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Jrgen Habermas - Comunicao poltica na sociedade meditica: o
impacto da teoria normativa...
Comunicao poltica na sociedade meditica: o impacto da teoria
normativa na pesquisa emprica
Jrgen Habermas1
o texto Poltica, de Aristteles, a teorizao normativa e a
pesquisa
emprica caminham lado a lado. Entretan-to, teorias contemporneas
da democracia liberal expressam uma viso exigente de que ambas
deveriam estar juntas que afronta a seriedade do estado atual de
sociedades cada vez mais complexas. O modelo deliberativo de
democracia, que reivindica uma dimenso epistmica para processos
democrticos de le-gitimao, parece exemplificar especialmente a
imensa distncia existente entre abordagens normativas e empricas da
poltica.
Em primeiro lugar, estabeleo uma com-parao entre os modelos
deliberativo, liberal
N
1 Filsofo e socilogo alemo, atuou como assistente de Theodor
Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt em meados dos
anos 150 compondo, assim, a segunda gera-o da Escola de Frankfurt.
No final da dcada de 160, passa a dirigir a New Yorker New School
for Social Research. No incio da dcada de 180, transfere-se para a
Johann-Wolfgang Goe-the Universitt Frankfurt, na Alemanha, onde,
mesmo tendo se aposentado em 14, permanece atuando junto ao
Depar-tamento de Filosofia. Este artigo baseado em uma apresentao
feita pelo autor em 20 de junho de 2006, por ocasio da 56o Annual
International Com-munication Association Conference, ocorrida na
cidade de Dres-den, Alemanha. Traduzido do ingls por ngela Cristina
Salguei-ro Marques, Doutora em Comunicao Social pela UFMG, com a
permisso da Blackwell editora. Referncia original: Political
communication in media society: does democracy still enjoy an
epistemic dimension? The impact of normative theory on empiri-cal
research. Communication Theory, v.16, 2006, pp. 411-426.
Resumo: Primeiramente, comparo os modelos deliberativo, libe-ral
e republicano de democracia e considero possveis referncias
pesquisa emprica. Em seguida, examino as evidncias emp-ricas que
comprovam a hiptese de que a deliberao poltica possui um potencial
de busca pela veracidade. Argumento que a comunicao poltica mediada
na esfera pblica pode facilitar processos de legitimao deliberativa
em sociedades complexas somente se adquire independncia com relao a
seu ambiente social, e se houver um feedback entre o discurso
informado da elite e uma sociedade civil responsiva.Palavras-chave:
modelos democrticos, pesquisa emprica, de-liberao, comunicao
poltica.
Comunicacin poltica en la sociedad meditica: el impacto de la
teora normativa en la investigacin empricaResumen: Primeramente,
comparo los modelos deliberativo, liberal y republicano de
democracia y considero posibles refe-rencias a la investigacin
emprica. Enseguida, examino las evi-dencias empricas que comprueban
la hiptesis de que la delibe-racin poltica posee un potencial de
bsqueda por la veracidad. Argumento que la comunicacin poltica
mediada en la esfera pblica puede facilitar procesos de legitimacin
deliberativa en sociedades complejas slo si adquiere independencia
en relacin con su ambiente social y si hay una respuesta entre el
discurso informado de la lite y una sociedad civil
responsiva.Palabras clave: modelos democrticos, investigacin
em-prica, deliberacin, comunicacin poltica.
Political communication in media society: the impact of
normative theory on empirical researchAbstract: I first compare the
deliberative to the liberal and the re-publican models of
democracy, and consider possible references to empirical research
then examine what empirical evidence there is for the assumption
that political deliberation develops a truth-tracking potential. I
argue that mediated political communication in the public sphere
can facilitate deliberative legitimation proces-ses in complex
societies only if it gains independence from its so-cial
environments and if there is a feedback between an informed elite
discourse and a responsive civil society.Key words: democratic
models, empirical research, delibera-tion, political
communication.
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Lbero - Ano XI - n 21 - Jun 2008
e republicano de democracia, considerando possveis referncias
pesquisa emprica. Exa-minarei, em seguida, as evidncias empricas
existentes para comprovar a hiptese de que a deliberao poltica
desenvolve um potencial de busca pela veracidade. As partes
principais do artigo destinam-se a dispersar dvidas apa-rentes a
respeito do contedo emprico e da aplicabilidade do modelo
deliberativo. O mo-delo comunicativo de poltica deliberativa que
desejo apresentar enfatiza duas condies crti-cas: a comunicao
poltica mediada na esfera pblica pode facilitar processos de
legitimao deliberativa em sociedades complexas somente se um
sistema meditico auto-regulador adqui-re independncia com relao a
seu ambiente social, e se audincias annimas garantem um feedback
entre o discurso informado da elite e uma sociedade civil
responsiva.
Referncias empricas para teorias normativas da democracia
O desenho institucional das democracias modernas rene trs
elementos. Primeiro, a autonomia privada dos cidados, sendo que
cada um deles segue sua prpria vida. Segun-do, a cidadania
democrtica, ou seja, a inclu-so de cidados livres e iguais na
comunidade poltica. E, terceiro, a independncia de uma esfera
pblica que opera como um sistema intermedirio entre o Estado e a
sociedade. Esses elementos formam a base normativa das democracias
liberais (independentemen-te da diversidade que, em vrios casos,
exis-te em textos constitucionais e ordens legais, instituies e
prticas polticas).
O desenho institucional deve garantir: (a) a igual proteo dos
membros individuais da sociedade civil atravs da regra do direito e
de um sistema de liberdades bsicas que seja compatvel com as mesmas
liberdades con-cedidas a todos. Deve tambm garantir um igual acesso
a cortes independentes sendo que a proteo de todos deve ser
igualmen-te assegurada por elas , e uma separao de poderes entre o
Legislativo, o Judicirio e o Executivo, sendo este ltimo a
ramificao que vincula a administrao pblica lei.
O desenho deve tambm assegurar (b) a participao poltica da maior
quantidade possvel de cidados interessados atravs de direitos
iguais de comunicao e participa-o. Deve assegurar ainda eleies
peridicas (e referendos) com base no sufrgio inclusi-vo; a competio
entre diferentes partidos, plataformas e programas, e a aplicao do
princpio da maioria no processo poltico decisrio em instncias
representativas.
O desenho institucional deve garantir ainda (c) uma contribuio
apropriada de uma esfera pblica poltica para a formao de opinies
pblicas cuidadosamente consi-deradas por meio de uma separao entre
o Estado (baseado em taxas) e a sociedade (ba-seada no mercado).
Precisa tambm afirmar os direitos de comunicao e associao e ze-lar
por uma regulao da estrutura de poder da esfera pblica, assegurando
a diversidade de meios de comunicao de massa indepen-dentes, assim
como um amplo acesso de au-dincias massivas inclusivas esfera
pblica.
Esse desenho institucional incorpora idias de diferentes
filosofias polticas. Cada uma des-sas principais tradies confere
uma importn-cia diferenciada a princpios tais como liberda-des
iguais para todos, participao democrtica e governo atravs da opinio
pblica (Haber-mas, 18:23-252). A tradio liberal revela uma
preferncia pelas liberdades dos cidados privados, enquanto as
tradies republicana e deliberativa acentuam tanto a participao
poltica de cidados ativos quanto formao de opinies pblicas
cuidadosamente consi-deradas. Esses limites do pensamento poltico
causam um impacto diferenciado em culturas polticas nacionais,
criando, por isso, relaes especficas entre teoria e prtica. Eles do
for-ma a diferentes tradies legais e a diferentes quadros nacionais
para os discursos pblicos que mantm e transformam culturas polticas
e identidades coletivas (Peters, 2005). A impor-tncia diferenciada
que cidados de naes dis-tintas conferem aos direitos e s
liberdades, incluso e igualdade, ou deliberao pbli-ca e resoluo de
problemas determina como eles vem a si prprios como membros de sua
comunidade poltica.
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impacto da teoria normativa...
Utilizar essas idias para planejar projetos de pesquisa emprica
um outro modo, mais indireto, de construir uma ponte entre a
teo-ria normativa e a realidade poltica. A teoria normativa
atualmente serve como guia de pesquisa em certos campos da cincia
pol-tica. Isso explica, de um lado, as afinidades eletivas entre o
liberalismo poltico e a teoria econmica da democracia (Arrow, 163)
e, de outro lado, entre o republicanismo e as abordagens
comunitaristas (que se concen-tram na confiana e em outras fontes
de so-lidariedade [hbitos do corao]) (Bellah, 175; Putnam, 2000). O
modelo deliberativo est mais interessado na funo epistmica do
discurso e da negociao do que na esco-lha racional ou no ethos
poltico. Neste mo-delo, a busca cooperativa, empreendida por
cidados deliberativos, por solues para problemas polticos substitui
a idia da agre-gao de preferncias de cidados privados ou da
auto-determinao coletiva de uma nao eticamente integrada.
O paradigma deliberativo oferece como seu ponto de referncia
emprico principal um processo democrtico que supostamente deve-ria
gerar a legitimidade atravs de um proce-dimento de formao da opinio
e da vontade que garante (a) publicidade e transparncia para o
processo deliberativo, (b) incluso e igual oportunidade para a
participao, e (c) uma pretenso justificada para resultados ob-tidos
atravs da troca de argumentos (princi-palmente em vista do impacto
dos argumentos nas mudanas racionais de preferncias) (Boh-man, 16;
Bohman & Rehg, 17).
A pretenso de alcanar resultados fun-dados na troca de razes
permanece, por sua vez, ligada hiptese de que discursos
institu-cionalizados mobilizam tpicos e demandas relevantes,
promovem a avaliao crtica das contribuies e conduzem a reaes
favor-veis ou contrrias, racionalmente motivadas. A deliberao uma
forma de comunicao exigente, ainda que se desenvolva a partir de
rotinas dirias invisveis nas quais as pessoas trocam razes umas com
as outras. No curso das prticas cotidianas, os atores esto sem-pre
expostos a um espao de razes. Eles no
podem fazer outra coisa, seno oferecer mu-tuamente demandas de
validade para seus proferimentos e argumentos, uma vez que o que
dizem deveria ser assumido e, se ne-cessrio, provado como algo
verdadeiro, correto ou sincero e, sem dvida, racional. Uma
referncia implcita ao discurso racio-nal ou competio por melhores
razes construda dentro da ao comunicativa como uma alternativa
onipresente ao com-portamento rotineiro.
As idias penetram na realidade social atravs de pressuposies
idealizadas inatas s prticas cotidianas e adquirem,
impercep-tivelmente, a qualidade de fatos sociais obsti-nados.2
Pressuposies similares esto impl-citas tambm em prticas polticas e
legais. Tomemos o exemplo do chamado paradoxo dos eleitores (o qual
no , de forma alguma, um paradoxo): os cidados continuam a
par-ticipar de eleies gerais, apesar de cientistas polticos
apontarem, a partir de um ponto de vista de observadores, os
efeitos marginali-zantes da geografia eleitoral ou dos
procedi-mentos eleitorais. A prtica democrtica das eleies constitui
um empreendimento cole-tivo e requer que os participantes procedam
segundo a suposio de que cada voto con-ta. De forma semelhante,
pessoas envolvidas em demandas litigiosas no deixam de ir corte,
independentemente do que profes-
A deliberao uma forma de comunicao
exigente, a partir de rotinas dirias
invisveis nas quais as pessoas trocam razes
umas com as outras
2 Essa concepo de uma razo no transcedentalizada, ou seja, o
contedo normativo do que incorporado s prticas sociais, no deve ser
confundido com a oposio que John Rawls faz entre a teoria ideal e a
teoria que no ideal (cf. Neblo, 2005).
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sores de direito observem e pronunciem a respeito da
indeterminao das leis e da im-previsibilidade das decises legais. A
regra da lei e a prtica de emisso de um julgamen-to final em um
procedimento legal iriam se deteriorar se os participantes no
agissem de acordo com a premissa de que eles recebem um tratamento
justo e de que um veredito adequado ser emitido.
O potencial de busca pela veracidade oferecido pela deliberao
poltica
Saber se a deliberao introduz de fato uma dimenso epistmica na
formao da vontade poltica e nos processos de tomada de deciso algo
que nos remete, obviamen-te, a uma questo emprica. J existe um
im-pressionante conjunto de estudos baseados em pequenos grupos de
pessoas que inter-preta a comunicao poltica como um me-canismo
destinado ao aprimoramento do aprendizado cooperativo e da busca
coletiva de solues para problemas comuns. Neblo (no prelo), por
exemplo, traduziu as pressu-posies principais da teoria normativa
em hipteses sobre como grupos experimentais aprendem sobre questes
polticas (como a ao afirmativa, a presena de gays no exr-cito, ou a
justia distributiva de esquemas de taxas baixas) atravs da
deliberao. Os indi-vduos eram interrogados primeiramente so-bre
suas opinies a respeito dessas questes. Cinco semanas depois, eles
eram reunidos em grupos e convidados a debater sobre as mesmas
questes e a chegar a decises cole-tivas. Mais cinco semanas aps
essa delibera-
o, cada um deles era convidado novamente a expor suas opinies
individuais.
Os resultados corroboram mais ou me-nos o impacto esperado da
deliberao sobre a formao da opinio poltica resultante de uma
cuidadosa reflexo. O processo da deli-berao em grupo resultou em
uma mudan-a unidirecional e no em uma polarizao de opinies. As
decises finais foram bastan-te diferentes das opinies iniciais
expressas, e as opinies se alteraram refletindo nveis aprimorados
de informao e perspectivas ampliadas acerca de uma definio mais
clara e especfica das questes. Argumentos neutros tenderam a
receber prioridade so-bre a influncia das relaes interpessoais, e
tambm houve uma expresso crescente de confiana na legitimidade
procedimental da argumentao justa.
Outros exemplos podem ser citados, como os famosos experimentos
de James Fishkin (15; e tambm Fishkin e Luskin, 2005) com grupos
focais, ou experimentos de campo como aquele que envolve uma
amostra de 160 habitantes da provncia de British Columbia, no
Canad, que foram escolhidos a partir de listas de eleitores para
uma Assemblia de Ci-dados sobre a Reforma Eleitoral e reunidos
especificamente durante seis finais de semana a fim de aprender, de
deliberar sobre e de deci-dir entre trs propostas alternativas.
Evidncias do impacto da deliberao na estruturao de preferncias no
apenas ativou crticas a respei-to do paradigma da escolha racional
(Health, 2001; Johnson, 13), mas tambm motivou uma nova pesquisa
acerca dos efeitos provo-cados pelos enquadramentos (framing
effects) na formao de preferncias polticas. Druck-man (2004:675)
aponta que indivduos que se engajam em conversaes com um grupo
he-terogneo sero menos suscetveis aos efeitos dos enquadramentos do
que aqueles que no se engajam em conversaes. Grupos de
espe-cialistas (de cooporaes multinacionais) e de
contra-especialistas (de organizaes no-go-vernamentais) que se
reuniram sob o amparo do Wissenschaftszentrum de Berlim esto mais
prximos da poltica da vida real. Esses grupos mediadores foram
convidados explicitamente
A comunicao poltica mediada no precisa preencher todos os padres
de uma deliberao ideal, assu-mindo diferentes formas em diferentes
arenas
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Jrgen Habermas - Comunicao poltica na sociedade meditica: o
impacto da teoria normativa...
a discutir vises conflitantes sobre questes po-lticas (os riscos
trazidos pelo cultivo de plan-tas geneticamente modificadas e os
direitos de propriedade intelectual no mbito da biotec-nologia
versus cuidados de sade contra epi-demias em regies
subdesenvolvidas) (Van den Daele, 14, 16; World Business Council
for Sustainable Development and Science Center Berlin, 2003).
Todos esses estudos oferecem evidn-cias empricas sobre o
potencial cognitivo da deliberao poltica. Contudo, amostras de
pequena escala somente podem prover um limitado suporte para o
contedo em-prico do paradigma deliberativo designado para processos
de legitimao em socieda-des nacionais ou de larga escala. As
socie-dades ocidentais contemporneas revelam um aumento
impressionante no volume da comunicao poltica (Van der Daele e
Nei-dhardt, 16), mas a esfera pblica poltica , ao mesmo tempo,
dominada por um tipo de comunicao mediada que no apresenta as
caractersticas definidoras da deliberao.3 Falhas a esse respeito so
evidenciadas pela (a) ausncia de uma interao face a face en-tre
participantes presentes em uma prtica compartilhada de produo de
deciso cole-tiva, e pela (b) ausncia de reciprocidade en-
tre os papis desempenhados pelos falantes e pelos destinatrios
em uma troca igualitria de demandas e opinies.
Alm disso, a dinmica da comunicao de massa dirigida pelo poder
dos media de sele-cionar e de formatar a apresentao de mensa-gens e
pelo uso estratgico do poder poltico e social para influenciar as
agendas, assim como para ativar e enquadrar questes pblicas.
Antes de desenvolver essa questo das in-tervenes de poder,
explicarei primeiro por que nem o carter abstrato da esfera pblica
que separa as opinies das decises, nem a relao assimtrica entre
ator e audincia no palco virtual da comunicao mediada so, per se,
caractersticas dissonantes, ou seja, fatores que poderiam negar a
aplicabilidade do modelo de poltica deliberativa. A comu-nicao
poltica mediada no precisa preen-cher todos os padres de uma
deliberao ideal. A comunicao poltica, circulando de baixo para cima
e de cima para baixo atravs de um sistema de mltiplos nveis (da
con-versao cotidiana na sociedade civil, pas-sando pelo discurso
pblico e pela comuni-cao mediada entre pblicos fracos, at os
discursos institucionalizados no centro do sistema poltico), assume
diferentes formas em diferentes arenas. A esfera pblica forma a
periferia do sistema poltico e pode facilitar processos
deliberativos de legitimao fil-trando os fluxos de comunicao
poltica por meio da diviso do trabalho com outras partes do
sistema.
A estrutura da comunicao de massa e a formao de opinies pblicas
cuidadosamente consideradas4
Imagine a esfera pblica como um sis-tema intermedirio de
comunicao entre deliberaes formalmente organizadas e de-liberaes
face a face informais em arenas localizadas, respectivamente, no
centro (ou no topo) e na periferia (ou na base) do sis-tema
poltico. Existem evidncias empricas
4 Permitam-me fazer um comentrio a respeito da Internet, que
atua como um contrapeso em relao s aparentes deficincias que se
fundamentam no carter neutro e assimtrico das emisses me-diticas,
reintroduzindo elementos deliberativos na comunicao eletrnica. A
internet certamente reativou as aes cvicas de um pblico igualitrio
de escritores e leitores. Contudo, a comunicao mediada por
computador atravs da internet pode demandar m-ritos democrticos
inequvocos somente para um contexto especial: ela pode desafiar a
censura imposta por regimes autoritrios que tentam controlar e
reprimir a opinio pblica. No contexto de regi-mes liberais, o
crescimento de milhes de salas de bate-papo (chat rooms)
fragmentadas atravs do mundo tende, contudo, a uma fragmentao de
amplas audincias de massa, porm politicamen-te focadas, em um
grande nmero de pblicos isolados e voltados para uma nica questo.
Atravs de esferas pblicas nacionais esta-belecidas, os debates
online entre os utilizadores da web promovem uma comunicao poltica
somente quando novos grupos se crista-lizam em torno de pontos
focais sobre a qualidade da imprensa, por exemplo, jornais
nacionais e revistas polticas. (Um bom indicador para a funo crtica
desse papel parasita da comunicao online a conta de 2.088 euros que
o ncora do site Bildog.de enviou recente-mente para o diretor da
Bild.T-Online relativa a servios: os blog-gers afirmaram que eles
melhoraram o trabalho do grupo editorial do Bildzeitung atravs de
crticas e correes teis [cf. Rechnung fr Bild.de, 2006:5]).
4 Estou seguindo as principais linhas de uma anlise apresenta-da
por Peters (14, 2001).
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do impacto da deliberao em processos de tomada de deciso em
legislaturas nacionais (Steiner, Bchtiger, Sprndli e Steenbergen,
2004; ver tambm Habermas, 2005:38) e em outras instituies polticas,
assim como existem evidncias para os efeitos de apren-dizado e de
amadurecimento da reflexo relativos s conversaes polticas entre os
cidados em sua vida cotidiana (Jonston, Conover e Searing, 2005).
Meu foco ser di-rigido, entretanto, para aquilo que a comu-nicao
poltica na esfera pblica pode trazer como contribuio para um
processo de le-gitimao deliberativa.
O centro do sistema poltico formado por instituies conhecidas:
parlamentos, cortes, autoridades administrativas e governo. Cada
ramificao pode ser descrita como uma are-na deliberativa
especializada. O output corres-pondente a essas arenas decises
legislativas e programas polticos, opinies ou vereditos, medidas
administrativas e decretos, diretri-zes e polticas resulta de
diferentes tipos de deliberao institucionalizada e processos de
negociao. Na periferia do sistema poltico, a esfera pblica est
enraizada em redes de fluxos de mensagens desordenados notcias,
relatos, comentrios, falas, cenas e imagens, shows e filmes com um
contedo informati-vo, polmico, educativo ou de entretenimento.
Essas opinies publicadas originam-se a partir de vrios tipos de
atores: polticos e partidos polticos, lobistas e grupos de presso,
ou ato-res da sociedade civil. Elas so selecionadas e formatadas
pelos profissionais dos mass media e recebidas por amplas
audincias, campos e
subculturas intersectantes etc. Do espectro das opinies polticas
publicadas, podemos distinguir a opinio sondada (polled opinion),
ou seja, um agregado mensurado de atitudes favorveis ou contra
questes pblicas con-troversas a partir do modo como tomam for-ma,
tacitamente, entre pblicos fracos. Essas atitudes so tambm
influenciadas pela con-versao cotidiana em espaos informais ou por
pblicos episdicos da sociedade civil, do mesmo modo como so
influenciadas pela ateno que as pessoas conferem mdia im-pressa ou
eletrnica.
Existem dois tipos de atores sem os quais nenhuma esfera pblica
poltica poderia fun-cionar: os profissionais do sistema dos media
especialmente os jornalistas que editam as notcias, relatos e
comentrios e os polticos que ocupam o centro do sistema poltico, e
so tanto co-autores quanto destinatrios das opinies pblicas. A
comunicao poltica mediada conduzida por uma elite. Podemos
distinguir mais cinco tipos entre os atores que fazem sua apario no
palco virtual de uma esfera pblica estabelecida: (a) lobistas que
re-presentam grupos de interesse especiais; (b) advogados que ou
representam grupos de in-teresse geral, ou os substituem devido a
uma ausncia de representao de grupos margi-nalizados incapazes de
expressar efetivamen-te seus interesses; (c) especialistas a quem
so creditados conhecimentos profissionais ou cientficos em alguma
rea especializada e so convidados a oferecer conselhos; (d)
empre-endedores morais que geram ateno pblica para questes
supostamente negligenciadas; e, por ltimo, mas no menos
importantes, (e) intelectuais que adquiriram, diferentemente dos
advogados ou dos empreendedores mo-rais, uma reputao pessoal
reconhecida em algum campo (por exemplo, escritores ou aca-dmicos)
e que se engajam, de modo distinto dos especialistas e lobistas,
espontaneamente, em um discurso pblico, com a inteno de-clarada de
promover interesses gerais.
Somente atravs do sistema como um todo podemos esperar que a
deliberao ope-re como um mecanismo de purificao que filtra os
elementos impuros de um proces-
Existem dois tipos de atores sem os quais nenhuma esfera pblica
poltica poderia funcionar: os profissionais do sistema dos media e
os polticos
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impacto da teoria normativa...
so de legitimao discursivamente estrutu-rado. Estima-se que a
deliberao, enquanto elemento essencial do processo democrtico,
possa cumprir trs funes: mobilizar e reunir questes relevantes e
informaes necessrias, especificando interpretaes; processar tais
contribuies discursivamente por meio de argumentos adequados, sejam
eles favorveis ou contrrios a uma questo; e gerar atitu-des
racionalmente motivadas favorveis ou contrrias a uma questo , as
quais possuem grande probabilidade de determinar o resulta-do de
decises procedimentalmente corretas.
Diante do processo de legitimao como um todo, o papel
facilitador da esfera pblica poltica , principalmente, o de
preencher so-mente a primeira dessas trs funes e, alm disso, de
preparar as agendas para as institui-es polticas. Em suma, o modelo
delibera-tivo supe que a esfera pblica poltica possa assegurar a
formao de uma pluralidade de opinies pblicas cuidadosamente
conside-radas. Essa ainda uma expectativa bastante exigente, mas,
nas pesquisas de comunicao, um esquema realista das condies
necess-rias para a produo de opinies pblicas cui-dadosamente
consideradas pode submeter-se a normas no-arbitrrias para a
identificao das causas das patologias da comunicao.
Permitam-me desenvolver tal modelo co-municativo para a
legitimao democrtica em dois momentos. Comeo por lembrar-lhes o
amplo quadro de que estamos tratando: a inte-rao entre o Estado e
seus ambientes sociais.
O Estado enfrenta demandas vindas de dois lados. Alm das normas
e das regula-mentaes, deve providenciar bens e servios pblicos para
a sociedade civil, assim como subsdios e infraestrutura para vrios
sistemas funcionais, como o comrcio e o mercado de trabalho, a
sade, a seguridade social, o tr-fego, a energia, as pesquisas e o
desenvolvi-mento, a educao etc. Por meio de lobbies e de negociaes
neocorporativistas, os repre-sentantes de sistemas funcionais
afrontam a administrao utilizando aquilo que eles apresentam como
imperativos funcionais. Os representantes de sistemas particulares
podem fazer ameaas de falhas iminentes, tais
como uma inflao crescente ou uma fuga de capitais, um colapso do
trfego, uma falta de habitaes ou de suprimentos de energia, uma
carncia de trabalhadores capacitados, uma fuga de crebros para
pases estrangeiros etc. O impacto perturbador desses alarmes ou
cri-ses sobre os cidados, em seu papel de clientes desses
respectivos subsistemas, filtrado atra-vs de padres distributivos
de estruturas de classe. Redes associativas da sociedade civil e
grupos de interesse especiais traduzem a ten-so ativada por
problemas sociais pendentes e demandas conflitantes por justia
social, em questes polticas. Os atores da sociedade ci-vil
articulam interesses polticos e afrontam o Estado por meio de
demandas provenientes dos mundos da vida de vrios grupos. Com a
sustentao legal dos direitos de voto, essas demandas podem ser
reforadas atravs da ameaa de interromper a legitimao.
Os votos, contudo, no crescem natural-mente no solo da sociedade
civil. Antes de eles ultrapassarem o limiar formal das campa-nhas e
das eleies gerais, eles ganham forma atravs do confuso alvoroo de
vozes oriun-das tanto da conversao cotidiana quanto da comunicao
mediada. O sistema poltico, dependente da legitimao democrtica em
sua periferia, possui um flanco desprotegido com relao sociedade
civil, a saber, a vida indisciplinada da esfera pblica.
Organizaes cujo objetivo realizar pes-quisas de opinio pblica
monitoram e regis-tram continuamente as atitudes de cidados
privados. Os profissionais dos media produzem um discurso de elite,
alimentado pelos atores que disputam por acesso aos media e por
influ-ncia sobre eles. Esses atores sobem ao palco a partir de trs
pontos: polticos e partidos polti-cos partem do centro do sistema
poltico; lobis-tas e grupos de interesse especiais partem, com
vantagem, do ponto dos sistemas funcionais e dos grupos de status
que eles representam; e os advogados, grupos de interesse pblico,
igrejas, intelectuais e empreendedores morais vm dos bastidores da
sociedade civil.
Juntamente com os jornalistas, todos eles se juntam para a
construo do que chama-mos de opinio pblica, embora essa ex-
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Lbero - Ano XI - n 21 - Jun 2008
presso singular somente faa referncia a uma opinio pblica
prevalente entre muitas outras. Tais feixes de questes e
contribuies sintetizadas exibem, ao mesmo tempo, o peso respectivo
de atitudes favorveis ou contrrias que eles atraem de vrias
audincias. As opi-nies pblicas so difceis de serem definidas
claramente; elas so construdas juntamente por elites polticas e
audincias difusas a par-tir das diferenas perceptveis entre opinies
publicadas e as medies estatsticas das opi-nies sondadas. As
opinies pblicas exercem um tipo de presso suave na forma malevel do
pensamento das pessoas. Esse tipo de in-fluncia poltica precisa ser
diferenciado do poder poltico, que est ligado a autoridades e
permite a tomada de decises coletivamente vinculantes. A influncia
das opinies pbli-cas se espraia em direes opostas, voltando-se
tanto em direo ao governo observan-do-o cuidadosamente quanto em
direo s audincias reflexivas junto s quais as opini-es pblicas
tiveram sua primeira origem.
O fato de que tanto governos eleitos quanto os eleitores possam
assumir uma atitude afir-mativa, negativa ou indiferente diante da
opi-nio pblica acentua o trao mais importante da esfera pblica, ou
seja, seu carter reflexivo. Todos os participantes podem revisitar
as opi-nies pblicas consideradas e responder a elas aps a devida
reconsiderao. Essas respostas, vindas de cima e tambm de baixo,
providen-ciam um teste duplo para descobrir como a efetiva
comunicao poltica na esfera pblica funciona enquanto um mecanismo
de filtra-gem. Se ela funciona como tal, somente opi-nies pblicas
cuidadosamente consideradas passam atravs dela. As opinies pblicas
tornam manifesto o que amplos, mas confli-tantes setores da populao
consideram, sob a luz de informaes disponveis, como sendo as
interpretaes mais plausveis de cada uma das questes controversas em
pauta.
A partir do ponto de vista de governos e das elites polticas
responsivas, as opinies pbli-cas cuidadosamente consideradas
estabelecem um quadro para o escopo do que o pblico de cidados
aceitaria como decises legtimas em um caso especfico. Para
eleitores responsivos,
que se engajam em conversaes polticas cotidianas, lem jornais,
assistem televiso e participam ou no de eleies, as opinies p-blicas
cautelosamente consideradas apresen-tam, igualmente, alternativas
plausveis para aquilo que conta com uma posio sensata diante de
questes pblicas. o voto formal e a formao atual da opinio e da
vontade dos eleitores individuais que, juntos, conectam os fluxos
perifricos da comunicao poltica na sociedade civil e na esfera
pblica aos proces-sos deliberativos decisrios, conduzidos pelas
instituies polticas localizadas no centro do sistema poltico,
filtrando-os, assim, para den-tro do amplo sistema de circuitos da
poltica deliberativa. Gerhards (13:26) aponta que a relevncia da
opinio pblica tanto para o pblico quanto para os responsveis pelos
processos decisrios... assegurada nas de-mocracias competitivas, em
ltima instncia, pela instituio das eleies.
A despeito da estrutura neutra e assimtri-ca da comunicao de
massa, a esfera pblica poderia, somente se as circunstncias forem
favorveis, gerar opinies pblicas cuidado-samente consideradas. Fao
uso do condicio-nal aqui para chamar a ateno do leitor para outra
cautela bvia: a estrutura de poder da esfera pblica pode tanto
distorcer a dinmica das comunicaes de massa quanto intervir atravs
do requisito normativo de que ques-tes relevantes, informaes
necessrias e con-tribuies apropriadas sejam mobilizadas.
Estrutura de poder da esfera pblica e dinmica da comunicao de
massa
O poder no ilegtimo per se. Permitam-me distinguir quatro
categorias. Existe, em primeiro lugar, um poder poltico que, por
de-finio, requer a legitimao. De acordo com o modelo deliberativo
de democracia, o pro-cesso de legitimao precisa passar atravs da
esfera pblica que possui a capacidade de ali-mentar as opinies
pblicas cuidadosamente consideradas. O poder social depende do
status que um indivduo possui em uma sociedade estratificada; tais
status so derivados de posi-es dentro de sistemas funcionais. Por
conse-
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Jrgen Habermas - Comunicao poltica na sociedade meditica: o
impacto da teoria normativa...
guinte, o poder econmico um tipo de poder social especial e
dominante. No o poder so-cial enquanto tal, mas sua transformao em
presso sobre o sistema poltico que precisa de legitimao: ela no
precisa contornar os ca-nais da esfera pblica. O mesmo pode ser
dito a respeito do impacto poltico dos atores que se situam na
sociedade civil, como, por exem-plo, grupos de interesse geral,
comunidades religiosas ou movimentos sociais. Esses atores no
possuem poder em sentido estrito, mas obtm influncia pblica a
partir do capital social e do capital cultural que acumula-ram em
termos de visibilidade, proeminncia, reputao ou status moral.
Os meios de comunicao de massa cons-tituem tambm outra fonte de
poder (Jarren & Donges, 2006:11, 32). O poder dos me-dia
baseado na tecnologia das comunicaes de massa. Aqueles que
trabalham em setores politicamente relevantes do sistema dos me-dia
(isto , reprteres, colunistas, editores, diretores, produtores e
proprietrios) no podem fazer nada alm de exercer o poder, porque
eles selecionam e processam um con-tedo politicamente relevante e,
desse modo, intervm tanto na formao de opinies p-blicas quanto na
distribuio de interesses influentes. A utilizao do poder dos media
manifesta-se na escolha da informao e do formato, na forma e no
estilo dos programas e nos efeitos de sua difuso atravs de
me-canismos como o agenda setting, o priming e o enquadramento das
questes (framing) (Callaghan & Schnell, 2005). Do ponto de
vista da legitimidade democrtica, o poder dos media permanece,
todavia, inocente, na medida em que os jornalistas operam dentro de
um sistema meditico funcionalmente es-pecfico e auto-regulado. A
independncia re-lativa dos meios de comunicao de massa em relao aos
sistemas poltico e econmico era uma pr-condio necessria para a
ascenso do que agora chamamos de sociedade medi-tica. Essa uma
aquisio bastante recente, mesmo no Ocidente, e remonta ao perodo
que logo se segue ao fim da Segunda Guerra Mundial (Jarren &
Donges, 2006:26; Weis-brod, 2003). Uma independncia funcional
significa a auto-regulao do sistema dos media de acordo com seus
prprios cdigos normativos (Thompson, 15:258).
No processo de agendamento que ocorre no interior dos media, uma
hierarquia infor-mal confere imprensa de qualidade nacional o papel
de lder de opinio. H uma abundn-cia de notcias e comentrios
polticos oriun-dos de jornais prestigiosos e revistas polticas de
circulao nacional dentro de outros me-dia (Jarren & Donges,
2006). Com referncia ao input oriundo de contextos externos aos
media, os polticos e os partidos polticos so, sem sombra de dvida,
os mais importan-tes fornecedores. Eles possuem uma forte posio com
relao negociao de acesso privilegiado aos media. Contudo, mesmo os
governos geralmente no possuem nenhum controle sobre o modo como os
media apre-sentam e interpretam suas mensagens, sobre o modo como
as elites polticas ou pblicos ampliados as recebem, ou sobre a
maneira como esses ltimos respondem a elas (Jarren & Donges).
Dado o alto nvel da organizao e dos recursos materiais, os
representantes de sistemas funcionais e de grupos de interesse
especiais usufruem tambm de um certo aces-so privilegiado aos
media. Eles se encontram em uma posio na qual podem utilizar
tc-nicas profissionais para transformar o poder social em potncia
poltica. Grupos de inte-resse pblico e advogados tendem tambm a
empregar mtodos gerenciais de comunica-o coorporativa. Nesse
sentido, os atores da sociedade civil, se comparados aos polticos e
aos lobistas, ocupam a posio mais fraca.
A utilizao do poder dos media manifesta-
se na escolha da informao e do
formato, na forma e estilo dos programas e
nos efeitos de sua difuso
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Lbero - Ano XI - n 21 - Jun 2008
Os jogadores que se encontram no palco vir-tual da esfera pblica
podem ser classificados em termos do poder ou do capital que
possuem sua disposio. A estratificao das oportunida-des de
transformar o poder em influncia pbli-ca atravs dos canais da
comunicao mediada revela, assim, uma estrutura de poder. Esse
po-der coagido, contudo, pela reflexividade pecu-liar de uma esfera
pblica que permite a todos os participantes a chance de
reconsiderar o que entendem por opinio pblica. A construo comum da
opinio pblica certamente convida os atores a intervir
estrategicamente na esfera
pblica. A distribuio desigual dos meios para a realizao de tais
intervenes, entretanto, no distorce necessariamente a formao de
opini-es pblicas cuidadosamente consideradas. As intervenes
estratgicas na esfera pblica pre-cisam, de modo a evitar o risco da
ineficincia, aceitar as regras do jogo. E, uma vez que as regras
estabelecidas constituem o jogo certo aquele que promete a produo
de opinies pblicas cuidadosamente consideradas , mesmo os ato-res
mais poderosos iro contribuir somente para a mobilizao de questes,
fatos e argumentos relevantes. Contudo, para que as regras do jogo
certo existam, duas coisas precisam ser alcana-das. Em primeiro
lugar, um sistema meditico auto-regulador deve manter sua
independn-cia frente aos sistemas que o rodeiam, ao mes-mo tempo em
que estabelea conexes entre a comunicao poltica desenvolvida na
esfera pblica, a sociedade civil e o centro do sistema poltico. Em
segundo lugar, uma sociedade civil inclusiva precisa conferir poder
aos cidados, de modo que eles possam participar de discursos
pblicos e respond-los. Em contrapartida, es-ses discursos no
podem se degenerar em um modo colonizador da comunicao.
A ltima condio perturbadora, para di-zer o mnimo. A literatura
sobre a ignorncia pblica desenha um quadro bastante severo do
cidado mdio como uma pessoa ampla-mente desinformada e
desinteressada (Frie-dman, 2003; Somin, 18; Weinshall, 2003).
Contudo, este quadro tem sido modificado atravs de estudos recentes
acerca do papel cognitivo dos atalhos heursticos e informa-cionais
no desenvolvimento e na consolidao de orientaes polticas. Eles
sugerem que, a longo prazo, leitores, ouvintes e telespectado-res
podem formar, definitivamente e mesmo inconscientemente, atitudes
sensatas em re-lao a questes pblicas. Podem constru-las agregando
suas reaes, freqentemente tcitas e mesmo esquecidas, a fragmentos e
pedaos casualmente recebidos de informao, os quais eles
inicialmente integraram a um background de esquemas conceituais em
evoluo, avalian-do-os tambm em relao a esse pano de fundo
cognitivo. Nesse sentido, as pessoas podem ser conhecedoras em seu
uso da razo acerca de suas escolhas polticas, sem possuir uma vasta
gama de conhecimentos sobre a poltica (Dal-ton, 2006:26; Delli
Carpini, 2004:412).
Patologias da comunicao poltica
Na anlise final, ns somos ainda confron-tados com uma evidncia
que, primeira vis-ta, aponta que o tipo de comunicao poltica que
conhecemos em nossa ento chamada sociedade meditica se posiciona na
direo contrria aos requerimentos normativos da poltica
deliberativa. Contudo, o uso empri-co recomendado do modelo
deliberativo nos fornece um impulso crtico: ele nos permite ler os
dados contraditrios como indicadores de entraves contingentes que
merecem uma sria investigao. Os requerimentos mencio-nados
anteriormente ou seja, a independn-cia de um sistema dos media
auto-regulado e a forma correta e justa de um feedback entre a
comunicao poltica mediada e a sociedade civil podem servir como
detectores para a
Uma sociedade civil inclusiva precisa conferir poder aos
cidados, de modo que eles possam participar de discursos pblicose
respond-los
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Jrgen Habermas - Comunicao poltica na sociedade meditica: o
impacto da teoria normativa...
descoberta de causas especficas para ausn-cias existentes de
legitimidade.
Com relao primeira condio, precisa-mos distinguir, de um lado,
entre uma diferen-ciao incompleta entre o sistema dos media e os
ambientes que o cercam e, de outro lado, en-tre uma interferncia
temporria e a indepen-dncia do sistema dos media que j alcanou o
nvel da auto-regulao. O monoplio do Esta-do exercido sobre as
emissoras pblicas de co-municao na Itlia durante as primeiras trs
dcadas do perodo ps-guerra um exemplo do interligamento da mdia
eletrnica com o sistema poltico. Durante o perodo no qual toda
mudana de governo entre os polticos da situao, pertencentes ao
Partido Democrata Cristo, e os membros da oposio comunista foi
bloqueada, cada um dos principais parti-dos usufrua do privilgio de
recrutar os em-pregados para um dos trs canais pblicos de televiso.
Esse padro garantiu um certo grau de pluralismo, mas certamente no
assegurou a independncia da programao profissional. Uma conseqncia
dessa diferenciao incom-pleta entre a comunicao mediada o o ncleo
do sistema poltico foi a de que as emissoras pblicas favoreceram um
tipo de paternalis-mo, como se cidados imaturos precisassem de uma
instruo poltica adequada de instncias superiores (Padovani,
2005).
Comparado com essa ausncia de diferen-ciao, uma perda de
especializao temporria parece ser uma deficincia menor. Entretanto,
s vezes pode ter um impacto mais marcante. Um caso recente em voga
a manipulao do pblico americano pelo surpreendente sucesso da gesto
de comunicaes da Casa Branca an-tes e depois da invaso do Iraque,
em 2003. O que esse caso destaca no a manobra astuta do presidente
para enquadrar o evento do 11 de setembro como algo que ativou a
guerra contra o terrorismo (Entman, 2004). O fen-meno mais
remarcvel nesse contexto foi a au-sncia de qualquer
contra-enquadramento efe-tivo (Artz e Kamalipour, 2005). Uma
imprensa responsvel teria oferecido aos media popula-res notcias
mais fidedignas e interpretaes al-ternativas, por meio de um
agendamento entre diferentes veculos mediticos.
A ausncia de distncia entre os media e os grupos de interesse
especiais menos espeta-cular, embora mais freqente e normal do que
sua implicao transitria nos meandros de poder da poltica. Se, por
exemplo, polticas ecolgicas ou de proteo sade produzem impacto nos
interesses principais de corpora-es importantes, esforos
concentrados para traduzir o poder econmico em influncia po-ltica
podem ser vistos como capazes de pro-duzir um efeito mensurvel.
Nesse contexto, a influncia intermediria de comunidades eruditas
(como a Escola de Chicago) tambm digna de ser mencionada. Um caso
especial de dano causado independncia editorial ocorre quando
proprietrios privados de um imprio meditico desenvolvem ambies
polticas e usam seu poder, baseado na propriedade, para adquirir
influncia poltica.
A televiso privada e a mdia impressa so empresas comerciais como
quaisquer outras. Nesse caso, contudo, os proprietrios podem
utilizar sua vantagem econmica como um boto para converter
imediatamente o poder dos media em influncia pblica e em presso
poltica. Ao lado de proprietrios poderosos como Rupert Murdoch,
temos Silvio Berlus-coni como um exemplo infame. Ele primeiro
explorou as oportunidades legais traadas so-mente para sua
auto-promoo poltica e, as-sim, depois de assumir o poder de
controle so-bre o governo, utilizou seu imprio meditico para
sustentar uma legislao dbia em favor da consolidao de sua fortuna
privada e de seus bens polticos. No decorrer dessa aventu-ra,
Berlusconi obteve sucesso em modificar a cultura meditica de seu
pas, retirando-a do domnio da educao poltica e enfatizando o
mercado do entretenimento despolitizado uma mistura de filmes e
telefilmes, shows de variedades e shows de perguntas e respos-tas,
desenhos animados e esportes, com a pro-eminncia do futebol nessa
ltima categoria (Ginsborg, 2004).
A segunda condio diz respeito ao feedback entre um sistema dos
media auto-regulador e uma sociedade civil responsiva. A esfera
pblica poltica precisa dos recursos fornecidos (inputs) pelos
cidados que do voz aos problemas da so-
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Lbero - Ano XI - n 21 - Jun 2008
ciedade e que respondem s questes articuladas pelo discurso da
elite. Existem duas causas prin-cipais para a ausncia sistemtica
desse tipo de feedback circular. A privao social e a excluso
cultural dos cidados explicam o acesso seletivo a e uma participao
irregular na comunicao mediada, uma vez que a colonizao da esfera
pblica pelos imperativos do mercado conduz a uma paralisia peculiar
da sociedade civil.
Com relao ao acesso e participao na comunicao mediada, h um
senso comum sociolgico de que o interesse por questes pblicas e o
uso da mdia poltica est ampla-mente correlacionados com o status
social e o background cultural (Delli Carpini, 2004:404; Verba
Schlozman e Bradey, 15). Esse con-junto de dados pode ser
interpretado como indicador de uma diferenciao funcional
in-suficiente da esfera pblica poltica com rela-o estrutura de
classes da sociedade civil. Ao longo das ltimas dcadas, contudo, os
vncu-los com as origens sociais e culturais atribudas tm se tornado
mais fracos (Dalton, 2006:172, 150, 21). A mudana em direo a
questes a serem decididas com uma votao revela o crescente impacto
do discurso pblico nos padres de votao e, de modo mais geral, o
impacto do discurso pblico na formao de pblicos voltados para
questes especficas. Ainda que um grande nmero de pessoas tenda a se
interessar por um amplo nmero de questes, o conjunto geral desses
pblicos pode ainda servir para antecipar as tendncias de fragmentao
(Dalton, 2006:121, 206).
A despeito da incluso crescente de cida-dos nos fluxos da
comunicao de massa, uma comparao entre estudos recentes chega a uma
concluso ambivalente, talvez at direta-mente pessimista, a respeito
do tipo de impac-to que a comunicao de massa possui sobre o
envolvimento dos cidados na poltica (Delli Carpini, 2004). Vrios
resultados nos Estados Unidos sustentam a hiptese da videomalaise,
segundo a qual as pessoas que fazem um uso intenso da mdia
eletrnica e a consideram uma fonte importante de informao pos-suem
um baixo nvel de confiana na poltica e apresentam maior tendncia a
assumir, em conseqncia, uma atitude cnica com rela-
o poltica (Lee, 2005:421). Se, contudo, a dependncia do rdio e
da televiso alimenta sentimentos de impotncia, apatia e
indiferen-a, no deveramos procurar a explicao de tal fato no estado
paraltico da sociedade civil, mas sim nos contedos e formatos de um
tipo degenerado de comunicao poltica. Os dados que mencionei
sugerem que o modo da comu-nicao mediada contribui
independentemen-te para uma alienao difusa dos cidados com relao
poltica (Boggs, 17).
No que tange colonizao da esfera pblica pelos imperativos do
mercado, o que tenho em mente aqui simplesmente a redefinio da
po-ltica em categorias de mercado. O crescimento da arte autnoma e
da imprensa poltica inde-pendente, desde o final do sculo XVIII,
prova que a organizao e a distribuio comerciais de produtos
intelectuais no induzem, neces-sariamente, tranformao de seu
contedo e dos modos de sua recepo em mercadoria. Sob a presso dos
acionistas sedentos por lu-cros mais elevados, a invaso dos
imperativos funcionais do mercado econmico na lgica interna da
produo e da apresentao das mensagens que conduz substituio secreta
de uma categoria da comunicao por outra: questes ligadas ao
discurso poltico so assi-miladas e absorvidas por modos e contedos
de entretenimento. Alm da personalizao, a dramatizao dos eventos, a
simplificao de problemas complexos e a vvida polarizao de conflitos
promovem um privatismo cvico e um clima anti-poltico.
O status crescente das imagens dos can-didatos explica o padro
da poltica eleitoral centrada no candidato. Dalton afirma que as
imagens dos candidatos podem ser vistas como mercadorias embaladas
por publicit-rios que atingem o pblico enfatizando traos que
possuem um apelo especial junto aos elei-tores (Dalton, 2006:215).
A tendncia relacio-nada s questes eleitorais caminha lado a lado
com a tendncia ligada s eleies baseadas em candidatos, de maneira
que esta ltima ainda no predomina. A personalizao da poltica
sustentada pela mercantilizao dos progra-mas. Estaes de rdio e
emissoras de televiso privatizadas, as quais operam sob entraves
or-