Fernando Pereira de Almeida COMPORTAMENTO E MOTILIDADE DA BACTÉRIA MAGNETOTÁCTICA ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ SOB CAMPO MAGNÉTICO APLICADO Dissertação de Mestrado Orientador: Drª. Carolina Neumann Keim Co-orientador: Dr. Ulysses Garcia Casado Lins UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PROF PAULO DE GÓES RIO DE JANEIRO MARÇO DE 2009
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Fernando Pereira de Almeida
COMPORTAMENTO E MOTILIDADE DA BACTÉRIA MAGNETOTÁCTICA ‘Candidatus Magnetoglobus
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PROF PAULO DE GÓES
RIO DE JANEIRO MARÇO DE 2009
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Fernando Pereira de Almeida
COMPORTAMENTO E MOTILIDADE DA BACTÉRIA MAGNETOTÁCTICA ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ SOB CAMPO MAGNÉTICO
APLICADO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências (Microbiologia), Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas (Microbiologia)
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE MICROBIOLOGIA PROF PAULO DE GÓES
RIO DE JANEIRO MARÇO DE 2009
Almeida, Fernando Pereira de Comportamento e motilidade da bactéria magnetotáctica ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ sob campo magnético aplicado / Fernando Pereira de Almeida – Rio de Janeiro, 2009. v, 106p Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, 2009. Orientador: Carolina Neumann Keim Referências bibliográficas: 130 1. Mobilidade bacteriana 2. Bactérias magnetotácticas 3. ‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’ I. Carolina Neumann Keim. II. UFRJ, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Mestrado em Ciências Biológicas. III. Comportamento e motilidade da bactéria magnetotáctica ‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’ sob campo magnético aplicado.
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Fernando Pereira de Almeida
COMPORTAMENTO E MOTILIDADE DA BACTÉRIA MAGNETOTÁCTICA ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ SOB CAMPO MAGNÉTICO
APLICADO
Rio de Janeiro, 31 de Março de 2009.
(Orientadora: Carolina Neumann Keim, doutora, IMPPG). (Examinador: Henrique Gomes de Paiva Lins de Barros, doutor, IMPPG).
O presente trabalho foi realizado no Laboratório de Biologia e Ultraestrutura de Procariotos, Departamento de Microbiologia Geral, Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes, Centro de Ciências da Saúde (CCS), Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação da Profª Carolina Neumann Keim e co-orientação do Prof. Ulysses Garcia Casado Lins.
IV
V
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e a todas as pessoas que de alguma forma
ajudaram no desenvolvimento dessa dissertação. Espero conseguir
lembrar todas elas nesse momento tão importante da minha vida.
Agradeço aos meus pais, “Seu Wilson” e “Dona Judite”, as pessoas
mais importantes na minha vida.
Às minhas tias Neuza e Nenzinha, por toda a ajuda e carinho nos
momentos difíceis pelos quais minha mãe passou nesse último ano.
Aproveito para dedicar essa dissertação aos meus tios José e Heitor, que
faleceram recentemente. É grande a saudade.
À minha orientadora, Profª Carolina Keim, por todo apoio,
incentivo e compreensão ao longo desses últimos anos.
Ao Prof. Nathan Viana, por ter sido o revisor e um co-orientador
“não-oficial” dessa dissertação. Sua ajuda foi imprescindível para a
realização desse trabalho.
Ao Prof. Ulysses Lins, por ter me recebido em seu laboratório e
pela sua colaboração ao longo da dissertação.
Ao Prof. Marcos Farina, pelas importantes contribuições ao longo
de todo o mestrado, e por todo o tempo de convivência e aprendizado
que tive em seu laboratório.
À Professora Darci Esquivel, minha primeira orientadora, e aos
professores Henrique Lins de Barros, Eliane Wajnberg e Daniel Avalos,
todos sempre dispostos a ajudar.
À Professora Thaís Souto Padrón, pela grande ajuda no processo
de aprovação da banca examinadora.
À Drª Leida Abraçado, pela ajuda com as bobinas e com a “parte
física” da dissertação.
VI
Aos meus companheiros do LABUP, Drª. Juliana Martins, Karen
Silva, Thais Silveira, Fernanda Abreu, Julia Albuquerque, Herval, Iamé,
Gisele, Bianca, Tamires, Roberta e Daniele. Obrigado pela amizade e
companheirismo. Todos vocês fazem do LABUP um lugar muito
prazeroso de se trabalhar.
Aos meus ex-colegas do Laboratório de Biomineralização, Mair
Oliveira, Leonardo Tavares, Rachel Leal e Leonardo Andrade.
Ao Sr. Carlos Van Der Ley e ao Sr. Osmani Bento da Silva pela
ajuda na confecção das bobinas.
Aos meus colegas de trabalho do CIEP-341 Anne, Patrícia, Priscila,
Paula e Carlos pelo incentivo, amizade e companheirismo. Vocês são o
maior exemplo de como a rede pública de ensino, apesar das péssimas
condições de trabalho, ainda conta com profissionais competentes e
dedicados.
Aos meus amigos Maron, Adriana, Carolina, Luiz, Amanda, e
Rodrigo pelas conversas jocosas às sextas-feiras no quiosque do china.
Aos membros da banca examinadora, por aceitar participar da
minha avaliação e pela compreensão em relação ao pouco tempo entre
a entrega da dissertação e a defesa.
À SEEDUC por pagar o meu salário.
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Fernando Pereira de Almeida
COMPORTAMENTO E MOTILIDADE DA BACTÉRIA MAGNETOTÁCTICA ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ SOB CAMPO MAGNÉTICO
APLICADO
Orientador: Profª. Drª. Carolina Neumann Keim Co-orientador: Prof. Dr. Ulysses Garcia Casado Lins
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciências (Microbiologia), Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas. ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ é uma bactéria magnetotáctica multicelular composta por 18 ± 4 células Gram-negativas. Dentro das células, há estruturas intracelulares compostas por cristais magnéticos envoltos por membranas biológicas denominadas magnetossomos. As células são organizadas em um arranjo radial, que resulta em uma estrutura esférica onde cada célula encontra-se em íntimo contato com as células vizinhas e apresenta uma face em contato com um compartimento interno acelular e uma face em contato com o ambiente apresentando múltiplos flagelos. ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ move-se como uma unidade ao longo de linhas de campo magnético. O alinhamento do organismo às linhas de campo se dá de forma passiva, devido ao torque exercido pelo campo magnético sobre os magnetossomos, enquanto a natação se deve à rotação ativa dos flagelos. Além do movimento avante, ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ pode ainda realizar rápidas excursões no sentido inverso, seguido de movimento avante (escape motility). Os objetivos do presente trabalho foram (i) o desenvolvimento de uma metodologia para estudar as trajetórias helicoidais de microrganismos, (ii) a quantificação dos parâmetros que descrevem a natação em trajetórias helicoidais de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ sob ação de diferentes campos magnéticos aplicados e (iii) a observação do efeito de luz ultravioleta sobre a motilidade destes microrganismos. A metodologia aplicada, baseada em vídeo-microscopia e processamento de imagem, permitiu a análise de um grande número de trajetórias. As trajetórias que observamos são bastante alongadas para as bactérias na presença dos campos magnéticos aplicados neste trabalho. Estas trajetórias alongadas sugerem uma otimização do movimento avante. A comparação dos dados obtidos neste trabalho com os dados das trajetórias de outros procariotos de tamanho similar sugere que a forma das trajetórias depende do tamanho e/ou disposição dos flagelos na superfície dos microrganismos. O presente trabalho também analisou o
VIII
efeito da aplicação de pulsos de laser ultravioleta sobre ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’. Indivíduos diretamente atingidos pelo pulso de laser perderam a sua integridade estrutural, passando a apresentar grupos de células destacadas do arranjo esférico. Um segundo efeito observado foi uma resposta coletiva de “escape motility” nos demais microrganismos não diretamente atingidos pelo pulso de laser. Essa resposta coletiva desapareceu após o terceiro pulso de laser indicando que houve adaptação ao estímulo, o que levou à hipótese de que essa resposta seja uma reação de fototactismo negativo. Palavras-chave: 1. Magnetotaxia 2. Bactérias magnetotácticas 3. ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ 4. Vídeo-microscopia 5. Motilidade bacteriana
Rio de Janeiro Março de 2009
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Fernando Pereira de Almeida
COMPORTAMENTO E MOTILIDADE DA BACTÉRIA MAGNETOTÁCTICA ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ SOB CAMPO MAGNÉTICO
APLICADO
Orientador: Profª. Drª. Carolina Neumann Keim Co-orientador: Prof. Dr. Ulysses Garcia Casado Lins
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciências (Microbiologia), Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas. ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ is a multicellular magnetotactic prokaryote (MMP) composed by 18 ± 4 Gram-negative cells. In the cells, there are intracellular structures composed of magnetic crystals enveloped by biological membranes, called magnetosomes. The cells are organized in a radial arrangement that results in a spherical shape where each cell has close contact with the adjacent cells and present a face in contact with an internal non-cellular compartment and a face in contact with the environment, displaying multiple flagella. ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ moves as a unit along magnetic field lines. The alignment of organism to the magnetic field lines is passive, due to the torque exerted by the magnetic field on the magnetosomes, while swimming is due to the active flagella rotation. In addition to the forward movement, ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ can also perform fast excursions backwards, followed by a forward movement (escape motility). The aim of this work were (i) to develop a method to study the helical trajectories of microorganisms, (ii) to quantify the parameters that describe the helical swimming of ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ and (iii) to observe the effects of ultraviolet light on the motility of these microorganisms. The methodology applied in this work, based on video microscopy and image analyses, enabled the analyses of a large number of trajectories. The elongated trajectories suggest that the forward movement is optimized. Comparison of the data obtained in this work with data of the trajectories of other prokaryotes of similar size suggests that the shape of the trajectories depends on the size and/or distribution of flagella on the surface of the microorganisms. The present work also analyzed the effect of ultraviolet laser pulses on ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’. Individuals hit directly by the laser lose their structural integrity, presenting groups of cells detached from the spherical array. A secondary effect observed was a collective response similar to the escape motility in the microorganisms not directy
X
hit by the laser. This collective response disappeared after the third pulse of laser, suggesting that there was adaptation to the stimulus, which lead to the hypothesis that this is a negative fototactism reaction. Key-words: 1. Magnetotaxis 2.Magnetotactic bacteria 3.’Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ 4.videomicroscopy 5.Bacterial motility
Rio de Janeiro March, 2009
XI
LISTA DE ABREVIATURAS ‘Ca. Magnetoglobus Multicellularis – ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ A – Raio das Trajetórias Helicoidais D – Declinação do campo geomagnético DIC – Contraste por Interferência Diferencial E. coli – Escherichia coli F – Intensidade total do campo geomagnético H - Intensidade horizontal do campo geomagnético I – Inclinação do campo geomagnético IF – Infravermelho LPS – Lipopolissacarídeo MMA – Multicellular Magnetotactic Aggregate MMO – Multicellular Magnetotactic Organism MMP – Multicellular Magnetotactic Prokaryote Nd-YAG – Laser de Neodymium-Doped Yttrium Aluminium Garnet nm – Nanômetro NS – Bactéria magnética north-seeking nT – Nanotesla PVC – Poli-cloreto de vinila SS – Bactéria magnética south-seeking t – Tempo UV – Ultravioleta V0 – Velocidade inicial Vt – Velocidade tangencial X – Componente norte da intensidade horizontal do campo geomagnético X0 – Posição inicial no eixo X Y – Componente leste da intensidade horizontal do campo geomagnético Y0 – Posição inicial no eixo Y Z – Intensidade vertical do campo geomagnético Z0 – Posição inicial no eixo Z θ- Ângulo entre a velocidade angular e a velocidade instantânea λ – Comprimento de onda / passo da hélice µm – Micrômetro ν – Velocidade de natação Τ – Período das trajetórias helicoidais υ – Velocidade Instantânea Φ – Fase arbitrária ω – Velocidade Angular
3. MATERIAIS E MÉTODOS........................................................ 34
3.1. COLETA E CONCENTRAÇÃO MAGNÉTICA DE ‘CANDIDATUS MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’..................................................................................................................................................................... 34 3.2. PRODUÇÃO DE CAMPO MAGNÉTICO APLICADO PARA EXPERIMENTOS DE VÍDEO-MICROSCOPIA. . 36 3.3. VÍDEO-MICROSCOPIA DAS TRAJETÓRIAS DE ‘CANDIDATUS MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’ SOB CAMPO MAGNÉTICO APLICADO ........................................................................................................... 39 3.4. AVALIAÇÃO DA RESPOSTA DE ‘CANDIDATUS MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’ A PULSOS DE
LASER ULTRAVIOLETA E A LUZ ULTRAVIOLETA.......................................................................................... 40
4.1. TRAJETÓRIAS HELICOIDAIS DE ‘CANDIDATUS MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’ SOB CAMPO
MAGNÉTICO APLICADO................................................................................................................................ 43 4.2. RESPOSTA DE ‘CANDIDATUS MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’ A PULSOS DE LASER
5.1. VANTAGENS E DESVANTAGENS DA NOVA METODOLOGIA DESENVOLVIDA PARA O ESTUDO DO
MOVIMENTO DE MICRORGANISMOS ........................................................................................................... 81 5.2. QUANTIFICAÇÃO DOS PARÂMETROS DAS TRAJETÓRIAS HELICOIDAIS DE ‘CANDIDATUS
MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’ NOS DOIS DIFERENTES CAMPOS MAGNÉTICOS APLICADOS, E
SUAS IMPLICAÇÕES PARA O MOVIMENTO .................................................................................................. 85
XIV
5.3. COMPARAÇÃO DO MOVIMENTO DE ‘CANDIDATUS MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’ COM O DE
OUTRAS BACTÉRIAS .................................................................................................................................... 90 5.4. RESPOSTA DE ‘CANDIDATUS MAGNETOGLOBUS MULTICELLULARIS’ A PULSO DE LASER E LUZ
As bactérias podem interagir de diversas formas com o ambiente,
tanto o alterando quanto estando sujeitas às suas condições físico-
químicas. O resultado de quatro bilhões de anos de evolução dos
organismos procariotos gerou uma diversidade de aproximadamente
7000 espécies reconhecidas, pertencentes aos domínios Bacteria e
Archaea, número que pode chegar a centenas de milhares se
considerarmos as espécies ainda não descritas (GARRITY, LIBUM & BELL
2005; MADIGAN & MARTINKO, 2006).
Tamanha quantidade de espécies se reflete na grande diversidade
metabólica observada entre os microrganismos, e na imensa variedade
de nichos ecológicos que tais seres podem ocupar. Diferentes espécies
necessitam de diferentes nutrientes e condições ambientais para a sua
sobrevivência, e tais fatores podem variar no espaço de maneira
relevante, mesmo em dimensões tão pequenas quanto poucos
micrômetros (MADIGAN & MARTINKO, 2006).
A capacidade autônoma de deslocamento observada em
indivíduos dos mais diferentes grupos taxonômicos constitui uma das
características mais fundamentais da vida, tendo crucial importância nos
processos ecológicos e evolutivos (NATHAN, 2008). A capacidade de
deslocamento a favor ou contra um estímulo presente no meio pode
significar a diferença entre a sobrevivência e a morte de um
microrganismo (MADIGAN & MARTINKO, 2006).
As bactérias podem apresentar mecanismos de locomoção que
lhes permitem explorar diferentes regiões do meio onde se encontram,
proporcionando a busca e posicionamento em locais que possuam os
nutrientes e condições ambientais necessárias à sua existência. A
capacidade de movimentação pode, ainda, evitar a predação das
bactérias por outros microrganismos. Nesse sentido, a velocidade de
deslocamento e o padrão de natação “run and reversal” observado em
bactérias marinhas seriam exemplos de parâmetros determinantes na
prevenção da predação (MITCHELL et al., 1995; JÜRGENS & MATZ,
2002).
O tamanho pequeno dos organismos procariotos, que torna difícil
a percepção de gradientes físico-químicos ao longo do seu corpo (no
caso uma ou poucas células), análises teóricas estimam o limite de
tamanho de um microrganismo para percepção espacial em menos de 1
µm. Contudo, a maioria das bactérias se orienta no meio ambiente
comparando o status físico e/ou químico do meio em função do tempo.
Isso significa que, à medida que se desloca, a bactéria compara a
presente condição do meio com aquela percebida em um passado
recente (DUSENBERY, 1998).
A vantagem em possuir capacidade de movimento ativo se torna
explícita quando consideramos a velocidade de difusão de moléculas em
meio aquoso implícito ao movimento Browniano. Uma molécula se
desloca ao longo de uma bactéria de 1 µm em 0,5 ms, mas demora
1000 s para se deslocar 1mm no meio. Isso porque o tempo de
deslocamento aumenta com o quadrado da distância (MITCHELL &
KOGURE, 2006).
Já foram descritos diferentes mecanismos pelos quais as bactérias
se deslocam. Muitas bactérias são capazes de se movimentar sobre
superfícies sólidas por meio de gliding (deslizamento). Outras possuem
mecanismos que permitem regular a sua posição em colunas d’água por
meio de vesículas gasosas. Entretanto, a grande maioria das bactérias
se desloca devido à rotação de flagelos (MADIGAN & MARTINKO, 2006).
2
1.1. Flagelo Bacteriano
O flagelo bacteriano é uma estrutura protéica com formato
helicoidal, constituída por subunidades de flagelina, uma proteína
codificada pelo gene FlgC. A forma do filamento é determinada em parte
pela estrutura e arranjo das moléculas de flagelina e em parte pela
reação à rotação da estrutura. A figura 1 mostra a estrutura típica de
um flagelo de bactéria Gram-negativa.
A base do flagelo difere do filamento flagelar. Trata-se de uma
estrutura mais espessa, denominada gancho, formada pelas flagelinas
associadas ao gancho, codificadas pelos genes FlgK, FlgL e FliD. Tanto o
flagelo quando o gancho são estruturas externas à célula.
O flagelo é conectado através do gancho a um motor protéico
ancorado à parede celular e à membrana plasmática. O motor consiste
em uma haste que atravessa quatro anéis associados a diferentes
estruturas do envoltório celular (BERG, 2003).
As bactérias Gram-negativas apresentam parede celular contendo
pequenas quantidades de peptídeoglicano e uma membrana externa,
constituída de lipopolissacarídeo, lipoproteínas e outras macromoléculas
complexas. Nessas bactérias, o flagelo é conectado ao envoltório celular
de forma que o anel mais externo (anel L) encontra-se associado à
camada de lipopolissacarídeo (LPS). Abaixo, encontra-se o anel P,
ancorado à camada de peptideoglicanas da parede celular. O anel MS
localiza-se na membrana plasmática e o anel C, o mais interno, situa-se
na interface entre a membrana plasmática e o citoplasma (Figura 1).
O motor do flagelo bacteriano é constituído por aproximadamente
20 tipos de proteínas e possui dimensões que não excedem 50 nm. O
motor pode apresentar rotação em frequências da ordem de 100 Hz,
3
cujo torque causa a rotação do flagelo, estrutura responsável pelo
deslocamento da célula (BERG, 2003).
Flanqueando os anéis mais internos do motor (MS e C), existe
uma série de proteínas motoras (Mot), responsáveis pela rotação do
flagelo; e um conjunto de proteínas Fli, cuja função é determinar o
sentido de rotação do motor em resposta a estímulos intracelulares.
Os anéis C, MS e P constituem o corpo basal, atuando como um
rotor. Em volta do corpo basal, as proteínas Mot geram o torque para a
rotação da estrutura. A fonte de energia que move o motor flagelar
provém da passagem de prótons através da membrana plasmática e
através das proteínas Mot associadas aos anéis MS e C. A forma como a
rotação do motor realmente ocorre ainda não é conhecida. Um modelo
proposto para esse fenômeno, “turbina de prótons” (Figura 2), sugere
que a passagem de prótons pelas proteínas Mot exerça forças
eletrostáticas nas cargas das proteínas do rotor dispostas de forma
helicoidal. A atração entre cargas positivas e negativas causaria, então,
a rotação do corpo basal. (BERG, 2003; MADIGAN & MARTINKO, 2006).
4
Figura 1: Estrutura do flagelo de bactérias Gram-negativas. O flagelo é conectado à superfície da célula por um gancho ligado à haste do motor rotatório. Associado ao LPS se encontra o anel mais externo (L). O anel P é ancorado à camada de peptídeoglicano da parede celular. O anel S é associado à membrana plasmática e o anel C encontra-se na face interna da membrana plasmática, em contato com o citoplasma. Os anéis P, MS e C constituem o corpo basal, que funciona como um rotor que é impulsionado pelo fluxo de prótons através das proteínas Mot. Entre os anéis MS e C encontram-se proteínas Fli, cuja função é alternar o sentido de rotação do motor em resposta a sinais intracelulares (Adaptado de Madigan & Martinko, 2009).
Figura 2: Modelo de “turbina de prótons” proposto para explicar a rotação do flagelo. O fluxo de prótons pelas proteínas Mot exerceriam forças nas cargas presentes nos anéis MS e C, causando a rotação da estrutura (Adaptado de Madigan & Martinko, 2009).
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1.2. Quimiotaxia
Os estímulos que direcionam as bactérias a favor ou contra um
determinado micro-ambiente podem ser de natureza física ou química.
Os exemplos mais relatados na literatura são as respostas à luz
(fototaxia) e a substâncias químicas (quimiotaxia).
A quimiotaxia consiste no movimento ativo de células ou
organismos em resposta a substâncias presentes no meio. Esse
deslocamento pode ocorrer tanto a favor quanto contra o estímulo
químico, onde a natureza da substância e a espécie ou tipo celular em
questão determinam o tipo de resposta (EISENBACH, 2007).
Grande parte dos estudos relacionados à quimiotaxia tem como
modelo a bactéria Escherichia coli. Trata-se de uma bactéria comum do
trato intestinal humano que tem forma de bastão e possui
aproximadamente seis flagelos emergindo de pontos aleatórios da
membrana celular.
Cada flagelo é propelido por um motor protéico rotatório,
ancorado à membrana plasmática e parede celular. Quando os flagelos
giram em sentido anti-horário, tendo como referência o plano da
superfície onde o flagelo se insere, ocorre a formação de um tufo
sincronizado de flagelos, que propele a célula avante, em trajetórias
aproximadamente retilíneas (run) (TUNER, RYU & BERG, 2000). Este
padrão de movimento não constitui uma trajetória perfeitamente
retilínea devido à susceptibilidade da bactéria ao movimento browniano
rotacional e translacional, causados pela colisão da bactéria com
moléculas presentes no fluido circundante. O movimento browniano é
desprezível quando comparado com o movimento de natação
translacional da célula. Contudo, o movimento browniano é significativo
6
para o movimento rotacional, causando dispersão angular da trajetória
(MITCHELL & KOGURE, 2006).
Quando um ou mais flagelos giram em sentido horário, o tufo de
flagelos se desfaz e a célula passa a se mover em padrão errático,
denominado tumble, que causa a reorientação da célula em nova
direção devido à energia térmica do meio. E. coli realiza quimiotaxia
executando runs e tumbles alternadamente (TUNER, RYU & BERG,
2000).
E. coli possui dimensões muito restritas para detectar diferenças
espaciais na concentração das substâncias dispersas no meio. Contudo,
é capaz de realizar comparações temporais à medida que nada. A
bactéria compara a concentração de substâncias químicas atrativas ou
repelentes com aquelas presenciadas há poucos instantes. Isso permite
à E. coli modular a taxa de runs e tumbles em função da diferença de
concentração da substância presente no meio.
Caso E. coli esteja presente em um gradiente químico atrativo, os
movimentos randômicos existentes em situações de ausência de
estímulos ambientais tornam-se movimentos não aleatórios. À medida
que a bactéria avança para zonas com maior concentração da
substância atrativa, as corridas tornam-se mais longas e os tumbles
menos frequentes. Consequentemente, a tendência é que o
microrganismo se desloque para regiões de maior concentração da
substância atrativa. Caso o gradiente seja de uma substância repelente,
o mesmo mecanismo é aplicado. Entretanto, é a redução da
concentração da substância que promove o aumento das corridas e a
redução dos tumbles (LOCSEI, 2007).
7
1.3. Fototaxia
Diversos microrganismos apresentam alteração no padrão de
natação em resposta à condição de luz do ambiente. Existem três tipos
conhecidos de resposta à luz. A resposta escotofóbica é caracterizada
por uma “fobia ao escuro”: a bactéria entra em tumble, cessa ou reverte
a direção de natação quando percebe uma redução na intensidade de
luz do meio. A fotocinese é caracterizada por uma alteração na taxa de
motilidade do microrganismo devido a diferenças na intensidade de luz
do meio. A fototaxia propriamente dita envolve o movimento orientado
da célula a favor ou contra uma fonte de luz (OBERPICHLER et al.,
2008).
A priori, a vantagem da fototaxia seria permitir aos organismos
fototróficos se posicionar em regiões onde o comprimento de onda e a
intensidade da luz recebida sejam os mais adequados para a
fotossíntese. Isso pode ser observado quando se ilumina com um
espectro de luz uma lâmina de microscópio com bactérias fototróficas.
As bactérias se acumulam na região de máxima absorção de seus
Entretanto, a resposta à luz pode ser observada em espécies
heterotróficas. E. coli responde a pulsos intensos de luz azul realizando
tumbles. A fototaxia em E. coli parece estar relacionada com a síntese
de ferroquelatase, a enzima que catalisa a etapa final de incorporação
de Fe+2 pela protoporfirina IX (YANG, INOKUCHI & ADLER, 1995). A
mutação no gene que codifica a ferroquelatase impede a formação do
grupamento heme (molécula orgânica com estrutura em anel associada
a íons de ferro), causando acúmulo de protoporfirina IX na célula. Cepas
mutantes para o gene hemH que codifica a ferroquelatase respondem à
luz azul (396-450nm) realizando “tumbles”. A retirada da luz azul faz
com que as células passem a apresentar “runs”. As cepas mutantes para
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hemH são aproximadamente 100 vezes mais sensíveis à luz azul que as
cepas selvagens (YANG et al., 1996).
1.4. Biofísica do movimento de microrganismos
O deslocamento dos microrganismos em meio aquático possui
limitações físicas distintas das observadas na natação de organismos
superiores, como peixes e mamíferos aquáticos. O deslocamento dos
microrganismos na água é regido pela viscosidade do meio. A inércia,
fator relevante na natação de organismos de maior dimensão, torna-se
desprezível para microrganismos como as bactérias.
Para que um microrganismo seja propelido em meio aquoso, é
necessária a atuação ativa e constante de apêndices de superfície, como
cílios e flagelos. A interrupção do batimento ou rotação dessas
estruturas causa a interrupção imediata do movimento avante. Por outro
lado, mesmo que o microrganismo não possua cílios ou flagelos, haverá
movimento. Microrganismos em suspensão em meio aquoso estão
sujeitos à movimentação passiva, de forma randômica, devido ao
movimento térmico das moléculas de água, fenômeno conhecido como
movimento browniano.
Se considerarmos uma população de células se difundindo a partir
de um ponto sobre uma reta, em apenas uma dimensão, observamos
que com o passar do tempo, cada indivíduo da população se afasta cada
vez mais de sua posição inicial, gerando uma curva de distribuição de
posições que é Gaussiana. Com o passar do tempo, a largura da
Gaussiana aumenta. Este tipo de distribuição pode ser caracterizado
pela medida do desvio quadrático médio das partículas, dado quando se
considera apenas uma dimensão por: , onde t é o tempo
decorrido e D é o coeficiente de difusão, que depende do tamanho e da
Dtr 22 >=<
9
forma da célula, dentre outros fatores, e < > significa uma média
realizada sobre todos os indivíduos da população. Por exemplo, para
uma bactéria com raio de 1µm em meio aquoso à 37ºC, o coeficiente de
difusão é igual a Quando consideramos duas e três
dimensões, temos e , respectivamente.
scm /105 29−×
Dtr 42 >=< Dtr 62 >=<
Dada a natureza randômica e lenta do deslocamento celular em
meio aquoso devido à energia térmica, a capacidade de natação através
de propulsão proporcionada por estruturas de superfície celular constitui
uma importante vantagem para a sobrevivência dos microrganismos
(BRAY, 1992).
Quando um microrganismo nada propelido por cílios ou flagelos,
ele se depara com duas forças de resistência ao movimento avante: o
arrasto causado pela viscosidade do meio e a resistência inercial do
fluido. O Número de Reynolds é um parâmetro adimensional
determinado pela razão entre as forças de inércia e de viscosidade do
meio (NOGUEIRA & LINS DE BARROS, 1995). Números de Reynolds
abaixo de 0,001 indicam que o movimento é influenciado basicamente
pela viscosidade do meio e que as forças inerciais são desprezíveis
(BRAY, 1992).
Para a natação de um dado organismo, o número de Reynolds
depende da dimensão do organismo, da velocidade de natação e da
densidade e viscosidade do meio líquido, sendo dado por:
ηρ
ηρ vL
vLLv
idadevisfinérciaf
===22
)cos()(Re (1)
Onde (L) é a dimensão linear do organismo, (v) é a velocidade, (ρ) é a
densidade e (η) a viscosidade do meio. Analisando a equação, temos
que para organismos com dimensões grandes (L grande), o número de
Reynolds também será grande. Nesse caso, o movimento terá grande
influência da inércia. Para o caso de microrganismos, cujas dimensões
são muito reduzidas, tem-se um número de Reynolds extremamente
10
baixo. Para uma bactéria de 1µm de comprimento nadando em meio
aquoso, o número de Reynolds é igual a 10-5, sendo o movimento
dominado pelas forças devido à viscosidade do meio.
Uma das conseqüências do movimento sob o regime de baixo
número de Reynolds é que o formato da célula não constitui nenhuma
vantagem em termos de hidrodinâmica, uma vez que isso só ocorre sob
regime inercial, onde a forma do organismo está relacionada com a
turbulência gerada durante o movimento (BRAY, 1992).
1.5. Movimento Helicoidal
A natação em trajetórias helicoidais é uma característica comum a
diversos microrganismos e células com dimensões entre 5 e 500µm
(JENNINGS 1901, 1904; CRENSHAW, 1993a), sendo observadas em
ciliados, flagelados, células germinativas de animais vertebrados e
invertebrados (CRENSHAW, 1993a). Jennings (1901) realizou a primeira
análise da cinemática do movimento helicoidal em microrganismos,
afirmando que a natação helicoidal envolve dois componentes de
rotação: um paralelo e outro perpendicular ao eixo de movimento. Tais
análises, entretanto, não forneceram uma descrição completa do
movimento helicoidal, nem tampouco discutiram suas consequências.
Organismos com natação em padrão helicoidal respondem a
estímulos do meio através do alinhamento do eixo da trajetória em
direção ao estímulo. A alteração da direção do eixo de natação se dá por
meio de alterações na velocidade rotacional (angular) em resposta ao
estímulo (BROKAW, 1958; CRENSHAW, 1993b).
Em situações onde uma face do organismo sempre aponta para o
eixo da hélice, tanto a velocidade translacional quanto a velocidade
rotacional sempre apontam para a mesma direção em relação ao corpo
11
do microrganismo ou alteram a direção somente em um plano em
relação ao corpo do organismo (CRENSHAW, 1993a).
Organismos que nadam em trajetórias helicoidais podem alterar a
direção de natação em resposta a estímulos do meio simplesmente
variando a velocidade rotacional em função da intensidade do estímulo.
Esse tipo de resposta consiste em uma taxia verdadeira: não há
componentes randômicos nesse mecanismo de orientação (CRENSHAW,
1993b).
Uma peculiaridade da resposta quimiotáctica ou fototáctica de
organismos com natação helicoidal é o fato de que a intensidade do
estímulo percebido sofre variação em função da espiral descrita pelo
microrganismo. Em organismos quimiotácticos com natação helicoidal, a
intensidade resultante do estímulo constitui uma função senoidal em
relação ao tempo. A taxa na qual o microrganismo gira em relação ao
seu eixo anterior-posterior é, por exemplo, proporcional à concentração
de uma substância presente no meio. A orientação pode ser a favor ou
contra um gradiente químico, dependendo da relação entre a
intensidade do estímulo e a velocidade rotacional (CRENSHAW, 1993c).
1.6. Campo geomagnético
A terra atua como um grande magneto esférico, sendo envolto por
um campo magnético que varia no tempo e no espaço. Considerando-se
a terra como um grande dipolo magnético, o eixo desse dipolo encontra-
se desalinhado com o eixo de rotação da terra em aproximadamente
11º. Isso significa que os pólos norte e sul magnético e os pólos norte e
sul geográfico não se sobrepõem.
A qualquer momento ou local, o campo geomagnético pode ser
caracterizado por uma direção e intensidade mensuráveis. Os principais
12
parâmetros que caracterizam o campo magnético são a declinação (D),
a intensidade horizontal (H) e a intensidade vertical (Z). A partir desses
três elementos, todos os demais parâmetros do campo geomagnético
podem ser calculados (Figura 3).
O campo geomagnético varia em diferentes locais da superfície do
planeta. Nos pólos geomagnéticos, a agulha de uma bússola tende a
permanecer na vertical em relação à superfície da terra: a intensidade
horizontal é igual a zero e a bússola não aponta a direção norte-sul (a
declinação é indefinida). No pólo norte magnético, a terminação norte
da bússola aponta para baixo. No pólo sul magnético, a ponta norte da
agulha aponta para cima. No equador magnético, a inclinação da agulha
é zero (a agulha permanece paralela ao eixo norte-sul geomagnético).
A caracterização completa do campo geomagnético se dá através
de sete parâmetros: declinação (D), inclinação (I), intensidade
horizontal (H), componente norte (X) e componente leste (Y) da
intensidade horizontal, intensidade vertical (Z) e intensidade total (F).
Os parâmetros que descrevem a direção do campo magnético são
a declinação (D) e a inclinação (I), expressos em graus. A intensidade
do campo geomagnético total (F) é descrita pela componente horizontal
(H), pela componente vertical (Z) e pelas componentes norte (X) e leste
(Y) da intensidade horizontal. Essas componentes podem ser expressas
em unidades de Gauss ou, mais comumente, em nano-Tesla (1 Gauss =
105nT). A intensidade do campo geomagnético varia entre 25.000 e
65.000 nT (0,25 e 0,65 Gauss).
A declinação magnética é o ângulo entre o norte magnético e o
norte geográfico. A declinação é considerada positiva quando o ângulo
medido se encontra a leste do norte geográfico e é negativo quando se
encontra a oeste.
A inclinação magnética é o ângulo entre o plano horizontal e o
vetor do campo magnético total, sendo positivo quanto aponta em
13
direção ao chão (latitudes superiores à do equador magnético) e
negativo quando aponta para cima (latitudes inferiores à do equador
magnético) (National Oceanic and Atmospheric Administration - USA,
WWW.noaa.gov.br).
(b)(a)
Figura 3: (A) Eixo de rotação da terra, o eixo do dipolo geomagnético e orientação das linhas de campo geomagnético ao redor do globo terrestre. (B) Parâmetros do campo geomagnético: campo geomagnético total (F), componente horizontal (H), componente vertical (Z), componente norte (X) e leste (Y) da intensidade horizontal.
1.7. Bactérias magnetotácticas
Há pouco mais de trinta anos, um novo tipo de resposta
microbiana ao ambiente foi descrito por Richard P. Blakemore, então
aluno de graduação em microbiologia na Universidade de
Massachusetts. Durante uma tentativa de isolar Spirochaeta plicatilis de
sedimentos pantanosos coletados em Woods Hole, no Estado de
Massachusetts (EUA), Blakemore observou microrganismos que
nadavam persistentemente para um dos lados da gota de água e
sedimento observada ao microscópio óptico. Blakemore demonstrou
14
experimentalmente que tais bactérias respondiam ao campo magnético:
a direção para a qual esses microrganismos nadavam mudava
rapidamente quando um ímã era posicionado próximo à amostra
(BLAKEMORE, 1975).
A microscopia de transmissão desses microrganismos demonstrou
que tais bactérias apresentavam formato aproximadamente esférico,
com diâmetro médio de 1µm. Possuíam dois tufos de flagelos, cada qual
constituído por aproximadamente sete unidades, além de apresentar
duas cadeias citoplasmáticas contendo entre cinco e dez estruturas
eletrondensas de aspecto cristalino, cujo elemento predominante era o
ferro (fato demonstrado através de microanálises de raios-X).
Blakemore cogitou a magnetita (Fe3O4) como mineral constituinte
dessas estruturas (BLAKEMORE, 1975), o que foi confirmado poucos
anos depois através de espectroscopia de Mössbauer de células
cultivadas (FRANKEL, BLAKEMORE & WOLFE, 1978).
Richard Blakemore usou pela primeira vez os termos “bactéria
magnetotáctica” e “magnetotaxia” em referência a bactérias que
respondem ao campo magnético e ao movimento de bactérias em
resposta ao campo magnético, respectivamente. Segundo Blakemore,
tais inclusões ricas em ferro atuariam como dipolos magnéticos,
conferindo momento magnético às células e, consequentemente,
orientando-as sob campos magnéticos (BLAKEMORE, 1975; FRANKEL,
WILLIAMS & BAZYLINSKI, 2007). Desde então, todos os trabalhos
relacionados a bactérias magnetotácticas se referem, de uma maneira
ou de outra, às idéias propostas por Blakemore para a magnetotaxia
(FRANKEL, WILLIAMS & BAZYLINSKI, 2007).
As bactérias magnetotácticas ocorrem na coluna d’água ou em
sedimentos alagados com estratificação química vertical, ocorrendo
predominantemente na interface de transição óxica-anóxica (zona de
transição entre regiões com e sem oxigênio dissolvido), em regiões
15
anóxicas ou em ambas (BAZYLINSKI et al., 1995; BAZYLINSKI &
MOSKOWITZ 1997; SIMMONS et al., 2004). Apresentam uma grande
diversidade de tipos morfológicos, como espirilos, vibriões, cocos,
bacilos e formas multicelulares. A parede celular das bactérias
magnetotácticas possui características similares às de bactérias Gram-
negativas. Todas são propelidas por flagelos, cujo arranjo varia de
acordo com a espécie ou cepa, podendo ser monotríqueos polares
(flagelo emergindo em um dos pólos da célula), bipolares (emergindo
em dois pólos da célula) ou estar presente na forma lofotríquea (grupo
de flagelos emergindo de um pólo da célula) (BAZYLINSKI & FRANKEL
2004).
As bactérias magnetotácticas conhecidas até hoje se encontram no
domínio Bacteria e são associadas a diferentes subgrupos de
Proteobacteria e com o filo Nitrospira (SPRING & BAZYLINSKI, 2000;
SIMMONS et al., 2004). Todas possuem magnetossomos, estruturas
intracelulares contendo cristais magnéticos compostos pelo óxido de
ferro magnetita (Fe3O4) e / ou pelo sulfeto de ferro greigita (Fe3S4),
envoltos por uma membrana biológica (GORBY, BEVERIDGE &
BLAKEMORE, 1988; BAZYLINSKI & FRANKEL, 2004; ABREU et al.,
2008). As bactérias produtoras de magnetita são encontradas tanto em
ambientes marinhos quanto em ambientes de água doce. Já as bactérias
magnéticas produtoras de greigita são encontradas somente em
ambientes com alguma influência marinha. Em ambientes marinhos
estratificados onde ambos os tipos de bactérias coexistem, as bactérias
produtoras de magnetita são encontradas no topo da quimioclina,
enquanto as produtoras de greigita ocorrem na base ou abaixo da
quimioclina (BAZYLINSKI et al., 1995; SIMMONS et al., 2004).
Os cristais biomineralizados pelas bactérias magnetotácticas
possuem comprimento da ordem de 35 a 220 nm (BAZYLINSKI &
FRANKEL, 2004; McCARTNEY et al., 2001), e se encontram organizados
16
em cadeias paralelas de comprimentos diversos, algumas vezes
formando feixes (HANZLIK et al., 1996) ou grupos planares (SILVA et
al., 2007).
Quando observadas ao microscópio óptico, bactérias
magnetotácticas mortas, por exemplo, por fixação com vapor de
tetróxido de ósmio, não apresentam migração, embora as células não
aderidas à lâmina se alinhem passivamente a campo magnético aplicado
quando a direção deste é alterada. Isso demonstra que a natação da
bactéria de deve à rotação ativa dos flagelos (BLAKEMORE, 1975).
Devido à presença dos magnetossomos, as bactérias magnéticas
são alinhadas passivamente, enquanto se deslocam de maneira ativa
devido à rotação dos seus flagelos (BLAKEMORE, 1975). As velocidades
de natação reportadas na literatura para microrganismos dessa natureza
variam de 40 a 1000 µm/s (BLAKEMORE, 1975; MARATEA &
BLAKEMORE, 1981; MOENCH, 1988; COX et al., 2002). De maneira
geral, os espirilos magnéticos apresentam as menores velocidades de
natação (<100µm/s) (MARATEA & BLAKEMORE, 1981) e os cocos
magnéticos apresentam as maiores velocidades (>100µm/s)
(BLAKEMORE, 1975; MOENCH, 1988; COX et al., 2002).
As bactérias magnetotácticas são de difícil isolamento e cultivo,
existindo atualmente poucas culturas puras desses microrganismos. A
maior dificuldade na obtenção de culturas puras de bactérias
magnetotácticas reside no fato destas serem microaerófilas obrigatórias
ou anaeróbias (BAZYLINSKI & FRANKEL 2004). Apesar disso, as
bactérias magnetotácticas são facilmente detectadas em amostras
coletadas do ambiente por meio de isolamento magnético (LINS et al.,
2003).
As espécies reconhecidas atualmente incluem Magnetospirillum
KALMIJN, 1980; NOGUEIRA & LINS DE BARROS, 1995). Contudo, a
descoberta de grandes populações de bactérias magnetotácticas na
coluna d’água em regiões de quimioclina de habitats marinhos, a
obtenção de culturas puras de bactérias microaerófilas obrigatórias e a
descoberta de populações de bactérias SS no hemisfério norte não
poderiam ser explicadas pelo modelo original proposto para a
magnetotaxia.
20
O modelo original proposto para a magnetotaxia não explicava
como bactérias na zona anóxica da coluna d’água se beneficiavam da
magnetotaxia e não explicava como cocos magnetotácticos polares
como MC-1 formavam bandas microaerófilas horizontais quando em
meio semi-sólido com gradiente de oxigênio, ao invés de se acumular e
crescer no fundo do tubo (FRANKEL et al., 1997; SIMMONS,
BAZYLINSKI & EDWARDS, 2006).
Culturas puras de cocos magnetotácticos marinhos denominados
MC-1 formam bandas microaerófilas em capilar de vidro achatado com
gradiente de oxigênio e campo magnético aplicado. Estas bactérias são
capazes de migrar em ambas as direções do campo magnético, usando
tanto a resposta magnetotáctica quanto a resposta aerotáctica para se
posicionar em regiões onde a concentração de oxigênio é mais adequada
(FRANKEL et al., 1997).
Sob condições homogêneas de oxigênio (uma gota d’água
observada ao microscópio óptico), células de MC-1 nadam
persistentemente na mesma direção de sentido do campo magnético
aplicado, ou seja, apresentam comportamento NS. Quando o campo
magnético é revertido, as células realizam uma volta em U (u-turn) e
continuam a nadar paralelas ao campo aplicado.
Quando inseridas em um capilar de vidro com gradiente de
oxigênio, as células MC-1 formam bandas microaerófilas, nadando tanto
de forma paralela quanto de forma antiparalela ao campo aplicado,
revertendo o sentido de natação quando ultrapassam o limite da banda
(Figura 4c). Se o campo magnético for invertido, as células nadando em
cada direção realizam um u-turn, permanecendo na mesma direção
relativa ao campo antes da reversão, o que tende a desfazer a banda
em dois grupos de células que se afastam em sentidos opostos da
posição da banda original. Quando o campo é novamente revertido para
a orientação original, a banda microaerófila se refaz. Isso demonstra
21
que os cocos MC-1 podem nadar a favor ou contra o sentido do campo
magnético aplicado, mantendo seus dipolos magnéticos alinhados de
forma paralela ao campo em ambos os casos (FRANKEL et al., 1997).
Os mesmos experimentos de resposta ao gradiente de oxigênio e
à inversão do campo magnético foram realizados com Magnetospirillum
magnetotacticum, com resultados diferentes. Quando observados ao
microscópio óptico sob condições homogêneas de oxigênio e campo
magnético aplicado, M. magnetotacticum nada em ambas as direções do
campo aplicado, mesmo após a reversão do campo magnético. Quando
em capilares com gradiente de [O2], M. magnetotacticum formam
bandas microaerófilas, assim como o observado em MC-1. A reversão do
campo aplicado faz com que as células girem 180º. Entretanto, ao
contrário do observado em MC-1, a banda não se desfaz (Figura 4b)
(FRANKEL et al., 1997).
A formação de bandas microaerófilas observada em M.
magnetotacticum é consistente com o mecanismo temporal-sensorial
(SEGALL et al., 1986; FRANKEL et al., 1997), onde a concentração de
oxigênio determina o sentido de rotação do flagelo. Para essa bactéria, o
campo magnético determina apenas o eixo do movimento, enquanto a
direção de natação é dada em função da resposta aerotáctica. Esse
comportamento foi denominado magneto-aerotaxia axial.
O comportamento observado em MC-1 não pode ser explicado por
uma resposta sensorial-temporal à concentração de oxigênio do meio,
uma vez que a banda se desfaz quando o sentido do campo magnético é
invertido. Assim como MC-1, a maioria das bactérias magnetotácticas
possui magnetotaxia polar (Figura 5). Isso significa que, sob condições
aeróbias, as bactérias NS nadam persistentemente de forma paralela ao
campo magnético, enquanto bactérias SS nadam persistentemente de
forma antiparalela (FRANKEL et al., 1997).
22
O modelo de “dois estados” proposto para as bactérias que
apresentam magneto-aerotaxia polar (Figura 6) sugere que, sob
concentrações de oxigênio acima da ideal, as células NS nadam de
forma paralela ao campo magnético devido à rotação dos flagelos no
sentido anti-horário (“estado oxidado”). Quando a célula presencia
concentrações de oxigênio inferiores à concentração ótima, a célula
reverte a rotação dos flagelos para o sentido horário, passando a nadar
com orientação antiparalela ao campo magnético (“estado reduzido”).
Os sentidos de rotação dos flagelos assumidos para a natação paralela
(anti-horário) e antiparalela (horário) ao campo magnético são
arbitrários, porém consistentes com o sentido de rotação observado
para outras bactérias em que a rotação dos flagelos no sentido anti-
horário é observada na direção predominante de natação (FRANKEL et
al., 1997).
23
Figura 4: Distinção entre magneto-aerotaxia polar e axial. (a) Representação esquemática de um fino capilar onde células crescidas em meio reduzido são inseridas, resultando em um menisco (M) em ambas as extremidades. Um campo magnético (B) da ordem de poucos Gauss é aplicado orientado de forma paralela ao capilar. O oxigênio se difunde a partir das extremidades dos capilares, gerando gradiente de [O2] que aumenta do centro do capilar em direção às extremidades. (b) A formação de banda pela bactéria magnetoaerotáctica axial Magnetospirillum magnetotacticum ocorre em ambas as extremidades. A rotação do campo em 180º após a formação da banda faz com que as células girem 180º, contudo, sem desfazer as bandas. (C) A formação de banda pela bactéria magnetoaerotáctica polar MC-1 ocorre somente na extremidade do capilar onde o campo magnético e a [O2] possuem orientação oposta entre si. A reversão do campo em 180º faz com que as células girem 180º e continuem nadando com a mesma orientação observada antes da reversão do campo, o que desfaz a banda (BAZYLINSKI & FRANKEL, 2004).
24
Figura 5: Representação da polaridade das bactérias magnetotácticas do tipo NS e SS. Ambas as bactérias possuem dipolo magnético intrínseco orientado de forma paralela ao campo magnético. Sob condições ambientais de [O2], a rotação do flagelo no sentido anti-horário faz com que as bactérias NS nadem com orientação paralela ao campo magnético, enquanto o mesmo sentido de rotação de flagelo nas bactérias SS produz natação com orientação antiparalela ao campo magnético. Sob condições de baixa [O2] o flagelo passaria a girar em sentido horário, invertendo o sentido de natação em ambos os casos (Adaptado de FRANKEL, WILLIAMS & BAZYLINSKI 2006).
25
Figura 6: Esquema demonstrando como a magneto-aerotaxia polar manteria a bactéria em ambientes microaeróbios, na zona de transição óxica-anóxica em colunas d’água com estratificação química vertical. Tanto no hemisfério norte quanto no hemisfério sul, bactérias submetidas a concentrações de oxigênio acima da ideal apresentam natação avante em consequência da rotação do flagelo no sentido anti-horário (“estado oxidado”). Isso faz com que as bactérias NS e SS nadem em direção ao sedimento até concentrações de oxigênio abaixo da ideal (“estado reduzido”), o que causa a reversão do sentido de rotação do flagelo para o sentido horário e, consequentemente, faz com que as bactérias passem a nadar na direção oposta (em direção à superfície) (Adaptado de FRANKEL, WILLIAMS & BAZYLINSKI 2006).
26
1.10. Procariotos magnetotácticos multicelulares
Microrganismos magnetotácticos de natureza multicelular são
reportados na literatura desde a década de 80 (FARINA et al., 1983). Ao
longo dos anos, diferentes denominações foram atribuídas a tais
microrganismos. Farina e colaboradores atribuíram o termo
“Magnetotactic Multicellular Aggregates (MMAs)” para designar
microrganismos magnetotácticos compostos por várias células envoltas
por membranas duplas coletados na Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de
Janeiro, Brasil (FARINA et al., 1983; LINS DE BARROS, ESQUIVEL &
FARINA, 1990; KEIM et al., 2007). Em 1990, Rodgers et al. adotaram o
termo “Many-celled Magnetotactic Prokaryotes (MMPs)” para denominar
um microrganismo similar encontrado no Estado da Nova Inglaterra,
Estados Unidos (RODGERS et al., 1990). Uma terceira designação,
“Magnetotactic Multicellular Organisms (MMOs)”, foi adotada por Keim
et al. para um microrganismo multicelular magnetotáctico encontrado
na Lagoa de Araruama, Estado do Rio de Janeiro, Brasil (KEIM et al.,
2004a).
As bactérias magnetotácticas multicelulares são microrganismos
compostos por 10-40 células Gram-negativas organizadas em um
arranjo esférico que se move como uma unidade sob campos
magnéticos (FARINA, ESQUIVEL & LINS DE BARROS, 1990; RODGERS et
al., 1990; KEIM et al., 2007; LINS et al., 2007; ABREU et al., 2007;
WENTER et al., in press). Possuem diâmetro variando entre 2,2-12,5µm
(LINS & FARINA, 1999; RODGERS et al., 1990; KEIM et al., 2007;
WENTER et al., in press), velocidade de natação entre 30 e 175µm/s
(FARINA et al., 1983; RODGERS et al., 1990; KEIM et al., 2007) e
cristais magnéticos constituídos por óxido ou sulfeto de ferro (PÓSFAI et
al., 1998b; KEIM et al., 2007; LINS et al., 2007; WENTER et al., in
press). Cada célula apresenta uma face voltada para um compartimento
27
interno acelular e outra face voltada para o ambiente apresentando
múltiplos flagelos (KEIM et al., 2004a, 2007). Sob situação de estresse,
o microrganismo se desagrega em células individuais, que nunca
apresentam motilidade, apesar de se orientarem passivamente a
campos magnéticos aplicados (FARINA, ESQUIVEL & LINS DE BARROS,
1990; LINS & FARINA 1999; KEIM et al., 2004a, 2007; ABREU et al.,
2006). Até o presente momento não existem culturas puras de bactérias
magnetotácticas multicelulares, sendo todos os trabalhos publicados até
então realizados a partir de amostras coletadas do ambiente.
Filogeneticamente, os procariotos multicelulares magnetotácticos
pertencem ao grupo das δ-Proteobacteria, sendo agrupados dentro de
um grupo de bactérias redutoras de sulfato, onde formam um ramo
coeso (DeLONG et al., 1993; ABREU et al., 2007; SIMMONS &
EDWARDS, 2007; WENTER et al., in press). Recentemente, foi descrito
um novo microrganismo dentro deste grupo, denominado ‘Candidatus
Magnetomorum litorale’. Os genes dsrAB e aprA, marcadores de
bactérias redutoras de sulfato, foram detectados em DNA isolados de
amostras de ‘Candidatus Magnetomorum litorale’. Este microrganismo
apresentou resposta quimiotáctica positiva a acetato e propionato,
substâncias comumente utilizadas como fontes de energia e carbono por
bactérias redutoras de sulfato (WENTER et al., in press).
1.11. Características gerais da bactéria magnetotáctica
A existência de bactérias multicelulares magnetotácticas no
sedimento da Lagoa de Araruama foi relatada por Keim et. al (2004a).
As características de organização celular, ciclo de vida, propriedades
magnéticas, coordenação de movimento e habitat dessa bactéria
multicelular magnetotáctica, somada à análise do rRNA 16S,
28
possibilitaram que a esse organismo fosse dado um nome na categoria
Candidatus (ABREU et al., 2007).
Indivíduos de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ possuem
18 ± 4 células gram-negativas, dispostas em um arranjo esférico (KEIM
et al., 2004a) onde cada célula apresenta uma face exibindo flagelos
(em média 30 por célula) voltados para o meio externo (SILVA et al.,
2007). Possuem faces laterais planas em contato íntimo com as células
adjacentes e uma face voltada para um compartimento interno acelular
(KEIM et al., 2004a).
Sob condições de mudança de pressão osmótica ou quando
expostos à observação prolongada no microscópio óptico, o ‘Ca. M.
multicellularis’ se desagrega em células individuais (Figura 7), que não
apresentam mobilidade (ABREU et al., 2006).
Figura 7 – Microscopia óptica interferencial de Nomarski de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’. (a) Organismo intacto. (b) organismo desagregado. Barra = 5 µm (retirado de SILVA et al., 2007).
29
O ciclo de vida proposto para o ‘Candidatus Magnetoglobus
multicellularis’ (Figura 8) sugere que o organismo como um todo
inicialmente aumenta o seu volume por meio do aumento do volume de
suas células. Posteriormente, há uma divisão sincronizada das células,
duplicando o número de células do agregado. Em seguida, as células
alteram sua disposição fazendo com que o agregado adquira uma forma
alongada. Uma constrição é formada na região intermediária dessa
estrutura, levando em seguida à divisão do organismo inicial em dois
novos indivíduos (KEIM et al., 2004b).
Figura 8: Seqüência de micrografias de microscopia eletrônica de varredura ilustrando o ciclo de vida proposto para ‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’. (a) microrganismo no início do ciclo, apresentando número reduzido de células. (b) aumento do volume das células. (c) divisão celular. (d) alongamento do microrganismo. (e) constrição do microrganismo na região mediana. (f) divisão em dois microrganismos (retirado de KEIM et al., 2004b).
As células que constituem o ‘Candidatus Magnetoglobus
peritríqueos quando se considera o agregado com um todo. Porém, cada
célula individualmente apresenta flagelos apenas na face voltada para o
ambiente (KEIM et al., 2004a; SILVA et al., 2007).
Microrganismos com morfologia, ultraestrutura e comportamento
semelhante foram descritos em diversas partes do mundo (FARINA et
al., 1983; FARINA, ESQUIVEL & LINS DE BARROS, 1990; RODGERS et
al., 1990; MANN et al., 1990; PÓSFAI et al., 1998a, 1998b; LINS &
FARINA, 1999; GREENBERG et al., 2005; SIMMONS et al., 2004;
SIMMONS, BAZYLINSKI & EDWARDS, 2006; LINS et al., 2007;
SIMMONS & EDWARDS, 2007; WENTER et al., in press).
Quando sob campo magnético aplicado, ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’ se desloca como uma unidade em
trajetórias retas ou helicoidais (KEIM et al., 2004a), com o eixo de
simetria alinhado à direção do campo magnético (Vídeo 1), com sentido
antiparalelo, exibindo velocidade de (9 ± 2)x10 µm/s (SILVA et al.,
2007). As trajetórias helicoidais apresentam sentido anti-horário,
acompanhada de rotação do microrganismo ao longo do seu próprio
eixo, também no sentido anti-horário (com o microrganismo se
afastando do observador), sendo que, a cada passo da hélice, a célula
gira 2πrad em torno do seu próprio eixo (KEIM et al., 2007). A reversão
do campo magnético durante a natação causa a reorientação do
organismo em 180º (u-turn).
Se não há restrições para o movimento, ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’ e os outros procariotos multicelulares
nadam para frente ao longo das linhas do campo magnético local
segundo trajetórias helicoidais ou aproximadamente retilíneas (free
motion). Quando os ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ atingem
o limite de uma gota d’água, passam a exibir rotação ao longo do seu
próprio eixo (rotation) (Vídeo 2) (ABREU et al., 2007; KEIM et al.,
31
2007), com eventuais e curtas excursões paralelas ao campo magnético
acompanhadas de desaceleração até cessar o movimento, voltando
então a nadar com aceleração crescente em sentido antiparalelo ao
campo (Vídeo 3) (GREENBERG et al., 2005; ABREU et al., 2007; KEIM et
al., 2007). Tais excursões, referidas como trajetórias “ping-pong” ou
“escape motility”, são observadas com maior frequência sob campos
magnéticos elevados em relação ao campo magnético terrestre
(GREENBERG et al., 2005). O movimento de escape (escape motility)
também é observado quando estes microrganismos nadam livremente,
ou seja, sem a existência de uma interface água / ar (GREENBERG et
al., 2005).
Em campos magnéticos menores (da ordem do campo
geomagnético), estes microrganismos passam a exibir um padrão de
movimento chamado “walking”, que consiste em uma trajetória
complexa de “looping”, não alinhada ao campo magnético, realizada
próxima à borda da gota (GREENBERG et al., 2005; ABREU et al., 2007;
KEIM et al., 2007).
32
2. OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL
Estudar o comportamento e motilidade da bactéria magnetotáctica
‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ sob campo magnético
aplicado superiores ao campo geomagnético.
2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Desenvolver uma metodologia que permita quantificar os
parâmetros das trajetórias helicoidais descritas por microrganismos
magnetotácticos (raio, passo da hélice, período, frequência, velocidade
média, velocidade instantânea e velocidade angular) através do uso de
vídeo-microscopia e análise de imagens.
- Quantificar os parâmetros das trajetórias descritas pela bactéria
magnetotáctica ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ sob campo
magnético superior ao campo geomagnético.
- Avaliar a resposta de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’
a pulsos de laser ultravioleta e a luz ultravioleta.
33
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1. Coleta e concentração magnética de ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’
Amostras de água e sedimento na proporção aproximada de 1:1
foram coletadas na Praia da Baleia, localizada no Município de São Pedro
da Aldeia, Estado do Rio de Janeiro, Brasil (Latitude 22º 52’ 10,82” Sul e
Longitude 42º 06’ 40,42” Oeste). A coleta foi realizada com o uso de
recipientes plásticos de 1000 ml e as amostras foram armazenadas no
laboratório à temperatura ambiente e sob iluminação indireta. Os
experimentos de vídeo-microscopia e de resposta ao laser e à luz
ultravioleta foram realizados até duas semanas após a coleta das
amostras.
Indivíduos de ‘Ca. Magnetoglobus multicellularis’ foram
concentrados magneticamente seguindo o protocolo descrito por Lins et
al. (2003). Água e sedimento da lagoa foram introduzidos em um
frasco de vidro especialmente construído para concentrar
microrganismos magnetotácticos, que possui uma abertura superior por
onde a água e o sedimento são introduzidos; e um capilar lateral, por
onde o concentrado de ‘Ca. Magnetoglobus multicellularis’ é retirado
(Figura 9a).
O vidro concentrador abastecido de água e sedimento da Lagoa de
Araruama foi inserido em uma bobina confeccionada manualmente com
o uso de cano de poli-cloreto de vinila (PVC) de 150 mm de diâmetro e
fio de cobre esmaltado de 0.33mm de diâmetro (Figura 9b). Esta
bobina, quando conectada a uma fonte de corrente contínua, produz um
campo magnético homogêneo no seu interior, com direção paralela ao
seu eixo longitudinal. O capilar lateral do vidro concentrador foi
34
orientado de forma antiparalela ao campo magnético gerado pela
bobina. Com isso, ‘Ca. Magnetoglobus multicellularis’ presentes na
amostra nadaram em direção ao capilar lateral, permanecendo ali
concentrados. Foi utilizada a fonte de corrente contínua de 0,5 Ampère.
Com o uso de uma micropipeta, 20µL de concentrado de ‘Ca.
Magnetoglobus multicellularis’ foram recolhidos do capilar lateral do
vidro concentrador e depositados sobre lâmina e lamínula espaçados por
um o-ring de 500µm de espessura (Figura 9c). O tempo de
concentração magnética foi de cinco minutos. Para os experimentos no
laboratório de pinças ópticas, o mesmo volume foi depositado em uma
placa de petri perfurada, com uma lamínula colada no fundo (Figura 9d).
35
Figura 9: Ilustrações dos materiais utilizados para concentrar e observar os ‘Ca. Magnetoglobus multicellularis’. (a) Frasco de vidro utilizado para concentrar microrganismos magnetotácticos preenchido com água e sedimento da lagoa. A amostra é inserida na abertura superior e após a exposição a um campo magnético devidamente orientado, ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ concentrados são recolhidos pelo capilar lateral. (b) Bobina e fonte utilizadas para concentrar ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’. (c) Amostra concentrada de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ entre lâmina e lamínula separadas por um o-ring de 500µm de espessura para os experimentos de análise das trajetórias helicoidais sob campo magnético aplicado. (d) Placa de Petri perfurada com lamínula aderida ao fundo usada nos experimentos de resposta ao laser UV.
3.2. Produção de campo magnético aplicado para experimentos
de vídeo-microscopia.
Campos magnéticos uniformes e de intensidade controlada para os
experimentos de vídeo-microscopia das trajetórias de ‘Ca.
Magnetoglobus multicellularis’, foram obtidos com o uso de pares de
bobinas eletromagnéticas (Figura 10).
36
Figura 10: Representação esquemática das bobinas eletromagnéticas
A estimativa do campo produzido por um par de bobinas
eletromagnéticas leva em conta o número de espiras (N), o raio interno
(Ri), o raio externo (Re), a espessura (L), a corrente (i) e a distância
entre as bobinas (d), conforme ilustrado na figura 10.
Foram montados dois sistemas distintos de bobinas para a
geração de campos magnéticos de 3,9 e 20,0 Gauss. O primeiro, uma
bobina de Helmholtz, foi acoplado a um microscópio Zeiss universal e o
segundo em um microscópio Zeiss Axioplan 2 (Figura 11a).
Cada par de bobinas foi alimentado por uma fonte de corrente
contínua Instrutherm FA-3005, com tensão de saída variável de zero a
trinta Volts e corrente de saída variável de zero a cinco ampères. As
correntes aplicadas para a geração dos campos magnéticos de 3,9
Gauss e 20,0 Gauss foram, respectivamente, 5 e 0,15 ampères. No
sistema acoplado ao microscópio Zeiss foi adaptada uma peça de acrílico
para a movimentação da lâmina a fim de evitar a influência de campo
magnético gerado pela platina do microscópio, que se encontrava
imantado (Figura 11b). Para facilitar os experimentos, uma chave para
reversão de corrente foi conectada entre a fonte e as bobinas,
permitindo assim a rápida reversão do campo magnético (Figura 11c).
O primeiro sistema de bobinas para a aplicação de campo
magnético (20,0 Gauss) utilizado neste trabalho foi construído fora das
37
condições de bobina de Helmholtz. Entretanto, na região correspondente
ao campo de observação das trajetórias (~1000µm2), as linhas de
campo encontram-se distribuídas de forma uniforme, paralelas à
superfície da lamínula.
Para a aplicação de um campo magnético com intensidade de 3,9
Gauss, um segundo par de bobinas foi construído sob condições
próximas às de uma bobina de Helmholtz, ou seja, Re~Ri e d~Re,. Isso
assegurou a uniformidade do campo aplicado sobre as amostras. Uma
descrição detalhada dos sistemas de bobinas pode ser obtida em
http://omnis.if.ufrj.br/~lpo/Bobina.pdf.
Figura 11: Sistema utilizado para produção de campo magnético aplicado de 3,9 Gauss utilizado para vídeo-microscopia das trajetórias percorridas por ‘Ca. Magnetoglobus multicellularis’. (a) Sistema de vídeo-microscopia com a bobina de Helmholtz acoplada ao microscópio óptico Zeiss Axioplan 2. (b) Peça de acrílico adaptada à platina do microscópio (c) Chave para a reversão de corrente da bobina.
38
3.3. Vídeo-microscopia das trajetórias de ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’ sob campo magnético aplicado
As trajetórias do ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ sob
campo magnético aplicado foram filmadas com o uso de uma câmera
CCD JVC TK-1270 conectada a um computador equipado com uma placa
de captura de vídeo Pixel View PlayTV. As amostras concentradas
magneticamente foram colocadas entre lâmina e lamínula separadas por
um espaçador de 500µm de diâmetro e observadas por um tempo não
superior a 20 minutos. As análises das trajetórias para cada um dos
valores de campo magnético aplicado foram realizadas a partir de
amostras de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ provenientes de
coletas distintas.
As trajetórias foram filmadas em campo claro, com objetiva de
40x. Os vídeos foram capturados com o uso do software Pinnacle Studio
8, com uma resolução de 320 x 240 pixels, a 30 fps, no formato AVI.
Os vídeos gerados foram processados e analisados utilizando o
aplicativo ImageJ (NIH). Os filmes foram submetidos a um filtro de
background e binarizados. Com o uso da ferramenta Mtrack2, foram
obtidas planilhas com as coordenadas XZ de cada uma das trajetórias
(com o eixo Y paralelo ao eixo óptico do microscópio).
As trajetórias senoidais 2D obtidas foram assumidas como
projeções de trajetórias helicoidais cilíndricas em 3D, possuindo eixo de
simetria paralelo ao campo magnético gerado pelas bobinas acopladas
ao microscópio. Os parâmetros usados para a caracterização das
trajetórias foram escolhidos em concordância com equações que
descrevem a posição do centro de massa do “Ca. M. multicellularis” em
função do tempo em trajetórias helicoidais:
39
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ += ϕπ
TtAX 2cos (2)
tVZZ 00 += (3)
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ += ϕπ
TtAY 2sin (4)
onde A = raio da hélice cilíndrica (amplitude), t = tempo; T = período;
ϕ = fase arbitrária; Z0
= posição inicial arbitrária no plano Z. A
velocidade de natação (V0) foi obtida a partir da regressão linear do
gráfico Z versus t. O raio (A) e o período (T) foram obtidos por meio de
regressão não linear da posição X versus t. A velocidade ao longo do
traço da trajetória, a qual denominamos velocidade tangencial (Vt), é
dada por:
2
22)2(T
AVtλπ +
= (5)
onde TV ⋅= 0λ (5) define o passo da hélice. Os dados obtidos permitiram a
projeção tridimensional das trajetórias e a verificação da existência de
correlações entre os parâmetros das trajetórias.
3.4. Avaliação da resposta de ‘Candidatus Magnetoglobus
multicellularis’ a pulsos de laser ultravioleta e a luz ultravioleta.
Um sistema de pinças ópticas (Figura 12 a-c) consiste em um
microscópio óptico invertido montado sobre uma mesa pneumática anti-
vibração. Sobre a mesma mesa podem ser montados diferentes tipos de
lasers, lentes, espelhos e diafragmas, de modo a permitir que o feixe
gerado pelos lasers penetre de forma controlada no eixo óptico do
40
microscópio, através da abertura de epi-iluminação do sistema de
fluorescência.
Sobre um sistema de pinças ópticas utilizando um laser
infravermelho Nd-YAG de comprimento de onda de 1064nm, foi
acoplado um laser UV (Figura 12c) com comprimento de onda igual a
337,1 nm que gera pulsos de duração inferior a 3.5 ns, com energia de
170µJ por pulso. Este tipo de laser atua como um bisturi óptico. Assim
como o laser infravermelho usado para pinçar objetos, o laser UV foi
posicionado de forma incidir seguindo o eixo óptico do microscópio
através da abertura da epi-iluminação do sistema de fluorescência.
Para os experimentos de resposta ao laser UV, ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’ foram concentrados magneticamente por
vinte minutos e depositados sobre uma placa de petri adaptada (Figura
9d).
As amostras foram observadas em um microscópio óptico
invertido Nikon Eclipse TE300 acoplado ao sistema de pinça óptica, na
modalidade campo claro, com o uso de uma objetiva Plan Fluar 100x
com abertura numérica de 1.4. As imagens foram obtidas por uma
câmera CCD Hamamatsu C2400 e digitalizadas por uma placa de
captura de imagens SCION (Figura 7d).
Com o uso de um ímã, ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’
foram direcionados para a borda da gota, onde pulsos de laser UV foram
aplicados sobre a amostra.
Sob as mesmas condições dos experimentos de pulsos de laser
UV, a disponibilidade de uma platina motorizada possibilitou o registro
em grande aumento da natação de ‘Candidatus Magnetoglobus
multicellularis’ alinhada ao campo magnético gerado por um ímã
posicionado próximo à amostra.
Para a avaliação da resposta à iluminação UV, ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’ foram depositados sobre lâmina e
41
lamínula separados por um o-ring e observados ao microscópio Axioplan
2, na modalidade DIC, sob epi-iluminação com lâmpada de mercúrio
com 50W de potência associada a um filtro para selecionar luz UV.
Figura 12 (a-d): Sistema de pinça óptica do Laboratório de Pinças Ópticas da COPEA-UFRJ, situado no Instituto de Ciências Biomédicas / Centro de Ciências da Saúde-UFRJ. (a) Visão geral do sistema de pinça óptica onde pode ser visualizado o microscópio óptico Nikon Eclipse TE 300 sobre uma mesa pneumática anti-vibração Newport. (b) Laser de Neodymium-YAG infravermelho (1064nm). (c) Laser ultravioleta (337,1nm). (d) Sistema de captura e processamento de imagem.
42
4. RESULTADOS
4.1. Trajetórias helicoidais de ‘Candidatus Magnetoglobus
multicellularis’ sob campo magnético aplicado
As trajetórias de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ sob
campo magnético aplicado foram filmadas a partir de amostras
concentradas magneticamente com o uso de sistema de vídeo-
microscopia equipado com um par de bobinas eletromagnéticas. As
coordenadas xz do centro de massa ao longo das trajetórias de
‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ foram obtidas quadro a
quadro, totalizando duzentas trajetórias sob campo magnético aplicado
de 3,9 Gauss e duzentas trajetórias sob campo magnético aplicado de
20,0 Gauss.
Os parâmetros vx (velocidade no eixo x), vz (velocidade no eixo z),
raio (А) e período (Τ) das trajetórias helicoidais foram obtidos a partir
de regressões lineares e não lineares dos gráficos gerados a partir das
coordenadas X(t) e Z(t). Uma das trajetórias analisadas pode ser
observada na figura 13. Os parâmetros velocidade média (ν), velocidade
angular (ω), comprimento de onda (λ), velocidade instantânea (υ) e
ângulo entre velocidade angular e velocidade instantânea (θ) foram
determinados a partir da trajetória. No total, foram analisadas 180
trajetórias sob campo magnético aplicado de 3,9 Gauss e 184 trajetórias
sob campo magnético aplicado de 20 Gauss. As médias são
apresentadas na tabela 1.
43
Tabela 1: Valores médios e erros padrão dos parâmetros das trajetórias de ‘Candidatus Magnetoglobus
Os valores médios obtidos para os raios das trajetórias de
‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ (5 e 4µm sob os campos
magnéticos de 3,9 e 20,0 Gauss, respectivamente) são também muito
próximos aos valores médios do raio dos microrganismos, entre 3 e 5
µm (KEIM et al., 2004b). De modo similar, os valores de raio do
microrganismo e da trajetória são relativamente próximos em Ovobacter
propellens e Thiovulum majus. Se a semelhança entre estes valores é
mera coincidência ou resultado do mecanismo de propulsão destes
microrganismos, permanece uma questão a ser respondida.
‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’ apresenta a rotação da
trajetória helicoidal e do corpo no mesmo sentido. Essa característica,
também observada em Thiovulum majus, pode ser consequência do tipo
de flagelação. Thiovulum majus apresenta flagelos curtos (comprimento
total menor que o comprimento de onda), com distribuição peritríquea
(DE BOER, RIVIÈRE & HOUWINK; 1961; SILVA et al., 2007). Se
considerarmos o microrganismo como um todo, ‘Candidatus
Magnetoglobus Multicellularis’ apresenta esse mesmo tipo de flagelação
(SILVA et al., 2007). Ovobacter propellens apresenta rotação da
trajetória e da célula em sentidos opostos. Apesar de possuir dimensões
próximas às do ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ e Thiovulum
majus, Ovobacter propellens apresenta um tipo de flagelação distinta,
caracterizada por um proeminente tufo de flagelos emergindo de um dos
lados da célula. Para organismos propelidos por flagelos lofotríqueos
(tufo de flagelos emergindo de um ponto da célula), como Ovobacter
propellens, a frequência de rotação do corpo é proporcional à frequência
de rotação do flagelo. Contudo, não se pode afirmar o mesmo para
microrganismos com flagelação peritríquea (com flagelos emergindo de
diferentes pontos da superfície celular).
A comparação entre os parâmetros das trajetórias helicoidais
entre ‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’, Thiovulum majus e
93
Ovobacter propellens sugere que o padrão de distribuição dos flagelos
pode ter implicação no passo da hélice das trajetórias. Candidatus e
Thiovulum, que possuem flagelos peritríqueos, apresentam valores de
passo da hélice bem maiores e bem mais próximos entre si quando
comparados com Ovobacter (Tabela 2). A rotação da célula e da
trajetória no mesmo sentido parece ser também consequência desse
tipo de distribuição de flagelos.
Apesar de Thiovulum majus e ‘Candidatus Magnetoglobus
Multicellularis’ possuírem o mesmo padrão de movimento, distribuição e
tamanho de flagelos (DE BOER, RIVIÈRE & HOUWINK; 1961; SILVA et
al., 2007), Thiovulum majus apresenta velocidade de natação bastante
superior à observada em ‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’
(150-600µm/s). Isso pode ser consequência da fisiologia do
microrganismo, ou ainda de uma maior eficiência na coordenação dos
flagelos em Thiovulum majus, dada a sua natureza unicelular.
Por outro lado, a natação em ‘Candidatus Magnetoglobus
Multicellularis’ pressupõe um mecanismo mais complexo de controle da
rotação dos flagelos, dada a sua natureza multicelular. A coordenação
da rotação dos flagelos entre as diferentes células que constituem o
‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’ seria, nesse caso, menos
eficiente que a observada em Thiovulum majus.
5.4. Resposta de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ a
pulso de laser e luz ultravioleta.
OBERPICHLER et al. (2008) classifica a resposta de bactérias à luz
em três tipos: escotofóbica, fotocinética e fototáctica (HÄDER, 1987;
RAGATZ et al., 1994; 1995; GEST, 1995). A resposta escotofóbica é
caracterizada por uma ‘fobia ao escuro’: bactérias que nadam para
94
regiões onde a intensidade da luz é reduzida realizam tumble, cessam o
movimento ou revertem a direção de natação. A fotocinese é descrita
como uma alteração na taxa de motilidade, ou seja, na velocidade do
movimento causada por diferenças na intensidade da luz. A resposta
fototáctica, por sua vez, consiste na orientação do movimento da
bactéria em resposta a uma fonte de luz.
‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’, quando concentrados
magneticamente na borda de uma gota d’água, apresentam resposta
claramente fotocinética quando realiza movimento do tipo Rotation: as
células passam a girar mais lentamente em torno do seu próprio eixo
quando um filtro verde é posicionado entre a fonte de luz e a amostra
(Vídeo 6). Contudo, as respostas observadas em ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’ quando expostos a pulsos de laser e à luz
ultravioleta não se enquadram perfeitamente em nenhuma das
respostas de microrganismos à luz descritas acima.
No caso do laser ultravioleta, houve a morte do indivíduo atingido
diretamente (como esperado) e um efeito coletivo dos microrganismos
próximos, que nadaram na direção oposta, retornando após vários
segundos. Como houve a morte do indivíduo diretamente atingido pelo
laser, há a possibilidade de que alguma substância liberada pela lise
celular tenha induzido a resposta fóbica. Contudo, mesmo atingindo
novamente o mesmo microrganismo já morto, a resposta ocorre, mas
após algumas repetições o efeito diminui. O fato de que uma resposta
similar foi observada com luz UV, que não induziu a morte de nenhum
indivíduo durante a observação, sugere que um mecanismo de
adaptação, similar ao utilizado em quimiotaxia, está presente.
A adaptação em quimiotaxia ocorre quando a sensibilidade do
receptor diminui, fazendo com que uma concentração maior do ligante
seja necessária para produzir a mesma resposta. A adaptação permite
às bactérias quimiotácticas seguir um gradiente de concentração
95
utilizando um mesmo receptor, desde a menor até a maior
concentração, pois o receptor vai se “adaptando” às concentrações
crescentes do ligante (perdendo sensibilidade) pelo caminho (MADIGAN
& MARTINKO, 2006).
‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ é encontrado
predominantemente no sedimento, onde a incidência de luz é pequena
ou inexistente. Quando observado ao microscópio óptico, a exposição à
luz parece ter um efeito deletério: amostras observadas durante longo
tempo perdem progressivamente a motilidade. É provável que a luz,
sobretudo a UV, constitua um fator de estresse para estes
microrganismos. As diferenças observadas entre a resposta da aplicação
da luz e do laser UV provavelmente se dão em função da densidade de
energia luminosa aplicada sobre a amostra.
Alterações na motilidade de bactérias em função da exposição à
luz UV são relatadas na literatura. Cianobactérias, por exemplo, são
extremamente sensíveis à luz ultravioleta, mesmo sob níveis ambientais
de UV-B. Sob condições de luz solar, tanto a motilidade quanto a foto-
orientação são afetadas. Halobacterium ssp., uma bactéria heterotrófica
de ambientes hipersalinos, reverte a direção de movimento quando sai
de regiões iluminadas com luz verde ou quando penetra em regiões
iluminadas com luz ultravioleta ou azul. Similarmente ao observado em
nossos resultados, a iluminação UV causa a dispersão dos indivíduos do
campo de observação (HÄDER, 1987).
A similaridade da resposta de ‘Candidatus Magnetoglobus
multicellularis’ ao laser e à luz ultravioleta com o “escape motility” é
muito grande: ambas envolvem movimento no sentido oposto, seguido
de “free motion”. Apesar do nome, até o momento não há qualquer
evidência de que o “escape motility” seja uma resposta a estímulos
negativos ou prejudiciais. A resposta ao ultravioleta seria a primeira
evidência neste sentido.
96
6. CONCLUSÕES
• Os parâmetros que descrevem a natação em trajetórias helicoidais (free motion) da bactéria magnetotáctica multicelular ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ sob dois campos magnéticos aplicados (3,9 e 20 Gauss) foram quantificados.
• Foi desenvolvida uma metodologia que permite a análise eficiente
de um grande número de trajetórias de bactérias magnetotácticas através de vídeo-microscopia e processamento de imagem.
• Os valores de passo da hélice e raio das trajetórias obtidos no
presente trabalho sugerem que as trajetórias retilíneas de ‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’ previamente relatadas na literatura podem ser trajetórias helicoidais com raio pequeno e/ou passo da hélice muito grande.
• As trajetórias helicoidais em ambos os campos magnéticos
aplicados são alongadas, indicando grande eficiência na coordenação da
rotação dos flagelos para a natação avante nesses microrganismos.
• Assim como o elevado grau de otimização magnética em
‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’, a otimização do movimento
avante implica em um nível elevado de organização entre as células que
compõem os indivíduos.
• A natação avante de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’
aparentemente se torna mais eficiente com o aumento do campo
magnético aplicado.
97
• A intensidade do campo magnético aplicado influencia a natação
de ‘Candidatus Magnetoglobus multicellularis’ de alguma forma além da
orientação passiva. Experimentos realizados a partir de uma mesma
amostra e sob um número maior de campos magnéticos com
intensidades distintas serão necessários para a comprovação da
hipótese da existência de mecanismo de magnetorrecepção sensível ao
campo magnético aplicado.
• As velocidades de natação observadas em ‘Candidatus
Magnetoglobus multicellularis’ corroboram a hipótese de que elevadas
velocidades de natação constituem uma adaptação comum a bactérias
encontradas em ambientes marinhos com gradiente vertical de oxigênio.
• A comparação entre os parâmetros das trajetórias helicoidais de
‘Candidatus Magnetoglobus Multicellularis’ com os de outras bactérias
sugere que o padrão de distribuição dos flagelos pode ter implicação no
passo da hélice das trajetórias. A rotação da célula e da trajetória no
mesmo sentido parece ser também consequência do tipo de distribuição
de flagelos.
• A menor velocidade de natação de ‘Candidatus Magnetoglobus
Multicellularis’ quando comparada com a observada em Thiovulum
majus pode ser consequência da fisiologia do microrganismo, ou ainda
de uma maior eficiência na coordenação dos flagelos na bactéria
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