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1 CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E DESACORDOS NO TERCEIRO SETOR. * Rodrigo Mendes Pereira I – Introdução. Como ponto inicial, destaca-se que o Terceiro Setor é um campo e um conceito recentes, que vêm sendo objeto de inúmeras discussões. Desta forma, como estamos no início do processo de conhecimento das características, dos elementos e da própria essência e lógica do Terceiro Setor, não existe unanimidade no tocante a seu conceito e abrangência, e isto inclusive porque os conceitos variam conforme a ênfase dada a um dos elementos ou características do Terceiro Setor, tais como: diferenciação dos “outros setores”, abrangência, finalidade ou natureza jurídica das organizações que o compõem. Pretende-se, num primeiro momento, tratar a questão da forma mais abrangente possível, trazendo ao leitor informações que o levem a uma reflexão sobre o tema, ou melhor, que o leve a chegar a suas próprias conclusões. Em síntese, serão desenvolvidos os seguintes aspectos: conceitos (jurídicos e não-jurídicos) e características do Terceiro Setor; metodologias e critérios para a identificação e classificação das organizações sem fins lucrativos, levando em conta os dois principais estudos e pesquisas existentes em nosso país (FASFIL e Mapa do Terceiro Setor); e a maneira como a Constituição Federal e o Código Civil identificam e denominam as organizações sem fins lucrativos. Já nas conclusões, serão noticiados alguns pontos de consenso e desacordo na identificação das organizações que integram o Terceiro Setor, assim como o autor ofertará seu próprio conceito de Terceiro Setor. II – Conceitos, Elementos e Características Gerais do Terceiro Setor. Buscando ser didático, abaixo serão transcritos conceitos, elementos e características ofertados por vários autores e organizações. Frise-se que a compilação dos conceitos e elementos tem como finalidade possibilitar ao leitor um fácil acesso aos vários posicionamentos e pontos de vista , assim como introduzi-lo nesse recente campo de conhecimento que está em contínuo processo de busca e consolidação de sua identidade. Segundo Luiz Carlos Merege (1999), pesquisador e coordenador do CETS – Centro de Estudos do Terceiro Setor – da EAESP/FGV, em seu artigo denominado “O Papel do Terceiro Setor na Estrutura de uma Nova Sociedade”: “A denominação de Terceiro Setor para as atividades da sociedade civil surge de uma análise mais profunda das atividades organizadas por iniciativa da sociedade civil que as distingue das outras atividades econômicas. Recebeu essa denominação por englobar atividades que não estão dentro da órbita de atividades governamentais e muito menos se identificam com as atividades privadas, sejam do setor agrícola, industrial ou do setor de serviços, como são tradicionalmente definidas pela metodologia das contas nacionais. São organizações que não têm as características de apropriação privada de lucros, que prestam um serviço público e que sobrevivem basicamente da transferência
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conceitoscaracteristicas terceiro setor

Jul 03, 2015

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CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E DESACORDOS NO TERCEIRO SETOR.

* Rodrigo Mendes Pereira I – Introdução. Como ponto inicial, destaca-se que o Terceiro Setor é um campo e um conceito recentes, que vêm sendo objeto de inúmeras discussões. Desta forma, como estamos no início do processo de conhecimento das características, dos elementos e da própria essência e lógica do Terceiro Setor, não existe unanimidade no tocante a seu conceito e abrangência, e isto inclusive porque os conceitos variam conforme a ênfase dada a um dos elementos ou características do Terceiro Setor, tais como: diferenciação dos “outros setores”, abrangência, finalidade ou natureza jurídica das organizações que o compõem. Pretende-se, num primeiro momento, tratar a questão da forma mais abrangente possível, trazendo ao leitor informações que o levem a uma reflexão sobre o tema, ou melhor, que o leve a chegar a suas próprias conclusões. Em síntese, serão desenvolvidos os seguintes aspectos: conceitos (jurídicos e não-jurídicos) e características do Terceiro Setor; metodologias e critérios para a identificação e classificação das organizações sem fins lucrativos, levando em conta os dois principais estudos e pesquisas existentes em nosso país (FASFIL e Mapa do Terceiro Setor); e a maneira como a Constituição Federal e o Código Civil identificam e denominam as organizações sem fins lucrativos. Já nas conclusões, serão noticiados alguns pontos de consenso e desacordo na identificação das organizações que integram o Terceiro Setor, assim como o autor ofertará seu próprio conceito de Terceiro Setor. II – Conceitos, Elementos e Características Gerais do Terceiro Setor. Buscando ser didático, abaixo serão transcritos conceitos, elementos e características ofertados por vários autores e organizações. Frise-se que a compilação dos conceitos e elementos tem como finalidade possibilitar ao leitor um fácil acesso aos vários posicionamentos e pontos de vista , assim como introduzi-lo nesse recente campo de conhecimento que está em contínuo processo de busca e consolidação de sua identidade. Segundo Luiz Carlos Merege (1999), pesquisador e coordenador do CETS – Centro de Estudos do Terceiro Setor – da EAESP/FGV, em seu artigo denominado “O Papel do Terceiro Setor na Estrutura de uma Nova Sociedade”: “A denominação de Terceiro Setor para as atividades da sociedade civil surge de uma análise mais profunda das atividades organizadas por iniciativa da sociedade civil que as distingue das outras atividades econômicas. Recebeu essa denominação por englobar atividades que não estão dentro da órbita de atividades governamentais e muito menos se identificam com as atividades privadas, sejam do setor agrícola, industrial ou do setor de serviços, como são tradicionalmente definidas pela metodologia das contas nacionais. São organizações que não têm as características de apropriação privada de lucros, que prestam um serviço público e que sobrevivem basicamente da transferência

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de recursos de terceiros, sejam famílias, governo ou empresas privadas. Por não se enquadrarem dentro das categorias das atividades estatais ou das atividades de mercado, passaram a ser identificadas como um Terceiro Setor.” (MEREGE, 1999) Mário de Aquino Alves (2001), também pesquisador do CETS da EAESP/FGV, em seu artigo denominado “Perfil da Captação de Recursos no Brasil”, além de ofertar sua própria definição para o Terceiro Setor, explicita e tece algumas considerações críticas aos conceitos propostos pelos seguintes estudiosos: Lester Salamon, pesquisador da Johns Hopkins University e pioneiro na mensuração do Terceiro Setor em nível mundial, e Rubem César Fernandes, antropólogo, secretário executivo do ISER e do Viva Rio. “A utilização do termo “Terceiro Setor” faz emergir a idéia que existe um “Primeiro Setor” (Estado) e um “Segundo Setor” (Mercado). Desta forma, uma definição primária associa o Terceiro Setor às atividades simultaneamente não-governamentais e não lucrativas. (...) Um conceito mais elaborado de Terceiro Setor nos é fornecido por FERNANDES, que o identifica como sendo:

“um conjunto de iniciativas particulares com um sentido público (...) encontramos uma variedade de prestadores de serviços que não costumam ser incluídos nos diretórios convencionais dos ‘agentes não-governamentais’. Muitos não estão sequer registrados em qualquer instância jurídica. Trabalham à margem dos controles formais. Outros têm registros institucionais, mas não distinguem entre os serviços com a clareza analítica que se espera das agências civis.”

Já o pesquisador da Johns Hopkins University, Lester Salamon, preferiu desenvolver um conceito mais restrito que possibilitasse a mensuração do fenômeno em escala mundial.

“Embora a terminologia utilizada e os propósitos específicos a serem perseguidos variem de lugar para lugar, a realidade social subjacente é bem similar: uma virtual revolução associativa está em curso no mundo, a qual faz emergir um expressivo ‘terceiro setor’ global, que é composto de: (a) organizações estruturadas; (b) localizadas fora do aparato formal do Estado; (c) que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com suas atividades entre os seus diretores ou entre um conjunto de acionistas; (d) autogovernadas; (e) envolvendo indivíduos num significativo esforço voluntário”.

Esta última definição, embora bastante útil para os pesquisadores que pretendam avaliar o tamanho e o peso que o setor tem na economia e na sociedade, incorre na seguinte distorção: ao restringir a composição do setor a organizações estruturadas, o autor americano dá uma ênfase maior na parte “formal” do Terceiro Setor, negligenciando um aspecto importante do associativismo que é a possibilidade da geração de ações informais e espontâneas. No nosso entendimento, este é um aspecto que não pode ser negligenciado. Da análise do dois conceitos, gostaríamos de oferecer à apreciação um conceito de Terceiro Setor que nos parece mais abrangente e explicativo: Terceiro Setor é o espaço institucional que abriga um conjunto de ações de caráter privado, associativo e voluntarista, geralmente estruturadas informalmente, voltadas para a geração de bens e serviços públicos de consumo coletivo; se ocorrer

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excedentes econômicos neste processo, estes devem ser reinvestidos nos meios para a consecução dos fins estipulados.” (ALVES, 2001) Rubem César Fernandes (1997), já citado acima, também traz uma síntese sobre o Terceiro Setor, onde ressalta que um processo de mutação vem tentando compatibilizar as divergências entre os elementos que o compõem. “Em resumo, pelo que foi visto até aqui, pode-se dizer que o Terceiro Setor é composto por organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil (Fernandes, 1995 e 1996a). Essa definição soa um tanto estranha porque combina palavras de épocas e de contextos simbólicos diversos, que transmitem, inclusive, a memória de uma longa história de divergências mútuas. A filantropia contrapôs-se à caridade, assim como a cidadania ao mecenato. São diferenças que ainda importam mas que parecem estar em processo de mutação. Perdem a dureza da contradição radical e dão lugar a um jogo complexo e instável de oposições e complementaridades. Não se confundem, mas já não se separam de todo tampouco. Recobrem-se parcialmente, alterando situações de conflito, de cooperação e de indiferença. A irmã de caridade que defende sua creche como uma “ação de cidadania” ou o militante de organizações comunitárias que elabora projetos de mecenato empresarial tornam-se figuras comuns.” (FERNANDES, 1997, p. 27) Dando continuidade a essa linha que enfatiza a heterogeneidade e as contradições do Terceiro Setor, Maria da Glória Marcondes Gohn, pesquisadora da UNICAMP, citada na dissertação de mestrado de Carvalho (2002) e da qual foi a orientadora, elabora a seguinte caracterização que se torna adequada para definir o Terceiro Setor:

“o terceiro setor é um tipo de ‘Frankenstein’: grande, heterogêneo, construído de pedaços, desajeitado, com múltiplas facetas. É contraditório, pois inclui tanto entidades progressistas como conservadoras. Abrange programas e projetos sociais que objetivam tanto a emancipação dos setores populares e a construção de uma sociedade mais justa, igualitária, com justiça social, como programas meramente assistenciais, compensatórios, estruturados segundo ações estratégico-racionais, pautadas pela lógica de mercado. Um ponto em comum: todos falam em nome da cidadania.(...) O novo associativismo do terceiro setor tem estabelecido relações contraditórias com o ‘antigo’ associativismo advindo dos movimentos sociais populares (na maioria urbanos) dos anos 70 e 80. (2000, p. 60, 74).” (CARVALHO, op. cit., p. 44)

Por sua vez, Rosa Maria Fischer (2002), pesquisadora e diretora do CEATS – Centro de Empreendedorismo Social e de Administração do Terceiro Setor – da FIA/FEA/USP, propõe um conceito amplo, fundamentado na linha de pensamento americana preconizada por Lester Salamon, e que é capaz de envolver e retratar toda a diversidade do Terceiro Setor.

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“Terceiro Setor é a denominação adotada para o espaço composto por organizações privadas, sem fins lucrativos, cuja atuação é dirigida a finalidades coletivas ou públicas. Sua presença no cenário brasileiro é ampla e diversificada, constituída por organizações não-governamentais, fundações de direito privado, entidades de assistência social e de benemerência, entidades religiosas, associações culturais, educacionais, as quais desempenham papéis que não diferem significativamente do padrão conhecido de atuação de organizações análogas em países desenvolvidos. Essas organizações variam em tamanho, grau de formalização, volume de recursos, objetivo institucional e forma de atuação. Tal diversidade é resultante da riqueza e pluralidade da sociedade brasileira e dos diferentes marcos históricos que definiram os arranjos institucionais nas relações entre o Estado e o Mercado. Os principais componentes do nonprofit sector americano – freqüentemente utilizado como parâmetro para compreensão do setor em outros países – podem ser encontrados na caracterização do Terceiro Setor no Brasil. Segundo a definição “estrutural/operacional” de Salamon e Anheir (1992), utilizada por Landin, essas organizações caracterizam-se por serem privadas, sem fins lucrativos, formais, autônomas e incorporarem algum grau de envolvimento de trabalho voluntário. Entretanto, o conceito de que tais organizações, em virtude dessas características comuns, constituem um “setor” diferenciado do tecido social, não está suficientemente consolidado, nem no ambiente acadêmico nem no universo das práticas cívicas, associativas e de solidariedade. Pode-se detectar desde manifestações de desconfiança e rejeição, até o simples estranhamento na adoção de um conceito que, para abranger a amplitude e a diversidade da realidade que busca definir, tende a ser genérico e impreciso. O próprio nome atribuído a este espaço é alvo de uma disputa nas quais competem, mais do que conceitos e tradições acadêmicas, visões de mundo, valores e identidades dos próprios envolvidos nessas organizações. Assim, não-governamental, sem fins lucrativos, da sociedade civil, filantrópica e beneficente são termos que dividem os corações e mentes dos profissionais, militantes e voluntários que atuam nesse espaço.” (FISCHER, 2002, p. 45/46) III – Metodologia para a Identificação e Classificação das Organizações do Terceiro Setor. Antes de se apresentar conceitos de autores que por sua formação enfatizam o aspecto jurídico, oportuno se torna trazer ao leitor dois estudos e pesquisas nacionais, que objetivam dimensionar – mensurar e classificar – o Terceiro Setor no Brasil, e cujas metodologias são baseadas em critérios e classificações internacionais, e isto porque eles visam possibilitar a comparação dos dados em perspectiva nacional e internacional. Especificam-se, agora, os estudos e pesquisas abordados: a) As Fundações Privadas e as Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil: 2002, que foi identificado pela sigla FASFIL, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE - e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA -, em parceria com a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – ABONG - e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE -, que teve e tem

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como objetivo apresentar um retrato mais completo das instituições privadas sem fins lucrativos que atuam no Brasil. b) Mapa do Terceiro Setor, que foi identificado pelo termo MAPA, realizado pelo Centro de Estudos do Terceiro Setor – CETS – da Fundação Getúlio Vargas – FGV -, com apoio da Fundação Salvador Arena e da Fundação Orsa e colaboração de diversas organizações da sociedade civil, que tem como meta construir uma ampla base de dados sobre o Terceiro Setor no Brasil, que sirva como referência nacional e internacional de consulta, e promover o intercâmbio de experiências entre as organizações sociais. O dois estudos, em linhas gerais, seguiram duas etapas. A primeira objetivou definir e identificar quais seriam as organizações ou entidades sem fins lucrativos que integram o Terceiro Setor. Para tanto, ambos os estudos utilizaram a metodologia do “Manual sobre as Instituições Sem Fins Lucrativos no Sistema de Contas Nacionais (“Handbook on Nonprofit Institutions in System of National Accounts”), elaborado pela Divisão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas – ONU - e recomendado por ela a seus membros, e que tem como base o preenchimento simultâneo de cinco critérios que serão abaixo explicitados. A segunda etapa dos estudos envolve a classificação das organizações ou entidades enquadradas como “sem fins lucrativos”. Assim, se a primeira etapa define o que as organizações sem fins lucrativos têm em comum, a segunda etapa especifica de que forma, dentro do universo das entidades “sem fins lucrativos”, elas se diferenciam uma das outras, levando em conta suas finalidades ou atividades principais. IV – Identificação ou Definição das Organizações do Terceiro Setor: Critérios para a Inclusão ou Exclusão. Segundo os estudos, que, frise-se, utilizaram a metodologia acima especificada, para ser caracterizada como sem fins lucrativos e integrar, assim, o Terceiro Setor, a organização ou entidade deve preencher, simultaneamente, cinco critérios ou requisitos, assim explicitados pelo FASFIL: “(i) privadas, não integrantes, portanto do aparelho de Estado; (ii) sem fins lucrativos, isto é, organizações que não distribuem eventuais excedentes entre os proprietários ou diretores e que não possuem como razão primeira de existência a geração de lucros – podem até gerá-los desde que aplicados nas atividades fins; (iii) institucionalizadas, isto é, legalmente constituídas; (iv) auto-administradas ou capazes de gerenciar suas próprias atividades; e (v) voluntárias, na medida em que podem ser constituídas livremente por qualquer grupo de pessoas, isto é, a atividade de associação ou de fundação da

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entidade é livremente decidida pelos sócios ou fundadores.” (As Fundações privadas e as associações sem fins lucrativos no Brasil: 2002, 2004, p. 15) Embora ambos os estudos tenham utilizado a mesma metodologia na primeira etapa – preenchimento simultâneo dos cinco critério para a definição e identificação – eles discordam em alguns aspectos, e isto devido à divergência na interpretação e aplicação dos cinco critérios. Um bom exemplo é o fato de os sindicatos terem sido excluídos no FASFIL e incluídos no MAPA. Aprofundando a questão, passa-se a detalhar algumas questões sobre a definição ou identificação das “sem fins lucrativos” – primeira etapa - trazidas pelo FASFIL. Optou-se por esse estudo, na medida em que ele foi realizado a partir do Cadastro Central de Empresa – CEMPRE - do IBGE, para o ano de 2002, que cobre o universo das organização inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, do Ministério da Fazenda, que no ano de referência declararam, ao Ministério do Trabalho e Emprego, exercer atividade econômica no Território Nacional. Observe-se, também, que o Cadastro abrange tanto entidades empresarias como órgãos da administração pública e instituições privadas sem fins lucrativos, que foram o foco do estudo. Assim sendo, por partir do CEMPRE, acredita-se que esse estudo é mais adequado à realidade brasileira, especialmente no tocante à natureza jurídica das entidades sem fins lucrativos, nos termos em que são definidas em nosso sistema legal. Conforme já mencionado, objetivando definir e identificar quais seriam efetivamente as entidades “sem fins lucrativos” que integram o universo do Terceiro Setor, o FASFIL utilizou um critério de exclusão de entidades que estavam enquadradas como “Entidades sem Fins Lucrativos” no CEMPRE (código de natureza jurídica iniciada por 3). Em linhas gerais, o critério utilizado consiste na exclusão das entidades que não preenchem simultaneamente as cinco características acima explicitadas, quais sejam: privadas, sem fins lucrativos, institucionalizadas, auto-administradas e voluntárias. As cooperativas foram previamente excluídas, conforme detalhado em item próprio. Segundo esse critério, foram excluídas do universo das organizações “sem fins lucrativos” que integram o Terceiro Setor, em síntese, as seguintes entidades pelos motivos abaixo sintetizados:

• Entidades de Mediação e Arbitragem, que são essencialmente de cunho mercantil.

• Caixas Escolares e Similares, cemitérios, cartório, conselhos, consórcios,

e fundos municipais, que são reguladas pelo governo. • Partidos políticos, sindicatos, entidades do sistema “S”, que são

gerenciadas e financiadas a partir de um arcabouço jurídico específico, não sendo, portanto, facultada livremente a qualquer organização o desempenho dessas atividades.

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Dentre as organizações, cujo enquadramento ou não enquadramento no Terceiro Setor causam maior polêmica, destacam-se: os partidos políticos, os sindicatos e as entidades do sistemas “S”. Assim, optou-se por detalhar, caso a caso, a motivação do FASFIL para excluí-las.

• Serviço Social Autônomo (entidades do sistema “S”): “Os serviços sociais autônomos, embora sejam pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, são criados ou autorizados por lei. São também mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. Diante dessas características, foram excluídos do grupo das Fundações Privadas e das Associações Civis sem Fins Lucrativos, por não atenderem ao critério de organizações voluntárias, na medida em que não podem ser livremente constituídos por qualquer grupo de pessoas.” (op. cit., p. 16)

• Partidos Políticos: “Os partidos políticos são regidos por um arcabouço

jurídico específico e controlados e fiscalizados pelo Tribunal Superior Eleitoral-TSE. Trata-se, pois, de um sistema de partidos ancorados no direito público. Para que a organização partidária possa funcionar, deve haver um reconhecimento do TSE, que irá verificar vários requisitos, entre eles o seu caráter nacional. Portanto (não) podem ser livremente constituídos por qualquer grupo de pessoas. Tendo em vistas estas especificidades, os partidos políticos não atendem ao critério de organização voluntária.” (op. cit, p. 17). Acrescentou-se o termo “não” entre aspas, por se entender que houve um equívoco na redação original.

• Entidades Sindicais: “No Brasil, a Constituição Federal assegura a

liberdade de associação sindical ou profissional. Contudo, estabelece o regime da unicidade sindical, ou seja, é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município.

A Constituição Federal estabelece, também, a contribuição sindical oficial, com desconto em folha de pagamento, para custeio do sistema confederativo da representação sindical.

Cabe acrescentar que a Constituição Federal e a CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943) elencam várias prerrogativas que só podem ser exercidas por organizações sindicais, tal como, a participação nas negociações coletivas de trabalho.

Diante dessas características, foram excluídas as entidades sindicais do grupo das Fundações Privadas e das Associações Civis sem Fins Lucrativos, por não atenderem ao critério de organização voluntária, na medida em que não podem ser livremente constituídas por qualquer grupo de pessoas, pois sua criação é condicionada a uma categoria profissional específica e a não existência de uma outra entidade sindical na mesma base territorial.” (op. cit., p. 17).

Note-se, que as entidades excluídas acima citadas – entidades do sistema “S”, partidos políticos e entidades sindicais - não deixam de ser entidades sem fins lucrativos. Deixam, sim, de integrar o Terceiro Setor, e isto levando em conta o critério

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adotado, que é baseado no “Manual sobre as Instituições Sem Fins Lucrativos no Sistema de Contas Nacionais” recomendado pela ONU e no conceito de Terceiro Setor elaborado pelo pesquisador da Johns Hopkins University, Lester Salamon. Finaliza-se, com a seguinte conclusão do FASFIL, que delimitou quais seriam as espécies jurídicas existentes em nosso país que se enquadrariam no universo do Terceiro Setor, levando em conta os cinco critérios de identificação: “No caso brasileiro, esses critérios correspondem a três figuras jurídicas dentro do novo Código Civil: associações, fundações e organizações religiosas. As associações, de acordo com o art. 53 do novo Código Civil regido pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, constituem-se pela união de pessoas que se organizam para fins não-econômicos. As fundações são criadas por um instituidor, mediante escritura pública ou testamento, a partir de uma dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. E, também, as organizações religiosas que foram recentemente consideradas como uma terceira categoria. Com efeito, a Lei 10.825, de 22 de dezembro de 2003, estabeleceu como pessoa jurídica de direito privado as organizações religiosas, que anteriormente se enquadravam na figura de associação ...” (op. cit., p. 15) V – Particularidades das Cooperativas. As cooperativas foram previamente excluídas, o que ocasionou, inclusive, a sua não identificação na listagem das entidades excluídas do FASFIL. A exclusão prévia foi motivada pelo fato delas terem um objetivo de caráter econômico, visando à partilha dos resultados, e, assim, estarem classificadas no CEMPRE como “Entidades Empresariais” (código de natureza jurídica iniciada por 2). Detalhando a questão, transcreve-se as explicações do FASFIL: “Cabe ressaltar que as sociedades cooperativas não foram incluídas na classificação das Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos, ou no universo das entidades sem fins lucrativos. Embora sejam estruturas híbridas, as cooperativas se organizam com um objetivo de caráter econômico, visando à partilha dos resultados dessa atividade entre seus membros cooperados ...” (op. cit., p. 14, nota de rodapé [4]) Observe-se, ainda, que embora as cooperativas tenham fins lucrativos, existe uma certa tendência de incluí-las no Terceiro Setor, e isto em grande parte motivado pela definição de Terceiro Setor ofertada pela corrente européia, que se contrapõe à definição proposta por Lester Salamon, da linha de pensamento americana e cujos elementos foram absorvidos pelo “Manual sobre as Instituições Sem Fins Lucrativos no Sistema de Contas Nacionais”, utilizado como metodologia de identificação das organizações pelo FASFIL e pelo MAPA. O professor Luiz Carlos Merege (2001), em seu artigo denominado “Realidade e Perspectivas do Terceiro Setor no Brasil”, caracteriza a corrente européia e a diferencia da corrente americana, da seguinte forma:

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“A corrente européia, identifica o Terceiro Setor com a economia social, que engloba os setores de cooperativismo (“onde se identifica a figura do trabalhador com aquela do empresário”), do mutualismo (“onde se identifica o uso de serviços com a adesão à organização”) e do associativismo (“onde predomina a forma livre de associação dos cidadãos”). Segundo Jacques Defourny (1999) a economia social compreende todas as organizações que por questões éticas seguem os seguintes princípios: “ (1) de colocar a prestação de serviços aos seus membros ou à comunidade acima da simples procura por lucro; (2) de autonomia administrativa; (3) de um processo democrático na tomada de decisões e (4) a primazia das pessoas e do trabalho sobre o capital na distribuição dos resultados de atividades.” (...) Uma primeira diferença entre os dois enfoques é que a definição da Johns Hopkins University por excluir a distribuição de lucros entre seus diretores, acionistas ou associados, não considera o sub-sistema das cooperativas e do mutualismo, centrando seu foco no associativismo. No caso do associativismo o excedente econômico não pode ser apropriado por dirigentes ou associados, devendo ser aplicado na atividade meio ou fim da organização ...” (MEREGE, 2001) VI – Particularidades das Organizações Religiosas. As organizações religiosas foram incluídas no Terceiro Setor tanto pelo FASFIL quanto pelo MAPA, embora, frise-se, tenham finalidade específica e tratamento e identificação individualizados pela Constituição Federal e pelo Código Civil. Por outras palavras, embora as organizações religiosas preencham simultaneamente os cinco requisitos, seu enquadramento ou não no Terceiro Setor é objeto de discussão, e isto em virtude da especificidade de sua natureza, de sua estrutura e de sua finalidade. Esclarece-se, ainda, conforme detalhado abaixo, que o próprio Banco Mundial entende que não se incluem entre as ONGs as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos e as cooperativas. Tanto o FASFIL quanto o MAPA, quando da classificação das organizações, deixaram claro que no grupo religião foram agrupadas apenas as organizações que têm como finalidade cultivar crenças religiosas e administrar serviços religiosos ou rituais, tais como igrejas, sinagogas, mosteiros, ordens religiosas, templos, paróquias, pastorais, centros espíritas etc. Desta forma, não foram incluídas no grupo religião as instituições de origem religiosa que desenvolvem outras atividades e que têm personalidade jurídica própria, como, por exemplo, escolas, hospitais, creches etc. Estas organizações foram classificadas levando em conta as atividades que exercem e, assim, integraram os respectivos grupos de atividades afins (educação, saúde, assistência social etc). Sobre o assunto acima tratado, oferta-se parecer que consta como anexo da Carta Circular nº 01/2004 da ANAMEC – Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas do Brasil, de autoria de seu Consultor Jurídico Eduardo de Rezende Bastos Pereira: “O Código Civil, na parte que trata das pessoas jurídicas de direito privado, não interferiu no funcionamento das “organizações religiosas” (Paróquias, Dioceses, Arquidioceses, Institutos de Vida Consagrada etc).

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O Professor Roberto Dornas, presidente da CONFENEN – Confederação Nacional do Estabelecimentos Particulares de Ensino, comenta em boletim daquela entidade que: “... Parece-nos surgir um problema quanto ao entendimento do que seja organização. A nosso ver, não se confunde com associação e sociedade. Entendemos que organização religiosa é estritamente igreja ou entidade destinada exclusivamente à profecia vocacional, a tratar e cuidar apenas de religião, crença e fé. As associações mantidas por entidades religiosas ou formadas por religiosos com outros objetivos – como escolas, hospitais, instituições de assistência social – não são organizações religiosas para os fins previstos na lei 10.825/2003. Em conseqüências, têm que adaptar seus estatutos ao novo Código Civil” É este também o meu entendimento.” (Circular nº 01/2004 da ANAMEC). VII – Classificação das Organizações do Terceiro Setor. No tocante à classificação, o FASFIL adotou como parâmetro a “Classificação dos Objetivos das Instituições sem Fins Lucrativos ao Serviço das Famílias” (“Classification of the Purpose of Non-Profit Institutions Serving Households – COPNI”), de classificação definida e reconhecida como tal pela Divisão de Estatísticas da ONU que, adequada às necessidades do estudo, representou uma “COPNI ampliada”. Segundo esse parâmetro, as entidades sem fins lucrativos são classificadas nos seguintes grupos e sub-grupos: Habitação: Habitação

Assistência Social: Assistência social.

Saúde: Hospitais Outros serviços de saúde

Religião: Religião.

Cultura e Recreação: Cultura e arte Esportes e recreação

Associações Patronais e Profissionais: Associações empresariais e patronais Associações profissionais Associações de produtores rurais

Educação e Pesquisa: Educação infantil Ensino fundamental Ensino médico Educação superior Estudos e pesquisas Educação profissional Outras formas de educação/ensino.

Meio Ambiente e Proteção Animal: Meio ambiente e proteção animal.

Assistência Social: Assistência social.

Outras instituições privadas sem fins lucrativos não especificadas anteriormente: Outras instituições privadas sem fins lucrativos não especificadas anteriormente

Desenvolvimento e defesa de direitos: Associação de moradores Centros e associações comunitárias Desenvolvimento rural Emprego e treinamento Defesa de direitos de grupos e minorias Outras formas de desenvolvimento e defesa de direitos

Já o MAPA adotou como parâmetro a “Classificação Internacional de Organizações Não-Lucrativas – ICNPI”, que foi inicialmente desenvolvida por meio de um processo de colaboração que envolveu uma equipe acadêmicos da CNP – Johns

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Hopkins Comparative Nonprofit Sector Project. Essa classificação organiza as atividades do Terceiro Setor numa estrutura básica de doze grupos subdivididos em trinta sub-grupos: Grupo 1: Cultura e Recreação Cultura e artes Esportes e recreação Outras em recreação e clubes sociais

Grupo 7: Serviços Legais, Defesa de Direitos Civis e Organizações Políticas: Organizações cívicas e de defesa de direitos civis Serviços legais Organizações Políticas

Grupo 2: Educação e Pesquisa: Educação fundamental e médica Educação superior Outras em educação Pesquisa

Grupo 8: Intermediárias Filantrópicas e de Promoção de Ações Voluntárias: Fundações financiadoras Outras intermediárias e de promoção do voluntariado

Grupo 3: Saúde: Hospitais e clínicas de reabilitação Casas de saúde Saúde mental e intervenção em crises Outras em saúde

Grupo 9: Internacional: Atividades internacionais

Grupo 4: Assistência e Promoção Social: Assistência social Emergência e amparo Auxílio à renda e sustento

Grupo 10: Religião: Associações e congregações religiosas

Grupo 5: Meio ambiente: Meio ambiente Proteção à vida animal

Grupo 11: Associações Profissionais, de Classes e Sindicatos: Organizações empresariais e patronais Associações profissionais Organizações sindicais

Grupo 6: Desenvolvimento e Moradia: Desenvolvimento social, econômico e comunitário Moradia Emprego e treinamento

Grupo 12: Não Classificado em Outro Grupo: Não classificada anteriormente

VIII – Visão sob o Prisma Jurídico: Aspectos Gerais. Com a intenção de preparar o leitor para a oportuna abordagem jurídica do tema, ofertam-se conceitos elaborados ou referidos por autores com formação e atuação na área jurídica, ou ainda que dão ênfase a esse aspecto. Maria Nazaré Lins Barbosa (2001), professora do Curso de Direito do Terceiro Setor da EAESP-FGV, em seu artigo “Terceiro setor e organizações internacionais”, traz a definição legal do Banco Mundial: “Na terminologia do Banco Mundial, ONG é toda associação, sociedade, fundação, charitable trust, entidade ou outra pessoa jurídica que seja considerada parte do setor não governamental no sistema legal de que se trate e que não distribua lucros. Não se incluem entre as ONGs os sindicatos, partidos políticos, cooperativas ou igrejas. Nesse sentido lato, quaisquer entidades do terceiro setor são genericamente chamadas de ONGs.” (BARBOSA, 2001). Outra valiosa contribuição da autora acima referida, inserta no mesmo artigo, diz respeito a definição, levando em conta a finalidade, dos tipos jurídicos fundamentais sob a ótica do Banco Mundial, quais sejam: organizações de Benefício Mútuo e de Interesse Público. A distinção entre os dois tipos fundamentais é extremamente relevante, uma vez que está relacionada com a própria identidade do terceiro setor – quem é quem neste universo – e repercute na própria relação financeira entre as organizações e o poder público, na medida em que dá parâmetros para uma graduação

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clara de benefícios e incentivos fiscais e acesso aos recursos público, isto é, maiores benefícios, incentivos e acesso aos recursos públicos devem ser concedidos às entidades de interesse público. “É importante distinguir dois tipos de ONGs porque desta distinção dependem os direitos e as obrigações que a lei lhes assinala. Trata-se, de um lado, das ONGs que estão organizadas e que funcionam primordialmente para o benefício mútuo ou interno de um determinado grupo de indivíduos (que pertencem geralmente a uma organização manejada e controlada por seus próprios membros e por isso chamadas de memberships organization – “ MBOs”). De outro lado, estão as ONGs que têm por missão principal o benefício de toda a sociedade ou de segmentos do conjunto da sociedade (que correspondem, geralmente, às organizações de benefício público – “PBOs”). Essa distinção vem sendo proposta por estudiosos e consta do Manual de Práticas Construtivas em Matéria de Regime Legal aplicável às ONGs elaborado pelo Banco Mundial, e é importante para melhor delimitar a relação financeira entre as ONGs e o Estado. É necessário, principalmente, estabelecer uma gradação clara de incentivos entre entidades sem fins lucrativos de fim público – que complementam a ação do Estado – de outras que beneficiam principalmente seus próprios membros ou instituidores. Trata-se de aspecto relacionado com a própria identidade do terceiro setor (quem é quem neste universo), e que deveria ser relevante para efeitos fiscais. Deste modo, entidades que beneficiam principalmente seus próprios associados – tais como clubes recreativos ou literários – não deveriam poder usufruir dos mesmos benefícios fiscais previstos para entidades de perfil assistencial de interesse público geral. Seguindo essa tendência, no Brasil, a Lei 9.790/99 estabeleceu que apenas as entidades de interesse público teriam acesso a termos de parceria celebrados com o poder público.” (BARBOSA, 2001). Continua Maria Nazaré Lins Barbosa (2003) em seu “Manual de ONGS” escrito em conjunto com Carolina Felippe de Oliveira, dando ênfase à natureza jurídica das organizações que compõem o Terceiro Setor, da seguinte maneira: “No entanto, com freqüência, pessoas reúnem esforços ou recursos não com a finalidade de obter resultados lucrativos ou financeiros para seus sócios, mas para atingir outros fins: lazer, cultura, recreação, estudo ou difusão de idéias, benemerência e tantos outros. Entidades dessa natureza podem ganhar reconhecimento jurídico ao registrarem seus estatutos (e não um contrato) em um cartório de registro civil de pessoas jurídicas. Essas entidades sem fins lucrativos constituem-se sob a forma de associações ou fundações. Tanto as fundações quanto as associações regem-se, assim, por estatutos registrados em cartório. Porém, as fundações caracterizam-se como um patrimônio afetado a um fim, estando submetidas à fiscalização do Ministério Público. As associações caracterizam-se por ser uma reunião de pessoas. Não precisam contar com um patrimônio prévio.

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E o que são institutos, organizações não-governamentais (ONGs), organizações da sociedade civil (OSCs), organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs) etc.? Todas essas denominações referem-se a entidades de natureza privada (não-públicas) sem fins lucrativos, que juridicamente ou são associações ou fundações. Essas associações ou fundações, conforme o caso, podem pleitear a obtenção de determinados títulos ou qualificações (título de utilidade pública, qualificação como organização da sociedade civil de interesse público etc.). No entanto, sob o aspecto jurídico, a característica básica da entidade é ser associação ou fundação.“ (BARBOSA, 2003, p. 13/14) Já José Eduardo Sabo Paes (2004), ressaltando que ao se procurar conceituar o Terceiro Setor, faz-se normalmente referência à natureza e campos de atuação das organizações que o integram, propõe um conceito que enfatiza a composição do Terceiro Setor. Ao incluir as sociedades como integrantes das entidades de interesse social sem fins lucrativos que compõem o Terceiro Setor, o autor o faz levando em conta as disposições do Código Civil anterior – revogado pelo novo Código Civil (Lei 10.406/02 ) – que incluía entre as pessoas jurídica sem fins lucrativos, além das associações e fundações, também as sociedades civis. Observe-se, que o novo Código Civil exclui da finalidade das sociedades as atividades sem fins econômicos ou lucrativos, uma vez que determina que as sociedades prestam-se ao desenvolvimento das atividades econômicas e à partilha dos resultados, ou seja, são pessoa jurídicas com fins lucrativos. “ Portanto, o Terceiro Setor é aquele que não é público e nem privado, no sentido convencional desses termos; porém, guarda um relação simbiótica com ambos, na medida em que ele deriva sua própria identidade da conjugação entre a metodologia deste com as finalidades daquele. Ou seja, o Terceiro Setor é composto por organizações de natureza “privada” (sem objetivo do lucro) dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora não seja integrante do governo (Administração Estatal) (...) Em termos do direito brasileiro, configuram-se como organizações do Terceiro Setor, ou ONGs – Organizações Não-Governamentais, as entidades de interesse social sem fins lucrativos, como as associações, as sociedades e as fundações de direito privado, com autonomia e administração própria, cujo objetivo é o atendimento de alguma necessidade social ou a defesa de direitos difusos ou emergentes. Tais organizações e agrupamentos sociais cobrem um amplo espectro de atividades, campos de trabalho ou atuação, seja na defesa de direitos humanos, na proteção do meio ambiente, assistência à saúde, apoio a populações carentes, educação, cidadania, direitos da mulher, direitos indígenas, direitos do consumidor, direitos das crianças etc.“ (PAES, 2003, p. 98/99) Outro aspecto destacado por José Eduardo Sabo Paes (2004), que está em conformidade com o entendimento do Banco Mundial, é a opção dos países anglo-saxões, cuja legislação é o resultado de séculos de experiência social e jurídica, em distinguir em duas categorias as organizações do ventilado setor, tendo como parâmetro as suas finalidades. Nesse sentido, o autor aponta a primeira categoria formada por organizações de interesse (ou caráter) público, que são aquelas que objetivam o benefício de toda a

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sociedade ou de segmentos do conjunto da sociedade. Ela incluiria as organizações assistencialistas ou de caridade no sentido tradicional, assim como as denominadas ONGS, dedicadas à defesa de direitos sociais, difusos e emergentes, que buscam resolver as causas e não apenas os sintomas dos males sociais. Entendemos que também se pode incluir na categoria de interesse público as organizações sem fins lucrativos instituídas pelas empresas (filantropia empresarial) que tenham como finalidade o desenvolvimento de ações no campo social. Observe-se, ainda, conforme foi determinado pela Lei das OSCIPs (Lei 9.790/99), que o interesse público decorre tanto da execução direta de ações e projetos sociais quanto da realização de doações ou prestação de serviços intermediários de apoio às organização de interesse público. A segunda categoria apontada pelo autor engloba as organizações de ajuda mútua ou de auto-ajuda, que objetivam defender interesses coletivos, mas num círculo restrito, específico, de pessoas, ou seja, o benefício mútuo ou interno de um determinado grupo. Dentro dessa categoria, segundo o autor, incluem-se, exemplificativamente: associações de classe, clubes sociais, associações de moradores de um determinado bairro, associações de funcionário de uma determinada empresa etc. Embora a matéria envolva comentários sobre a imunidade de impostos determinada pelo artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal, ao tecer considerações sobre a referida norma constitucional, José Eduardo Sabo Paes (2004), citando Sacha Calmon Navarro Coelho, também nos traz elementos importante para identificar o que seria “instituição” segundo a Constituição Federal. “Primeiro, há que se perquerir sobre o significado e alcance da palavra “instituição” empregada no texto constitucional:

“ A palavra instituição não tem a ver com tipos específicos de entes jurídicos, à luz de considerações estritamente formais. (...). Instituição é palavra destituída de conceito jurídico-fiscal. Inútil procurá-lo aqui ou alhures, no direito de outros povos. (...). O que caracteriza é exatamente a sua função e os fins que exercem e buscam, secundária a forma jurídica de sua organização, que tanto pode ser fundação, associação, etc. O destaque deve ser para a função, fins”. (grifei) (443).

Portanto, a instituição referida no texto constitucional, ora interpretado, pode ser qualquer organização de caráter permanente, sem fins lucrativos, que tenha objetivos ou finalidades eminentemente sociais. Pode-se organizar-se, juridicamente, sob a forma de qualquer entidade permitida em lei: associação, fundação ou serviço social autônomo.” (op. cit., p. 491) Partindo do fato de que o texto constitucional refere-se às instituições de educação e de assistência social, assim como que no tocante à educação não restam maiores dúvidas quanto a sua compreensão, continua o autor, agora citando Ives Gandra Martins, enfocando o sentido lato que deve ser entendido a palavra ”assistência social”. “As instituições de assistência social são todas aquelas pessoas jurídicas de direito privado, associações civis, fundações, serviços sociais, dedicadas à previdência, saúde e assistência social (445), sendo certo, ainda, para clarear o significado do

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campo da assistência social, que a própria Constituição define no seu art. 6º, que a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparado são direitos sociais.

_______ “445 Ives Gandra Martins em “Comentários à Constituição do Brasil”, Ed. Saraiva, 6º v., tomo 1, 1990, p. 181/183, coloca em apoio da jurisprudência do Tribunal Federal de Recursos, hoje, Superior Tribunal de Justiça, de que as instituições a que se refere o art. 150, são de assistência social lato sensu, abrangendo previdência, saúde e assistência social propriamente dita.””. (op. cit., p. 492)

Alexandre Ciconello (2004), advogado da Associação Brasileira de Organização Não Governamentais – Abong -, em seu artigo “O Conceito Legal de Público no chamado “Terceiro Setor””, enfatizando que embora eles sejam fundamentais para o entendimento da organização da sociedade civil brasileira, não foram abordados em seu artigo o universo dos sindicatos, partidos políticos e cooperativas, uma vez que eles têm trajetórias e legislação específicas, traz contribuições valiosas para o delineamento, sob o prisma jurídico, das organizações que integram o Terceiro Setor, e isto, inclusive, ao explicitar os seguintes pontos:

• As entidades do terceiro setor não necessariamente objetivam finalidade pública.

• A idéia de finalidade pública não está vinculada ao formato jurídico de uma

associação ou fundação. • É uma distorção relacionar o conceito de Terceiro Setor a entidades privadas

sem fins lucrativos com finalidade pública, uma vez que isto induz a uma interpretação equivocada de que entidades que compõem o Terceiro Setor têm uma natural vocação pública.

Segundo o autor referido: “Atualmente, o novo Código Civil define e separa com clareza as categorias de pessoas jurídicas de direito privado: associações são constituídas pela união de pessoas para fins não-econômicos (artigo 53); fundação é constituída por uma dotação especial de bens, realizada por um instituidor que especificará o fim a que se destina e declarará, se quiser, a maneira de administrá-la; e sociedades são constituídas por pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (artigo 981). O que interessa destacar, após uma breve descrição da classificação das pessoas jurídicas de direito privado, é que o nosso direito positivo garante a liberdade associativa plena para fins lícitos e a liberdade de destinação do patrimônio para um finalidade específica definida pelo instituidor. Contudo, as entidades sem fins lucrativos não necessariamente objetivam uma finalidade pública. Podem ser constituídas para realizar objetivos de natureza particular, de benefício exclusivo de seus associados, ou de uma coletividade muito restrita. As associações comerciais, as diversas associações de interesse mútuo, clubes recreativos, por exemplo, têm uma atuação voltada exclusivamente para o benefício de seus associados. Concluímos, pois, que a idéia de finalidade pública ou interesse público não está vinculada ao formato jurídico de uma associação ou fundação ...

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(...) ...Outra distorção refere-se à associação do conceito de Terceiro Setor a entidades privadas sem fins lucrativos, induzindo a uma interpretação equivocada de que as entidades que compõem esse setor têm uma natural vocação pública. A idéia de um “setor social”, em contraposição ao Estado e ao mercado, gera um discurso homogeneizado, com uma forte tendência a eliminar os conflitos inerentes às dinâmicas de nossa sociedade civil ... (...) Podemos concluir, pois, que o conceito de “Terceiro Setor” mais atrapalha do que contribui para a nossa tentativa de identificar o conceito legal de público entre as organizações sem fins lucrativos brasileiras. Do ponto de vista jurídico, é mais adequado falar do universo das entidades sem fins lucrativos, mais especificamente das associações e fundações, e verificar, por meio de benefícios públicos conferidos a essas entidades – imunidades de impostos, incentivos fiscais, facilidade de acesso a fundos públicos, títulos e qualificações -, como o Estado incentiva aquelas que desenvolvem atividades de interesse público.” (CICONELLO, 2004, p. 46/47 e 54/55) Aproveita-se o momento, para trazer ao leitor o real significado das palavras “social”, “público” e “interesse”, e isto porque talvez a distorção, de se relacionar o conceito de Terceiro Setor a entidades privadas sem fins lucrativos com finalidade pública, deva-se ao fato de se confundir – tratando-os como se fossem a mesma coisa – o interesse público com o interesse social. Consta no Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, as seguintes definições:

• “Social: ... 1. Da sociedade ..., ou relativo a ela (...). 3. Que interessa à sociedade ...”.

• “Público: (...) 1. Do, ou relativo, ou pertencente ou destinado ao povo, à

coletividade. 2. Relativo ou pertencente ao governo de um país. 3. Que é do uso de todos; comum. 4. Aberto a quaisquer pessoas ...”.

• “Interesse: (...) 3. Vantagem, proveito; benefício. 4. Aquilo que convém,

que importa, seja em que domínio for...”. Ora, pode-se concluir que seriam de interesse social, ou seja, seriam convenientes à sociedade, tanto as entidade de interesse (ou caráter) público, que são aquelas que objetivam o benefício de toda a sociedade ou de segmentos do conjunto da sociedade, quanto as organizações de ajuda mútua ou de auto-ajuda, que objetivam defender interesses coletivos, mas num círculo restrito, específico, de pessoas, ou seja, o benefício mútuo ou interno de um determinado grupo. Finalizando esse tópico, e na mesma linha do posicionamento de seu advogado Alexandre Ciconello, é o posicionamento institucional da Associação Brasileira de Organização Não Governamentais – Abong, que consta no tópico “Ambiente legal atual” das “Propostas da Abong para o Marco Legal das ONGs”.

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“Do ponto de vista jurídico, o termo ONG não se aplica. Nossa legislação prevê apenas 3 formatos institucionais para a constituição de uma organização sem fins lucrativos (associação, fundação, organização religiosa). Portanto, toda ONG é uma associação civil ou uma fundação privada. Contudo, entre as associações e fundações existentes no Brasil, temos objetivos e perspectivas de atuação bastante distintos, às vezes até opostos. Não existe uma identidade comum entre: organizações comerciais, clubes de futebol, hospitais e universidades privadas, fundações e institutos empresariais, clubes recreativos e esportivos, organizações não-governamentais, organizações filantrópicas, creches, asilos, abrigos, lojas maçônicas, centros de juventude, associações de interesse mútuo. A idéia de finalidade pública ou interesse público não está vinculada com o formato jurídico de uma associação ou fundação. Para localizar o conceito legal de público, devemos investigar objetivamente as normas que buscam identificar o caráter público de certos segmentos da sociedade civil brasileira. Em geral, tais normas são construídas dentro de uma visão específica de sociedade civil, por parte do Estado, em um dado momento histórico.” (Propostas da Abong para o Marco Legal das ONGs, maio de 2004) IX – Identificação das Organizações Sem Fins Lucrativos pela Constituição Federal e pelo Código Civil. Pretende-se, nesse item, verificar como a Constituição Federal e o Código Civil identificam e denominam as organizações ou entidades sem fins lucrativos, ou melhor, as pessoas jurídicas de direito privado sem fins econômicos ou lucrativos. Em um primeiro momento, destaca-se que a Constituição Federal enfatiza a liberdade de associação para fins lícitos (art. 5º, XVII), inclusive a liberdade de associação sindical e profissional (art. 8º, caput), e, ainda, a liberdade de crença e de exercício de cultos religiosos (art. 5º, VI). Em um segundo momento, ressalta-se que a Constituição Federal identifica e denomina de forma específica as seguintes organizações sem fins lucrativos:

• Associações (art. 5º, XVIII e XIX). • Fundações Privadas (art. 150, VI, “c”). • Sindicatos (art. 8º, incisos I à VIII, e art. 150, VI, “c”). • Partidos Políticos (art. 17 e art. 150, VI, “c”). • Cultos Religiosos e Igrejas (art. 19, I, e art. 150, VI, “b”). • Serviço Social Autônomo (art. 240, e art. 62 dos Atos das Disposições

Constitucionais Transitórias).

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A título de esclarecimentos, informa-se que a Constituição Federal também identifica de forma específica as fundações públicas (art. 37, XIX), que integram o poder público e não a sociedade civil, e as cooperativas (art. 5º, XVIII, e art. 174, § 2º), que embora possuam fins lucrativos, sofrem certa tendência de serem incluídas no Terceiro Setor, especialmente em virtude da definição de Terceiro Setor da corrente européia, conforme já detalhado em item próprio. Quando a Constituição Federal dispõe sobre a imunidade de impostos (art. 150, VI), que é um tema relevante para as organizações sem fins lucrativos, uma vez que se procurou beneficiar com a imunidade as organizações de interesse público, em linhas gerais, ela trata de forma específica, nos termos acima, os templos de qualquer culto, os partidos políticos, inclusive suas fundações, e as entidades sindicais. Já as demais organizações são identificadas pela expressão instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos. Reportando aos ensinamentos acima ofertados sobre o sentido amplo dado à palavra “assistência social”, destaca-se que a doutrina jurídica vem entendendo que dentro da expressão instituições sem fins lucrativos estão enquadradas as associações, as fundações e os serviços sociais autônomos. Já o Código Civil, que é a lei a quem compete a definição das espécies de pessoas jurídicas, as identifica e denomina, nos termos abaixo. O artigo 44 identifica como pessoas jurídicas de direito privado as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. As “sociedades” são pessoas jurídicas de direito privado com fins econômicos ou lucrativos, conforme explicitado pelo artigo 981 a seguir transcrito: “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.”. O Código Civil, em seus artigos 1.093 a 1.096, trata a “cooperativa” como “sociedade cooperativa”, e ressalta os seguintes aspectos:

• A sociedade cooperativa é regulada por legislação especial e pelas disposições do Código Civil acima citadas (arts 1.093 a 1.096).

• Aplicam-se subsidiariamente à sociedade cooperativa às disposições

referentes à sociedade simples.

• A sociedade cooperativa tem características peculiares, e dentre elas, a distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio (cooperado) com a sociedade.

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Já as demais pessoas jurídicas identificadas no referido artigo 44 – associações, fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos – são pessoas jurídicas sem fins econômicos ou lucrativos. Sobre elas, o Código Civil, em síntese, assim as identifica e caracteriza:

• Associação: união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (art. 53).

• Fundação: dotação especial de bens livres destinado ao fim especificado

pelo instituidora, que poderá, inclusive, declarar a maneira que a fundação será administrada; a fundação apenas poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. (art. 62).

• Organizações Religiosas: liberdade de criação, organização, estruturação

interna e o funcionamento, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento (art. 44, § 1º).

• Partidos Políticos: são organizados e funcionarão conforme o disposto em

lei específica (art. 44, § 3º). X – Conclusões. Pretende-se, nas conclusões, levando em conta os aspectos abordados:

• Destacar alguns pontos de consenso e desacordo na identificação das organizações que integram o Terceiro Setor.

• Ofertar um conceito de Terceiro Setor.

(1) Consensos e Desacordos, sob o prisma jurídico. Destacam-se, sob o prisma jurídico, alguns pontos de consensos e desacordos: (a) Existe consenso que as figuras jurídicas básicas do sistema legal brasileiro que integram o Terceiro Setor são as associações e as fundações; assim como que essas entidades, desde que desenvolvam atividades de interesse público, podem ser detentoras de títulos e certificados que lhe possibilitam o gozo de benefícios e incentivos fiscais e o acesso aos recursos públicos. Dentre eles, destacam-se, no âmbito federal:

• Declaração de Utilidade Pública Federal, por ato do Ministro da Justiça. • Registro no Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS. • Certificado de entidade Beneficente de Assistência Social, expedido pelo

CNAS. • Reconhecimento como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

– OSCIP, expedido pelo Ministério da Justiça.

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(b) Caminha-se ao consenso de que a idéia de finalidade pública não está vinculada ao formato jurídico de uma associação ou fundação, assim como de que é uma distorção relacionar o conceito de Terceiro Setor a entidades privadas sem fins lucrativos com finalidade pública, uma vez que isto induz a uma interpretação equivocada de que entidades que compõem o Terceiro Setor têm uma natural vocação pública. Desta forma, caminha-se para a conclusão de que seriam de interesse social, ou seja, seriam convenientes à sociedade e, assim, integrariam ao Terceiro Setor, tanto as entidade de interesse (ou caráter) público, que são aquelas que objetivam o benefício de toda a sociedade ou de segmentos do conjunto da sociedade, quanto as organizações de ajuda mútua ou de auto-ajuda, que objetivam defender interesses coletivos, mas num círculo restrito, específico, de pessoas, ou seja, o benefício mútuo ou interno de um determinado grupo. (c) Caminha-se ao consenso de que as sociedades cooperativas não integram o Terceiro Setor, e isto em virtude delas se organizarem como um objetivo de caráter econômico, visando a partilha dos resultados dessa atividade entre seus membros cooperados. (d) Caminha-se ao consenso de que, por serem identificadas, tratadas e reguladas por legislação específica, assim como por terem finalidades particulares, não integram o Terceiro Setor: os sindicatos e os partidos políticos. (e) Ainda não existe um posicionamento claro sobre o enquadramento ou não no Terceiro Setor das organizações religiosas e dos serviços sociais autônomos (entidades dos sistema “S”). (2) Conceito de Terceiro Setor Proposto pelo Autor.

Terceiro Setor é o espaço ocupado pelas organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos ou econômicos, de interesse social, e que não possuem finalidade, natureza ou legislação específicas; assim como pelos projetos, ações e atividades de interesse social desenvolvidos por indivíduos, empresas e governo, normalmente por meio de grupos, movimentos ou alianças (parcerias) intersetoriais, com o objetivo de fomentar, apoiar ou complementar a atuação das organizações formalmente constituídas e acima caracterizadas.

Para melhor compreensão do conceito acima formulado, alguns pontos e elementos merecem ser destacados: (a) Não integram o Terceiro Setor as organizações estatais (Primeiro Setor) e as organizações com fins lucrativos ou caráter econômico (Segundo Setor). Por terem caráter econômico, ficam excluídas as sociedades cooperativas. (b) Embora sejam organizações da sociedade civil sem fins lucrativos ou econômicos e, inclusive, de interesse social, não são abrangidas pelo conceito formulado os partidos políticos, os sindicatos, os serviços sociais autônomos e as organizações religiosas, e isto porque elas possuem finalidade, natureza ou legislação

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específicas. Ressalta-se que as organizações religiosas são aquelas que têm como finalidade cultivar crenças religiosas e administrar serviços religiosos e rituais. (c) Pela atual legislação de nosso país, estariam incluídas no Terceiro Setor, segundo o conceito proposto, as organizações constituídas sob a modalidade de associações ou fundações. (d) Pelo conceito formulado, caracterizam-se como organizações de interesse social, ou seja, convenientes à sociedade, tanto as organizações de interesse ou caráter público, que são aquelas que objetivam o benefício de toda a sociedade ou de segmentos do conjunto da sociedade (entidades assistenciais, beneficentes, filantrópicas, de defesa de direitos, de origem empresarial - ”braço social” -, etc.), quanto as organizações de ajuda mútua ou de auto-ajuda, que objetivam defender interesses coletivos, mas num círculo restrito, específico, de pessoas, ou seja, o benefício mútuo ou interno de um determinado grupo (associações de classe, associações de moradores, associações comerciais, clubes sociais, recreativos e esportivos etc.). (e) O conceito proposto levou em conta dois aspectos. O primeiro, jurídico-formal, quando explicita as organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos ou econômicos (associações e fundações), de interesse social (caráter público e ajuda mútua). E o segundo, não-jurídico e informal, quando explicita os projetos e ações de fomento, apoio e complementação das atividades desenvolvidas pelas associações e fundações de caráter público e ajuda mútua.

AUTOR * Rodrigo Mendes Pereira. Assessor jurídico e técnico em projetos sociais. Graduado em Direito pela USP, pós-graduado pela FIA/FEA/USP (MBA - Gestão e Empreendedorismo Social) e com cursos de extensão nas áreas de Direito e Administração do Terceiro Setor e de Captação de Recursos pela EAESP/FGV. Coordenador e professor de cursos focados no Terceiro Setor da Escola Superior de Advocacia – ESA - da OAB/SP, articulista da rede Bom Dia de jornais e do portal Agência Social, palestrante, instrutor e autor de artigos sobre o Terceiro Setor. Membro fundador e ex-Vice-Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP. Atualmente é consultor associado à Criando Atividades Alternativas. E-mail: [email protected]

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BARBOSA, Maria Nazaré Lins Barbosa. Terceiro setor no panorama internacional: aspectos jurídicos. Artigo publicado em material didático do curso de Direito do Terceiro Setor, GVpec, da EAESP-FGV. São Paulo, 2º semestre de 2001. __________. Manual de ONGS: guia prático de orientação jurídica / Maria Nazaré Lins Barbosa e Carolina Felippe de Oliveira; Coordenação Luiz Carlos Merege. - 4. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 13/14. ISBN 85-225-0353-2 Carta Circular nº 01/2004 da ANAMEC – Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas do Brasil. Parecer anexo à circular de autoria de seu consultor jurídico Eduardo de Rezende Bastos Pereira. Pesquisa realizada no site www.anamec.org.br, em 01 de dezembro de 2004. CARVALHO, Denise Gomide. Mulheres na coordenação de organizações do terceiro setor no município de São Paulo (1990-2000): construção de sujeitos coletivos e de propostas socioeducativas / Denise Gomide Carvalho. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. – Campinas, SP: [s.n.], 2002, p. 44. CICONELLO, Alexandre. O conceito legal de público no terceiro setor. In: Terceiro setor/textos de Alexandre Ciconello ... [et al.]; Eduardo Szazi, (org.)., et al. Terceiro setor: temas polêmicos 1. São Paulo: Peirópolis, 2004 – (Temas polêmicos; 1), p. 46/47 e 54/55 .ISBN 85-7596-034-2. Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Pesquisa realizada no site www.planalto.gov.br, em 01 de março de 2005. COELHO, Sacha Calmon Navarro. “O Controle da Constitucionalidade das Leis e do Poder de tributar na Constituição de 1988”. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1992. p. 403.. Citado in: PAES, José Eduardo Sabo, op. cit., p. 491. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Pesquisa realizada no site www.planalto.gov.br, em 01 de março de 2005. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e J.E.M.M. Editores, Ltda. – 1988. Folha de São Paulo e Editora Nova Fronteira. Obra em 19 fascículos semanais encartados na Folha de São Paulo, de outubro de 1994 a fevereiro de 1995. FERNANDES, Rubem C. Privado porém público. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 127. Citado in: ALVES, Mario de Aquino, op. cit. __________. O que é o terceiro setor. In: IOSCHPE, Evelyn Berg [et. al.].3º setor: desenvolvimento social sustentado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 27. ISBN 85-219-0264-6 FISCHER, Rosa Maria. O desafio da colaboração; práticas de responsabilidade social entre empresas e terceiro setor / Rosa Maria Fischer. - São Paulo: Editora Gente, 2002, p. 45/46. ISBN 85-7312-373-7

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