Page 1
Dinâmicas e Actores Transnacionais
MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS, 1º ANO
ANO LETIVO 2014-2015
Combatentes estrangeiros na Guerra Civil
Ucraniana
Docente: Isabel Maria Estrada Carvalhais
Mestrando: Virgílio Rafael Feliciano Monteiro Dias - pg26702
01 de Junho
2015
Page 2
1
Índice
Abstract ......................................................................................................................................... 2
Introdução ..................................................................................................................................... 3
Combatentes estrageiros – um fenómeno antigo e em expansão ............................................... 4
Ucrânia – o novo foco de insurgência transnacional .................................................................... 9
Conclusão .................................................................................................................................... 13
Referências Bibliográficas: .......................................................................................................... 15
Page 3
2
Combatentes estrangeiros na Guerra Civil Ucraniana
Virgílio Dias
Mestrando em Relações Internacionais, Universidade do Minho, Braga, Portugal.
O fenómeno dos combatentes estrangeiros é algo relativamente pouco estudado, porém
já bastante antigo e em constante crescimento. Aqui procurar-se-á estudar este
fenómeno, aplicando como estudo de caso o actual conflito civil no leste ucraniano. O
nosso objectivo prende-se em saber as motivações e o impacto que estes combatentes
possuem neste conflito, recorrendo a estudos que analisem outros casos ao longo da
história recente, para posteriormente cruzar com a informação à nossa disposição
acerca da Ucrânia. Serão as motivações de carácter material ou ideológico? Que tipo
de identidade é partilhada entre os combatentes? Qual o impacto destes combatentes
nos movimentos insurgentes e junto da população local? E qual a importância do
fenómeno da persistência para este tipo de movimentos? Estas serão algumas das
principais questões abordadas ao longo deste trabalho, tendo sempre em conta o nosso
caso de estudo. Para isso, numa primeira fase será desenvolvida uma análise sobre o
conceito de ‘combatentes estrangeiros’, recorrendo às análises de outros actores e
considerando este fenómeno como parte dos movimentos activistas transnacionais,
considerando por isso as razões de alistamento como sendo de carácter ideológico. Na
segunda fase será desenvolvido o nosso estudo de caso, tendo em conta a análise
teórica anteriormente construída, com vista a responder às questões previamente
traçadas.
Palavras-chave: Ucrânia; combatentes estrangeiros; transnacionalismo; guerra civil;
insurgentes;
Page 4
3
Introdução
Este trabalho procurará abordar o tema dos combatentes estrangeiros, tendo
como estudo de caso mais concreto, a actual situação da Guerra Civil Ucraniana. O
objectivo central deste exercício será demonstrar quais os motivos e a importância que
os combatentes estrageiros possuem no contexto em específico. A pertinência deste
tema, dentro do quadro das dinâmicas transnacionais, assume proporções cada vez mais
relevantes, porém é algo ainda pouco estudado, daí a escolha da temática.
Apesar de o fenómeno de ‘combatentes estrangeiros’ não ser recente -
retrocedendo na verdade a tempos remotos, havendo registos, por exemplo, da Idade
Média -, só a partir de 2005 começa a ser verdadeiramente estudado e reconhecido
como um fenómeno transnacional. Tal como iremos ver este é não só um fenómeno
recorrente, mas em crescente expansão, decorrendo em paralelo e sendo fruto do próprio
processo de globalização. O particular destaque académico para a relevância do tema, só
começa a ser dado após os ataques de 11 de Setembro de 2001 e as consequentes
guerras do Afeganistão (2001) e Iraque (2003), dada a larga e crescente presença de
combatentes estrangeiros nestes palcos de guerra pelo lado insurgente. Sendo assim
busca-se aqui encontrar as razões que levam combatentes estrangeiros para a Ucrânia,
qual o seu impacto junto dos movimentos insurgentes e da população local e que
paralelismos possuem com os combatentes que no passado decidiram combater por
outra unidade diferente do seu próprio Estado. Para isso a nossa análise centrar-se-á na
seguinte questão:
Quais os motivos e a importância dos combatentes estrangeiros na
Guerra Civil Ucraniana?
Para alcançarmos este objectivo iremos primeiramente tratar o tema de
‘combatentes estrangeiros’, definindo o conceito, procurando saber as razões que
motivam estes combatentes, as técnicas dos recrutadores, o impacto que estes
combatentes possuem no novo contexto em que passam a estar inseridos,
nomeadamente em termos de técnicas, tácticas, decisões e abordagens ao próprio
conflito e também a sua persistência, seja ela no próprio conflito ou após o seu fim.
Então, sendo esta uma ocorrência em constante crescimento, será de esperar não só que
se mantenha como recorrente, mas que se continue a expandir e se torne cada vez mais
Page 5
4
vulgar, recebendo também cada vez importância e sendo cada vez mais objecto de
estudo, que até há bem pouco tempo não tinha.
Para isso, neste projecto será analisado primeiramente o trabalho desenvolvido
até aqui sobre o tema de ‘combatentes estrangeiros’, recorrendo para isso à limitada
informação até aqui foi trabalhada por escassos autores. As fontes primárias usadas
serão particularmente fontes jornalísticas sobre o estudo de caso concreto, que nos
permitam, em primeira mão, obter informação acerca dos combatentes estrageiros a
operar no conflito em questão. Como fontes secundárias serão utilizados os artigos fruto
da investigação de alguns académicos, como é o caso de David Malet, sendo ele um dos
poucos investigadores sobre o assunto em questão. Primeiramente será desenvolvido um
estudo epistémico acerca do conceito e das suas razões, para posteriormente cruzar com
o estudo de caso escolhido e verificar as semelhanças, ou diferenças, entre o conflito na
Ucrânia e os casos passados de utilização de combatentes estrageiros ao longo da
história.
Combatentes estrageiros – um fenómeno antigo e em expansão
A utilização de combatentes estrangeiros, como dito anteriormente, é já bastante
antiga. Porém o seu estudo é algo bastante recente. O próprio conceito de ‘combatente
estrangeiro’ é algo ainda pouco definido e consensual. As primeiras análises académicas
acerca do termo definiram-no como: ‘combatentes não-indígenas, não-territorializados
que, motivados por religião, afinidade, e/ou ideologia, não de recompensas pecuniárias,
entram numa zona de conflitos para participar nas hostilidades’ (Moore e Tumelty,
2008: 412). Malet (2008: 21) define combatentes estrangeiros como: ‘não-cidadãos dos
estados em conflito que se juntam aos insurgentes durante conflitos civis’. Isto exclui
porém mercenários e combatentes estrangeiros alistados nas forças oficiais de um
Estado. Ian Bryan (2010: 116) define como ‘não agentes de governos estrangeiros, mas
eles deixam a sua casa tipicamente para combater por uma causa ou identidade
transnacional’. Thomas Hegghammer (2010: 57-58) apresenta-nos também uma
interessante definição para o conceito: ‘um combatente estrangeiro é um agente que [1]
se juntou e opera dentro dos limites de uma insurgência [2] não possui cidadania do
Page 6
5
estado em conflito ou ligações de afinidade para com as facções em guerra [3] não
possui afiliação a uma organização militar oficial e [4] não é pago’. Por fim, e dando
uma definição de uma organização internacional reconhecida, segundo Malet (2015: 4-
5) o Gabinete do Conselheiro Especial para África das Nações Unidas afirma que
combatentes estrangeiros são: ‘[aqueles] que não operam dentro do seu país de origem
(ou nacionalidade). Podem tanto perseguir objectivos políticos como interesses pessoais
do seu país de origem ou do país que os acolhe. Para além disso podem servir num
grupo armado que cruze a fronteira, operando a partir do próprio país ou podem ter-se
juntado a um grupo armado de um país estrangeiro’. Como se observa, existem várias
definições para o termo, porém todas referem alguns aspectos essenciais: combatentes
fora do seu país; não pagos; normalmente associados aos insurgentes; não pertencem a
nenhuma força oficial, mas pode pertencer a milícias irregulares associadas a um
Estado; e são forças que agem contra as normas internacionais impostas. Pegando numa
expressão de Sidney Tarrow (2005: 53), os combatentes estrangeiros são ‘birds of
passage’, ou seja, activistas transnacionais com um ‘potencial destructivo’. Pelo menos
se virmos apenas do ponto de vista legal e não colocarmos em causa a sua legitimidade.
Pois nem todos os combatentes transnacionais possuem um impacto negativo, como no
caso daqueles que ajudaram nos movimentos de libertação de vários países.
Partindo daqui, levanta-se então a questão: ‘o que leva estas pessoas a juntarem-
se a este tipo de movimentos?’. Particularmente quando o registo histórico de sucesso
das insurgências lhes é desfavorável. Duas explicações surgem: a ganância (‘greed’); e
as preocupações ou queixas (‘grievance’). Para Malet (2007: 7-9) o facto de os
insurgentes não conseguirem garantir incentivos materiais, aliado também à ideia das
possibilidades de sucesso, coloca a ganância de parte. Então se a ganância não
desempenha um papel enquanto elemento que conduz indivíduos a juntarem-se a forças
insurgentes, surge apenas uma explicação. Esta é um sentimento, partilhado entre os
insurgentes na zona de conflito e o indivíduo fora dele. Um sentimento de preocupação,
uma queixa em comum entre ambos, que leva o indivíduo a sentir uma necessidade de
se juntar a um combate que à primeira vista não teria significado para ele.
O factor étnico poderia surgir à cabeça, dentro deste tipo de sentimentos e
preocupações comuns entre realidades distantes. Porém, como Malet (2007b: 14-17)
(2008: 12) demonstra, através de um estudo de vários conflitos que contaram com a
presença de combatentes estrageiros, a maior parte dos combatentes estrangeiros não
Page 7
6
partilhava da mesma etnia dos insurgentes locais. A razão da sua presença é
principalmente ideológica, não apenas num sentido político, mas também religioso.
Sendo assim, que tipos de identidade são necessários para que hajam estes tipos
de afinidade? Antes de mais a identidade tem de ser transnacional, ou seja, não pode
possuir fronteiras. Depois o desenvolvimento da identidade parte da percepção que o
indivíduo tem de si e da sua posição na sociedade em que está inserido. Segundo a
teoria da Identidade Social os ‘indivíduos definem-se a eles mesmos como estando
‘integrados’ dentro de um grupo’ e os próprios conceitos de nacionalidade e etnia
‘apenas fazem sentido quando rotuladas como conexões entre pessoas’; sendo assim a
identidade é baseada em laços sociais e através de análise empírica Malet demonstra
que as identidades políticas são mais abrangentes do que identidades étnicas ou
culturais (Malet, 2007b: 25-26). Isto coloca a questão de se a ideologia é uma identidade
com relevância. Para Williams (1996: 371) a resposta parece ser afirmativa ao afirmar
que ‘as ideologias emergem como sistemas compreensivos de significado em temos em
que os sistemas culturais parecem incapazes de lidar com as mudanças sociais’.
Partindo daqui surge a questão de como é que estes indivíduos são recrutados e
que tipo de mensagens lhes são passadas e que os levam a juntar-se a grupos insurgentes
noutros países. Antes de mais o método com mais sucesso é o contacto directo através
de alguém que conhecem (Malet, 2007: 15) (2008: 18) (2007b: 29), provavelmente
sendo que estes últimos pertencem a uma organização que promove os seus interesses
junto de comunidades exteriores, para que possam encontrar mais indivíduos que se
identifiquem com as suas causas. Esta conclusão é alcançada através da análise de dados
empíricos que demonstram essa tendência ao longo da história (Malet, 2008: 10). Para
isso o tipo de mensagem assume uma importância altamente relevante.
As mensagens normalmente usadas caracterizam-se regularmente por um ponto
em comum. Esse ponto é o seu carácter de os indivíduos serem confrontados com uma
necessidade de preservação dos valores da comunidade transnacional a que pertencem,
sendo esta sempre uma perspectiva intersubejctiva (Malet, 2008: 7). A construção de
uma ‘comunidade imaginada’ desempenha aqui um papel importante. Tomando o
exemplo da Guerra Civil Espanhola, o Comintern apontava a Espanha como ‘a frente na
guerra internacional dos trabalhadores contra os opressores, com um resultado crucial
para o futuro das condições na América’ (Malet, 2007: 25-27). Porém, simples
Page 8
7
explicações baseadas na religião ou ideologia não são suficientes para entender o
fenómeno dos combatentes estrangeiros, visto que a maior parte dos que defendem
determinada religião ou ideologia normalmente não se juntam aos insurgentes. É
necessária uma organização (Malet, 2007b: 4), esteja ela associada a um Estado ou não.
Propaganda era espalhada com o objetivo de transmitir esta mensagem, em
particular dentro dos círculos dos partidos comunistas, sindicatos, entre outras
organizações, onde este tipo de valores eram partilhados e onde era mais fácil recrutar
voluntários dispostos a defender esta identidade. Não era necessário ser-se comunista, a
identidade central normalmente evocada era o ‘anti-fascismo’. A luta contra o fascismo
era algo que ultrapassava fronteiras e permitia reunir voluntários de muitos países,
prontos a viajarem para a Espanha, sem no entanto receberem qualquer recompensa por
isso, a não ser o sentimento de dever cumprido na defesa de um ideal. O fascismo era
apontado como uma ameaça transnacional e que devia ser combatida em Espanha, para
mais tarde não se tornar uma ameaça nos países de origem dos combatentes
estrangeiros. Uma afiliação ideológica transnacional é então essencial neste processo.
Algo que Moore (2015: 3) designa por ‘parentesco fictício’ (‘fictive kin’), ou seja, uma
ligação que se forma sem haver qualquer relação de laços familiares ou étnicos. E este
tipo de formação de identidade ganha crescente saliência com o próprio processo de
globalização (Malet, 2008: 15).
Mas porquê o recrutamento de combatentes estrangeiros? Qual o seu impacto
nos movimentos insurgentes? A resposta à primeira pergunta talvez seja mais simples.
Se tivermos em conta que os movimentos insurgentes encontram-se normalmente em
posições mais frágeis e com menores recursos do que a facção que representa o Estado,
concluímos que quantos mais combatentes tiverem do seu lado, mais hipóteses terão de
conseguir algum sucesso. De facto existe uma relação entre a utilização de combatentes
estrangeiros e a possibilidade de sucesso do movimento insurgente, sendo esta uma
relação altamente proporcional (Malet, 2008: 16-17). Mas para responder à segunda
questão talvez seja um pouco mais complicado. Aqui tomemos o trabalho de Bakke
como fundamento, para encontrar uma explicação. A chegada de novos combatentes
estrangeiros implica uma chegada de novas ideias e estas podem ter efeitos positivos,
mas também podem ter efeitos negativos (Bakke, 2014: 153). Nem sempre as ideias
podem ser bem aceites pelas comunidades locais, levando a divisões no seio do
movimento insurgente e da população local, sendo esta última fundamental para o
Page 9
8
sucesso do primeiro. Trazer novos recursos, conhecimento, armas, financiamento,
conexões etc, é de facto importante, ou mesmo crucial, para o sucesso do movimento,
porém nem sempre novas tácticas, quando colocadas em prática, podem ser bem aceites,
em particular se forem consideradas imorais pela comunidade local (Bakke, 2014: 162).
Mas se o processo de recrutamento é de capital importância na nossa análise, um
novo fenómeno tem vindo a emergir com o advento dos movimentos insurgentes
jihadistas, o fenómeno da persistência. Se anteriormente grande parte dos combatentes
estrangeiros desmobilizava assim que o conflito estivesse terminado – quer fosse com
sucesso ou sem ele -, actualmente estes movimentos conseguem que os seus
combatentes continuem a lutar pela sua causa e que viagem para outros palcos de
guerra, para lutar pelo mesmo ideal. E se apesar de à primeira vista a explicação que se
poderia encontrar talvez se encontrasse com a persistência da própria causa no contexto
global, levando os combatentes a saltar de conflito em conflito, enquanto se houvessem
combates a ser travados em nome do seu ideal, Malet discorda desta assumpção. A
hipótese que Malet (2008: 11-14) encontra para este fenómeno está nos governos dos
países dos quais os combatentes estrangeiros são originários e em particular na forma
como os primeiros recebem os últimos, ou sequer se os aceitam após o fim dos
combates. Porém Malet admite que este é um tópico que ainda requer bastante estudo.
De qualquer maneira tem havido uma crescente utilização de combatentes
estrangeiros em combates entre milícias insurgentes e forças estatais, tal como
demonstrado por Malet (2007b: 16-20) na sua análise a 331 conflitos conflitos civis.
Nestes detectou a presença de combatentes estrangeiros em 68, cerca de 20% do total,
demonstrando também ser um fenómeno frequente. Tal como a sua análise também
demonstra que o fenómeno está em crescente expansão, quer em números absolutos
quer em termos relativos. A conclusão que Malet (2007b: 20) retira é que existe uma
ligação directa entre o fenómeno da globalização e o crescente número de combatentes
estrangeiros a ser utilizado nos diversos conflitos civis, fruto do também crescente
activismo transnacional. Passemos então à análise do estudo de caso escolhido, o
conflito ucraniano.
Page 10
9
Ucrânia – o novo foco de insurgência transnacional
O estudo de caso aqui analisado será a Guerra Civil Ucraniana, iniciada em
2014, após o derrube de Yanukovich do poder. Esta tem levado muitos cidadãos de
países alheios ao conflito a voluntariarem-se para participar numa guerra que
aparentemente não é sua. Porém algo os faz pensar o contrário e viajar, em alguns casos
milhares de quilómetros para combater. Tal como noutros conflitos, a presença de
combatentes não se fica apenas por um único lado das partes envolvidas, sendo possível
encontrar combatentes estrangeiros voluntários, quer do lado das forças
governamentais, quer do lado das forças insurgentes, espalhados pelas várias unidades,
porém aqui iremos concentrar-nos apenas no lado insurgente. Foram registados até
agora combatentes de vários países, incluindo Sérvia, República Checa, Polónia,
Hungria, Itália, Espanha, França, Grécia, Roménia, Bulgária, Israel, outros Estados da
ex-URSS, Brasil, Austrália e EUA (Litoy, 2014). Isto coloca-nos duas questões: o que
leva estas pessoas a juntarem-se a este movimento insurgente; e qual o seu impacto?
Comecemos por analisar a primeira questão. As razões apontadas pelos
voluntários são de natureza variada, mas analisemos alguns casos. Tomemos o exemplo
dos sérvios que se juntaram aos insurgentes alegando ‘terem vindo para defender os
seus irmãos Cristãos Ortodoxos’, ou os ‘socialistas de França e Itália [que] vieram como
parte da sua luta contra o capitalismo e as multinacionais’, ‘Duginistas’ de vários países
- defensores de uma ideologia de extrema-direita, que coloca o nacionalismo russo
como tema central -, anti-fascistas espanhóis e italianos, norte-americanos como
‘Hunter’, que diz ser contra o governo dos EUA (Litoy, 2014), nacionalistas franceses
do movimento ‘União Continental’ (Jackson, 2014), mas também muitos russos como
Starodubov, ‘nacionalista normal’ e defensor da fé Ortodoxa (Voltskaya e Sindelar,
2015). Como se pode observar os motivos para se juntarem são vários, mas talvez haja
aqui um factor agregador de todos estes voluntários e que lhes permita combaterem lado
a lado, mesmo tendo motivos tão diferentes.
Um dos elementos agregadores talvez seja o sentimento ‘anti-americanista’,
mesmo aceitando cidadãos norte-americanos como voluntários, e contra os valores e
ideologia que o ocidente representa. Esta ideia ganha particular importância quando o
apoio ao regime de Kiev é aberto por parte dos países da EU, EUA, entre outros. Este
Page 11
10
tipo de mensagem é um dos principais meios propagados pela comunicação social russa,
seja para reunir apoio para a causa de Donbass. Particularmente retratando os
insurgentes de Donbass como ‘defensores da herança da vitória sobre o nazismo e o
fascismo na Segunda Guerra Mundial’, verdadeiros anti-fascistas modernos e ao mesmo
tempo retratando o regime de Kiev como anti-democratas, nazis e fascistas, apoiados
pelo ocidente liberal. Esta é a principal mensagem propagada pela comunicação social
russa e que consegue captar o apoio destes voluntários. Tal como visto anteriormente o
carácter destas mensagens necessita de ser transnacional e novamente a bandeira do
anti-fascismo, tal como na Guerra Civil Espanhola, é também usada para reunir em sua
volta combatentes das mais variadas origens. Talvez seja difícil assumir aqui a
identidade de ‘anti-fascista’ como aquela que agrega dentro de si todos os voluntários
que se deslocam para Donbass. Porém é uma entre as várias identidades que são
promovidas.
Da mesma forma que vemos nos relatos destes combatentes que a principal
motivação para se juntarem ao lado insurgente não é de carácter relativo ao proveito
material que podem tirar deste conflito. Existem alguns relatos em primeira mão de
voluntários a receber ordenados, como o caso de Andrea Palmieri, que afirma ‘eu
recebo 300 dólares por mês para despesas. Eu luto por um ideal. O meu próprio ideal.
Nós no ocidente já não reconhecemos que alguém pode fazer alguma coisa sem tirar um
proveito próprio. Mas eu não tiro proveitos próprios.’ (Pozzati, 2015). Porém estes
assumem claramente haver uma ‘grievance’, uma preocupação que os leva a sentirem-se
ameaçados, mesmo não pertencendo ao país em questão. Cataldo é mais um voluntário
italiano que afirma que ‘aqui eu não ganho nada; eu vim para aqui apenas para ajudar
estas pessoas’ (Pozzati, 2015).
Tal como a presença de várias etnias demonstra que a motivação de se juntarem
não necessita de partilharem da mesma etnia das partes em questão. A mensagem é
claramente transnacional e para estes voluntários há que lutar contra na Ucrânia agora,
para que mais tarde não seja preciso lutarem nos seus países. A necessidade da
preservação de valores transnacionais da comunidade a que pertencem. Mas como é que
esta mensagem é passada? Existem recrutadores espalhados pelo mundo, tal como havia
nos tempos da Guerra Civil Espanhola ou como no caso dos Jihadistas? Nada parece
indicar isso, tirando o caso da própria Rússia, onde organizações como a ‘Legião
Imperial’ recrutam e treinam novos voluntários (Voltskaya e Sindelar, 2015), assim
Page 12
11
como outras organizações de veteranos das forças armadas e outras organizações
paramilitares a nível interno; externamente a organização ‘Frente Europeia’, direcionada
para falantes de russo na Europa, ajuda na recolha de ajuda humanitária, como comida,
roupa, medicamentos, etc (Litoy, 2014). No entanto a comunicação social russa
desempenha um papel fulcral na promoção dos combatentes de Donbass e dos valores
que dizem representar (Voltskaya e Sindelar, 2015).
De facto a nacionalidade russa é aquela que reúne mais voluntários dentro das
fileiras dos insurgentes, apesar de não haver números concretos e mesmo assumindo
uma presença de tropas regulares russas em território ucraniano, apesar de tal ainda não
ter sido assumido ou provado. Isto vem reforçar a ideia de Malet (2007: 15) (2008:18)
(2007b: 29) acerca de como o contacto directo através de alguém que conhecem ajuda
no recrutamento de voluntários para conflitos distantes. A importância de uma
organização que promova os seus interesses e objectivos junto das comunidades
exteriores, como forma de encontrar indivíduos que se identifiquem e estejem dispostos
a lutar por isso. Traçando um paralelismo com a Guerra Civil Espanhola e o papel do
Comintern na promoção da ideia de que Espanha era ‘a frente na guerra internacional
dos trabalhadores contra os opressores, com um resultado crucial para o futuro das
condições na América’, aqui o caso com a comunicação social russa aparenta ser
assumir a Ucrânia como ‘a frente na guerra internacional contra os opressores, com um
resultado crucial para o futuro da Rússia e dos países livres’. O Estado russo e as
estruturas social que lhe estão associadas desempenham o papel de organização de
apoio aos insurgentes e com relevância na promoção dos seus ideias e valores, quer
interna, quer externamente. Não é necessário ser-se russo, basta não se concordar com
os ideais liberais do ocidente, este é o ‘parentesco fictício’ (‘fictive kin’) dos voluntários
em Donbass.
E relativamente à segunda questão, qual o seu impacto? São conhecidos os casos
de vários dos comandantes das forças insurgentes serem cidadãos russos, como Igor
Girkin (‘Strelkov’), antigo oficial do FSB (serviços secretos russos), de Igor Bezler,
Arseni Pavlov (‘Motorola’), entre outros. Isto demonstra que não só estão presentes
combatentes estrangeiros, como eles assumem cargos importantes na hierarquia
insurgente. A experiência anterior, técnica ou táctica, é de grande valor e isso é
reconhecido internamente. Para além disso em Agosto de 2014 foram reportados entre 3
a 4 mil voluntários russos em Donbass desde Abril (TASS, 2014), segundo valores
Page 13
12
apontados pelo próprio Primeiro-Ministro da auto-proclamada República Popular de
Donetsk Alexander Zakharchenko. Ele afirma a importância destes combatentes ao
dizer que ‘nunca escondemos que muitos russos estão a combater nas nossas fileiras,
sem a ajuda dos quais nós estaríamos numa situação muito difícil e seria muito mais
difícil para nós combater’. Muitos destes russos são de etnia cossaca, chechena (com
ligações ao clã Kadyrovtsy), ossetas, abkhazes, entre outros. E apesar de não haver
dados que indiquem a quantidade de cada uma das etnias, os russos e cossacos parecem
estar presentes em maior número do que os restantes. Mas entre voluntários e alegados
soldados regulares, torna-se difícil distinguir quem é quem (Jackson, 2014). Porém
outras fontes colocam o número de combatentes estrangeiros na ordem dos 12000
(Reuters, 2015).
Relativamente à aceitação dos insurgentes transnacionais pela população local é
ainda difícil retirar conclusões, dada a guerra de informação em torno do conflito. O
próprio apoio por parte da população ao movimento insurgente como um todo é ainda
polémico. De um lado afirmam que não existe um real apoio e que é uma construção
política russa (Toal e Loughlin, 2015), do outro lado afirmam ser uma expressão
genuína do povo das regiões separatistas, com o objectivo de se separarem da Ucrânia
governada por nacionalistas, que temem que pratiquem acções opressoras contra o povo
daquela região. Por isso torna-se difícil entender também qual o apoio da população aos
combatentes estrangeiros que vão reforçar os movimentos insurgentes na região. Porém
o relato de Ilya Znamensky faz-nos crer que existe um apoio por parte dos locais: ‘os
locais que apoiam a República Popular de Donetsk gostam dos estrangeiros’ (Litoy,
2014), contudo fica a ressalva de serem os locais que apoiam a causa. Ilya continua,
afirmando que ‘eles até os consideram exemplos para a sua própria gente. É como,
“estes rapazes vieram de tão longe para nos ajudar a combater contra o fascismo, e aqui
nós temos todos estes bêbados preguiçosos a beber cerveja nas ruas, enquanto os
verdadeiros homens estão todos na frente”. Ouve-se este tipo de coisas em todo o lado,
desde a plataforma de mobilização até aos vendedores de cerveja nos quiosques
nocturnos’ (Litov, 2014).
Quanto ao fenómeno da persistência este conflito vem demonstrar que não é
algo apenas típico dos movimentos jihadistas. Os relatos de combatentes estrangeiros
demonstram que todos eles já passaram por vários palcos de guerra, e alguns por palcos
bastante semelhantes ao de Donbass. Particularmente o caso dos russos, cossacos,
Page 14
13
chechenos, ossetas, abkhazes e sérvios. Grande parte deles afirma que estiveram
presentes em outros conflitos, como na guerra da Chechénia, Rússia-Geórgia, nas
guerras da ex-Jugoslávia nos anos 90, etc. A desmobilização destes combatentes foi
apenas temporária, e assim que surgia um novo conflito, logo se deslocavam para
combater nele também, lutando pelos mesmos ideais: o povo eslavo e a Igreja Ortodoxa.
Porém aqui um pouco ao contrário da explicação que Malet (2008: 11-14) usa para
descrever o caso dos jihadistas, apesar do próprio colocar algumas dúvidas acerca da
sua hipótese, admitindo ser um tópico que requer ainda bastante estudo. Aqui não é o
governo russo que rejeita os combatentes assim que os conflitos em que estiveram
inseridos acabam. É o próprio governo a incentivar que estes combatentes se desloquem
para os novos palcos de guerra, para continuarem a combater pelos seus ideais, e se não
o faz de forma directa, fá-lo de forma indirecta, através da sua comunicação social do
aparelho estatal.
O impacto dos combatentes estrangeiros é percepcionado, pelo menos dentro dos
movimentos insurgentes, como positivo. Prova disso é a contínua e crescente utilização
destes indivíduos dentro das suas unidades. Podemos aqui traçar mais um paralelismo
entre os combatentes estrangeiros e a globalização, que tal como Malet (2007b: 20)
afimava estão relacionados. Neste caso tendo em conta o papel que a internet assume na
promoção das mensagens dos grupos insurgentes à escala global. Várias páginas de
facebook, blogs, sites, etc, são usados como forma de promoção dos seus objectivos e
interesses, mostrando ‘o outro lado da história’ e demonstrando ‘quão justa é a sua luta’.
Conclusão
Após a nossa análise encontramos então algumas explicações para as nossas
dúvidas iniciais, acerca do fenómeno dos combatentes estrangeiros no conflito
ucraniano. A nossa questão inicial abordava os motivos e a importância que estes
combatentes tinham no conflito. A investigação aqui desenvolvida parece apontar no
sentido de as motivações que orientam os combatentes estrangeiros a aderir à causa dos
separatistas ucranianos, se centrarem no conceito que Malet designa de ‘grievance’ ou
Page 15
14
preocupações/ queixas. Apesar de não ser possível desenvolver uma investigação
extensiva de todas as entrevistas feitas a combatentes estrangeiros, tudo parece apontar
que os principais motivos que os levam a Donbass serem de carácter ideológico e
religioso. Mesmo aqueles que recebem compensações materiais, estas não são de grande
relevância, existindo apenas para suprir as necessidades básicas do indivíduo. Grande
parte dos combatentes afirma que a sua única motivação é ideológica e fazem por
salientar este aspecto. Existe de facto uma afiliação ideológica transnacional, que é
fortemente promovida pelos meios de comunicação russos, e que encontra bastantes
semelhanças com as mensagens da Guerra Civil Espanhola, retratando este conflito
como mais uma luta anti-fascista. Pelo menos é esta a mensagem que é passada para o
exterior. A nível interno a mensagem parece ser mais ligada a conteúdos nacionalistas,
eslavistas e ortodoxos, sendo esta mais uma luta em defesa dos valores e tradições
russas.
Quanto ao impacto dos combatentes estrangeiros neste conflito os números e as
posições hierárquicas assumidas por alguns destes combatentes falam por si. Milhares
de combatentes estrangeiros se juntaram a esta guerra, que aparentemente não era sua,
constituindo uma parte considerável do total de forças insurgentes, que se estima ser de
poucas dezenas de milhares. Muitos com conhecimentos técnicos e tácticos, de elevada
relevância para o movimento insurgente, sendo ex-combatentes experientes de outras
guerras ou simplesmente ex-soldados. Tal como a importância destes combatentes ser
reconhecida pelas próprias elites de Novorossiya, afirmando que estariam numa
situação muito difícil, não fosse a presença destes homens e mulheres.
E apesar de aqui o fenómeno da persistência ser tido como algo relativo a
conflitos passados, nada contraria a ideia de que em futuros conflitos onde interesses e
objectivos semelhantes estejam em causa, novamente estes combatentes se desloquem
para esses palcos de guerra, em defesa desses mesmos valores, interesses e objectivos.
Conflitos em que a etnia russa, permanecendo dentro de outros países, em momentos de
instabilidade política possa declarar secessão desse mesmo Estado. Contudo este
trabalho vem demonstrar que contínua a existir uma crescente utilização de combatentes
estrangeiros, nos palcos de guerra civil, e que o fenómeno possui uma íntima relação
com o próprio fenómeno da globalização.
Page 16
15
Referências Bibliográficas:
Bakke, K.M., 2014. Help Wanted? The mixed record of foreign fighters in domestic
insurgencies. International Security, 38(4), pp.150–187.
Bryan, I., 2010. Sovereignty and the Foreign Fighter Problem. Orbis, 54(1), pp.115–
129.
Hegghammer, T., 2010. The Rise of Muslim Foreign Fighters: Islam and the
Globalization of Jihad. International Security, 35(3), pp.53–94.
Jackson, P., 2014. Ukraine war pulls in foreign fighters. BBC News. Disponível em:
http://www.bbc.com/news/world-europe-28951324. Consultado em 29 de Maio de
2015.
Litoy, A., 2014. Putin’s International Brigades. Open Democracy. Disponível em :
https://www.opendemocracy.net/od-russia/alexandr-litoy/putin%E2%80%99s-
international-brigades. Consultado em 29 de Maio de 2015.
Malet, D., 2015. Foreign Fighter Mobilization and Persistence in a Global Context.
Terrorism and Political Violence, (May), pp.1–20. Disponível em:
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09546553.2015.1032151. Consultado
em 22 de Maio de 2015.
Malet, D., 2008. Foreign Fighters: Transnational Identity in Civil Conflicts,
Malet, D., 2007a. “Like in that Spanish Civil War”: Transnational Identity Movements
and the Foreign Fighter.
Malet, D., 2007b. “The More Irregular the Service”: Transnational Identity
Communities and the Foreign Fighter.
Malet, D., 2010. Why Foreign Fighters?. Historical Perspectives and Solutions. Orbis,
54(1), pp.97–114.
Moore, C., 2015. Foreign Bodies: Transnational Activism, the Insurgency in the North
Caucasus and “Beyond.” Terrorism and Political Violence, (May), pp.1–21.
Disponível em:
http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09546553.2015.1032035. Consultado
em 22 de Maio de 2015.
Moore, C. & Tumelty, P., 2008. Foreign Fighters and the Case of Chechnya: A Critical
Assessment. Studies in Conflict & Terrorism, 31(5), pp.412–433.
Pozzati, D., 2015. Italian Volunteers Fight in Donbass Alongside Militias. Sputnik
News. Disponível em: http://sputniknews.com/europe/20150330/1020193585.html.
Consultado em 30 de Maio de 2015.
Page 17
16
Reuters, 2015. Some 12,000 Russian soldiers in Ukraine supporting rebels - U.S.
commander. Reuters. Disponível em:
http://www.reuters.com/article/2015/03/03/us-ukraine-russia-soldiers-
idUSKBN0LZ2FV20150303. Consultado em 29 de Maio de 2015.
RT, 2014. “United Continent”: European volunteers fighting Kiev troops in Eastern
Ukraine. Russia Today. Disponível em: http://rt.com/news/183864-ukraine-
european-volunteers-fighting/. Consultado em 29 de Maio de 2015.
Tarrow, S., 2005. Rooted Cosmopolitans and Transnational Activists. In The New
Transnational Activism. Candridge: CUP, pp. 35–56.
TASS, 2014. Around 3-4 thousand Russian volunteers fighting for Donetsk People’s
Republic militia. ITAR/ TASS. Disponível em: http://tass.ru/en/world/747005.
Consultado em 29 de Maio de 2015.
Toal, G. & O’Loughlin, J., 2015. What people in southeast Ukraine really think of
Novorossiya. The Washingthon Post. Disponível em:
http://www.washingtonpost.com/blogs/monkey-cage/wp/2015/05/25/what-people-
in-southeast-ukraine-really-think-of-novorossiya/. Consultado em 30 de Maio de
2015.
Voltskaya, T. & Sindelar, D., 2015. Volunteer Now! Russia Makes It Easy To Fight In
Ukraine. Radio Free Europe/ Radio Liberty. Disponível em:
http://www.rferl.org/content/russia-ukraine-volunteers-kremlin-easy-to-fight-
/26828559.html. Consultado em 29 de Maio de 2015.
Williams, R.H., 1996. Religion as a Political Resource: Culture or Identity? Journal for
the Scientific Study of Religion, 35(4), p.371.