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Oct 07, 2015

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  • P A N P T I C A

    Panptica, Vitria, vol. 7, n. 2 (n. 24), 2012

    ISSN 1980-775

    CONSIDERAES SOBRE AS CARACTERSTICAS DA

    COMPETNCIA TRIBUTRIA NO BRASIL

    Maurc io Dalr i Timm do Valle Centro Universitrio Curitiba - UNICURITIBA

    1. INTRODUO

    O sistema tributrio brasileiro eminentemente constitucional. Melhor explicando: o

    constituinte praticamente esgotou as questes referentes tributao, pouco deixando para o

    legislador ordinrio. To vasto foi o tratamento dispensado pelo Legislador Constitucional

    que, GERALDO ATALIBA assim se manifestou:

    O sistema constitucional tributrio brasileiro o mais rgido de quantos se conhece, alm de

    complexo e extenso. Em matria tributria tudo foi feito pelo constituinte, que afeioou

    integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinrio, a quem cabe

    somente obedec-lo, em nada podendo contribuir para plasm-lo.1

    Mas qual seria a razo para tanta preocupao do Legislador Constitucional com o sistema

    tributrio, a ponto de praticamente esgot-lo j na Constituio, em certa medida, tolhendo a

    atuao do legislador ordinrio? A explicao dada por JOS ROBERTO VIERA, quando

    afirma que ... a ao de tr ibutar impl i ca aquela tenso entre a competnc ia do Estado e

    dois dire i tos humanos fundamentais : a l iberdade e a propriedade , constitucionalmente

    amparados, razo pela qual apropriado que a disciplina da tributao seja eminentemente

    constitucional....2

    1 Sistema constitucional tributrio brasileiro. So Paulo: RT, 1968, p. 21. 2 A regra-matriz da incidncia do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juru, 1993, p. 41. Em outra passagem confirma esse posicionamento: Medidas provisrias em matria tributria: as catilinrias brasileiras. Tese (Doutorado) - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. So Paulo, 1999, p. 46.

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    Pois bem. O Legislador Constitucional denominou a Seo II do Captulo I do Ttulo VI da

    Constituio Federal de 1988 como Das limitaes do poder de tributar. Mostra JOS

    ROBERTO VIEIRA que a doutrina estrangeira e a nacional a exemplo de GERALDO

    ATALIBA denominavam a possibilidade de instituir e de exigir tributos como um poder,

    ligado diretamente soberania do Estado. E que, em contraposio a esse entendimento,

    formou-se doutrina que apartava o exame do poder tributrio da ideia de soberania. JOS

    SOUTO MAIOR BORGES, por exemplo, afirma que enfocar o tema da ...tributao sob o

    prisma da soberania [...] introduz nessa matria todas as dificuldades que revestem a elaborao do conceito

    de soberania.3

    Mas mesmo dissociado da ideia de soberania, a noo de poder tributrio continuava imprecisa.

    Algo inaceitvel dentro de um discurso que se pretendia cientfico.4 O professor da UFPR

    alerta para o fato de que a ...heterogeneidade da expresso poder tributrio aponta para a atitude

    cientificamente condenvel pela inexatido manifesta de admitir a convivncia de diferentes funes e

    competncias dentro da mesma categoria conceptual... e, seguindo os passos de RENATO ALESSI,

    GIAN ANTONIO MICHELI e ANTONIO BERLINI, debrua-se sobre o poder tributrio a

    fim de melhor descrever os diversos significados que lhe foram atribudos pela doutrina.5

    Explana, JOS ROBERTO VIEIRA, que RENATO ALESSI separou o poder tributrio em

    potestade tributria primria e em potestade tributria complementar. A primeira referia-se

    ao de editar normas jurdicas com o escopo de estabelecer tributos, enquanto a segunda se

    ligava aplicao da norma que os instituiu, o que demonstrava seu carter administrativo.

    Continua, expondo que coube a GIAN ANTONIO MICHELI desenvolver a distino,

    separando o poder tributrio em Potestade Normativa Tributria que nada mais era do que

    a possibilidade de o Estado legislar, em matria tributria, criando e regulando as prestaes

    com essa ndole de um lado, e em Potestade de Imposio aplicao pelo Estado das

    normas anteriormente criadas, a fim de alcanar a prestao tributria, atividade

    caracteristicamente administrativa de outro. Mencionou, ainda, ANTONIO BERLIRI,

    3 G. ATALIBA, Apontamentos de cincia das finanas, direito financeiro e tributrio. So Paulo: RT, 1969, p. 91, 92, 232-234; J. SOUTO MAIOR BORGES, Teoria geral da iseno tributria. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 29. 4 JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 610-618. 5 JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 615.

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    para quem Potestade tributria referia-se atividade legislativa, e Potestade regulamentar da

    administrao pblica em matria tributria, por sua vez, aludia atividade administrativa; e,

    por fim, trouxe baila o entendimento de ALBERT HENSEL, que se valia da expresso

    Poder tributrio para se referir possibilidade de abstratamente criar o tributo, e de

    Competncia para a atividade administrativa destinada a ver satisfeita a exigncia.

    Inegavelmente, JOS ROBERTO VIEIRA demonstrou o que, em suas prprias palavras,

    chama de ...grande variao terminolgica... que experimenta o tema.6

    Mas existe um Poder tributrio? Como bem defendem ROQUE ANTNIO CARRAZZA e

    JOS ROBERTO VIEIRA equivocada a meno a um poder tributrio cujos titulares

    seriam as pessoas polticas Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios.7 Dotada de poder

    fosse ele de qualquer espcie, inclusive tributrio estava a Assembleia Nacional

    Constituinte, que, por lanar a pedra fundamental do edifcio jurdico brasileiro a

    Constituio Federal de 1988 gozava de ampla liberdade para estabelecer as prescries

    primeiras do ordenamento jurdico, como ensinou o saudoso ALFREDO AUGUSTO

    BECKER.8

    2. COMPETNCIA TRIBUTRIA

    Estudar competncia tributria debruar-se sobre o direito positivo em movimento, sobre

    seus processos de produo e aplicao, aos quais HANS KELSEN chamou de dinmica

    jurdica.9

    6 RENATO ALESSI. La funzione tributaria in generale. In: ALESSI, Renato; STAMMATTI, Gaetano. Istituzione di Diritto Tributario. Turim: UTET, 1965, p. 29; GIAN ANTONIO MICHELI, Curso de derecho tributario. Trad. Julio Banacloche. Madri: EDERSA, 1975, p. 141-142 e 167-168; ANTONIO BERLIRI, Principios de derecho tributario. Trad. Fernando Vicente-Arche Domingo. Madri: Derecho Financiero, 1964, p. 177; ALBERT HENSEL, apud C. M. GIULIANI FONROUGE, Derecho Financiero, v. I, p. 337, Apud JOS ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 616-618. 7 R. A. CARRAZZA. Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p 481-482; e ICMS. 10.ed. rev e ampl. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 27; J. R. VIEIRA, JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 620. 8 Teoria geral do direito tributrio. 4. ed. So Paulo: Noeses, 2007, p. 286. 9 ...podemos distinguir uma teoria esttica e uma teoria dinmica do Direito. A primeira tem por objeto o Direito como um sistema de normas em vigor, o Direito no seu momento esttico; a outra tem por objeto o processo jurdico em que o Direito produzido e aplicado, o Direito no seu movimento. Deve-se, no entanto, observar-se, a propsito, que este mesmo processo , por sua vez, regulado pelo Direito. , com efeito, uma caracterstica muito significativa do Direito o ele regular a sua prpria produo e aplicao. A produo das

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    A competncia tributria usualmente conceituada pela doutrina como a aptido ou

    faculdade para criar abstratamente o tributo; observando-se o procedimento previsto na

    Constituio para tanto.10 Trata-se de norma de estrutura dirigida ao legislador, cujo modal

    dentico o permitido, para que institua, por meio de lei, geralmente ordinria,

    abstratamente, o tributo. Permite-se ao legislador que institua uma obrigao espcie de

    modal dentico.11

    Cabe, aqui, entretanto, lanar um questionamento: a competncia tributria a aptido para

    que o legislador infraconstitucional crie, em abstrato, o tributo, ou apenas institua o tributo,

    completando a sua regra-matriz de incidncia, a partir dos elementos indispensveis j

    presentes no texto Constitucional?

    A esmagadora maioria da doutrina sustenta que a competncia tributria , a exemplo do que

    sustenta ROQUE ANTONIO CARRAZZA, ...lgica e cronologicamente anterior ao nascimento do

    tributo, sendo que ele seria um posterius e aquela um prius; e, ainda, que a Constituio Federal

    no cria tributos, limitando-se a distribuir competncias entre as pessoas polticas para que

    elas o faam.12

    normas jurdicas gerais, isto , o processo legislativo, regulado pela Constituio, e as leis formais ou processuais, por seu turno, tomam sua conta regular a aplicao de leis materiais pelos tribunais e autoridades administrativas. Por isso, os atos de produo e de aplicao (que como veremos, tambm ela prpria produo) do Direito, que representam o processo jurdico, somente interessam ao conhecimento jurdico enquanto formam o contedo das normas jurdicas, enquanto so determinados por normas jurdicas. Desta forma, tambm a teoria dinmica do Direito dirigida a normas jurdicas, a saber, quelas normas que regulam a produo e a aplicao do Direito - Teoria pura do direito. 7. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 79-80. 10 ROQUE ANTNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio, p. 482-485; ICMS. 10.ed. rev e ampl. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 28-29; PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 235; A regra Matriz do ICM, So Paulo, 1981, Tese (Livre Docncia em Direito Tributrio), Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, p. 22; LUCIANO AMARO, Direito tributrio brasileiro. 12.ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 93; EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO, IPI : princpios e estrutura. So Paulo: Dialtica, 2009, p. 18. 11 ROQUE ANTNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 481-483; JOS ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 639. Sobre os modais denticos dedicaremos espao significativo por ocasio do estudo da norma jurdica. 12 Quanto antecedncia lgica da competncia tributria, vide, R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 485-486; e ICMS. 10.ed. rev e ampl. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 29. No mesmo sentido: PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 237 e A regra matriz do ICM. 1981. Tese (Livre Docncia em Direito Tributrio) - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 1981, p. 16; Quanto a no criao do tributo pela Constituio, vide, R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 490; LUCIANO

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    Havia, at h pouco tempo, uma nica voz, forte bem verdade, mas ainda assim nica, que,

    baseada em premissa bem delimitada, sustentava que a Constituio cria, ela mesma, o

    tributo. Seu dono JOS SOUTO MAIOR BORGES, que, enfrentado no um nem dois,

    mas praticamente todos os grandes estudiosos do Direito Tributrio exceo de AIRES

    FERNANDINO BARRETO que posteriormente aderiu s suas lies, defendeu

    corajosamente sua tese, afirmando que a premissa da qual partiam os que advogavam a tese

    de que a Constituio no cria tributos, apenas outorgando competncias para que as

    pessoas polticas o fizessem, ...no passa de mais um dos fundamentos que, de to triviais, dispensam

    o indispensvel, ou seja, o esforo de explicitao; fundamentos bvios dos quais desgraadamente to frtil

    quanto equivocada a doutrina do direito tributrio.13 So essas as palavras de JOS SOUTO

    MAIOR BORGES, em tese apresentada ao II Congresso Interamericano de Direito

    Tributrio:

    [...] no iter jurdico, no processo de estruturao, entre o momento da outorga constitucional da competncia tributria e o da criao do tributo pela lei tributria material da pessoa poltica competente. [...] A viso separatista ente a outorga constitucional de competncia tributria e a criao do tributo em lei ordinria essencialmente uma viso esttica de um fenmeno que somente pode ser adequadamente estudado luz de uma perspectiva dinmica. [...] A Constituio, ao fazer referncia ao nomem juris dos tributos, ao repartir ou partilhar a competncia tributria parcela que esta do poder de tributar , no outorga s entidades competentes um simples rtulo, desprovido de sentido e significao, mero flatus vocis, carecedor de ingredientes substanciais. Se o tivesse feito, no haveria como compatibilizar o critrio tido como apenas nominalisticamente discriminatrio como um dos alicerces ou fundamentos basilares e cardeais do sistema constitucional tributrio, que constitudo pelo princpio da rigidez.14

    AMARO, Direito tributrio brasileiro. 12.ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 99; ANDR DE SOUZA DANTAS ELALI, IPI: aspectos prticos e tericos. Curitiba: Juru, 2006, p. 34. 13 J. S. MAIOR BORGES. Aspectos fundamentais da competncia municipal para instituir o ISS (do Decreto-Lei n. 406/68 LC n. 116/2003). TORRES, Heleno Taveira. ISS na Lei complementar 116/2003 e na Constituio. Barueri: Manole, 2004, p. 5; e ISS e servios de vigilncia prestados por empresa privada. Revista de direito tributrio, v. 2, 1977, p. 64. Em relao ao posicionamento de AIRES FERNANDINO BARRETO, que acompanha o de JOS SOUTO MAIOR BORGES, vide, Base de clculo, alquota e princpios constitucionais. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 1998, p. 33-35. Mas nem sempre foi esse o pensamento de AIRES FERNANDINO BARRETO. Em seu ISS na Constituio e na Lei, AIRES FERNANDINO BARRETO parece filiar-se corrente criticada por JOS SOUTO MAIOR BORGES ISS na Constituio e na Lei. 2.ed. So Paulo: Dialtica, 2005, p. 25-26. A aderncia tese oposta defendida por JOS SOUTO MAIOR BORGES fica ainda mais clara por ocasio da leitura do recente Curso de direito tributrio municipal, de autoria de AIRES FERNANDINO BARRETO Curso de direito tributrio municipal. So Paulo : Saraiva, 2009, p. 10 et seq. 14 A fixao em lei complementar das alquotas mximas do Imposto sobre servios. So Paulo: Resenha Tributria, 1975, p. 4.

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    Posteriormente, baseando-se nas lies de HANS KELSEN, concluiu JOS SOUTO

    MAIOR BORGES que toda norma jurdica , concomitantemente, ato de criao e de

    aplicao (execuo) do direito.15 HANS KELSEN, ao tratar da criao, aplicao e

    observncia do Direito, ensina que a aplicao da norma que estabelece o processo de

    produo de outra norma ocorre quando esta ltima produzida, afirmando ser a distino

    entre os ...atos de criao e ato de aplicao do Direito... um equvoco, a no ser quando

    estivermos diante dos casos-limite ...a pressuposio da norma fundamental e a execuo do ato

    coercitivo... nos quais haver to somente produo do Direito e sua aplicao,

    respectivamente. Em suas palavras: ...todo ato criador de Direito deve ser um ato aplicador de

    Direito.16 Semelhantes so as lies de NORBERTO BOBBIO, para quem Todas as fases de

    um ordenamento so, ao mesmo tempo, executivas e produtivas, exceo da fase de grau mais alto e da fase

    de grau mais baixo.17 O direito positivo, como visto, uma ordem hierarquicamente

    escalonada, em cujo pice se encontra a norma hipottica fundamental, de carter geral. Por

    meio do denominado processo de concreo das normas, as normas de inferior hierarquia aplicam a

    norma que lhe superior, criando outras normas de carter mais especfico. Segundo JOS

    SOUTO MAIOR BORGES, criar o Direito progressivamente estabelecer normas mais

    individualizadas. Esse processo contnuo desenrola-se at o momento em que, a partir da

    aplicao da lei especial, cria-se a norma individual.18 Dessa forma, JOS SOUTO MAIOR

    BORGES sustenta que no tm razo aqueles que, ao atacar a sua tese, argumentam no

    sentido de haver uma distino absoluta entre o momento da atribuio constitucional de

    competncia tributria e a integrao do tributo pela lei ordinria. Por fim, afirma que ...a

    15 ISS e servios de vigilncia prestados por empresa privada. Revista de direito tributrio, v. 2, 1977, p. 65. 16 Teoria pura do direito. 7. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 260-262. HANS KELSEN afirma que ...a norma fundamental determina, de fato, a criao da Constituio, sem que ela prpria seja, ao mesmo tempo, aplicao de uma norma superior. Mas a criao da Constituio realiza-se por aplicao da norma fundamental. Por aplicao da Constituio, opera-se a criao das normas jurdicas gerais atravs da legislao e do costume; e, em aplicao destas normas gerais, realiza-se a criao das normas individuais atravs das decises judiciais e das resolues administrativas. Somente a execuo do ato coercitivo estatudo por estas normas individuais o ltimo ato do processo de produo jurdica se opera em aplicao das normas individuais que a determinam sem que seja, ela prpria, criao de uma norma. A aplicao do Direito , por conseguinte, criao de uma norma inferior com base numa norma superior ou execuo do ato coercitivo estatudo por uma norma [...] E h um ato de positiva criao jurdica que no aplicao de uma norma jurdica positiva: a fixao da primeira Constituio histrica, que se realiza em aplicao da norma fundamental, a qual no posta mas apenas pressuposta - Ibidem, p. 261-262. 17 Teoria geral da iseno tributria. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 51. 18 ISS e servios de vigilncia prestados por empresa privada. Revista de direito tributrio, v. 2, 1977, p. 65; Aspectos fundamentais da competncia municipal para instituir o ISS (do Decreto-Lei n. 406/68 LC n. 116/2003). TORRES, Heleno Taveira. ISS na Lei complementar 116/2003 e na Constituio. Barueri: Manole, 2004, p. 6-7.

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    fixao constitucional, pelo mecanismo da competncia, do mbito material de validade das leis tributrias

    criao do direito e pois criao do tributo (criao de normas tributrias).19

    A tese de JOS SOUTO MAIOR BORGES no passou inclume s observaes de

    PAULO DE BARROS CARVALHO, que, afirmando filiar-se tambm proposta

    kelseniana, procurou demonstrar o suposto equvoco presente no raciocnio do professor da

    UFPE.20 PAULO DE BARROS CARVALHO afirma que indiscutvel, se for seguida a

    proposta filosfica de HANS KELSEN, que as normas inferiores devem buscar seu

    fundamento de validade nas superiores. Entretanto, no lhe parece que ...toda a ordenao

    jurdico-positiva esteja contida no Texto Supremo.... Para tentar demonstrar o suposto desacerto da

    tese, recorre reduo ao absurdo, desenvolvendo o raciocnio de que, partindo-se da premissa

    de que todas as normas individuais recolhem seu fundamento de validade na Constituio

    Federal, as sentenas judiciais como normas individuais que so tambm nela buscam

    seus fundamentos de validade, mas isso no conduziria concluso de que foi o Legislador

    Constitucional que criou a sentena. No entender do professor da USP e da PUC-SP, esse

    raciocnio conduz ao ...absurdo jurdico.... Finalmente, fecha sua argumentao, defendendo

    que em todos os patamares do direito positivo h a criao de por ele denominadas

    ...entidades de direito positivo..., algumas no plano constitucional, outras pelas leis

    complementares, outras ainda pelas leis ordinrias etc.21

    A argumentao desenvolvida por PAULO DE BARROS CARVALHO convenceu, por

    longos anos, a totalidade da doutrina e, ainda hoje, adotada pela maioria dos estudiosos do

    Direito Tributrio.22

    Anos mais tarde, entretanto, um daqueles que, anteriormente, estava convencido pela

    argumentao lgica de PAULO DE BARROS CARVALHO, juntou-se a AIRES

    FERNANDINO BARRETO e passou a fazer companhia voz de JOS SOUTO MAIOR

    BORGES. Trata-se da voz confivel de JOS ROBERTO VIEIRA, que, aps alertar que a

    afirmao a Constituio no cria tributos, apenas distribui competncias, de to repetida, passa a

    19 ISS e servios de vigilncia prestados por empresa privada. Revista de direito tributrio, v. 2, 1977, p. 65. 20 A regra matriz do ICM. 1981. Tese (Livre Docncia em Direito Tributrio) - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 1981, p. 19 e ss. 21 Ibidem, p. 19-22. 22 Ver, por todos, ROQUE ANTNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 490-493.

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    ser vista como se verdadeira fosse, independentemente de seu contedo refletir ou no o

    adjetivo que a linguagem descritiva dos cientistas do Direito lhe confere, em atitude

    encontrada em grandes cientistas, afirma ser, atualmente, outro o seu pensar, apesar de,

    anteriormente, filiar-se corrente majoritria.23

    JOS ROBERTO VIEIRA, convencido pela lgica dedutiva de PAULO DE BARROS

    CARVALHO, cujos argumentos foram anteriormente citados, defendia, em sua obra A regra

    matriz de incidncia do IPI: texto e contexto, que, apesar de toda regra jurdica encontrar seu

    fundamento de validade na Constituio Federal, o fato de buscar a lei ordinria instituidora

    do tributo seu fundamento de validade na Constituio Federal no autorizava a afirmao

    de que a criao do tributo teve incio j no texto constitucional.24 Posteriormente, em doze

    pginas, JOS ROBERTO VIEIRA demonstra os motivos que o levaram a reformular seu

    entendimento, conferindo razo a JOS SOUTO MAIOR BORGES.25 Principia, o

    professor da UFPR, realizando a anlise etimolgica do verbo criar e do substantivo criao,

    informando-nos que os lxicos apontam como paralelos ...gerar, formar, produzir, inventar,

    instituir, [...] dar existncia a e tirar do nada. Em seguida, caminha pelas sendas dos

    dicionrios de filosofia e percebe que eles confirmam as acepes de criar e criao dos

    lxicos. Conclui, entretanto, que, ao Direito por ser objeto cultural, fruto da construo

    humana aplica-se somente a primeira acepo dar existncia a na medida em que a

    segunda tirar do nada, ou ainda, creatio ex nihilo refere-se atividade divina, prpria da

    cultura hebraico-crist. Diante disso, vale a pena transcrever uma das concluses a que

    chegou JOS ROBERTO VIEIRA:

    E muito embora se fale em algo que nunca teria existido antes, marcado pela originalidade, frise-se que o grau de novidade ser sempre relativo, seja em virtude do fato de que uma instituio jurdica nova se caracteriza como tal somente no recinto bem delimitado de um certo ordenamento, cujo mbito de validade se encerra em fronteiras precisas, tanto espaciais quanto temporais, seja em funo dos prprios limites inerentes condio humana. Nesse sentido, encontramos criao do Direito em todos os nveis da hierarquia das leis, desde a constituio at os atos administrativos ou judiciais. No

    23 JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 629 e 631. 24 A regra-matriz da incidncia do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juru, 1993, p. 44; E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 631. 25 JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 630-641.

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    obstante prefiram os juristas sempre falar, aqui, de aplicao do Direito, inegavelmente concomitante a idia de sua produo.26

    Lembremo-nos que o referencial terico do qual parte JOS ROBERTO VIEIRA

    exatamente o mesmo do qual partiram JOS SOUTO MAIOR BORGES e PAULO DE

    BARROS CARVALHO: os ensinamentos de HANS KELSEN. Com base nos

    ensinamentos do professor de Viena, relembra, JOS ROBERTO VIEIRA, que, voltando-

    se os olhos para qualquer ponto do ordenamento jurdicos, encontramos tanto atos de

    aplicao do Direito (execuo) como tambm atos de criao (produo normativa),

    aparecendo um ou outro, a depender do ponto a partir do qual se mire. Ao se olhar o

    ordenamento a partir de seu ponto mais elevado, v-se uma srie de processos de produo

    (criao) do Direito. Se, ao contrrio, olharmos a partir da base, deparar-nos-emos com uma

    srie de processos de execuo jurdica.27 Isso s no acontece quando direcionarmos o foco

    da viso aos pontos limites do ordenamento. Ao contemplarmos a norma fundamental,

    encontraremos somente ato de produo do Direito. Do contrrio, se focalizarmos um ato

    final de execuo, nele no encontraremos qualquer pretenso de criao ou produo

    jurdica.28

    Forte nessas premissas, JOS ROBERTO VIEIRA analisa os dois argumento manejados

    por PAULO DE BARROS CARVALHO, ao pretender demonstrar o suposto equvoco da

    tese de JOS SOUTO MAIOR BORGES. Ao primeiro dos argumentos do professor da

    USP e da PUC-SP de que no lhe parecia correto afirmar que o direito positivo estivesse

    por completo contido no corpo da Constituio responde, o professor da UFPR, que

    JOS SOUTO MAIOR BORGES segue risca os ensinamentos de HANS KELSEN, na

    medida em que entende ser previsto pela Constituio, at certa medida no de forma

    exaustiva , os rgos responsveis pela criao do Direito e seu processo. At mesmo

    porque a Constituio, como lei suprema de determinado ordenamento jurdico, possui um

    grau de abstrao muito maior do que as leis que a venham a aplicar.29

    26 Ibidem, p. 633. 27 Ibidem, p. 634. Norberto Bobbio, Teoria do ordenamento jurdico. 10. ed. Braslia: UnB, 1999, p. 51. 28 JOS ROBERTO VIEIRA, JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 635. 29 PAULO DE BARROS CARVALHO, A regra matriz do ICM. 1981. Tese (Livre Docncia em Direito Tributrio) - Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 1981, p. 20; JOS ROBERTO VIEIRA, JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 635-636.

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    Contra o segundo argumento de PAULO DE BARROS CARVALHO de que a sentena

    judicial, apesar de buscar seu fundamento de validade na Constituio, no criada pelo

    Legislador Constitucional pondera JOS ROBERTO VIEIRA que, embrionariamente, as

    sentenas e atos judiciais encontram espao na Constituio, concluindo que ...como entidades

    jurdicas acabadas, sentena e ato no foram criados na constituio; como mnimo essencial daquelas

    entidades jurdicas, sentena e ato comearam a ser criados na constituio sim.30

    Conclui o professor da UFPR que a Constituio cria o ...tributo mnimo..., ressaltando que

    JOS SOUTO MAIOR BORGES, como de costume, foi cientificamente preciso, ao dizer

    que o processo de criao do tributo iniciado com a outorga de competncias, e que, mesmo

    sendo os dispositivos constitucionais insuficientes para o desenho completo do tributo, no

    quer isso dizer que sejam, tais dispositivos constitucionais, inexistentes.31

    Feitas as explanaes, esclarecemos que nos filiamos corrente encabeada por JOS

    SOUTO MAIOR BORGES e seguida por JOS ROBERTO VIEIRA.32

    Retornemos aos trilhos. A exigncia da edio de lei em sentido formal decorre da expressa

    dico dos artigos 5, II e 150, I, da Constituio Federal de 1988, os quais prescrevem ser

    vedado s pessoas polticas instituir ou aumentar tributo que no seja por meio de lei.33

    Exige-se lei geralmente ordinria porque a Constituio Federal de 1988 estabeleceu casos

    especficos de tributos que clamam por lei complementar, a exemplo do que ocorre com a

    competncia residual da Unio, prevista no artigo 154, I; com aquela relativa ao Imposto

    sobre Grandes Fortunas, previsto no artigo 153, VII; e com a instituio de emprstimos

    compulsrios, previstos no artigo 148, I e II, todos da Constituio Federal de 1988.34

    30 Respectivamente: Ibidem, p. 20-21; Ibidem, p. 637. 31 Ibidem, p. 639-640. 32 Lembremo-nos que AIRES FERNANDINO BARRETO no mais acompanha a posio de JOS SOUTO MAIOR BORGES. 33 A prescrio do artigo 150, I, da Constituio Federal, a seguinte: Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: I exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabelea. Esse artigo, em conjunto com o artigo 5, II, da Constituio Federal ...ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei , estabelecem o Princpio da Legalidade Tributria, a ser adiante estudado. 34 A diferena entre Lei Ordinria e Lei Complementar ser, ainda, objeto de anlise. A competncia residual da Unio est prevista no artigo 154, I, da Constituio Federal de 1988, o qual prescreve que A Unio poder

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    Os dados essenciais da norma jurdica de incidncia dos tributos so apresentados j na

    Constituio. ROQUE ANTNIO CARRAZZA afirma que o legislador constitucional

    prescreveu a norma-padro de incidncia, o mnimo necessrio, o tomo de cada tributo, na

    qual consta ...a hiptese de incidncia possvel, o sujeito ativo possvel, o sujeito passivo possvel, a base de

    clculo possvel e a alquota possvel.35

    Sobre esse posicionamento, adverte JOS ROBERTO VIEIRA que ele no deve ser

    apreendido literalmente, na medida em que a Constituio Federal no concebe o tributo em

    sua totalidade, apto a, desde logo, incidir, caso ocorra o fato hipoteticamente descrito na

    hiptese de incidncia da norma tributria e, com isso, desencadear a relao jurdica

    tributria correspondente.36 lei ordinria que institui o tributo cabe, alm dos elementos

    essenciais dispostos pela Constituio Federal hiptese de incidncia, sujeitos da relao

    jurdica (ativo e passivo) e base de clculo detalh-los e prescrever quais sero as alquotas

    aplicveis. Entretanto, o termo competncia plurissignificativo ou, ainda, nas palavras de

    PAULO DE BARROS CARVALHO, polissmico.37 No somente o Poder Legislativo est

    revestido de competncia tributria, como tambm o esto os integrantes dos Poderes

    Executivo e Judicirio e, at mesmo o particular, quando atua no sentido de produzir a

    norma individual e concreta.38

    instituir: I mediante lei complementar, impostos no previstos no artigo anterior, desde que sejam no cumulativos e no tenham fato gerador ou base de clculo prprios dos discriminados nesta Constituio. O artigo anterior, ao qual faz meno o inciso I do artigo 154, o que arrola os impostos que podero ser institudos pela Unio. O artigo 148, I e II, da Constituio Federal, que trata dos emprstimos compulsrios, por sua vez, est assim redigido: A Unio, mediante lei complementar, poder instituir emprstimos compulsrios: I para atender a despesas extraordinrias, decorrentes de calamidade pblica, de guerra externa ou sua iminncia; II no caso de investimento pblico de carter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b. O dispositivo constitucional citado pelo inciso II do artigo 148 o que enuncia o Princpio da Anterioridade Genrica, objeto de estudo em pginas posteriores. 35 JOS ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 620 e 639-640; R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 494-496; e ICMS. 10.ed. rev e ampl. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 30-32. 36 JOS ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 621. 37 PAULO DE BARROS CARVALHO, A Regra Matriz do ICM, p. 24. 38 PAULO DE BARROS CARVALHO afirma que o Presidente da Repblica, quando baixa decreto sobre imposto de Renda; o Ministro, ao editar instruo normativa; o magistrado, ao julgar causas produzindo normas individuais e concretas; o funcionrio da Administrao Pblica, que realiza o lanamento tributrio ou que participa do julgamento de eventual impugnao administrativa; e, at mesmo o contribuinte, quando pe em marcha o procedimento produtivo da norma individual e concreta, a exemplo do que ocorre com tributos

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    A competncia tributria da qual aqui tratamos, como exaustivamente demonstrado, a

    legislativa, ou seja, aquela exercida pelo Poder Legislativo. Parece correto afirmar, portanto,

    que somente as pessoas polticas a detm, na medida em que so dotadas de Poder

    Legislativo que, por meio do produto de sua atividade a Lei , podem instituir tributos. A

    competncia encontra limitaes materiais estabelecidas pela prpria Constituio Federal.

    So elas fixadas por numerosos princpios constitucionais, tais como o da Legalidade, da

    Igualdade, da Capacidade Contributiva, da Irretroatividade, da Anterioridade, da Proteo ao

    Mnimo Vital, do No-Confisco etc.39 Frise-se, ainda, que a competncia tributria no se

    confunde com as atividades administrativas que tm por escopo arrecadar o tributo

    anteriormente institudo e devido pelo sujeito passivo, quando da ocorrncia concreta do

    fato abstratamente descrito na hiptese de incidncia da norma tributria. Ou melhor, no se

    confunde com a capacidade tributria ativa, entendida como a possibilidade ostentada por

    determinado sujeito de direito de figurar como sujeito ativo da relao jurdica tributria; ou,

    vista, ainda, como desempenho da tarefa administrativa que nasce aps o exerccio, e

    consequente desaparecimento, da competncia tributria.40

    Esgotado o exerccio do mencionado poder, o que restou foram suas parcelas. s parcelas

    desse poder tributrio, distribuda entre as pessoas polticas, d-se o nome de competncia

    tributria.41

    3. CARACTERSTICAS DA COMPETNCIA TRIBUTRIA

    como IPI, ICMS e ISS, esto todos eles investidos de competncia tributria - Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 236. 39 ROQUE ANTNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 488. 40 Sobre a capacidade tributria ativa como possibilidade de figurar como sujeito ativo de relao jurdica tributria, vide JOS ROBERTO VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 622; PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 237; A regra-matriz do ICM, p. 22; GERALDO ATALIBA, Hiptese de incidncia tributria. 6.ed. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 83; E, capacidade tributria ativa como desempenho de tarefa administrativa, vide ROQUE ANTNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 487; e GERALDO ATALIBA. Apontamentos de cincia das finanas, direito financeiro e tributrio. So Paulo: RT, 1969, p. 111. 41 ALFREDO AUGUSTO BECKER, Teoria geral do direito tributrio. 4. ed. So Paulo: Noeses, 2007, p. 286-287 e 290; JOS SOUTO MAIOR BORGES, Teoria geral da iseno tributria. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 30; PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 236;.

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    A doutrina costuma atribuir competncia tributria seis caractersticas: i) indelegabilidade;

    ii) irrenunciabilidade; iii) incaducabilidade; iv) inalterabilidade; v) privatividade; e vi)

    facultatividade.42 O acatamento, pela doutrina, dessa ou daquela caracterstica, longe est de

    ser pacfico, conforme demonstraremos.

    A indelegabilidade a impossibilidade de a pessoa poltica que recebeu da Constituio Federal

    competncia para instituir determinado tributo transferi-la para outra pessoa poltica, seja a

    que ttulo for. Reconhecem-na como caracterstica da competncia tributria GERALDO

    ATALIBA, JOS ARTUR LIMA GONALVES, CRISTIANO CARVALHO, TCIO

    LACERDA GAMA e ROQUE ANTNIO CARRAZZA. Este ltimo sustenta que a

    outorga de competncia tributria realizada pela Constituio visa promoo de um

    interesse pblico. Caso fosse permitida a transmisso da competncia tributria, a

    Constituio passaria de rgida a flexvel.43

    Por fim, apoiando-se em CELSO ANTNIO BANDEIRA DE MELLO, lembra ROQUE

    ANTNIO CARRAZZA que as competncias outorgadas pela Constituio no so bens

    disponveis, no podendo seu titular delas livremente dispor, afirmando que a pessoa poltica

    ...no senhora do poder tributrio (que um dos atributos da soberania), mas titular da competncia

    tributria....44

    Tambm o fazem PAULO DE BARROS CARVALHO para quem a sua indelegabilidade

    pertence ao rol das diretrizes implcitas, sendo decorrncia do postulado genrico do artigo 2

    da Constituio Federal e, ainda, conseqncia direta da rigidez constitucional e JOS

    ROBERTO VIEIRA que acompanha o raciocnio do professor da USP e da PUC-SP em

    sua integralidade.45

    42 ROQUE ANTNIO CARRAZZA. Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 497-658. 43 G. ATALIBA, Apontamentos de cincia das finanas, direito financeiro e tributrio. So Paulo: RT, 1969, p. 233; J. A. L. GONALVES, Isonomia na norma tributria. So Paulo: Malheiros,1993, p. 24; C. CARVALHO, Sistema, competncia e princpios. Curso de especializao em direito tributrio: estudos analticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 866; T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 270;e R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 632-641. 44 Ibidem, p. 641. 45 P. B. CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 237 e 240; J. R. VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 622.

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    Para JOS EDUARDO SOARES DE MELO, sequer por emenda constitucional poderiam

    ser as competncias tributrias transferidas de um ente para outro, pois isso categoricamente

    vedado pelo inciso I do 4 do artigo 60 da Constituio Federal de 1988.46

    TCIO LACERDA GAMA sustenta que a competncia tributria legislativa pode ser

    percebida em duas dimenses. A primeira delas, referente vedao de delegao de qualquer

    faixa de competncia entre as pessoas polticas, ainda, que por meio de lei. A segunda,

    relativa impossibilidade de, por meio de ato normativo, delegar-se a competncia legislativa

    para o Poder Executivo.47

    essa espcie de delegao que chama a ateno de CRISTIANE MENDONA, ao

    apontar que a competncia tributria somente poder ser caracterizada como indelegvel se

    for empreendida anlise pelo prisma da delegao interpessoal ou exgena, de uma pessoa

    poltica para outra. Em sentido diametralmente oposto aos demais autores, CRISTIANE

    MENDONA adjetiva a competncia tributria de delegvel. seu entendimento que a

    Constituio Federal, ...em seu art. 68, permite a delegao da competncia legislativo-tributria do

    rgo legislativo para o rgo executivo de uma mesma pessoa poltica, ou seja, a delegao

    intrapessoal ou endgena.48

    Convm lembrarmos que a indelegabilidade caracterstica da competncia tributria, no se

    aplicando capacidade tributria ativa, essa sim, transfervel. Apesar de no ser essa a funo

    do legislador, o tom didtico que encerra, nesse assunto, o artigo 7 e seu 3, da Lei n.

    5.172, 25 de outubro de 1966, o Cdigo Tributrio Nacional, autoriza a sua transcrio:49

    [...] a competncia tributria indelegvel, salvo atribuio das funes de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, servios, atos ou decises administrativas em matria tributria, conferida por uma pessoa de direito pblico a outra, nos termos do 3 do art. 18 da Constituio. 3. No constitui delegao de competncia o

    46 A importao no direito tributrio: impostos, taxas, contribuies. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 15. 47 T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 270. 48 CRISTIANE MENDONA, Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 289-291. 49 Sobre a possibilidade de delegao da capacidade tributria ativa, ver por todos, GERALDO ATALIBA. Apontamentos de cincia das finanas, direito financeiro e tributrio. So Paulo: RT, 1969, p. 234.

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    cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da funo de arrecadar tributos.50

    Em relao irrenunciabilidade, PAULO DE BARROS CARVALHO examina-a em conjunto

    com a indelegabilidade, afirmando ser ela caracterstica decorrente da rigidez constitucional.

    Para ele, perderia todo o sentido o labor do legislador constituinte, ao discriminar

    pormenorizadamente as competncias tributrias, se as pessoas polticas, ao seu bel prazer,

    pudessem deleg-las ou delas abdicar em definitivo; ou pudessem, nas palavras de

    GERALDO ATALIBA, dela dispor.51

    A renncia, entendida como a unilateral abdicao da competncia tributria outorgada pela

    Constituio, realizada pela pessoa poltica, na viso de ROQUE ANTNIO CARRAZZA,

    juridicamente ineficaz.52 TCIO LACERDA GAMA enftico ao afirmar que "Renunciar

    competncia forma por meio da qual se modifica a competncia" e, em "No sendo possvel sua

    modificao, no ser igualmente possvel a sua renncia".53 JOS ROBERTO VIEIRA, sutilmente,

    afirma ser a irrenunciabilidade a ...impossibilidade de abdicao em carter definitivo da

    competncia tributria, com o que concorda TCIO LACERDA GAMA.54

    Como examinaremos adiante, a competncia tributria tambm facultativa. Numa leitura

    apressada, poderamos pensar que essas caractersticas se contrapem. Entretanto, o no

    exerccio da competncia tributria em razo de sua facultatividade pode ser entendido como

    uma renncia provisria da competncia tributria. Logo, podemos entender que a

    50 O mencionado artigo 18, 3, diz respeito ao texto da Constituio de 1946, que prescrevia: art. 18. Cada Estado se reger pela Constituio e pelas leis que adotar, observados os princpios estabelecidos nesta Constituio. 3. Mediante acordo com a Unio, os Estados podero encarregar funcionrios federais da execuo de lei e servios estaduais ou de atos e decises das suas autoridades; e, reciprocamente, a Unio poder, em matria da sua competncia, cometer a funcionrios estaduais encargos anlogos, provendo s necessrias despesas. 51 P. B. CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 240; G. ATALIBA, Apontamentos de cincia das finanas, direito financeiro e tributrio. So Paulo: RT, 1969, p. 233. 52 Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p 648. 53 T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 274. 54 JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 622; Eis as palavras de TCIO LACERDA GAMA "...no se confundem a renncia e o no exerccio da competncia tributria. Uma coisa , por deciso prpria, alterar os termos da competncia, abrindo mo da faculdade de, posteriormente, editar normas. Outra, bem distinta, , simplesmente, exercer o direito de no exercitar tal competncia, no criando norma" - T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 275.

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    competncia tributria provisoriamente renuncivel entendida essa renncia como

    caracterstica decorrente de sua facultatividade mas, definitivamente, irrenuncivel.55

    Outra caracterstica decorre do fato de que o no exerccio da competncia tributria, por

    longo perodo de tempo, no a extingue. O decurso do tempo no circunstncia que

    impea a pessoa poltica titular da competncia tributria de exercit-la. Logo, a competncia

    tributria incaducvel. A caracterstica da incaducabilidade tem a ver diretamente com o fato

    de a Constituio ser um diploma elaborado com pretenso de permanncia, ...para durar no

    tempo, nas palavras de PAULO DE BARROS CARVALHO.56 Demais disso, ROQUE

    ANTNIO CARRAZZA afirma que o Poder Legislativo no pode ser impedido de legislar

    pelo simples fato de ter deixado de faz-lo durante certo lapso temporal; e isso, por duas

    razes: i) a Constituio quando atribuiu ao Poder Legislativo a faculdade de legislar no

    estabeleceu um prazo limite para que o fizesse, sob pena de sua extino; e ii) legislar

    pressupe inovar, nos limites impostos pela Constituio, a ordem jurdica. A lei tem por

    escopo regular situaes que foram ou no disciplinadas por leis anteriores. Quando a lei

    disciplina matrias que ainda no o foram, vale-se da competncia constitucional que lhe

    havia sido outorgada, mas que at aquele momento no havia sido exercida. Alm disso, caso

    a competncia legislativa decasse, includa a a tributria, em alguns anos perderia o Poder

    Legislativo sua razo de existir, na medida em que teria esvaziada sua funo.57

    O fato de haver tributos com prazos de vigncia fixos, com data constitucionalmente fixada

    para se extinguirem a exemplo do IPMF e da CPMF , no retira da competncia tributria

    a caracterstica da incaducabilidade. De acordo com os ensinamentos de JOS ROBERTO

    VIEIRA, esses so tributos adicionados competncia tributria de um dos entes da

    federao. A competncia estabelecida originariamente pela Constituio incaducvel. Se

    55 No mesmo sentido: CRISTIANE MENDONA, Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 291-292 e CRISTIANO CARVALHO, Sistema, competncia e princpios. Curso de especializao em direito tributrio: estudos analticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 866. 56 P. B. CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 240. JOS ARTUR LIMA GONALVES tambm atribui essa caracterstica competncia, apesar de falar em imprescritibilidade - Isonomia na norma tributria. So Paulo: Malheiros,1993, p. 25. 57 Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 642-644.

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    assim no o fosse, a autonomia da Unio, dos Estados ou dos Municpios restaria

    prejudicada, e, em consequncia disso, tambm o Princpio Federativo clusula ptrea

    integrante do rol do 4 do artigo 60, da Constituio Federal de 1988 , como tambm

    ferido seria o Princpio da Autonomia Municipal, cuja mcula autoriza at mesmo a

    interveno federal nos estados que o descumpram, conforme prescreve o artigo 34, VII,

    c, da Constituio Federal de 1988.58

    Diverge, nesse ponto, ROQUE ANTNIO CARRAZZA, para quem, a competncia

    atribuda Unio pelas Emendas Constitucionais n. 3, de 17 de maro de 1993 e 12, de 15 de

    agosto de 1996 para a instituio do Imposto sobre Movimentao ou Transmisso de

    Valores e de Crditos e Direitos de Natureza Financeira (IPMF) e da Contribuio

    Provisria sobre Movimentao ou Transmisso de Valores e de Crdito e Direitos de

    Natureza Financeira (CPMF), respectivamente seria uma exceo regra geral. Exceo

    essa que conduz CRISTIANE MENDONA, apoiada na anlise das mesmas Emendas

    Constitucionais, a afirmar que ...a incaducabilidade no pode ser tratada como qualidade da

    competncia legislativo tributria em geral.59 TCIO LACERDA GAMA realiza argumentao

    que parece conduzir mesma concluso de ROQUE ANTNIO CARRAZZA, ao afirmar

    que em determinados casos - como o da CPMF - a competncia deve ser exercida dentro de

    certo lapso temporal, sob pena de no mais poder ser exercida. Esse caso - da CPMF - em

    seu entender seria paradigmtico, que "...afasta a possibilidade de ser mantido o atributo da

    incaducabilidade para as competncias legislativas".60 Por fim, ROQUE ANTNIO CARRAZZA

    lana mo de argumento que, por mais simples que parea, merece meno. Segundo seu

    entender, o Poder Constituinte originrio outorgou as faixas de competncia tributria s

    diversas pessoas polticas. Sua extino, portanto, somente poderia decorrer de ato de

    vontade de quem as concedeu, ou seja, o Poder Constituinte originrio ou derivado.61

    Entendemos, aqui, caber, um pequeno parntese. Embora seja comum nos depararmos com

    58 JOS ROBERTO VIEIRA. E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 623. 59 R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 644-645; C. MENDONA, Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 284-285. 60 T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 271. 61 Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 644.

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    a expresso Poder constituinte derivado, parece-nos que melhor aquela utilizada por MICHEL

    TEMER. Preferimos, ento, competncia reformadora em lugar de Poder Constituinte derivado.62

    A inalterabilidade, como parece bvio, caracterstica que demonstra que a competncia

    tributria no pode ser alterada. Mas ser mesmo caso de obviedade ou, como afirma

    TCIO LACERDA GAMA, "...atributo [...] sobre o qual no existem dvidas"?63

    Ao examin-la, JOS ROBERTO VIEIRA ressalta sua relatividade, tomando-se em conta o

    ponto de vista, ou como prefere TCIO LACERDA GAMA, a perspectiva, do qual partamos.

    Se for o da pessoa poltica destinatria da competncia tributria, ser a competncia

    tributria inaltervel. Entretanto, se analisada a partir da possibilidade de reforma

    constitucional atravs de emenda, ser altervel.64 PAULO DE BARROS CARVALHO no

    teve a mesma tolerncia do professor da UFPR, na medida em que afasta a inalterabilidade

    como uma das caractersticas da competncia tributria, lanando mo do argumento de que

    a competncia reformadora poder, desejando, realizar alteraes no quadro discriminativo

    das competncias tributrias; no que foi seguido por CRISTIANE MENDONA.65

    Devemos, entretanto, observar o alerta que fazem ROQUE ANTNIO CARRAZZA,

    CRISTIANE MENDONA, e, de forma sucinta, CRISTIANO CARVALHO, no tocante

    62 Ao tratar do tema, assim escreve MICHEL TEMER: Examinemos, agora, o poder constituinte derivado. Em primeiro lugar, verifiquemos aquele que se destina reforma do texto constitucional. Este denominado poder reformador. Diferentemente do originrio, que poder de fato, o poder de reforma constitucional jurdico. De fato, o constituinte originrio, ao criar sua obra, fixa a possibilidade de sua reforma. As constituies se pretendem eternas, mas no imodificveis. Da a competncia atribuda a um dos rgos do poder para a modificao constitucional, com vistas a adaptar preceitos da ordem jurdica a novas realidades fticas. Pode-se at questionar sobre a adequada rotulao: se poder constituinte ou competncia reformadora. certo que, por fora da reforma, criam-se normas constitucionais. J agora, entretanto, a produo dessa normatividade no emanao direta da soberania popular, mas indireta, como tambm ocorre no caso da formulao da normatividade secundria (leis, decretos, sentenas judiciais). No caso da edio de lei, por exemplo, tambm h derivao indireta da soberania popular. Nem por isso se aludir a um Poder Constituinte Originrio. Parece-nos mais conveniente reservar a expresso Poder Constituinte para o caso de emanao normativa direta da soberania popular. O mais fixao de competncias: a reformadora (capaz de modificar a Constituio); a ordinria (capaz de editar normatividade infraconstitucional). apropriado, assim, denominar a possibilidade de modificao parcial da Constituio como competncia reformadora Elementos de direito constitucional. 18. ed., rev. e atual. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 34-35. 63 T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 272. 64 J. R. VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 623. No mesmo sentido de que as pessoas polticas no podem alterar as faculdades tributrias (competncias tributrias) que lhes atribuiu a Constituio Federal: ROQUE ANTNIO CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 486 e CRISTIANO CARVALHO, Sistema, competncia e princpios. Curso de especializao em direito tributrio: estudos analticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 866; T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 273. 65 P. B. CARVALHO, Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 241; C. MENDONA, Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 286.

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    ao fato de que eventual reforma constitucional com pretenso de alterar a distribuio

    constitucional de competncias tributrias deve respeitar as prescries do artigo 60, 4, da

    Constituio Federal.66

    Alm dos argumentos acima dispostos, CRISTIANE MENDONA recorre a outro, para

    confirmar a no caracterizao da competncia tributria com o rtulo da inalterabilidade. A

    professora da UFES afirma que tanto as Constituies dos Estados quanto as Leis Orgnicas

    dos Municpios podem aumentando as garantias dos contribuintes, e prevendo, por

    exemplo, o Princpio da Anualidade comprimir a competncia tributria que lhe foi

    outorgada, alterando-a.67

    Rebatendo os argumentos da professora da UFES, JOS ROBERTO VIEIRA entende no

    serem suficientemente aptos a arredar a inalterabilidade como uma das caractersticas da

    competncia tributria. Em seu entender, circunstncia de auto-limitao da competncia,

    permitida, inclusive, em razo de outra caracterstica sua, a facultatividade.68

    Com relao privatividade, os argumentos lanados por PAULO DE BARROS

    CARVALHO apesar do entendimento contrrio de ROQUE ANTNIO CARRAZZA e

    de CRISTIANO CARVALHO, para quem as situaes citadas pelo professor da USP e da

    PUC-SP, para afastar a caracterstica da privatividade, so excepcionalssimas e confirmam a

    regra geral so suficientes para justificar a impossibilidade de caracterizar a competncia

    tributria como privativa.69 PAULO DE BARROS CARVALHO sustenta que a nica

    competncia tributria privativa a da Unio. E para alcanar essa concluso, invoca o artigo

    154, II, da Constituio Federal. O artigo 154, II, prescreve que ...a Unio poder instituir [...]

    na iminncia ou no caso de guerra externa, impostos extraordinrios, compreendidos ou no em sua

    competncia tributria, os quais sero suprimidos gradativamente, cessadas as causas de sua criao.70

    66 R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 646; C. MENDONA, Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 286-287; C. CARVALHO, Sistema, competncia e princpios. Curso de especializao em direito tributrio: estudos analticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 866. 67 Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 287-289. 68 E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 623. 69 R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 497. n. 21; C. CARVALHO, Sistema, competncia e princpios. Curso de especializao em direito tributrio: estudos analticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 865. 70 Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 238 e 241.

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    Percebemos, da leitura desse dispositivo constitucional, que PAULO DE BARROS

    CARVALHO est com a razo. H circunstncias iminncia ou caso de guerra externa

    nas quais a Unio est constitucionalmente autorizada a invadir a esfera de competncia dos

    Estados e dos Municpios. Poder, portanto, em determinados casos, exercer, a Unio,

    competncia tributria que a Constituio atribuiu a Estados e Municpios. Se outra pessoa

    poltica, que no o Municpio, pode exercer a competncia tributria que a Constituio lhe

    outorgou, e se outra pessoa poltica, alm do Estado, pode exercer a competncia tributria

    que lhe foi atribuda pela Constituio, no h que se falar em privatividade, ao empreender-

    se a caracterizao da competncia tributria dessas duas pessoas polticas. Desse ponto de

    vista, privativa mesmo, somente a competncia tributria da Unio. Acrescentam JOS

    ROBERTO VIEIRA e CRISTIANE MENDONA, argumentao de PAULO DE

    BARROS CARVALHO, sem discordncia, que a privatividade no caracteriza a

    competncia tributria tambm pela cumulatividade de competncias nas mos da Unio,

    nos casos previstos pelo artigo 147, da Constituio Federal.71. Prescreve o citado artigo 147

    que ...competem Unio, em Territrio Federal, os impostos estaduais e, se o Territrio no for dividido

    em Municpios, cumulativamente os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos

    municipais.72

    Por fim, a doutrina aponta como caracterstica da competncia tributria a facultatividade, que

    , sem dvida, um dos temas mais controvertidos desse assunto. PAULO DE BARROS

    CARVALHO sustenta que a facultatividade no exerccio da competncia tributria a regra

    geral, no tendo exercido essa competncia, por exemplo, a Unio, em relao ao imposto

    sobre grandes fortunas, previsto no artigo 153, VII, da Constituio Federal, e a exemplo do

    que ocorre tambm com muitos Municpios, que, simplesmente, no instituram o imposto

    sobre servios de qualquer natureza, cuja competncia lhes foi outorgada pelo artigo 156, III,

    71 J. R. VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 624; C. MENDONA, Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 292-293. 72 Assim prescrevem os artigos 14 e 15 dos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias: art. 14. Os Territrios Federais de Roraima e do Amap so transformados em Estados Federados, mantidos seus atuais limites geogrficos. art. 15. Fica extinto o Territrio Federal de Fernando de Noronha, sendo sua rea reincorporada ao Estado de Pernambuco. Caso os extintos Territrios do Amap, de Roraima e de Fernando de Noronha no tivessem sido transformados em Estados, e, no caso do ltimo, sido reincorporado ao Estado de Pernambuco, estaria a Unio autorizada, conforme as peculiaridades de cada Territrio, a cobrar os impostos estaduais e os impostos municipais, estes ltimos, na hiptese de o Territrio no ser dividido em Municpios. Assim tambm quanto a eventuais novos territrios federais.

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    da Constituio Federal. Entretanto, sustenta PAULO DE BARROS CARVALHO que o

    ICMS, por ostentar carter nacional, exceo regra, o que, em seu entender, impossibilita

    atribuir competncia tributria a caracterstica da facultatividade. O raciocnio do professor

    da PUC-SP caminha no sentido de que h quatro diferentes ordens normativas inseridas no

    Direito positivo brasileiro: i) nacional; ii) federal; iii) estadual; e iv) municipal. Afirma que,

    apesar de haver certa dificuldade em se separar o plano nacional (Estado brasileiro) do plano

    federal (Unio), possvel identificar que muitos enunciados prescritivos relativos ao ICMS

    pertencem ao plano normativo nacional, vlidos para todo o territrio brasileiro, o que faz

    com que sustente que, em todos os setores relativos ao ICMS, h ...forte e decisiva influncia de

    preceitos do sistema nacional, a ponto de defender que a sua instituio (do ICMS) no

    regulada pelo modal dentico permitido, e sim pelo obrigatrio, ou seja, os Poderes Legislativos

    dos Estados da federao estariam obrigados a obrigar, na medida em que deveriam,

    necessariamente, instituir o ICMS em conformidade com as prescries das Leis

    Complementares e das Resolues do Senado Federal relativas matria. Faz meno, ainda,

    possvel origem do problema. Possivelmente, decorre do fato de o ICMS inspirar-se em

    semelhante imposto no-cumulativo, incidente sobre mercadorias e servios, institudo em

    pases unitrios, e que, de forma descomprometida com as peculiaridades e dessemelhanas

    estruturais dos Estados, foi tomado pelo Legislador constitucional e entregue aos Estados-

    membros da Federao.

    Com o escopo de manter a uniformidade inerente ao imposto em Estados unitrios, o

    Legislador constituinte previu a elaborao de Leis Complementares, para que elas

    prescrevam normas gerais a serem seguidas por todos os Estados brasileiros. E essa

    argumentao justificar-se-ia como preventiva da instaurao da famigerada guerra fiscal

    entre os Estados, o que, segundo ele, levaria ao paulatino desaparecimento do ICMS e a uma

    preocupante diminuio na arrecadao.73

    73 Curso de direito tributrio. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 237 e 241-247. TCIO LACERDA GAMA segue o mesmo entendimento. Eis suas palavras, aps citar PAULO DE BARROS CARVALHO: "Essa observao no merece retoques se a competncia para instituir o ICMS for entendida como competncia incondicionada, outorgada a apenas um sijeito, no caso os Estados e o Distrito Federal. Sob tal perspectiva, o Estado que queira reduzir ou afastar a incidncia do ICMS, sobre certas pessoas ou determinadas situaes, deve ter autorizao expressa do CONFAZ. Sem ela, ao Estado s resta uma opo: instituir e cobrar o tirbuto em sua integralidade. Por outro lado, se o CONFAZ, mediante deliberao dos Estados e do Distrito federal, dispuser sobre a possibilidade de ser concedida reduo de alquota ou concesso de isenes, os Estados podero ratificar o convnio e alterar a forma de incidncia do imposto. Se o CONFAZ pode deliberar sobre a forma de exerccio da competncia do ICMS, inclusive para regular as situaes em que pode no ser criada a RMIT, surge uma pergunta: de quem a competncia para conceder isenes e benefcios fiscais, dos Estados

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    ROQUE ANTNIO CARRAZZA, de outro lado, elabora argumentao convincente,

    defendendo a facultatividade das competncias tributrias, afirmando que as pessoas

    polticas ...so livres para delas se utilizarem ou no, e gravitando o seu exerccio em torno de

    deciso poltica, no sujeita a controle externo. Logo em seguida, ROQUE ANTNIO

    CARRAZZA, apoiado nas lies de NORBERTO BOBBIO sobre as diversas regras de

    estrutura, concluiu que no h, na Constituio Federal, no que concerne ao exerccio da

    competncia tributria, norma que obrigue o seu exerccio, e sim apenas as que o permitem.

    Lembremo-nos: a competncia tributria prevista na Constituio norma de estrutura

    dirigida ao legislador infraconstitucional. Com base na teorizao de NORBERTO

    BOBBIO, conclui ROQUE ANTNIO CARRAZZA que as normas sobre competncia

    tributria so diferentemente do entendimento de PAULO DE BARROS CARVALHO

    normas que permitem obrigar, ou seja, permitem que o legislador institua o tributo integrante

    de sua esfera de competncia.74

    Lamentavelmente, aps todo o esforo argumentativo, ROQUE ANTNIO CARRAZZA

    identifica como ...nica exceo... facultatividade da competncia tributria aquela que se

    refere instituio do ICMS, na medida em que os Estados somente poderiam deixar de

    exercer a competncia tributria, no instituindo o ICMS, caso celebrassem os seus Poderes

    Executivos deliberaes e fossem elas ratificadas pelos seus Poderes Legislativos, por meio

    de decretos legislativos.75 bem verdade, lembra ROQUE ANTNIO CARRAZZA, que,

    em virtude do Princpio da Tripartio das Funes, no h como o Poder Judicirio

    determinar a um Estado da federao que no tenha institudo o ICMS que o faa. Podero,

    os Estados da federao que se sintam prejudicados, bater s portas do Poder Judicirio e

    postular ressarcimento pelos prejuzos experimentados em decorrncia daquela omisso

    legislativa, mas jamais podero requerer que o Poder Judicirio determine a supresso da

    omisso legislativa, ou ainda, que ele produza a norma.76

    ou do CONFAZ? Por expressa determinao constitucional, a competncia para legislar sobre o ICMS, acerca da outorga de benefcios fiscais, do CONFAZ, e no dos entes federativos. Trata-se de uma outorga de competncia complexa, onde a faculdade para permitir ou no a instituio da norma tributria dada ao CONFAZ e no aos Estados. Para esses, a competncia condicional, pois, na ausncia de autorizao do rgo competente, positivada num Convnio, s lhe resta instituir o tributo obrigatoriamente" - T. L. GAMA, Competncia tributria: fundamentos para uma teoria da nulidade. So Paulo : Noeses, 2009, p. 280. 74 R. A. CARRAZZA, Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 648-653. 75 Ibidem, p. 653-654. No mesmo sentido: ICMS. 10.ed. rev e ampl. So Paulo: Malheiros, 2005, p. 503-504. 76 Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 654.

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    JOS ROBERTO VIEIRA, convencido pelos slidos argumentos desenvolvidos por

    ROQUE ANTNIO CARRAZZA, mantm-se firme na posio de entender a

    competncia tributria, mesmo aquela que trata da instituio do ICMS, portadora da

    caracterstica da facultatividade; posio na qual acompanhado por CRISTIANE

    MENDONA.77

    possvel afirmarmos que esto com a razo o professor da UFPR e a professora da UFES,

    na medida em que no parece emergir da Constituio Federal norma jurdica com o modal

    dentico obrigatrio (obrigado-obrigar) que determine a instituio do ICMS por parte dos

    Estados. Convico essa que nos permite afirmar com ROQUE ANTNIO CARRAZZA

    que o artigo 11 da Lei Complementar n 101, de 13 de novembro de 2001,

    inconstitucional, por pretender que uma conduta que a Constituio permite se torne

    obrigatria, na medida em que determina que as pessoas polticas instituam todos os tributos

    previstos em sua faixa de competncia; como tambm o seu artigo 14, que, fulminando o

    Princpio Federativo, pretende estabelecer os moldes de exerccio da competncia

    tributria.78

    77 J. R. VIEIRA, E, afinal, a Constituio cria tributos! In: HELENO TAVEIRA TRRES, Teoria geral da obrigao tributria: estudos em homenagem ao Professor Jos Souto Maior Borges. So Paulo : Malheiros, 2005, p. 624; C. MENDONA, Competncia tributria. So Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 282-283. 78 Curso de direito constitucional tributrio. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2007, p. 655-658; Prescreve o artigo 11 da Lei Complementar n 101/2001: Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gesto fiscal a instituio, previso e efetiva arrecadao de todos os tributos da competncia constitucional do ente da Federao. Segundo o artigo 2, I, da citada Lei ...entende-se como ente da Federao: a Unio, cada Estado, o Distrito Federal e cada Municpio; Art. 14. A concesso ou ampliao de incentivo ou benefcio de natureza tributria, da qual decorra renncia de receita, dever estar acompanhada de estimativa do impacto oramentrio-financeiro, no exerccio em que deva iniciar sua vigncia e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes oramentrias e a pelo menos uma das seguintes condies: I demonstrao pelo proponente de que a renncia foi considerada na estimativa de receita da lei oramentria, na forma do art. 12, e de que no afetar as metas de resultados fiscais previstas no anexo prprio da lei de diretrizes oramentrias; II estar acompanhada de medidas de compensao, no perodo mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevao de alquotas, ampliao da base de clculo, majorao ou criao de tributo ou contribuio. 1 A renncia compreende anistia, remisso, subsdio, crdito presumido, concesso de iseno em carter no geral, alterao de alquota ou modificao de base de clculo que implique reduo discriminada de tributos ou contribuies, e outros benefcios que correspondam a tratamento diferenciado. 2 Se o ato de concesso ou ampliao do incentivo ou benefcio de que trata o caput deste artigo decorrer da condio contida no inciso II, o benefcio s entrar em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. 3o O disposto neste artigo no se aplica: I - s alteraes das alquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituio, na forma do seu 1o; II ao cancelamento de dbito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrana.

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    Alm disso, parece, apesar de confusa sua redao, que o artigo 8 do Cdigo Tributrio

    Nacional confirma a facultatividade da competncia tributria.79

    As temporalmente distantes lies de GERALDO ATALIBA que, ao analisar a

    competncia tributria, afirma que ...a nica liberdade que a pessoa competente possui a de no

    exercit-la, abstendo-se de us-la mostram-se cientificamente atuais.80 No pode, o ente

    detentor da competncia, como lembra JOS EDUARDO SOARES DE MELO, editar lei,

    negando-a.81

    Aps a exposio dos numerosos entendimentos doutrinrios acerca das caractersticas da

    competncia tributria, conclumos, ainda, que a competncia tributria ostenta as

    caractersticas da irrenunciabilidade, incaducabilidade, indelegabilidade e facultatividade, no

    sendo privativa e, menos ainda, inaltervel.

    4. REFERNCIAS

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    79 Art. 8. O no exerccio da competncia tributria no a defere a pessoa jurdica de direito pblico diversa daquela a que a Constituio a tenha atribudo. 80 Apontamentos de cincia das finanas, direito financeiro e tributrio. So Paulo: RT, 1969, p. 233. 81 A importao no direito tributrio: impostos, taxas, contribuies. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 15.

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    Maurc io Dalr i Timm do Valle Mestre e Doutorando em Direito do Estado Direito

    Tributrio pela UFPR. Especialista em Direito Tributrio pelo IBET. Bacharel em Direito pela

    UFPR. Professor de Direito Tributrio e de Direito Processual Tributrio do Centro Universitrio Curitiba UNICURITIBA. Professor-Coordenador do Curso de Especializao em Direito Tributrio e Processual Tributrio e do Curso de Especializao em Direito

    Aduaneiro, ambos do Centro Universitrio Curitiba UNICURITIBA. Associado Associao Brasileira

    de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito - ABRAFI. Membro do Grupo de Pesquisa em

    "Fundamentos do Direito", orientado pelo Professor Doutor Cesar Antnio Serbena e do Grupo de Pesquisa

    em "Direito Tributrio Empresarial", orientado pelo Professor Doutor Jos Roberto Vieira, ambos do

    Programa de Ps-Graduao em Direito da UFPR. Advogado e consultor tributrio. email:

    [email protected]

    [Recebido em 05-03-2012] [Aprovado em 06-03-2013] Artigo submetido a double blind peer review.