degusta ESTADO DE MINAS ● D O M I N G O , 2 D E D E Z E M B R O D E 2 0 1 2 EDUARDO AVELAR 2 MUITO prazer RAFAEL MOTTA/TV ALTEROSA MÍRIAN PINHEIRO V ocê já imaginou tomar um café feito com os grãos tirados das fezes de uma ave? Esse café também existe, e é produto ge- nuinamente brasileiro. Henrique Sloper Araújo é um carioca cafei- cultor orgânico/biodinâmico des- se tipo de café e provador/degus- tador certificado. Sem negar as origens, também é surfista, snow- boarder, endurista de moto e au- tomóvel e formado em marke- ting pela University of California, Los Angeles, EUA. Tornou-se ain- da provador de vinhos nivel 3 da WSET Academy Coffee de Lon- dres ao longo do caminho e como especialista da Associação Brasi- leira de Café, chamou para si a missão de colaborar para a cons- trução da imagem do café brasi- leiro como o melhor do mundo. E foi como tal que, de Chicago (EUA), concedeu uma entrevista exclusiva ao Degusta. Henrique conta que seu conta- to com o mundo do café veio pri- meiro como apreciador e depois como um produtor que poderia diversificar o que fazia na fazen- da da família, a Camocim, em Pe- dra Azul, no Espírito Santo - esta- do brasileiro conhecido mundial- mente como cafeeiro. “Esse con- tato ocorreu em 1999. Naquela época, éramos produtores de madeiras sustentáveis, o que continuamos fazendo além de mel e geleias orgânicas.” Sobre o extravagante café Jacu, do qual se tornou o maior produtor brasi- leiro, ele explica que se trata de um café gourmet. “E um café superpremium selecionado pe- la própria ave jacu. Hoje são 180 hectares de café 100% arábica, transformado, que Henrique vende para boa parte das capi- tais brasileiras e 18 países desta- cando-se França, Inglaterra, Ja- pão, África do Sul, EUA, Chile, Áustria, Suíça, Espanha, países nórdicos, Austrália , Nova Zelân- dia, Itália, entre outros. O jacu bird super premium or- ganic coffee , da Camocim Orga- nic, tem preço alto. Segundo o produtor, pelo elevado custo de Henrique Sloper, da Camocim, está levando para o mundo inteiro o caro e saboroso jacu bird coffee Vale provar produção do sistema orgânico/ biodinâmico de agricultura. “To- do o processo é manual e extre- mamente dificil”, explica. Mas sua fazenda também tem boa si- tuação geográfica, o que fez com que a qualidade da terra e a pre- sença de muito mato favoreces- se a produção de um café ecolo- gicamente correto (café orgâni- co), sem muito trato cultural nem abuso de defensivos. Aliás, por ter a fazenda muito mato e capoeira, ela também sempre te- ve jacu. E a passarada de lá, des- de sempre, é viciada no café. Na época do grão maduro, parecia que os jacus não iam mais atrás de outra comida, só se fartavam de café. Houve quem percebesse a presença de quase 50 jacus co- mendo no pé. A cena, é claro, sig- nificava prejuízo, já que a pro- priedade produzia, na época, cer- ca de 600 sacas por safra. Não ha- vendo outro jeito, foi pedido a quem de direito autorização pa- ra dar fim aos jacus. OVO DE COLOMBO Mas o que foi visto como praga virou um dife- rencial. Com a demora em sair a autorização para o extermínio dos pássaros, nesse meio tempo Henrique descobriu o kopi Luwak, um café de Sumatra, na Indonésia (mais raro e caro do mundo), que passa pelo organismo de um espécime de gato do mato, e resol- veu fazer um teste similar com o café-jacu. Deu certo. A ave, que co- me o grão maduro no pé e tem um faro apuradíssimo, capaz de iden- tificar as frutas em ponto perfeito de maturação para sua alimenta- ção, virou solução. Hoje, havendo estoque suficiente, Henrique abre negociação e procura alcançar um preço compensador. Do contrário, segura mais um pouco. Afinal, tra- ta-se de artigo de luxo. Tem força no mercado, sendo exclusivo no mundo dos cafés "especialíssimos" - o "estritamente mole" (de 84 pon- tos até 100 – o que seria igual a co- mer uma fruta madurinha, no apogeu do processamento de seus açúcares, ácidos, aroma e sabor). No mundo dos cafés especiais , tra- ta-se do café gourmet, que nesse boletim começa exatamente com a nota 84. Daí para cima é quando o café não é mais comercializado em saco – pelo menos não em saco de 60 quilos –, mas sim em quilos. O que lhe confere peso de ouro. O jacu bird é esse achado. A Ca- mocim Organic acabou adotan- do o pássaro como parceiro na seleção natural de um café de al- ta qualidade e, por isso, conquis- tou inúmeras certificações inter- nacionais. Selecionado pela pró- pria natureza, ele segue um cu- rioso processo, nada nojento. Uma vez alimentado pelos me- lhores frutos, o jacu elimina os grãos ao pé das árvores de café, e estes são colhidos manualmente pela equipe da fazenda, sendo secos, limpos e guardados. Após um período de descanso, os grãos são torrados para o consu- mo e vendidos. A que preço? Ah! Isso é outra história. Das duas toneladas produzidas por ano do Jacu Bird Coffee, na Camocim, 80% vão para países como Japão e Estados Unidos O jacu-coffee foi um rentável ‘achado’ de uma fazenda tradicional FAZENDA CAMOCIM/DIVULGAÇÃO A nobreza na cozinha! Na semana que passou, participei de um evento muito especial que me levou a mais uma reflexão apaixonada. Preparei um jantar inesquecível na casa de amigos, onde as estrelas mais brilhantes foram magníficas trufas brancas, fresquíssimas e perfumadas, recém-chegadas de Alba, no norte da Itália. Num ritual digno de grandes gourmets, as iguarias foram fatiadas prato a prato, inebriando todos nós presentes, comensais e cozinheiros. Ao retornar para a cozinha, ainda impregnado daquele aroma peculiar, como ocorre a cada emoção vivida no meu ofício, iniciei uma peregrinação por meus neurônios, numa reflexão que já vem de longa data e parece interminável. Mesmo levando em conta minha adoração por esses "bichinhos" subterrâneos, tão raros e caros, cujo prazer em degustá-los depende de um faro apurado de cães treinados especialmente para encontrá-los numa região específica da Itália, naquele momento, enquanto preparava outras iguarias para o seleto grupo, comecei a matutar sobre a relação de amor e ódio de algumas pessoas por esse tal "tartuffo bianco" ou mesmo pela sua prima francesa "truffe noir". Tem gente que não aguenta nem sentir o forte aroma exalado, ou detesta o sabor marcante, mais popularmente permitido e conhecido na manteiga ou no azeite trufado. Mas o exotismo desse cogumelo subterrâneo, com o seu charme e glamour cantado em verso e prosa pelos italianos, conquistou os mais finos salões do mundo e seus chefs estrelados. Assim foi com outras estrelas da gastronomia mundial, que antes ilustres desconhecidas no mundo, como o tomate, chocolate, as batatas e tantas outras não menos nobres que viajaram e ganharam fama. Já imagino que você está pensando sobre meus devaneios. Pode até dizer loucura, o que já estou acostumado a ouvir, e até já me resignei. Sou doido mesmo, mas especialmente pelos sabores de Minas Gerais. E não vejo a hora de ver nos maiores restaurantes do mundo referências mais do que justas à nossa corte gastronômica comandada pelo "rei pequi", "rainha jabuticaba" e tantos outros nobres sabores ainda exóticos até para muitos de nós brasileiros. E não está longe desse meu arroubo insano, reforçado na ocasião do jantar pela inebriante trufa de Alba, ser atenuado pela adoção do "rei pequi" por grandes chefs. Em janeiro, por ocasião do evento Madrid Fusion que acontecerá na Espanha, o Chef mineiro e amigo Rodrigo "Zaza" Zarife estará entregando em mãos aos estrelados Juan Mari Arzak e sua filha Helena alguns polêmicos frutos do cerrado, juntamente com castanhas de baru, buriti e outros, para testes nos laboratórios de seu restaurante em San Sebastian, no país basco. Prenúncio da conquista do mercado internacional pelos sabores de Minas Gerais. Vamos trabalhar o marketing positivo, exaltando as propriedades nutricionais, as verdades afrodisíacas confirmadas pelo alto índice de natalidade registrado meses após a safra do pequi por exemplo. Assim, quem sabe, em breve vamos certificar e coroar nossa realeza a exemplo das trufas, foie gras, escargots e outras majestades da mesa internacional. E como o poder emana do povo, o exemplo tem de partir das regiões produtoras, e é exatamente o que estão fazendo empresários de Montes Claros nesse momento. Ao se encerrar a 27ª Festa Nacional do Pequi, que há quase três décadas exalta e divulga o famoso arroz com pequi, restaurantes da região promovem a partir desta quarta-feira o Festival Pequi no Prato, que até o próximo dia 22 apresentará novas alternativas culinárias da iguaria. Exemplo para outros produtos e regiões... Espero que você, como eu, tenha se superado da emoção causada pelas rainhas de Alba. Saudações gastronômicas!