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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS BACHARELADO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS JESSICA SIVIERO A PROPRIEDADE PRIVADA DA TERRA NO BRASIL E A DOUTRINA DA FUNÇÃO SOCIAL Trabalho de conclusão de curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas orientado pela Profa. Dra. Patrícia Rangel. 1
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Apr 23, 2023

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

BACHARELADO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS

JESSICA SIVIERO

A PROPRIEDADE PRIVADA DA TERRA NO BRASIL E A DOUTRINA DA FUNÇÃOSOCIAL

Trabalho de conclusão

de curso de Bacharelado

Interdisciplinar em

Ciências Humanas

orientado pela Profa.

Dra. Patrícia Rangel.

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Juiz de Fora2014

A PROPRIEDADE PRIVADA DA TERRA NO BRASIL E A DOUTRINA DA FUNÇÃOSOCIAL1

Resumo

Este artigo buscará discutir, no âmbito da questão agrária, aimplementação da doutrina da função social da propriedade privada daterra no direito brasileiro, por uma perspectiva histórica pautadanas discussões do institucionalismo histórico. Para tanto, empreende-se umaanálise da origem e desenvolvimento da instituição “propriedade” noBrasil. Através de uma revisão crítica dos marcos regulatórios dapropriedade privada e das leis agrárias brasileiras, procurar-se-ádestacar os incentivos oriundos da vida econômica e da comunidadepolítica que impactam sobre a conformação fática da propriedade daterra, buscando-se realçar as continuidades e vicissitudes quecorroboram para a atual configuração da estrutura fundiáriabrasileira.

Palavras-chave: propriedade privada. Institucionalismo histórico. Doutrina da função social.

Abstract

This paper seeks to discuss, in the context of the agrarianreform, the implementation of the doctrine of the social function ofthe land’s private ownership in Brazilian law, guided by ahistorical perspective on the discussion of historicalinstitutionalism. To do so, undertakes an analysis of the origin anddevelopment of the institution “propriety” in Brazil. Through acritical review of the regulatory frameworks of private property andof the Brazilian agrarian laws, will be sought to highlight thearising incentives of the economic life and of the political1 Agradeço a minha orientadora, sem a qual este trabalho não seria possível, ao amigo e professor Pedro Rocha de Oliveira e a minha querida amiga Caroline Mendonçapelo carinho e paciência em revisar comigo todo o texto.

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community, which impact on the factual conformation of landownership, also seeking to highlight the continuities andvicissitudes that corroborate for the current configuration ofBrazilian agrarian structure.

Keywords: private property. Historical institutionalism. Social function doctrine.

INTRODUÇÃO

Este artigo buscará discutir, no âmbito da questão agrária, aimplementação da doutrina da função social da propriedade privada daterra no direito brasileiro, por uma perspectiva histórica pautadanas discussões do institucionalismo histórico. A doutrina da função socialimplica na conformação do uso da propriedade privada a um supostointeresse coletivo, sob a égide desta doutrina a exploraçãoeconômica da terra voltar-se-ia a ganhos distributivos para toda asociedade. A doutrina da função social da propriedade da terrasurgiu em países da Europa central e ocidental, em parte desteslevou a uma redistribuição da propriedade fundiária, o que sedenomina por reforma agrária. Buscando compreender a atualconfiguração da estrutura fundiária brasileira, deparei-me com umaquestão: a instituição da doutrina da função social da propriedadeda terra no Brasil não foi acompanhada por uma onda de reformaagrária capaz de modificar a forma como está distribuída apropriedade rural. O que me leva a pensar: instituições não nascem e

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se desenvolvem apartadas do contexto social em que estão imersas,contextos distintos deverão levar a conformações diversas, como nosindica a literatura do institucionalista histórica.

Passei então a buscar compreender a origem da instituição“propriedade” e como esta se modificou ao longo do tempo até chegara englobar a tal doutrina da função social. Partindo dessa análiseespecífica, procurarei demonstrar como foi instituída a propriedadeno Brasil e quais as diferentes regulamentações a que estevesubmetida, até chegar à adoção da doutrina da função social pornossas Constituições, passando por uma breve revisão dos marcosregulatórios da propriedade privada da terra e das leis agráriasbrasileiras. Não deixo de considerar ao longo do estudo, osincentivos oriundos da vida econômica e da comunidade política sobrea propriedade, bem como os resultados e impactos gerados tanto sobreas normas como sobre a configuração fática da propriedade.

Este esforço de reflexão organiza-se em quatro diferentesseções: a primeira apresenta o referencial teórico adotado paraconduzir a análise, qual seja, o institucionalismo histórico, umaperspectiva de análise da Ciência Política que busca compreender edestacar o papel das instituições e da relevância temporal(histórica) na configuração de resultados sociais e políticos. Asegunda, contendo uma breve introdução à discussão acerca dapropriedade da terra, busca recuperar a origem da instituição“propriedade” com suas diferentes possíveis interpretações, atéchegarmos à doutrina da função social. Na terceira parte, buscoreconstruir a história da propriedade privada da terra no Brasil, emconjunto com os incentivos e reflexos oriundos e produzidos na nossaestrutura fundiária. Esclareço de antemão que não seria possível, emum artigo, esgotar a discussão sobre o tratamento normativo aplicadoà propriedade fundiária no Brasil, logo, selecionei os momentos deinflexão. A quarta e última seção traz considerações finais arespeito do tema discutido, contendo reflexões teóricas e indicaçõesde possíveis campos de pesquisas a serem desenvolvidos futuramente.

O INSTITUCIONALISMO HISTÓRICO COMO REFERENCIAL TEÓRICO

Sendo uma perspectiva de análise dentro da Ciência Política quebusca compreender e destacar o papel das instituições e darelevância temporal (histórica) na configuração de resultados

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sociais e políticos, o institucionalismo histórico2 servirá de ferramentaanalítica para pensar a configuração atual da propriedade da terrano Brasil. Esta é resultante de um longo processo histórico epolítico de ocupação e exploração do território, que se reflete nasnormas e procedimentos adotados para regulação da propriedadeprivada e que estruturam a vida na comunidade política. Ainstituição a ser analisada aqui é a “propriedade privada”, tomadacomo resultante histórica do “desenvolvimento”3 da sociedadeocidental.

Para trabalhar com a noção de instituições, cabe primeirodefinir o termo. Na literatura institucionalista histórica, asinstituições são definidas de forma ampla como “procedimentos,protocolos, normas e convenções oficiais e oficiosas inerentes àestrutura organizacional da comunidade política ou da economiapolítica” (HALL & TAYLOR, 1996: 196). Igualmente, o institucionalismohistórico enfatiza as assimetrias de poder relacionadas aofuncionamento e desenvolvimento normal das instituições, seu focoencontra-se na análise de relações de poder e interesse.

Para desenvolver os argumentos a serem apresentados, tomo comopressuposto que o estabelecimento da propriedade privada dos meiosde produção cria uma condição de desigualdade e hierarquia dentrodas sociedades, com os donos da propriedade detendo mais poder ecapacidade de controle sobre a configuração de sua estrutura queaqueles não detentores de propriedade. Na esteira das análisesinstitucionalistas históricas, retomo o olhar sobre o Estado como umcomplexo de instituições capaz de estruturar a natureza e oresultado dos conflitos entre grupos, ou seja, o Estado aparece comoárbitro e não apenas processador de conflitos.

Para esta perspectiva teórica, é central a ideia de pathdependence. Quer dizer, processos dependentes de uma trajetóriahistórica, social e política envolveriam uma lógica segundo a qualos resultados em uma “conjuntura crítica”, ou seja, num momento deinflexão em que as normas são estabelecidas ou reestabelecidas,desatariam mecanismos de retroalimentação que reforçam a ocorrênciade um padrão no futuro. Os argumentos sobre a path dependence podemnos ajudar a compreender a poderosa inércia que caracteriza muitosaspectos do desenvolvimento político, pois, trabalha-se com a noçãode que práticas políticas e sociais reificadas dificultam e retardammudanças institucionais, ao mesmo tempo que se realiza uma reformainstitucional, mantem-se algo do modelo precedente. Esta é uma das2 Na forma como nos é apresentado e utilizado como instrumental analítico por EllenImmergut e Paul Pierson.3 Coloco o termo entre aspas para destituí-lo de qualquer noção progressista de quevenha imbuído, utilizo a expressão “desenvolvimento”.

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razões pelas quais se optou por tomar o institucionalismo histórico comoreferencial teórico de análise. O modelo do latifúndio, resultanteda primeira forma como se organizou a propriedade, em consonânciacom os interesses econômicos que o acompanhavam, consegue sereafirmar a cada novo ponto de inflexão que poderia levar a seuesgotamento. Do que se reflete no corpo das normas escritas, que senão o legitimam, abrem precedentes para que continue em vigor.

ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DA PROPRIEDADE

Cabe, antes de tudo, esclarecer alguns termos que já foramutilizados até aqui e que aparecerão novamente ao longo do texto, eoutros que ainda serão abordados. Começo diferenciando o conceito de“propriedade” do de “posse”. A posse estaria ligada a uma relação denatureza fática, concreta. Já a propriedade seria a expressão jurídicadessa relação, é esta a instituição que será aqui discutida. Outrasduas expressões também chaves para o entendimento do texto são:“estrutura fundiária” e “questão agrária”. Para os fins aquipropostos, considera-se estrutura fundiária a “forma como estádistribuída a propriedade das terras num país” (STÉDILE, 2011: 39).Já a expressão “questão agrária”, que surge na Economia Política,engloba aquelas análises que buscavam compreender como o capitalismose desenvolvia e intervinha na agricultura. O significado atualultrapassa o de origem, remetendo a toda uma área do conhecimentocientífico voltada ao estudo da forma como sociedades organizam ouso, a posse e a propriedade da terra. Na literatura da EconomiaPolítica, o termo pode ainda aparecer para denotar a existência de“problemas agrários” presentes sempre que a forma de distribuição daterra, seu uso e propriedade constituem um empecilho, quer para oaumento da produção, o abastecimento satisfatório de toda apopulação ou para o progresso social e econômico.

A propriedade da terra está diretamente ligada ao bem estarsocial geral, pois, a terra como bem de produção, é, entre outrascoisas, locus da produção de alimentos: bem indispensável àexistência humana. Um dos pressupostos da forma moderna dedemocracia é a proteção da propriedade privada, que aparece comodireito constituído e garantido pelo aparato de Estado. Todavia,pensar a forma atual da propriedade da terra depende de um esforçode reconstrução histórica de seu significado, pois, ao longo dahistória ocidental, tem sido fonte de poder econômico e político. Aforma como se entende a propriedade da terra variou com o tempo,resultado de incentivos diversos oriundos da vida na comunidadepolítica. Alguns autores4, na esteira dos contratualistas, dirão que

4 Aroldo Moreira, Caminhada e esperança da reforma agrária – A questão da terra na constituinte, Riode Janeiro: Paz e Terra, 2ª ed., 1987, p. 75; apud Rosalinda Pereira.

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a “propriedade” surge como forma de evitar o conflito entre oshomens, visto que o desequilíbrio entre as necessidades humanasilimitadas e os bens limitados da natureza geraria uma guerra detodos contra todos (definição hobbesiana de Estado), do que surge oEstado para garantir a propriedade (definição de Locke para o“contrato social”) – expressa dessa forma a propriedade apresenta,por conseguinte, caráter muitíssimo individualista. Há tambémaqueles5 que defendem que, conforme já mencionado, a instituição dapropriedade privada está diretamente relacionada ao “poderioeconômico e político” e seria fonte de uma desigualdade criada paralegitimar diferenças sociais. Em Marx6, a propriedade aparecediretamente relacionada à divisão do trabalho colocando indivíduosem determinadas relações de produção. Surge como propriedade tribal,passando com o desenvolvimento das forças produtivas à propriedadecomunal, uma forma de propriedade privada coletiva, até que com odesenvolvimento da divisão do trabalho teria surgido a propriedadeprivada imóvel. Equivale a dizer que a cada estágio dodesenvolvimento produtivo corresponderia uma forma distinta depropriedade, estando a estrutura social e política diretamenterelacionada à produção e reprodução material de vida. ThorsteinVeblen (1988)7 defenderá que em diferentes sociedades oestabelecimento da propriedade privada é concomitante ao surgimentoda “classe ociosa”, uma classe que se dedicaria exclusivamente a“atividades honoríficas”, quer dizer, que liberada de trabalhosprodutivos ou “industriais”, sem utilidade prática cotidiana, teriase concentrado preferencialmente em atividades de governo esacerdócio. Rosalinda Pereira (2000) identifica a instituição dapropriedade com a escolha por uma vida comunitária sedentária,relacionada, por conseguinte, à agricultura. Logo, a primeira formade propriedade seria coletiva, visto que os seus bens eramtrabalhados pela comunidade servindo para atender aos desígnios docoletivo.

Abro um parênteses para ressaltar que o modelo da propriedadetal como tratado aqui, pode ser rastreado ao longo da história daEuropa ocidental. Diferentes sociedades ao longo do globo dão (oupelo menos deram) usos distintos a terra, entendendo a posse deformas bastante diversificadas, sendo que muitas dessas sociedadessequer instituíram a propriedade privada. Rita Ramos8 (2009) dirá em5 Emílio Gischkow, “Direito brasileiro – Atualização do conceito de propriedade.”In: Revista de Direito Agrário, nº 2, p. 64; apud Rosalinda Pereira.6 Karl Marx e Frederich Engels, A Ideologia alemã: 1º Capítulo Teses sobre Feuerbach. São Paulo:Centauro, 9ª ed., 2006. 7 Thorstein Veblen, A Teoria da Classe Ociosa: um estudo econômico das instituições. São Paulo:Nova Cultural, 3ª ed., 1988.8 Rita Ramos, Sociedades Indígenas. Disponível em: <http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?

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relação às sociedades indígenas que: “sendo um recurso naturalvinculado à vida social como um todo, a terra não é e não pode serobjeto de propriedade individual. De fato, a noção de propriedadeprivada da terra não existe nas sociedades indígenas.”

Já nos filósofos clássicos, encontramos discussões acerca dafunção da propriedade privada. Platão9, em defesa de uma forma deorganização social mais voltada ao comunismo, dirá que os bens dasociedade devem pertencer a todos. Aristóteles10 reconhece que osbens pertençam aos particulares, todavia, reforça a crença de quedeviam servir para satisfazer a coletividade. Em São Tomás deAquino11, a propriedade aparece como um direito natural do homem nasua luta pela sobrevivência, porém, esse direito é limitado pelo bemcomum: direito de todos viverem condignamente.

Em Locke12, a propriedade aparece como uma extensão dos homens,fruto da racionalidade que os leva a transformar a natureza atravésdo trabalho. Ou seja, a propriedade encontra-se na sociedade já noestado de natureza, é uma instituição anterior à sociedade civil,logo, é um direito natural do indivíduo que o Estado não podeviolar. O advento do dinheiro teria permitido que os bens fossemtrocados por ouro e prata (duradouros), marcando, por conseguinte, apassagem da propriedade limitada pelo trabalho, para a propriedadeilimitada baseada na acumulação. Já para Rousseau13, a propriedadeexiste exclusivamente no Estado de Sociedade, é, aliás, o fundamentosobre o qual este reside. O estabelecimento da propriedade privadaconfigura a usurpação de um bem coletivo: a terra. É, portanto, umafraude, o ato que inaugura uma condição de desigualdade entre oshomens, que irá se refletir nas normas e convenções sociaisestabelecidas, que pautadas pela propriedade legitimam essadesigualdade inicial. Consequentemente, Rousseau propõe uma rupturacom esta sociedade fundada sobre o acúmulo de propriedades; a partirde um pacto voluntário entre todos os homens (o Contrato Social),seria feita a alienação total das propriedades e dos direitos dela

option=com_content&view=article&id=493&catid=35&Itemid=3>. Acesso em 23 de janeiro de 2014.9 Platão, A República. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. 10 Aristóteles, “Livro segundo, capítulo 2”. In: A Política. São Paulo: EscalaEducacional, 2006, p. 39 – p. 4311 Interpretação apresentada por Arthur Pio dos Santos, Da desapropriação por interessesocial para fins de reforma agrária. Tese (Doutorado em Direito), Faculdade de Direito daUniversidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, 1971; apud Rosalinda Pereira.12 Leonel Itaussu Almeida Melo, “John Locke e o individualismo liberal”. In: OsClássicos da Política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O federalista”. 1º Volume.Francisco Weffort (org.). São Paulo: Editora Ática, 13ª ed., 2000, p. 79 - p. 110. 13 Milton Meira do Nascimento, “Rousseau: da servidão à liberdade”. In: Os Clássicos daPolítica: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O federalista”. 1º Volume. FranciscoWeffort (org.). São Paulo: Editora Ática, 13ª ed., 2000, p. 187 - p. 242.

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decorrentes em benefício do coletivo – as propriedades seriamredistribuídas, ficando cada qual com a parcela necessária esuficiente para uma vida digna.

Com a decadência do regime feudal (patrimonial), e ocrescimento das relações de troca, no contexto das RevoluçõesLiberais, a propriedade passou a ser interpretada como instrumentode que dispõe o homem para o exercício da atividade econômica,consolidando-se, por conseguinte, um conceito individualista de propriedade. OCódigo Civil francês de 1804, ou como ficou mais conhecido, CódigoNapoleônico, no seu artigo 544, consolida a propriedade como umdireito pessoal, ilimitado e absoluto. Quer dizer, a propriedade da terraencontrava-se regida por ideais burgueses, não chegando a se formarum direito especificamente rural para a regulação da propriedadeagrária – distinta das demais formas de propriedade devido ao seucaráter de bem de produção, que como tal deve ser efetivamente usadopara produzir. O resultado foi um imenso desequilíbrio fundiário,com acumulação de terras e formação de latifúndios por toda Europacentral e ocidental. Essa fase é marcada pelo deslocamento para oscentros urbanos das principais atividades econômicas, havendo, porconseguinte, transferência de força de trabalho do campo para ascidades. A terra passa então a ser vista como uma nova mercadoria,apresentando caráter especulativo.

As injustiças agravadas e geradas pelo novo sistema de produçãoresultaram em agitação social. Pensadores, teóricos do direito,filósofos e economistas dedicaram exaustiva crítica ao modelo dapropriedade privada, entre estes especialmente Karl Marx e FriedrichEngels enfatizariam as consequências sociais desastrosas geradaspela propriedade privada dos meios de produção, propondo uma soluçãorevolucionária: a coletivização dos meios de produção. Outrosteóricos buscaram enfatizar a necessidade de se imputar àpropriedade – e aos próprios indivíduos – uma função social. LeonDuguit (1911), dirá que “o proprietário, pelo fato de possuir apropriedade, tem de cumprir a finalidade social que lhe é implícita,e somente assim estará socialmente protegido, porque a propriedadenão é um direito subjetivo do proprietário, mas uma função social dequem a possui” (PEREIRA, 2000: 97). Segundo este argumento, caso nãoutilize sua propriedade ou a utilize mal, seu direito deproprietário deve desaparecer. Nesse processo, a Igreja católica,recuperando o ideal tomista de propriedade, exerceu papelsignificativo na elaboração e consolidação da doutrina da função social dapropriedade, que passa a ser vista como um direito natural que o

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Estado deve proteger, mas seu uso deve estar condicionado ao bemcomum14.

Tal mudança na interpretação do conceito de propriedade,sensível ao caráter especial da terra como bem de produção,impulsionou o surto de reforma agrária vivido pelos países europeusno início do século XX. A doutrina da função social da propriedadeda terra imbui a propriedade de uma função (do proprietário) quedeve ser exercida com vistas a satisfazer as necessidades docoletivo, contribuindo para o bem estar social. Resulta de umaevolução da concepção de propriedade, como escreveu RosalindaPereira,

“a propriedade, assim, se justifica desde que cumpra suafunção social; ela não é uma função social, mas tem umafunção social, no que podemos definir função social dapropriedade como os deveres positivos que devem serexercidos pelo proprietário”(PEREIRA, 2000: 101).

A FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE PRIVADA NO BRASIL

A propriedade privada da terra é instituída no Brasil nomomento de sua colonização por Portugal, o que contribui para ainvestigação histórica, pois, permite situar precisamente no tempo omomento de consolidação da instituição “propriedade”. Igualmente,marca o início da trajetória de normas e procedimentos a sereminvestigados.

Com a colonização, a Coroa procede designando para si omonopólio da propriedade sobre as terras brasileiras eregulamentando a divisão e ocupação do território através dasCapitanias Hereditárias. Estas consistiam em grandes extensões deterra que eram entregues ao controle de homens ligados à Coroaportuguesa que seriam responsáveis por reparti-las em subunidades,denominadas sesmarias, e entregá-las a particulares detentores derecursos suficientes para explorá-las. Note-se: “a propriedade daterra era originariamente pública” (TRECCANI, 2013: 3), o queinteressará no momento da discriminação das terras do Estado e dasde particulares. Durante todo o período colonial vigorou a Lei deSesmaria de 1375 que previa a transferência de domínio, após ocumprimento de algumas cláusulas contratuais, tais como:aproveitamento do solo, medição e demarcação do imóvel, registro daCarta e pagamento do dízimo. Cumpridas todas estas obrigações o reiconfirmaria a Carta e a terra seria incorporada ao patrimônioparticular. 14 A referida interpretação encontra-se em diferentes encíclicas: Rerum novarum(Papa Leão XIII, 1891), Quadragesimo anno (Papa Pio XI, 1931), Mater et magistra(Papa João XXIII, 1961).

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Logo, as concessões sesmariais estavam em tese condicionadas aouso e aproveitamento, o que não deixa de ser uma forma germinal dedoutrina da função social:

“na concessão de sesmarias, fora determinado que seconcedessem glebas em quantidade (área) que um homem decabedais pudesse explorar... E que se ele não aexplorasse dentro de um determinado lapso de tempo queera prefixado, esta terra reverteria ao patrimônio daOrdem de Cristo, que era administrada por Portugal”(PEREIRA, 2000, p. 107).

Porém, desde sua implementação, o modelo de sesmarias engendroumecanismos próprios que fizeram com que a terra perdesse suaconotação social e fosse incorporada como bem puramente patrimonial.Alguns destes mecanismos decorreram de incentivos oriundos do modelode exploração econômica, a extração e monocultura de gênerostropicais voltadas à exportação, somadas às dimensões geográficascontinentais e à falta de técnicas desenvolvidas de agriculturaresultaram na configuração dos latifúndios. A isto, vem se juntar apolítica de colonização aristocrática simbolizada por este modelo deconcessão de capitanias hereditárias. A posse era entregue aosparticulares pela Coroa, e, entre seus critérios de elegibilidadeestavam ser aliado do Império Português, pertencer à nobreza e terrecursos para investir. Além disso, a lei não designava limites paraas extensões a serem concedidas, exceto o fato de serem entregues emquantidade que um “homem de cabedais”15 pudesse explorá-las.

Proclamada a Independência do Brasil em 1822, seguiu-se àelaboração da primeira Carta Política brasileira. A Constituição doImpério de 1824, Lei Maior do país, seguia o modelo de Estadomoderno e foi influenciada pelas Cartas liberais europeias. Porconseguinte, legislava sobre o direito de propriedade entre osdireitos individuais, no seu Titulo 8º (Das Disposições Geraes, e Garantiasdos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros). O art. 179 versa sobre: “Ainviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos CidadãosBrazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, ea propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pelamaneira seguinte... XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a suaplenitude16 (grifos meus).” Logo, vem a ratificar uma concepçãoindividualista de propriedade privada, reforçada pelos dispositivosderivados da Revolução Francesa, limitando a expropriação a casos

15 Homem de recursos.16 Continuação: ...”Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e empregoda Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Leimarcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para sedeterminar a indemnização”.

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especiais de interesse público. Dessa forma, reconhecia e perpetuavao modelo do latifúndio – inclusive aquele improdutivo.

Até a redação da Lei de Terras de 1850, não havia umalegislação brasileira específica no sentido de regularizar apropriedade rural. Insiro aqui um novo parênteses para apresentaralguns dados bastante interessantes trazidos pelo autor GirolamoDomenico Treccani (2013)17 acerca da validação das Cartas sesmariais,que compõem um estudo realizado no começo do século XX na Provínciado Grão-Pará (que abrangia os atuais Estados de Pará, Amapá,Amazonas, Maranhão e Piauí). O estudo considera um levantamentofeito de 1700 até 1835, demonstrando que teriam sido expedidas 2.158Cartas de Sesmarias, todavia, apenas 560 destas, isto é, cerca de25,9% do total, teriam sido validadas pela Coroa, transformando-seem propriedade plena. Ou seja, visualizamos que a configuração dapropriedade da terra carecia de regularização, a Lei de Sesmarias de1375, uma lei portuguesa, no contexto brasileiro, sob a influênciade práticas e interesses distintos daqueles atuantes em soloportuguês, produziu resultados distintos.

Retomando, a Lei de Terras de 1850, aprovada pelo Decreto1.381, de 30 de janeiro de 1854, contendo nove capítulos e 108artigos, procurava dar resolução às inúmeras situações relacionadasà ocupação das terras, com o intuito discriminar as terrasdevolutas18 das particulares promovendo a conservação daquelas. Paratanto, os possuidores individuais deveriam proceder ao registro desuas terras, os chamados Registro Paroquiais de Terra, queocorreriam da seguinte forma: o possuidor procuraria o vigário desua freguesia19 e declararia: “o nome do possuidor, designação daFreguesia em que estão situadas [as suas terras]; o nome particularda situação, se o tiver; sua extensão, se for conhecida; e seus limites (grifosmeus)” (MOTTA, 2008: 161). Essa informação merece destaque: a formacomo eram realizados os Registros Paroquiais de Terra, ou seja, apartir de um ato voluntário do possuidor em comparecer à paróquia,ausente uma visita técnica competente e uma unidade de medidaobjetiva, sem sequer haver obrigatoriedade em determinar a suaextensão.

Para os fins aqui propostos, algumas considerações bastamacerca da Lei de Terras: esta teve grande dificuldade em serimplementada, tendo sido considerada um fracasso na década de 1870

17 Girolamo Domenico Treccani, O título de posse e a legitimação de posse como formas de aquisição dapropriedade. P. 4. Disponível em <http://www.pge.pa.gov.br/files/u13/ARTIGO%206%20-%20DR.%20GIROLAMO%20OKK.pdf>. Acesso em 23 de janeiro de 2014.18 Terras devolutas: terras públicas, aquelas pertencentes ao Estado.19 Pároco ou padre de um distrito paroquial, equivalente também a uma pequenapovoação.

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tanto para demarcação das terras devolutas quanto para a solução dosconflitos relacionados ao domínio de terras; muitos dos grandespossuidores não procederam ao Registro, alegando não ser necessáriosob justificativa de terem seus títulos de revalidação dassesmarias; os registros feitos, tanto por possuidores de grandesextensões quanto de médias e pequenas, eram demasiado truncados, nãosendo possível determinar os limites e extensões fáticos20.

Em todo o seu corpo, a Lei de Terras desconsiderou osdelineamentos da função social, não chegando a estabelecer limitesao tamanho da propriedade nem critérios de produção e exploração.Acrescente-se ainda que cessado, o prazo para regularização daspossessões, a forma exclusiva de aquisição da terra seria através derelações mercantis de compra e venda, excluindo-se o reconhecimentoda propriedade com base no uso. Se tivermos em conta que em meadosdo século XIX já se caminhava para o fim do regime escravocrata,vale a afirmação de que, “com a constituição da propriedade da terramais de trinta anos antes do fim do sistema escravocrata, a terratornara-se cativa. De modo que os escravos tornaram-se livres e sem-terra” (FERNANDES, 2000: 18).

Em 1891, o Brasil, agora elevado ao status de República,promulga a sua nova Constituição, que, no art. 172, dispunha sobre odireito de propriedade, reiterando o conceito individualista depropriedade expresso na Carta de 1824 e ignorando a incorporação dadoutrina da função social.

“Art. 172: A Constituição assegura a brasileiros e aestrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dosdireitos concernentes á liberdade, á segurançaindividual e á propriedade, nos termos seguintes: [...]§ 17. O direito de propriedade mantem-se em toda a sua plenitude,salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidadepública, mediante indemnização prévia.”

Esse artigo recebeu nova redação pela Emenda Constitucional de3 de setembro de 1926, mas o inciso referente à propriedade manteve-se inalterado. Previsto na Constituição de 1891, promulga-se em de1º de janeiro de 1916 a Lei nº 3.071, o Código Civil de 1916.Pensado dentro dos ditames propostos no Código Napoleônico e emdescompasso com a doutrina da função social da propriedade que seconsolidava no continente europeu21, acaba por reiterar aquele ideal

20 Para uma análise mais extensa e acurada do que significou e como se deu aimplementação da Lei de Terras de 1850 recomendo a leitura de Nas fronteiras do poder:conflitos de terra direito agrário no Brasil de meados do século XIX, de Márcia Maria Menendes Motta,Niterói: Ed. UFF, 2ª ed., 200821 Em 1919, a Constituição de Weimar proclamava “a propriedade obriga”, apudRosalinda Pereira.

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de propriedade individualista, como demonstra o art. 524, “A Leiassegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seusbens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente ospossua”. O que se observa é a capacidade de reafirmação de práticasconsolidadas, perpetuadas pelo modelo institucional – o que naliteratura é denominado “retroalimentação”.

Da mesma forma, o Código Civil exclui de seu escopo critériosde produtividade e bom uso dos recursos naturais e técnicasprodutivas, o que se demonstra no art. 485 em relação à posse:“Considera-se possuidor todo aquele, que tem de fato o exercício, pleno, ounão, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade.(grifos meus)”. Ou seja, não imbuia a posse de função alguma, querdizer, não exigia daquele que possuísse certa extensão de terra odever de cultivá-la. Um fato curioso e imprescindível para adiscussão que se seguirá é que esse Código Civil só viria a serrevogado em 2002, com a aprovação da Lei nº 10.406. Atente-se aindapara um outro fato, as lides22 rurais são resolvidas tendo-se porbase jurídica o Código Civil.

A DOUTRINA DA FUNÇÃO SOCIAL NO DIREITO BRASILEIRO

A doutrina da função social da propriedade somente aparece nalegislação brasileira com a Carta de 1934, em seu capítulo II, quedispõe sobre os direitos e garantias individuais. O art. 113, nº 17afirma: “É garantido o direito de propriedade, que não poderá serexercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar23

(grifos meus)”. Dessa forma, o direito de propriedade, apesar deainda ser tratado exclusivamente no âmbito dos direitos individuais,aparece com a obrigação de se conformar ao interesse coletivo.Porém, fixado de maneira incipiente na norma escrita, esse germe dafunção social não resultou em medidas efetivas de intervenção naestrutura fundiária, sequer deu origem à legislação complementar quediscorresse sobre os critérios para que o “interesse coletivo” seconfigurasse. A doutrina da função social, ou pelo menos algum deseus correlatos, desaparece da Carta de 1937, ressurgindo naConstituição de 1946 entre os dispositivos da ordem econômica esocial como “bem estar social”, vide art. 147, “O uso da propriedade

22 O termo “lides” refere-se às situações jurídicas de natureza conflituosa em quehá oposição de interesses, no caso em questão seriam aquelas relacionadas aodomínio, posse ou propriedade.23 Continua ... “A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nostermos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente,como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar dapropriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito àindenização ulterior”.

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será condicionado ao bem-estar social24”. Lemos também no art. 141, queintegra as disposições acerca dos direitos e garantias individuais,a desapropriação por interesse social: “§ 16 - É garantido o direitode propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ouutilidade pública, ou por interesse social25 (grifos meus)”.

Foi justamente nas discussões da Constituinte de 1946 que seiniciou o debate institucional em torno da reforma agrária, vistacomo necessária para a transformação da estrutura fundiáriabrasileira, que já naquela época era interpretada como um problemapara o progresso econômico do meio rural, para a distribuição derenda e justiça social devido aos altos índices de concentraçãofundiária. Em seu clássico Coronelismo, enxada e voto ([1948]), VitorNunes Leal já apresenta resultados impressionantes sobre aconcentração de terras no Brasil com base nos dados do censoagrícola de 1940. As “superpropriedades fundiárias”, aquelas com1000 ha ou mais, representavam 1,5% do total das propriedades esomavam 48,3% da área total. Se somarmos os percentuais dessas“superpropriedades fundiárias” com os das “grandes propriedades”(entre 200 e 1000 ha, exclusive), o resultado que obtemos é oseguinte 7,8% das propriedades concentravam 73,1% da área total26.

Luiz Carlos Prestes aponta, em seu discurso para justificar oveto da bancada do Partido Comunista do Brasil (PCB) ao Projeto deConstituição de 1946, alguns limites importantes para a Carta que seconfeccionava no tocante à instituição da doutrina da função social.Frente aos reflexos que deveriam vir a corresponder à reformaagrária, afirmava: “não se diz nada de prático sobre a reformaagrária, sobre a maneira de acabar com os restos feudais naagricultura”27. Este discurso foi proferido em plenário no dia 17 dejunho de 1946, a crítica refere-se ao corpo da norma constitucional,pois, não eram estabelecidos critérios e ditames práticos queapontassem caminhos efetivos para a consolidação da reforma agrária,isto ficaria a cargo de regulamentação complementar a serestabelecida. Tal lei complementar só veio a ser promulgada em 1964,e até então vigoravam os preceitos conservadores expressos no CódigoCivil de 1916. Ou seja, ao passo que se transformava a instituição

24 Continua... “A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16,promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.25 Continua... “mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigoiminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usarda propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia,assegurado o direito a indenização ulterior”.26 Vide tabela no anexo 1.27 Discurso disponível na íntegra em: <http://www.marxists.org/portugues/prestes/1946/06/17-1.htm>. Acesso em 23 de janeiro de 2014.

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propriedade, deixavam-se brechas que permitiam o exercício depráticas reificadas e conflitantes com a mudança que se desejavaimplementar, o que justifica a afirmação “o novo e sempre velhoperfil constitucional da propriedade”28.

Em 1962, foi promulgada a Lei Delegada29 nº 11 que constituía aSuperintendência de Política Agrária (Supra). Essa lei teria comouma de suas finalidades impulsionar a reforma agrária, que naperspectiva do governo continha forte caráter econômico, estandovoltada ao desenvolvimento do mercado e economia internos. Valelembrar que Celso Furtado era o ministro do governo João Goulart etinha liderado o grupo daqueles que estiveram presentes nasdiscussões da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Emseu discurso histórico do dia 13 de março de 1964, o entãopresidente João Goulart anunciou que enviaria ao Congresso uma Leide Reforma Agrária com o objetivo de desapropriar as grandespropriedades mal utilizadas que se localizassem a até 100quilômetros de cada lado das rodovias federais e estabelecendo otamanho máximo de mil hectares para a propriedade rural. Porém, seugoverno foi deposto em 31 de março do mesmo ano pelo golpe queinstaurou a ditadura civil-militar.

Em 30 de novembro de 1964, foi promulgada a Lei nº 4.504, maisconhecida como Estatuto de Terras. Representava o primeiro ornamentolegal que dispunha diretamente sobre a reforma agrária, incorporandoa doutrina da função social e regulamentando critérios para seucumprimento. Alguns pontos devem ser destacados em relação aoEstatuto: (a) previa o cadastro de todas as propriedades rurais dopaís, lembrando que a mesma proposta já aparecera mais de um séculoantes com a Lei de Terras de 1850; (b) propunha uma classificaçãogeral para todas as propriedades baseada em critérios de tamanho,utilização e capacidade de produção, prevendo a desapropriaçãodaquelas que subtilizassem seu potencial produtivo, na esteira doque se entende por doutrina da função social; (c) do que decorriatransformar os minifúndios e os latifúndios em áreas prioritárias de

28 Ayres de Brito, “O novo e sempre velho perfil constitucional da propriedade: ogolpe de mestre da classe hegemônica”, In: Anais da Conferência Nacional da Ordem dosAdvogados do Brasil, p.12, Porto Alegre: OAB, 1988, p. 528-533; apud Rosalinda Pereira(2000). 29 Lei delegada: “Feita pelo presidente da República, que solicita concessãoespecial ao Congresso, ou seja, uma delegação do Legislativo para poder elaborar alei. Não podem ser objetos de lei delegada atos de competência exclusiva doCongresso, da Câmara e do Senado, nem temas relacionados com a organização doJudiciário e do Ministério Público. Outros assuntos que ficam fora da lei delegada:nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos, eleitorais, planosplurianuais e orçamentos”. LEI DELEGADA. In: Glossário Legislativo do SenadoFederal. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/glossario-legislativo/lei-delegada>. Acesso em 23 de janeiro de 2014.

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desapropriação; (d) para fins de reforma agrária; (e) condicionandoo uso da terra ao interesse social, promovendo justa e adequadadistribuição da propriedade e a exploração racional da terra.

Todavia, esse aparato normativo limitou-se ao arcabouço legal,não tendo levado a uma reforma real da estrutura fundiária brasileira.Segundo dados do Censo Agropecuário, a concentração fundiáriapraticamente não se alterou no período que vai de 1975 a 200630,conforme demonstra a tabela abaixo. Se, em 1975, os 50% menoresestabelecimentos31 ocupavam não mais que 2,5% da área total, em 2006,esse número caiu para 2,3%. Da mesma forma, se os 5% maioresocupavam 68,7% da área em 1975, o percentual subiu para 69,3% em2006. Variação de fato pequena, que, se não demonstra significativoaumento na desigualdade do acesso à terra, demonstra a enormecapacidade de retroalimentação do modelo do latifúndio com suaconsequência mais notável: uma enorme desigualdade fundiária.

Tabela 1 – Proporção da área total ocupada pelos 50% menores (50-) e5% maiores (5+) estabelecimentos, conforme condição de produtor

Vale destacar que o Estatuto de Terras de 1964 foi mantidocomo Lei de regulamentação da reforma agrária até 1993, quando épromulgada a Lei Agrária (Lei nº 8.629). A Carta de 1967 (art. 157,inciso III) e a Emenda 01/69 (art. 160, inciso III, e art. 161)também trazem o termo “função social”.

30 HOFFMANN & NEY, Estrutura fundiária e propriedade agrícola no Brasil, grandes regiões e unidades dafederação. Brasília: MDA, 2010. 31 A nomenclatura “estabelecimento” é utilizada pelo Censo Agropecuário realizadopelo IBGE, “estabelecimento é a unidade de produção agrícola, ou seja, uma fazenda,uma média propriedade ou uma exploração agrícola. Esse estabelecimento é gerenciadopor pessoas, uma família, e tem uma unidade territorial. Para cada estabelecimentopode haver um proprietário, ou seja, a família que explora aquela área pode sertambém proprietária ou pode ser apenas posseira – ou seja, ocupá-la, trabalha-lamas sem o título de propriedade –, ou pode ser um estabelecimento em que as pessoasque lá vivam e trabalham não são proprietárias, mas arrendam a terra ou têmparceria com o proprietário dela.” (STÉDILE, 2011: 41) O proprietário pode serainda uma pessoa jurídica. Já o Incra utiliza medida distinta em seus estudos, oimóvel: unidade jurídica sobre a qual há discriminação e existe um documento deposse ou propriedade.

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O período que vai de 1965 a 1985 marca uma ruptura e abre novoscaminhos para o desenvolvimento da agricultura no país. O modeloadotado pelos militares para políticas de desenvolvimentoagropecuário priorizava a modernização tecnológica com liberaçãoespecial de crédito, tornando a agricultura dependente da indústriaprodutora de insumos. Ou seja, os governos militares não realizarama reforma agrária preconizada pelo Estatuto, o que se viu foi ummovimento de “colonização” das terras pouco ocupadas de regiões comoa Amazônia, simbolizado na máxima do General Médici: “uma terra semhomens para homens sem terra!” Considerando o modelo apresentadoacima o que se iniciou foi um movimento de atração de indústriaspara o campo, especialmente de capital internacional.

É preciso ressaltar que por detrás da implantação e debatenormativo acerca da propriedade da terra, existiu grande mobilizaçãoe organização de trabalhadores rurais, camponeses, famílias semterra, clérigos, intelectuais e membros de partidos de esquerda naluta pelo acesso à terra e pela reforma agrária. Desde as últimasdécadas do século XIX, a pressão de setores populares pelademocratização efetiva da estrutura fundiária faz-se presente nocenário político nacional, sem a qual nenhuma das regulamentações edebates tratados acima teriam sido levados à esfera pública. Aimplantação da ditadura significou a perseguição ao PCB e demaismilitantes da esquerda, contudo, as pressões políticas para aabertura do regime e pela promoção da reforma agrária não cessaram.Durante o Estado de exceção forma-se uma das principais organizaçõesda sociedade civil em favor da reforma agrária: o Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

A política econômica adotada pelo regime colocava-se, porconseguinte, em ampla contradição com as forças sociais atuantes nocampo e seu projeto alternativo para a sociedade, levando aintensificação dos conflitos no campo. A Comissão Pastoral da Terra(CPT) cadastrou 715 conflitos por terra em 1979, sendo que 88,1%destes começaram a partir de 197332. Já nos dois primeiros anos dadécada de 1980, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra)registrou 1.363 conflitos por terra33. Ao passo que a censura eausência de liberdade de expressão e debate em torno das questõespúblicas, resultaram na “militarização da questão agrária”, estima-se que durante o regime militar tenham sido assassinados 1.106trabalhadores rurais,34e ainda, que no ano de 1985, fosse assassinado

32 Esse número é apresentado por Bernardo Mançano Fernandes em “O MST no contexto daformação camponesa no Brasil”. In: A questão agrária e a justiça, Juvelino José Strozake (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA., ed. 2000, 2000, p. 32.33 Ibdem, p. 41.34 Ibdem p. 39.

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um trabalhador rural a cada dois dias, quer por “jagunços”, querpela polícia35. Esse número não inclui o assassinato de militantes36

em prol da reforma agrária.

Em 1985, tem-se a abertura e organização de uma novaConstituinte para a elaboração da Carta promulgada em 1988. “Essarealidade carregada de contradições desafia as formas institucionaisno período de abertura política” (FERNANDES, 2000: 38) e ao longo doperíodo democrático. Tratava-se de reconhecer não apenas anecessidade e a urgência de transformação da estrutura fundiária,mas de se construir uma nova concepção de propriedade, impulsionadapelas ocupações de terra realizadas pelos movimentos camponeses. Oque estava (e ainda está) em pauta era instituir uma nova forma dese organizar uso, posse e propriedade. Para os movimentos pró-reforma agrária tratava-se de ir além do modelo ocidental –inclusive daquele que apregoa a doutrina da função social – emdireção à coletivização de um meio de produção indispensável: aterra.

A Constituição de 1988 traz o reconhecimento da doutrina dafunção social da propriedade entre os direitos fundamentais, art.5º, inciso XXIII, o que implicaria na elevação de seu status (i.e.função social) à categoria de fundamento para que se veja protegidoo direito de propriedade. A “função social” aparece ainda entre osprincípios da ordem econômica, art. 170, inciso III, da políticaurbana, art. 182, §2º e da política agrícola e fundiária e dareforma agrária, art. 184. Todavia, vale para a Carta atual aquelesargumentos apresentados por Prestes na Constituinte de 1946: “não sediz nada de prático sobre a reforma agrária”, isto ficaria a cargode regulamentação complementar. A proposta de emenda constitucionalde iniciativa popular para o Capítulo III (Da política agrícola e fundiária eda reforma agrária), contando com mais de 1 milhão e 200 milassinaturas, foi rejeitada. O referido capítulo conta com 8 artigos,a serem regulados pela Lei 8.629 (Lei Agrária/93) e pela LeiComplementar37 nº 76(Lei de Rito Sumário). A Constituição Federal, em35 Ibdem p. 26.36 Com o termo “militante” pretendo diferenciar os apoiadores políticos da reformaagrária que não sejam também trabalhadores rurais; muitos desses trabalhadoresrurais assassinados eram militantes políticos.37 Lei complementar: “Diferem das Leis Ordinárias por exigirem o voto da maioria dosparlamentares que compõe a Câmara dos Deputados e o Senado Federal para seremaprovadas. Devem ser adotadas para regulamentar assuntos específicos, quandoexpressamente determinado na Constituição da República. Importante: Só é precisoelaborar uma Lei Complementar quando a Constituição prevê que esse tipo de lei énecessária para regulamentar uma certa matéria”. LEI COMPLEMENTAR. In: Legislação.Portal do Governo Federal. Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-complementares-1>. Acessoem 23 de janeiro de 2014.

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seu artigo 186, elenca os requisitos da função social dapropriedade:

“A função social é cumprida quando a propriedade ruralatende, simultaneamente, segundo critérios e graus deexigência estabelecidos em lei, aos seguintesrequisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II -utilização adequada dos recursos naturais disponíveis epreservação do meio ambiente; III - observância dasdisposições que regulam as relações de trabalho; IV -exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários edos trabalhadores.”

Esses requisitos já haviam sido previstos no Estatuto deTerras, mas a forma como são retomados no texto constitucional édemasiado vaga, o que torna tais critérios pouquíssimo objetivos,dando margem a diferenças hermenêuticas. Uma das possíveisinterpretações é a apresentada por Rosalinda Pereira (2000), paraquem a expressão “aproveitamento racional e adequado” remeteria àutilização de técnicas modernas que garantissem o satisfatórioaproveitamento do solo sem agredi-lo, o que implica em considerartambém as condições geofísicas da terra. Já o requisito “utilizaçãoadequada dos recursos naturais” – tendo a Constituição Federal umcapítulo (Cap. VI, art. 225) destacado sobre a questão ambiental –ratificaria a necessidade de “preservação do meio ambiente”, querdizer, evitar sua degradação devido à utilização de técnicas quetragam aumento da produtividade sem respeito aos limites do solo edemais componentes. Os outros dois requisitos exigiriam do dono daterra que cumprisse com as obrigações trabalhistas e que apropriedade fosse utilizada de maneira a promover o bem estar dostrabalhadores em geral, ou seja, da coletividade. Logo, trêselementos identificam o cumprimento da função social e precisamestar presentes simultaneamente para que esta se configure: umeconômico, outro social e um ecológico. Portanto, a propriedadetransforma-se ao mesmo tempo em “propriedade direito” e “propriedadeobrigação”, devendo servir à sociedade. A propriedade da terra é uma“propriedade-instituição, uma propriedade de que o própriodesenvolvimento social necessita, que está imersa naresponsabilidade social da comunidade e não pode elidir a sua funçãosocial” (PEREIRA, 2000: 119).

Por conseguinte, tal interpretação da doutrina da função socialexigiria um tratamento de posse e propriedade distinto daqueleaplicado pelo Código Civil de 1916. Com sua noção conservadora eindividualista de propriedade, expressa no art. 524 (“A Lei asseguraao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e dereavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua”), o CC

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de 1916 foi o instrumento jurídico usado para a solução das lidesrurais até 2002, quando se promulga o novo Código (Lei nº 10.406).Algumas considerações a respeito daquele que vigorou por 86 anos sãoválidas. Apresento a seguir parte da conclusão do relatório decomissão parlamentar de inquérito destinada a apurar as origens,causas e consequências da violência no campo brasileiro:

“seria injusto atribuir ao Poder Judiciário toda aresponsabilidade pelas violências no campo. No entanto,parte de seus membros tem contribuído decisivamente com as injustiças,com a intocabilidade da propriedade privada, com a instituição dolatifúndio e legitimando as formas mais absurdas deviolência contra lavradores e apoiadores da reformaagrária. Inúmeros casos que servem como exemplo destaineficácia do Judiciário nos foram relatados: o usoindevido das ações possessórias que se destinam a defesa daposse para a proteção da propriedade (Grifos meus)” (PEREIRA,2000: 121).

Parte da violência no meio rural é atribuída no relatório àsconcessões de liminares38 nas ações possessórias39. Interessa-nos aquia “ação de reintegração de posse”40, que é a movida por quem sofreesbulho (a perda do poder de fato sobre o bem). Essas ações devemseu entendimento basicamente a dois artigos do Código Civil de 1916que se mantiveram no Código Civil de 2002; o art. 485 idêntico aoart. 1.196 (“Considera-se possuidor todo aquele, que tem de fato oexercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, oupropriedade (grifos meus)”) e o art. 499 (“O possuidor tem direito aser mantido na posse, em caso de turbação, e restituído, no deesbulho”) transformado no art. 1.210 (“O possuidor tem direito a sermantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, esegurado de violência iminente, se tiver justo receio de sermolestado”). Note-se que a noção de possuidor expressa dessa formadesconsidera aqueles requisitos elencados pela Constituição comofundamentos para que se mantenha a propriedade: produtividade,respeito às leis trabalhistas e ambientais e observância do bemestar geral. O problema relativo ao esbulho será tratado mais afrente. Logo, ao passo que se dá nova redação ao artigo 524,

38 Concessão de liminar: “Ato de conceder uma ordem judicial que determinaprovidência a ser tomada antes da discussão da causa, para resguardar direitoslegais.” Disponível em: <http://www.fortes.adv.br/pt-br/termo/glossario/37/concessao-de-liminar.aspx> Acessoem 23 de janeiro de 2014.39 Que nesse caso podem ser de dois tipos: “ação de reintegração de posse” e “açãode manutenção de posse”. Disponível em: <http://www.macetesjuridicos.com.br/2009/09/acoes-possessorias.html>. Acesso em 23de janeiro de 2014.40 Ibdem.

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incluindo a obrigatoriedade de atendimento dos critérios relativosao cumprimento da função social entre os direitos do proprietário,com o art. 1.22841, deixam-se brechas que abrem precedentes para adefesa do latifúndio.

Em 1993, conforme havia sido prevista pela Constituição, foipromulgada a Lei nº 8.629, ou Lei Agrária, que dispõe sobre aregulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reformaagrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da ConstituiçãoFederal. Comparada ao Estatuto de Terras, essa lei representa umretrocesso no que diz respeito à efetivação da reforma agrária42.Pois, abandona as designações de minifúndio e latifúndio comocategorias passíveis de desapropriação, passando a empregar ostermos pequena, média e grande propriedades. A desapropriação, porconseguinte, deverá decorrer do não cumprimento dos critérios acimadiscutidos (produtividade, respeito às leis trabalhistas eambientais). A Lei Agrária dirá em relação aos critérios a seremseguidos para avaliação da produtividade apenas que estes devem serafixados pelos órgãos competentes (Incra no nível federal eInstitutos Estaduais de Terra nos estados), tendo-se por base osparâmetros da sub-região em que o imóvel se encontrar. Da mesmaforma, não simplifica o processo de desapropriação, deixando brechasque facilitam a sua contestação e tornam moroso e dispendioso oprocesso desapropriatório. Os projetos de Lei Agrária e de Rito Sumárioforam apresentado pelo deputado Antônio Marangon (PT), de umaaliança do PT com outros partidos de centro-esquerda, decorreu aaprovação em julho de 1992 do projeto Lei Agrária, que aindaprecisava ser sancionado pelo então presidente Itamar Franco. Emfevereiro de 1993, a Coordenação Nacional do MST realizou umaaudiência com o presidente apresentando medidas para a reformaagrária e pedindo o veto de dispositivos que inibiriam suaefetivação. A lei foi sancionada em 25 de fevereiro de 1993 com 10dispositivos vetados.

41 “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e odireito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. §1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais ede modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial,a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimôniohistórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas[...] (Grifosmeus)”.42 Interpretação compartilhada por Bernardo Mançano Fernandes em “O MST no contextoda formação camponesa no Brasil”. In: A questão agrária e a justiça, 2000, Juvelino JoséStrozake (org.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA., ed. 2000, 2000,p.43. E por João Pedro Stédile em “Evolução histórica da questão agrária no Brasil”.In: Questão agrária no Brasil Wanderley Loconte (coord.). São Paulo: Atual, 11ª ed.,2011, p. 34.

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O exame da Lei Agrária merece atenção detida e pormenorizada,objetivo que ultrapassa os limites do presente trabalho. Portanto,recorta-se o seu Art. 2º para uma análise mais detida, com oobjetivo de assinalar as assimetrias reforçadas pelo corpo normativono que tange à atuação de grupos de interesse da sociedade civil quepostulam com as instituições do Estado a reforma agrária,notadamente os movimentos camponeses. O art. 2º que dispõe sobre oscritérios a serem observados para a desapropriação, eraoriginalmente composto por 2 parágrafos:

“§ 1º Compete à União desapropriar por interesse social,para fins de reforma agrária, o imóvel rural que nãoesteja cumprindo sua função social.

§ 2º Para fins deste artigo, fica a União, através doórgão federal competente, autorizada a ingressar noimóvel de propriedade particular, para levantamento dedados e informações, com prévia notificação”.

Expressa dessa forma, a primeira etapa do processodesapropriatório era relativamente simples, a União era autorizada aadentrar imóvel rural para levantamentos de dados a qualquer turno,bastando notificação prévia. Porém, este artigo foi editado em 2001via Medida Provisória (nº 2.183-56) expedida pelo presidente àépoca, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Não tendo ainda sidotransformada em lei, vigora por força do art. 2º da EmendaConstitucional nº 32, de 200143. O art. 2º teve excluído o segundoparágrafo e agregados outros 8 novos parágrafos, que vieram aretardar o processo desapropriatório, criando impecílios e barreiraspara a vistoria e levantamento de dados no imóvel; buscando barrar obenefício daqueles cadastrados para assentamento, caso promovam oato político da ocupação, transportada para o corpo legal comoinvasão; e bloqueando o acesso a benefícios públicos daquelasentidades, organizações, pessoas jurídicas, movimentos ou sociedadesque participem ou incentivem a “invasão” de imóveis alvo de litígio.O § 6º é fundamental para corroborar com o argumento que se pretendedesenvolver. Qual seja:

“§ 6o  O imóvel rural de domínio público ouparticular objeto de esbulho possessório ou invasãomotivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo nãoserá vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anosseguintes à sua desocupação, ou no dobro desseprazo, em caso de reincidência; e deverá ser apuradaa responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com

43 Informação colhida na página eletrônica da Câmara dos Deputados. Disponível em:http://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2001/medidaprovisoria-2183-56-24-agosto-2001-390947-norma-pe.html. Acesso em 23 de janeiro de 2014.

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qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie odescumprimento dessas vedações.

Uma das principais estratégias políticas de luta dos movimentoscamponeses tem sido as ocupações de terra, com vistas a pressionaros governos na efetivação de planos para a reforma agrária. Naausência de políticas públicas efetivas, o que demonstra a análiserecente da estrutura fundiária brasileira, o que se procedeu foi uma“judicialização” da questão. Dados do Censo Agropecuário de 2006mostram um aumento do índice de Gini de 0,857 em 1985, para 0,872 em200644 - o índice de Gini mede o grau de concentração ou dedistribuição das terras do país, variando de 0 a 145. Os problemasdecorrentes de uma estrutura fundiária socialmente injusta foramtratados, inclusive nos anos democráticos, como “caso de polícia”,sendo o Poder Judiciário um ator central para perpetuação de talestrutura. A adoção de uma nova concepção de propriedade por partedo Código Civil apenas recentemente, junto com os reflexosproduzidos pela antiga noção conservadora de posse e sua manutenção,vem a corroborar com o argumento. Além disso, note-se as expressõesdestacadas no § 6º, “esbulho possessório” e “invasão motivada porconflito fundiário”.

Parafraseando análise recente publicada pelo Movimento Popularpor Moradia (MPM)46, o crime de esbulho é patrimonial, aconteceria sea intenção da ocupação fosse a de apropriar-se do terreno com afinalidade de enriquecimento ilícito. A finalidade do crime deesbulho é usurpar a propriedade alheia. Não é esse o caso domovimento político dos sem-terra. Os sem-terra ocupam um imóvel, nogeral latifúndios improdutivos, grandes extensões de terra que nãoutilizam ou subutilizam sua capacidade produtiva real, com afinalidade política de pressionar o poder público para resolver oproblema agrário, destinando o imóvel ocupado ou algum outro paraassentamento de famílias sem-terra, e não necessariamente para osocupantes. A ocupação também é um instrumento de pressão popularante a inércia do poder público em implantar outras políticas quefavoreçam à reforma agrária47. Nas palavras de Bernardo Mançano44 A tabela disponibilizada pelo IBGE com a evolução histórica do índice de Ginipara o Brasil e estados da federação encontra-se no anexo 2.45 “Se num país as terras pertencessem a apenas um proprietário, o índice de Giniseria 1,00. Se, entretanto, o tamanho das terras de cada um correspondesse ao valorresultante da divisão do território disponível pelo número de proprietáriosexistentes, esse índice se aproximaria de 0,00” (STÉDILE, 2011: 39)46 Manifesto publicado no sítio online do MPM em 4 de outubro de 2012. Disponívelem: <http://mpmcuritiba.wordpress.com/2012/10/04/26/>. Acesso em 23 de janeiro de2014. 47 Merece destaque o fato do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao tratar de umcaso que envolvia MST, já ter julgado com esse entendimento. Disse que se omovimento popular visa pressionar o governo para acelerar a implementação de

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Fernandes (2000: 45), “a ocupação é uma ação que inaugura umadimensão do espaço de socialização política: o espaço de luta eresistência. Esse espaço construído pelos trabalhadores é o lugar daexperiência e da formação do Movimento [MST]”. Logo, esta medidaserviu à criminalização de uma estratégia política central para aexistência e organização do Movimento, além de ter contribuído pararetardar projetos de desapropriação e assentamento. Note-se, art. 2ºda Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, diz: “Asmedidas provisórias editadas em data anterior à da publicação destaemenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior asrevogue explicitamente ou até deliberação definitiva do CongressoNacional”. Portanto, os governos posteriores são igualmenteresponsáveis pela sua manutenção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para entender a configuração atual da estrutura fundiáriabrasileira, comecei por reconstruir a história da instituição“propriedade” no Brasil. Tinha como pressupostos que a propriedadeprivada da terra é fonte de poderio econômico e político, sendo queseu estabelecimento cria uma condição de desigualdade e hierarquiana sociedade. Por conseguinte, o Estado (um complexo deinstituições) seria um agente ativo intervindo diretamente naprodução dos resultados, legitimando essa condição de assimetria.Para observar e interpretar como tais relações são transpostas parao plano da vida real, escolhi por proceder à análise de umainstituição, a propriedade da terra, que gera resultados fáticos ediretamente sensíveis na estrutura fundiária. No caso em análise, osnúmeros por eles mesmos já mostram grande força expressiva, o índicede Gini para o Brasil, em 2006, era de 0,872, o que representa altaconcentração de terras, quer dizer: muitos com quase nada e poucoscom quase tudo.

A propriedade ser regulada por leis específicas traz uma novavantagem para o seu estudo: permite procurar nas normas escritascontinuidades e assimetrias. Nesse processo, alguns conceitostrazidos pela literatura institucionalista histórica foram centraispara análise das relações de poder no que tange a propriedade rural.A noção de trajetória (path dependence) conforma a análise desde oestabelecimento do foco do estudo, pois, informa que uma conjuntura

política constante na Constituição, não se está diante de movimento para tomar apropriedade alheia, não havendo se falar, portanto, no crime contra o patrimôniodeste art. 161, §1°, II. (STJ, RT 747/608).

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ou instituição presente é resultante e dependente do desenrolarhistórico de forças sociais, o que justifica a tentativa decompreender o prevalecimento do modelo do latifúndio buscandoencontrar as origens históricas de sua formação.

Note-se que a forma aristocrática de colonização das terrasbrasileira, em conjunto com os incentivos econômicos para extração emonocultura voltados à exportação propiciaram a formação dolatifúndio, as expensas de qualquer finalidade e carátersociológicos que pudesse a propriedade da terra ser imbuída.Contrariando, por conseguinte, a forma germinal de doutrina dafunção social que acompanhava a Lei de Sesmarias ao condicionar apropriedade ao uso.

Ao contextualizar historicamente a formação e o desenvolvimentodos principais marcos normativos da propriedade rural, busqueienfatizar que as preferências daqueles que se beneficiam dasassimetrias estruturais apresentam grande capacidade de afirmação,reiterando práticas sociais consolidadas. Momentos de inflexão,simbolizados, por exemplo, nas constituintes, em que regras sãoestabelecidas ou reestabelecidas, o que se observou foi aratificação do modelo precedente, mecanismo conhecido comoretroalimentação.

No caso brasileiro, ocorre de forma bastante peculiar: a adoçãode uma regra, notadamente da doutrina da função social, que poderialevar ao esgotamento do modelo do latifúndio e redefinição daestrutura fundiária, dá-se de maneira vaga, deixando margem paradiferenças hermenêuticas e abrindo brechas para defesa e perpetuaçãodas grandes propriedades. Terem existido ao longo da históriabrasileira apenas dois códigos civis, instrumento jurídico usado naresolução direta dos conflitos fundiários, demonstra a relativaestabilidade de um corpo normativo frente à Constituição, que aolongo do século XX foi refeita cinco vezes.

O esforço aqui empreendido justifica-se para melhor compreensãoda questão agrária, que, atualmente, tem como elemento central areforma agrária e possui a seguinte configuração: ocupações de terracomo estratégia de luta e pressão camponesa, somadas a umaintensificação da concentração fundiária, sendo a reforma agráriaentendida como uma política pública possível para solucionar o

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problema fundiário. Como política pública (i.e. reforma agrária),envolve instituições do Estado e da sociedade civil, desde asagências e órgãos estatais voltados diretamente ao desenvolvimentoagrário e fomento da reforma agrária, a governos federal e estaduais– via decretos de desapropriação e planos de desenvolvimentoeconômico e social que incluam a realização da reforma agrária –,até aquelas instituições da sociedade civil como o Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra(CPT) e a Confederação Nacional de Agricultura (CNA).

O sistema de governo adotado, ao menos aparentementedemocrático, implica em que diferentes grupos de interesse postulemcom o Estado o controle sobre os recursos e políticas. Quando oinstitucionalismo histórico enfatiza que o Estado é um agente ativo naconfiguração dos resultados, mostra-se atento às diferenças de podersob controle dos grupos. Em trabalhos a serem desenvolvidos,pretendo buscar interpretar como se dão as relações entre asorganizações da sociedade civil e as instituições estatais.

Uma limitação muito séria deste estudo é a análise pouco detidadas regras atuais, todavia, penso que um estudo das normascorrentes, não precedido pela reconstrução crítica da trajetória denormas anteriores, seria demasiado truncado não evidenciando ascontinuidades e problemas persistentes. Um horizonte de estudosfuturos é justamente este estudo pormenorizado das regras atuais,que seja capaz de evidenciar as movimentações e movimentos políticospor detrás delas.

Procurei adentrar na discussão da “judicialização” da questãoagrária, demonstrando como na ausência de uma política públicaefetiva para a reforma agrária, resultou na criminalização deimportante estratégia de luta dos movimentos sociais. A análisepresente limitou-se ao aspecto normativo, seria mais interessantetalvez recuperar a violência com que são tratados os movimentoscamponeses, dimensão que também apresenta forte aspecto temporal.Não nos esqueçamos da luta de Canudos, da Revolução Farroupilha, dasLigas Camponesas e de tantos outros movimentos camponeses de lutapelo acesso à terra que foram violentamente reprimidos pelo aparatode Estado. O que nos leva a outra limitação ainda mais grave destetrabalho, a pouca atenção dedicada à atuação da sociedade civil,tanto de movimentos sociais como o MST, como da CNA. Espero, em

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trabalhos futuros, conseguir incorporar estas dimensões à análise doobjeto deste estudo: a propriedade como instituição e seus marcosregulatórios.

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ANEXO 1

Área% sobre o númerototal

% sobre a áreatotal

“Superpropriedadeslatifundiárias”

(de 1000 ha e mais)1,46 48,31

“Grandes propriedades”(de 200 ha a 1000 ha,

exclusive)6,34 24,79

“Médias propriedades”(de 50 ha a 200 ha,

exclusive)17,21 15,90

“Pequenas propriedades”(de 5 ha a 50 ha,

exclusive)53,07 10,45

“Minifúndios”(de menos de 5 ha) 21,76 0,55

Fonte: Censo Agrícola de 194048

48 Tabela apresentada por Vítor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto: o município e oregime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 7ª ed., 2008, p.50. Tabela sem título no original.

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ANEXO 249

49 IBGE. “Tabela 10 – Evolução do índice de Gini, segundo as unidades da federação”.In: Censo Agropecuário 2006. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/brasil_2006/tab_brasil/tab10.pdf >. Acesso em 23 de janeiro de 2014.

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