UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES/ CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES COMUNIDADES NOVAS DE VIDA E ALIANÇA NO NORDESTE BRASILEIRO: PROCESSO COMUNITÁRIO E PRÁTICAS RELIGIOSAS KÁTIA SIMONE ALMEIDA LINS ALVES João Pessoa-PB 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES/
CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES
COMUNIDADES NOVAS DE VIDA E ALIANÇA NO NORDESTE
BRASILEIRO: PROCESSO COMUNITÁRIO E PRÁTICAS RELIGIOSAS
KÁTIA SIMONE ALMEIDA LINS ALVES
João Pessoa-PB 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES/
CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES
COMUNIDADES NOVAS DE VIDA E ALIANÇA NO NORDESTE
BRASILEIRO: PROCESSO COMUNITÁRIO E PRÁTICAS RELIGIOSAS
KÁTIA SIMONE ALMEIDA LINS ALVES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências das Religiões, na linha de pesquisa Religião, Cultura e Produções Simbólicas, sob a orientação da professora Dra. Maristela Oliveira de Andrade.
João Pessoa-PB 2009
À Otávio Augusto, meu primeiro filho.
AGRADECIMENTOS
Para construir o trabalho dissertativo aqui exposto, não foram poucas as pessoas
que de alguma forma contribuíram. Quando se tem pouco, mas se dá tudo o que se tem,
acontece o fenômeno da multiplicação e, de repente, têm-se tudo e em abundância, foi o
que aconteceu nesse percurso.
Agradeço imensamente a Deus, pois sei que é por graça dEle que faço parte do
Programa de Ciências das Religiões da UFPB, desde a primeira turma da Especialização,
realizada em 2005, até agora.
Ao meu esposo, Rinaldo, e ao meu filho, Otávio Augusto, agradeço, por
partilharem comigo esses momentos de estudo e pesquisa.
Aos meus pais, Otávio e Gracinha, por estarem sempre disponíveis para me ajudar
em todas as horas, inclusive na etapa final desta dissertação, quando cuidaram de Otávio
Augusto na minha ausência.
A professora Maristela Andrade, pelo incentivo, pela compreensão, pelas preciosas
orientações nessa dissertação, pela amizade, que está para além de uma formação
estritamente intelectual.
As várias pessoas que contribuíram com seu pouco para transformar no resultado
conjunto deste trabalho: Paula Ângela, minha querida cunhada, pela ajuda pronta,
oportuna e eficiente, na correção ortográfica dessa dissertação; a Joelma Maria e
Marileuza, pelo zelo nas considerações sobre as Normas da ABNT; a Karlena Moura, pela
prontidão e alegria em contribuir com o abstract; a Sarinha, pela contribuição final.
Aos colegas da primeira turma de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
Ciências das Religiões-UFPB, pelo companheirismo, respeito, aprendizado conjunto,
amizade, convivência, troca de conhecimentos, em especial a André Agra, pelas valiosas
discussões sobre o tema aqui tratado. Assim como aos professores deste Programa, que se
mostraram mestres responsáveis com o aprendizado e conhecimento.
Agradeço muito a Maria, Secretária do Programa de Pós-Graduação em Ciências
das Religiões da UFPB, pela simpatia, acolhimento constante e prontidão em atender.
Não posso deixar de agradecer aos membros das Comunidades Novas de Vida e
Aliança do Regional Nordeste2 que participaram da Escola de Formadores em Campina
Grande/PB, onde realizei a pesquisa de campo, pela abertura em responder os
questionários, compreensão e interesse pela pesquisa aqui realizada.
Ora, a existência humana só é
possível graças a essa comunicação
permanente com o Céu.
(ELIADE,1996)
RESUMO
Nesta dissertação, analisa-se a dinâmica das Comunidades Novas de Vida e Aliança (CNVA), nova forma de sociabilidade religiosa presente no contexto atual do catolicismo, com ênfase no processo de fundação e manutenção da comunidade, nas experiências religiosas vivenciadas por seus membros, na sua relação com a sociedade e a igreja e nos valores difundidos. Para tanto, vale-se das lições de autores clássicos e contemporâneos da antropologia e da sociologia no campo da religião (Mircea Eliade, Max Weber, E. Troeltsch, Peter Berger) e da comunidade (Ferdinand Tönnies, Victor Turner, Francesco Alberoni, Zygmunt Bauman, Michel Maffesoli). A pesquisa de campo foi realizada em eventos nos quais se reuniram Comunidades dos Estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e de Alagoas, utilizando como metodologia a descrição etnográfica dos módulos II e IV da Escola de Formadores de líderes das Comunidades Novas de Vida e Aliança do Regional Nordeste2 realizada em Campina Grande/PB, além da análise de questionários aplicados com os participantes dessa escola. Do confronto entre o suporte teórico e os dados obtidos no trabalho empírico, observamos que a fundação da comunidade acontece como um movimento que tende à institucionalização, procurando reconhecimento na hierarquia da Igreja Católica, empregando as escolas de formação como estratégia formativa para criação de unidade interna através da difusão de valores comuns. Verificou-se o surgimento das CNVA no Nordeste no final dos anos 1980 intensificando-se na última década, sendo que poucas se encontram numa fase avançada no processo comunitário. Palavras-chave: Comunidade, Novos Movimentos Religiosos, catolicismo,
Comunidades Novas de Vida e Aliança.
ABSTRACT In this dissertation we analyze the dynamics of Charismatic Communities, new formation of religious sociability that exists in the present context of Catholicism, with emphasis on the process of foundation and maintenance of the community, on the religious experiences lived by its members, on its relationship with the society and the church and on the values spread. Therefore, we have recourse to the experience of classical and contemporaneous authors of anthropology and sociology in the field of religion (Mircea Eliade, Max Weber, E. Troeltsch, Peter Berger) and of the community (Ferdinand Tönnies, Victor Turner, Francesco Alberoni, Zygmunt Bauman, Michel Maffesoli). The field research was carried out during events in which communities of the State of Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco and Alagoas came together, using as methodology the ethnographic description of modules II and IV of the Leaders Formers School of Charismatic Communities from Northeast Regional that took place in Campina Grande/PB, besides the analyses of the questionnaires applied to the participants of this school. From the confrontation between the theoretical support and the data obtained in the empirical work, we observed that the foundation of the community occurs as a movement which tends to institutionalization, seeking recognition in the hierarchy of the Catholic Church, using the formation schools as a formation strategy for the creation of an internal unit through the diffusion of common values. We verified the emergence of the Charismatic Communities in the Northeast in the end of the 1980s, intensifying this process in the last decade. However a few are in an advanced phase in the communitarian process. Keywords: Community, New Religious Movements, New Life and Alliance Communities, Catholicism.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Características e valores da Comunidade ..............................................................26
Quadro 2 - Distribuição das Comunidades do Regional Norteste2 participantes II módulo....75
Quadro 3 - Distribuição das atividades da programação do II Módulo....................................76
Quadro 4 – Comunidades que participaram do IV Módulo .....................................................78
Quadro 5 – Distribuição das atividades ao longo do IV Módulo..............................................79
Quadro 6 – Resumo dos temas abordados no IV Módulo........................................................85
Quadro 7 – Carisma das CNVA.............................................................................................101
Quadro 8 – Data de fundação das CNVA..............................................................................105
Quadro 9 – Estrutura organizacional das CNVA....................................................................106
Quadro 10 – Formas de participação dos membros nas decisões comunitárias.....................108
Quadro11 – Decisão de se consagrar/fundar uma CNVA......................................................120
Quadro 12 - Dificuldades em fundar uma comunidade ou nela se consagrar.........................124
Quadro 13 - Motivações para se consagrar em uma CNVA...................................................126
Quadro 14 - Motivações para permanecer na CNVA.............................................................128
Quadro 15 - Mudanças nos membros após aderirem à CNVA...............................................131
Quadro 16 - Visão da sociedade atual pelos membros das CNVA ......................................137
Quadro 17 - Valores presentes na CNVA ..........................................................................139
Quadro 18 - Meios de divulgação utilizados pelas CNVA.....................................................141
Quadro 19 – Abertura dos membros das CNVA para outros conhecimentos........................142
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Modelo de estrutura das CNVA .............................................................................59
Figura 2 – Dimensões do processo comunitário.....................................................................103
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição da faixa etária dos membros das CNVA...................................97
Gráfico 2 – Estado de vida dos membros das CNVA......................................................98
Gráfico 3 – Inserção dos membros das CNVA na sociedade...........................................98
Gráfico 4 – Formas de vida comunitária: vida ou aliança..............................................106 Gráfico 5 – Percentual de líderes fundadores e outros líderes .......................................108
Gráfico 6 – Porcentual de consagrados e não-consagrados nas CNVA.........................109
Gráfico 7 – Formas de ingresso nas CNVA ...................................................................110
Gráfico 8 – Fluxo de membros que entraram e saíram da comunidade
nos últimos 12 meses ..............................................................................110
Gráfico 9 – Processo Comunitário.................................................................................110
Gráfico 10 – Dificuldades de convivência entre os membros na CNVA........................114
Gráfico 12 – Origem dos recursos para o sustento da comunidade .................................116
Gráfico 13 – Porcentual dos membros que permanecem desde a fundação
da CNVA...................................................................................................118
Gráfico 14 – Motivações para entrada nas CNVA.........................................................119
Gráfico 15 – Motivações para saída das CNVA............................................................120
Gráfico 16 – Como seria viver fora da CNVA...............................................................134 Gráfico 17 – Como seria viver sem religião...................................................................135
LISTA DE SIGLAS
CNVA – Comunidade Nova de Vida e Aliança CV – Comunidade de Vida CA – Comunidade de Aliança CEB – Comunidade Eclesial de Base CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil LG – Lumen Gentium Constituição Dogmática sobre a Igreja RCC – Renovação Carismática Católica
3.1.2 Descrição etnográfica e observação participante....................................................70
3.2 A Escola de Formadores de líderes de Comunidades Novas de Vida e Aliança do Nordeste em Campina Grande/PB...............................................................................73
3.2.1 Descrição do segundo módulo................................................................................74
3.2.2 Descrição do quarto módulo...................................................................................77
3.2.3 Descrição da parte pedagógica dos módulos..........................................................79
3.2.3.1 Objetivo da formação e requisitos para fundação de novas comunidades.........80
3.2.3.2 Parte pedagógica do segundo módulo................................................................81
3.2.3.3 Parte pedagógica do quarto módulo...................................................................83
3.2.4 Descrição da parte ritual dos módulos....................................................................90
3.2.4.1 Parte ritual do segundo módulo ..........................................................................90
3.2.4.2 Parte ritual do quarto módulo.............................................................................92
3.2.5 Descrição da parte de convívio e sociabilidade dos dois módulos.........................93
3.2.6 Participação da Igreja na Escola de Formadores de Campina Grande ...................94
3.2.7 Apreciação geral dos módulos II e Iv da Escola de Formadores de Campina Grande/PB.........................................................................................................................................95
3.3 Análise dos questionários aplicados no módulo II da Escola de Formadores em Campina Grande/PB .....................................................................................................95
3.3.1 Perfil dos líderes e fundadores das Comunidades Novas de Vida e Aliança aqui
3.3.1.1 Sexo, idade, estado civil, inserção na sociedade.................................................96
3.3.2 O carisma das Comunidades Novas .......................................................................99
3.3.3 Processo Comunitário...........................................................................................103
3.3.3.1 Dinâmica comunitária: estrutura, fluxo de membros e etapas de amadurecimento das CNVA.............................................................................................................................104
3.3.3.2 Relações membros e comunidade (adesão, permanência, saída, consagração,
Comunidades novas de vida e aliança no Nordeste brasileiro: processo comunitário e práticas religiosas / Kátia Simone Almeida Lins Alves. – João Pessoa, PB: [s.n], 2009.
133 f.
Dissertação (Pós-Graduação) – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Mestrado em Ciências das religiões, 2009.
1. Religiões e Movimentos Religiosos Recentes 2. Catolicismo 3. Igreja Católica 4. Comunidades – Vida e Aliança I. Título
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva pesquisar o universo das Comunidades Novas de Vida e
Aliança (CNVA), analisando o processo comunitário por elas vivenciado no contexto
religioso católico atual, especificamente no Nordeste brasileiro, desde o seu surgimento,
verificando as dinâmicas decorrentes e se caminham para a institucionalização ou
permanecem fora dela. Dar-se-á ênfase também nos aspectos de relações internas e de
relações com a sociedade, além de identificar algumas práticas religiosas dos seus membros.
Partindo do conceito sociológico e antropológico de Comunidade, para situar as
comunidades estudadas, utilizaremos os ensinamentos de Ferdinand Tönnies, pai da
sociologia alemã, na sua obra “Comunidade e Sociedade”; Victor Turner, antropólogo, no seu
livro “O Processo Ritual – estrutura e anti-estrutura” (1969), especificamente a distinção entre
communitas e societas e a associação com o conceito de Liminaridade, e Francesco Alberoni,
sociólogo italiano, e sua obra “Gênese – como se criam os mitos, os valores e as instituições
da civilização ocidental” (1929), onde aborda o surgimento dos movimentos sociais.
A sociedade contemporânea, ao contrário do que previam os discursos durante os
anos 1960, tem vivenciado uma reinserção do sagrado na vida social. Alguns teóricos do
“pós-moderno”, como a socióloga francesa Danièle Hevieu-Léger (2005), vêem a religião
atual como uma rede de “comunidades emocionais”, que destacam o emocionalismo e o
subjetivismo, havendo um processo de desistitucionalização, pois os fiéis estão reunidos em
torno de um líder carismático (apud MARIZ, 2003). Outros, como Cecília L. Mariz, socióloga
brasileira que estuda o fenômeno religioso contemporâneo, acredita que as estruturas
organizativas mantêm as experiências espontâneas e emocionais (MARIZ, 2003). De
qualquer maneira, o que se observa é uma multiplicação de comunidades religiosas ligadas a
diferentes tradições religiosas, fenômeno que requer maiores estudos que possam ajudar a
esclarecer a que circunstâncias ele está associado.
No contexto da Igreja Católica, junto com a Renovação Carismática Católica (RCC),
as Comunidades Novas de Vida e Aliança vêm ganhando expressão como forma de vivência
da fé cristã. Elas são uma forma de vida comunitária existente na Igreja Católica do Brasil
desde o final da década de 19701, tendo um grande impulso na década de 1990, continuando a
surgir CNVA a cada ano. Esse fenômeno não é só no Brasil, tem-se vivenciado uma grande
1 A Comunidade Canção Nova, considerada a mais antiga Comunidade Nova de Vida e Aliança do Brasil, comemora este ano 30 anos de existência, ou seja, foi fundada em 1978.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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difusão pelo mundo inteiro. Esse fenômeno vem sendo estudado por sociólogos, teólogos e
acadêmicos no Brasil e no exterior. No Brasil, trabalham no estudo das NCVA, entre outros:
Brenda CARRANZA (2000), Maria das Dores C. MACHADO (1996), Ricardo MARIANO
(2003), Cecília L. MARIZ (2003, 2004, 2005), Reginaldo PRANDI (1997).
Foi também na década de 1970 que surgiu a primeira Comunidade Nova de Vida e
Aliança do mundo, no mesmo local onde teria nascido a RCC, ou seja, em Arbor, no Estado
de Michigan, nos Estados Unidos. Trata-se da Comunidade Word of God, fundada por Ralph
Martin e Steve Clark (MAFRA, 2000).
A grande expressão desse fenômeno para a Igreja aconteceu em Roma, no coração da
Igreja Católica, no dia 30 de maio de 1998, na Praça São Pedro, durante a Vigília de
Pentecoste, com o encontro de uma multidão de 4400 mil pessoas, cerca de 60 Movimentos
Eclesiais e Novas Comunidades.
No Brasil, segundo pesquisa realizada pela Comunidade Católica Shalom, existem
cerca de 400 Novas Comunidades, dentre estas, aproximadamente 65% estão em fase
embrionária, 20% estão em desenvolvimento e 15% estão atingindo ou já atingiram um
amadurecimento. (TIMBÓ, 2004). Diante desse panorama, o propósito desse estudo é analisar
a dinâmica que gera o surgimento e a multiplicação das comunidades, e as transformações
sofridas em sua trajetória em direção a uma institucionalização das mesmas, ou as
dificuldades encontradas neste processo.
As CNVA nasceram de grupos de oração da Renovação Carismática Católica,
portanto, trazem desses grupos a espiritualidade característica da RCC, ou seja, o uso dos
carismas e dons do Espírito Santo, a espontaneidade da oração, cânticos, danças, louvores.
São formadas, em sua maioria, por fiéis católicos leigos.
São geralmente definidas como Associação Privada de Fiéis, porque dirigidas por
leigos, e a maioria são reconhecidas pela Igreja Católica, por meio da aprovação do bispo
local. Têm como objetivo uma atualização da experiência de vida comunitária dos primeiros
cristãos, inclusive com o fim de Evangelizar com novos métodos, respondendo aos anseios do
homem contemporâneo. São estruturas com Conselhos, Departamentos, Secretarias,
coordenadorias, de acordo com a realidade de cada Comunidade.
Essa forma de associação religiosa de fiéis e modo de expressão da fé católica tem
suscitado diversas opiniões na hierarquia da Igreja, entre os demais fiéis católicos e até
naqueles que não fazem parte da Igreja Católica, seja pela novidade da forma, seja pela
expressão da fé católica que, em geral, se desenvolve.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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A Igreja Católica, pelos discursos direcionados às CNVA, diz que as Comunidades
Novas são um fenômeno que nasceu da busca de ter uma experiência com Jesus Cristo e com
o Espírito Santo, que gera cristãos comprometidos com a doutrina católica, com profundas
mudanças de vida, nas diversas estruturas sociais. O Papa João Paulo II via os Movimentos e
as Comunidades Novas como resposta para os cristãos católicos anunciarem com fervor
Cristo Jesus e o seu Evangelho no mundo descristianizado (Papa João Paulo II apud TIMBÓ,
2004, p.19 - pronunciamento durante o encontro dos Movimentos Eclesiais e das Novas
Comunidades, 30/05/1998, no Vaticano):
No nosso mundo, com freqüência dominado por uma cultura secularizada que fomenta e difunde modelos de vida sem Deus, a fé de muitos é posta à dura prova e, não raro, é sufocada. Percebe-se, então, com urgência, a necessidade de um anúncio forte e de uma sólida e aprofundada formação cristã. Como é grande, hoje, a necessidade de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação na Igreja e no mundo! E eis, então, os movimentos e as Novas Comunidades eclesiais: eles são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este chamativo desafio do final do milênio. Vós sois esta resposta providencial.
Quando da realização do Curso de Especialização, realizado pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião da UFPB, em 2005/2006, trabalhei a monografia sobre
Religião e Juventude na pós-modernidade, enfocando o caso da Comunidade Nova de Vida e
Aliança denominada Comunidade Católica Missionária Salve Maria, em João Pessoa/PB,
abordando os vários aspectos que levam a parcela jovem da sociedade a aderir a essa forma de
convívio religioso da atualidade. Constatou-se que a procura por uma vida comunitária
religiosa, nos moldes das CNVA, é influenciada pela cultura da sociedade atual, na medida
em que os jovens buscam na vivência comunitária valores como o acolhimento, a partilha, as
relações duradouras, todos contrários aos vivenciados pela sociedade contemporânea
(ALVES, 2006).
Nessa dissertação, almeja-se enfocar aspectos da vida em comunidade experienciados
por membros das CNVA, no que se refere ao processo comunitário religioso e aos valores
difundidos por algumas das CNVA localizadas no Nordeste.
Entre os nossos objetivos específicos estão:
a) caracterizar a estrutura e os valores das CNVA a partir de uma reflexão teórica
produzida por autores clássicos e contemporâneos da antropologia e da sociologia;
b) realizar pesquisa empírica junto a líderes (fundadores e formadores) de algumas
CNVA da regional nordeste 2 no espaço da escola de formadores;
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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c) fazer uma análise qualitativa dos questionários aplicados com líderes (formadores
e fundadores) das CNVA acima citadas, averiguando em suas respostas como
acontece a dinâmica interna do processo comunitário de fundação de uma CNVA,
como e quais são as relações internas entre seus membros e, entre esses e a
sociedade.
Na pesquisa empírica, fez-se uso dos seguintes métodos de campo para coleta dos
dados: aplicação de questionários e observação participante nos 2° e 4° módulos do
curso/evento intitulado “Escola de Formadores”, organizado pela Comunidade Remidos no
Senhor, em Campina Grande/PB, com o objetivo de formar as lideranças das CNVA do
Nordeste, especificamente da região chamada pela CNBB de “Regional Nordeste2”, formada
pelos Estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e de Alagoas.
Essa é a primeira versão da “Escola de Formadores” organizada pela Comunidade
Remidos no Senhor, da qual participam líderes (formadores e fundadores) das CNVA. A
Escola é dividida em 8 módulos, de 05 dias completos, cada um, sendo oferecido um módulo
por semestre. Serão descritos dois módulos dessa escola, buscando obter uma visão dos
principais objetivos do grupo e da maneira como as atividades e práticas são direcionadas.
Essas Escolas de Formadores também são uma oportunidade para os líderes trocarem
experiências e definirem direcionamentos para a CNVA que fazem parte. A escolha por esse
local de pesquisa nos permitiu traçar um panorama geral da atual formação e características
gerais das CNVA, em parte do Nordeste brasileiro.
O questionário aplicado entre os participantes do módulo II da Escola de Formadores,
em novembro de 2007, abordou questões referentes ao perfil pessoal dos líderes das CNVA e
ao processo comunitário de fundação da comunidade, com seus vários desdobramentos2.
No geral, buscamos responder aos seguintes questionamentos:
1) Quais os fatores internos (subjetivos) e externos (oriundos da sociedade) que
influenciam o surgimento e manutenção das CNVA?
2) Como foram/são vivenciados os primeiros tempos de vida comunitária pelas
pessoas que dele participaram/participam – processo de fundação?
3) Como se desenvolve, em geral, o processo de formação das CNVA?
A estrutura da presente dissertação é a seguinte:
No capítulo I, será feita uma reflexão teórica a partir de autores clássicos e
contemporâneos da sociologia e da antropologia que abordaram os temas da religião, das
2 Ver modelo do questionário no Apêndice A.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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comunidades e da sociedade, buscando caracterizar os valores e estruturas das comunidades
religiosas.
No capítulo II, serão pontuadas algumas formas de vida comunitária cristã ao longo da
história, iniciando com as características gerais das primeiras comunidades cristãs, até o
surgimento das CNVA. Destaca-se a origem das CNVA, sua relação com a RCC,
especificidades, estruturas, espiritualidade, membros, relação com a hierarquia da Igreja e
com a sociedade.
No Capítulo III, apresentar-se-á o resultado da análise quantitativa e qualitativa da
pesquisa empírica realizada com líderes (formadores e fundadores) de CNVA dos Estados
supra citados, provenientes da aplicação de questionários e da observação participante nas
Escolas de Formadores, na tentativa de encontrar as reais características básicas dessas
Comunidades e como acontece seu processo de fundação, investigando e observando as
relações entre os líderes, os ideais, as formas de organização das CNVA, os temas escolhidos
para formação de seus líderes e membros, as opções de vida, os valores, as experiências
religiosas. Tudo isso nos conduzirá às considerações finais, relacionando as propostas das
CNVA com as teorias abordadas no Capítulo II, indicando possíveis desdobramentos para
posteriores pesquisas.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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1 RELIGIÃO, COMUNIDADE E PROCESSO COMUNITÁRIO
O tema da religião é estudado em todas as culturas, visto que está presente em
qualquer sociedade humana de que se tem notícia, influenciando a forma de se perceber os
ambientes desse mundo e de reagir a eles, dando um sentido à vida (GIDDENS, 2005). Os
assuntos que sobrevivem no cerne da religião são a vida e a morte, o sentido e o propósito da
vida. Mesmo nas sociedades modernas, nas quais o pensamento racionalista tende a
prevalecer, a religião não desapareceu como alguns pensadores previram, ainda exercendo um
papel importante.
Segundo definição de Giddens (2005, p. 427): “As religiões envolvem um conjunto de
símbolos, que invocam sentimentos de reverência ou de temor, e estão ligadas a rituais ou
cerimoniais dos quais participa uma comunidade de fiéis.”
As três religiões monoteístas consideradas por vários estudiosos as mais influentes da
história mundial são o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. O cristianismo é a religião que
domina um número maior de adeptos na atualidade, cerca de um bilhão de pessoas se dizem
cristãos, havendo, entretanto, divergências em termos de teologia e de organização
eclesiástica, ramificando-se em catolicismo romano, protestantismo, ortodoxia oriental, etc.
Cristão é aquele que segue o Cristo – em grego o “ungido”, na pessoa de Jesus, um judeu
ortodoxo que, aparentemente, não quis formar uma nova religião. Após a sua morte, seus
seguidores foram perseguidos como uma seita do judaísmo, mas a religião foi difundida na
Ásia Menor, Grécia e Roma, até que o imperador romano Constantino adotou a religião cristã
como oficial do império romano (GIDDENS, 2005).
1.1 Sociologia e estudo da religião
Os teóricos clássicos da sociologia que estudaram a religião, ou seja, Marx, Durkheim
e Weber, eram racionalistas, cientificistas e estavam preocupados em analisar, entre outras
coisas, como seria a religião na modernidade.
De acordo com o primeiro sociólogo citado, a religião representa a auto-alienação
humana, um refúgio encontrado para a dureza da nossa vida terrena.
Já Émile Durkheim concentrou seus estudos na religião de sociedades tradicionais de
pequena escala, relacionando-a com a natureza geral das instituições sociais e descrevendo-a
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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em termos de uma distinção entre sagrado e profano. A religião, sendo uma expressão
coletiva, adéqua os indivíduos a ela, havendo uma influência da coletividade sobre o
individual, quando o objeto do culto, na religião, expresso pelo “totem”, na verdade, é a
própria sociedade. Assim como Marx, Durkheim disse que a religião tradicional, que envolve
deuses e forças divinas, desapareceria. Portanto, para sustentar os valores da sociedade, novas
atividades cerimoniais substituiriam as antigas.
Max Weber, em meados do séc. XX, iniciou um estudo substancial sobre as religiões
no mundo inteiro, como o hinduísmo, o budismo, o taoísmo, o antigo judaísmo e o
cristianismo. Weber estuda como a religião está relacionada com as transformações sociais,
por exemplo, a influência do protestantismo na visão capitalista do Ocidente moderno. Já as
religiões orientais ofereciam barreiras para o desenvolvimento do capitalismo industrial da
forma como ocorreu no ocidente. (GIDDENS, 2005).
Os estudos de Weber sobre a religião estão direcionados, entre outros aspectos, pela
noção de carisma, entendido como (Weber apud Filoramo, 2003, p. 105):
uma qualidade considerada extraordinária (...) que é atribuída a uma pessoa. Por isso, esta é considerada como dotada de forças e propriedades sobrenaturais ou sobre-humanas, ou pelo menos excepcionais de modo específico, não acessíveis aos outros, ou como enviada de Deus, ou como revestida de um valor exemplar e, conseqüentemente, como condutora.
Diferindo de Durkheim, Weber acredita que há uma força individual no fenômeno
religioso, não dissolvida na coletividade, mas autônoma e ativa, com poder de escolha e
decisão.
Este teórico identifica ainda a relação entre religião e sociedade sob o aspecto daquela
nesta. A religião, através de suas respostas a significados últimos, influi na sociedade em
relação a aspectos extremamente práticos e materiais, como a economia e suas leis,
interagindo com outras dimensões da vida em sociedade. O diferencial da religião seria
porque ela almeja dar uma visão totalizante e exaustiva do mundo. Para Weber, a era moderna
trouxe o desencantamento do mundo, por causa da exacerbada importância dada à razão e aos
meios técnicos, tendo chegado ao fim a era da história transcorrida sob o signo religioso
(FILORAMO, 2003).
O historiador e sociólogo do cristianismo, E. Troeltsch aprofundou dois conceitos
importantes para os estudos da religião, o de igreja e o de seita. No primeiro existe um
compromisso social por tratar-se de uma instituição em que as pessoas geralmente já nascem
dela participando, enquanto que no segundo conceito não há esse compromisso social e se
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refere a uma separação polêmica e opcional da igreja, além disso, produz em seus adeptos um
sentimento de regeneração espiritual (FILORAMO: 2003)
Jean Séguy, estudioso francês na área de história e sociologia, aprofundando os
estudos de Troeltsch a partir da distinção entre seita e Igreja e fazendo referência a Weber,
pesquisou os movimentos religiosos surgidos com a expansão da Reforma, sobre vários
aspectos, entre eles sobre ecumenismos interconfessionais (diálogo entre católicos,
protestantes e ortodoxos). Esses estudos levaram-no a perceber o caráter contestador presente
nos ecumenismos europeus e americanos, particularmente os pentecostais e os carismáticos.
Já indicando o tema desta pesquisa, as Comunidades Novas de Vida e Aliança,
surgidas da vertente carismática da Igreja Católica, tendo como líderes, em sua maioria, os
fiéis católicos leigos, vale transcrever a análise feita pelo estudioso francês (Séguy apud
Filoramo, 2003, p. 119):
O protesto implícito de que são portadores esses movimentos é particularmente evidente no âmbito católico: eles realizam de fato a fusão entre os estratos (sacerdotes e leigos), que o catolicismo por definição separa e coloca em planos distintos. Os leigos passam a ser protagonistas e, no caso dos carismáticos, alcançam o contato com o Espírito Santo sem nenhuma mediação institucional: o carisma pessoal, e não o de ofício, é que determina a constituição da liderança (grifos nossos)
E ainda, trazendo outra contribuição de Séguy no que se refere aos estudos sobre as
ordens monásticas, que serão tratadas mais adiante, tem-se que ordens monásticas seriam
portadoras de duas instâncias (segundo o modelo weberiano), aparentemente contraditórias:
uma carismática, na qual existiria uma tendência inovadora e de apelo à pureza das origens, e
outra institucional, pela necessidade de enquadrar-se na Ecclesia. O historiador propõe as
linhas de uma sociologia das formações monásticas, pesquisando várias ordens religiosas e
seus fundadores, entre os séculos XVI e XIX. (FILORAMO, 2003)
Outro conhecido estudioso da sociologia da religião é o alemão Thomas Luckman, que
se dirige a uma explicação da “progressiva marginalização social da religião de Igreja e a
emergência de uma religiosidade interior, invisível, que melhor satisfaz às exigências
espirituais do homem secularizado” (ibid, p. 125). Esse estudioso aponta a tensão entre Igreja
e leigos, já percebido por Troeltsch, mas fala de uma crise no caráter normativo da religião de
Igreja e do processo de secularização, que Luckman entende, sobretudo, como retrocesso da
religião oficial em relação aos papéis tradicionalmente exercidos, passando a religião para a
esfera privada.
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Por outro lado, o sociólogo inglês Brian Wilson, docente em Oxford, ocupou-se “do
fenômeno sectário contemporâneo, dos movimentos profético-messiânicos do Terceiro
Mundo e da relação entre secularização e novos movimentos religiosos” (ibid, p. 128). Na
análise de seita, ele também parte da definição troeltschiana de seita, dizendo que Troeltsch se
referia aos movimentos heréticos da Idade Média ou a ramificações da Reforma Protestante,
enquanto as seitas contemporâneas não teriam mais as características por ele apresentadas.
Para Wilson, as características das seitas modernas baseiam-se em elas serem, ao mesmo
tempo, radicais e conservadoras (Wilson apud Filoramo, 2003, p. 129):
É característico das seitas emergentes no seio de uma cultura tradicional o fato de elas serem ao mesmo tempo radicais e conservadoras. São radicais no desafio que dirigem à autoridade religiosa constituída: rejeitam os procedimentos e as atividades da Igreja dominante, considerando-os não-válidos ou até mesmo errados; dissociam-se sob muitos aspectos, da cultura secular; pelo menos, condenam aquelas leis do Estado que, para eles, contrariam as exigências colocadas pela religião verdadeira. Por outro lado, são conservadoras, porque procuram reafirmar preceitos morais e religiosos que consideram negligenciados pela tradição dominante ou tentam reavivar aqueles que têm como representações religiosas legítimas, ou reutilizar um primitivo modelo organizativo que crêem divinamente legitimado.
Peter L. Berger (1985, p. 145) faz uma análise da religião na modernidade, falando
sobre uma predominância da religiosidade privada:
(...) a religião manifesta-se em sua forma tipicamente moderna, a saber, como um complexo legitimante voluntariamente adotado por uma clientela não-coagida. Como tal, localiza-se na esfera privada da vida social cotidiana e está marcada pelas características típicas dessa esfera na sociedade moderna. Uma dessas características essenciais é a da ‘individualização’. Isso significa que a religião privatizada é assunto de ‘escolha’ ou ‘preferência’ do indivíduo ou do núcleo familiar, ipso facto carecendo de obrigatoriedade.
Como para Berger a religião na modernidade se insere na esfera privada, ela perde a
sua força social, na medida em que os valores religiosos aí adotados, muitas vezes, não são
levados para os setores secularizados da sociedade. Essa perda do caráter coletivo é
provocada pela secularização que, por sua vez, indica o fim do monopólio das instituições
religiosas e produz o pluralismo religioso, entendido como diferentes grupos religiosos
tolerados pelo Estado e mantendo competição entre si (BERGER, 1985).
O supracitado autor também aponta a coincidência do processo de secularização com a
“era do laicato”, inclusive no catolicismo, tendo os leigos um caráter de consumidores. Além
disso, o pluralismo religioso também engendrou a “redescoberta das heranças confessionais”,
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ou seja, cada denominação religiosa procura reforçar a sua identidade, pela necessidade de se
diferenciar de uma padronização global, que, para Berger, parte “do próprio processo de
racionalização da concorrência” (ibid, 1985, p. 159). No entanto, essa diferenciação é apenas
superficial, inclusive variando de acordo com a necessidade dos consumidores.
Na atualidade, há uma discussão teórica sobre a autonomia do campo religioso.
Filoramo (2003), por exemplo, chega à conclusão de que se deve trabalhar com um conceito
de religião capaz de levar em conta tanto os seus aspectos funcionais, devendo a religião ser
explicada, quanto os aspectos específicos, levando em consideração as “individualidades
religiosas com sua particular lógica e estrutura, além de determinados contextos histórico-
sociais” (FILORAMO, 2003, p. 20). Ou seja, a religião precisa ser estudada tanto em seus
aspectos internos como nos externos, impostos pelo ambiente.
1.2 Comunidade e sociedade
De um modo ou de outro, a religião tem-se expressado no seio da sociedade e em
comunidade. Até mesmo a experiência religiosa pessoal tem conseqüências comunitárias.
No tema desta pesquisa, procurou-se aproximar as concepções de religião e vida em
comunidade. Como será detalhado no capítulo III, esse panorama conceitual aplica-se e pode
ajudar a problematizar a discussão sobre as Comunidades Novas de Vida e Aliança, tendo em
vista que o objetivo geral do presente estudo é identificar o processo de formação e
permanência dessas comunidades, se caminham para a institucionalização ou permanecem
fora dela a partir de depoimentos das lideranças.
Na discussão teórica, utiliza-se os ensinamentos de Ferdinand Tönnies (1855-1936),
reconhecido pioneiro da sociologia, cuja obra teve grande impacto sobre o estudo sociológico
e antropológico das “comunidades”. Para Tönnies, a comunidade seria o estado ideal dos
grupos humanos, e a sociedade seria a sua corrupção, conceitos aprofundados em sua famosa
obra Gemeinschaft Ud Gesselschaft, 1887 (Comunidade e Sociedade).
Outro teórico clássico que aprofundou o conceito de comunidade foi Victor Turner
(1920-1983), antropólogo anglo-americano, que trouxe uma contribuição no estudo do ritual
na vida em sociedade, especificamente em seu livro The Ritual Process – Structure anda
Anti-Structure, 1974 (O Processo Ritual – Estrutura e Anti-Estrutura) Os conceitos de
Communitas e liminaridade desenvolvidos por este autor irão nortear a análise da vida
comunitária nas Novas Comunidades de Vida e Aliança.
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Valiosos também serão os estudos de Francesco Alberoni (1929), popular sociólogo
italiano, na sua obra GENESI (título original – 1989), em português, Gênese – Como se criam
os mitos, os valores e as instituições da civilização ocidental (1991). Nessa obra, o autor
analisa os movimentos sociais em seus vários aspectos. Daí, foram retiradas as concepções de
estado nascente, experiência fundamental, entre outros, buscando aplicá-los ao processo
comunitário vivenciado pelas Comunidades Novas de Vida e Aliança.
Os estudos desse sociólogo contemporâneo, pesquisador dos movimentos coletivos e
dos sentimentos humanos, professor de Sociologia da Universidade de Milão, muito
contribuirão para uma análise do processo comunitário nas comunidades pesquisadas, visto
que a vivência das Novas Comunidades de Vida e Aliança são experiências de fundações
recentes (1978-), estando algumas (as mais antigas) em processo inicial de
institucionalização.
Todos os autores citados abordam estudos sobre os grupos humanos e as maneiras
como se relacionam. Suas as abordagens auxiliaram o estudo do processo comunitário
vivenciado pelas CNVA (Comunidades Novas de Vida e Aliança). De Tönnies,
especificamente, foi extraída a concepção de comunidade, pela influência que tem sobre os
teóricos do assunto até os dias de hoje. O seu conceito de comunidade não é de todo
abandonado por Turner, mas este a aborda em um sentido processual e relacional com a
sociedade. De certo modo, Turner não contradiz, mas complementa a comunidade de Tönnies.
Já Alberoni, apesar de não utilizar o termo comunidade, ao estudar a dinâmica dos
movimentos sociais, aproxima-se bastante da visão de Turner sobre o processo social de
estrutura e anti-estrutura (societas e communitas).
Ferdinand Tönnies apresenta os conceitos de comunidade e sociedade a partir de uma
diferenciação entre ambos. Partindo das vontades humanas, o autor verifica que, quando as
vontades humanas mantém entre si relações recíprocas, formam uma associação. Essa
associação, por sua vez, quando se caracteriza por uma “vida real e orgânica”, duradoura, é
denomina comunidade, e quando apresenta uma estrutura mecânica, pública, passageira, o
próprio mundo, trata-se da sociedade (TÖNNIES, 1995).
Esses conceitos serão usados: primeiro, para verificar se as características de
comunidade apontadas por Tönnies estão presentes nas Comunidades aqui estudadas;
segundo, para analisar a relação dessas Comunidades com a sociedade.
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Essa diferença entre sociedade e comunidade é destacada por vários autores que
estudam o pioneiro da sociologia. Assim se expressa Orlando de Miranda sobre a distinção
feita por Tönnies (MIRANDA, 1995, p. 65):
O que caracteriza o tipo-comunidade é a expressão da igualdade e o vigor dos fenômenos e valores identitários. (...) Na sociedade, para cuja descrição a referência histórica é a troca (que implica a alteridade como princípio) e o desenvolvimento histórico capitalista, os valores reforçam as diferenças, acentuam a individualidade e isolam o ‘indivíduo’ (...) Em razão disso, enquanto na comunidade-tipo a identidade dimensiona-se e se realiza, reunindo na mesma unidade um certo número de seres (...), na sociedade-tipo, a ‘natureza’ identitária constitui apenas uma abstração. (grifos nossos)
Discorrendo sobre o ser social, o pensamento de Ferdinand Tönnies é colocado por
Orlando Miranda no seguinte sentido (TÖNNIES, 1995, p. 69):
A negação do ser social, isto é, a sociedade, transfere a condição de ser para o agente individuado. Todavia, este, que não pode realizar-se na comunidade (que é, plenamente, sua negação), não pode também prescindir das ligações comunitárias, necessárias à construção da identidade concreta. Abdicando dessas, para se entender como plenamente “individualizado”, reduz-se a uma abstração por se encontrar desprovido de qualquer dimensão cognoscível.
Ou seja, para Tönnies, como ser social, o homem só encontra a si mesmo,
concretamente, quando faz parte de uma comunidade, pois nela há uma ligação muito estreita
entre os membros, que estão juntos em todas as situações, boas ou não, essas relações intensas
de verdadeira convivência não é encontrada na sociedade, na qual o indivíduo chega como um
estranho, apesar de poder estar em companhia de alguém, não havendo uma troca de vida. Um
exemplo de comunidade seria a relação de convivência entre marido e mulher (ibid, 1995)
Nos grupos humanos que se agregam em comunidade, em suas formas emergentes e
embrionárias, segundo Tönnies, existe uma unidade completa das vontades humanas, de uma
forma natural3, como, por exemplo: (a) na relação entre mãe e filho, que é a mais profunda,
“fundada no instinto e no prazer”; (b) na relação entre homem e mulher, sustentada não pelo
instinto sexual, mas pelo hábito de vida em comum, que configura “um acordo mútuo de
afirmação recíproca” e (c) na relação entre irmãos e irmãs nascidos da mesma mãe, essa
relação de fortalece a partir da memória, não do instinto, daí seu caráter mais humano (ibid, p.
235). Já a sociedade, é formada por vontades humanas ditas arbitrárias, porque não parte de
3 A vontade natural, para Tönnies, são unidades biológicas motivada por instintos de origem orgânica, como nutrição, auto-preservação e reprodução, cf. MIRANDA, 1995.
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um determinante natural e orgânico, mas da racionalidade humana, de suas representações
ideais e artificiais sobre o mundo ao seu redor.
Por outro lado, o capítulo sobre Liminaridade e Communitas, no livro “O Processo
Ritual – estrutura e anti-estrutura”, de Victor Turner, trata do rito de passagem. Arnold van
Gennep (1960, apud Turner, 1974), define-os como “ritos que acompanham toda mudança de
lugar, estado, posição social, de idade”.
Turner retoma a oposição conceitual de Tönnies entre comunidade e sociedade com os
termos latinos communitas e societas, no sentido de uma análise da sociedade enquanto
processo ritual, feita por mecanismos de homogeneização e diferenciação, dinamizados por
passagens de uma situação para outra.
Seria a estrutura (societas) e anti-estrutura (communitas), que estão em contínuo
relacionamento e movimento, originando as instituições e os problemas culturais (TURNER,
1974). Ou seja, Turner estuda as comunidades humanas como processo e, portanto, busca
entender como elas se originam e como se formam.
Explicando melhor o que seja communitas para Victor Turner, pode-se dizer que ele
separou as relações entre as pessoas em dois modelos, um é a sociedade, um “sistema
estruturado”, que separa, divide e hierarquiza, outro é a “sociedade considerada como um
comitatus não-estruturado” , uma comunidade que surge de forma clara no estado de
liminaridade, que não estava em um local determinado, que estão em transição. Para Turner,
trata-se de “reconhecer um laço humano essencial e genérico, sem o qual não poderia haver
sociedade” (ibid, p. 119).
Na Communitas, há uma forma de poder diferente, onde os fracos detêm o poder. Os
exemplos apresentados por Turner são: pequenas nações que mantêm poderes, valores
religiosos e morais, como “os hebreus no antigo Oriente Próximo, os irlandeses na primitiva
cristandade medieval e os suíços na Europa moderna”(ibid, p. 134); bobos da corte, que
“representam os pobres e os deformados, simbolizando os valores morais da “communitas”
contrapondo-se ao poder coercitivo dos dirigentes políticos supremos” (ibid, p. 134/135) e nos
filmes de faroeste, o misterioso “estranho sem lar, sem riqueza ou nome, e que restaura o
equilíbrio legal e ético num grupo local.” (ibid, p.135)
As características comuns das pessoas e grupos que formam a communitas situam-se
nos interstícios da estrutura social, estão à margem dela, ocupam os degraus mais baixos.
A communitas, entretanto, só pode ser apreendida por suas relações com a estrutura.
Nesse sentido, a estrutura (societas) também é importante, ambas fazendo parte da vida em
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sociedade. Ela irrompe “nos interstícios da estrutura, na liminaridade; nas bordas da estrutura,
na marginalidade; e por baixo da estrutura, na inferioridade.” (ibid, p. 156), por sua vez, essas
são condições que geralmente geram “os mitos, símbolos rituais, sistemas filosóficos e obras
de arte”. (ibid, p.156)
Há uma relação dialética entre a communitas e a estrutura social, ou seja, as pessoas
que se encontram numa ou noutra estrutura estão em constante relação, inclusive de
dependência, havendo uma coexistência permanente e necessária entre esses dois princípios
de constituição social: communitas/societas. Por exemplo, nos ritos de passagem, envolve
algo como um renascimento: primeiro a pessoa se distancia da estrutura social (societas),
como se não mais existisse na posição ocupada na sociedade, passando por um processo de
transição, no qual é trabalhada a igualdade e a humildade (na communitas); depois, ela volta a
ser integrada na estrutura social (societas), agora ocupando uma nova posição, como se
renascesse.
Entretanto, o equilíbrio entre communitas e sociedade deve ser mantido, pois o
exagero em uma ou outra provoca uma patologia. “A maximização da communitas provoca a
maximização da estrutura, a qual por sua vez produz esforços revolucionários pela renovação
da communitas.” (ibid, p.157)
Vejamos no quadro n° 1 as características e os valores da comunidade (communitas)
para Tönnies e para Victor Turner:
Características da comunidade Valores da Comunidade Vida real e orgânica Identidade Duradoura Afetividade pessoal Ligação estreita entre os membros
(associações com a terra e laços de lugar, de amizade, de sentimentos partilhados e crenças comuns)
Partilha
Unidade de vontades Aproximação entre os membros
Tönnies
Laços de sangue e de Parentesco
Tradição
Homogeneização Igualdade Laço humano essencial Humildade Os fracos detêm o poder Ausência de “status”
Turner
Transitoriedade Quadro 1 – Características e valores da Comunidade São notáveis as semelhanças e divergências entre a concepção de comunidade para os
dois autores. Algumas semelhanças a se destacar são: a unidade de vontades, os laços
afetivos, a aproximação entre os membros (Tönnies) e a homogeneização, a ausência de
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“status” e os laços humanos (Turner); a diferença mais marcante seria que, enquanto Tönnies
percebe a comunidade como algo duradouro, Turner a vê como algo transitório.
Segundo Alberoni, os grupos e a sociedade se formam a partir de uma experiência
fundante, sempre presente no estado nascente, que seria “uma descontinuidade social
provocada por uma experiência de morte e renascimento em nível individual.” (1991, p. 37)
O indivíduo no estado nascente parece estar vivendo de maneira diferente de tudo que
já viveu até então, com uma grande esperança no futuro, em uma existência maravilhosa e
intensa. Quando vários indivíduos acreditam nesse novo recomeçar, com relação a toda
sociedade, acabará ocorrendo uma verdadeira transformação social com uma descontinuidade.
(ibid)
Neste estudo, quando se fala de estado nascente, busca-se aprofundar a experiência
fundante das novas comunidades carismáticas, percebendo como se deu o início desse
movimento.
Ademais, o presente trabalho traz um paralelo entre a noção de estado nascente e de
communitas, posto que tanto Turner (communitas) como Alberoni (estado nascente), apesar
de teorizar esses processos com expressões diferenciadas (Turner não utiliza a expressão
movimentos sociais, enquanto Alberoni teoriza sobre elas), nas suas análises, são encontradas
características semelhantes, como, por exemplo: o estado de transição, de descontinuidade, de
transformação, de rebaixamento, a orientação para a mudança. No estudo dos movimentos
sociais de Alberoni, especificamente no estado nascente, também encontramos presentes os
valores da comunidade de Tönnies, ou seja, a igualdade, a humanidade, a aproximação entre
os membros.
Victor Turner relaciona a noção de liminaridade com a communitas. A liminaridade é
a condição de pessoas que não estão posicionadas em uma classificação específica num
espaço cultural, sendo suas características ambíguas e indeterminadas, são pessoas que estão
transitando. Por isso, freqüentemente a liminaridade é comparada à morte, ao estar no útero,
na escuridão, na invisibilidade.
As pessoas ou entidades que estão vivendo em estado de liminaridade não possuem
um “status” definido, “propriedades, insígnias, roupa mundana indicativa de classe ou papel
social, posição em um sistema de parentesco, em suma, nada que a possa distinguir de seus
colegas neófitos ou em processo de iniciação”. (TURNER, 1974, p. 117/118). O autor afirma
que nas iniciações e ritos de passagem há muitos símbolos liminares. Os rituais de passagem
levam o indivíduo a distanciar-se de sua posição social.
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O estado de liminaridade (transição) é aprofundado em relação ao neófito, que “deve
ser uma tabula rasa, uma lousa em branco, na qual se inscreve o conhecimento e a sabedoria
do grupo, nos aspectos pertinentes ao “status”.” (ibid, p. 127), ou seja, aquele que é admitido
em um grupo deve despir-se de tudo o que trazia consigo até então, para incorporar a maneira
de vida do grupo a que adere.
O referido antropólogo enumera uma longa lista das características da liminaridade,
opondo-as ao sistema de posições sociais, foram enumeradas algumas, que chamaram a
atenção de plano, pois têm relação com o problema pesquisado neste trabalho. São elas:
transição, totalidade, homogeneidade, “communitas”, ausência de propriedade, nudez ou
uniformidade de vestuário, humildade, descuido com a aparência pessoal, obediência total,
sacralidade, silêncio, referência contínua aos poderes místicos, insensatez, simplicidade,
aceitação de dores e sofrimentos.
Turner afirma que muitos desses traços aparecem nas ordens religiosas cristãs, mas
que também a institucionalização da liminaridade aconteceu de forma marcante nos estados
monásticos e mendicantes, das grandes religiões mundiais. Significa dizer que a communitas
nasce fora da estrutura, mas pode incorporar-se a ela através de uma institucionalização.
Uma das características do estado de liminaridade apresentada pelas ordens religiosas
é o nivelamento: quando um neófito chega para entrar na vida monástica, ele é convidado a
despir-se de tudo o que vivia na vida anterior, também de roupas e bens, além do “status”
social e de abandonar até seus antigos nomes.
Há um receio, por parte de quem quer manter a estrutura, de que as manifestações do
estado de liminaridade apareçam na estrutura. Por isso, taxam-nas de “perigosas e anárquicas,
e precisam ser rodeadas por prescrições, proibições e condições”. (ibid, p. 133).
Aqui se percebe, mais uma vez, a aproximação entre os conceitos de estado nascente
de Alberoni, com o de liminaridade, de Turner. A liminaridade seria uma condição que é
exteriorizada pela marginalidade ou situação de estar fora da sociedade ou contexto
abrangente enquanto o estado nascente seria uma condição psicológica, um estado de espírito
ou uma condição interior.
Com o tempo, a communitas se transforma em relações de estrutura, com suas normas.
Há, pois, que se considerarem alguns tipos de communitas: a communitas existencial ou
espontânea (busca uma experiência transformadora, além da amizade, que “vai até as raízes
do ser de cada pessoa, e encontra nessas raízes algo profundamente comunal e compartilhado.
(ibid, p. 169)”, sendo uma fase, um momento, não uma condição permanente; a communitas
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normativa (quando a communitas existencial passa a organizar-se em um sistema de normas)
e a communitas ideológica (modelos utópicos de sociedade, baseados na communitas
existencial).
Procurou-se enquadrar nessa classificação de comunidades feita por Turner as
comunidades estudadas nesta dissertação (Comunidades Novas de Vida e Aliança). De acordo
com as pesquisas realizadas, pode-se dizer que essas comunidades podem se enquadrar ora
em um, ora em outro tipo de communitas, dependendo do estágio em que se encontre no
processo de institucionalização.
Ou seja, existem Comunidades onde há com nitidez a presença da communitas
espontânea, aquelas que estão iniciando a sua fundação; outras que estão na communitas
normativa, porque sentem a necessidade, e também são pressionadas pela Igreja, a
normatizar-se; e, por fim, há aquelas com as características da communitas ideológica, pois
não passaram pela experiência da communitas espontânea, mas querem nela basear-se para
estruturar esse modelo utópico de comunidade, como enfatiza Turner (1974, p. 171):
É essencial que se distinga entre os modelos ideais de communitas apresentados na literatura ou proclamados pelos fundadores de movimentos ou de efetivas comunidades, e o processo social resultante das tentativas entusiásticas do fundador e de seus discípulos de viverem de acordo com esses modelos.
Ao longo do tempo os fundadores acabam percebendo o que difere a communitas que
foi por ele idealizada e a que realmente existe, ou seja, entre a communitas espontânea e a
communitas normativa.
A Comunidade idealizada por São Francisco é apresentada por Turner como um
modelo clássico de tentativa do fundador de viver de acordo com o modelo de Comunidade
original. O estudo da ordem Franciscana revela um paradigma processual do destino da
“communitas” espontânea.
Segundo este autor, o modo de Francisco pensar revela uma pessoa que ama a
communitas existencial, pois é “com a relação direta entre um homem e outro, e entre o
homem e a natureza” (ibid, p.172). O sonho também é uma característica dos participantes de
communitas, tendo São Francisco tomado muitas decisões essenciais com base no simbolismo
dos sonhos.
Porém, São Francisco sentiu dificuldade em escrever uma constituição detalhada por
imposição dos frades, posto que a ordem estivesse crescendo bastante. Martin Burber, citado
por Turner, propõe uma forma para as comunidades que se reproduzem buscar conseguir uma
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coerência: “profundo tato espiritual dando formas à relação entre centralismo e
descentralização, e entre idéia e realidade, com a constante e infatigável pesagem e mediação
da exata proporção entre elas” (Burber apud Turner, ibid, p. 174).
O fundador da ordem franciscana também imaginava seus frades como pessoas em
liminares, em passagem para o céu, dando ênfase ao estar sem e ao não ter; também desejava
que seus frades cortassem inteiramente as amarras com o sistema comercial do mundo, com a
ausência literal de propriedade. Aí estava mais uma dificuldade com a estruturação da ordem,
pois, como diz Turner (ibid, p. 178), “a propriedade e a estrutura estão indissoluvelmente
intercaladas, e a constituição de unidades sociais duradouras incorpora ambas as dimensões,
bem como os valores centrais que legitimizam.” Assim, com o tempo, a simplicidade das
regras ditas por São Francisco tornou-se bem mais legalistas.
1.3 Processo comunitário
Por processo comunitário entenda-se as dinâmicas ocorridas no interior de um novo
movimento ou de uma comunidade nascente, a partir das relações entre os membros e desses
com a sociedade.
1.3.1 Os sujeitos do estado nascente
Quando se fala do indivíduo isolado vivendo um estado nascente, este aparece como
uma “conversão, transformação interior, metanóia, repentina e profunda renovação do próprio
modo de ser e de pensar devido a uma descoberta ou uma revelação religiosa, filosófica,
artística, política ou amorosa” (ALBERONI, 1991, p. 39).
É possível fazer uma distinção clara entre a idéia de estado nascente e de liminaridade.
Os sujeitos do estado nascente aparecem quando as estruturas não mais satisfazem e o
cotidiano não dá mais resposta. Nesse momento, ou se cai na desesperança e nenhuma reação
acontece, ou sobressai-se dentro das pessoas uma poderosa “vontade de viver, de existir”
(ibid, p.69). Podem ser citados como alguns exemplos de pessoas que viveram a experiência
do estado nascente em geral, precisaram superar uma situação difícil ou trazem em si um forte
sentimento de ordem, de regra, de instituição: Buda, Cristo, Paulo de Tarso, Lutero, Lenin.
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1.3.2 O Contexto externo de surgimento
A forma ou o momento como é desencadeado o estado nascente depende de várias
condições, não é algo intencional, mas pode ser provocado, como todo fenômeno espontâneo
(ibid,p. 45).
O supramencionado autor fala ainda de precondições estruturais para o surgimento do
estado nascente, uma tensão entre ordem e desordem, entre algo que era e já não pode voltar a
ser, é necessário fazer-se um novo. “Surgem novas possibilidades de ação, enquanto as velhas
são desacreditadas”. (ibid, p. 67).
1.3.3 A experiência fundamental
Experiência fundamental são as principais características em geral presentes no estado
nascente, quais sejam: (a) a experiência de libertação, (b) o renascer, (c) o transcender, (d) a
historicização, (e) a liberdade e o destino, (f) o dilema ético, (g) a unanimidade, (h) a
fraternidade, (i) o comunismo, (j) o sistema externo.
a) A experiência de libertação está presente no estado nascente “porque são abatidas
proibições, regras, repressões que já se tornaram pesadas ou intoleráveis” (ibid, p. 91).
Segundo o autor, o termo libertação indica uma manifestação da verdade, uma clareza das
coisas.
b) O renascer indica que algo desmoronou e algo novo está se iniciando. “O tema do
homem novo está presente no cristianismo primitivo, volta a aparecer a cada explosão
religiosa cristã” (ibid, p. 93).
c) A historicização se refere a não desprezar o passado, mas fazer um futuro novo a
partir desse passado. Essa é uma característica do estado nascente porque só aí há uma
disposição para olhar o passado com olhos de quem deseja mudar o rumo da vida partir de
então.
d) A liberdade e o destino se apresentam como a capacidade existente no estado
nascente de ser livre para direcionar a própria vida de forma diferente do que normalmente as
pessoas o fazem. Nesse aspecto, há uma relação estreita da procura da liberdade com a
procura de Deus, Alberoni afirma que “O ser humano só é livre se buscar o unum, verum et
bonum, se buscar Deus”. (ibid, p. 108)
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e) O dilema ético é conflito interior presente no estado nascente porque, apesar de
vislumbrar uma realidade transcendente, o estado nascente está no mundo, e o mundo tem
suas leis e contradições.
A experiência de transcendência, ou metafísica, precisa ser vivida pelos sujeitos do
estado nascente. O normal da vida diária é estarmos com os pés bem firmados na realidade, e
parece que não se pode mudar nada. No estado nascente têm-se a impressão de que tudo
poderia ser diferente. “Análoga é a experiência do reformador religioso que compreende,
compreende até o fundo da alma, que a ordem edificada pela Igreja não é a ordem de Deus”
(ibid, p. 95).
Um exemplo dado por Turner se refere, como exposto anteriormente, à ordem
franciscana, quando seu fundador pretende uma comunidade idealizada em seus objetivos e
vivências e encontra os obstáculos da necessidade de organizar-se.
Esse dilema ético provoca uma divisão interior “O renascido é também o dilacerado, o
dividido” (ibid, p. 113). Victor Turner também fala de um renascimento do homem no
processo ritual, com a necessidade de sair da estrutura, ficando na liminaridade, para poder a
ela retornar após um renascimento (TURNER, 1974, p. 117-119)
f) A unanimidade é também algo presente, de forma espontânea, nos grupos que
vivenciam o estado nascente. “Os grupos no estado nascente estão sempre prontos a assimilar
experiências novas. O próprio fato de ver-se cercado de tanta gente, entretanto, provoca no
indivíduo um espontâneo moldar-se conforme as expectativas gerais”. (ALBERONI, 1991, p.
119).
Victor Turner também traz, entre as características da liminaridade, presente da
“communitas”, a uniformidade no vestir e no comportar-se, criando um intenso sentimento de
igualdade entre os iniciados, desaparecendo ou homogeneizando as distinções de classe
(TURNER, 1974, p. 118).
g) A fraternidade existe de forma calorosa em um grupo no estado nascente, porque há
um forte sentimento de participação. O grupo é aberto a outros membros, sem maiores
condições. “Para compreendermos se um processo está no estado nascente ou se é uma
instituição, muitas vezes basta observar como acontece a admissão no grupo.” (ALBERONI,
1991, p. 121).
h) O comunismo também é realidade no estado nascente, a experiência de se colocar
tudo em comum. “O estado nascente nada pede, consegue tudo de que necessita. Depois a
instituição se consolida e impõe a renúncia.” (ibid, p. 130)
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i) E, finalmente, o sistema externo é representado por todos aqueles que não estão
vivendo a experiência do estado nascente. “Quem está no sistema externo não percebe que o
estado nascente é uma busca, uma exploração do possível.” (ibid, p. 133/134).
Nesse sentido, E. Troeltsch já aprofundava a relação entre seita e igreja, no sentido de
seita como movimento religioso que se confronta com a Igreja. A seita seria uma opção de
separação da instituição Igreja. A partir dessa distinção, muitos estudos foram feitos, por
exemplo, dos vários movimentos ocorridos no cristianismo através dos tempos.
(FILORAMO, 2003).
1.4 Panorama sócio-cultural atual e a idéia de comunidade
O projeto de modernidade entrou em foco durante o século XVIII, conforme expõe
Habermas4 (Harbemas, apud Harvey, 1994, p. 23).
Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas ‘para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a lei universais (...). Os escritores iluministas estavam possuídos da idéia de que “as artes e as ciências iriam promover não somente o controle das forças naturais como também a compreensão do mundo e do eu, o progresso moral, a justiça das instituições e até a felicidade dos seres humanos.
O século XX afastou esse otimismo, diante das guerras mundiais, do militarismo, das
ameaças de aniquilação nuclear. Ao contrário, foi alegado que, por trás da lógica de
racionalidade do iluminismo, há uma lógica de dominação e de opressão. Já no início do
século XX, pensadores como Max Weber, alegava que “a esperança e a expectativa dos
pensadores iluministas era uma amarga e irônica ilusão” (Bernstein apud Harvey, 1994, p.
25).
Essas enormes mudanças vêm ocorrendo desde a década de 1970, especificamente no
modo de vivenciar o tempo e o espaço. A modernidade trouxe conseqüências históricas,
culturais, sociais, artísticas, como, por exemplo, o sentido do fugidio, do efêmero, do
fragmentário e do contingente (HARVEY, 1994), que dificulta o sentido de continuidade
histórica, assim, rompe com as condições históricas precedentes.
Para Zygmunt Bauman (2003), a idéia de comunidade remete a priori a algo “bom”.
Essa idéia viria da mitologia grega ou da Bíblia, pois em ambos a noção de paraíso está
relacionada ao conceito de inocência, de pertencimento a um grupo sem interesses
4 Jüerger Habermas, filósofo e sociólogo alemão da atualidade.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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individualistas. Temos guardada em nossa memória essa idéia nostálgica de paraíso perdido,
de uma comunidade que fazia-nos sentir dentro do ninho, confortáveis e seguros.
Paradoxalmente, existe ainda para o autor, uma tensão entre essa utópica e almejada
segurança e a idéia de liberdade, na medida em que a vivência em comunidade significa a
perda da liberdade individual.
Na realidade atual, para Bauman, a comunidade estaria em baixa, o que se vê são
necessidades de agrupamentos em guetos, expressão extrema de negação do conceito de
comunidade. A formação de guetos vem como conseqüência das formas de exploração,
perpetuação e aprofundamento da divisão da sociedade em classes econômicas. De um lado,
temos alguns bem-sucedidos que não se importam com a idéia de comunidade, preferem o
isolamento, entendem que não ganhariam nada permanecendo na comunidade. Em linhas
gerais, os guetos se caracterizariam pelo confinamento espacial e fechamento social, tendo a
homogeneidade dos “de dentro” e a heterogeneidade dos “de fora”.
Analisando as relações humanas na pós-modernidade, Michel Maffesoli (1998)
apresenta como uma das características desse tempo a coletivização dos sentimentos. Mas
essa tendência à união, não significa que queremos transformar o mundo, mas contemplá-lo.
“A prevalência da estética, a perspectiva ecológica, a não-atividade política, as diferentes
formas do souci de soi e os diversos cultos do corpo são, na realidade, não importa o que
possam parecer, forma desta ‘contemplação’” (ibid, Prefácio ).
O referido autor fala do neotribalismo, para diferenciar que, ao contrário da
estabilidade induzida pelo tribalismo clássico, o “é caracterizado pela fluidez, as reuniões
pontuais e a dispersão.” (ibid, Prefácio) Trabalha ainda a seguinte reflexão: “O vaivém
constante que se estabelece entre a massificação crescente e o desenvolvimento dos
microgrupos que chamarei ‘tribos’.” (ibid, p. 8). Para ele, é a tensão fundadora da
sociabilidade do fim do século XX, pois sem a lógica da identidade, não são sujeitos de uma
história em marcha, no entanto, na metáfora da tribo o sociólogo pretende demonstrar o
processo de desindividualização, a saturação da função e a valorização do papel que cada
pessoa é chamada a representar dentro dela.
Relacionando com o gueto de Bauman, a noção de tribo trazida por Michel Maffesoli
é apresentada como resultante do processo de massificação com a formação de grupos,
caracterizados por reuniões pontuais, dispersão e fluidez, diferente daqueles, que se
caracterizam por um confinamento espacial e um fechamento social, sendo uma estrutura
fechada e não aberta, como as tribos.
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Para Maffesoli, o problema do individualismo está essencialmente presente na
Modernidade, na Pós-Modernidade, “a massa indefinida, o povo sem identidade ou o
tribalismo enquanto nebulosa de pequenas entidades locais, contrapõem-se ao
individualismo” (ibid, p. 14)
No referido livro “O tempo das tribos”, Maffesoli desenvolve as idéias de
“comunidade emocional”, “tribalismo” e “proxemia ”. A comunidade emocional surge a
partir da noção de persona, em voga nos tempos atuais e que só existe em relação com o
outro. As relações sociais são impulsionadas por sentimentos. Citando a concepção de
“comunidade emocional” para Max Weber, que demonstra sua existência em todas as
religiões, e, geralmente, à parte dos enrijecimentos institucionais, afirma que suas
características são: o aspecto efêmero, a composição cambiante, a inscrição local, a ausência
de uma organização e a estrutura quotidiana.
Também cita Durkheim, quando este fala da “natureza social dos sentimentos”,
simplesmente porque se procura a companhia “daqueles que pensam e que sentem como nós”
(Durkheim apud Maffesoli: 1998, p. 19). Remete-se ainda a Berguer, lembrando a
diferenciação que este faz do gregarismo para o grupismo, pois neste há uma preocupação dos
seus membros de reforçar aquilo que é comum a todos, devido ao processo de identificação
com o grupo.
Então, para Maffesoli, a comunidade se realiza no simples estar-junto, nos sentimentos
comuns. Enquanto a sociedade está voltada para a história futura, a comunidade se concentra
na própria criação, na repetição do ritual, que assegura a permanência do grupo. Há o
“momento tribal” que, comparado ao período de gestação, equivale a algo que está sendo
aperfeiçoado, provado, experimentado, “o vivido e a experiência partilhada podem ser o fogo
depurador do processo alquímico que permite a transmutação.” (MAFFESOLI, 1998, p. 30).
O costume (usos comuns), além da estética (sentir em comum) e da ética (o laço coletivo)
caracterizam a vida dos grupos contemporâneos.
O autor explica que a cultura de hoje é feita de pequenas coisas vividas no dia a dia,
que dão conta de uma sensibilidade coletiva, dos lugares de convivialidade, onde circula a
palavra, o alimento e a bebida, lembrando da mesa eucarística para os cristãos, que enfatiza a
união dos fiéis e a união com Deus ao redor de uma mesa. Maffesoli postula um
reencantamento do mundo que acontece principalmente na emoção ou na sensibilidade vivida
em comum.
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A socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger, que fala da religião na sociedade atual
como uma rede de comunidades emocionais, diz que na contemporaneidade existe uma crise
institucional do religioso que ameaça a estrutura hierárquica da Igreja Católica, pelos
fenômenos correlatos da proliferação do “neocomunitarismo” dentro da própria Igreja e do
processo de individualização da fé (HERVIEU-LÉGER, 2005).
Já Carranza (2005 apud MAIA, 2008) coaduna com esse posicionamento, dizendo que
há uma processo de deinstitucionalização, ao tempo em que há uma tentativa de
retradicionalização, presente nas práticas da RCC. Enquanto Miranda (1999 Ibid) corrobora
essa reflexão, dizendo que há uma continuidade do catolicismo tradicional na RCC e nas
CNVA, porque reforçam a hierarquia da Igreja, ao tempo em que
separa os mundos (espiritual e social; dentro e fora da comunidade), legitima um sistema de valores, reproduzindo-o e transmitindo-o e, finalmente, vai construindo também uma visão alternativa de sociedade (MIRANDA, 1999, p. 65, Ibid).
Esses e outros autores têm estudado o fenômeno da religião atual e da comunidade,
produzindo definições diversas. Entretanto, passar-se-á a discorrer, no capítulo seguinte, sobre
algumas formas de comunidades cristãs, buscando modelos da antiguidade até os dias atuais,
para que seja possível se aproximar do tema desta pesquisa, que são as Comunidades Novas
de Vida e Aliança.
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2 COMUNIDADES CRISTÃS AO LONGO DA HISTÓRIA
Desde os primeiros séculos do Cristianismo surgiram comunidades religiosas nas
quais se reuniam os cristãos, seja para fortalecerem a sua fé, seja para melhor propagá-la. O
cristianismo cresceu e se desenvolveu dentro do quadro político-cultural do Império Romano.
Talvez influenciados pela cultura da época e local, os três primeiros séculos do
cristianismo se caracterizam por um estilo secular de vida. Nesses três séculos o Império
Romano perseguiu os cristãos, no século IV os cristãos conseguiram a liberdade religiosa
dentro do Império Romano, até o cristianismo se converter em religião oficial do Estado, no
tempo de Teodósio. Nessa época, a Igreja Católica deu início à organização de suas estruturas
territoriais.
2.1 Primeiras comunidades cristãs
A religião cristã, especificamente estudada nesta dissertação, em sua expressão
católica, tem uma forte tendência comunitária. Jesus de Nazaré, o Cristo, tem como o seu
mandamento maior “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”(Jo 15, 11). Depois de
Pentecostes (Atos dos Apóstolos, Capítulo 2), quando os apóstolos e Maria, reunidos em
oração, receberam o dom do Espírito Santo, em forma de línguas de fogo, expandem-se as
comunidades cristãs e a Igreja.
Os Atos dos Apóstolos e as cartas, chegadas até nós sob os nomes de S. Paulo e dos
apóstolos Tiago, Pedro, João e Judas, fazem uma descrição do que eram as primeiras
comunidades cristãs. Por exemplo, At 2, 42-47:
Eles se mostravam assíduos aos ensinamentos dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. O temor se apossava de todos os espíritos, porque numerosos eram os prodígios e sinais realizados pelos Apóstolos. Todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum; vendiam as suas propriedades e os seus bens e dividiam o preço entre todos, segundo as necessidades de cada um. Dia após dia, unânimes, freqüentavam assiduamente o Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam do favor de todo o povo. E, cada dia, o Senhor acrescentava à comunidade os que seriam salvos.
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O ensinamento dos apóstolos diz respeito ao Evangelho, que a comunidade recebe dos
discípulos de Jesus, daqueles que com ele conviveram, e tem neles o seu fundamento. A
comunhão (koinonia) é um modo de viver em comunidade que tem uma dimensão subjetiva
expressa na fórmula “tinham um só coração e uma só alma” (Atos 4, 32) e uma dimensão
objetiva expressa em três aspectos: primeiro tinham tudo em comum, ou porque ninguém
considerava seu o que possuía ou porque vendiam tudo e entregavam aos apóstolos; segundo
tudo era repartido para cada um conforme suas necessidades e terceiro não havia nenhum
necessitado entre eles.
A fração do pão se refere, certamente, à Eucaristia. Nas primeiras comunidades, ela
era celebrada nas casas, no contexto de uma refeição (Lc 22, 14-20; 24,28-31). Era presidida
normalmente pelo chefe do local, cabeça da comunidade eclesial, que se reunia em sua casa
(RICHARD, 1999).
Outro relato bem diverso de uma reunião comunitária encontra-se em Atos dos
Apóstolos 4, 23-31:
Logo que foram postos em liberdade, Pedro e João voltaram para junto dos irmãos e contaram tudo o que os chefes dos sacerdotes e os anciãos haviam dito. Ao ouvir o relato, todos elevaram a voz a Deus, dizendo: “Senhor, tu criaste o céu, a terra, o mar e tudo o que existe neles. (...) Agora, Senhor, olha as ameaças que fazem e concede que os teus servos anunciem corajosamente a tua palavra (...)”. Quando terminaram a oração, estremeceu o lugar onde estavam reunidos. Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e, com coragem, anunciavam a palavra de Deus.
É uma reunião de uma comunidade muito mais missionária e carismática do que
estabelecida como mostramos em Atos 2,42. Há uma partilha dos apóstolos com os demais
irmãos sobre o que ocorreu, oram e interpretam a Palavra de Deus, em comunidade. No final,
há uma semelhança com o evento de pentecostes.
O livro dos Atos dos Apóstolos provavelmente foi redigido depois da destruição do
Templo, sob a ordem de Tito, em 70 (DONINI, 1988, p. 97). Dele provém a fonte principal
para caracterizar as primeiras comunidades cristãs.
As primeiras comunidades cristãs surgiram logo após a morte de Jesus Cristo, com as
atividades dos apóstolos, após o acontecimento de pentecostes, narrado em Atos 2,1-4. Nesse
acontecimento, os apóstolos reunidos em oração recebem o dom do Espírito Santo, que lhes
deu a coragem de expandir os valores de Jesus Cristo. Foi especialmente Paulo de Tarso,
antes perseguidor dos cristãos, depois “apóstolo dos gentios”, como ele mesmo se
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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autodenomina (Atos dos Apóstolos), quem fundou muitas dessas comunidades no mundo
mediterrâneo.
Antes da institucionalização, a igreja é estruturada em pequenas comunidades
domésticas, que fazem o Evangelho de Jesus se expandir nas cidades e nas culturas. “A
pequena comunidade é o lugar onde se mantém vivo o ensinamento dos apóstolos (a memória
de Jesus) e onde se vive a koinonia (eles tinham tudo em comum), a diakonía (não havia
pobres entre eles) e a Eucaristia - At 2, 42-47” (RICHARD, 1999, p. 07).
Os primeiros cristãos eram chamados “nazarenos” e se tratavam em geral como irmãos
e irmãs (em grego adelphos e adelphe). Um dos valores primordiais dos cristãos era (e ainda
deve ser) a hospitalidade e ajuda dada aos irmãos sem distinção, muito enfatizada nas cartas
de Paulo. Pode-se imaginar que a sociedade dos primeiros séculos depois de cristo era bem
diferente da de hoje. As comunidades eram pequenas e compactas, com um vivo sentimento
de vida em comum. Não havia um templo onde se reunissem para o culto nos finais de
semana, ninguém falava em cristianismo, mas no “caminho”, ou “via” (MORAIS, 1992).
As pequenas células eram a própria ekklesia (grupo local de fiéis) e se reuniam na casa
de um dos fiéis que fosse mais próspero, eram reuniões informais, privadas e secretas (ibid),
sendo uma das finalidades “comer a ceia do Senhor” (I Cor. 11,20). Vê-se, pois, que as
primeiras comunidades cristãs não moravam sob o mesmo teto, como as Comunidades de
Vida em estudo, nesta dissertação. No entanto, mesmo morando em casas separadas,
possuíam um forte sentido de irmandade e se reuniam toda semana.
O valor que norteava a prática dos primeiros cristãos era certamente o amor ágape, ou
seja, o amor cristão, sem limites e barreiras, ele direcionava a prática da solidariedade
(MORAIS, 1992).
As primeiras comunidades cristãs se desenvolveram principalmente na palestina, nas
regiões da bacia oriental do Mediterrâneo, da Ásia Menor à Síria, Trácia, Macedônia, Grécia
Setentrional, Egito e África Setentrional, em um ambiente popular, de pobres e sem direitos,
“com formas ao mesmo tempo avançadas e ingênuas de solidariedade assistencial, nos
confrontos com um mundo privilegiado e egoísta” (DONINI, 1988, p. 89).
Talvez o ambiente pobre tenha ajudado a difusão das comunidades cristãs, por causa
da mensagem de iniciação religiosa transmitida pelos missionários cristãos, formando
comunidades que se ligavam por vínculos de solidariedade e de apoio mútuo.
Um dos maiores desafios de se dizer cristão, ainda hoje, é a vivência do “amor
fraterno”, e é justamente esse o maior pedido do mestre Jesus Cristo. A comunidade cristã
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busca apoiar-se nos valores da ajuda mútua, no acolhimento, na opção pelos pobres, na
“partilha do que se é e do que se tem” (discurso dos líderes das Comunidades Novas) nas
relações verdadeiras, no fazer o bem sempre, no servir uns aos outros, na oração constante, na
santidade de vida. Nas epístolas de Paulo, muitas vezes encontramos conselhos sobre os
valores que devem estar presentes na vida dos cristãos (Rom 12,9-12.16-17.21):
O amor seja sincero. Detestai o mal, apegai-vos ao bem. Que o amor fraterno vos una uns aos outros, com terna afeição, rivalizando-vos em atenções recíprocas. Sede zelosos e diligentes, fervorosos de espírito, servindo sempre ao Senhor, alegres na esperança, fortes na tribulação, perseverantes na oração. Mantende um bom entendimento uns com os outros; não sejais pretensiosos, mas acomodai-vos às coisas humildes. A ninguém pagueis o mal com o mal. Empenhai-vos em fazer o bem diante de todos. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal pelo bem.
Por fim, pode-se ressaltar que, nas comunidades primitivas, a atuação das mulheres era
expressiva, apesar da sociedade da época ser acentuadamente machista; percebemos ainda
que, desde os seus primórdios, a Igreja tem uma constituição hierárquica, formada pelos
apóstolos e por Pedro e que foi se difundindo no mundo Romano, principalmente nas cidades,
por meio do boca a boca.
2.2 Primeiras comunidades religiosas monásticas
O início da vida monástica remonta ao século IV, quando o cristianismo é reconhecido
como religião oficial do Império Romano por Constantino (313) e Teodósio (380), e a Igreja
passou a ter privilégios, riquezas e conversões em massa. Alguns cristãos abandonaram a vida
da cidade e foram para o deserto, desejando viver a integridade do cristianismo de forma mais
radical (SOUSA, 2007, p. 9).
Uma das formas mais antigas dessa vida comunitária religiosa é a cenobítica (do grego
koinós bio = vida comum), nas quais os discípulos se reuniam em torno de um pai comum. No
princípio, cada um tinha sua cela e alguns espaços em comum (refeitório, capela, enfermaria),
combinando o estilo de vida comunitária com a solitária. Um dos pais mais conhecidos é
Pacômio, que no decorrer da experiência propôs uma regra de vida para a comunidade,
dividindo os monges nos diversos ofícios manuais, e havia a presença de um superior, que era
o seu pai espiritual, e dirigia todos os trabalhos, sendo-lhe devidas obediência e abertura total
de consciência.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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A espiritualidade baseava-se na leitura meditada e ruminada na Escritura; as atitudes
dos monges deveriam ser de humildade, serviço e submissão, além de uma ascese adequada;
havia mudança de traje. Esse estilo de vida existe até hoje na igreja, o exemplo mais
conhecido é o dos Cartuchos, a única ordem que não sofreu reforma.
Conforme salienta Sousa (2007, p. 10):
Quando Pacômio morreu (346) havia 08 fundações para homens e 02 para mulheres e no final do século havia no Egito mais de 5 mil monges (...) É um movimento carismático e profético que ninguém poderia ter imaginado nem programado.
Lentamente o monacato se espalhou pela Europa, sendo Bento de Núrcia (480-543) a
sua figura principal, nos séculos V e VI. Inicialmente ele retirou-se para vida eremítica em
Subiaco, depois fundou o mosteiro de Monte Cassino, em 529. Dele temos a famosa Regra,
que tem um sentido de equilíbrio entre trabalho, oração e descanso, regulados pela
obediência. Aparecem os votos religiosos feitos nas mãos dos abades, sem a formulação de
obediência, castidade e pobreza, os votos são de estabilidade (permanência no mesmo
mosteiro por toda vida), obediência ao abade e conversation morum (conversão de costumes),
que se refere à vida em comum levada às últimas conseqüências, pois os monges beneditinos
possuem coro, refeitório, lugar de trabalho e até dormitório em comum. A liturgia, o opus
divinum, ocupa lugar principal, sendo o trabalho também importante (ibid).
O mosteiro beneditino é, em sua origem, composto por monges não ordenados. Com o
passar dos anos e sua propagação, a partir do século VII, de laical passou a ser
predominantemente clerical. Há um momento em que a Igreja chega a ser monástica, os
monges evangelizam a Europa ensinando as pessoas a lerem e a rezarem.
A ordem cristã ocidental de São Bento, citada por Victor Turner, possui características
interessantes abaixo expressas:
provê a subsistência de homens que desejam viver em comunidade, devotar-se inteiramente ao serviço de Deus pela autodisciplina, a oração e o trabalho. Devem formar essencialmente famílias, sob os cuidados e o controle absoluto de um pai (o abade); individualmente, são obrigados à pobreza pessoal, abstenção do casamento e obediência aos superiores, bem como pelos votos de estabilidade e conversão de conduta (sendo originariamente sinônimo de ‘vida em comum’, a ‘vida monástica’ distinguia-se da vida secular), um grau moderado de austeridade é imposto pelo ofício noturno, o jejum, pela abstinência de carne e restrição na conversa. (Attwater, 1961, p.51 apud Turner, 1974, p. 133, grifos nossos):
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O supracitado autor enfatiza os processos de despojamento e de nivelamento do
iniciado, quando se chega à ordem, como característica do processo ritual de liminaridade.
Em História da Vida Privada 25, verificam-se as características dos mosteiros
beneditinos na época da idade média, no século IX. A descrição de suas construções
demonstra uma tentativa de serem réplicas da morada do paraíso, assim como a sua estrutura
hierárquica interna, organizado em função de um projeto de perfeição estabelecido a partir das
regras de São Bento. Nessa época, continuando nos séculos XI e XII, grandes recursos
convergiam para a instituição monástica. Eram cidades fechadas, com a abertura na hotelaria,
que governava a relação entre o interno e o externo. Esses mosteiros chegaram a tamanhos
desmesurados como o mosteiro em Corbie, 852, onde “viviam 150 monges, 150 viúvas eram
sustentadas permanentemente à porta e trezentos hóspedes recebidos a cada dia na
hospedaria” (ARIÈS, 1990, p. 58)
Os papéis no mosteiro são bem definidos. O abade é o senhor e tem autoridade
exclusiva e rege toda sociedade doméstica. É assistido por uma equipe, os “seniores”, que o
aconselham e apóia-se em chefes de serviços. O primeiro, o “prior” é uma espécie de vice-
senhor, que supre a ausência do abade; o sacristão é aquele que cuida das coisas referentes à
igreja, abre e fecha, zela pelos utensílios; o camareiro é quem guarda o dinheiro e tudo aquilo
que com ele se consegue; o ecônomo é o senhor do celeiro, onde dorme um monge e onde se
mantém permanentemente uma luz, ele reparte, a cada dia, as porções de alimento; o
hospedeiro e o capelão são responsáveis pelas relações com as pessoas do exterior,
consideradas menos puras e abaixo da dignidade monástica, eles distribuem os excedentes
entre os indigentes, visitam os doentes homens acamados fora dos muros, albergam os pobres
de passagem. (ibid)
A fraternidade do mosteiro, agrupada atrás de um pai, é descrita pela História da Vida
Privada 2 (ibid, p. 63/68), em seus quatro grupos: o noviciado, a enfermaria, o cemitério e o
claustro.
O noviciado era separado da Igreja pela morada dos monges, um lugar transitório e de
gestação onde ficavam aqueles que chegavam ao mosteiro para se tornarem monges, inclusive
crianças, deixadas junto com seus dotes. Ali eram alimentadas e educadas, sob a direção de
um mestre; quando se considerava a aprendizagem terminada, eram transferidas solenemente
para o meio dos monges. O rito era de integração, com a profissão da fórmula escrita,
assinada e lida; depois depositada no altar, diante da comunidade reunida. Em seguida, veste a
5 Coleção dirigida por Philippe Ariès e Georges Duby.
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peca do vestuário que ainda lhe falta, a cogula; por fim, recebe um beijo de cada um dos
irmãos, iniciando pelo abade. Após a cerimônia, o novo monge passa três dias de
recolhimento, em retiro silencioso e privado, o corpo coberto noite e dia pela cogula e a
cabeça pelo capu como uma forma de provação.
A enfermaria é um lugar de espera, onde se encontram os enfermos, isolados do resto
da comunidade, pois a doença era considerada como marca do pecado. “os internos da
enfermaria eram reconhecidos por seu bastão, sinal de fraqueza, por sua cabeça coberta, sinal
de penitência.” (ibid, p. 62). Os que de lá não voltavam, “passavam para o outro mundo”,
sendo a morte precedida de uma cerimônia em que o falecido era levado por outros monges
para a Igreja e sepultado no cemitério, após a salmodia.
O cemitério era o terceiro quarto desse espaço familiar, estando os defuntos integrados
aos seus irmãos vivos. No dia do aniversário do seu falecimento, era servida uma refeição
saborosa e suplementar, da qual fazia parte apenas a comunidade.
Por fim, a moradia queria mostrar o que seria na terra uma vida privada perfeita. O
claustro era o pátio interno, voltado para o privado, em forma de praça, de lá se ordenavam o
tempo e as atividades funcionais, distribuídas entre os compartimentos do edifício, o mais
ordenado era o consagrado ao Opus Dei, ao trabalho para Deus, era a igreja, onde faziam as
orações cantadas em comunidade. Ao seu lado, estava a sala para conferências e reuniões de
justiça, onde se tratavam das questões temporais e se procediam às correções mútuas. Os
faltosos eram flagelados e afastados temporariamente da comunidade, como castigo. O
refeitório, também parte da moradia, era onde se tomavam as refeições em comum, nas quais
se celebrava a unidade fraterna, sentados, em perfeita ordem, comandados pelos sinais
silenciosos do abade, enquanto um irmão lia um texto. O dormitório, local mais retirado da
moradia, era ocupado por todos os monges, inclusive o abade, dormindo cada um em sua
cama, “que a regra proibia formalmente de partilhar” (ibid, p. 68).
Enfim, de acordo com as afirmações de Sousa (2007, p. 12), “os mosteiros eram tudo
na Idade Média: roça, hospital, escola. Por causa disso, recebiam muitas doações e heranças e
se tornaram muito ricos. O trabalho manual foi sendo deixado para os escravos e a oração se
transformou em culto suntuoso.” Assim, o mosteiro foi passando de um local retirado para o
centro do poder sócio-eclesial, que pode ter sido fruto de um excessivo processo de
institucionalização.
Começaram, então, as reformas. Durante os anos de 927-941, Santo Odão, ou Otão,
segundo abade do mosteiro de Cluny, promoveu um retorno à Regra beneditina, à observância
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dos votos, ao estudo, à oração, ao trabalho manual. No século XII, os mosteiros de Cluny já se
arrefeciam no fervor reformista. Alguns monges fundaram a ordem dos cistercienses,
chamados monges brancos para se diferenciarem dos monges pretos de Cluny, liderado por
Bernardo de Claraval, com ímpeto de manter o trabalho manual, a austeridade de vida e a
simplicidade. Mesmo assim, os mosteiros se enriquecem no envolvimento com o sistema
feudal.
Dois elementos teológicos dos mosteiros nessa época eram a escatologia e o
exorcismo, a partir dos quais tentavam reproduzir o paraíso celeste pela própria arquitetura do
mosteiro, voltada para o céu e queriam destruir o poder do Demônio.
Tönnies (1995) analisa as comunidades religiosas como essas, - existentes ainda hoje,
com mudanças em alguns aspectos -, em função do Estado, portanto, não as considera
comunidades, e sim sociedades religiosas. Nessa visão, as comunidades religiosas são vistas
dentro de uma condição de instituídas.
2.3 Comunidades religiosas mendicantes
O século XIII, na Europa, marca a mudança da vida rural para as cidades em
expansão, surgem subúrbios pobres, povoados e burgos ricos pela intensificação do comércio.
Há o desmoronamento do sistema feudal, mas a igreja, totalmente incorporada a esse sistema
em sua mentalidade, governo e concepção teológica, considera as novas aspirações violentas,
anárquicas e diabólicas e afasta-se do povo simples.
Mais uma vez, surgem por toda parte grupos e associações que desejam voltar às
origens da vida cristã. Um desses grupos são as ordens mendicantes, cujo ideal se encarna na
figura de São Francisco (1182-1226). Há um novo ciclo na vida religiosa, não simplesmente
uma reforma no monaquismo. Após sua conversão, São Francisco escuta a voz de Cristo em
São Damião e inicia uma vida eremítica. Em seguida começa a pregar o Evangelho e forma
um grupo de irmãos que são chamados menores, contrapondo-se aos ricos e poderosos do
tempo, vão bater às portas, vivem de esmolas. Há um rompimento com o estado clerical da
vida religiosa e uma vivência da criação como teofania e fraternidade universal (SOUSA,
2007). Entretanto, a crítica eclesial do franciscanismo é pelo testemunho, pois continuam com
profunda obediência ao Papa e se dispõem a assumir as missões que lhes foram confiadas.
São Francisco introduz a tríade pobreza, obediência e castidade, com ênfase na
pobreza, como ideal individual e comunitário. Nesse ideal comunitário também se encontram
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a vivência fraterna intensa, a simplicidade nas regras, características do estado de
liminaridade proposto por Turner (1974).
Apesar de uma posterior institucionalização, relutada por São Francisco, a ordem
franciscana não perdeu a fecundidade, sendo a mais numerosa da Igreja Católica,
ramificando-se em três ramos principais: menores, conventuais e capuchinhos, segundo
diferentes interpretações das Regras franciscanas, sobretudo no que se refere à pobreza.
2.4 Comunidades religiosas católicas na modernidade
No século XVI, várias descobertas e inovações alteram a vida social, e as navegações
possibilitam o colonialismo, começa o Renascimento e o mundo moderno. No campo
religioso ocorre a Reforma Protestante e a Contra-reforma católica, no Concílio de Trento.
Por outro lado, as ordens religiosas se impulsionam e se reformam. Mesmo assim, nascem
novas formas de vida religiosa. Uma delas são os clérigos regulares, formada por cléricos,
que renunciam ao serviço litúrgico coral e ao hábito; adotam o modo de vestir próprio dos
sacerdotes onde moram, bem como a pobreza baseada em São Francisco, vivendo do trabalho
e da esmola; vivem a gratuidade do ministério apostólico; têm formação intelectual
prolongada e sólida; realizam pregações, missões, ensino e cuidam dos enfermos e desvalidos
(SOUSA, 2007).
Os jesuítas da Companhia de Jesus estão entre as novas ordens religiosas dessa época,
também clerical, surgida nesse tempo, fundada por Inácio de Loyola (1491-1556). A
companhia acrescenta mais um voto, o de disponibilidade total, para poderem ser enviados
em missão pelo mundo. Essa ordem cresceu rapidamente, tornando-se uma instituição
poderosa, mas ao mesmo tempo foi perdendo a mística evangélica na espiritualidade,
tornando-se moralista e racionalista (ibid).
Com a Revolução Francesa (1790), as ordens religiosas sofrem um novo abalo, são
consideradas como coisa do passado, devendo monjas e religiosos abandonar seus conventos.
Essa situação prolongou-se por todo século XIX, sendo a vida religiosa considerada obstáculo
para o triunfo da sociedade leiga, democrática, progressista e liberal; cresce o processo de
secularização, e o sistema capitalista se consolida, com a Revolução Industrial.
A Igreja Católica adota uma postura de saudosismo, vendo negativamente os
movimentos seculares e sociais modernos. O Concílio Vaticano I (1869) produz documentos
de valor dogmático, acentuando o papel da autoridade, inclusive a infalibilidade papal em
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questão de fé. Quanto às ordens religiosas, foram restauradas algumas ordens antigas, como a
Companhia de Jesus, as congregações beneditinas, cistercienses, trapistas, franciscanos e
dominicanos. Surgem como marco do século XIX várias congregações com características
ativas e de especialização em algum campo apostólico, como ensino, juventude, obras
populares, entre elas estão: maristas, palotinos, salesianos, cordimarianos, sociedade do verbo
divino, irmãzinhas da assunção, mercedárias, entre mais de uma centena de outras (ibid)
O início do século XX está marcado por crises sociais e políticas: Revolução Russa e
as duas grandes guerras mundiais. A vida religiosa prossegue como no século anterior, com
surgimento ainda de outras ordens religiosas, como a que se inspira do carisma de Charles de
Foucauld, que iniciou uma vida de presença evangélica silenciosa, paciente e criativa no meio
do povo, e foi seguido por várias fraternidades que procurarão se encarnar no meio dos
pobres. Outra forma surgida são os institutos seculares, cuja inspiração é viver a pobreza, a
obediência e a castidade no mundo.
2.4.1 Comunidades Eclesiais de Base (CEB's)
No Brasil, desde sua colonização por Portugal, sempre foi considerado um país
religioso. Até o final do século XIX, o brasileiro tinha quase obrigação de ser católico, uma
vez que o catolicismo era a religião oficial do Império brasileiro. Com a Proclamação da
República e a separação do Estado e da Igreja Católica, o espaço religioso brasileiro vem
sofrendo mudanças constantes, tornando-se mais significativas a partir dos anos de 1940,
acelerando-se a partir do final dos anos de 1970 (SANTOS, 2002).
Nos dias de hoje, há grande pluralidade religiosa no Brasil e, conseqüentemente, cada
religião usa de estratégias para garantir e expandir seu espaço na sociedade, buscando adesão
de novos fiéis, com a utilização de meios contemporâneos de divulgação da religião, como,
por exemplo: .pregação em espaço público, programas de rádio e televisão.
Após o Concílio Vaticano II (1962-1965), que impulsionou, entre outras coisas, a
participação dos leigos na Igreja Católica, a partir da década de 1970, a Igreja Católica da
América Latina segue a linha da “opção preferencial” pelos pobres e a da “desclerização”,
proliferando-se as chamadas Comunidades Eclesiais de Base. Em 1968, os delegados da
Assembléia do CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano), em Médellin (Colômbia),
optam pelas CEB's como forma pastoral prioritária para a América Latina (CASTRO, 1987).
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Clodovis Boff (apud Castro, 1987, p. 63) faz uma síntese do significado de CEB, qual
seja: comunidades - “agrupamentos restritos, onde vigem relações primárias, isto é, afetivas,
nominais e interpessoais”, eclesiais - “aspectos religiosos dessas comunidades” e de base -
“camadas mais baixas da sociedade”, “fazer renascer a Igreja lá onde sua presença acha-se
praticamente apagada” e “em oposição ao 'do alto', 'de cima', entendido como das instâncias
do poder, 'das cúpulas'”.
As principais características das CEB's são: grupos em torno de 20 a 80 pessoas,
reunidas geralmente em função da proximidade territorial; compostas principalmente por
membros das classes populares; vinculadas a uma paróquia; utilizam o método do ver-julgar-
agir e leitura bíblica em articulação com a vida; articuladas pela própria Igreja católica, por
meio de bispos, padres e leigos (Wikipédia).
A organização interna de um Comunidade Eclesial de Base é feita a partir de um
número mínimo de pessoas, com descoberta de uma necessidade e interesses convergentes,
desperta-se para valores comunitários em busca de soluções e de satisfações solidárias, a
presença de alguém que entenda o processo e seja capaz de conduzi-lo e que haja motivações
de fé religiosa e uma metodologia de ação de acordo com os objetivos comunitários
perseguidos (CASTRO, 1987).
Na pesquisa feita em CEB's localizadas na periferia de Recife/PE, Gustavo do Passo
Castro6 observou vários detalhes internos, chegado à conclusão de que “A comunidade é,
pois, vista como altamente importante na vida de seus membros.” (1987, p. 142) E de que há
descoberta de valores como senso comunitário, novas relações de amizade, nova concepção
do mundo, educação para a vida, livre expressão de idéias e sentimentos, pertença,
reconhecimento como sujeito ativo do fenômeno religioso (CASTRO, 1987).
A articulação das CEB's brasileiras promove encontros com líderes, chamados
“Encontros Intereclesiais”, sendo o último deles, o 11º encontro, realizado de 19 a 25 de julho
de 2005, no Brasil, na cidade de Ipatinga, Minas Gerais. O 12º Intereclesial das CEBs está
previsto para ser realizado de 21 a 25 de julho de 2009, na cidade de Porto Velho, capital do
Estado de Rondônia, e tem como tema CEBs: Ecologia e Missão e o lema Do Ventre da
Terra, o grito que vem da Amazônia.
6 Professor de Antropologia da Educação na UFPE, assessor de atividades eclesiais na Arquidiocese de Olinda e Recife, no Seminário do Regional Nordeste2 da CNBB e no Instituto de Teologia do Recife – ITER.
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2.4.2 Movimento da Renovação Carismática Católica
As Comunidades Novas nasceram, em sua grande maioria, do Movimento da
Renovação Carismática Católica, um Movimento na Igreja Católica, surgido na década de 70,
a partir de experiências de alguns católicos com grupos pentecostais protestantes, nos Estados
Unidos. Quando João Paulo II iniciou seu pontificado, em 1978, já havia vários grupos de
oração, e os mais antigos estavam começando a viver momentos de decisão de iniciar ou não
uma experiência de vida comunitária mais intensa.
Até 1979, a Renovação Carismática Católica do Brasil tentou uma experiência
ecumênica, que “foi frustrada devido a seu esforço de legitimidade institucional em relação ao
catolicismo” (SOUSA, 2005, p. 63). Em 1975, a Igreja Oficial Romana apoiava os
carismáticos, o atual Papa, Paulo VI, dizia que o mundo necessitava da renovação espiritual
que o Espírito Santo suscitava através do movimento, e João Paulo II seguiu a mesma linha
(ibid, p. 67/68), sempre com apoio e incentivo.
No entanto, a Igreja da América Latina não seguiu Roma no apoio ao pentecostalismo.
Na década de 70, houve uma forte adesão do episcopado à Teologia da Libertação,
culminando com o documento de Puebla (1979), que teve muito mais repercussão no Brasil
do que os pronunciamentos de Roma. Nos anos 80, a Igreja Católica Brasileira olhava a RCC
sempre com referências às CEB’s (Comunidades Eclesiais de Base). Entretanto, nos anos 90,
houve uma crise na Teologia da Libertação e um fortalecimento da RCC (ibid, 2005). Foi nos
anos 90 também que as Novas Comunidades aprofundaram sua experiência comunitária,
definindo carisma próprio, missão na Igreja e na sociedade, aspectos da espiritualidade.
Os grupos de oração tiveram o seu ponto alto na década de 80, no início da expansão
da RCC no Brasil, tendo seu número diminuído na década de 90 e 00, como tendência
nacional, talvez devido a formação de várias Comunidades Novas a partir desses grupos que,
por sua vez se estruturam de formas diferentes, apesar de algumas manterem o grupo de
oração como forma de atração de novos membros.
No que se refere à espiritualidade da RCC, trazida para as Comunidades Novas, muitas
pesquisas, em diversas abordagens, já vêm sendo feitas, por isso o tema não será focado aqui
mais detidamente, até para não fugir do foco da pesquisa7.
7 Entre os estudiosos do Movimento da Renovação Carismática Católica estão CARRANZA (2000); MACHADO (1996) e MARIZ (2003).
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Destaca-se a opinião de Ronaldo José de Sousa, quanto ao uso do termo “intimista” para
caracterizar os carismáticos que, para ele, leva a uma percepção subjetiva e egoísta da fé, o
que não se verifica na prática de muitos membros da RCC.
Embora seja verdade que os seus componentes não se incomodam de experimentar as
chamadas “esquisitices” e tudo fazem para manter sua prática espiritual. Outro aspecto
destacado pelo estudioso, é que, como os carismas são vivenciados de modo direto com Deus,
as pessoas encontraram na Renovação Carismática um mecanismo de afirmação pessoal e
coletiva (Ibid, 2005).
A Renovação Carismática tem práticas que diferem da tradição da Igreja Católica, como
as curas milagrosas, o repouso no Espírito, exorcismos, profecias, o dom das línguas e o dom
do discernimento. Muitas dessas práticas se opõem à racionalidade da Igreja e à religiosidade
popular. Os seus adeptos, em geral fiéis católicos leigos, fazem uso dos dons efusos do
Espírito Santo, que são nove: língua, profecia, interpretação, cura, milagres, ciência, sabedoria
e discernimento.
O grupo básico da RCC é o “Grupo de Oração”, que em geral se reúne semanalmente
para oração, escuta, pregação e partilha da Bíblia, no qual os engajados exercem seus
ministérios, utilizando os “dons de serviço” do Espírito Santo. O grupo de oração é bem
estruturado, havendo o coordenador (ministério de pastoreio), os pregadores (ministérios de
ensino e pregação), os membros da música (ministério de música), os intercessores
(ministério de intercessão e cura e aconselhamento), entre outros.
As Comunidades Novas nascem, em geral, desses grupos de oração. Portanto, trazem
deles algumas características, como o uso dos carismas e dons do Espírito Santo, a
espontaneidade da oração, os cânticos, as danças, os louvores, além da estrutura, formadas por
fiéis católicos leigos e da manutenção da estrutura básica dos grupos de oração, que são os
ministérios.
O Movimento da Renovação Carismática Católica reconhece que de seus grupos de
oração freqüentemente surgem Comunidades Novas dentro da Igreja Católica, deixando,
conseqüentemente, de pertencer hierarquicamente a esse Movimento. O que a leva a orientar
os grupos de oração no sentido de que não almejem formar uma Comunidade Nova pelo
simples fato de estar na “moda”, mas que verifiquem cuidadosamente se realmente existe uma
“inspiração divina”, um “sopro do Espírito Santo”, para uma nova fundação.8
8 Ver o Portal da RCC Londrina (www.rcclondrina.com.br), que contém um serviço específico de formação para pessoas que desejam iniciar uma Comunidade Nova. “Dentro da RCC, Deus tem inspirado comunidades, extensões mais especificas do grande chamado feito a todos os batizados de viverem em
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2.5 Comunidades Novas de Vida e Aliança (CNVA)
As Comunidades Novas de Vida e Aliança estão entre os Movimentos ocorridos na
Igreja Católica através dos tempos. O bispo João Evangelista Martins Terra (2004), para
explicar o lugar eclesiológico dos Novos Movimentos Eclesiais, primeiro discorre brevemente
sobre os grandes movimentos apostólicos ocorridos na história da Igreja Católica9, concluindo
que a sua estrutura institucional se formou através dos tempos, mas não deixou de acolher os
novos movimentos espirituais e carismáticos que surgiam fora da instituição e do modelo de
paróquia (Igreja local, dividida em territórios). Ressalta que “o papado não cria os
movimentos, porém eles têm sido sustentáculos dentro da estrutura da Igreja” (TERRA, 2004,
p. 29).
Pode-se deduzir que, assim como o bispo de Roma (o Papa) tem um ministério que
alcança a Igreja universal, também o têm os Movimentos, que superam o âmbito das
estruturas.
Se se contempla a história da Igreja em seu conjunto, salta à vista que o modelo de Igreja local está decididamente configurado pelo ministério episcopal, é o nexo e a estrutura permanente ao longo dos séculos. Porém ela está também permeada incessantemente pelas diversas ondas de novos movimentos, que revalorizam continuamente o aspecto universal da missão apostólica e a radicalidade do Evangelho, e que, por isso mesmo, servem para assegurar vitalidade e verdade espirituais às igrejas locais” (TERRA, 2004, p. 29).
Quanto ao surgimento, os movimentos geralmente se iniciam com uma pessoa
“carismática líder” que “vive o Evangelho em sua totalidade”, passando depois a formar
comunidades concretas, que “reconhecem na igreja sua razão de ser, sem a qual não poderiam
subsistir” (ibid, p. 36).
comunidade. Podemos afirmar que as comunidades novas não são uma invenção humana e nem são “grupos crescidos de oração” mas nascem do coração de Deus para estar a serviço da Igreja. Na diocese de Londrina vimos o pipocar muitas comunidades ou de pessoas que querem ser, ou estão em processo de discernimento quanto ao chamado para uma vida comunitária, sendo assim, surgiu a necessidade de montar um serviço que possa informar, ajudar e formar aqueles que tem esse chamado.” 9 Ver seções 2.1 a 2.4 desse Capítulo.
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2.5.1 Contextualização
Para as “Comunidades Novas”, que continuam nascendo, desde o final da década de 70
até hoje, as condições externas são as da sociedade pós-moderna10 e suas características de
globalização acelerada no campo da economia, da política e da cultura, da comunicação
instantânea, da ação à distância, da fragmentação do sujeito e das relações sociais, do senso de
vivência do aqui e agora, da crise da família patriarcal, da predominância da mídia na
constituição do universo simbólico das grandes massas, tudo isso marcado pelas mudanças no
modo de produção, distribuição e consumo de produtos (DINIZ, 2005; PUNTEL, 2005).
No contexto do catolicismo, as Comunidades Novas de Vida e Aliança surgem após o
Concílio Vaticano II, que aconteceu entre os anos de 1962-1965, convocado pelo Papa João
XXIII. Alguns estudiosos inclusive afirmam que o seu florescimento só ocorreu devido às
mudanças trazidas por esse Concílio Ecumênico, que deu um novo perfil à igreja.
Os concílios são períodos em que os Cardeais e Bispos da igreja católica param para
refletir sobre os vários aspectos a ela relacionados, como liturgia, vida religiosa, relação com
a sociedade, identidade, doutrina. A partir das discussões, são criados vários documentos que
irão orientar os fiéis da igreja.
O documento do Vaticano II chamado Lumen Gentium (LG), a Luz dos Povos, que trata
da igreja, acentua o papel dos leigos e religiosos com bastante clareza, sugerindo passar do
perfeccionismo puro da vida religiosa para a afirmação de que a santidade é algo constitutivo
do ser cristão, independente de ser ou não religioso (LG, Capítulos IV, V e VI).
Outro documento importante é o Gaudium et spes sobre a Igreja de hoje, que passou a
ver o mundo em sintonia com a fé cristã, e o documento Apostolicam Actuasitatem sobre o
apostolado dos leigos – aqueles que não fazem parte da hierarquia da Igreja Católica, ou de
ordens religiosas -, que impulsiona os leigos a se unirem em comunidades, fundar associações
e movimentos, por livre iniciativa.
É nesse contexto que surgem, em profusão, as Comunidades Novas e os Novos
Movimentos Eclesiais, formados e fundados, em sua grande maioria, por cristãos católicos
leigos, com o impulso de “dar a vida pela causa de Jesus Cristo e da Igreja Católica” (discurso
dos líderes das Comunidades Novas de Vida e Aliança), com um ardente desejo de viver em
10 A expressão “pós-modernidade” é usada por um grupo de sociólogos, entre eles LYOTARD, . F. “A condição pós-moderna”. Rio de Janeiro, José Olympo, 5ª edição, 1998; BAUMAN, Zygmunt, “O mal-estar da pós-modernidade”. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997 e KUMAR, K. DA sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo”. Rio de Janeiro, Zahar Editora, 1997.
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comunidade, como os primeiros cristãos, mas como testemunho de fé diante da sociedade
secularizada.
Todas as Comunidades Novas e os Novos Movimentos Eclesiais foram fundados na
segunda metade do século XX, à exceção do Movimento dos Focolares11. Parece que após o
Concílio Vaticano II os fiéis leigos se sentiram mais “à vontade” para participar ativamente da
vida da igreja, dirigindo o próprio culto, promovendo evangelização, organizando-se para o
exercício de obras de caridade.
Outro fator decisivo para o florescimento das Comunidades Novas foi o pontificado de
João Paulo II, que orientou as conclusões do Vaticano II, com uma nova antropologia
teológico-filosófica. Promoveu vários encontros com os Movimentos Eclesiais e as
Comunidades Novas. Durante o seu pontificado, aconteceram 04 grandes encontros: em 1981,
1985, 1991 e 1998.
Este último é considerado um marco para as Comunidades Novas e Movimentos. O
encontro foi precedido de um congresso para fundadores e co-fundadores de Comunidades e
Movimentos do mundo inteiro. Na carta convite, com assinatura do Papa e o selo do
Vaticano, pela primeira vez foi aplicado o termo “fundador” a Comunidades e Movimentos
leigos, pois o termo até então era restrito às ordens e congregações religiosas. O encontro
ocorreu em 30 de maio de 1998, na Praça São Pedro, no Vaticano, reunindo mais de 300 mil
fiéis e 50 diferentes Movimentos de Comunidades Novas. Abaixo trechos do pronunciamento
do Papa João Paulo II (1998)12, que é reproduzido por várias CNVA em seus sites, indicando
um importância dada a esse reconhecimento pela Igreja de Roma:
A passagem do carisma originário ao movimento acontece pela misteriosa atração exercida pelo Fundador sobre quantos se deixam envolver na sua experiência espiritual. (...) Desse modo, os movimentos reconhecidos oficialmente pelas autoridades eclesiásticas propõem-se como formas de auto-realização e reflexos da única Igreja. O seu nascimento e a sua difusão trouxeram à vida da Igreja uma novidade inesperada, e por vezes até explosiva. Isto não deixou de suscitar interrogativos, dificuldades e tensões; às vezes comportou, por um lado, presunções e intemperanças e, por outro, não poucos preconceitos e reservas. Foi um período de prova para a sua fidelidade, uma ocasião importante para verificar a genuinidade dos seus carismas. Hoje, diante de vós, abre-se uma etapa nova, a da maturidade eclesial. Isto não quer dizer que todos os problemas tenham sido resolvidos. É, antes, um desafio. Uma via a percorrer. A Igreja espera de vós frutos «maduros» de comunhão e de empenho. Como conservar e garantir a autenticidade do carisma? É fundamental, a respeito disso, que cada movimento se submeta ao discernimento da Autoridade eclesiástica
11 Fundado em Trento/Itália, em 1944, por Chiara Lubich. 12 Pronunciamento disponível em http://www.vatican.va.
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competente. Por esta razão, nenhum carisma dispensa da referência e da submissão aos Pastores da Igreja. Com palavras claras o Concílio escreve: «O juízo acerca da sua autenticidade e reto uso pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (cf. 1 Ts 5, 12.19-21)» (Lumen gentium, 12). Esta é a necessária garantia de que a estrada que percorreis é justa! Assim, na confusão que reina no mundo de hoje é fácil errar, ceder às ilusões. Na formação cristã cuidada pelos movimentos jamais falte o elemento desta confiante obediência aos Bispos, sucessores dos Apóstolos, em comunhão com o Sucessor de Pedro! (grifos nossos)
O trecho do pronunciamento do Papa João Paulo II foi transcrito porque é
especificamente dirigido às Comunidades Novas em fase inicial de fundação, objeto de
pesquisa nesta dissertação, e menciona o seu processo de institucionalização, que também
será analisado. Nos grifos, foram destacadas a preocupação da igreja oficial no
reconhecimento de um novo carisma e sua observação no tempo para verificar a sua
autenticidade, de acordo com os parâmetros oferecidos pela igreja católica e observando a
obediência aos pastores.
O Papa Bento XVI continua incentivando os Movimentos Eclesiais e as Comunidades
Novas a viverem a radicalidade da vida cristã e a vida missionária. Em 03 de junho de 2006,
na Vigília de Pentecostes, na Praça São Pedro, mais de 100 Movimentos estavam presentes
para ouvir a sua homilia, depois de ter participado de um encontro cujo tema era “A beleza de
ser cristão e a beleza de comunicar a vida cristã.”
A Comunidade de Vida e Aliança mais antiga que se conhece é a “Word of God”, que
está na origem do movimento da renovação carismática católica e que foi fundada por um
grupo de estudantes da Universidade de Michigan – EUA, em 1967. Os líderes fundadores
eram Steven Clark e Ralph Martin. Em meados de 1970 o grupo por eles liderados decidiu
morar em residências coletivas e, com o passar do tempo, as lideranças foram ganhando
poder, a medida que regras eram criadas para a vivência coletiva, “tendo como ápice a decisão
do uso do véu de linho belga para as mulheres e manto de linho irlandês para os homens”
(MAFRA, 2008, p. 2). Em meados de 80, o grupo dividiu-se em dois, com a criação do
“Sword of Spirit”; em 1992, o “Word of God” já não apresentava as características
“personalistas e centralizadoras do poder e de normatização da prática” (ibid).
No Brasil, a comunidade com maior tempo de existência é a Canção Nova, com sede
em Cachoeira Paulista/SP, que já conta 30 anos, fundada em janeiro de 1978, pelo Monsenhor
Jonas Abib e alguns jovens. A segunda mais antiga é a Comunidade Católica Shalom, com 25
anos, que tem sede em Fortaleza/CE. No total, existem atualmente cerca de 400 Novas
Comunidades (TIMBÓ, 2004) espalhadas por todo território brasileiro. Dentre estas,
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aproximadamente 65% estão em fase embrionária, 20% estão em desenvolvimento e 15%
estão atingindo ou já atingiram um amadurecimento (ibid).
No sítio da Fraternidade das Novas Comunidades no Brasil podemos encontrar
informações apenas sobre 13 Comunidades, entre elas as mais antigas e conhecidas no Brasil:
a Comunidade Canção Nova, de Cachoeira Paulista/SP; a Comunidade Shalom, e
Fortaleza/CE e Comunidade Doce Mãe de Deus, de João Pessoa/PB. Isso deve se dar pelo
fato de que para entrar nessa Fraternidade são feitas algumas exigências formais que muitas
Comunidades Novas ainda não possuem em sua estrutura, como estatuto e carta de indicação
do bispo ou aprovação diocesana, se houver (http://www.comunidadesnovas.org.br/).
Nesse processo de fundação e trajetória no tempo, as CNVA encontram a necessidade
de se estruturar internamente, a partir do momento que o número de membros e atividades
aumenta e, por conseguinte, institucionalizar-se. Também precisam justificar sua presença
para a Igreja Católica local, na pessoa do bispo da diocese onde se encontra. Os bispos
católicos, em geral, seguem a orientação da Igreja Católica de Roma de “esperar os frutos”,
ou seja, deixar que passe um determinado período de tempo, no qual a Comunidade específica
é observada e acompanhada pelo bispo diocesano, para identificar se se trata de uma nova
fundação, ou seja, se possui característica novas e diferentes das demais associações leigas,
das diversas ordens religiosas, das associações apostólicas, e de outras formas de
sociabilidades presentes na Igreja Católica.
Nessa dissertação, procura-se verificar o surgimento e a estrutura interna de algumas
Comunidades Novas localizadas no Nordeste brasileiro, que almejam tornar-se “novas
fundações” dentro da Igreja Católica, acreditando possuírem características (carisma,
espiritualidade, missão) diversas das demais formas de vida comunitária e religiosa presentes
nessa Igreja. Nessa busca, analisar-se-á o discurso posto em questionários por lideranças
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dessas Comunidades, procurando identificar as relações presentes no seu surgimento e na sua
manutenção, assim as práticas religiosas dos seus membros.
2.5.2 Características das CNVA
A concepção de Comunidades Novas de Vida e Aliança está muito ligada às suas
características gerais. O Papa João Paulo II, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal: Vita
Consecrata assim caracteriza os Movimentos e as Comunidades Novas (1996):
O Espírito, que ao longo dos tempos, suscitou numerosas formas de vida consagrada, não cessa de assistir a igreja, quer alimentando nos Institutos já existentes o esforço de renovação na fidelidade ao carisma original quer distribuindo novos carismas a homens e mulheres do nosso tempo, para que dêem vida a instituições adequadas aos desafios de hoje. Sinal desta intervenção divina são as chamadas Novas Fundações, com características de algum modo originais relativamente às tradicionais. A originalidade dessas novas comunidades reside no fato de se tratar de grupos compostos por homens e mulheres, de clérigos e leigos, casados e solteiros, que seguem o mesmo estilo particular de vida, inspirado às vezes numa ou noutra forma tradicional ou adaptado às exigências da sociedade atual. Também o seu compromisso de vida evangélica se exprime de formas diversas, manifestando-se, como tendência geral, uma intensa aspiração à vida comunitária, à pobreza e à oração. No governo participam clérigos e leigos, segundo as respectivas competências, e o fim apostólico vai de encontro das solicitações da nova evangelização.
O Subsídio da CNBB sobre Igreja Particular, Movimentos Eclesiais e Novas
Comunidades assim se expressa sobre as Comunidades Novas e os Novos Movimentos:
Acentuam a conversão e a vivência radical da fé, demonstrada com gestos concretos de mudança de vida e de participação no movimento. Apresentam-se com identidade católica, pois nasceram, desenvolveram-se e atuam dentro da Igreja, sentindo-se, de modo especial, vinculados ao papa e aos bispos. Inspirados também pela fé, diversos movimentos se engajam na promoção da justiça, da paz, da solidariedade com os pobres. Alguns movimentos se apresentam e se estruturam mais como formas particulares de vida comunitária do que como associações, recusando o próprio nome de “movimento” e optando por “comunidade”. “Comunidades de vida” são encontradas em diversos novos movimentos.” (CNBB: 2006, p. 19, grifos nossos).
Os grifos destacam que a CNBB vê as Comunidades Novas na sua diferenciação com
os demais movimentos existentes na atualidade dentro da Igreja Católica. Mesmo assim,
reconhece a existência de “Comunidades de vida” e procura informar sobre suas
características, incluindo-as dentro dos Novos Movimentos e destacando que elas se
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autodenominam de “Comunidades”. Ou seja, esse trecho do subsídio aponta que não foram os
bispos do Brasil que criaram as Comunidades Novas, mas elas surgem como Movimento, fora
da hierarquia da Igreja e agora estão sendo por ela analisados.
Na Wikipédia13, já existe uma interessante definição para Comunidades Novas:
As comunidades novas tratam-se de novas inspirações adaptadas dos institutos de Vida Consagrada da Igreja Católica, tendo como grande diferencial a Vida Comunitária ser formada por Sacerdotes e leigos, homens e mulheres em uma mesma Comunidade devidamente dividida, mas trabalhando junto em prol da Evangelização ou Promoção da Dignidade Humana.
Após os conceitos expostos acima e com base da pesquisa de campo realizada14,
destaca-se, brevemente, algumas características principais das Comunidades Novas de Vida e
Aliança:
a) Seu perfil é de pessoas (fiéis católicos leigos) que se dizem consagradas a Deus e
almejam um reconhecimento dessa consagração pública por parte da instituição da Igreja
Católica.
b) Sua forma de se reunir é uma adaptação dos institutos de vida consagrada já
existentes, no sentido da vida em comum, das orações comunitárias, das orações pessoais, da
vida sacramental, do compromisso com a doutrina católica, da profissão de votos de
castidade, pobreza e obediência. Entretanto, diferem desses institutos, não só por serem
formadas por sacerdotes e leigos, mas, sobretudo, pela presença de casais consagrados.
c) O que os une, além do chamado “carisma da Comunidade”, é o trabalho comum, em
geral de “evangelização” e de “promoção humana”.
d) Não se definem por território e possuem uma forte dimensão missionária, indo além
da sua diocese e até do país.
e) São fundadas com o “impulso de dar a vida pela causa de Jesus Cristo e da Igreja
Católica”, com um “ardente desejo de viver em comunidade, como os primeiros cristãos”,
como “testemunho de fé diante da sociedade secularizada”.
f) São geralmente definidas como Associação Privada de Fiéis, porque erigidas por
fiéis leigos e aprovadas pela autoridade eclesiástica, por meio do bispo da diocese em que se
localizem.
13 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunidades_Novas 14 Ver Capítulo III dessa dissertação.
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g) Aspiram intensamente uma vida comunitária, expressam isso em comunidade de
vida ou comunidade de aliança.
h) Têm um carisma de fundação específico, com espiritualidade e missão próprias.
i) Identificam-se com a espiritualidade da RCC, de onde nasceram.
j) Empenham-se “no serviço a Deus, à Igreja e à Humanidade”.
As pessoas que não fazem parte dessas Comunidades Novas as vêem de maneiras
diversas. Para alguns fiéis católicos, são vistos como pessoas de uma fé intimista, como uma
forma de percepção subjetiva e egoísta da fé, porque seus membros praticam a espiritualidade
da RCC, com as chamadas “esquisitices” por quem não fazem parte do Movimento (oração
em línguas, repouso no espírito, louvor entusiástico, exorcismos, curas milagrosas) e fazem
questão de manter essa prática espiritual. (SOUSA, 2005) Tais práticas, entretanto, são
diferentes da tradição da Igreja Católica de uma forma geral.
Os novos movimentos eclesiais e comunidades ainda não receberam uma formulação
canônica completa, tratando-se de um conjunto de experiências eclesiais novas. A legislação
eclesiástica com relação aos leigos não pode ser aplicada simplesmente aos novos
movimentos, porque neles se encontram também religiosos(as) e sacerdotes. A semelhança
maior dos novos movimentos é com a vida religiosa, pois vários componentes desta última
estão presentes, como o espírito de pobreza, de castidade, de obediência, de vida de oração e
de convivência fraterna.
2.5.3 Estrutura das CVA
Na estrutura das Comunidades Novas, em geral, existem Conselhos, Departamentos,
Secretarias, Coordenadorias, de acordo com a realidade de cada Comunidade. Há uma
preocupação de organização que vem desde o grupo de oração carismático, mantido na
estrutura comunitária, inclusive com o Seminário de Vida no Espírito Santo, que acontece
dentro do grupo de oração. Quando se forma a comunidade de vida ou de aliança, apesar da
informalidade do início, já são escritas regras básicas de convivência, de vivências de orações,
de forma de governo e de modos de arrecadar renda15.
15 Este tema será retomado na análise dos dados coletados através da aplicação dos questionários.
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Para iniciar a participação em grupos de oração, as pessoas são convidadas por quem
já faz parte do grupo, também podem ser atraídas pelas formas de divulgação utilizadas, como
avisos nas Missas, panfletos, rádio, cartazes.
O Seminário de Vida no Espírito Santo, o qual culmina com o batismo no Espírito,
também é uma das formas de atração utilizada por grande parte das Comunidades. O
Seminário tem as mesmas características dos grupos de oração, com cantos, orações e
pregações baseadas na Bíblia. A diferença é que nos Seminários há uma seqüência de temas a
serem tratados a cada semana ou em um final de semana
Com o tempo, quando a Comunidade resolve oficializar-se, em geral como Associação
Privada de Fiéis, é necessária a redação do Estatuto da Associação, que contém várias
exigências, como a indicação do seu regime e forma de governo dessa Associação, quem o
compõe, os membros da diretoria, as assembléias, as visitas da autoridade eclesiástica
competente à comunidade, as formas de ingresso e de saída dos membros, entre outras
exigências presentes no Código de Direito Canônico (C. 298 a 311).
A divisão em Comunidade de Vida e Comunidade de Aliança se dá pela forma como o
membro vivencia a sua pertença à comunidade, não havendo uma separação hierárquica ou
espiritual entre elas, compartilhando da mesma identidade comunitária. Ou seja, o membro da
Comunidade de Vida (homem/mulher, casado/solteiro, padre/freira) deixa sua residência e vai
morar em uma casa da Comunidade, comprometendo-se em tempo integral, ou sendo-lhe
permitido estudar e/ou trabalhar, deixando a renda do trabalho na própria Comunidade de
Vida.
O membro da Comunidade de Aliança continua em sua residência e em suas
ocupações na sociedade, como família, trabalho, estudos, mas assume as regras de vida da
Comunidade, no carisma, nos serviços de evangelização, na espiritualidade, na missão, na
fraternidade, na comunhão de bens, destinando parte de sua renda, em geral 10% para o
sustento da Comunidade.
Tem uma proposta de inserção na sociedade, fazendo todas as suas atividades
seculares a partir do espírito e vivências da Comunidade, com o objetivo de levar para as
diversas realidades seculares em que está inserido, os valores cristãos vivenciados e
assumidos pela comunidade da qual faz parte. Divide o seu tempo, além do trabalho, da
família, dos amigos, com os trabalhos desenvolvidos pela comunidade e com os exercícios
espirituais presentes nas regras de vida da comunidade (oração do terço, participação na
missa, estudo bíblico, oração pessoal e comunitária).
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Comunidade de Vida e Aliança
Coordenação Geral Conselho Geral
Formador-Geral
Formadores Comunitários
A estrutura das Comunidades Novas de Vida e Aliança vai se modificando de acordo
com a etapa no processo comunitário, mas não há um padrão definido. A figura 1, extraída da
observação e das leituras feitas, mostra um dos modelos presentes na estrutura organizacional
das CNVA.
Figura 1 – Modelo de estrutura das CNVA
A figura acima demonstra a importância dada à formação nas CNVA, pois há um
Formador Geral que orienta e supervisiona o planejamento de formação de toda
Comunidade. A ele estão diretamente ligados os Formadores Comunitários, que coordenam
os grupos de formação dos membros até chegar à consagração (Vocacional, Postulantado,
Noviciado) e depois os grupos dos consagrados da Comunidade de Aliança (CA) e da
Comunidade de Vida (CV), e os Formadores Pessoais, que exercem uma função mais
direcionada a cada membro, personalizada, orientando-os com relação à fé, à doutrina e a
aspectos humanos, como o autoconhecimento.
Formadores Pessoais
Coordenadores de Ministérios
Outros Conselhos
Formador do Vocacional – vocacionados
Formador do Postulantado – Postulantes
Formador do Noviciado - Noviços
Form. dos consagrados da Com. Vida
Form. dos consagrados da Com. Aliança
MEMBROS
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2.5.4 Os membros das CNVA
Em geral, são considerados membros das Comunidades Novas aqueles que passam por
algumas etapas de formação, até chegar a uma consagração temporária. As fases de formação
são semelhantes às da vida religiosa como, por exemplo, vocacional, postulantado e
noviciado.
O principal objetivo dos membros de uma Nova Comunidade de Vida e/ou Aliança é a
atualização da experiência de vida comunitária dos primeiros cristãos, inclusive com o fim de
“Evangelizar com novos métodos, respondendo aos anseios do homem contemporâneo”
(discurso dos líderes das CNVA).
Nesse discurso, encontra-se presente a necessidade de adaptar-se ao panorama atual da
religião no mundo, entrecortado pelo poder da demanda e pela lógica do mercado religioso,
estudado por sociólogos da atualidade, que consideram que a religião, na atualidade, foi
transformada em um “item de consumo, oferecido aos indivíduos no mercado de maneira
semelhante à dos bens simbólicos, tais como estilos de vida e de identidade cultural”
(GUERRA, 2000), na linha já iniciada por Peter Berger (1985). Esse panorama atual,
especialmente no Brasil, seria causado por uma diminuição da força da tradição católica na
escolha da religião, que provoca abertura para variadas propostas de religiosidade.
Os membros das Comunidades Novas acreditam que estão fazendo uma experiência
religiosa que terá conseqüências em todos os aspectos da vida. Nesse sentido, fazem uma
“consagração” de sua vida a Deus, aproximando-se de uma “consagração religiosa”, tratada
pela doutrina católica como “estado religioso”, quando os indivíduos professam votos, ou
outros vínculos sagrados, obrigando-se à prática dos conselhos evangélicos de castidade
consagrada a Deus, de pobreza e de obediência, que se fundamentam nas palavras e nos
exemplos de Cristo (LG 43). Essa consagração os faz “separados” do mundo, ficando
“destinados” para Deus e buscando em tudo imitar os sentimentos de Cristo.
As Comunidades Novas costumam usar as seguintes expressões para falar da
diversidade de estilos de vida existentes em seu seio: “homens, mulheres, casados, solteiros,
celibatários, diáconos e sacerdotes”. Essa forma de vida cristã comunitária ainda não encontra
definição no Código de Direito Canônico, que legisla sobre toda vida e ação da Igreja. Por
isso, as Comunidades Novas se enquadram como Associações de Fiéis, estando diretamente
ligada ao Pontifício Conselho para os Leigos, no âmbito do Vaticano.
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A dificuldade de enquadrar as CNVA no Código de Direito Canônico é devido aos
diversos estados de vida (casais, celibatários e clérigos) vividos concomitantemente dentro da
mesma estrutura. Portanto, as Comunidades Novas não possuem o caráter de ordens
religiosas, e seus membros não são considerados religiosos, mas leigos, apesar de alguns
assumirem o celibato16 (homens e mulheres). Vale lembrar que o celibato não se confunde
com a castidade, esta diz respeito a uma virtude cristã, que deve ser buscada pelo fiel cristão,
independente do seu estado de vida, seja solteiro/celibatário ou casado. Fora os leigos
(solteiros, celibatários e casados), existem apenas os cléricos/sacerdotes. Como explica
Emmir Nogueira (1999, p. 27):
(...) nós, Comunidades Novas ou Novas Fundações, não podemos nos denominar ‘Vida Consagrada’, ainda que assim nos identifiquemos entre nós, em nossas conversas e nossos discursos. O termo Vida Consagrada – VC, como já citamos acima, identifica os Institutos de Vida Religiosa e as Sociedades de Vida Apostólica. Trocando em miúdos queremos dizer que o termo VC, não se aplica a nós, basicamente por causa da diversidade de características que estão reunidas em nossas realidades comunitárias. (...) não somos Vida Consagrada porque o celibato consagrado não é vivido igualmente por todos, mas apenas alguns, e por outros é vivido ‘um dever de castidade próprio da vida conjugal’ (grifos nossos).
Percebe-se que as Comunidades Novas trazem traços tanto da vida consagrada como da
vida laical. Algumas Comunidades, diferindo da grande maioria, almejam assumir, no Direito
Canônico, a definição de Instituto de Vida Religiosa, postulando-a junto ao Vaticano. Nesse
caso, sairiam da categoria de leigos e iriam para a categoria de ordem religiosa17.
Os leigos (apesar de o termo leigo ter adquirido o sentido de alguém alheio a
determinado assunto) são aqueles que não são religiosos, de acordo com o Direito Canônico
da Igreja Católica. Nas Comunidades Novas, eles fazem uma consagração religiosa, mas
continuam sendo considerados leigos pelo Direito Canônico, pois a Associação da qual fazem
16 “O celibato é o estado de uma pessoa solteira, sexualmente abstinente, que fez voto de castidade”. (Wikipédia) O voto do celibato é uma condição para o sacerdote católico e para os religiosos católicos (freiras, freis, irmãos, irmãs). 17 É caso da Toca de Assis, na qual não há a presença de casais como consagrados, devendo homens e mulheres que lá se consagram, assumirem o celibato, além de absorvem várias práticas das ordens religiosas já existentes como o uso de vestimentas e sinais de consagração religiosa (manto marrom, siglo na cintura, cabelos cortados), não há sacerdotes em seu meio, a não ser o fundador, Pe. Roberto José Lettieri. A Toca de Assis se auto-declara uma “Fraternidade Católica que se inspirou nos ensinamentos de São Francisco, no seu zelo eucarístico e amor aos pobres” e se chamam os “Filhos e Filhas da Pobreza do Santíssimo Sacramento”. Ver site da Toca de Assis www.tocadeassis.org.br
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parte, a Comunidade Nova, não é considerada uma ordem religiosa. A Constituição
Dogmática Lúmen Gentium sobre a Igreja define que
por leigos entende-se aqui o conjunto de fiéis, com exceção daqueles que receberam uma ordem sacra ou abraçaram o estado religioso aprovado pela Igreja, isto é, os fiéis que, por haverem sido incorporados em Cristo pelo batismo e constituídos em povo de Deus, e por participarem a seu modo do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, realizam na Igreja e no mundo, na parte que lhes compete, a missão de todo povo cristão. Aos leigos compete, por vocação própria, buscar o reino de Deus, ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus. (LG 31).
Como leigos, os membros das Comunidades Novas entendem poderem levar valores da
Igreja naqueles lugares onde só por meio deles a Igreja pode ir. Tais membros das
Comunidades Novas são instruídos a “levar a sério” o seu batismo como cristãos e a
consagrar todos os atos de sua vida, realizando-os de uma forma espiritual, no Espírito de
Cristo. Assim, convertem o seu trabalho cotidiano, a vida familiar e conjugal, as obras,
orações e trabalhos na igreja, em “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo”
(LG 34).
Podem eles assumir os estados de vida de casado ou celibatário. Se for solteiro(a) será
considerado sempre em processo de definição do estado de vida. Estado de vida é uma
expressão muito utilizada entre os membros das Comunidades Novas, diz respeito à própria
identidade da pessoa, encontrando-se enraizado na área da afetividade. Segundo Emmir
Nogueira (2006, p. 425), é “aquele chamado insubstituível de Deus para que o sirvamos como
casados ou celibatários ou no ministério sacerdotal”. Existem, portanto, três estados de vida: o
celibato, o sacerdócio e o matrimônio. Antes do Concílio Vaticano II e até algum tempo após
ele, discernir o estado de vida era restrito apenas àqueles que queriam entrar na vida religiosa
ou no sacerdócio, sendo o matrimônio considerado uma “não eleição de Deus” (NOGUEIRA:
2006).
Os solteiros, moças e rapazes, acolhidos nas Comunidades Novas, se residem em
Comunidade de Vida, em geral moram em casas separadas, mas próximas, para fazerem
refeições, orações e trabalhos em comum. Algumas Comunidades Novas, como a Arca da
Aliança (Joinville/SC)18, ao acolherem um novo membro que ainda não tem o seu estado de
vida definido, ou seja, é solteiro, exige que ele faça um “celibato temporário” para, com o
tempo, com a ajuda dos formadores da Comunidade, decidir sobre um dos estados de vida.
18 Ver site http://www.arcadaalianca.com.br.
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Os celibatários, ou seja, aqueles que decidem optar por esse estado de vida permanente,
fazem o voto de celibato com rito próprio e solene, mas não são considerados religiosos,
porque vivem o celibato sob a orientação das regras de vida da Comunidade Nova, que é
considerada uma Associação de Fiéis Leigos. Homens e mulheres podem optar por este
estado de vida.
Os casais, aqueles que abraçaram o matrimônio, encontram-se em um estado de vida
muito valorizado nas Comunidades Novas. Os solteiros que desejem escolher essa opção de
vida são preparados e formados adequadamente para assumirem o matrimônio, havendo
vários depoimentos de casais que se conheceram e se casaram na Comunidade. Os filhos
gerados por casais consagrados nas Comunidades são educados e formados na fé, mas há
orientação para que os deixem livres para escolher uma futura opção de vida. As residências
dos casais que moram na Comunidade de Vida são núcleos separados das dos solteiros,
entretanto, há uma preocupação de que se façam refeições, orações e trabalhos junto com
estes.
Os sacerdotes, ou clérigos, cuja vocação se originou na Comunidade Nova, se ordenam
sacerdotes segundo o carisma dessa Comunidade. Como a maioria delas não possui
autorização da igreja oficial para formar e ordenar sacerdotes, eles são ordenados, em geral,
por bispos amigos da Comunidade, que os colocam em disponibilidade da Comunidade Nova
da qual fazem parte. O arcebispo de Palmas(TO), Dom Alberto Taveira, responsável oficial
da igreja pelas Comunidades Novas no Brasil, em geral, ordena vários sacerdotes, que são por
ele acompanhados durante a formação anterior, e os deixa viverem conforme o carisma e a
direção da Comunidade Nova19.
Para um membro chegar à consagração passa por várias etapas de formação (em geral
denominadas vocacional, postulantado/discipulado e noviciado), no final das quais, se
considerado decidido e preparado, profere compromissos com a Comunidade, em rito
litúrgico próprio, indicando sua decisão de que realmente pertence àquela família.
Após a consagração, o membro é considerado formado na Formação Inicial, passando
para a Formação Permanente, apto para sair à frente em novas missões que por ventura a
Comunidade vá iniciar em outros locais e adquire mais responsabilidades com relação ao
carisma da Comunidade. Em geral, apenas os membros consagrados votam em assembléia e
podem participar dos Conselhos e Diretorias da Comunidade.
19 Ver artigo no site: http://blog.cancaonova.com/vocacional/2007/11/23/a-cancao-nova-esta-em-festa-6-novos-padres/
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2.5.5 Vocação, espiritualidade, carisma, fundadores e missão das CNVA
As Comunidades Novas, como uma nova forma de vida consagrada na Igreja Católica,
possui uma vocação20 específica, com características próprias de espiritualidade, carisma e
missão. A seguir serão tratados esses aspectos vivenciados pelas Comunidades em estudo.
A vocação “é a forma concreta de viver um carisma, dirigida por seus Estatutos,
Tradição, Espiritualidade e Espírito do Fundador. Uma vocação é parte da identidade da
pessoa (...) e é eterna” (NOGUEIRA, 2007, p. 6). Ou seja, seria a própria identidade da
Comunidade Nova. “A identidade é composta também por símbolos de uso comum, como
cruz, figuras de Jesus Cristo, vestimentas e logomarca da comunidade” (CNBB, 2006, p. 22).
Por exemplo, a Comunidade Obra de Maria21 declara “Usamos uma medalha no peito onde
temos o Cristo Crucificado no calvário, ainda vivo, Maria e o discípulo João aos pés da cruz,
onde Jesus pede a ele para levar a Sua Mãe para casa.".
A espiritualidade da Comunidade Nova “é a forma de manifestar o mistério
cristológico da vocação na vida espiritual, fraterna e apostólica” (NOGUEIRA, 2007, p. 6).
Os membros das Comunidades, sejam de vida ou de aliança, devem dividir o tempo entre
trabalhos e orações. A espiritualidade é tida como o alicerce da vida em comum e da vida de
trabalhos, por isso, o tempo para estudo bíblico, orações pessoais, adorações, participação na
celebração eucarística, deve ser preservado.
Em geral, essa espiritualidade é marcada (a) pelo uso dos carismas do Espírito
Santo, que revela sua origem na RCC; (b) por devoção mariana, como oração do Rosário e
do Ofício de Nossa Senhora da Conceição; (c) por adoração ao Santíssimo Sacramento,
seja durante a celebração da missa ou fora dela, pois os membros de várias Comunidades
devem passar alguns minutos, diária ou semanalmente, em adoração ao Corpo de Cristo
consagrado e/ou participar da celebração da eucaristia (missa); (d) por devoção a alguns
santos considerados padroeiros ou baluartes da Comunidade, sendo os mais populares Santa
Terezinha do Menino Jesus, São José, São João Evangelista, São Padre Pio, entre outros.
O carisma próprio é o que une a diversidade de estados de vida dos membros das
Comunidades Novas. A palavra carisma pode ser considerada um neologismo criado por
Paulo, que provém da palavra charis, graça (dom de Deus derramado na humanidade em
Jesus Cristo), quando esta toca uma determinada pessoa, tornando-se charisma, dom
20 Vocação aqui é entendido como um chamado específico que está em cada pessoa, diz respeito a sua própria existência e deve ser decifrado. 21 Ver site da Fraternidade das Comunidades Novas do Brasil: http://www.novascomunidades.org.br.
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particular (NOGUEIRA, 1999). Após vários estudos os teólogos têm usado a palavra
carisma, com c minúsculo, como “dom, graça, manifestação do Espírito Santo de forma
infusa (Is 11) ou efusa (I Cor 12), ordinária (Ef 4) ou extraordinária (I Cor 12)” (Ibid, 1999, p.
6) e carisma, com c maiúsculo, como “graça manifestada através de um fundador (ou
fundadores) segundo a necessidade do tempo histórico e eclesial” (Ibid, 1999, p. 6). O
fenômeno da vida religiosa é lido nessa ótica a partir do Concílio Vaticano II.
O carisma próprio de uma Comunidade Nova provém de uma experiência de
fundação vivida pelo fundador(a) ou fundadores da comunidade, da qual obtém um
“chamado” para viver de forma específica um dos aspectos da realidade divina ou da vida
humana de Cristo. Os fundadores, em geral, percebem o “chamado de Deus” por meio de
experiências de oração que, aos poucos, vão sendo confrontadas com a vida, levando-os a
perceber o projeto de Deus sobre si e sobre outras pessoas, uma identidade a ser assumida,
uma imagem divina a ser vivida na própria história, uma semelhança com Deus a ser
manifestada.
Essa experiência de fundação, vivida pelos fundadores das Comunidades Novas, pode
ser considerada uma “hierofania” (algo de sagrado se nos revela), termo utilizado por Mircea
Eliade (1996, p. 16), para quem o sagrado “manifesta-se sempre como uma realidade
inteiramente diferente das realidades ‘naturais’ (...) como algo absolutamente diferente do
profano”.
O termo fundador é usado no Concílio Vaticano II para designar todos os que
instituíram comunidade de vida consagrada. “São fundadores aqueles que definiram a índole
própria, a própria função, o espírito e as intenções do instituto (PC2). Estes são vistos como
exemplo de santidade (...)” (NOGUEIRA, 1999, p. 5). Os elementos essenciais que permitem
encontrar a identidade de um fundador(a) são assim colocados por Emmir Nogueira (1999, p.
6): (a) a inspiração, recebe um chamado preciso do Espírito Santo para dar vida a uma nova
comunidade na Igreja, tomando-a de uma forma irresistível, até para direções opostas às que
ela gostaria; (b) a capacidade de comunicar a própria inspiração e de exercer um certo influxo
sobre as pessoas afim de atraí-las e envolvê-las em um projeto comum de vida; (c) o ter dado
vida, de alguma forma, a um instituto; (d) o ter dado ao grupo as normas de vida, mesmo que
estas tenham sido escritas só após a sua morte; (e) o acolhimento da nova obra por parte da
hierarquia competente da Igreja.
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A missão da Comunidade Nova está diretamente ligada à sua espiritualidade e ao seu
carisma e diz respeito às várias atividades realizadas pela Comunidade para levar ao mundo o
que o seu carisma e a sua espiritualidade nela suscita.
Muitas Comunidades consideram como missão as ações evangelizadoras através de
diversos meios: rádio, TV, eventos, shows, pregações, cursos, visitas às casas, saída pelas
ruas, engajamento nas atividades da paróquia e diocese. Organizam Projetos de
Evangelização, que são realizados dentro dos espaços da igreja paroquial ou fora dela, nas
ruas, casas, escolas, espaços para eventos, são, em geral, planejados conforme a abertura que
a Comunidade encontre. Algumas possuem “Centro de Escuta da Vida”, que é um projeto
mais específico e, presumidamente, deve ocorrer dentro da própria comunidade ou em um
espaço na igreja paroquial.
Na estrutura das Comunidades estão previstas, em geral, missões sociais das mais
variadas formas, como o acolhimento a pessoas doentes, abrigos de idosos, de crianças, de
alcoólatras ou dependentes químicos, pessoas portadoras de HIV, ação social com
comunidades carentes, visita aos hospitais e aos presídios, educação com menos favorecidos.
Há comunidades que também possuem missões no campo educacional, possuindo, inclusive,
escolas e universidades. O que se observa nessas missões, no que se refere às ações sociais, é
que a ação só acontece após algum tempo de vivência comunitária e trabalhos com a
Evangelização.
É razoável pensar que a estrutura hierárquica da Igreja Católica procurasse interrogar
aos fundadores das Comunidades Novas o que pretendiam fazer, viver, realizar. Há um
interessante depoimento do fundador da Comunidade Arca da Aliança, Elias Dimas dos
Santos, quando, no início da experiência de comunidade de vida, um dos membros foi
indagado sobre qual seria o carisma da Comunidade: “Explique-me primeiro o que é carisma.
O padre lhe disse: ‘Carisma é aquela dimensão de Cristo que queremos professar’. O rapaz
concluiu: ‘Pode ser que mude, mas nós viemos aqui para viver todas as dimensões de Cristo”
(SANTOS, 2003, p. 18). Nesse depoimento, vemos a espontaneidade e a despreocupação das
pessoas que fundam Comunidades Novas com os termos teológicos utilizados pela Igreja
Católica.
Para a Igreja Católica, a grande novidade existente nas Comunidades Novas de Vida e
Aliança é a presença de casais consagrados vivendo em comum com solteiros(as),
celibatários(as), padres, tendo em vista que, até o momento, o direito canônico só prevê uma
consagração religiosa, com vida em comum, para pessoas que também sejam celibatárias.
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2.5.6 A economia nas CNVA
Os membros da Comunidade de Vida deixam tudo e passam a morar em uma casa da
comunidade, em “missão”, esses membros se organizando-se para arrecadar donativos ou
receber, pela “providência divina”, os bens necessários para viver, como alimentos, roupas e
sapatos.
Muitas CNVA arrecadam donativos de benfeitores ou recebem doações espontâneas e
as dividem entre os membros, a partir de subgrupos, deixando um responsável pelas
necessidades das pessoas que dele fazem parte. Outras dividem os donativos por meio de
mesadas para os membros casados. E há ainda aquelas que permitem que os casais com filhos
trabalhem fora da comunidade e repartam sua renda entre a comunidade e as necessidades dos
filhos.
A produção e venda de livros, revistas, CD's, DVD's, objetos artesanais, artigos
religiosos em geral, também são fontes de renda; bem como são fontes de renda o aluguel de
casas para retiros de grupos, a venda de roupas usadas em brechó, a venda de alimentos e
bebidas (doces, salgados nas lanchonetes e restaurantes).
A Comunidade Canção Nova, por exemplo, que recebeu o seu reconhecimento
pontifício em 2008, possui 672 missionários da comunidade de vida (celibatários, solteiros,
casados e sacerdotes), ou seja, pessoas que deixam tudo e moram em uma casa de missão da
Canção Nova. Eles trabalham oito horas por dia, apesar de não receberem salário no final do
mês. Para suprir as necessidades básicas dos que moram em casa de solteiros, a comunidade
oferece uma quantia quinzenal, entregue a uma pessoa da casa, chamada “caixinha”.
(REBOUÇAS, 2008).
Há comunidades que dão a permissão aos seus membros de Vida (que moram nas
casas da comunidade) para trabalharem e/ou estudarem fora. Nesse caso, a renda será
revertida para toda a comunidade ou será dividida também com os filhos, caso os tenha. Em
sua grande maioria, o trabalho ocorre dentro da própria “obra”, como é chamada a
comunidade, seja com evangelização, através de rádios, TVs, livros, eventos (retiros, shows),
visita as casas das famílias, fazendo parte da missão da Comunidade.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
68
3 CNVA NO NORDESTE BRASILEIRO
O alvo desta pesquisa são as Comunidades Novas de Vida e Aliança localizadas no
Nordeste brasileiro, integrantes da Regional Nordeste 2, divisão administrativa adotada pela
CNBB22, que envolve os Estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte.23
A escolha desse universo foi possibilitada pela realização de encontros anuais nesta
região que congregam todas ou a maioria das Comunidades a ele pertencentes e pela
facilidade de acesso aos líderes de várias comunidades, permitindo realizar não um estudo de
caso envolvendo uma comunidade apenas, mas permitindo mapear a situação do processo
comunitário vivido por um conjunto amplo de comunidades 24.
Na pesquisa, objetivou-se investigar o processo comunitário vivenciado por essas
comunidades, no contexto religioso católico atual, especificamente no Nordeste brasileiro,
desde o seu surgimento, verificando as dinâmicas decorrentes, com ênfase nos aspectos de
vivência religiosa dos seus membros.
As Comunidades Novas de Vida e Aliança são formadas, em geral, por grupos de
oração da Renovação Carismática Católica que, após um tempo de existência, decidem
assumir mais compromissos com os membros do próprio grupo e com a Igreja Católica, seja
na Evangelização ou em outros serviços da Igreja.
No discurso dos fundadores e dos membros dessas comunidades, as grandes
motivações para fundá-las ou a elas aderirem são, em geral, experiências pessoais e fortes
22 A CNBB dividiu os Estados do Brasil em 17 Secretariados Regionais: Regional Norte 1 (Norte do Amazonas e Roraima), Regional Norte 2 (Amapá e Pará), Regional Nordeste 1 (Ceará), Regional Nordeste 2 (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e R. G. do Norte), Regional Nordeste 3 (Bahia e Sergipe), Regional Nordeste 4 (Piauí), Regional Nordeste 5 (Maranhão), Regional Leste 1 (São Paulo), Regional Leste 2 (Espírito Santo e Minas Gerais), Regional Sul 1 (São Paulo), Regional Sul 2 (Paraná), Regional Sul 3 (Rio Grande do Sul), Regional Sul 4 (Santa Catarina), Regional Centro-Oeste (Distrito Federal, Goiás, Tocantins e parte do Mato Grosso), Regional Oeste 1 (Mato Grosso do Sul), Regional Oeste 2 (Mato Grosso) e Regional Noroeste (Rondônia, Acre e Sul do Amazonas). Fonte: site da CNBB: www.cnbb.org.br. 23 O Regional Nordeste 2 foi criado em 1964, na VI Assembléia Geral Ordinária da CNBB, realizada em Roma, em setembro / outubro, durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, foram votados os desdobramentos de alguns Secretariados Regionais. Na sessão plenária do dia 30 de setembro de 1964, foi aprovado o desdobramento do Secretariado Regional Nordeste em três Regionais: Nordeste 1 (Maranhão, Piauí e Ceará); Nordeste 2 (Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas); e Nordeste 3 (Bahia e Sergipe). O Regional Nordeste 2 apresentou, como Secretário Regional, Dom Helder Pessoa Câmara, e a capital Recife como sede do Regional. A fundação oficial do Regional Nordeste 2, bem como dos demais Regionais da CNBB, ocorreu no dia 8 de junho de 1971, em reunião da Presidência da CNBB, no Rio de Janeiro. A ata da reunião foi aprovada, assinada e lavrada em cartório, para fins de comprovação jurídico-civil. (http://www.cnbbne2.org.br/)
24 A pesquisadora reside no Estado da Paraíba e participa como membro de uma comunidade em João Pessoa/PB, de modo que pode estar também presente nos encontros realizados nos dois últimos anos
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
69
com Deus que lhes fala: após as quais vão acontecendo outras, aumentando o desejo de
fazerem uma aliança com esse Deus, a Ele consagrando sua vida e seu tempo, para ajudarem
na evangelização e nos serviços da Igreja.
Com a fundação, surge uma preocupação em manter a Comunidade em atividade e,
conseqüentemente, estruturá-la em vários aspectos, como formação dos membros, atividades
de evangelização, meios de arrecadação de contribuições financeiras, rotina. Além disso, há
um cuidado constante com o carisma próprio vivido pela comunidade, sua descoberta,
descrição e escritos para, posteriormente, formularem um Estatuto da Comunidade, no qual
constarão todos esses aspectos: financeiro, espiritual, formativo, entre outros.
No decorrer do processo, são enfrentados problemas, como saída e entrada de
membros, crises espirituais, financeiras, humanas. Uma das formas encontradas pelos
membros para resolver ou evitar esses e outros problemas, foi a formação, procurando
conhecer a experiência de Comunidades mais antigas, lendo livros de direção espiritual, de
formação humana, de doutrina da Igreja Católica, até surgirem as Escolas de Formadores,
difundidas em várias partes do Brasil e em outros países, como a Itália.
Deter-nos-emos na descrição do espaço desta pesquisa, ou seja, uma escola de
formação, buscando percebê-la como um espaço comunitário que reúne periodicamente os
líderes regionais que desempenha um papel no processo de estruturação e permanência das
Comunidades Novas de Vida e Aliança.
3.1 Metodologia – a pesquisa empírica
A pesquisa empírica foi realizada durante eventos que congregaram Comunidades
Novas de Vida e Aliança localizadas na região Regional Nordeste 2, ocorridos na Paraíba, nos
últimos dois anos. Foi feito uso dos seguintes métodos para coleta de dados: aplicação de
questionários e pesquisa documental em publicações produzidas por algumas dessas
Comunidades, como as alusivas aos eventos e outras tais como página na internet, apostilas,
estatutos; e a descrição etnográfica. Considerando que a aplicação do questionário foi feita
durante a realização da escola de formação, um espaço de interação e sociabilidade entre os
líderes das comunidades, foi aproveitada a oportunidade de utilizar o método etnográfico para
detectar outros aspectos da vida comunitária em ação. Objetivou-se com o uso dos dois
instrumentos de pesquisa a complementaridade entre os dados visando obter maior
confiabilidade.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
70
3.1.1. Questionário
O objetivo do questionário25 foi coletar dados sobre o perfil social e o discurso
religioso dos membros, líderes e fundadores das CNVA do Regional NE2, com o objetivo de
investigar como ocorre o processo de fundação e crescimento dessas Comunidades. As
questões foram de dois tipos: fechadas, abertas e relacionadas. Quanto ao conteúdo,
abordaram fatos, atitudes, crenças e comportamentos.
O questionário elaborado foi dividido em duas partes: a primeira, com questões
referentes ao perfil pessoal do membro da comunidade e a segunda, voltada para o processo
comunitário. Ele foi aplicado no 2° módulo da Escola de Formadores de líderes de
Comunidades dos 04 Estados citados, que aconteceu em novembro de 2007, em Campina
Grande/Pb, no qual a pesquisadora estava presente, realizando também o trabalho por meio da
observação participante. Os questionários foram entregues a todos os participantes (cerca de
100), para serem respondidos a mão no decorrer do encontro, mas apenas 33% deles foram
devolvidos à pesquisadora preenchidos. A identificação pessoal foi opcional.
3.1.2 Descrição etnográfica e observação participante
Foi utilizada também a descrição etnográfica, especificamente fazendo uso dos
métodos de observação participante, e de análise interpretativa. Através da observação de
comportamentos e práticas dos integrantes das comunidades, buscou-se encontrar os
significados de suas ações, na tentativa de desenvolver uma pesquisa essencialmente
qualitativa. A participação foi feita nos encontros das CNVA pertencentes ao Regional NE2,
cuja programação incluía palestras, partilhas em grupo, ritos litúrgicos, como a celebração
eucarística, orações em grupo, orações pessoais.
Por meio da observação participante procurou-se chegar ao conhecimento dessas
comunidades a partir do discurso dos seus líderes. Como a pesquisadora também faz parte de
uma dessas comunidades, assumindo a função de formadora, a sua participação nessa escola
foi natural, não causando estranhamento entre os demais participantes. No decorrer dos
eventos, os participantes foram informados pela pesquisadora que ela estava colhendo dados
para uma pesquisa científica. A reação da maioria foi de naturalidade, entusiasmo e até
25 Ver modelo do questionário no apêndice A.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
71
encorajamento, alguns ficando inclusive interessados no resultado da pesquisa. Poucos foram
os que se fizeram indiferentes ou demonstraram estranhamento.
A metodologia etnográfica leva o pesquisador a dialogar profundamente com o grupo
humano estudado, por meio de uma observação rigorosa, impregnando-se lenta e
continuamente da vivência desse grupo. Para tanto, precisamos sair das convenções da época,
cultura e meio social em que vivemos, que, segundo Laplantine (2004: p, 14), nos diz o que
“é preciso olhar e como é preciso olhar”. É preciso aprender a redirecionar o olhar, para nos
“espantar com aquilo que nos é mais familiar (aquilo que vivemos cotidianamente na
sociedade em que nascemos) e tornar mais familiar aquilo que nos parecia inicialmente
estranho e estrangeiro” (ibid, p. 15).
Essa seria a experiência de campo na etnografia, no intuito de “perceber de dentro”,
inclusive no seu íntimo, os temas obsessivos de uma sociedade, seus ideais, suas angústias
(ibid). É preciso sair da nossa comodidade e misturar-se com a realidade do outro,
estabelecendo trocas, muitas vezes, “abaixando-se” para alcançar o outro. É bom lembrar
também que a descrição nunca é neutra, pois não se pode eliminar aquele que escreve e vai
progressivamente construindo um objeto.
Após a experiência do ver e compreender, é necessário dar a ver aos outros, atribuindo
forma escrita ao que se viu, que deve ocorrer de maneira descritiva, para procurar dar conta,
nomeando a totalidade do que vemos. Laplantine (2004) menciona as especificidades da
descrição etnográfica: busca compreender o mundo fora do escritor; trata de fenômenos
sociais; observa um contexto e uma história; é direta em sua forma de expressão; exige
globalidade, no sentido de, a partir dos fatos concretos, estabelecer relações. O citado autor
define assim essa metodologia (2004, p. 87):
A descrição etnográfica, como acontece com as outras três formas de descrição, consiste na aceitação incondicional da realidade tal como ela aparece. Ela procede de uma atitude, que eu chamaria a ingenuidade, a suspensão do saber e do julgamento que é a atitude inicial da filosofia de Sócrates a Husserl: façamos com se não soubéssemos nada.
No caso deste trabalho, procurou-se fazer uma descrição etnográfica da “Escola de
Formadores” de líderes de Comunidades Novas localizadas no Regional Nordeste2, entendida
como uma experiência comunitária, por meio da observação participante, que aconteceu no
período de 2007 a 2008, no 2° e no 4° módulos desse curso/evento, em sua primeira versão,
organizado pela Comunidade Remidos no Senhor.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
72
Essa “Escola de Formadores” é dividida em 08 módulos, de 05 dias completos para
cada um, sendo oferecido um módulo por semestre. Esses eventos reúnem grande parte das
lideranças das Novas Comunidades de Vida e Aliança dos Estados do Regional 2, tendo em
média 100 participantes. A divulgação ocorre por meio eletrônico: colocando-se notas nos
diversos sites das Comunidades Novas e enviando e-mails. As inscrições ocorrem por meio de
convites também enviados eletronicamente às Comunidades, e são feitas mediante o
pagamento de taxa. Não se sabe se há patrocinadores, porque não são divulgados durante o
evento.
A observação participante foi realizada pela pesquisadora ao longo da programação
dos eventos, inclusive nas atividades rituais e pedagógicas, por exemplo, fazendo os
exercícios sugeridos, nas orações comunitárias, pela participação durante as palestras,
partilhando o microfone, indo à frente quando solicitada.
Foi feito registro da observação em fotografias e descrição em caderno de campo, no
qual, além de descrever o que era visto, também foram transcritas conversas com os
participantes, além da anotação de fatos que chamavam a atenção e pontos considerados
“chaves”, para maior investigação posterior. Foram ainda adquiridos a gravação em CD das
palestras realizadas, bem como o material pedagógico utilizado (apostilas e livros).
Nos depoimentos colhidos em conversas informais com os participantes foi possível
perceber a repetição de temáticas, de pensamento e direcionamentos ou orientações comuns,
como, por exemplo, que a formação estava muito intensa e oportuna e que teriam muitas
mudanças a fazer ao retornarem às comunidades de origem.
No quarto módulo, ocorrido em setembro de 2008, foi realizada apenas a observação
participante, buscando perceber se as características dos grupos relatadas pelos líderes
continuavam as mesmas, o que tinha se intensificado, o que estava diferente, além de observar
detalhes ainda não percebidos.
Os módulos da Escola de Formadores não foram estudados por si só, ou seja, a sua
descrição é feita com o intuito de perceber também as práticas religiosas dos membros
(líderes e fundadores) igualmente adotadas no espaço comunitário das mesmas. Além disso,
trata-se de mapear o modo como as Comunidades Novas de Vida e Aliança estão se
organizando nos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas e Pernambuco. Ao
analisar um grupo formado por líderes, entre os quais alguns fundadores de Comunidades,
teve-se uma visão dos principais objetivos do grupo, da maneira como as atividades e práticas
são direcionadas.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
73
O processo comunitário de surgimento e transformações da Comunidade Nova
também pode ser verificado nos relatos trazidos pelos fundadores e líderes, muitos deles
presentes na Comunidade desde sua fundação, tendo observado também as dinâmicas
decorrentes.
Sendo assim, a amostra analisada, de líderes e fundadores, proporcionou-nos uma
visão das estratégias propostas e dos encaminhamentos dados aos demais membros das
Comunidades Novas de Vida e Aliança, rumo que tomou a presente dissertação, a partir da
opção dada pelo trabalho de campo realizado nas Escolas de Formadores.
Por outro lado, observando a estrutura e o funcionamento dessas Escolas de
Formadores, e percebendo a sua importância para os líderes de Comunidades Novas lá
presentes, decidiu-se descrevê-las, objetivando uma análise das atuais preocupações e práticas
das CNVA do Regional NE2.
3.2 A escola de formadores de líderes de Comunidades Novas de Vida e Aliança do
Nordeste em Campina Grande/PB
A seguir serão descritos o segundo e o quarto módulos da Escola de Formadores de
líderes de Comunidades Novas de Vida e Aliança do Regional NE2, organizada pela
Comunidade Remidos no Senhor/PB.
A pesquisadora esteve presente também no primeiro módulo deste mesmo curso,
ocorrido durante os dias 1 a 5 de agosto de 2007, entretanto, não estava na qualidade de
pesquisadora, mas apenas de participante. O III módulo ocorreu durante os dias 17 a 21 de
abril de 2008, com divulgação através de e-mail26, como nos demais módulos, mas não foi
possível a participação27.
Essa iniciativa de promover atividades de formação tem sido tomada por várias
Comunidades Novas no Nordeste e em outras regiões do Brasil. Inclusive, em João
Pessoa/PB, segundo informações informais, já se iniciou uma Escola de Formadores em 2008.
Através de pesquisa na internet, foram encontradas algumas divulgações sobre Escola
de Formação ou de Formadores, inclusive algumas das quais possibilitam a participação de
reitores e formadores de seminários, institutos religiosos e novas comunidades, como é o caso
26 Ver anexo E (e-mail de divulgação do terceiro módulo da Escola de Formadores, 17 a 21 de abril de 2008) 27 A pesquisadora estava com um bebê de apenas um mês e meio.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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do Curso para Formadores oferecido pela “Comunidade Mar a Dentro”, presente em vários
estados do Brasil, entre eles São Paulo, e São José do Rio Preto.28
Outro exemplo é a Escola de Formadores organizada pelas Comunidades Oásis e pela
Comunidade Canção Nova, que aconteceu na sede da Comunidade Oásis, em Caxias do
Sul/RS, durante dois anos e meio, e teve sua última etapa em agosto de 2007. Parece que essa
Escola foi uma das pioneiras no Brasil, pois dela participaram 20 Comunidades Novas de toda
a Federação29, sendo uma das mais antigas, contando com organização e experiência,
inclusive sendo a organizadora do VIII Congresso Nacional das Comunidades Novas de Vida
e Aliança, que acontecerá em Bento Gonçalves/RS, de 30 de abril a 03 de maio de 2009.30
3.2.1 Descrição do segundo módulo
O II Módulo ocorreu no período de 13 a 17 de novembro de 2007, no Centro de
Formação Redentorista Santo Afonso, em Campina Grande/PB.
Logo no início do evento, houve a apresentação de todas as Comunidades presentes,
que ao todo eram 22, conforme quadro n° 2, abaixo:
ESTADO
COMUNIDADE
LOCALIZAÇÃO
Casa de Judá João Pessoa
Consolação Misericordiosa João Pessoa
Doce Mãe de Deus João Pessoa Fanuel João Pessoa
Filhos da Misericórdia João Pessoa Magnificant Campina Grande Nova Berith João Pessoa Obra Nova Campina Grande
Remidos no Senhor Pombal e Campina Grande
Salve Maria João Pessoa
PARAÍBA
Siloé Cajazeiras
Centelha Divina Caruaru Christus Arco Verde
PERNAMBUCO Filhos de Maria Nazaré
28 Ver anexos G (informações sobre a Comunidade Mar a Dentro e o Curso para Formadores por ela organizado, retirados de sites na internet) 29 Ver anexo H (Informativo da “Frater - Fraternidade das Novas Comunidades do Brasil, Ano IX, n° 22 – Agosto de 2007) 30 Ver site da Comunidade Oásis: www.comudidadeoasis.org.br
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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Manim Caruaru Sal e Luz Caruaru
Discípulos da Mãe de Deus Natal
Divina Misericórdia Natal Maria Auxiliadora dos Cristãos Natal
Terço da Sagrada Família Mossoró
RIO GRANDE DO
NORTE Vida Nova Natal
ALAGOAS Trindade Santa Maceió
Quadro 2 - Distribuição das Comunidades do Regional Norteste2 participantes do II módulo da Escola de Formadores em Campina Grande/PB
Os participantes, que eram em média 100 pessoas, foram recrutados por meio de
divulgação via e-mail, sendo cobrada uma taxa de R$ 120,00 por cada inscrição, para cobrir
as despesas com alimentação e hospedagem. Os e-mails dos participantes foram conseguidos
nos encontros anuais que a Igreja Católica realiza com as comunidades localizadas no
Regional Nordeste 2 da CNBB.31
O local é dividido: uma parte é destinada ao convento onde moram os padres
redentoristas, a outra parte é reservada para encontros e retiros de grupos da Igreja Católica.
Por isso, possui um grande galpão onde se realizam palestras, momentos de oração
comunitária, refeitório próprio com várias mesas e cadeiras, uma grande cozinha, vários
quartos e banheiros. Também uma capela onde fica o sacrário com o Santíssimo Sacramento
durante todo o tempo e onde ocorrem as celebrações da Missa.
A maior parte dos participantes eram adultos jovens, ou seja, com idade variando entre
24 a 35 anos; com a presença equilibrada entre os dois gêneros, sendo metade formada por
mulheres, e a outra por homens. As mulheres dormiram em uma ala separada dos homens.
Pela observação, acredita-se que havia cerca de 4 casais, sendo o restante solteiros ou casados
que não vieram acompanhados dos seus cônjuges.
Com certeza, havia vários celibatários e celibatárias32 presentes, pois, nas conversas
informais, foi possível perceber a participação de pelo menos 03 homens e 03 mulheres de
comunidades diferentes. As freiras, que usavam hábitos, eram apenas 02, membros da
Comunidade Doce Mãe de Deus. Havia ainda 01 padre desta mesma Comunidade de João
31 Ver anexo C (e-mail enviado com as informações sobre o módulo II da Escola de Formadores) 32 Pessoa que fez voto de castidade no celibato
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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Pessoa, que presidiu boa parte das celebrações eucarísticas e também estava presente nos
demais momentos. (Ver a programação em anexo)
A programação seguiu mais ou menos o esquema previsto, diferindo na inclusão diária
de Adoração ao Santíssimo Sacramento (atividade ritual), das 18:30h às 19:00h, que não
estava prevista. Também não estavam explícitas na programação as orações comunitárias à
tarde, antes do início do ensino, com duração de 15 a 30min. Em geral, o tempo de oração era
maior do que o previsto.
As atividades dividiram-se em: pedagógicas ou de formação (ensinos e exibição de
vídeos), de convivência (refeições, lanches, recreação) e rituais (Missa, adoração ao
Santíssimo Sacramento exposto e orações comunitárias), conforme quadro n° 3.
Atividades de Formação ou
Pedagógicas
• Ensinos em vários horários durante o dia, quase
toda manhã e tarde, totalizando em 6 horas
diárias.
• Exibição de filmes, musicais e documentários
durante as noites, totalizando 6 horas no decorrer
dos 04 dias.
Atividades de Convivência • Foram utilizados 30min para cada uma das
refeições, totalizando 1h30 diárias.
• Foram dedicados 30 min para um lanche da
manhã, e outros 30 min para o lanche da tarde,
totalizando 1h diária.
• Para descanso, durante o dia, foram dedicadas 2
horas diárias, após o almoço*
• Para recreação só foi retirada uma das noites,
durante 3 horas.
Atividades rituais • Para a missa, 1 hora.
• Para as duas orações comunitárias, em média
30min, cada.
• Para a adoração ao Santíssimo Sacramento, em
média 30min, totalizando em 2h30 diárias.
Quadro 3 - Distribuição das atividades da programação do II Módulo da Escola de Formadores
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
77
3.2.2 Descrição do quarto módulo
Para a realização do IV módulo, o meio de divulgação foi ainda a internet, enviando e-
mails para as Comunidades que participaram dos anteriores. O IV Módulo aconteceu no
período de 24 a 28 de setembro de 2008, no “Day Camp” Hotel Fazenda, zona rural de
Campina Grande/PB. Houve o envio de e-mail para divulgação, como anteriormente.
Havia representantes de 27 Comunidades de Vida e Aliança, em geral, pelo menos 02
membros de cada comunidade conforme o quadro 4, abaixo:
ESTADO
COMUNIDADE
LOCALIZAÇÃO
Casa de Judá João Pessoa Doce Mãe de Deus João Pessoa
Fanuel João Pessoa
Nossa Senhora das Mercês João Pessoa
Nova Berith João Pessoa Obra Nova Campina Grande
Remidos no Senhor Pombal e Campina Grande
Salve Maria João Pessoa
Siloé Cajazeiras
Cristo Ama Petrolina Crux Sacra Itambé
Divina Misericórdia Santa Cruz do
Capibaribe Eterna Aliança São Caetano
Kairós Taguatinga Ressurreição Bezerros
Sagrado Coração de Maria Caruaru
Sal e Luz Caruaru
PERNAMBUCO
Santa Clara Paulista
Discípulos da Mãe de Deus Natal
Maria Mater Natal Terço da Sagrada Família Mossoró
Reviver pela Misericórdia Natal
RIO GRANDE DO NORTE
Vida Nova Natal
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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Discípulos de Jesus Crucificado
Maceió
Filhos da Virgem Santíssima Maceió
ALAGOAS
Trindade Santa Maceió
Mãe Imaculada Juazeiro
DA BAHIA Sagradas Chagas Luiz Eduardo
Magalhães
Quadro 4 – Comunidades que participaram do IV Módulo da Escola de Formadores em Campina Grande/PB
O Estado da Bahia não faz parte do Regional Nordeste II, mas as comunidades vieram
participar da Escola de Formadores por conveniência de data. Nesse módulo IV o número de
Comunidades participantes (27) foi um pouco maior que no módulo II (22). Esse fato,
segundo informações obtidas em conversas informais durante do módulo IV, também ocorreu
devido à junção de dois grupos.
Expliquemos: a Escola de Formadores realizada em Campina Grande iniciou uma
nova turma, com um segundo grupo de Comunidades, para fazer a seqüência de módulos I a
VIII. Entretanto, essa segunda turma teve uma freqüência baixa no módulo II, então, a
comissão organizadora decidiu pular o módulo III dessa turma, deixando-o para outro
momento, e convidar os participantes para fazerem o módulo IV, junto com a primeira turma.
A presença da Bahia, que estaria fora da região administrativa Regional NE2
demonstra que o curso organizado em Campina Grande já está sendo divulgado em outras
regiões do país.
Verifica-se que o número de Comunidades localizadas na Paraíba diminuiu nesse
módulo IV, passando de 11 para 09, enquanto o número de Comunidades localizadas no
estado de Pernambuco aumentou consideravelmente, passando de 05 para 09, assim também
as localizadas no estado de Alagoas, que passou de 01 para 03. O estado do Rio Grande do
Norte manteve o número de Comunidades: 05. Esse fluxo demonstra a maior divulgação do
curso nos estados de Pernambuco e Alagoas. Quanto à diminuição da participação de
Comunidades localizadas no Estado da Paraíba, uma das razões pode ter sido o início de uma
Escola de Formadores na cidade de João Pessoa, no ano de 2008, sobre a qual não temos
maiores informações.
A maioria das comunidades presentes tinha menos de 05 anos de existência (este dado
foi constatado em um momento no qual se pediu para orar de acordo com os anos de
permanência na comunidade). Tais Comunidades mais recentes estão buscando formação com
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
79
as mais antigas para saberem como organizar-se na parte formativa. Quando não estão
participando dos momentos de formação, as pessoas geralmente estão reunidas em grupos de
suas comunidades.
As atividades, assim como no segundo módulo, dividiram-se em: pedagógicas ou de
formação, de convivência e rituais. A programação seguiu o mesmo padrão do outro módulo e
o tempo das atividades manteve-se mais ou menos igual.
Atividades de
Formação ou
Pedagógicas
• Ensinos em vários horários durante o dia, quase toda
manhã e tarde, totalizando em 6 horas diárias.
• Exibição de 01 filme, com duração de 02 horas.
Atividades de
Convivência
• Refeições:30min para cada - 1h30 diárias.
• Lanches, 30 min para cada - 1h diária.
• Descanso, durante o dia: 2 horas diárias, após o
almoço*
• Uma noite com recreação orientada, com duração de 3
horas, e as outras três noites livres, para descanso,
conversas ou orações.
Atividades rituais • Missa, 1 hora diária.
• Duas orações comunitárias, em média 30min, cada,
totalizando 1 hora diária.
• Adoração ao Santíssimo Sacramento, em média 30min
diários.
Total de horas em
atividades
• 16 horas diárias
Quadro 5 – Distribuição das atividades ao longo do IV Módulo
3.2.3 Descrição da parte pedagógica dos módulos
A parte mais importante desses cursos é a pedagógica, devido ao seu próprio objetivo
de formação líderes, que segue uma programação consistente na qual se aborda vários
aspectos da vida religiosa em comunidade33. Por isso a escolha de iniciar a descrição por essas
atividades.
33 Ver anexo A (apresentação da Escola de Formadores do Regional Nordeste II em Campina Grande.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
80
3.2.3.1 Objetivo da formação e requisitos para fundação de novas comunidades
Existe uma preocupação, por parte das Comunidades Novas, com a formação, tendo
em vista que os eventos nos quais ocorreu a pesquisa de campo foram essencialmente
voltados para a formação. A necessidade de formação e a exigência de fazê-la são feitas pela
própria Igreja Católica, por meio da CNBB e, por conseguinte, pelo bispo responsável pelas
Comunidades do Regional NE2, Dom Dino, bispo de Fortaleza. A Igreja Católica se preocupa
com a formação em todas as instituições e movimentos que dela participam. A orientação é
para que a formação abranja vários aspectos: preparação humana, cultural, espiritual e
pastoral, visando a transformação de toda a pessoa, com o objetivo de que “cada uma de suas
atitudes ou gestos possa revelar a sua pertença total e feliz a Deus” (TERRA, 2004, p. 159).
No caso das Comunidades Novas, que surgem fora da estrutura hierárquica da Igreja
Católica, como surgem em geral os Movimentos, a ênfase na formação é dada quando essas
Comunidades procuram se estruturar, buscando o reconhecimento oficial da Igreja, na pessoa
do bispo da diocese onde estão localizadas. Pois dele necessitam para conseguirem seus
objetivos, como Evangelização, inserção em pastorais da Igreja, promoção de eventos,
realização de rituais como a Missa.
Quando a Comunidade pede a oficialização como associação privada de fiéis, a Igreja
Católica, por meio do bispo diocesano, impõe algumas exigências como a apresentação de um
Estatuto ou Regimento Interno da Comunidade, no qual estejam presentes vários requisitos,
entre eles: a finalidade, a sede da comunidade, o regime ou modo de governo, os associados, o
patrimônio, a extinção da associação. Algumas observações sobre esse estatuto pode-se
encontrar no livro de Sidney Timbó (2004, p. 163):
Para que uma associação privada de fiéis seja considerada como tal precisa
que a autoridade competente (c. 312) aprove o estatuto, e para que este seja
aprovado deve ter por finalidade fomentar uma vida mais perfeita, promover
o culto ou a doutrina cristã, realizar atividades de apostolado e a animação
da ordem temporal com espírito cristão.
De acordo com informações colhidas junto aos participantes, essa Escola para
Formadores já existia, em outras versões, na Região Sudeste do Brasil, organizada pela
Comunidade Canção Nova, e também na Itália, para onde chegaram a ir formadores e
fundadores de Comunidades Novas do Brasil, inclusive alguns que estão dando formação no
Brasil.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
81
Essa Escola de Formação, da qual a pesquisadora participou, não é uma exigência da
Igreja Católica para que a Comunidade seja legitimada. A escola é iniciativa das próprias
comunidades mais antigas, que desejam passar sua experiência para as mais recentes. Não é
obrigatória. Tanto que há muito mais comunidades nesses estados do Regional Nordeste 2 do
que aquelas presentes à escola. Em João Pessoa, por exemplo, existem mais do que as 07
comunidades presentes na escola, podendo ser citadas, por conhecimento informal:
Comunidade Lírios do Vale, Comunidade Servos de Maria, Comunidade Nossa Senhora
Menina, Comunidade Fraterno Amor, Comunidade Despertai, Comunidade Jesus
Misericordioso.
3.2.3.2 Parte pedagógica do segundo módulo
O propósito da Escola de Formadores no Módulo II era ensinar às pessoas que
fundaram comunidades ou líderes dessas sobre como trabalhar com os novos membros que
vão chegando, no sentido de repassar-lhes conhecimentos doutrinários, espirituais, humanos,
morais, bíblicos, tudo conforme a orientação da Igreja e segundo o “carisma” de cada
Comunidade.
Os temas previstos para serem abordados nesse módulo eram os seguintes: “O carisma
da Formação”, “Projeto de Formação Inicial”, “Projeto de Formação Permanente”34 Todos
temas foram vistos conforme programado, enfatizando-se, na parte do “carisma de formação”,
também o “carisma de fundação” e ao “carisma das comunidades”, temas importantes para o
momento no qual é iniciada uma Comunidade Nova. “Projeto de Formação Inicial” e “Projeto
de Formação Permanente”, estão inseridos no momento de estruturação da Comunidade
Nova, sendo o primeiro a grade formativa para os membros da comunidade que ainda não
chegaram à consagração, e o segundo para os membros que já são consagrados.
A formação inicial parece estar ligada ao processo comunitário de fundação, pois se
refere às primeiras tentativas de passar conhecimentos para o grupo antigo, bem como para os
iniciantes, e a permanente se refere à fase institucional ou mais oficial da comunidade, quando
os membros já estão consagrados e já passaram pela inicial.
A novidade do tema pode ser justificada porque a maioria das comunidades presentes
tinha menos de 05 anos de existência, portanto, ainda estavam na fase embrionária do
34 Ver anexo C (e-mail encaminhado sobre programação e orientação do módulo II)
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
82
processo comunitário, muitas vezes sem programação rígida, sem muita organização, ainda
longe de uma institucionalização.
A palestrante, Maria Emmir Oquendo Nogueira (Formadora Geral e co-fundadora da
Comunidade Shalom) começou por explicar como fazer uma grade de formação utilizando
elementos da pedagogia e forneceu indicações bibliográficas para consulta, sendo as
indicações básicas: o Catecismo da Igreja Católica e a Bíblia. Quanto à formação humana,
indicava livros publicados pela Editora Shalom e por algumas editoras de comunidades
francesas ou italianas, bem como livros escritos por Amedeo Cencini35.
Emmir estava entusiasmada com a resposta dada pelo grupo aos conhecimentos
repassados e também demonstrava preocupação em continuar acompanhando as pessoas ali
presentes, porque sabia que tudo era muito novo para elas.
Como não existe um modelo de formação pré-estruturado e obrigatório para
orientação das ações das comunidades, não há etapas de formação previamente estabelecidas
a serem seguidas por elas. Entretanto, há a experiência das comunidades mais antigas,
principalmente aquelas que já foram reconhecidas pela Igreja Católica no Vaticano, como a
Comunidade Shalom, ou estão em processo para tal, como a Comunidade Canção Nova que é,
em geral, muito respeitada, sendo seguidas como modelo por outras comunidades.
No segundo dia, o então Bispo de Campina Grande veio presidir a celebração da
Missa e fazer um pronunciamento sobre o documento produzido pela V Conferência do
CELAM – Conselho Episcopal Latino Americano e do Caribe, ocorrida de 13 a 31 de maio de
2007, no santuário nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, no Brasil, inaugurada
com a presença e a palavra do Papa Bento XVI.
O interesse dos participantes pela fala do representante da Igreja institucional não
parecia ser muito grande, percebido pelas conversas paralelas, movimentação nas cadeiras,
falta de perguntas, além disto, poucos anotavam o que o bispo falava ou tinham o documento.
Talvez esse desinteresse tenha ocorrido porque os participantes do evento não foram avisados
sobre a interferência do Bispo. Além disso, o bispo falava sentado, enquanto a pregadora
oficial, Emmir Nogueira, usava de várias técnicas de entretenimento e estava sempre em pé,
recebendo grande atenção de todos, que se sentiam vivamente estimulados a estudarem os
documentos da Igreja.36
35 Sacerdote, religioso canossiano, mestre em ciências da educação pela Universidade Salesiana de Roma e doutor em psicologia pela Universidade Gragoriana da mesma cidade. Desde 1995, é consultor da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apóstolica (Congregação do Vaticano). 36 Ver Anexo I – Fotografias tiradas no módulo II.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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O dia 15 de novembro (quinta-feira) foi um dia cheio de atividades de ensino. Sob a
orientação da pregadora, os participantes foram divididos por comunidades presentes, para
elaborarem os esboços da grade de formação de sua Comunidade, para isso, a pregadora
utilizou textos, exercícios, data-show. Pela dificuldade demonstrada na elaboração da
primeira grade de formação para muitas comunidades, percebia-se a novidade da proposta.
Os dias seguintes seguiram o mesmo ritmo. O dia 16 de novembro (sexta-feira) foi
novamente dedicado a ensinamentos, desta vez sobre “formador pessoal”, “formador
comunitário”, “fundador”, etc. No dia 17 de novembro (sábado), último dia, retorna-se ao
tema de grade de formação. Abaixo seguem algumas palavras de Emmir Nogueira, sobre
formação, que motivam os participantes a se dedicaram à formação dentro de suas
Comunidades:
As ordens religiosas já têm uma grade, do Direito Canônico e do carisma do fundador. Nós, Comunidades Novas, estamos em transição. Nós colocaremos os nossos carismas, com base em outros carismas. A formação garante a unidade, sem a formação, não devemos sair em missão. Recebemos o mesmo alimento, para termos a mesma mentalidade e o mesmo coração.
Realmente, para a pregadora, essas afirmações são fruto de uma vivência de 26 anos
dentro do universo das Novas Comunidades, sempre como liderança e abrindo caminhos,
estando no início do Movimento da Renovação Carismática Católica em Fortaleza/CE e nas
primeiras experiências de vida em comunidade nos moldes das NCVA. Para ela, essa
realidade é muito preciosa e verdadeira, grande parte de sua vida está ali colocada e é com
muita seriedade que executa sua tarefa de formadora, apesar de não cobrar profissionalmente
para isso, pois tudo o que recebe em missão passa diretamente para a Comunidade de Vida da
qual faz parte.
3.2.3.3 Parte pedagógica do quarto módulo
A seguir será feita a descrição do IV Módulo da Escola de Formadores, ocorrido de 24
a 28 de setembro de 2008, especificamente na sua parte pedagógica. O tema central
focalizado neste módulo foi “A Vida Fraterna em Comunidade”, baseado no documento
com o mesmo nome, em latim “Congragavit nos in unum Christi amor”, escrito pela
Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
84
Os pregadores foram dois membros consagrados de vida da Comunidade Católica
Shalom: Júnior Alves e Maria Gorethi Menezes Queiroz, assessora de formação da
Comunidade Shalom, que utilizaram, além do documento citado, livros e formações de
Amedeo Cencini, o filme Com Mérito e o livro de Emmir Nogueira (co-fundadora da
Comunidade Shalom): Tecendo o Fio de Ouro.
A participação de membros da instituição da igreja Católica aconteceu para presidir as
celebrações eucarísticas e para fazer a reflexão sobre a Carta Encíclica do papa Bento XVI:
“Spe Salvi”. Esse documento foi incluso neste módulo porque o bispo responsável pelas
Comunidades Novas de Vida e Aliança do Regional NE2 (Paraíba, Rio Grande do Norte,
Alagoas e Pernambuco), Dom Bernardino Marchió, bispo de Caruaru/PE, segundo
informação de um dos participantes do encontro, pediu para que em cada módulo fosse
estudado um documento da Igreja Católica.
Os pregadores abordaram como deve ser a vida fraterna em comunidade e a formação
dos membros. Durante o encontro, eles deram muitos exemplos vivenciados pela sua
Comunidade, haja vista a grande experiência da pregadora, consagrada há 23 anos, desde os
seus 17/18 anos. Quando é dado um exemplo prático e vivencial há uma resposta positiva da
assembléia, rindo, conversando entre si, como se estivessem se identificando com os
exemplos ou lembrando alguém. São exemplos da vida diária, sobre tipos de pessoas que
moram na comunidade.
O documento do Vaticano, “Vida Fraterna em Comunidade”, foi estudado
minuciosamente, lendo-se partes do texto, comentando-se e dando-se exemplos práticos. Foi
usado inclusive o recurso do “power point”.
Uma diferença interessante presente nesse documento é entre a “vida fraterna” e a
“vida em comum”. Um é elemento espiritual: a fraternidade, que seria “corações animados
pela caridade, a comunhão de vida e o relacionamento interpessoal”, outro elemento mais
visível seria a “vida em comum” ou “vida de comunidade”, que consiste em “habitar na
própria casa religiosa legitimamente constituída” e no “levar vida comum” através da
fidelidade às mesmas normas, da participação aos atos comuns, da colaboração nos serviços
comuns (Doc. A Vida Fraterna em Comunidade, §3).
A grande preocupação nesse módulo é com a “formação humana”, por isso são
passadas muitas informações sobre relações humanas, educação, psicologia humana. Os
problemas na vida fraterna em comunidade são colocados como presentes em todo ser
humano, fazendo parte da humanidade e passam pela formação integral da pessoa.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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No quadro 6 será apresentado o resumo de alguns dos temas abordados:
I - Processo Comunitário
II - Relacionamentos internos
III - Cotidiano das comunidades
a) Formação Permanente
a) Educação, gentileza, sinceridade, controle de si mesmo, delicadeza, senso de humor, espírito de partilha
a) Lazer e descanso
b) Auto-conhecimento b) Amadurecimento psicológico
b) Paz e gozo em estar juntos
c) O papel da autoridade
c) Ascese pessoal (esforço e dedicação)
c) Experiência de oração pessoal e comunitária
Quadro 6 – Resumo dos temas abordados no IV Módulo
A seguir será dada uma breve explanação do que foi comentado em cada um dos
pontos citados, sobre a Vida Fraterna em Comunidade: caracterizar-se-ão os assuntos a partir
dos valores e preceitos comunitários seja ligando ao processo comunitário, aos
relacionamentos internos, ao cotidiano das comunidades ou ao comportamento moral.
I - Processo Comunitário
Seria tudo aquilo que está direcionado para a formação dos membros das
Comunidades Novas, as etapas desse processo de formação, o que deve ser visto em cada uma
delas, como a comunidade deve se estruturar internamente. Também percebe-se que no
processo comunitário encontram-se pistas do tempo de fundação e da maturidade da
comunidade. Aqui também pode-se identificar possíveis tensões, conflitos, consensos, jogos
de interesse.
a) Formação contínua
Para que haja um controle na formação das pessoas, há uma orientação para que desde
quando um novo membro entre na comunidade, seja direcionado a fazer uma formação
humana séria e profunda, abordando aspectos psicológicos, afetivos, de relações humanas,
além da espiritualidade e vida missionária, com o objetivo de que, quando a pessoa estiver em
uma possível “crise” ou dificuldade de continuar na comunidade, tenha uma sólida formação
que a mantenha no equilíbrio e na vida comunitária. Essa formação deve ser uma constante
durante toda a vida da pessoa que se consagra dentro da comunidade.
b) Autoconhecimento
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
86
Esta etapa é abordada como um ponto chave, devendo ser buscada por todos os
membros das comunidades. O autoconhecimento seria necessário para possibilitar uma
convivência saudável, além do conhecimento da identidade da pessoa, levando-a a perceber se
realmente quer, gostaria e está preparada para uma vivência comunitária.
c) O papel da autoridade
Este papel no interior da comunidade religiosa é retomado, apesar de ter estado
prejudicado, com a reivindicação da liberdade pessoal e dos direitos humanos de forma
unilateral e exacerbada, devendo esta autoridade continuar com o seu papel, sob pena de
prejudicar uma vivência comunitária saudável.
O documento “Vida Fraterna em Comunidade”, enfatizado pela pregadora, analisa que
a convivência fraterna nas comunidades religiosas melhorou muito nos últimos anos, nos
aspectos da humanidade, na participação de todos, na atenção às necessidades individuais.
Mas essa convivência mais aberta levou a não entender o papel da autoridade dentro da
comunidade, que deve continuar existindo, sob pena de um crescente individualismo e
esfacelamento da vida comunitária. “Por outro lado, os resultados dessas experiências estão
levando progressivamente à redescoberta da necessidade e do papel de uma autoridade
pessoal, em continuidade com toda a tradição da vida religiosa”. (Doc. Vida Fraterna em
Comunidade, § 48).
A pregadora aborda o documento, explicando que a autoridade deve ser exercida
dentro da comunidade religiosa, privilegiando os aspectos da espiritualidade, da unidade, para
que tome as decisões finais e lhes assegure a execução, com papel e função bem definidos nos
documentos da comunidade religiosa.
II - Relacionamentos internos
a) Educação, gentileza, sinceridade, controle de si mesmo, delicadeza, senso de
humor, espírito de partilha
A pregadora enfatiza as recomendações sobre estes aspectos através da citação do § 23
do Documento “A Vida Fraterna em Comunidade”:
Esse caminho de libertação que conduz à plena comunhão e à liberdade dos filhos de Deus exige, porém, a coragem da renúncia a si mesmo na aceitação e no acolhimento do outro, a partir da autoridade. Notou-se, em mais de um lugar, que isso constituíu um dos pontos mais fracos do período de renovação destes anos. Aumentaram os conhecimentos, estudaram-se diversos aspectos da vida comum, mas cuidou-se menos do esforço ascético, necessário e insubstituível para qualquer libertação capaz de fazer de um grupo de pessoas uma fraternidade cristã. A comunhão é um dom oferecido que exige também uma resposta, um paciente tirocínio e um combate para superar o espontaneísmo e a instabilidade dos desejos. O altíssimo ideal comunitário comporta necessariamente a conversão de qualquer atitude que causasse obstáculo à comunhão.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
87
Nesse sentido, a pregadora contou um caso acontecido com ela na sua vivência de
comunidade, para mostrar como se deve controlar a raiva e os desejos precipitados. Disse que
dormia em um quarto, em beliches, com pelo menos mais cinco pessoas, e só tinham um
ventilador para todas. Um irmão que dormia ao seu lado, ao chegar depois que ela estava
dormindo, colocou o ventilador em cima da cama dela, para ficar mais próximo dele. Durante
a noite, quando ela se mexeu um pouco, bateu no ventilador, este enroscou em seu lençol, e
ela acordou em pânico, enquanto todos dormiam tranqüilamente. Nesse momento, disse que a
sua vontade era de acordar o irmão e gritar com ele, ou de colocar o ventilador em cima dele
para acontecer o mesmo. Mas dominou a raiva e esses desejos e voltou a dormir. No outro
dia, o irmão perguntou se ela tinha dormido bem, ela disse que sim, apesar de um “monstro”
de quatro hélices ter aterrorizado na cama dela durante a noite.
b) Amadurecimento psicológico
Fala-se de pessoas que vêm de experiências difíceis fora da comunidade, de pessoas
“que sofrem” e até prejudicam a vida comunitária. Orienta-se para verificar de onde vêm
esses “sofrimentos”, se “de deficiências de caráter, de trabalhos sentidos como muito
gravosos, de graves lacunas na formação, das transformações demasiadamente rápidas destes
anos, de formas demasiadamente autoritárias de governo” (Doc. Vida Fraterna em
Comunidade § 38). Se detectados já na fase inicial do processo de ingresso na comunidade,
deve ser tratado adequadamente.
Destaque-se uma frase desse Documento que recomenda a convivência como uma
forma de “máxima penitência”: “Pode haver até diversas situações em que a autoridade deve
fazer presente que a vida em comum exige, por vezes, sacrifícios e pode tornar-se uma
forma de «maxima poenitentia»” (§ 38). Ou seja, a pessoa deve realmente suportar uma
convivência muito difícil, tomando-a como meio de penitência estrema.
Entretanto, o documento citado, e a fala da pregadora assim o corrobora, diz que há
casos patológicos que devem ser verificados com especialistas: psicólogos, psiquiatras.
Ressaltando que esses sejam, de preferência, “uma pessoa de fé e conhecedora da vida
religiosa e de suas dinâmicas” (§ 38), e que esses especialistas não substituem um bom “guia
espiritual”.
c) Ascese pessoal (esforço e dedicação)
São levados problemas vividos por todas as comunidades participantes, mas são dadas
soluções baseadas na “caridade” e na “misericórdia”, ou seja, soluções que necessitam de
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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virtudes teologais para serem vividas, e que vêm de uma ascese pessoal, para que se possa ter
uma vida fraterna em comunidade.
A ênfase na necessidade de esforço pessoal para sair de si mesmo, na vivência em
comunidade, é feita citando trecho do Documento “A Vida Fraterna em Comunidade”, §21:
Mas tudo isso não é conforme à natureza do «homem velho» que deseja, sim, a comunhão e a unidade, mas não pretende nem está disposto a pagar-lhe o preço, em termos de esforço e de dedicação pessoal. O caminho que vai do homem velho, que tende a fechar-se em si mesmo, ao homem novo, que se doa aos outros, é longo e cansativo. Os santos fundadores insistiram realisticamente sobre as dificuldades e sobre as ciladas dessa passagem, conscientes como estavam de que a comunidade não se pode improvisar. Ela não é coisa espontânea nem realização que se consiga em breve tempo.
A pregadora insiste que a vida fraterna em comunidade “brota da construção, da
renúncia, e muitas vezes do caminho de cruz para ir ao encontro do outro, (...) para não ter
ilusões de 'angelicalismos', mas viver na verdade do auto-conhecimento.” Ou seja, aqui se
verifica que realmente um dos propósitos da vida comunitária é a busca de uma vida no
modelo dos santos, de uma vida que busque o crescimento espiritual nas relações do dia a dia.
A expressão 'angelicalismos' é dita no sentido de trazer a pessoa para sua realidade humana,
conscientizando-a de que ela não é apenas um ser espiritual, como os anjos. Os santos foram
pessoas reais, que tiveram problemas concretos.
III - Cotidiano das Comunidades
a) Lazer e descanso
O tema lazer e descanso foi abordado como conteúdo da formação pela pregadora,
indicando a necessidade dos coordenadores e líderes pararem para descanso e lazer, a fim de
evitar o “stress”, devido ao fato da maioria das Comunidades presentes serem pequenas,
exigindo esforços redobrados dos membros e líderes para realizar várias tarefas, indo além de
seus limites humanos.
Fala-se do “ativismo” em detrimento da oração e da vida fraterna. Os membros ficam
tão envolvidos com os trabalhos sociais ou de evangelização, ou com a própria estrutura da
comunidade, ou com suas funções na comunidade, com muitas preocupações, que acabam
ficando muito cansados e até doentes.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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b) Paz e gozo em estar juntos
A pregadora enfatiza também a necessidade de “paz e gozo de estar junto”, de uma
“alegria que contagia a todos”, cita mais um trecho do Documento sobre a vida fraterna em
comunidade (§ 28):
Uma fraternidade rica de alegria é um verdadeiro dom do Alto aos irmãos que sabem pedi-lo e que sabem aceitar-se empenhando-se na vida fraterna com confiança na ação do Espírito. Realizam-se assim as palavras do Salmo: «como é bom, como é agradável os irmãos morarem juntos... Aí o Senhor dá sua benção e a vida para sempre» (Sl 133, 1-3)
Depois, dá mais um exemplo acontecido com ela. Em sua comunidade , eles têm um
momento na semana para simplesmente estarem juntos e, como são pobres, e não têm
dinheiro para sair ou comprar uma comida diferente, geralmente ficam em casa mesmo,
conversando e rindo uns dos outros. Um casal muito rico que conhecia a comunidade há
pouco tempo foi convidado para um desses momentos, mas tinham uma festa da sociedade
que a esposa fazia questão de ir.
No meio da festa, o homem disse que não estava agüentando mais aquele lugar. Ao
sair, lembrou do convite do pessoal da Comunidade e foi para lá. Quando ele chegou, todos
estranharam seus trajes de gala, mas o receberam com carinho e animação, logo depois,
chegou a sua esposa, toda arrumada também, receberam-na da mesma forma. Depois o casal
contou o que havia acontecido e que não sabiam porque, mas se sentiam muito mais felizes ali
com eles, sem nada especial para comer e ouvir, apenas “jogando conversa fora”, do que
naquela festa para a qual gastaram R$ 5.000,00.
c) Experiência de oração pessoal e comunitária
A pregadora e o documento utilizado dizem que a própria comunidade religiosa só
pode ser acolhida numa dimensão de contemplação, ou seja, oracional. Sem a qual a vida
fraterna pode muitas vezes parecer “inútil” e “perda de tempo”. Assim, é recomendado que
haja um horário fixo para oração em comum e para “dar tempo a Deus”, mesmo em meio a
diversas atividades e vida corrida, de sobrecarga de trabalhos, de diversos horários.
As orações em comum, como a Liturgia das Horas, a Missa, a partilha da Bíblia, as
devoções Marianas, a adoração ao Santíssimo Sacramento, são recomendadas a serem vividas
sem pressa e com entusiasmo. Também é elevada a importância da experiência de oração
pessoal como sendo um dos fatores que conduz à vida “evangélica e apostólica” das
comunidades religiosas, principalmente hoje, que “se assiste a um novo despertar da busca do
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
90
transcendente, as comunidades religiosas podem se tornar lugares privilegiados onde se
experimentam os caminhos que levam a Deus” (§ 20).
3.2.4 Descrição da parte ritual dos módulos
As atividades rituais foram privilegiadas devido a quantidade de tempo a elas
destinadas e, principalmente, porque se dava bastante importância a esses momentos.
Notadamente, a celebração da Missa, no início de todas as atividades e a adoração ao
Santíssimo Sacramento, encerrando-as, demonstrou como os participantes preocupam-se em
expressarem a sua religiosidade, como forma de integrá-las às atividades pedagógicas e de
convivência.
Outro motivo seria para identificar as especificidades das expressões da religiosidade
católica demonstradas pelas Comunidades Novas, quando reunidas. Além disso, verificar a
ocorrência da espontaneidade nas orações, já detectada por estudiosos da Renovação
Carismática Católica.
3.2.4.1 Parte ritual do segundo módulo
O segundo Módulo da Escola de Formadores se inicia, no dia 13 de novembro de
2007, com a celebração da Missa. Depois da Missa, seguida pelo café da manhã. Logo após,
oração comunitária.
A oração comunitária em geral se inicia com uma música de louvor a Deus, de
acolhida dos irmãos que estão presentes. Alguém “ministra” a oração, ou seja, direciona a
oração conforme o “Espírito Santo de Deus” está conduzindo dentro de si. São os dons
carismáticos do Espírito Santo, que logo é invocado, seguindo-se de orações espontâneas por
toda assembléia presente, terminando com um momento de silêncio, para “ouvir” o que o
Espírito Santo está “falando” para cada um em particular. Após o silêncio, as pessoas são
convidadas para proclamar em alta voz as “moções” do Espírito Santo, com visualizações, ou
palavras de ciência ou de sabedoria.
Um exemplo de uma visualização ocorrida durante essa oração: “o Espírito Santo
banhando, molhando, irrigando uma terra árida”. Outra pessoa “confirma” a visualização,
porque teve uma “visualização de pessoas cansadas caminhando no deserto, depois
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
91
começava a cair água do céu”. Outra pessoa “confirma”, porque se lembrava do texto bíblico
de Isaías 32, 15-20.
Quando o Espírito Santo manifesta-se através das pessoas, elas são estimuladas a
agradecer a Deus por essas revelações com um louvor em português, todos ao mesmo tempo,
em alta voz.
A oração continua, colocando-se a mão no irmão do lado e “orando em línguas” uns
pelos outros. Um tempo depois, a dirigente do dia diz a moção do Espírito Santo durante essa
“oração em línguas”: “Descanso para a mente, refrigério”.
Entra a pregadora do encontro, Maria Emmir Oquendo Nogueira, co-fundadora da
Comunidade Shalom. As pessoas oram por ela. Há uma moção do Espírito Santo, vinda
através de Alessandra, fundadora da Comunidade Remidos no Senhor, uma palavra de
sabedoria: “dai de graça o que de graça recebeste, e o que deres a mais eu daria em dobro de
volta”. Inicia-se a pregação de Emmir Nogueira sobre Formação, às 9h40. Foram 40 min de
oração comunitária. O dia inteiro foi de formação, com parada de 3 horas, para o almoço e
descanso e, durante a tarde, para um lanche.
No final do primeiro dia, às 18h45, antes do jantar, houve “adoração ao Santíssimo”,
ou seja, exposição do Corpo de Cristo no ostensório para adoração. O padre37 entra com o
ostensório e todos aplaudem e se ajoelham. Um homem dirige a adoração. Durante a
adoração, as pessoas ficam de joelhos ou em pé, em silêncio, é pedido para contemplar a
graça do carisma de cada comunidade.
Um tempo depois, várias pessoas, uma por uma, vão falando as visualizações, as
moções, as contemplações. Os demais ouvem, “confirmam”, completam com outra moção,
sentimento, visualização. Depois, inicia-se uma oração de louvor, com um canto, primeiro os
homens oram em línguas e as mulheres cantam, depois as mulheres oram em línguas e os
homens cantam. Novo silêncio.
Os fundadores ou fundadoras das comunidades presentes, que eram cerca de 10
pessoas, são chamados à frente, próximos ao ostensório38, onde se encontra, para os fiéis
católicos, que simboliza o Corpo de Cristo, o Santíssimo. Os demais impõem as mãos sobre
eles, próximos ou distantes, oram em línguas. Novo silêncio, novas palavras ditas na 1ª
37 A atribuição de conduzir o ostensório é do padre, que pode delegar a um diácono, caso não possa estar presente. 38 Objeto de metal com um círculo de vidro transparente no meio, no qual se coloca a óstia consagrada para que as pessoas possam vê-la e prestar-lhe culto de adoração.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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pessoa, como se fosse Deus falando. É lido um trecho bíblico – Isaías 2. Novo louvor com
cantos e palmas de pé.
O padre, que trouxe o ostensório com o Santíssimo, diz a moção do Espírito Santo
para aquele momento, pede para cantar uma música, depois reza a oração oficial da Igreja
para os momentos de “exposição” e “bênção” do Santíssimo. Leva de volta o ostensório,
passando pelo meio do povo, enquanto todos cantam e batem palmas, um canto em
agradecimento.
As adorações ao Santíssimo Sacramento parecem constituir o momento mais fervoroso
do encontro, com relação à espiritualidade, pois é ali que se percebe um maior silêncio para
oração, aprofundamento e a ocorrência de profecias do Espírito Santo.
Os demais dias transcorrem mais ou menos nesse ritmo, na parte ritual.
Ressalta-se apenas que, no segundo dia, houve uma pequena mudança no ritmo da
programação: a oração comunitária da manhã não ocorreu logo após o café, como no primeiro
dia, mas só depois da fala do Bispo de Campina Grande (que também presidiu a celebração da
Missa), convidado para o evento, e de um intervalo para lanche. Essa mudança deve ter
ocorrido devido à presença do Bispo, ou porque ele tinha outros compromissos e precisava
antecipar sua fala, ou porque não é afeito a orações com expressões carismáticas, e os
organizadores preferiram deixar a oração comunitária para depois que ele saísse.
3.2.4.2 Parte ritual do quarto módulo
No quarto módulo (setembro de 2008), as orações comunitárias foram um pouco
diferentes das do encontro anterior. No segundo módulo (novembro de 2007), as orações
sempre se iniciavam com músicas mais agitadas, de louvor e com motivações direcionadas a
uma oração animada, empolgada. Nesse quarto módulo, as orações se iniciam com canções
mais suaves e com orações de invocação do Espírito Santo, sempre pedindo renovação da
vida fraterna em comunidade.
Em algum momento da oração, era pedido para as pessoas se dividirem em sub-
grupos, procurando os membros da sua própria comunidade. O intuito pareceu ser fazer com
que as pessoas “intercedam” pela vida fraterna em sua comunidade. Essa divisão não é uma
prática corriqueira, realmente esse módulo estava muito voltado para a formação da vida
fraterna em cada comunidade, fazendo com que os membros refletissem e orassem sobre isso.
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Durante todo o módulo, diferente do primeiro, não houve preocupação com interação entre os
membros de comunidades diferentes.
Nos momentos de adoração do Santíssimo Sacramento (Eucaristia), um Ministro
Extraordinário da Sagrada Comunhão, que faz parte da Comunidade Remidos no Senhor,
conduzia o Santíssimo (hóstia consagrada), na “teca”39 e quando chegava na mesa própria,
preparada com velas, toalha e flores, colocava a hóstia consagrada no ostensório.
Em geral, ao ministro da sagrada comunhão não é permitido conduzir o ostensório
com a óstia consagrada exposta, apenas lhe é permitido conduzi-la na “teca” e expô-la em
local fixo.
3.2.5 Descrição da parte de convívio e sociabilidade dos dois módulos
No segundo módulo, durante as noites não havia palestras, exibiam-se vídeos de
shows de música, documentários e também filmes que seriam utilizados pela pregadora
posteriormente para ilustrar os conteúdos. Também filmes sobre Madre Teresa de Calcutá40
e sobre Dom Bosco41, para demonstrar o surgimento de duas fundações diferentes dentro da
Igreja. Os participantes deviam tentar responder algumas questões por escrito sobre o filme,
que seriam debatidas no dia seguinte.
No quarto módulo, também não houve palestras durante as noites, esse período foi
deixado livre, para descanso, conversas espontâneas, orações espontâneas individuais ou em
grupo. Apenas na última noite houve uma recreação direcionada.
A exibição de filme foi usada como recurso pedagógico, à tarde, utilizando o filme
“Com Mérito42”. Durante a exibição dever-se-ia observar as características e comportamentos
dos personagens e as relações entre eles para depois comentar em sub-grupos, relacionando os
comportamentos dos personagens com as características dos membros das comunidades.
39 Objeto de metal inox em forma de caixa redonda, no qual se guarda a óstia consagrada. 40 Filme produzido por Luca Bernabei, Carlo Boserman e Pete Maggi, em 2003, narra a trajetória de Madre Teresa de Calcutá da fundação de sua congregação até sua morte. 41 Filme produzido por Leandro Castellani, pela TV italiana, em 2004, e narra a trajetória do santo São João Bosco (Dom Bosco) para fundar a Congregação Salesiana. 42 Produzido nos EUA, em 1994, por Spring Creek Productions, Warner Bros. Pictures.
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94
3.2.6 Participação da Igreja na Escola de Formadores de Campina Grande/PB
Pode-se dizer que a hierarquia da Igreja Católica participa desses eventos nas pessoas
dos padres e bispos da arquidiocese onde eles são realizados.
Os padres que participam desses eventos de formação, em geral são convidados para o
evento, principalmente, para celebrar a Missa e dar algum ensinamento sobre um documento
específico da Igreja. Convidam-se padres mais conhecidos ou mais disponíveis. Nesses
eventos também houve a participação do bispo local.
Percebe-se que algumas NCVA, principalmente aquelas mais estruturadas, como a
Comunidade Remidos no Senhor, que organizou o evento junto com o Regional NE2 da
CNBB, preocupam-se em convidar o bispo local para visitá-los. Inclusive, ele faz visitas
periódicas à Comunidade.
Essas visitas são de interesse da Comunidade, que busca respaldo da hierarquia da
Igreja para que suas atividades e consagração sejam por ela reconhecidas, e da Igreja, na
pessoa do bispo local, que tem obrigação hierárquica de “fiscalizar” os Movimentos,
Pastorais, Paróquias dentro da sua diocese (divisão territorial).
A Igreja oficial não dispõe sobre o que, especificamente, deve ser estudado em cada
módulo, mas como o curso é organizado por uma Comunidade Nova, a Comunidade Remidos
no Senhor que, segundo consta em e-mail explicativo encaminhado por essa Comunidade,
tem apoio oficial da Igreja por meio do bispo que acompanha as Comunidades Novas do
Regional NE2, pode-se presumir que haja, pelo menos, uma revisão do conteúdo sugerido
pela Comunidade.
O padre que presidiu a celebração da eucaristia na sexta-feira (26/09/2008), ao
término, disse que sua vocação de padre surgiu dentro de um grupo de oração da Renovação
Carismática Católica - alguns bateram palmas -, daí ele se sentir à vontade, em família,
quando “celebra a eucaristia” com grupos que usam os dons e carismas do Espírito Santo.
Já o celebrante do sábado, que fez a reflexão sobre a Encíclica “Spe Salvi” é o reitor
do Seminário de Campina Grande, e no final da reflexão disse que as Novas Comunidades de
Vida e Aliança são testemunhos proféticos nesse tempo e fez elogio à Toca de Assis, por
vivenciarem realmente o carisma de pobreza do franciscanismo. Disse ainda que as
comunidades tradicionais estão se esvaziando, enquanto que as Novas Comunidades de Vida
e Aliança vivem a “primavera vocacional”.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
95
3.2.7 Apreciação geral dos módulos II e IV da Escola de Formadores em Campina
Grande/PB
Diante disso, percebeu-se que a pressão para que os membros tenham uma formação
constante vem das próprias Comunidades Novas sobre si mesmas e das Comunidades mais
antigas sobre as mais recentes. Havendo também uma preocupação de se enquadrar nas
exigências oficiais da Igreja Católica, para “conseguir” um reconhecimento oficial Igreja
como “Associação Privada de Fiéis”, sendo uma dessas exigências a formação permanente
dos membros das comunidades.
Na parte ritual dos módulos, é marcante a presença da oração espontânea, do uso dos
dons carismáticos de línguas, de interpretação, de visualizações, de cura, de aconselho, entre
outros. Entretanto, dependendo de quem esteja à frente da oração, essa pode desenrolar-se em
sentido mais eufórico ou mais sereno, foi a diferença percebida na parte litúrgica dos
módulos. Enquanto no II módulo as orações transcorriam de uma forma mais de louvor, no IV
módulo, as orações eram mais contemplativas, serenas.
Houve diferença também na parte de convivência entre um e outro módulo. Enquanto
no módulo II a sociabilidade foi mais intensa e constante, no módulo IV ela foi um pouco
dispersa, talvez devido a fatores como o local (no IV módulo havia um grande espaço,
proporcionando isolamento e afastamento, inclusive em sub-grupos).
Especificamente sobre os temas abordados em cada módulo, apesar do interesse dos
participantes existir em ambos, no II módulo a intensidade foi maior. Um dos fatores pode ter
sido a presença de Emmir Nogueira, que conseguiu atrair as atenções para o tema tratado,
pela forma como o expôs.
No que se refere ao perfil dos participantes, foi perceptível a presença no IV módulo
de várias pessoas que não estavam no II módulo, como também, a falta de algumas delas. Mas
não havia maiores diferenças no sentido de comportamento, faixa etária, etc.
3.3 Análise dos questionários aplicados no módulo II da Escola de Formadores em
Campina Grande/PB
A seguir será feita uma análise dos questionários43 aplicados com participantes do 2°
Módulo da Escola de Formadores organizada pela Comunidade Remidos no Senhor, em
43 Ver modelo do questionário no apêndice A.
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96
Campina Grande/PB, no período de 13 a 17 de novembro de 2007. Os participantes, em
média de 100, eram fundadores e formadores (líderes) de Novas Comunidades de Vida e
Aliança dos Estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte. Foram
entregues questionários a todos os participantes e foram recebidos 33 questionários
respondidos.
O grande número e variedade de questões inseridas no questionário podem ser
justificados pela necessidade de tocar em vários aspectos da vida comunitária dessas
Comunidades. Serão enfatizadas as questões consideradas como características fundamentais
das Comunidades Novas de Vida e Aliança e o seu processo de formação e transformação.
Levando em consideração que havia 22 comunidades diferentes participando do
evento, no qual o questionário foi aplicado, e que no levantamento dos questionários
respondidos foi constatado que pelo menos um membro de 18 comunidades diferentes
respondeu às questões, o uso deste documento possibilitou uma boa variedade de vivências
para serem descritas e analisadas.
3.3.1 Perfil dos líderes e fundadores das Comunidades Novas de Vida e Aliança
Esse parâmetro não foi aprofundado, pois nos deteremos nas questões que dizem
respeito à dinâmica da comunidade, no que se refere ao processo de fundação e seus
desdobramentos e tudo o que a ele se refira. A identificação, como nome, endereço, foi
deixada como opcional.
3.3.1.1 Sexo, idade, estado civil, inserção na sociedade
Dentre as pessoas que responderam ao questionário (33), a metade (52,8%) era do
sexo masculino e a outra, (56,1%) era do sexo feminino.
Mesmo havendo um equilíbrio entre os gêneros, especialmente entre as lideranças das
Comunidades Novas de Vida e Aliança (apenas líderes responderam ao questionário, pois
foram eles os participantes da Escola de Formação), apontando uma participação aberta tanto
para mulheres como para homens nessas funções, a percentagem do sexo feminino ainda é
maior, corroborando com a tendência geral de haver mais mulheres que homens freqüentando
as igrejas.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
97
Quanto à faixa etária dos membros (líderes) das CNVA que responderam ao
questionário, expomos o gráfico 1, para uma melhor visualização.
Gráfico 1 – Distribuição da faixa etária dos membros das CNVA
Os dados demonstram a participação de jovens e adultos nas CNVA de forma
equilibrada, estando metade entre os 20 e os 30 anos e a outra, com mais de 31 anos. É
relevante a predominância de jovens (52%) em relação ao grupo com mais de 50 anos (12%).
Entre os membros fundadores (06), a faixa etária predominante (metade dos fundadores) é
ainda de jovens, entre os 20 e os 30 anos (03 fundadores), estando 02 deles entre 41 e 50 anos
e apenas 01, com mais de 50 anos.
Quanto ao estado civil dos membros/líderes das CNVA, a questão foi fechada, com as
seguintes opções de resposta: “solteiro”, “casado”, “casado consagrado”, “solteiro
consagrado”. Por “estado de vida”, entende-se a opção de vida que o membro da Comunidade
deve fazer: casado, celibatário ou sacerdote44. Nessa questão, o objetivo foi verificar a
porcentagem de casais presentes nas NCVA, em relação aos solteiros, tendo em vista que a
presença de casais consagrados e de celibatários (solteiros) vivendo um carisma comum é a
maior novidade que as CNVA trazem para a Igreja Católica. A distinção feita visou perceber
em qual categoria (solteiros ou casados) se encontram mais consagrados.
44 Ver Capítulo II, subseção 2.5.4 – Membros das CNVA.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
98
Gráfico 2 – Estado de vida dos membros das NCVA
A soma dos percentuais de cada categoria (solteiro + solteiro consagrado x casado +
casado consagrado) indica equilíbrio entre casados e solteiros. Por outro lado, verificando o
número de consagrados, percebe-se a predominância de casais consagrados (15%) sobre os
solteiros consagrados (6%). Há, pois, uma forte indicação para a presença dos leigos nas
Comunidades Novas buscando uma consagração religiosa que não exclua o matrimônio.
A presença de pessoas que não responderam a essa questão significa que pode estar
em um estado civil diferente das opções propostas, que pode ser, por exemplo, separado.
Percebe-se, pelo baixo número de pessoas que não responderam ao questionário (3%), que
existem poucos separados ou divorciados nas Comunidades Novas pesquisadas, apontando
para uma postura moral em conformidade com as orientações da igreja oficial de Roma com
relação ao matrimônio, no sentido de sua indissolubilidade.
Gráfico 3 – Inserção dos membros das CNVA na sociedade
No que se refere à inserção ou não dos membros das NCVA na sociedade, o resultado
aponta para a integração/inserção social dos membros à sociedade exercendo profissões
diversas e tendo outros tipos de ocupação, como o estudo. Pelo conhecimento informal,
entre muitas outras profissões, fazendo parte tanto como membro da Comunidade de Aliança
como da Comunidade de Vida. O que demonstra que a participação na comunidade religiosa
não exclui as demais atividades seculares de seus membros.
Percebe-se que os integrantes das CNVA estão em trânsito entre a communitas e a
societas (Tönnies), entre a estrutura e a anti-estrutura (Turner). Os membros das CNVA
vivem os mecanismos de homogeneização na communitas e de diferenciação na societas,
aparentemente, levando e trazendo valores de uma para a outra. Vive-se algo real e orgânico,
com fortes laços humanos e afetivos, em igualdade, na communitas, mas também é feita a
experiência do estranhamento, do afastamento, na societas. Essa situação pode ser geradora
de tensão, pela convivência permanente com valores contraditórios.
O resultado da questão ainda dá indícios de participação de pessoas que fazem parte de
camadas sociais que necessitam do trabalho próprio para o sustento e que já estão no
mercado, não sendo apenas estudantes, haja vista que 27% dos respondentes trabalham e
estudam.
Com tantas atividades (trabalho, estudo, serviços na Comunidade) fica a indagação de
real possibilidade de excesso de ativismo por parte dos membros, o que justificaria a
necessidade de um módulo da Escola de Formadores (módulo IV) enfatizar a vivência
fraterna e chamar a atenção para o cansaço, o stress e o pouco tempo para convivência entre
os membros das Comunidades45.
3.3.2 O Carisma das Comunidades Novas
Por ser um tópico sui generis, não se enquadrando no perfil pessoal do líder/fundador
nem no processo comunitário, e muito importante para a compreensão das CNVA, pois
apenas um carisma NOVO pode legitimar a existência de uma NOVA comunidade46, tratar-
se-á aqui do que se refere aos resultados do questionário sobre o carisma das Comunidades
Novas.
Perguntou-se: Qual é o carisma da comunidade da qual você faz parte? Na análise
dessa questão, a palavra carisma é entendida em seu sentido teológico, especificamente
quanto ao carisma de um “instituto” dentro da Igreja Católica, por exemplo, quando se diz
45 Ver subseção 3.2.3.3 – Parte pedagógica do quarto módulo, desta dissertação. 46 Ver Capítulo II, subseção 2.5.5 – Vocação, espiritualidade, carisma, fundadores e missão das CNVA, desta dissertação.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
100
“carisma beneditino”, “carisma franciscano”, “carisma dominicano”. É aquilo que lhe dá uma
índole própria, uma identidade, o que o diferencia das demais CNVA e de outros movimentos
e institutos pertencentes à igreja. Essa identidade vem especialmente da experiência religiosa
dos fundadores e, conseqüentemente, da experiência religiosa dos seus seguidores.
As Comunidades Novas procuram essa identidade própria e o fazem verificando a sua
história, o que foi por ela vivenciado, por meio de seus fundadores e primeiros membros, sob
a ótica da fé. A partir daí, formulam um resumo dessa experiência religiosa, que deve ser
buscada também por todos os que fazem parte da Comunidade.
Serão analisadas aqui as expressões que cada Comunidade encontrou para expressar o
seu “carisma” próprio. No quadro 7, estão transcritos os carismas descritos pelas 19
Comunidades que responderam ao questionário.
A santidade do matrimônio (03 responderam).
Viver a santidade do sacramento do matrimônio.
Amar, consolar e manifestar ao mundo o prazer que é Deus (04 responderam).
Anunciar a Divina Misericórdia do jeito de Maria.
Anunciar o amor libertador de Jesus Cristo crucificado como filhos de Maria.
Com Maria lançar a rede de pesca: o terço, atraindo almas a experimentar o Amor
de Deus revelado em Jesus Cristo.
Cuidamos de alcóolatras. Estamos descobrindo como trabalhar e definir esse
carisma.
Gerado no ventre de Maria ser para o mundo e para a Igreja pão partido e
partilhado, gerando vida ao coração do homem, por gratidão a Deus.
Indefinido, porém dentro da misericórdia divina que jorra da cruz de Cristo.
Morrer com Jesus na cruz para com Ele ressuscitar, levando a ressurreição aos
outros.
Na simplicidade do Espírito, doar-se por amor a Deus e aos irmãos, como Jesus se
consome por nós na Eucaristia.
Oração e Intercessão.
Permanecer no Eucarístico em silêncio, espera e adoração. (02 responderam).
Reconciliar-nos com Deus.
Resgatar a dignidade dos filhos de Deus, pela Misericórdia (02 responderam).
Reviver pela misericórdia - eu estava morto e revivi.
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Ser hóstia viva e bálsamo para a Igreja.
Ser sal que dá gosto e luz para iluminar.
- Ser sal e luz através de todos os meios possíveis.
- Levar o sal e a luz de Deus através de todos os meios possíveis (fazer as pessoas
experimentarem Cristo, verdadeiro sal que dá gosto à vida).
Ser sinal de unidade.
Testemunhar, no silêncio de Maria, a contemplação à cruz de Cristo.
Viver com alegria intensamente a radicalidade do sim a Deus (02 responderam).
Quadro 7 – Carisma das CNVA
Percebe-se que, em sua grande maioria, a definição do Carisma da Comunidade se
refere à uma forma de identificação adotada pelas comunidades, e na sua formulação se inicia
com um verbo na sua descrição. Essa particularidade se justifica porque o carisma está
diretamente relacionado com a vivência dos membros, com o ser e o viver de cada pessoa
consagrada àquele carisma.
Algumas das respostas aqui apresentadas, como por exemplo, “Indefinido, porém
dentro da misericórdia divina que jorra da cruz de Cristo”, confirmam a observação
participante durante os eventos, quando membros alegaram não saber indicar ainda qual era
seu carisma e quem era seu fundador, de modo que parece ser necessário se construir uma
história ou um mito fundador da comunidade.
Observando a repetição de temas nas respostas das perguntas abertas sobre os carismas
das Comunidades, foi feita uma divisão visando identificar aqueles mais freqüentes. A palavra
encontrada com mais freqüência foi MARIA (26%), conforme a transcrição das respostas:
• Anunciar a Divina Misericórdia do jeito de Maria ;
• Gerado no ventre de Maria ser para o mundo e para a Igreja pão partido e
partilhado, gerando vida ao coração do homem, por gratidão a Deus;
• Com Maria lançar a rede de pesca: o terço, atraindo almas a experimentar
o Amor de Deus revelado em Jesus Cristo;
• Testemunhar, no silêncio de Maria , a contemplação à cruz de Cristo;
• Anunciar o amor libertador de Jesus Cristo crucificado como filhos de
Maria .
Carismas que possuem a palavra MISERICÓRDIA (15,7%) no nome:
• Reviver pela Misericórdia ;
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
102
• Misericórdia divina que jorra da cruz de Cristo;
• Resgatar a dignidade dos filhos de Deus, pela Misericórdia .
Carismas que possuem a palavra DEUS no nome (15,7%):
1. Reconciliar-nos com Deus;
2. Amar, consolar, manifestar ao mundo o prazer que é Deus;
3. Viver com alegria intensamente a radicalidade do sim a Deus.
Por outro lado, pela observância dos verbos e da redação, percebe-se a existência de
carismas que evidenciam a vivência de fé individual e subjetiva, como por exemplo:
4. Ser sinal de unidade;
5. Reconciliar-nos com Deus;
6. Permanecer no Eucarístico em silêncio, em espera e adoração;
7. Ser hóstia viva e bálsamo para a Igreja.
E ainda a existência de carismas que apontam para valores na relação com o outro. Os
exemplos abaixo destacam as palavras que demonstram saída de si mesmo:
8. Reviver pela misericórdia – eu estava morto e revivi;
9. Oração e Intercessão;
10. Amar, consolar e manifestar ao mundo o prazer que é Deus;
11. Morrer com Jesus na cruz para com Ele ressuscitar, levando a
ressurreição aos outros;
12. Anunciar a divina misericórdia do jeito de Maria; Na simplicidade do
Espírito, doar-se por amor a Deus e aos irmãos, como Jesus se consome
por nós na Eucaristia;
13. Testemunhar, no silêncio de Maria, a contemplação à cruz de Cristo;
14. Cuidamos de alcoólatras;
15. Resgatar a dignidade dos filhos de Deus, pela Misericórdia.
O carisma aqui descrito e analisado trata-se do carisma de uma nova forma de ser e de
reunir-se dentro da Igreja e possui, conforme a teologia, as dimensões carismática,
cristológica e evangélica, eclesial e de fecundidade, todas as dimensões exigem uma
experiência religiosa pessoal e comunitária por parte do fundador ou fundadores. A dimensão
carismática se encontra na vivência pessoal do fundador, que o leva a um caminho particular
de vida, de santidade e de ação.
A dimensão eclesial está mais relacionada com a “abertura para o outro”, para as
necessidades da sociedade e/ou da Igreja, no tempo em que se é experienciado aquele
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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carisma, e para se relacionar com outros carismas. A dimensão de fecundidade também fala
dessa “abertura para o outro”, e é um aspecto essencial na identificação de um novo carisma
dentro da Igreja, ou seja, trata-se da comunicação da experiência religiosa pelo fundador(es) a
outras pessoas (discípulos) que, por sua vez, também se identificam e vivem experiência
religiosa semelhante a do fundador(es) (NOGUEIRA, 1999).
Nesse sentido, pode-se identificar experiências pessoais diversas, analisando a
definição do carisma de uma Comunidade pode divergir quando escrito por membros
diferentes. Por exemplo, um membro definiu o carisma como “Ser sal e luz através de todos
os meios possíveis” enquanto outro definiu o mesmo carisma como “Levar o sal e a luz de
Deus através de todos os meios possíveis (fazer as pessoas experimentarem Cristo, verdadeiro
sal que dá gosto à vida).” A diferença está justamente na compreensão do carisma como
vivência pessoal “ser o sal...” e a vivência para o outro “levar o sal...”, ou seja, que indica se
o mesmo é vivido na dimensão interior da experiência religiosa ou na abertura para o outro.
3.3.3 Processo Comunitário
As questões que se seguem referem-se, seja de modo quantitativo ou qualitativo, às
vivências de processos comunitários. Entendendo tal processo como: (a) a própria dinâmica
comunitária (início, atividades, número de membros, etapas de amadurecimento, recursos
para sustento e patrimônio, dificuldades de convivência); (b) a relação entre os membros e as
Comunidades (adesão, permanência, saída, consagração de vida ou aliança, fundação); (c) a
relação da comunidade com a igreja e (d) como a relação da comunidade com a sociedade. A
figura 2 procura esclarecer essas dimensões do processo comunitário.
Figura 2 – Dimensões do processo comunitário
Comunidade e Igreja
Dinâmica interna da Comunidade
Membros e comunidade
Comunidade e sociedade
Processo Comunitário
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
104
3.3.3.1 Dinâmica Comunitária: estrutura, membros e seu fluxo de entrada e saída e etapas de
amadurecimento das Comunidades Novas de Vida e de Aliança
Na dinâmica comunitária estão elencados os elementos referentes ao contexto interno
da Comunidade e tudo o que está a ele relacionado, dando ênfase ao processo comunitário de
entrada e saída de membros e de transformações ao longo do tempo.
a) Fundação das CNVA47
A maioria dos que responderam ao questionário (66,6%) afirma que nasceu de um
grupo de oração da RCC. Alguns atestam que nasceram de um grupo formado pelo(a)
fundador(a), de um grupo de crisma ou de um grupo de outro movimento.
No questionário foi perguntada em qual data é considerada fundada a Comunidade. A
expressão “considera fundada” significa a data que a Comunidade, observando a sua história,
designou como data de sua fundação, que pode estar ligada a uma fase informal da vida
comunitária ou a uma fase mais institucional da Comunidade, podendo se referir, por exemplo
a: (a) quando o fundador da Comunidade simplesmente decide iniciar uma vida em comum
com outras pessoas, (b) quando um grupo de oração que já se reúne há algum tempo decide
comprometer-se mais com a Igreja e uns com os outros, (c) quando um grupo de pessoas,
junto com o fundador, decidem, sob a direção de um guia espiritual, como um padre,
comprometer-se a viver em comunidade religiosa segundo algumas regras por eles
estabelecidas.
Pela diversidade de possibilidades, não é possível fazer um esboço do surgimento das
comunidades, mas sim dizer que todas elas iniciam uma vida comunitária antes de serem
oficializadas, mesmo que essa vida comunitária não seja de convivência no mesmo teto, mas
de várias reuniões em comum. O quadro 8 demonstra as datas de fundação das Comunidades,
separadas por décadas.
Década de 80 - Comunidade Manain (15/11/87)
- Comunidade Católica de Casais Vida Nova (31/03/89)
Década de 90
- Comunidade Remidos no Senhor (19/01/91)
- Comunidade Católica Maria Mater Familiae (31/05/95)
- Comunidade Católica Terço da Sagrada Família (29/04/97)
- Comunidade Católica Magnificat (27/09/97)
- Comunidade Maria Auxiliadora dos Cristãos (30/04/98)
47 Ver Capítulo II – subseção 2.4.1 – Movimento da Renovação Carismática Católica.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
105
- Fraternidade Casa de Judá (14/10/99)
Década de 00
- Comunidade Católica Missionária Salve Maria (01/00)
- Comunidade Siloé (04/00)
- Comunidade Ressurreição (26/12/00)
- Comunidade Santa Clara (01/01/01)
- Comunidade Christós (14/04/01)
- Comunidade Filhos da Misericórdia (23/06/01)
- Comunidade Divina Misericórdia (16/09/02)
- Comunidade Católica Sal e Luz (06/11/2002)
- Comunidade Filhos de Maria (11/06/04)
- Comunidade Católica Kairós (17/01/06)
- Comunidade Católica Reviver pela Misericórdia (18/07/06)
Quadro 8 – Data de fundação das CNVA
Das comunidades que responderam, a mais antiga é a Comunidade Manain, de
Caruaru/PE, considerada fundada em 15/11/87, e a mais recente é a Comunidade Católica
“Reviver pela Misericórdia”, com sede em Natal/RN, considerada fundada em 18.07.2006. A
comunidade que organizou o evento foi a Remidos no Senhor, nascida em Pombal/PB,
considerada fundada em 19.01.1991.
b) Estrutura das CNVA48
As Comunidades Novas de Vida e Aliança possuem em sua estrutura duas formas de
pertença: vida ou aliança. O termo “comunidade de vida” se refere aos membros que deixam
as suas casas e vão morar em casas da comunidade, e o termo “comunidade de aliança” se
refere aos membros que continuam residindo em suas casas, entretanto formam vínculos com
a comunidade. Foi perguntado: Você faz parte da: com duas opções de respostas:
Comunidade de Vida ou Comunidade de Aliança, objetivando saber qual forma de pertença é
mais encontrada entre os líderes/fundadores presentes nos eventos pesquisados.
Os resultados mostram que 39% dos respondentes pertencem à Comunidade de
Aliança, enquanto 61% pertence à Comunidade de Vida. O que significa que os fundadores e
as lideranças, respondentes do questionário, pertencentes à comunidade de vida, representam
quase o dobro dos respondentes líderes das comunidades de aliança. Talvez isso se deva ao
48 Ver Cap. II, subseção 2.5.4 – A estrutura das CNVA.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
106
fato da exigência de maior disponibilidade de tempo investido na comunidade para as
lideranças e os fundadores que residem no seio de uma comunidade.
Mais diretamente sobre a estrutura da Comunidade, independente da opção do
respondente, pergunta-se: Qual a forma da Comunidade? Dando as opções de resposta: vida,
aliança ou vida e a aliança. Os resultados estão expressos no gráfico 4.
Gráfico 4 – Formas de vida comunitária: vida ou aliança
Essa resposta indica que as Comunidades de Vida se formam junto com as
Comunidades de Aliança, não existindo, entre as pesquisadas, comunidades apenas de vida,
existindo, porém, Comunidade de Aliança sem Comunidade de Vida. O que pode significar
que a ajuda financeira dada pelos membros da Comunidade de Aliança à obra influencie na na
formação da estrutura comunitária ou, por outro lado, pode significar apenas que há uma
tendência a existirem as duas formas de pertença nas Comunidades Novas.
Sobre a estrutura organizacional da Comunidade, foi feita uma pergunta de
múltiplas respostas. Pergunta-se: Qual a estrutura organizacional da Comunidade
atualmente? sendo dadas várias alternativas expostas o quadro 9, com os respectivos
resultados:
Assembléia de membros ou reunião do coletivo de membros
Diretoria/ conselho diretor/ coordenação
Conselho Consultivo
Conselho Admin.
Conselho Financ.
Grupos de oração
Minis-térios
Projetos de Evangeliza-ção
48,6% 48,6% 28,6% 28,6% 28,6% 28,6% 62,8% 68,5%
Quadro 9 – Estrutura organizacional das CNVA
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A maioria das Comunidades está estruturada em Ministérios (62,8%), que são grupos
de serviço à comunidade e à sociedade vindos da formação dos Grupos de Oração da RCC,
como Ministério de Intercessão, Ministério de Música, Ministério de Pregação, Ministério de
Teatro, Ministério de Pastorais49.
A maioria também possui Projetos de Evangelização (68,5%), como por exemplo,
junto às famílias, às crianças e aos jovens (maioria), que são projetos amplos, podendo ser
realizadas diversas atividades dentro e fora da Comunidade. Outras indicam tanto os eventos
realizados (“Forró do Povo de Deus”, “Festival de Artes”, “Casa de Show Católica”) como
projetos voltados para o social como “Lar de Idosos, “Ensino”, “Abrigo de Crianças”, “Centro
de Cultura da Vida”.
Poucos ainda possuem Grupos de Oração, que se reúnem uma vez por semana
exclusivamente para oração, louvor, escuta da Bíblica, 28, 6%. Esse resultado demonstra uma
discrepância em relação às formas de ingresso nas Comunidades Novas apresentadas nos
questionários, que foram os Grupos de Oração, com 62,7% de indicação. No entanto, nessa
questão apenas 28,6% o indicam como presentes na estrutura comunitária. Talvez a forma da
presente questão, com múltiplas escolhas e já no fim de um questionário relativamente
grande, tenha prejudicado as respostas.
Isso demonstra que a maioria das Comunidades pesquisadas está em fase inicial de
institucionalização, pois possuem ainda a estrutura dos Grupos de Oração da RCC, que é
muito simples, formada por uma Coordenação Geral e alguns Ministérios, além da assembléia
com todos os membros. Essa tendência vem sendo repetida a partir dos modelos de
Comunidades mais antigos, principalmente a Comunidade Católica Shalom, segunda mais
antiga Comunidade Nova do Brasil (fundada em 1982), que se dedica também à formação.
Apesar de iniciarem um processo de organização diferenciada, porque muitas já
possuem Projetos de Evangelização e algumas terem diversos Conselhos formados que são
criados de acordo com as necessidades ou por exigências formais, quando a Comunidade
deseja oficializar-se junto à igreja local50.
Dentro da estrutura interna, investigou-se quais são as formas de participação dos
membros nas decisões, sendo uma pergunta fechada, de múltiplas escolhas. Pergunta-se
Quais as formas de participação dos membros nas decisões? sendo colocadas várias
alternativas, conforme quadro 10, com os resultados encontrados.
49 Sobre a RCC e os ministérios, ver subseção 2.4.1 Origem no Movimento da Renovação Carismática Católica. 50 Ver também Cap II – subseção 2.5.3 – A estrutura das CNVA.
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108
Acesso aos registros e informações da comunidade 25,7%
Eleição da diretoria em assembléia geral/reunião do
coletivo de membros
33%
Prestação de contas aos membros em assembléia 28,6%
Participação nas decisões cotidianas da Comunidade 34,2%
Não existem mecanismos de participação 40%
Quadro 10 – Formas de participação dos membros nas decisões comunitárias
Nessa questão, boa parte não respondeu: 31,4%.Talvez o grande índice de respostas
deixadas em branco se deve à forma diferenciada da linguagem utilizada (termos de uso não
comum na comunidade), ou à forma como a questão foi exposta (necessidade de leitura das
respostas), ou pode não haver muito interesse por parte dos membros sobre o assunto, além do
posicionamento da questão ter sido quase no final do questionário.
Mesmo assim, o resultado indica um ponto problemático na vivência interna das
comunidades, ou seja, uma ausência de acesso às decisões e informações por parte de todos os
membros da Comunidade. Este resultado bastante significativo requer uma explicação que
demandaria outro estudo, no interior das comunidades, que no momento não foi possível
realizar, uma vez que a pesquisa se concentrou em uma amostra formada por líderes.
c) Membros e seu fluxo
Perguntou-se: Você é fundador? Respostas: sim ou não. Essa pergunta tem como
objetivo verificar o número de fundadores entre os presentes, inclusive destacando-os no
questionário, para perceber o grau de envolvimento do líder-fundador com a Escola de
Formadores de Campina Grande, curso pesquisado nesta dissertação.
Gráfico 5 – Percentual de líderes fundadores e outros líderes
Em números absolutos, responderam ao questionário 06 fundadores (18%) e 27
membros (82%). Entre os respondentes fundadores, há apenas 01 pertencente à Comunidade
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
109
recém fundada (data de fundação: 2006), 03 pertencentes a Comunidades fundadas entre 2000
e 2002 e outros 02 que fundaram Comunidades nos anos de 1987 e 1989.
Esse percentual de fundadores participante da Escola de Formadores pode ser
considerado alto, em relação ao número de membros, indicando a importância dada por eles a
essa Escola, demonstrando preocupação com a formação em suas Comunidades. Pode indicar
também, por outro lado, que muitos fundadores não se consideram necessitados de formação.
Perguntou-se, em questão fechada, se o membro é ou não consagrado na sua
Comunidade, com opções de resposta sim ou não, objetivando perceber a fase do processo
comunitário pela qual a Comunidade está passando, no sentido de organização da formação e
denominação dada aos membros (vocacionados, postulantes, noviços, consagrados). O gráfico
6 mostra os resultados.
Gráfico 6 – Porcentual de consagrados e não-consagrados nas CNVA
Esses dados demonstram equilíbrio entre os consagrados (fundadores são considerados
consagrados) e os não consagrados, apontando para existência, entre as Comunidades
participantes, de fases diversas no processo comunitário, seja de fundação ou formação,
porque, como dito acima, a consagração indica uma fase mais avançada no processo de
formação da comunidade.
Logo após, perguntou-se há quanto tempo a pessoa é consagrada, procurando
aprofundar a pergunta anterior. Aqui serão analisadas as respostas das pessoas que se
dizem consagradas, sejam fundadoras ou não, sendo elas quase a metade dos que
responderam o questionário (46%-conforme gráfico acima).
O resultado confirma a tendência mostrada no universo pesquisado de que poucas
comunidades estão em uma fase avançada do processo comunitário, ou seja, estão entre
11 e mais de 15 anos de fundação. Apenas uma comunidade está no início da fundação (01
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110
ano) e a maioria (36%) está no processo intermediário de fundação (de 02 a 07 anos), e
somente 6% estão em um processo mais maduro de fundação, ou seja, com mais de 11 anos
de fundação.
Quanto às formas de ingresso na Comunidade foi proposta questão de múltipla
escolha, podendo optar por mais de um tópico. Os resultados estão expressos no gráfico 7.
Gráfico 7 – Formas de ingresso nas CNVA
Com relação ao número de participantes e seu fluxo foram formuladas três
perguntas: qual o número inicial de participantes; qual o número atual de participantes e
qual o fluxo de entrada e saída nos últimos 12 meses. Com relação ao fluxo de membros nos
últimos 12 meses, a pergunta foi a seguinte: Nos últimos 12 meses o número de participantes
(membros): aumentou, diminuiu, permaneceu igual. As respostas se encontram expressas no
gráfico 8.
Gráfico 8 – Fluxo de membros que entraram e saíram da comunidade nos últimos 12 meses
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
111
A maioria das pessoas que responderam ao questionário (66%) disse que teve seu
número de membros aumentado nos últimos 12 meses e alguns disse que esse número
permaneceu igual (28%). Apenas uma pessoa disse informou que o número de membros da
sua Comunidade diminuiu: a Comunidade Católica Kairós, sediada em Taquaritinga do Norte,
fundada em 17/01/2006. Essa diminuição pode indicar que, como essa Comunidade se
encontra em fase bem inicial do processo fundacional (há apenas 01 ano o grupo resolveu
formar uma Comunidade), alguns membros resolveram se afastar, talvez por que foram mais
exigidos nos compromissos ou não concordaram com a decisão.
O número atual de membros varia bastante, ao ponto de um dos representantes da
Comunidade de Casais Vida Novo, Natal/RN afirmar que possui 900 membros (450 casais), e
Comunidade Santa Clara – Paulista/PE afirmar que possui apenas 12 membros.
Da análise dos questionários, percebemos que entre as mais numerosas estão:
• com 100 membros iniciais, a Comunidade Filhos da Misericórdia, com
sede em Fortaleza e uma casa de missão em João Pessoa, considerada
fundada em 23 de junho de 2001, com número atual de 80 membros e
nos últimos 12 meses esse número permaneceu igual;
• com 120 membros iniciais está a Comunidade Católica Maria Mater
Familiae, com sede em Natal/RN, considerada fundada em 31/05/1995,
com número atual de 60 membros e nos últimos 12 meses o número
de membros permaneceu igual.
Entre as menos numerosas estão:
com 03 membros iniciais, a Comunidade Santa Clara, com sede em
Paulista/PE, considerada fundada em 01/01/2001;
com 05 membros iniciais, a Comunidade Filhas de Maria, com sede em
Itambé/PE, considerada fundada em 11/06/2004, atualmente a
Comunidade possui, em média, 14 membros, e esse número tem
aumentado nos últimos 12 meses.
Em média, o número inicial de membros é de 06 a 22, aumentando ao longo do tempo.
Com exceção da comunidade mais recente, a Comunidade Reviver pela Misericórdia que, à
época da aplicação do questionário, estava com pouco mais de 01 ano de existência,
permanecendo com 22 membros desde a sua fundação (18/07/2006).
Nos casos acima expostos, as Comunidades que possuem um maior número de
membros permaneceram com esse número igual nos últimos doze meses, apesar de terem
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
112
diminuído em relação ao número inicial de membros. E dentre as Comunidades que iniciaram
com um reduzido número de membros teve uma que aumentou esse número nos últimos 12
meses.
Os dados sobre o tamanho poderiam colocar em cheque o sucesso das CNVA, porque
a sua diminuição indicaria desinteresse das pessoas pela vivência em Comunidade.
Entretanto, também pode significar uma mudança no perfil dessas Comunidades, com a
tendência de serem “pequenos núcleos”. Vale lembrar também que a Comunidade sempre nos
remete a algo acolhedor, seguro, muitas vezes utópico, principalmente em nossos dias e,
quando levado para a realidade dos que procuram uma vivência comunitária, traz exigências
de lealdade absoluta que, quando não encontrada, facilmente é entendida como traição
(BAUMAN, 2003). Outra dificuldade encontrada seria quando algumas condições para que a
comunidade permaneça começam a desabar, por exemplo, quando as trocas entre o mundo
exterior e o interior passam a ser mais intensas do que as realizadas internamente (STASIAK,
2006).
Com o intuito de verificar o processo comunitário no tempo, perguntou-se: Você
percebe que Comunidade que você faz parte está crescendo ou diminuindo? Porquê?
A maioria (86,4%) respondeu que a comunidade está crescendo; apenas 02 (menos de
1%) responderam que está diminuindo e também 02 responderam que está estável. Uma delas
respondeu que só tinha 1 ano e 4 meses, ainda eram muito bebê.
Há uma aparente contradição deste resultado com o resultado apresentado no gráfico
8, que mostra apenas 66% de respostas indicando que o número de membros aumentou nos
últimos 12 membros. Entretanto, como aquela pergunta foi mais específica, pode-se entender
que a palavra crescendo, apresentada nesta questão, não seja entendida pelas pessoas que
responderam ao questionário, como diretamente relacionada com o aumentou ou diminuição
dos membros de sua comunidade. A essa palavra (crescendo) pode ser dado, por exemplo, um
significado espiritual, ou um entendimento melhor entre os membros, um melhor
aproveitamento da formação por parte dos membros.
Esse entendimento pode ser corroborado com as respostas apresentadas para justificar
o “crescimento” da Comunidade. Veja-se algumas:
- a formação;
- a procura por ajuda espiritual;
- porque estão sendo obedientes;
- a dedicação de todos da comunidade;
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
113
- porque o fundador tem ousadia no Espírito e coragem de dar passos;
- porque as pessoas estão sedentas de Deus;
- pelo número de casais que a procuram;
- porque são chamados a servir em outras cidades e dioceses;
- pelo melhor entendimento da Igreja sobre as comunidades;
As pessoas que afirmaram que a sua Comunidade estava diminuindo, justificaram
assim sua resposta:
- porque ainda está saindo de uma crise;
- devido à dificuldade de aderir às exigências da vida comunitária.
Essas respostas poderiam levar ao entendimento de que essas Comunidades possuem
um maior tempo de fundação, o que as fariam vivenciar situações como essas. Entretanto,
ambas têm poucos anos de existência. A que justifica a diminuição porque está saindo de uma
crise tem 10 anos de existência, e a que justifica a diminuição por motivo de dificuldades na
vida comunitária tem 07 anos.
Na verdade, olhando para a intensidade de uma vida em comum, 07 ou 10 anos são
tempos suficientes para a entrada num processo de rotinização da vida comunitária com o
surgimento de várias tensões e conflitos entre os membros com riscos de perda dos valores
iniciais de fundação (Turner, Alberoni).
Pesquisou-se também qual seria a fase do processo comunitário que a Comunidade
estaria vivenciando, sendo esta uma questão de múltipla escolha. Para as opções de resposta,
foram usados termos que sugerem três etapas, quais sejam:
- iniciando e com muitos membros se engajando seria a fase inicial do processo
comunitário;
- com muitas atividades missionárias, mais centrada na formação, estável
indicam uma fase intermediária no processo comunitário;
- em crise e com muitos membros saindo indicam uma fase de mudanças ou final
do processo comunitário;
- o termo em tempo de definições pode indicar qualquer das fases.
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114
O gráfico 9 mostra o resultado dessa questão.
Gráfico 9 – Processo Comunitário
A maioria marcou que está com muitas atividades missionárias (24%) e em tempo de
definições (29%). Boa parte indicou que está concentrada na formação (15%), e algumas
indicaram que está estável ou com muitos membros se engajando (11% ambas), ou ainda
iniciando (8%). Apenas uma considerou que estava em crise e com muitos membros saindo,
foi a Comunidade Católica Magnificat, de Campina Grande, considerada fundada em
27/09/1997, ou seja, há mais de 10 anos.
Os dados demonstram que a maioria das comunidades pesquisadas se encontra em
uma fase intermediária de maturidade comunitária, verificada pela estabilidade e pelas
atividades missionárias, que indicam certa organização interna para poder sair em missão,
como também pela concentração na formação, que pode indicar necessidade de melhor se
estruturar.
O tempo de definições, apontado pela maioria, indica a preocupação em definir os
rumos da Comunidade. Provavelmente, no que se refere à redação do Regimento Interno ou
Estatutos, exigidos pela Igreja para que a comunidade se mantenha na diocese onde se
encontra.
Foi indagado no questionário sobre a existência de dificuldades de convivência
entre os membros, procurando perceber se há interferência disso no fluxo de entrada e saída
de membros nas Comunidades. Em caso afirmativo, perguntou-se sobre quais seriam essas
dificuldades. O gráfico 10 trás as possíveis escolhas e o resultado.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
115
Gráfico 10 – Dificuldades de convivência entre os membros na CNVA
Extrai-se dos resultados que a maioria de 63% admite que há dificuldade de
convivência na vida comunitária. As maiores dificuldades assinaladas fora: a dificuldade de
abertura das pessoas (31%), o tempo para a convivência (27%) e a falta de
perdão/reconciliação (24%). São problemas que ocorrem, freqüentemente, fora da vida
comunitária e que se buscaria ultrapassar, no contexto comunitário. Entretanto, não deixam de
existir em um passe de mágica, só porque há uma convivência comunitária, deve ser mais um
motivo pelo qual as CNVA estariam investindo em formação.
O questionário também explorou as atividades realizadas em comunidade, dando-se
algumas opções de atividades e podendo ser marcada mais de uma atividade. Buscou-se
observar as oportunidades de convívio e envolvimento comunitário, que reforçam os laços
fraternos entre os membros. O gráfico 11 demonstra os resultados encontrados.
Os dados demonstram que as atividades rituais de oração de louvor e adoração ao
Santíssimo Sacramento são as mais indicadas como vivência comunitária (17% cada
atividade). A recitação do Rosário mariano também é atividade ritual (8%). Somando os
resultados, as atividades rituais ficaram com 47% das atividades comunitárias. O lazer e
a convivência são privilegiados como momentos comunitários de sociabilidade, somando
26%, demonstrando preocupação com as relações afetivas entre os membros. As missões e os
serviços são outras formas de agregarem os membros comunitariamente, somando 24%.
No que se refere à manutenção da Comunidade, investigamos se ela tem sede
própria e encontramos o seguinte resultado: 59% das Comunidades responderam que não têm
sede própria e 41% responderam que possuem sede própria. Os resultados demonstram que
grande parte possui sede própria, indicando um bom grau de organização e planejamento de
manutenção da Comunidade no tempo.
Quanto a outros patrimônios, que não seja a sede da Comunidade, perguntando: a
comunidade tem patrimônio próprio? Não, Sim, O quê? Foi obtido o seguinte resultado: 74%
afirmam que têm patrimônio próprio, enquanto 26% afirmam que não têm, revelando que,
apesar de muitas Comunidades não terem sede própria, a grande maioria possui outros
patrimônios como terreno, propriedade rural, móveis, equipamentos, terras com construções,
carro, indicados no questionário.
Para verificar como esse patrimônio foi adquirido, foram feitas mais algumas
perguntas. Primeiro, quanto à origem dos recursos que sustentam a Comunidade, com
algumas possibilidades de resposta expressas no gráfico 12, junto com os resultados.
Gráfico 12 – Origem dos recursos para o sustento da comunidade
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
117
O resultado mostra que os recursos vêm proporcionalmente dos próprios membros
(42%) e de doações (42%), em igual proporção, poucos indicam outras origens (11%) ou
ajuda da igreja/paróquia (2%) ou de projetos governamentais (0%).
Além dessas mencionadas fontes, os recursos podem provir de outros meios, por isso
indagou-se sobre a realização de projetos/campanhas de arrecadação nos últimos 12 meses,
deixando a possibilidade de indicação de quais seriam esses projetos. Como resultado, 69%
afirmaram que sim e 31% afirmaram que não. Sobre quais foram os projetos de arrecadação
de fundos, houve menção, entre outros, a sorvetada, rifas, eventos, brechó, bazar, chá,
feijoada, bingos, campanha porta a porta, venda de CDs, campanha para construção de sede
própria.
Do grupo de respostas acima, sobre a origem dos recursos das Comunidades Novas,
concluímos que o patrimônio e o sustento das Comunidades Novas provêm de dos próprios
membros51, de doações e de projetos de arrecadação de fundos.
Foi investigada a faixa etária do grupo que iniciou a experiência comunitária ,
procurando perceber se o fenômeno de fundação de Comunidades Novas está ou não
relacionado com uma faixa etária determinada, devendo ser apontada uma das respostas
sugeridas.
O alto percentual de pessoas que não responderam a essa questão (82%) é justificado
pelo fato de que elas não participaram do início da fundação da Comunidade. Portanto,
apenas as que se consideram fundadoras de Comunidades (06 pessoas - 18%), responderam-
na. Isso deixa a presente questão em suspeita, pela pouca variedade de Comunidades
avaliadas. Mesmo assim, constata-se que a faixa etária do grupo fundante dessas 06
Comunidades é variável, estando o número de jovens, de 15 a 25 anos e de 21 a 25 anos, em
maioria (somam 12% dos 18% que responderam).52
Perguntaram-se quantos por cento dos membros que iniciaram a experiência
comunitária permaneciam até então, dando algumas opções para escolha. Nessa questão
objetivamos investigar a tendência à evasão dos que fundaram a Comunidade, após um
determinado período.
Houve bastante variação no resultado dos que responderam à pergunta, houve um
equilíbrio entre 20% e 80% de permanência e entre 10% e 100% de permanência, mas
também houve indicação de 30% e 50% de permanência. Essa grande variação pode ser
51 A Comunidade de Aliança em geral trabalha e contribui com parte de sua renda para a Comunidade em Geral, e a Comunidade de Vida também, pode, em alguns casos, trabalhar. 52 Ver gráfico 13.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
118
explicada talvez pelo fato de que o processo comunitário dessas comunidades se encontra em
diferentes fases. Ou seja, aquelas que afirmam que permanecem 100% dos membros significa
que são as que foram fundadas há pouco tempo, talvez 01 ano ou dois; as que afirmam que
permanecem apenas 10% dos membros foram fundadas a mais tempo e talvez já possuíssem
poucos membros desde a sua fundação. As demais estão em tempos intermediários no
processo comunitário. Entretanto, a essa tendência natural, diverge a Comunidade Kairós,
com apenas 01 ano de existência que informou que há muitos membros saindo.
Gráfico 13 – Percentual dos membros que permanecem desde a fundação da CNVA
Esse resultado demonstra que a juventude foi/é uma fase propícia para iniciar
Comunidades Novas, mas não a única. Comparando essa análise com a estimativa de idade
dos fundadores respondentes, que estão metade (06) entre os 20 e os 30 anos e outra metade
entre os 41 e 50 e poucos anos, e levando em consideração o tempo de existência de suas
comunidades, percebemos que, com raras exceções, a fundação de comunidades é feita por
membros em idade bem jovem.
A forma de engajamento dos membros nas comunidades é, em geral, por participação
em grupos de oração, em Seminários de Vida no Espírito Santo e em eventos.53 Atendimentos
são conversas e orações com as pessoas que procuram a comunidade para aconselhamentos e
orações, e são uma das formas de atração de pessoas para engajar-se na Comunidade.
53 Ver Capítulo II, subseção 2.5.3 – Origem na RCC.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
119
3.3.3.2 – Relação entre os membros e a comunidade (adesão, permanência, saída,
consagração, fundação)
Nas análises das questões que seguem tratar-se-á de aspectos internos da relação entre
os membros e a comunidade, sendo a maioria das questões abertas, nas quais serão feitos
comentários buscando relacionar o discurso exposto nas respostas com a teoria exposta no
primeiro Capítulo desta dissertação. Para começar, analisaremos as questões de múltiplas
escolhas, apenas duas, seguidas.
Foram exploradas as principais motivações para a entrada e a saída dos membros.
Com relação a entrada, pergunta-se Qual o motivo para a entrada, com várias opções de
resposta expressadas no gráfico 14.
Gráfico 14 – Motivações para entrada nas CNVA
A motivação mais indicada para decisão de pertencer à comunidade foi o desejo de
servir a Deus (28%), seguido pelo desejo de se consagrar a Deus e situações difíceis que
estão sendo vividas (ambos 19%), influência de amigos (14%), comprometer-se com o reino
de Deus (10%) e outros (6%). O motivo inconsciente ficou com 3% e o medo da solidão teve
apenas 1% das respostas.
Os dados demonstram que há um desejo coerente em pertencer a uma comunidade
religiosa, que seria servir a Deus e se consagrar a Deus, não se sabe, porém, se esse desejo
vem acompanhado de uma consciência sobre as implicações geradas dessa pertença, como
renúncia aos projetos pessoais, afastamento da família (dificuldades indicadas no quadro 13).
A diferença entre os termos está no detalhe de “servir” e “consagrar”, no qual “servir” assume
uma conotação em direção ao outro, e “consagrar”, uma conotação mais subjetiva da
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
120
experiência com o sagrado. A opção comprometer-se com o reino de Deus também tem um
significado em direção ao outro.
Por fim, a influência de amigos teve certo peso nas decisões, talvez, e principalmente,
na parcela mais jovem dos participantes. Vale notar a pouca influência, na decisão, causada
pelo medo da solidão.
Para as opções de motivações para saída da Comunidade, perguntou-se: Qual(is) o(s)
motivo(s) para a saída de membros, com as opções de resposta expressas no gráfico 15 junto
com os resultados.
Gráfico 15 – Motivações para saída das CNVA
A maior motivação apontada foram os interesses pessoais (41%), o que demonstra a
influência da cultura atual no seio da comunidade, pois enquanto a Comunidade exige do
membro renúncia dos planos pessoais em função do projeto comunitário, a cultura atual
influencia no sentido de pensar primeiro nos projetos pessoais.
Também é notável a influência das crises pessoais (29%), indicando o pensamento da
sociedade atual no sentido da grande importância dada à pessoa, que busca o equilíbrio
emocional, o tratamento psicológico.
Parece contraditório que tenha sido indicado que as crises comunitárias (15%) pouco
influenciem para a motivação de saída dos membros, tendo em vista que tanto as crises
pessoais como os interesses pessoais estão presentes na crise comunitária e vice-versa. Talvez
as pessoas que responderam os questionários não percebam a profundidade do significado de
crises comunitárias.
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121
Com as respostas abertas, que estarão presentes nas questões que seguem, objetivamos
deixar os membros das Comunidades livres para se expressarem, com o intuito de analisar o
discurso presente nas respostas.
Pesquisando o porquê de se consagrar em uma Comunidade Nova ou fundá-la,
perguntou-se: Porque você decidiu se consagrar ou fundar uma comunidade? As respostas
estão transcritas no quadro 11.
Eu fui rendida por amor a Jesus, em levar Jesus aos irmãos, para que eles tenham vida e a
tenha em abundância
Para ficar mais próximo do coração da trindade (consagração a Mª Santíssima). (ñ no
carisma ainda ñ tem)
Porque decidi viver 24 horas para anunciar o evangelho a toda criatura. E também aceitar
um chamado de Deus
Senti o apelo de Deus para vivermos mais intensamente a fraternidade e o apostolado
Pelo estado desumano que se encontrava a minha sociedade
Por uma vontade de corresponder a medida de Amor a qual fui amada. Por uma profunda
gratidão foi e é isso que me impulsiona
Porque vivi uma grande experiência com o Senhor
Primeiro pela fonte e autor do chamado, Deus e depois pela busca pessoal do sentido da
minha vida, do meu encontro com aquilo que me realiza enquanto pessoa
Porque descobri aqui minha vocação
Como aliança pelo chamado a viver uma vida santa.
Após a experiência fundante, decidi assumir o carisma derramado entre nós.
Quero me consagrar porque encontro na minha comunidade um modo de vida que me faz feliz
Eu decidi consagrar a minha vida para um sentido em minha e pode fazer algo mais para aos
pobres a partir de uma vida fraterna.
Pelo desejo de dar a vida no carisma pelo qual me senti atraída.
Eu decidi e desejo consagrar-se porque eu tive uma experiência pessoal do amor de Deus por
isso desejo dar a minha vida.
A consagração para mim é a aliança concreta com Deus.
Consagrar para uma vivência mais integral da vontade de Deus; Fundar não decidiu fundar
uma comunidade, aconteceu.
Não sou consagrada, porém meu objetivo dentro da comunidade é viver o carisma junto a
consagração.
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122
Me senti chamado a entregar de maneira definitiva minha vida a Deus.
Porque algo inquieta o meu coração e quero buscar em Deus e por Ele. Os apelos do meu
coração.
Para atender ao chamado de Deus em servi-lo na pessoa dos que sofrem pela ausência de
Deus e de boas condições de vida.
Para servir a Deus de forma mais profunda.
Porque senti um chamado de Deus para viver algo mais forte, um amor radical do Evangelho
e a Igreja.
Quadro 11 – Decisão de se consagrar/fundar uma CNVA
Analisando os destaques feitos nas falas transcritas em relação aos valores difundidos
pelas Comunidades, a partir dos cursos de formação, em especial o módulo II da Escola, que
versou sobre fundação das Comunidades e formação integral dos seus membros, pode-se
dizer que o acento no chamado de Deus que seria feito a cada pessoa, para viver uma forma
específica de vocação, um carisma, está diretamente em consonância com as lições da Escola.
A experiência com o Senhor é outro termo utilizado nas respostas que foi aprofundado na
Escola, como essencial para perceber o chamado de Deus na vida da pessoa, devendo ser
corroborada com passagens do Evangelho que direcionem esse chamado, que é a própria
realização pessoal.
Muitos (06) falam do chamado de Deus para fazer ou viver alguma coisa; outros de
uma resposta de amor e gratidão a Deus, aliança com Deus, por ter tido uma experiência
com o Senhor, como uma forma mais profunda de servir a Deus, outros falam de realização,
sentido da vida, vocação, felicidade.
Verificamos as respostas e percebemos certa homogeneidade nas mesmas, com
repetições de termos. Essas repetições são em virtude da assimilação de um discurso religioso
próprio dessas comunidades, que valorizam o lado espiritual, a relação pessoal com Deus, a
experiência individual de fé.
Analisando-as a partir da discussão teórica feita no capítulo 1, podemos identificar nas
falas se as pessoas, principalmente os fundadores das Comunidades, viveram um estado
nascente, conforme Alberoni.54 Pode-se citar a presença do renascer e da experiência de
transcendência. Os fundadores renascem, a partir do retorno às origens do Cristianismo, que
os leva a pensarem sua fé no momento em que se vive, a partir da experiência inicial cristã.
54 Ver Cap. I – subseção 1.4.3 – A experiência fundamental.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
123
A experiência de transcendência se encontra nas respostas referentes à experiência
religiosa, das quais destacamos: porque vivi uma grande experiência com o Senhor. Não só os
fundadores das Comunidades Novas, mas muitos que vivem uma experiência com Deus,
como os que almejam se consagrar em uma Comunidade Nova, dizem que estão nascendo
para uma nova vida. Na verdade, ficam “apaixonados” por Deus, porque levavam uma vida
sem amor. “A experiência metafísica existe até no apaixonar-se, quando o indivíduo
compreende que a vida que levava ignorava, na realidade, o amor. (...) Diante deste amor,
desta plenitude de vida e de ser, todo o mais parece murcho e insignificante” (ALBERONI,
1991, p. 95/96).
Entre as respostas que estão fundadas em uma consciência social, preocupando-se
com as necessidades da sociedade, destacam-se: para poder fazer algo pelos mais pelos
pobres a partir de uma vida fraterna; pelo estado desumano em que se encontrava a minha
sociedade; para atender ao chamado de Deus em servi-lo na pessoa dos que sofrem pela
ausência de Deus e de boas condições de vida. Sobre a função social da religião, João Décio
de Passos analisa que os grupos “passam a operar suas representações e práticas religiosas
como um protesto da ordem social e política estabelecida e a buscar novas legitimações”
(PASSOS, 2006, p.114).
Por fim, pode-se dizer que, de qualquer forma, a maioria das respostas demonstra uma
profundidade na experiência com o Sagrado, a partir da qual se foi tomada uma decisão de
mudança de vida e de intervenção na sociedade. Pode-se dizer, de um “aprisionamento” ou
uma necessidade de manter uma relação com o Sagrado, que passa a direcionar as vontades e
as decisões da pessoa.
Por outro lado, após investigar sobre a decisão de se consagrar/fundar uma
Comunidade, pergunta-se sobre qual é a maior dificuldade na decisão de se
consagrar/fundar, procurando encontrar as tensões existentes no momento da decisão. As
respostas encontradas estão no quadro 12:
Maior dificuldade foi deixar a minha maior riqueza, meus pais, minha família (consagrar).
Compreender o chamado de servos de Maria Santíssima. E de ñ responder o chamado.
Renunciar as minhas vontades e sonhos.
O medo da responsabilidade e a resistência ao novo por parte de outras pessoas, que geraram
incompreensões.
O medo de apresentar - algo diferente a sociedade que pudesse ver que é possível ser digno.
O deixar o que para mim era tão importante, família, projetos pessoais, etc.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
124
Me aceitar como fundador.
Vencer as resistências internas e externas, para um ato de entrega total.
Ter que romper com os relacionamentos.
O receio de não estar certo, insegurança.
O medo de responder ao chamado de Deus.
Saber que sou limitado e por isso poderia ter dificuldade em relacionar-se com os irmãos de
comunidade.
A aceitação da minha família quanto à minha escolha.
Espero o tempo de me consagrar por isso o bom Deus vai administrando as minhas
dificuldades.
Consagrar-se - não houve dificuldade, já era anseio do meu coração; fundar - aceitar que
tenha sido eleito para tal missão.
Para almejar a consagração a dificuldade que hoje encontro é "caminhar" com meu esposo –
somos comunidade de casais.
Abandonar minha vida.
Ser aquilo que Deus quer a aceitação da vontade de Deus que custou entrar na minha cabeça
e coração.
Perder minhas próprias vontades para buscar me esforçar em fazer a de Deus.
Prejudicada em razão do que foi explicado na resposta anterior.
Renunciar aos meus planos e sonhos.
Quadro 12 - Dificuldades em fundar uma comunidade ou nela se consagrar
Analisando as respostas, nota-se a presença de verbos que indicam dores como
deixar, renunciar, romper, abandonar. Também há repetição das palavras medo e receio,
sendo destacado em negrito algumas respostas mais significativas. O que reafirma a idéia dos
estudiosos da religião Rudolf Otto; Mircea Eliade (PASSOS, 2006), de que a experiência com
o divino e suas hierofanias traz em si contradições, como atração e temor.
Essas expressões revelam, por outro lado, a necessidade de um redirecionamento da
própria vida, de uma conversão, que pode ter sido imposta pela experiência com o sagrado ou
pelas exigências para se consagrar em uma determinada comunidade, principalmente para
aqueles que deixam seus empregos, estudos, família e vão morar em uma comunidade de
vida. Vale lembrar a característica de unanimidade da communitas, apresentada por Victor
Turner, identificada na condição do neófito que deve se esvaziar de todos os conhecimentos e
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
125
adquirir a sabedoria do grupo no qual se insere, para os quais “é preciso mostrar-lhes que, por
si mesmos, são barro ou pó, simples matéria, cuja forma lhes é impressa pela sociedade”
(TURNER, 1974, p. 127)
De qualquer modo, sempre existe uma dificuldade nessa decisão, o que mostra que
não é algo tranqüilamente aceito pela pessoa nem pela sociedade. Há uma tensão, provocada
pelo estado de liminaridade e sua natural transitoriedade descrito por Turner (1974). A
consagração é considerada como um rito de iniciação, fruto de um processo ritual que
significa a mudança de “status”, ou seja, a mudança de vida e até de personalidade55.
A consagração, como prática religiosa expressa em um ritual, produz sentido e eficácia
para os membros das Comunidades Novas, em especial por ser uma experiência religiosa
carismática, na qual o ritual é operado de maneira espontânea, dando um “equilíbrio tênue
entre o consenso coletivo e a fruição individual” (PASSOS, 2006, p. 94)
Enfim, da análise dessas respostas, ainda se percebe que os fundadores sentem
dificuldade em aceitar essa condição, destacando-se a presença do medo da responsabilidade
de tal ato. Além disso, parece que a decisão de fundar uma comunidade não é plenamente
racional e pessoal, pois o verbo aceitar revela algo que se é posto, como um convite.
Complementando essas duas questões, para identificar a confirmação das respostas,
principalmente à pergunta sobre a decisão de se consagrar, questionou-se ainda: O que mais
lhe motivou a se consagrar/fundar uma comunidade? As respostas foram as seguintes:
Levar o amor de Jesus a tantas pessoas que necessita a experimentar o que eu experimentei
um dia. Por isso eu me consagrei.
Foi o amor que a Virgem Mª em c/ a comunidade.
A certeza do amor de Deus por mim. Saber que sou pérola preciosa.
Percebia uma urgência para evangelizar.
A alegria da restauração das pessoas.
A gratidão a Deus.
Jesus, o desejo de segui-lo.
O meu sentimento de pertença a Deus.
A experiência que fiz no primeiro contato com o carisma.
Não podia responder negativamente a Deus. Foi e é até hoje um ato de gratidão e oferta.
Vejo um sinal de contradição ao mundo que me atrai profundamente.
55 Ver Cap. I – subseção 1.3 – Comunidade e sociedade.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
126
Crescer na intimidade com Deus e pela vida fraterna.
Minha identificação com o carisma.
O que motiva a consagrar-se é o amor, a sede de se entregar ao Senhor.
A certeza de me aliar com um povo com chamado específico de lutar pelo reino.
consagrar - o desejo de pertença a Deus; Fundar - ser fiel à eleição de Deus.
Viver o carisma vida nova.
A evangelização dos jovens.
A busca do serviço de Deus e sentir-me bem na vida em comum com os irmãos. A vida
fraterna é o que desejo para minha vida.
O desejo de vê outras pessoas receber o que Deus me deu.
A alegria de ter conhecido Jesus.
Encontrei um novo sentido para a minha vida, uma felicidade concreta, e um amor por Deus
que me conquistou.
Quadro n° 13 - Motivações para se consagrar em uma CNVA
Verificando as respostas, podemos dizer que algumas delas possuem um caráter mais
subjetivo (motivações interiores), como o amor a Deus, a gratidão a Deus, sentimento de
pertença a Deu, identificação com o carisma. E outras revelam motivações exteriores ou em
relação ao outro como, por exemplo: o desejo de ver outras pessoas receberem o que Deus
me deu; uma urgência para evangelizar; vejo um sinal de contradição ao mundo que me atrai
profundamente; a certeza de me aliar com um povo com chamado específico de lutar pelo
reino; a evangelização dos jovens; a busca do serviço de Deus e sentir-me bem na vida em
comum com os irmãos.
A experiência fundante, aqui analisada em suas motivações, é expressa por João Décio
de Passos56, no livro “Como a religião se organiza – tipos e processos” (2006), como uma
experiência com um ser superior a partir da qual o grupo religioso se constitui, argumentando
que é uma experiência complexa, que envolve a cultura, a psique humana, atos de fé e fatos
históricos.
Quando Mircea Eliade (1992) aborda o tema da consagração, explica-o como se o que
existisse antes não mais importasse, por exemplo, quando há a consagração de um território.
“A ereção da Cruz equivalia à consagração da região e, portanto, de certo modo, a um ‘novo
56 Doutor em ciências sociais, professor associado do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUC-SP.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
127
nascimento’.(...) A terra recentemente descoberta era ‘renovada’, ‘recriada’ pela Cruz” (Ibid,
p. 35). Trazendo para a consagração da pessoa, como é o caso em análise, a motivação de
consagrar-se seria encontrar um lugar novo dentro de si, no qual pudesse “colocar a Cruz” e
ter uma relação direta com o sagrado, considerando o corpo humano como um Cosmos
(ELIADE, 1992).
Ainda no mesmo sentido, aprofundando um pouco o tema da consagração, agora se
verifica a experiência dos respondentes após a consagração, perguntando-lhes: O que mais lhe
motiva a permanecer na comunidade? O quadro 14 trás as respostas:
A necessidade em ajudar aquele que sempre nos procura e hoje eu não sei viver mais sem a
comunidade.
O amor de Jesus vivido fraternalmente.
A certeza de fazer e assumir o meu chamado que é me doar sem querer nada em troca só o
céu.
A convicção pessoal de que sou chamado por Deus para isso.
A transformação dos homens.
A força do Amor Redentor.
Fazer a vontade de Deus.
Amor misericordioso na minha vida na certeza "Se vivo, vivo pela misericórdia do Senhor."
O encontrar-se com a pessoa de Deus.
A certeza de que aqui me realizo e realizo a vontade de Deus.
O amor de Jesus Cristo que se expressa no serviço através do carisma da comunidade.
Buscar mais e mais a Deus - convivência fraterna. Amor aos irmãos - castidade.
O amor ao Deus eucarístico e aos meus irmãos.
Através do carisma da comunidade transformar a sociedade.
Minha identificação com o carisma.
A cada dia fica mais clara qual é a vontade de Deus para mim: doar a vida.
O chamado de Deus para dar a vida.
O amor do Senhor que transborda nos irmãos, a vida fraterna.
O amor a Jesus Eucarístico, a Nossa Senhora, e o carisma de servir a Igreja.
O desejo de ver a vontade de Deus tornar-se realidade no meio de nós.
Viver o carisma "santificação do matrimônio" na minha vida pessoal.
A certeza da minha vocação e o chamado, particular, único e irrepetível que abarca toda a
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
128
minha vida.
O conhecimento de Deus, o meu chamado. O Amor pela comunidade (carisma).
O carisma da Misericórdia.
Como já disse a vida fraterna, a vivência dos irmãos e outras pessoas que precisam conhecer
a Deus.
A responsabilidade em vê que tem pessoas me seguindo (seguindo o Jesus que eu anuncio).
Em primeiro lugar, a certeza de que a vivência do carisma é uma via segura para a santidade.
Além disso, a vida fraterna.
A presença e o amor que Jesus tem por mim.
Perceber que a cada dia Deus me mostra a sua vontade e me dar forças para perseverar.
Quadro 14 - Motivações para permanecer na CNVA
Da análise dos discursos, observa-se que a permanência na comunidade provocou
respostas mais seguras por parte dos respondentes, pela presença das palavras certeza,
convicção, mostrando que, após a entrada na Comunidade Nova, as dificuldades vividas antes
diminuem, aumentando a certeza da decisão, o que aponta para a força da vivência
comunitária (TURNER, 1974), no sentido de os valores e as vivências das pessoas que fazem
parte da comunidade influírem bastante nos valores e vivências das pessoas que nela
ingressam.
Dividindo por temas, destaca-se as respostas que evocam a vida comunitária,
expressas na freqüência das palavras comunidade, a vida fraterna, como por exemplo: o
amor de Jesus vivido fraternalmente; buscar mais e mais a Deus – convivência fraterna.
Amor aos irmãos – castidade; como já disse, a vida fraterna, a vivência dos irmãos e outras
pessoas que precisam conhecer a Deus. O foco na vida comunitária (fraterna) aponta para os
estudos de Tonnies (1995) e Turner (1974), que diferenciam a vida comunitária da vida em
sociedade57, sendo a comunidade uma unidade orgânica, viva, na qual há uma unidade de
vontades humanas e a sociedade uma estrutura mecânica, pública (TONNIES, 1995), ou seja,
enquanto a comunidade expressa valores de afetividade pessoal, partilha, aproximação entre
os membros, igualdade, humildade, a sociedade possui papéis próprios, aos quais as pessoas
precisam se modelar (TURNER, 1974).
Outras respostas evocam a experiência religiosa propriamente dita, como, por
exemplo: a convicção pessoal de que sou chamado por Deus para isso; o encontrar-se com a
57 Ver Cap. I – subseção 1.3 – Comunidade e Sociedade.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
129
pessoa de Deus; o conhecimento de Deus, o meu chamado. Reforçando a idéia já exposta da
força da experiência religiosa na vida das pessoas.
Verifica-se, por outro lado, a repetição do tema amor, com diferentes focos,
expressando motivações interiores, como, por exemplo, a força do amor redentor; amor
misericordioso na minha vida; o amor de Jesus vivido fraternalmente. Essa repetição remete
à abordagem das comunidades emocionais, cujo valor maior é o sentimento de amor.
Entretanto, houve respostas com expressões dar a vida, doar a vida, demonstrando,
mais uma vez, solidariedade e altruísmo, como: a cada dia fica mais clara qual é a vontade
de Deus para mim: doar a vida; o chamado de Deus para dar a vida. E, por fim, respostas
que se remetem à identificação com o carisma da comunidade, como por exemplo: o amor
pela comunidade (carisma); o carisma da misericórdia.
Para verificar as vivências dos membros antes e depois do ingresso na Comunidade
Nova, perguntou-se: Qual a diferença entre sua vida antes de entrar na comunidade e
agora?”As respostas foram interessantes:
Eu era mais desocupada hoje não tenho mais tempo nem para mim.
São muitas as forma de ver o mundo, as pessoas, o sentido para viver e servir conceitos e
principalmente a fé que ante ñ era despertada em meu coração
E que antes eu vivia perdida sem saber se quer a minha identidade. Hoje tenho a certeza da
minha identidade e do valor de mulher.
Pois antes tinha sonhos meus, mas agora tenho sonhos que fazem todos em minha volta felizes.
A comunidade me amadureceu em todos os sentidos da minha vida, me deu valores que
permanecem.
Devido as crises houve grande crescimento.
Enorme. Hoje sou outra pessoa renovada pela graça de Deus.
As mudanças refletem-se especialmente em meu interior, é encontro, é integração, é
realização mesmo que vivendo com as dificuldades da vida.
Eu não tinha noção de como viver, agora encontrei o jeito, forma, meta.
Equilíbrio emocional, novos relacionamentos saudáveis, era um jovem desordenado com um
relacionamento da mesma forma, hoje, tenho meu emprego, casado, amando e servindo a
Igreja.
Foi tive experiências em outra comunidade. Estou em outra que acredito ser minha vocação -
A mudança de vida é estúpida - grande transformação nos valores, morais, sociais,
religiosos.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
130
Já caminhava há 10 anos no grupo de oração que originou a Comunidade. Portanto, em
termos de conversão e decisão pouco mudou. Porém, a ousadia, a confiança em Deus e a
disposição em tudo dar se tornou mais sólida.
A diferença é completa: no sentido moral, ético, profissional, afetivo, intelectual.
A maior diferença é que hoje percebo que sou digno e posso realizar muito em favor do outro,
a partir do amor de Deus.
Em todos os aspectos: mentalidade, amigos, trabalho, valores.
Antes de entrar na comunidade eu participava do grupo de oração, mas havia o desejo de
doar-se mais. Na comunidade tenho descobrindo mais qual é a minha identidade.
Antes da comunidade já vivia uma vida de Igreja, mas após a comunidade vivo isso com mais
intensidade.
A diferença é que eu buscava ansiosa para encontrar minha vocação e hoje me encontrei já
não existe mais inquietações, pois estou dentro do plano de Deus para mim.
Antes de entrar na comunidade eu era uma pessoa feliz, porém hoje me sinto "feliz e
realizado". Nada me falta.
Vivia no escuro, hoje na luz.
Viver totalmente desapegado de bens materiais.
Mesmo já sendo de caminhada, a minha vida mudou em relação à maturidade matrimonial.
Total e radical, noto um crescimento humano, espiritual e intelectual que não tinha antes de
entrar na comunidade.
Antes eu não tinha a experiência do Amor de Deus, e hoje a minha vida é para Deus é doada
para o serviço da comunidade.
Hoje sinto-me livre, satisfeita, completada.
Agora é a certeza absoluta de servir a Deus por amor e necessidade própria.
Antes eu só pensava em mim e hoje quando tenho que fazer algo penso em primeiro lugar na
comunidade.
Antes eu vivia da forma que queria, horário, vida financeira, hoje é a missão que indica os
meus passos.
Depois de entrar na comunidade, passei a viver minha fé com mais responsabilidade e
fidelidade.
Mudei bastante em relação à maturidade humana e espiritual, sou um novo homem sempre
em processo de conversão.
A motivação para superar os desafios, a confiança que não sou eu que faço, mas o Espírito
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
131
que me leva, a alegria de viver.
Quadro 15 - Mudanças nos membros após aderirem à CNVA
Essas respostas revelam a experiência religiosa dos membros das comunidades,
identificada como experiência de plenitude. Segundo Mircea Eliade (1992), a existência
humana possui duas dimensões, um modo de ser sagrado e um modo de ser profano. Apesar
do homem na sociedade contemporânea ter perdido muito da dimensão do sagrado, quando
ele faz uma experiência religiosa, passa a ter um comportamento, uma visão de mundo
diferente da pessoa não-religiosa, a partir dessa experiência, principalmente diferenciando os
espaços sagrados dos espaços profanos. “Para o homem religioso essa não-homogeneidade
espacial traduz-se pela experiência de uma oposição entre o espaço sagrado – o único que é
real, que existe realmente – e todo o resto, a extensão informe, o que o cerca” (ELIADE,
1992, p. 26).
Em todas as respostas encontra-se a expressão de muitas mudanças interiores, assim
Logo a seguir, em questão semelhante à anterior, fechada com múltiplas escolhas,
perguntou-se: Como seria viver sem a religião? Com as mesmas opções de respostas: seria
fácil; seria impossível; seria difícil; seria a mesma coisa de agora. O objetivo foi enfatizar a
diferença entre viver em comunidade e ter uma religião que se freqüenta e vivencia,
investigando se a relação entre elas é muito forte (saindo da comunidade também sai da
religião) ou se uma sobressai-se à outra (supondo-se que a religião seria mais forte que a
comunidade). O gráfico 17 expressa os resultados.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
135
Gráfico 17 – Como seria viver sem religião
A resposta reforça a questão anterior pois, mais uma vez, ninguém respondeu que
viver sem religião seria fácil ou não faria diferença. Entretanto, houve uma inversão entre as
duas alternativas intermediária: 72% assinalaram que seria impossível e 28%, que seria
difícil .
Essa resposta corrobora a concepção de Eliade (1995) de que o homem religioso não
consegue viver sem o sagrado.Victor Turner também fala da relação da estrutura (sociedade)
com a anti-estrutura (communitas), dizendo que uma não vive sem a outra, no sentido do
equilíbrio social, pois o exagero em uma delas pode provocar uma patologia.
Foi perguntado a seguir sobre qual a visão que o membro da Comunidade Nova tem
da sociedade atual, objetivando perceber se do interior da Comunidade os membros possuem
uma visão da sociedade diferente das daqueles que nunca estiveram na comunidade, como
aponta Victor Turner (1974) quando aborda sobre um processo de transição que passam
aqueles que estão na communitas, no qual se trabalha a humildade e a igualdade, para depois
se reintegrarem na sociedade. A questão foi respondida por todos, conforme quadro 16:
Eu vejo materialista egoísta precisando conhecer o amor de Deus.
Perdida em si mesma, como um bando de desvalidos, abandonado no campo de guerra, sem
saber o que fazer, nem como agir diante deles mesmos - ovelhas sem pastores.
Sem Deus e muito materialista.
Há sinais de esperança, conquistas, mas também muitas sombras. Desafios estão diante de
nós, pois o Evangelho é luz, sal e fermento.
Precisando enxergar uma visão humana.
Uma sociedade individualista, hedonista, descartável, onde há frieza e indiferença,
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
136
necessitada de acolhimento e de uma evangelização personalizada.
Paganizada, sem valores morais.
Vejo uma sociedade individualista, egocêntrica e materialista. Que não se preocupa com os
outros.
Como uma pessoa doente, que muitos já desenganaram, porém que para os que têm fé ainda
apresenta esperança, por isso existimos.
Uma sociedade insegura.
Desordenada, onde prevalece a cultura de morte, o relativismo, uma crise ética e moral sem
precedentes.
Doente nos vários aspectos - e até mesmo diante da globalização, porque não dizer até mesmo
hedonista.
Necessitada de ter uma experiência pessoal com Jesus. Muitas pessoas precisam experimentar
o amor de Deus.
As pessoas estão cada vez mais isoladas e pensando em si, apegadas as coisas, não aos
relacionamentos e perdendo a fé. Descaracterizam a humanidade e tudo que provém dela.
Vejo como uma sociedade vazia que se deixa levar por tudo o que se dita pelos meios de
comunicação. Sem amor ou valores, falsamente feliz.
Uma sociedade desordenada que não valoriza a pessoa humana e super-valoriza o material,
é uma sociedade excludente.
Necessitada de encontrar um rumo.
Uma sociedade que tem buscado caminhar sozinha, tem esquecido Deus, por isso tantos
problemas, tantos erros, tanto sofrimento, é necessário voltar ao mestre da vida, para
vivermos bem.
Que precisa se encontrar com Deus, colocar Deus em 1° lugar em suas vidas. Deixar Deus
governar sua vida, ter uma experiência com Deus me chama pra isso.
Sem rumo pois buscam as coisas terrenas e esquecem de buscar as coisas do alto.
Necessitada de Deus.
Egoísta consequentemente não conhecem a Deus com profundidade.
Totalmente relativista e hedonista.
Pedindo "SOCORRO".
Consumista, hedonista, exclusivista que cultua o prazer, o bem estar a qualquer custo, ela é o
grande animal moderno.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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Uma sociedade que vive muito o poder, o ter para muitos Deus fica em 2° lugar.
Ela não estar da forma como estar por querer (hedonista, relativista, marxista, cultura de
morte, etc), mas por não conhecer Jesus.
Dessacralizada, descrente, secularizada, globalizada, com distorções sérias dos valores
morais, humanos, políticos e culturais. Sem deixar de ressaltar a cultura de morte hoje
estabelecida.
Individualista, consumista e em busca do novo, ou seja, cada vez mais moderna.
Consumista, egoísta, materialista, mas ao mesmo tempo infeliz sem saber na verdade o que
busca.
Decadente e carente de Deus.
Cada vez mais distante de Deus, egoísta, relativista, perda de valores.
Uma sociedade consumista, hedonista, sem valores essenciais de vida, respeito e
solidariedade.
Quadro 16- Visão da sociedade atual pelos membros das CNVA
Da leitura das respostas vê-se que, em todas elas, os membros das Comunidades
Novas têm uma postura crítica e uma visão pessimista da sociedade atual. Consegue-se
distinguir 3 tipos de respostas: (a) uma que aponta características que se associam à
modernidade, com as expressões: materialista, egoísta, individualista, hedonista,
consumista, relativista; outra (b) que aponta desequilíbrios, com o uso de palavras como
doente, desordenada, insegura, decadente e outra (c) que aponta para a necessidade de
valores humanos e religiosos como sem valores morais, falsamente feliz, descrente,
necessitada de Deus.
Apenas uma resposta foi um pouco otimista, dizendo “Há sinais de esperança,
conquistas, mas também muitas sombras”. Pode-se constatar que os líderes das Comunidades
Novas realmente não comungam com a sociedade atual. Alguns com uma postura de piedade
e misericórdia, dizendo que a sociedade precisa encontrar a Deus ou conhecer Jesus Cristo,
outros se contentam apenas em descrevê-la. Essas respostas corroboram a análise de Turner
sobre o rito de passagem pelo qual passam os que estão na comunidade.
Destaca-se ainda pelas respostas a necessidade da fundação de comunidades para
estabelecer um novo modo de vida para o homem, com valores distintos dos que prevalecem
na sociedade hoje. Pois a experiência fundante, na lição de Alberoni (1991), quer ser uma
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
138
descontinuidade social, dessa experiência aparecem os sujeitos do estado nascente59, quando
as estruturas não mais satisfazem, e o cotidiano não dá mais resposta.
As comunidades são fundadas no ímpeto de viver novos valores, contrários aos da
sociedade atual, como reação ou resposta desses segmentos sociais (grupos que acreditam nos
valores cristãos) e este estado de coisas.
Indaga-se, no questionário, sobre os valores das pessoas que participam da
comunidade em relação aos valores das pessoas que não participam. A intenção foi
aprofundar o assunto, porque talvez fosse fácil responder sobre o panorama da sociedade atual
considerando-se fora dele. Mas a Comunidade Nova, na qual a pessoa está inserida, é ou não
diferente do restante da sociedade, na visão de quem estava respondendo ao questionário? A
pergunta foi a seguinte: Você percebe que as pessoas que participam da comunidade possuem
valores diferentes das que não participam? Respostas: Sim, Não. Por quê? Todos
responderam que sim, possuem valores diferentes. As justificativas são variadas, mas no
mesmo sentido das respostas anteriores, conforme o quadro 17:
Porque as que vivem na comunidade nos ajudam a construir nossa santidade então este
convívio nos leva a perceber esse valor.
Os valores cristãos, doutrinários, etc.
Porque essas pessoas tem um ideal: Deus.
Porque a evangelização humaniza-nos.
Porque temos uma visão da humanidade diferente, correspondemos com a vida.
Pela formação vai se formando uma mentalidade e valores diferentes.
Desejo de santidade.
Pelo novo de Deus, que se assume ou pelo menos se luta para assumir em luar dos valores
seculares.
Porque quando se tem um encontro verdadeiro com Cristo, tudo se transforma, é outro
"modus vivendus".
(as pessoas fora da comunidade) Se tornam mais tristes. Apegadas ao TER, ao PODER. Não
conseguem descobrir a FELICIDADE nas pequenas coisas.
A experiência de Deus, da fraternidade (vida comunitária), da formação e missionariedade as
tornam diferentes.
Por conta das mudanças causadas pela experiência pessoal com Jesus.
59 Ver Cap. I – subseção 1.4.1 – Os sujeitos do estado nascente.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
139
Percebo que o esforço muito grande de todos os irmãos de comunidade de aprender amar e se
deixar ser amado.
Porque a vida é direcionada a um alvo certo de acordo com a resposta que cada carisma é
chamado a dar no mundo.
O desapego, a renúncia, o desejo de ser o que Deus quer. Não que sejamos melhores, mas a
partir damos o sim a uma comunidade crescemos muito.
A medida que Deus vai fazendo a obra vão se valorizando e conhecendo seus valores.
Porque vivem uma experiência com Deus e esse contato vai modelando e nos devolvendo a
imagem e semelhança de Deus.
Porque são pessoas limitadas, mas vê o outro pelo que eles são não segundo os valores deste
mundo.
São formadas a viverem os conceitos evangélicos.
Porque cada dia mais Deus é prioridade em suas vidas.
O respeito e o temor à Deus, à Igreja, o valor do matrimônio e da família, o amparo ao
irmão, etc.
Devido a o ambiente espiritual e a experiência pessoal que tiveram com o amor de Deus.
As pessoas de comunidade vivem no mundo diferente. Buscam viver a santidade, testemunho.
(É diferente porque vive no mundo, mas não se deixam ser levadas pelas coisas do mundo.
Por conhecer Jesus, que é o Caminho, Verdade e Vida. Ele ordena nossa vida, com a Graça
do Espírito Santo.
Porque elas voltam a valores atualmente perdidos da pessoa humana.
Humanidade, felicidade, esperança, amor pelo outro e muita certeza do céu.
Porque testemunham, ou pelo menos, buscam testemunhar o carisma no meio em que vivem e
trabalham.
Porque as que participam tomam atitudes cristãs.
Porque são formadas e orientadas para viverem de acordo com os valores de Cristo.
Quadro 17 - Valores presentes na CNVA
Das respostas depreende-se que os líderes e fundadores das Comunidades Novas
consideram-se com valores diferentes da cultura atual, seja porque tiveram uma experiência
com Deus, ou porque são formadas com valores cristãos e com a doutrina católica, ou
porque lutam para viver esses valores, ou porque vivem em um ambiente diferente dentro da
comunidade.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
140
As comunidades religiosas cristãs, mais do que outros tipos de comunidade,
buscam a mudança de vida e a santidade, tanto como experiência mística propriamente dita,
como segundo um modelo moral. O apoio na experiência mística, como encontro com o
sagrado no interior da pessoa é base primordial para as comunidades cristãs de várias épocas,
em especial para as CNVA, que resgatam a mística de santos como Tereza D’ávila, São João
da Cruz, São Bento, como modelos para serem seguidos na chamada “vida de oração”. As
Comunidades Novas fazem retiros comunitários e pessoais de oração, pois a sua pedagogia é
no sentido de que as mudanças pessoais ocorrem em consequência da vida de oração pessoal
e comunitária60.
A formação na doutrina moral da Igreja e nos valores cristãos é outro apoio para a
mudança de vida e para a santidade, basta ver os inúmeros artigos formativos nos diversos
sites das Comunidades Novas, além de ter sido verificada na observação participativa
realizada na pesquisa de campo desta dissertação.
Perguntou-se, em resposta semi-aberta, se Você percebe que sua Comunidade é uma
resposta à atual sociedade?” Não. Sim. Em quais aspectos. A intenção foi verificar a
formação da comunidade como contra-proposta frente aos valores da sociedade atual. As
respostas foram unânimes, 100% respondeu que a sua Comunidade é uma resposta à atual
sociedade. Sobre em que aspectos a Comunidade é uma resposta, trazemos algumas respostas
abaixo:
- espiritual,
- religioso,
- educação da família e evangelização nos métodos,
- em todos os aspectos,
- restauração de casamentos e famílias em crise,
- os valores evangélicos que inspiram as ações da comunidade é uma grande
contribuição para a humanização do ser humano,
- como resposta ao culto do prazer, o remido manifesta o maior prazer que é Deus
com toda sua forma de ser e de viver,
- resgate da dignidade dos filhos de Deus,
- sendo um testemunho dentro da realidade do mundo
Sobre a abertura das NCVA para a sociedade, perguntou-se: A comunidade utiliza
algum meio de divulgação de sua existência/atuação?” O resultado demonstra que a maioria 60 As informações aqui expostas foram colhidas na observação participante e na convivência com membros de CNVA.
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
141
de 78% realiza algum tipo de divulgação de sua existência e atuação. Perguntamos também
quais os meios utilizados para a divulgação, sendo uma questão aberta. Os resultados estão
expressos no quadro 18.
www.saleluz.com rádio, jornal, internet, blog rádio, site internet site internet floder, rádio, missões e trabalhos pastorais rádio, internet e propagandas publicitárias avisos em missas e boca a boca através do testemunho diante da Igreja e da sociedade site, folders, cartazes, divulgação em escolas quando divulga os eventos realizados pela comunidade rádio, internet e propagandas publicitárias informativo kairós informativo, casa de show católica em construção rádio, divulgação dos eventos rádio, folder bus door, eventos divulgados, cartazes, faixas através dos testemunhos de vida e da Igreja site - www.comxto.com boca a boca e avisos nas missas da comunidade www.saleluz.com www.saleluz.com através do próprio testemunho de seus membros panfletos, cartazes, site informativo bimestral, eventos, serviço de pregações e
animação. Quadro 18 - Meios de divulgação utilizados pelas CNVA
O resultado revela que o meio de divulgação mais utilizado é a internet, por meio de
sites, blogs, e-mail, 07 Comunidades Novas: Christós, Siloé, Sal e Luz, Remidos no Senhor,
Filhos da Misericórdia, Filhas de Maria e Maria Mater indicaram possuírem divulgação pela
internet. Outro meio muito utilizado é o rádio, indicado por 07 Comunidades. Apenas 02
indicaram possuírem informativo como meio de divulgação e outras 02 propaganda
publicitária. Uma indicou o “bus door”, outra o jornal, outra a construção de uma casa de
show e outra divulgação nas escolas.
É perceptível a variedade nos meios de divulgação, a presença da internet pode indicar
maior organização da comunidade ou uma característica própria para trabalhar com esse
meio. As Comunidades que não indicaram um meio de comunicação talvez ainda estejam na
fase inicial da fundação ou não possuem a características de trabalhar com divulgação.
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Foi perguntado ainda se os membros da comunidade procuram outros
conhecimentos, além da doutrina e da fé cristã católica, objetivando perceber a abertura
para a sociedade e a preocupação em manter diálogo com as ciências seculares. Essa é uma
questão fechada, de múltiplas escolhas: Sim, Não, Quais.
A maioria de 80% informou que procura outros conhecimentos. Os conhecimentos
indicados para múltipla escolha se referem à formação acadêmica universitária. As respostas
foram conforme o quadro 19:
Psicologia 66%
Sociologia 13,2%
Contabilidade 30%
Antropologia 26,4%
Teologia 59%
Outro 0,66%
Quadro 19 – Abertura dos membros das CNVA para outros conhecimentos
O resultado demonstra que a maioria procura a psicologia e a teologia, havendo
também quem se interesse por contabilidade, antropologia, sociologia e outros. O grande
interesse pela psicologia demonstra o aspecto afetivo-relacional dessas comunidades, estando
em consonância com a tendência atual da religiosidade no Brasil e no mundo.
Sobre a presença de voluntários trabalhando na Comunidade, com o intuito de
saber se há pessoas que conhecem a comunidade, não são comprometidos como membros ou
consagrados, mas se dispõem a servir, sem pagamento pelos serviços prestados.
A maioria das Comunidades, 60%, afirma a presença de voluntários, trabalhando em
serviços os mais variados, realizados pela Comunidade, seja de cunho de Evangelização,
como organização de eventos, rádio; seja de Projetos Sociais, como artesanato, creche da
comunidade, aula de artes; seja de organização da própria Comunidade, fábrica de produtos
de limpeza, serviços gráficos, serviços jurídicos e administrativos, recepção e secretaria. A
presença de voluntários revela a abertura dessas Comunidades para a participação de pessoas
em suas atividades que não são membros efetivos delas.
Ainda sobre o aspecto de abertura da Comunidade para o social, foi indagado se os
membros da Comunidade de Vida podem ou não trabalhar fora ou na Comunidade com
remuneração. Alguns não responderam a essa questão, entre os que responderam, as respostas
empataram, metade respondeu que “não” e a outra metade respondeu que “sim”, os membros
que residem podem trabalhar fora ou na Comunidade com remuneração.
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Esse índice de resposta de membros que podem trabalhar fora da Comunidade com
remuneração (metade dos questionários respondidos) demonstra que essas Comunidades não
são fechadas, ou seja, não há tendência ao sectarismo. Além disso, ao permitirem que seus
membros trabalhem, estão abdicando da presença mais freqüente dentro da Comunidade,
além de inseri-los na vida social comum, sem uma necessária vivência religiosa.
Sob o mesmo aspecto, foi perguntado ainda sobre a participação da Comunidade em
algum movimento social/popular/cultural. A maioria dos responderem, 57%, disse que não
participam de nenhum movimento social, popular ou cultural. Os que participam, citaram os
Pastorais Sociais, visita aos doentes e assistencialismo.
Desse resultado, mesmo não sendo maioria, muitos respondentes (43%) diz participar
de movimentos, o que corrobora as demais respostas nesse aspecto, no sentido do
envolvimento dos membros dessas Comunidades com iniciativas populares não ligadas
diretamente à religião e até ligada à religião católica, mas fora do âmbito de sua Comunidade.
3.3.4 Apreciação geral dos resultados do questionário
Alguns pontos mais fortes presentes nas respostas às questões são os seguintes:
(a) A análise da relação entre o tempo de existência e a fase do processo comunitário e
se há alguma relação entre essas fases e a preocupação com a formação dos membros. Quanto
a isso, não podemos afirmar que as que têm mais tempo de existência estariam preocupadas
com a formação, com o número de membros diminuindo ou aumentando, porque a parte
quantitativa pode estar relacionada a outros fatores, como projeção na mídia, ênfase nas
orações emotivas, que atrairiam fiéis à comunidade.
(b) A que ponto as CNVA pesquisadas estão da institucionalização? Ressaltando que o
sentido de institucionalização aqui empregado diz respeito ao reconhecimento oficial da
CNVA pela Igreja Católica do Vaticano como uma nova forma de vida comunitária. Pelos
dados e pela leitura teórica realizados neste trabalho, as CNVA se encontram distantes da
institucionalização, levando em consideração que a mais antiga possui em média 20 anos de
existência e a mais nova 1 ano, ambos períodos curtos para uma institucionalização,
especialmente no âmbito da Igreja Católica, que possui uma estrutura imensa, tendo mais
dificuldades para incorporar novos movimentos.
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(c) Quanto à análise das relações interpessoais, ou de solidariedade, vê-se que existe
acentuada preocupação com uma boa convivência comunitária, além da preocupação com a
situação social atual.
(d) Quanto à experiência religiosa, verifica-se o acento no emocional e no subjetivo,
corroborando com a idéia atual de interesse pela religiosidade de forma emotiva e subjetiva.
Havendo ainda diversos relatos de hierofanias, que revelam a grande importância dada às
práticas religiosas pelos membros das CNVA.
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145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desta dissertação procurou-se mostrar as diversas faces das CNVA,
buscando apoio teórico e metodológico para compreender quais os mecanismos que envolvem
a fundação e os desdobramentos da vida comunitária nestas organizações religiosas católicas
da atualidade.
A pesquisa de campo foi realizada em encontros de formação que reúne líderes de
várias CNVA do Nordeste, espaço escolhido por privilegiar uma visão geral do estado atual
do conjunto dessas Comunidades. Foram colhidos dados por meio dos questionários, que
sugerem várias possibilidades de desdobramentos futuros, como por exemplo: (a) na relação
pessoal com o divino; (b) na importância dada à sociabilidade, (c) na necessidade de
consagrar-se a Deus; (d) na presença considerável de jovens, especialmente no início do
processo de fundação; (e) nos rituais litúrgicos; (f) na estrutura que privilegia a formação da
pessoa e a formação para o comunitário; (g) assimilação de aspectos da vida comunitária dos
primeiros cristãos (partilha, espontaneidade, liminaridade) e de aspectos da vida religiosa
institucionalizada (rituais litúrgicos, planejamento de formação, métodos de arrecadação de
dinheiro); (h) além de um processo incipiente de institucionalização, visto que a maioria – 11
- foi fundada na última década, algumas – 06 - na década de 1990 e apenas 02 na década de
1980 e de outras considerações feitas ao longo da dissertação.
Foram feitas várias análises específicas dos questionários, privilegiando uma visão a
partir da vivência dos membros (líderes e fundadores) das comunidades em suas relações
internas. Entretanto, os dados empíricos coletados permitem considerar a possibilidade de
aprofundar a pesquisa para explorar a relação entre a comunidade e a sociedade
contemporânea em suas características pós-modernas e perceber se essa forma de vida
comunitária responde aos anseios do homem contemporâneo, com relação aos valores e à
religião. Outra dimensão que sugere maior investigação diz respeito à organização econômica
da comunidade voltada para o modelo da partilha e da economia solidária. Além disso, um
estudo do dia-a-dia da Comunidade permitiria uma análise mais aprofundada das relações
internas entre os membros, para contrapor a teoria e o ideal comunitário com o ordinário real.
A teoria utilizada trouxe elementos imprescindíveis para a análise dos questionários
aplicados, como as características da comunidade em distinção com as da sociedade
(TURNER, 1974; TONNIES 1995). O percurso feito por entre movimentos e comunidades
ALVES, K.S.A.L. UFPB-PPGCR 2009
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religiosas ao longo da história, permitiu comparações significativas com o que se vive hoje no
movimento das CNVA.
Constatou-se que a espiritualidade que une essas Comunidades Novas de Vida e
Aliança é semelhante à proposta pela Renovação Carismática Católica, com a ênfase dada ao
Espírito Santo e seus dons (línguas, profecias, ciência, sabedoria), ao louvor, à adoração ao
Santíssimo Sacramento, à espontaneidade na oração, à afetividade. Uma espiritualidade
essencialmente voltada para o emocional, como constata Hervieu-Léger (1993 apud Maia,
2008), que intensifica a vivência pessoal e comunitária em detrimento da institucional
A observação participativa e os questionários demonstram, a princípio, que as
características da liminaridade e communitas (TURNER, 1974) estão presentes no início do
processo de fundação das Comunidades Novas de Vida e Aliança – aquelas fundadas a menos
de 05 anos, e pode continuar por algum tempo presentes, pois elas estão sendo formadas às
margens da estrutura hierárquica da Igreja Católica, situação que pode durar muito tempo,
visto que o processo de reconhecimento de novos movimentos no catolicismo é em geral
muito lento.
As CNVA, assim como as comunidades das origens do franciscanismo, apresentam
características da communitas espontânea (TURNER, 1974) no decorrer do processo de
fundação, ao mesmo tempo em que vivem a pressão por uma estruturação, sob pena de não
subsistirem. Outro aspecto a comparar entre as duas experiências de communitas é a relação
com o dinheiro. Nos depoimentos e escritos dos membros das CNVA, é detectada a espera
pela providência de Deus, que não se refere a esmolar, como os primeiros franciscanos
faziam, mas a trabalhar com meios ligados aos seus objetivos e procurar benfeitores,
encontrando nessas iniciativas a providência. Há também relatos sobre a intervenção
miraculosa de Deus, como uma doação gigante para algo que a CNVA estava precisando
muito e não havia como conseguir. Mas são relatos esporádicos. É na rotina diária das
pequenas providências, aliada ao esforço pessoal e comunitário, que conseguem meios de
subsistência.
Por outro lado, comparando as motivações para fundar/consagrar-se em uma CNVA
com as características do estado nascente e da experiência fundamental abordados por
Francesco Alberoni (1991), verifica-se que os fundadores e/ou fundadoras (líderes) vivenciam
a experiência individual de conversão profunda que os leva a ver a vida de outra forma e a
não mais querer viver como antes, ou seja, constata-se uma renovação do pensar a própria
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vida conforme a revelação religiosa. A partir da qual, buscam construir um grupo que os
ajude a viver o que almejam.
Quanto ao crescimento numérico de cada CNVA, parece não haver estratégias para
aumento do número de membros, podendo permanecer comunidades com baixo número de
membros, ao lado de outras que possuem grande número, não sendo exigido um número
mínimo de fiéis para continuarem existindo. A característica do modelo da CNVA é de ter
uma capilaridade ao se multiplicar e se espalhar no espaço social, difundindo a sua moral
religiosa e experiência peculiar com o sagrado.
Do resultado, percebe-se que a religião é mais forte que a comunidade, para aqueles
que responderam ao questionário, pois a maioria admite ser difícil viver fora da comunidade,
mas impossível viver sem a religião. Esse resultado também demonstra que a comunidade, de
fato, existe por causa da religião e não ao contrário.
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