil Bonduki, percebemos
que tal acesso
propriedade no era poltica surgida apenas das mentes de Getlio
Vargas, de seu Ministro do
Trabalho Waldemar Falco, ou do arquiteto Rubens Porto, assessor
desse ltimo. , antes,
fruto de um intercmbio de experincias promovidos pelos
Congressos Pan-Americanos de
Arquitetos e das Instituies surgidas de suas concluses, como o
Congresso Pan-Americano
de Vivienda Popular, realizado em Buenos Aires, e do qual
participaram arquitetos e
engenheiros brasileiros: Rubens Porto, Paulo Accioli de S, Plnio
Catanhede e Francisco
Baptista de Oliveira (BONDUKI, 1999, p.206; OLIVEIRA, 1941,
p78).
Desde 1920 a noo de que o Estado deveria apoiar a construo de
casas proletrias se
fazia presente nos Congressos. O Brasil participou de quatro das
cinco reunies aqui
estudadas. Ou seja, acompanhou, debateu e teve contato com as
concluses emanadas desses
eventos desde a primeira edio. A justificativa de que a
implementao das resolues dos
Congressos Pan-Americanos foi algo improcedente no pas,
imprudente e um tanto quanto
nscia, j que em vrios campos tivemos atitudes afinadas com as
concluses, como a Criao
de rgos de Classe Profissional e sua posterior unificao
(sugestes advindas dos
Congressos de 1920 e 1927); a necessidade da promoo de concursos
pblicos e privados
como forma de garantir trabalho aos arquitetos e um bom nvel de
solues aos projetos
(presente em todas as edies e seguida no Brasil em ambas as
esferas)15; a remodelao dos
currculos das Escolas de Arquitetura (vinda do III Congresso),
entre outras.
15 O Instituto Central de Arquitetos do Brasil e, antes, o
Instituto Brasileiro de Arquitetos, este, surgido, em 1921, depois
do I Congresso Pan-Americano de Arquitetos, promoveram dezenas de
concursos, sobretudo sob a gide do neocolonial, capitaneado por Jos
Marianno Filho. Mas, o prprio Jos Marianno promoveu concurso de
casas econmicas para as zonas suburbanas e rural, em 1926, para o
Rio, e a Revista A Casa, na dcada de 1930 procedeu da mesma forma
(NASCIMENTO, 2004, p.68).
-
Paralelamente realizao dos Congressos, ocorriam as Exposies
Pan-Americanas de
Arquitetura, e nessas mostras eram atribudos prmios aos
profissionais e Escolas de
Arquitetura das Amricas. O Brasil sagrou-se vencedor desses
concursos diversas vezes, o que
corrobora a idia de que no ramos um pas alijado de dilogos, ou
simplesmente um copista
das realizaes internacionais. verdade que no III Congresso
Christiano Stockler das Neves
e seus pseudo-estilos Luizes receberam prmios mximos, mas
tivemos, tambm xito com
proposies urbansticas e habitacionais nos eventos seguintes,
merecendo destaque a
premiao alcanada por Carlos Frederico Ferreira pelo projeto de
seus conjuntos residenciais
para os IAPs.
Como exps o arquiteto Wladimir Alves de Souza, quando do V
Congresso Pan-
Americano de Arquitetos, em Montevidu, muito se criticam os
congressos, cujos resultados
no aparecem imediatamente e que so na opinio de alguns, mro
pretexto para banquetes e
recepes. Os congressos so, contudo, grandes semeadores de idas
(SOUZA in
ARQUITETURA E URBANISMO, 1940, p.94). O que procuramos fazer foi
verificar se tais
sementes frutificaram entre ns, e vimos que se fizeram, de fato,
frutferas.
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