22 R. Periodontia - Março 2009 - Volume 19 - Número 01 INTRODUÇÃO Doenças periodontais e periimplantares resultam de um desequilíbrio entre a agressão bacteriana e a resposta do hospedeiro (Romeo et al., 2004). Neste contexto, a literatura sugere que os implantes reali- zados em pacientes com história de doença periodontal estão sujeitos ao mesmo grau de suscetibilidade à doença inflamatória que aquele observado em dentes (Hardt et al., 2002; Karoussis et al., 2003). Sob o ponto de vista inflamatório, i.e, profundi- dade de sondagem aumentada e sangramento à sondagem, Quirynen & Listgarten (1990), Lee et al. (1999) e Sbordone et al. (1999), mostraram condi- ções semelhantes ao comparar dentes e implantes em pacientes edentados parciais. Por outro lado, Gerber et al. (2006), Agerbaek et al. (2006) e Machtei et al. (2006), relatam diferenças significativas entre implantes e dentes, havendo maiores profundidades de sondagem em implantes. A expressão de perda óssea ao redor de implan- tes e dentes também é avaliada por alguns estudos. Por exemplo, Sbordone et al. (1999) relataram seme- lhante perda de inserção clínica em dentes e em im- plantes. Porém existem autores que mostram maior PI (Perda de Inserção) em implantes quando compa- CONDIÇÃO CLÍNICA E MICROBIOLÓGICA PERIODONTAL E PERIIMPLANTAR EM EDENTADOS PARCIAIS: REVISÃO DE LITERATURA Periodontal and peri-implant conditions and microbiological composition in partially edentulous patients: review of literature Isabel de Mattos Milman¹, Sabrina Carvalho Gomes² RESUMO As doenças periodontal e periimplantar apresentam o mesmo fator etiológico (biofilme bacteriano subgengival/ submucoso), muito embora análises detalhadas da microbiota associada a estas duas patologias sejam ainda escassas. Objetivo: Identificar a condição física e a composição microbiológica periodontal e periimplantar em pacientes edentados parciais. Metodologia: A busca eletrônica foi realizada por um revisor na base de dados em literatura médica e odontológica internacional MEDLINE e Cochrane Oral Health Group até abril de 2008. Foram incluídos na pre- sente revisão estudos observacionais transversais e de caso- controle que realizaram avaliação microbiológica periodontal e periimplantar nos mesmos pacientes. Resultados: A aplicação das estratégias de busca re- sultou em um total de 259 resumos. Destes, dez artigos foram selecionados, compondo a amostra da presente re- visão. Considerações Finais: Uma das maiores causas de perdas dentárias entre a população adulta são formas avan- çadas de periodontite e um grande número de pessoas que recebe implantes apresenta história passada de perda dentária por doença periodontal. Portanto, as observações desta revisão sugerem um prognóstico cauteloso para os implantes, indicando, assim, um monitoramento do status periodontal/periimplantar acurado. UNITERMOS: 1 Mestranda em Implantodontia pela Faculdade de Odontologia da ULBRA – Canoas Endereço Eletrônico: [email protected]2 Doutora em Periodontia pela Faculdade de Odontologia da UNESP – Araraquara Endereço Eletrônico: [email protected]Recebimento: 20/05/08 - Correção: 08/09/08 - Aceite: 17/10/08 implantes dentários, periimplantite, periodontite, microbiologia. R Periodontia 2009; 19:22-33.
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R. Periodontia - Março 2009 - Volume 19 - Número 01
INTRODUÇÃO
Doenças periodontais e periimplantares resultam
de um desequilíbrio entre a agressão bacteriana e a
resposta do hospedeiro (Romeo et al., 2004). Neste
contexto, a literatura sugere que os implantes reali-
zados em pacientes com história de doença
periodontal estão sujeitos ao mesmo grau de
suscetibilidade à doença inflamatória que aquele
observado em dentes (Hardt et al., 2002; Karoussis
et al., 2003).
Sob o ponto de vista inflamatório, i.e, profundi-
dade de sondagem aumentada e sangramento à
sondagem, Quirynen & Listgarten (1990), Lee et al.
(1999) e Sbordone et al. (1999), mostraram condi-
ções semelhantes ao comparar dentes e implantes
em pacientes edentados parciais. Por outro lado,
Gerber et al. (2006), Agerbaek et al. (2006) e Machtei
et al. (2006), relatam diferenças significativas entre
implantes e dentes, havendo maiores profundidades
de sondagem em implantes.
A expressão de perda óssea ao redor de implan-
tes e dentes também é avaliada por alguns estudos.
Por exemplo, Sbordone et al. (1999) relataram seme-
lhante perda de inserção clínica em dentes e em im-
plantes. Porém existem autores que mostram maior
PI (Perda de Inserção) em implantes quando compa-
CONDIÇÃO CLÍNICA E MICROBIOLÓGICA PERIODONTALE PERIIMPLANTAR EM EDENTADOS PARCIAIS: REVISÃODE LITERATURAPeriodontal and peri-implant conditions and microbiological composition in partially edentulous
patients: review of literature
Isabel de Mattos Milman¹, Sabrina Carvalho Gomes²
RESUMO
As doenças periodontal e periimplantar apresentam o
mesmo fator etiológico (biofilme bacteriano subgengival/
submucoso), muito embora análises detalhadas da
microbiota associada a estas duas patologias sejam ainda
escassas.
Objetivo: Identificar a condição física e a composição
microbiológica periodontal e periimplantar em pacientes
edentados parciais.
Metodologia: A busca eletrônica foi realizada por um
revisor na base de dados em literatura médica e
odontológica internacional MEDLINE e Cochrane Oral
Health Group até abril de 2008. Foram incluídos na pre-
sente revisão estudos observacionais transversais e de caso-
controle que realizaram avaliação microbiológica periodontal
e periimplantar nos mesmos pacientes.
Resultados: A aplicação das estratégias de busca re-
sultou em um total de 259 resumos. Destes, dez artigos
foram selecionados, compondo a amostra da presente re-
visão.
Considerações Finais: Uma das maiores causas de
perdas dentárias entre a população adulta são formas avan-
çadas de periodontite e um grande número de pessoas
que recebe implantes apresenta história passada de perda
dentária por doença periodontal. Portanto, as observações
desta revisão sugerem um prognóstico cauteloso para os
implantes, indicando, assim, um monitoramento do status
periodontal/periimplantar acurado.
UNITERMOS:
1 Mestranda em Implantodontia pela Faculdade de Odontologia da ULBRA – CanoasEndereço Eletrônico: [email protected]
2 Doutora em Periodontia pela Faculdade de Odontologia da UNESP – AraraquaraEndereço Eletrônico: [email protected]
(Gerber et al., 2006; Quirynen et al., 2006) e Treponema
denticola (Gerber et al., 2006) em sítios com periimplantite.
Essa microbiota descrita é também comum a sítios com
periodontite (Mombelli et al., 1995; Rutar et al., 2001).
Observados estes resultados presentes na literatura e,
tendo-se como pano de fundo a condição de suscetibilidade
do hospedeiro, investigações físicas e microbiológicas em
pacientes dentados parciais e reabilitados por implantes, são
válidas por permitirem avaliar a condição inflamatória/
destrutiva periodontal/periimplantar do paciente como um
todo.
Portanto, o objetivo desta revisão é identificar a condi-
ção física e a composição microbiológica periodontal e
periimplantar em pacientes edentados parciais.
2. METODOLOGIA
2.1. Base de dados
A busca eletrônica foi realizada por um revisor (IMM) na
base de dados em literatura médica e odontológica interna-
cional MEDLINE (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/) e Cochrane
Oral Health Group (www.ohg.cochrane.org).
2.2. Estratégias de busca
A busca foi realizada na base de dados até abril de 2008
empregando os termos listados abaixo:
1. implants AND (microbiology OR microbiological OR
microbiota) AND partially edentulous patients
2. (periimplantitis OR peri implantitis OR peri-implantitis)
AND (microbiology OR microbiological OR microbiota) AND
partially edentulous patients
3. mucositis AND (microbiology OR microbiological OR
microbiota) AND partially edentulous patients
4. (periodontitis OR “periodontal disease”) AND
(microbiology OR microbiological OR microbiota) AND
implants
5. (periodontitis OR “periodontal disease”) AND
(microbiology OR microbiological OR microbiota) AND
(periimplantitis OR peri implantitis OR peri-implantitis)
6. gingivitis AND (microbiology OR microbiological OR
microbiota) AND implants
7. gingivitis AND mucositis AND (microbiology OR
microbiological OR microbiota)
2.3. Seleção e inclusão dos estudos
Os títulos e os resumos dos estudos identificados atra-
vés da aplicação das estratégias de busca (Tabela 1) foram
avaliados pelo revisor. Na sequência, foram aplicados os
seguintes critérios de inclusão:
• Estudos obser vacionais transversais e de
caso-controle
• Estudos que incluíram pacientes parcialmente
edentados que receberam implantes dentais
• Estudos que realizaram avaliação microbiológica
periodontal e periimplantar nos mesmos pacientes
O texto completo dos artigos que preenchiam os
critérios de inclusão foi analisado. Também foram obtidos os
1. implants AND (microbiology OR microbiological OR microbiota) AND partially edentulouspatients2. (periimplantitis OR peri implantitis OR peri-implantitis) AND (microbiology ORmicrobiological OR microbiota) AND partially edentulous patients3. mucositis AND (microbiology OR microbiological OR microbiota) AND partially edentulouspatients4. (periodontitis OR “periodontal disease”) AND (microbiology OR microbiological ORmicrobiota) AND implants5. (periodontitis OR “periodontal disease”) AND (microbiology OR microbiological ORmicrobiota) AND (periimplantitis OR peri implantitis OR peri-implantitis)6. gingivitis AND (microbiology OR microbiological OR microbiota) AND implants7. gingivitis AND mucositis AND (microbiology OR microbiological OR microbiota)
Palavras-chave Medline Cochrane
1 52 17
2 18 3
3 2 1
4 208 40
5 82 12
6 36 16
7 13 6
Total 411 9 5
Tabela 1
PALAVRAS-CHAVE (1 A 7) E NÚMERO (N) DE ARTIGOS OBTIDOS
DE ACORDO COM A BASE DE DADOS CONSULTADA
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Quadro 1
CARACTERÍSTICAS DOS ESTUDOS INCLUÍDOS
Estudo Tipo de N N N ParticipantesEstudo pacientes implantes dentes Gênero Idade
(anos)
Estudo observacionaltransversal
Estudo observacinaltransversal
Estudo observacionaltransversal
Estudo observacionaltransversal
Estudo observacionaltransversal
Estudo observacionalde caso-controle
Estudo observacionalde caso-controle
Estudo observacionaltransversal
Estudo observacionaltransversal
Estudo observacionaltransversal
Quirynen &Listgarten,1990
Papaioannou et al.,1996
Hultin et al., 1998
Lee et al., 1999
Rutar et al., 2001
Hultin et al., 2002
Botero et al., 2005
Agerbaek et al., 2006
Gerber et al., 2006
Renvert et al., 2007
50
6
31
43
45
36
19
56
28
211
49
NR
NR
101
64
112
31
127
NR
976
38
NR
NR
119
NR
NR
33
1028
NR
NR
20 NR30
NR NR
4 53,612 (16,5)
40% 5060%
25 5120 (17,4)
Teste9 62,88 (7,7)Controle10 65,19 (6,7)
Caso7 48,74Controle652 2
44,7% NR55,3%
17 64,111 (4,7)
106 65,7105 (14)
NR: Não Relatou; PS: Profundidade de Sondagem; SS: Sangramento à Sondagem
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
O
textos completos dos estudos cujos resumos não forneciam
dados suficientes para uma decisão clara. Posteriormente,
para cada estudo incluído (n=10), os seguintes dados fo-
ram registrados:
1. Autores e ano de publicação;
2. Tipo de estudo;
3. Número de pacientes;
4. Número de implantes;
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5. Número de dentes;
6. Critérios de inclusão da amostra;
7. Objetivo do estudo;
8. Método microbiológico;
9. Principais bactérias encontradas;
10. Principais resultados.
Avaliar diferenças na distribuição de espécies bacterianasao redor de dentes e de implantes Branemark suportan-do próteses parciais. Verificar se dentes podem servir dereservatório de bactérias na colonização de implantes.
Comparar a microbiota em bolsas periodontais eperiimplantares de pacientes parcialmente edentados.
Avaliar a resposta neutrofílica, mensurar a atividade deelastase e relacionar com a microbiota ao redor de dentese de implantes.
Determinar se a prótese, o tipo de implante, o tempo decarga, a história do implante ou de infecção periodontal;e se implantes substituindo um ou vários dentes temimpacto na microbiota periimplantar.
Comparar condição clínica e microbiológica periodontal eperiimplantar, de 5 a 10 anos após a instalação dosimplantes e avaliar a possível relação entre as condiçõesdos tecidos periimplantares e a história dental e médicados pacientes.
Caracterizar os marcadores inflamatórios, a microbiota e aresposta inflamatória periodontal e periimplantar empacientes com periimplantite.
Determinar a microbiota subgengival em implantes comsinais de inflamação e em dentes naturais em pacientesparcialmente edentados.
Comparar a microbiota oral de sítios periodontais eperiimplantares em pacientes participantes de umprograma de controle periodontal.Verificar se amicrobiota oral de sítios periodontais e periimplantaresdifere ao se considerar PS e SS.Verificar o impacto dofumo e do gênero na microbiota oral de sítiosperiodontais e periimplantares.
Avaliar a composição da microbiota periodontal eperiimplantar utilizando curetas na coleta das amostrasmicrobiológicas e avaliar a composição periimplantarutilizando cones de papel.
Avaliar a microbiota em implantes com periimplantite,mucosite ou clinicamente saudáveis.
Pacientes que receberam implantes Branemark noDepartamento de Periodontia da Universidade Católica,Leuven, e que possuem próteses sobre os implantes emfunção a pelo menos seis meses.
Pacientes parcialmente edentados com periodontite,reabilitados com implantes a pelo menos 1 ano.
Pacientes sem evidência radiográfica de perda ósseaperiimplantar, acompanhados clínica e radiograficamenteem um programa de manutenção para pacientes tratadoscom implantes.
Pacientes parcialmente edentados com implantes dentaisem função a pelo menos 3 meses.
Pacientes parcialmente edentados.
Teste: Pacientes parcialmente edentados com pelo menosum implante apresentando sinais clínicos inflamatórios eradiográficos de perda óssea periimplantar.Controle: Pacientes edentados ou parcialmenteedentados com implantes sem sinais clínicos inflamatóriose radiográficos de perda óssea periimplantar.
Caso: Pacientes parcialmente edentados com implantesapresentando sinais clínicos de doença periimplantar.Controle: Pacientes parcialmente edentados com implan-tes sem sinais clínicos de doença periimplantar.
Pacientes com história prévia de periodontite que recebe-ram implantes e que estavam participando de umprograma de controle de no mínimo 4 anos.
Pacientes parcialmente edentados com pelo menos 1implante em função há mais de 1 ano sem evidência deperiimplantite.
Pacientes que receberam implantes dentários.
Participantes ObjetivoIncluídos
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Quadro 2
PRINCIPAIS RESULTADOS DOS ESTUDOS INCLUÍDOS.
Estudo Sistema deImplante Status dosImplantes Método Microbiológico
Legenda: NR: Não Relatou; IP: Índice de Placa; IPV: Índice de Placa Visível; SS: Sangramento à Sondagem; PS: Profundidade de Sondagem; IG: ÌdiceGengival
Principais BactériasEncontradas PrincipaisResultados
Não foram observadas diferenças ao analisar IP e SS, jáPS foi maior em implantes. A distribuição de espéciesbacterianas foi semelhante em dentes e em implantes.
Foram encontradas diferenças importantes namicrobiotade de pacientes com periodontite crônicae refratária,assim como entre as bolsas profundas epouco profundas periodontais e periimplantares. Aoseremcomparadas bolsas ao redor de dentes e deimplantes com as mesmas PS, foi observada umacomposição microbiana similar.
IPV foi significativamente menor em dentes do que emimplantes, já IG e PS foram semelhantes entre osgrupos. A microbiota também foi semelhante entre osgrupos.
A microbiota periimplantar e periodontal, em dentescom prótese, foi similar. As espécies bacterianas diferemde acordo com o tempo de carga do implante. Sujeitoscom história prévia de doença periodontal apresentarammaior proporção de periodontopatógenos.
Os parâmetros clínicos foram semelhantes em dentes eem implantes. A microbiota em sítios periodontais eperiimplantares saudáveis foi semelhante. A PSperiimplantar influencia no total de bactérias anaeróbiasencontradas.
Com exceção do IPV que foi similar em implantes comperiimplantite e em implantes estáveis, os indicadoresfísicos foram significativamente maiores em implantesdoentes. Patógenos periodontais específicos foramencontrados em todos os sítios, em ambos os grupos.
Em implantes com doença periimplantar,periodontopatógenos foram encontrados em níveismais elevados do que em implantes sem doença. Amicrobiota em dentes e em implantes foi semelhante.
Exceto em sítios com PS< 4 mm, a soma total de cargabacteriana estudada foi maior em amostras de sítiosperiodontais do que periimplantares. Não foramencontradas diferenças significantes de bactérias doscomplexos vermelho, laranja, verde e amarelo entresítios periodontais e periimplantares.
Ao utilizar curetas na coleta das amostras, o total debactérias foi semelhante entre dentes e implantes. Ototal de bactéria foi maior ao usar cones de papel doque curetas em implantes.
Independente de sítio periodontal ou periimplantar, e dostatus do implante, as bactérias mais freqüentementeidentificadas foram semelhantes. A prevalência depatógenos chave em casos de periodontite foi baixa enão diferiu entre o status do implante.