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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 1
Colonizadores portugueses e domínios das terras no extremo norte do
Espírito Santo nos séculos XVIII e XIX
Anna Lúcia CÔGO
Universidade Estadual de Santa Cruz /UESC – Ilhéus/BA
[email protected]
Muitos aspectos envolvendo os fenômenos da imigração e colonização portuguesa no
Brasil ainda se encontram sem estudos mais aprofundados no campo historiográfico,
sobretudo quanto às especificidades que tais fenômenos apresentaram em meio a um extenso
território e em distintos períodos, e cujas lacunas devem ser preenchidas com as pesquisas e
estudos voltados para as diferentes realidades regionais do país.
Fatores externos e internos conformaram ritmos e perfis diferenciados ao fenômeno da
imigração/colonização portuguesa em território brasileiro, e tais variantes devem ser buscadas
nos estudos mais recentes que lidam com a temática no âmbito da história local/regional,
sobretudo quando o Brasil esteve sob domínio da Coroa Portuguesa – a “América lusitana”.
E, mesmo após a independência do Brasil, os reflexos e os efeitos desta imigração e
colonização são permeados de continuidades e rupturas, especialmente no que se refere às
diferentes trajetórias que marcaram a vida dos colonizadores portugueses e seus descendentes
no contexto brasileiro em geral, onde afloram múltiplas particularidades.
As pesquisas mais atuais, ao lidar com contextos regionais específicos, apresentam
nuanças diferenciadas para as diversas situações envolvendo os imigrantes portugueses na
epopéia da colonização brasileira. Nesta perspectiva, no decorrer deste texto, procurar-se-á
desvendar os meandros deste processo no evolver da ocupação territorial de São Mateus-ES,
abarcando desde a fase inicial da capitania até os fins do século XIX, período que compreende
uma “longa duração”, mas na qual daremos destaque a certos momentos representativos da
história de São Mateus, a saber: a criação oficial da Vila em 1764 (no contexto das reformas
pombalinas) e os meados do século XIX (marcado pela turbulenta conjuntura advinda da
proibição do tráfico externo de escravos africanos para o Brasil e a concomitante decretação
da Lei de Terras, ambas no ano de 1850).
Ressaltamos que o interesse pela abordagem do tema se relaciona à pesquisa realizada
recentemente, na qual procuramos investigar a história agrária de São Mateus nos oitocentos,
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onde constatamos o predomínio da produção da farinha de mandioca em larga escala, cuja
atividade permaneceu enquanto principal vetor da geração de riquezas na região durante todo
o período analisado. Verificamos que a comercialização e a exportação desta produção de
farinha foram viabilizadas pelas condições naturais existentes na região de São Mateus, a
exemplo da localização estratégica do seu porto fluvial e da navegabilidade do seu rio, e cujo
porto se encontrava conectado à costa brasileira através do porto marítimo da Vila da Barra,
onde se localiza a foz do rio São Mateus.
Constatamos também que na região de São Mateus verificou-se um crescimento
econômico lento e gradual nos dois primeiros séculos da colonização, mas que, a partir de
meados do século XVIII, esta situação começa a mudar, quando diversos fatores confluíram
para que a região despontasse como uma das maiores produtoras de farinha de mandioca da
costa brasileira, de onde esta era exportada em grandes quantidades para diversas regiões do
país. Assim, é no decorrer dos oitocentos que se verifica o ápice do crescimento econômico
de São Mateus e também a consolidação de uma oligarquia agrária e mercantil - uma espécie
de “pequena nobreza local” - com forte poder de influência regional e composta, em sua
maioria, por descendentes das famílias portuguesas estabelecidas em São Mateus.
Nesta pesquisa, diversas fontes históricas e as informações nelas contidas foram
selecionadas, sendo que somente uma parcela destas pode ser plenamente utilizada na
ocasião, ficando o restante à espera de novas oportunidades de estudos que pudessem revelar
outros aspectos da história regional. Neste sentido, a elaboração deste artigo se pautou na
consulta a essas fontes subutilizadas, nas quais os diversos indícios encontrados fornecem
subsídios para uma abordagem da história econômico-demográfica e social de São Mateus,
onde em todo período analisado sobressai a presença dos imigrantes portugueses e dos seus
descendentes na composição deste núcleo populacional.
No conjunto destas fontes, e atentando para os objetivos aqui propostos, destacam-se o
Auto de Medição e Demarcação da Vila de São Mateus de 1764 (documento que registra, em
detalhes, a criação da vila naquele ano), onde se encontra uma relação dos nomes completos
de 124 moradores daquela localidade, e também os Registros Paroquiais de Terras da década
de 1850 (referentes ao censo encomendado pelo governo imperial visando o levantamento dos
possuidores de terras em todo o território nacional após a decretação da Lei de Terras), nos
quais também constam diversos nomes/sobrenomes dos habitantes que declararam posses de
terras na Freguesia de São Mateus em meados do século XIX.
Além desta documentação, complementaremos este artigo com informações e dados
encontrados em outras fontes relativas à história do Espírito Santo e de São Mateus, e também
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na bibliografia consultada para este fim. Assim, tomando por referência o conjunto das
informações recolhidas neste leque de fontes e também na bibliografia, tentaremos reunir
análises e evidências que contribuam para corroborar a seguinte assertiva: desde os primeiros
tempos da capitania houve a predominância dos colonos portugueses no processo de ocupação
territorial da região de São Mateus-ES, onde certas condições naturais favoráveis encontradas
por estes, possibilitou a formação e consolidação de uma oligarquia agrária e mercantil,
composta, em sua maioria, por indivíduos descendentes desses primitivos colonizadores.
Tais questões, acerca da existência de um expressivo contingente de imigrantes
portugueses no evolver da história de São Mateus e também sobre o papel de destaque
ocupado pelas famílias descendentes destes nos quadros da hierarquia social daquela região,
constituem o fio condutor das argumentações aqui reunidas, e cuja elaboração se pautou na
análise dos dados selecionados nas fontes supracitadas, sobretudo nos registros dos nomes
completos de uma significativa parcela dos habitantes daquela localidade em contextos
históricos distintos, ou seja, no ano 1764 e no decorrer do século XIX.
Em momentos oportunos do texto tentaremos estabelecer conexões entre as situações
que envolveram os imigrantes portugueses no processo de ocupação territorial da região de
São Mateus-ES e as características geralmente atribuídas à imigração/colonização portuguesa
no Brasil. Sendo assim, antes de adentrar nas especificidades de tais processos no caso de São
Mateus, destacaremos, em linhas gerais, as questões que mais sobressaem nos estudos que
focam a temática numa perspectiva mais ampla, abarcando os principais aspectos que
nortearam a presença dos imigrantes portugueses em diferentes momentos da história
nacional e o papel de destaque que lhes coube no processo colonizador das terras brasileiras.
Salientamos ainda que, nesta empreitada, não realizamos um levantamento exaustivo
do conjunto da produção historiográfica dedicada ao tema - já que isto fugiria aos propósitos
deste artigo -, mas que procuramos na mediada do possível, privilegiar determinadas obras e
autores mais voltados ao tipo de abordagem dado ao tema neste estudo.
Nesta perspectiva, o estudo de Ana Scott traz contribuições relevantes, pois a autora
fornece um breve balanço da produção historiográfica relativa ao tema, ressaltando que, após
efetuar um levantamento na bibliografia disponível até os anos de 1990, constatou que “os
estudos sobre a imigração portuguesa para o Brasil eram, comparativamente, menos
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numerosos que os dedicados a outras etnias, especialmente em se tratando dos italianos,
alemães, japoneses, entre outros grupos de imigrantes.” 1.
Acerca disto, observamos que semelhante quadro também se aplica no âmbito da
produção historiográfica sobre o Espírito Santo, onde existe um reduzido número de
abordagens sobre o tema, já que, no conjunto dos estudos relativos aos imigrantes e as suas
contribuições ao processo de colonização das terras espírito-santenses, sobressaem os
trabalhos dedicados às outras etnias estabelecidas em solo capixaba, principalmente os
italianos e os alemães, instalados em núcleos coloniais criados pelo governo imperial.
Ao avaliar o grau de importância que a história do Espírito Santo ocupa no conjunto
da produção historiográfica relativa aos oitocentos, Nara Saletto destaca que os autores se
restringem a incluir o Espírito Santo na região do café e a mencionar as colônias oficiais de
imigrantes nele fundadas, sendo que “as particularidades da economia cafeeira local e do
processo de colonização estrangeira permanecem muito pouco conhecidas”. Isto ocorre,
segundo a autora, devido à limitação imposta pela carência de estudos regionais. 2
A questão envolvendo o desinteresse dos historiadores (brasileiros e portugueses)
pelo estudo da temática da imigração e da colonização portuguesa no Brasil, e cuja situação se
manteve nos quadros da historiografia até os anos de 1990, é apontada por Ana Scott 3, que
propõe uma reflexão “sobre os fatores que inibiram ou, pelo menos retardaram o interesse dos
pesquisadores dos fenômenos migratórios no que diz respeito aos estudos sobre portugueses”.
Esta lacuna, que se manteve por um longo período no conjunto da produção
historiográfica, pode ser justificada, segundo Scott, quando se considera as especificidades
associadas à forma de inserção dos portugueses no Brasil, marcada por mecanismos
diferenciados daqueles utilizados por outras etnias de imigrantes estrangeiros que entraram no
país, haja vista que o domínio da língua portuguesa e o auxílio dos compatriotas já
estabelecidos no Brasil proporcionaram maior autonomia ao imigrante português em sua
inserção nesta sociedade, e lhes conferiu maiores vantagens em relação aos outros grupos de
imigrantes estabelecidos no país.
1 Ana Silvia Volpi SCOTT, A imigração portuguesa para o Brasil a partir de uma perspectiva microanalítica,
Revista História Unisinos, Vol.11 Nº. 1 – São Leopoldo-RS, Universidade do Vale do Rio dos Sinos /
UNISINOS, janeiro/abril de 2007. 2 Nara SALETTO, Transição para o trabalho livre e pequena propriedade no Espírito Santo, Vitória, EDUFES,
1996, p. 9. 3 Houve anteriormente outros autores que também apontaram esta lacuna, dentre estes, Maria Beatriz Nizza da
Silva (que em 1984 ressaltou a falta de estudos sobre o tema, tanto na produção historiográfica lusa quanto na
brasileira) e M. I. S. Matos (que em 1993 destacou para o caso de São Paulo a inexistência de trabalhos
monográficos sobre os portugueses, sua vida quotidiana, a sua atuação no mundo do trabalho, etc.) - Cf. Ana
Silvia Volpi SCOTT, A imigração portuguesa para o Brasil..., op. cit., 2007, p. 118.
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Contudo, se tais fatores favoreceram a inserção dos imigrantes portugueses no Brasil,
por outro lado, promoveram a “dispersão” de parcela deste contingente que, devido a essas
facilidades, não necessitava passar pelos canais que geralmente envolvia a recepção dos
imigrantes estrangeiros no país. Tal situação, somada ao estabelecimento dos portugueses em
áreas mais urbanas, conferiu uma relativa “invisibilidade” à imigração de origem portuguesa
no seio da população, dificultando o seu tratamento enquanto grupo nas pesquisas voltadas
para a temática da imigração no Brasil. Scott destaca ainda que “a inserção mais urbana desse
contingente e, sobretudo, a impossibilidade de identificá-los como portugueses, pelo nome da
família, distinguindo-os de brasileiros comuns cria mais dificuldades para o seu tratamento,
enquanto grupo”. 4 Contudo, esta afirmativa pode ser relativizada, tendo em vista que as
características da imigração portuguesa para o Brasil e os formatos que esta apresentou no
território nacional foram revestidas de particularidades, conforme a época e região enfocadas.
Assim, nos centros urbanos mais desenvolvidos, tal assertiva pode ser plausível, mas,
em se tratando de vilas e núcleos populacionais com baixas densidades demográficas e
localizadas no hinterland do vasto território brasileiro, a identificação da presença dos
colonizadores portugueses e dos seus descendestes apresenta maior viabilidade, sobretudo
quando se dispõe de fontes que registram nomes e sobrenomes de famílias integrantes daquela
sociedade em distintos períodos, tal como constatamos para o caso de São Mateus.
Sobre a presença dos imigrantes portugueses no Espírito Santo no final do século XIX,
Nara Saletto aponta determinadas características da inserção destes na sociedade capixaba,
com base nos dados do censo realizado em 1900, no qual constata que os portugueses
constituíam parcela significativa dos estrangeiros no Estado à época (7% do total), sobretudo
na capital que concentrava 16% do total dos imigrantes portugueses estabelecidos no Espírito
Santo, e onde dentre 70 estrangeiros, 28 eram portugueses.
Fica patente ainda neste censo, segundo a autora, a participação privilegiada dos
portugueses no ramo do comércio (onde ocupavam cerca de 200 postos), além de
representarem parcela significativa na categoria dos artesãos da capital, e constituírem
também a maioria dentre os estrangeiros que viviam de rendas (10 portugueses no total de 14
imigrantes). Contudo, pontua Saletto, tais constatações não implicam que a imigração
portuguesa no Espírito Santo tenha sido essencialmente urbana, pois, “na verdade, os
portugueses estiveram presentes tanto na cidade quanto no campo” 5 - sendo que, neste último
4 Cf. Ana Silvia Volpi SCOTT, A imigração portuguesa para o Brasil..., op. cit., 2007, p.119.
5 Nara SALETTO, Trabalhadores nacionais e imigrantes no mercado de trabalho do Espírito Santo (1888-
1930), Vitória-ES, EDUFES, 1996, p. 174 e 175.
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caso, registra-se um grande percentual destes tanto no sul quanto no norte do estado,
conforme demonstram os quadros demográficos de São Mateus em períodos precedentes.
No tocante às pesquisas relativas à imigração e colonização portuguesa no Brasil, e
em cuja área se registrou o desinteresse dos historiadores até o início da década de 1990, nota-
se sinais de mudanças no transcurso desta mesma década, quando novos alentos reanimaram
tais estudos, provocando o crescimento de pesquisas e publicações sobre a temática, tanto em
Portugal quanto no Brasil, onde este impulso é geralmente associado à conjuntura favorável
aberta na ocasião das Comemorações dos 500 anos do Brasil. Observa-se que o incremento
desses estudos pode estar relacionado também aos estímulos dos pesquisadores diante dos
“novos aportes teórico-metodológicos e novas fontes a serem aplicados no estudo dos
fenômenos migratórios”, haja vista que a maioria dos trabalhos até então realizados,
focalizava “ora o fenômeno da emigração, de um ponto de vista dos determinantes dessa, ora
os imigrantes portugueses já apanhados em solo brasileiro, tratados como grupo imigrante
dotado de características específicas”, não existindo, portanto, o tratamento do fenômeno
migratório em sua totalidade. 6
No que tange aos fluxos da imigração portuguesa para o Brasil em termos
quantitativos, percebemos a incidência de grandes variações numéricas, conforme os períodos
em que estes se verificaram no transcurso da história brasileira e portuguesa. Contudo,
interessa-nos aqui destacar os dados quantitativos que compreendem as etapas inerentes ao
período colonial e imperial do Brasil, tendo em vista o recorte temporal adotado neste estudo.
TABELA 1: Estimativas da imigração portuguesa para o Brasil (1500-1900)
Períodos Nº imigrante %
1500-1700 100.000 9,40
1701-1760 600.000 56,70
1808-1817 24.000 2,30
1827-1829 2.004 0,18
1837-1841 629 0,05
1856-1857 16.108 1,52
1881-1900
Total
316.204
1.058.945
29,85
100 %
Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000 - disponível
em http://www.obge.gov.br/brasil500/portugueses.html , acesso em 10/03/2011.
6 Cf. Ana Silvia Volpi SCOTT, A imigração portuguesa para o Brasil..., op. cit., p.119.
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Nos dados expostos na Tabela 1, percebemos claramente que, no conjunto do período
enfocado, o maior pico da entrada dos portugueses na colônia brasileira se verifica entre 1701
e 1760, cujo fenômeno se relaciona à conjuntura econômica favorável iniciada com a
descoberta e exploração do ouro, a qual se constituiu na principal atração deste expressivo
contingente de 600.000 portugueses para o Brasil num intervalo de 60 anos (56,7 % do total),
e cujos dados se apresentam muito díspares em relação ao contexto verificado no período
precedente (1500-1700), quando se registrou a entrada de 100.000 imigrantes portugueses
num longo período de aproxidamente 200 anos (9,4 % do total).
Observando os indícios e as informações recolhidas nas fontes referentes à história de
São Mateus e do Espírito Santo, especialmente no que se refere à movimentação ou fluxo dos
imigrantes portugueses no território espírito-santense, pode-se inferir que os ritmos e as
dinâmicas que conformaram a trajetória desses colonizadores no Brasil, apresentam
similaridades com os processos e tendências que marcaram a inserção numérica dos
imigrantes e colonos portugueses no Espírito Santo, especialmente na região de São Mateus.
Ainda acerca das origens e perfil dos imigrantes oriundos de Portugal e que
participaram efetivamente no processo de colonização das terras brasileiras desde o período
colonial, registra-se uma forte incidência dos “marranos”, que aparecem com destaque em
diversos momentos importantes da história do país, a começar pela presença de indivíduos de
origem judaica na composição da frota comandada por Cabral, já que os mesmos atuavam no
campo da astronomia e no financiamento das expedições marítimas para o Novo Mundo. 7
Ressalta-se que os primeiros colonos portugueses trazidos para a Capitania do Espírito
Santo pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho, em número de 60 homens, “não eram
elementos selecionados nem organizados para uma distribuição em núcleos coloniais, mas
dispersos, constituídos de escravos na sua maior parte e de criminosos”, sendo que apenas
alguns fidalgos “porque eram degredados, cumprindo penas por crimes que tinham praticado,
quiseram acompanhar o donatário” - dentre estes D. Jorge de Menezes e D. Simão de Castelo
Branco, aos quais coube administrar a capitania quando o donatário Coutinho foi a Portugal
em busca de maiores recursos para promover melhorias em suas possessões no Brasil. 8
7 Mesmo havendo controvérsias acerca da origem e significado do termo “marrano”, destaca-se que este é
originário da palavra hebraica anussim, ou seja, “conversos forçados”, designando aqueles judeus que tiveram
que abandonar o judaísmo, ao menos formalmente, passando a aparentar uma vida pública como católicos, sendo
também conhecidos pela denominação de cristãos-novos ou judaizantes (judeus ocultos). – Cf. Revista Judaica,
Nº. 11, Março/1998, disponível em http://www.judaica.com.br/materias/011_15e16.htm , acesso em 27/01/2011. 8 Informações retiradas das seguintes obras: Heribaldo Lopes BALESTRERO, O povoamento do Espírito Santo,
Viana-ES, Prefeitura Municipal de Viana, 1976, p. 20; e, Eliezer Ortolani NARDOTO & Herinéa Lima
OLIVEIRA, História de São Mateus, São Mateus-ES, Editora Atlântica Ltda., 2001, p. 28.
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Ao pesquisarmos as origens do povoado de São Mateus nos tempos iniciais da
capitania, constatamos que não há informações precisas sobre este assunto, havendo apenas
certas hipóteses aventadas por estudiosos da história regional, dentre as quais consideramos
como mais provável a que sustenta serem os primeiros povoadores daquela região os colonos
portugueses trazidos inicialmente por Vasco Coutinho, donatário da Capitania. Estes,
estabelecidos na parte central do território (sede da capitania), após sofrerem diversos ataques
dos índios, resolveram se dispersar para outros locais, sendo que uma parcela destes se dirigiu
para o extremo norte da capitania, dando origem ao núcleo populacional de São Mateus. 9
Digno de menção acerca deste período é o fato de que os primeiros contatos dos
portugueses com os primitivos habitantes de São Mateus não foram nada amistosos, haja vista
que a documentação histórica registrando a presença mais remota dos portugueses naquela
região refere-se à denominada Batalha do Cricaré 10
, ocorrida em fins de janeiro de 1558, e
considerado um dos episódios mais violentos nos conflitos entre portugueses e índios no país.
Segundo as informações obtidas nas fontes que registram este episódio, a referida
batalha ocorreu próximo à confluência dos rios Cricaré e Mariricu, e foi um confronto
ordenado por Mem de Sá, então Governador Geral do Brasil, o qual enviou seu próprio filho,
Fernão de Sá, no comando de cinco barcos com aproximadamente 200 homens, em auxílio ao
donatário da Capitania do Espírito Santo, visando conter os levantes indígenas contra a
dominação portuguesa naquela capitania, após solicitação feita por Vasco Fernandes
Coutinho, em correspondência remetida ao Governo Geral do Brasil em 1557.
Contudo, nota-se que no evolver desta Batalha, os primitivos habitantes de São
Mateus - os índios Botocudos -, apresentaram forte resistência à investida dos portugueses em
seus territórios, cujo violento enfrentamento resultou, por um lado, no aprisionamento e
extermínio de centenas de índios e, por outro lado, culminou na morte do filho de Mem de Sá
e de outros integrantes daquela expedição. O trágico final deste episódio fixou São Mateus na
história do Brasil como o lugar onde os portugueses sofreram a sua primeira derrota.
No entanto, registra-se que Mem de Sá, ao tomar ciência dos fatos e da morte do seu
filho, indignado, organizou um novo massacre aos índios, o qual se constituiu na primeira
grande exterminação dos nativos nas etapas iniciais do período colonial. Porém, desta feita,
tal episódio ficou historicamente conhecido como a primeira vitória de Mem de Sá no Brasil,
9 Cf. Gabriel BITTENCOURT, Notícias do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Editora Cátedra, 1989, p. 27.
10 O rio São Mateus era também conhecido como rio Cricaré (nome de origem indígena) – Cf. Maria do Carmo
de Oliveira RUSSO, Cultura política e relações de poder na região de São Mateus: o papel da Câmara
Municipal (1848/1889), Vitória-ES, Universidade Federal do Espírito Santo/UFES, 2007, p. 14 – disponível em
www.ufes.br/ppghis/Documentos/2005-1/14.pdf, acesso em 23/03/2011.
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pois, foi tão grande a matança de índios, inclusive dos seus chefes, que o próprio Mem de Sá,
em carta enviada ao Rei de Portugal, faz a seguinte menção: Fica a Capitania do Espírito
Santo agora muito pacífica e o seu gentio tão castigado: mortos tantos e tão principais que
parece que não levantarão a cabeça tão cedo. 11
A existência de um grande contingente indígena no território espírito-santense e as
diversas formas de resistência desses povos ao avanço do processo colonizador nos três
primeiros séculos da colonização, figura entre os principais fatores que obstaculizaram a
ampliação da fronteira agrícola e das atividades econômicas em geral, contribuindo para o
“fracasso” da capitania e para a estagnação da economia regional até meados dos oitocentos,
quando o Espírito Santo se insere, mesmo que timidamente, na economia cafeeira do país.
Nesta perspectiva, é importante destacar certos aspectos envolvendo a trajetória dos
povos Botocudos 12
, sobretudo no norte do Espírito Santo (com foco privilegiado na região de
São Mateus), onde a expressiva presença numérica desses povos ocasionou diversos conflitos
entre os colonizadores e os povos indígenas, quando estes apresentaram resistências ao
avanço do processo colonizador. Nota-se que maioria dos relatos e estudos referentes à
questão, evidencia e enaltece os episódios e as ações criminosas e perversas empreendidas
contra esses índios pelos agentes da colonização desde o século XVI, sendo que, por outro
lado, o conjunto das ações e reações desses grupos indígenas ao avanço sobre os seus
territórios, é classificado negativamente como barbarismo, crueldade e antropofagia.
A presença dos Botocudos nas matas dos rios São Mateus, Cotaxé e Doce, é
geralmente considerada como o principal empecilho à colonização e expansão da ocupação
territorial, não somente em São Mateus, mas também em grande parte da região norte da
província. Os Botocudos sempre foram temidos, pois enfrentavam com valentia a penetração
dos colonizadores em suas terras tentando preservar a integridade do seu povo. Mesmo após a
elevação de São Mateus à categoria de vila, esses índios continuaram a atacar as fazendas,
destruindo toda espécie de melhorias feitas pelos colonos nas terras indígenas ou pelas
11
Citação extraída da obra de José Teixeira de OLIVEIRA, História do Estado do Espírito Santo, Rio de
Janeiro, IBGE, 1951, p. 92. 12
As primeiras notícias acerca da existência dos índios Botocudos (ainda chamados de Aimoré ou Tapuia) foram
registradas a partir das tentativas iniciais de colonização do país. O território ocupado pelos Botocudos
compreendia grandes faixas da Mata Atlântica e da Zona da Mata, cujos limites prováveis seriam o vale do
Salitre, na Bahia, e o rio Doce, no Espírito Santo. A área reconhecida como território botocudo tem por limite
norte o rio Una que deságua na baía de Camamu e, por sul, o rio Doce. Nessa faixa de terra estão englobadas as
bacias dos rios Una, Contas, Pardo, Jequitinhonha, São Mateus, Mucuri e Doce – Cf. Maria Ilda Barqueiro
PARAÍSO, Os Botocudos e sua trajetória histórica, In História dos Índios no Brasil, Manuela Carneiro da
CUNHA (org), São Paulo, Cia. da Letras / Secretaria Municipal de Cultura / FAPESP, 1992 - de onde retiramos
a maior parte das informações referentes aos índios Botocudos citadas neste artigo.
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redondezas. O processo colonizador esbarrava na entrada das florestas, porque os índios não
permitiam as explorações, atacando as pessoas ou destruindo as construções, usando para isto
estratégias sempre surpreendentes.
No início do século XIX, o conde de Linhares mantinha um grande interesse no
projeto de estabelecer um comércio regular entre Minas Gerais e o litoral do Espírito Santo,
através da navegação do rio Doce. Entretanto, o que mais atrapalhava era a agressividade dos
povos Botocudos. A influência política do Conde junto ao governo de D. João VI viabilizou a
edição da Carta Régia de 1808, a qual estabeleceu o extermínio dos Botocudos do rio Doce,
tornando oficial a guerra declarada pelo Conde de Linhares aos índios de toda a região norte.
Neste contexto, a região passou a abrigar “aventureiros de todas as espécies” que estivessem
dispostos a perseguir e atacar os povos Botocudos. A esses “aventureiros” era dado o direito
de aprisionar e transformar os índios em escravos, sendo que também não haveria punição
àqueles que abatessem esses índios. Sendo assim, a partir da chegada maciça de exploradores
no século XIX, os índios começaram a sofrer derrotas sucessivas.
Em meados do século XIX, entre os exploradores dos territórios indígenas Botocudos,
a maioria de má índole, registra-se que um “certo comandante apresentou, em São Mateus,
como troféu, trezentas orelhas de Botocudos destroçados. Para aguçar o faro aos cães e
adestrar a caça ao índio, alimentavam-nos com carne botocuda...”, tornando-se “desportivo
matar aldeias de selvagens”. Contudo, a valentia, as estratégias de ataques aos colonos –
mareriques 13
- e a grande densidade demográfica dos Botocudos, foram as condições que
lhes garantiram resistir à civilização européia durante aproximadamente trezentos anos.
Diante de tais fatos, observa-se que a relação entre os colonizadores portugueses e os
indígenas da região de São Mateus se caracterizou como bastante violenta desde o princípio e
permaneceu conflituosa por um longo período, haja vista que os índios, quando podiam,
atacavam e destruíam as benfeitorias feitas pelos portugueses na incipiente povoação e
continuaram agindo desta forma no decorrer dos tempos, até, pelo menos, o final do século
XIX. Houve épocas em que os colonos portugueses estabelecidos naquelas terras não
ousavam ir às roças ou à pesca, temendo os constantes ataques dos índios Botocudos que,
desta maneira, procuravam defender seus territórios e evitar a escravização do seu povo.
Depois dos trágicos episódios e as situações conflituosas envolvendo portugueses e
indígenas e que marcaram os dois primeiros séculos da colonização, o fato mais importante
13
Mareriques = Fortalezas de pau-a-pique construídas pelos Botocudos para se defender dos invasores dos seus
territórios, e cuja tática foi usada com sucesso na famosa Batalha do Cricaré – Cf. Eliezer Ortolani NARDOTO
& Herinéa Lima OLIVEIRA, História de São Mateus, op. cit., 2001, p. 105 a 116.
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relativo à participação dos portugueses no processo colonizador de São Mateus verifica-se no
início do século XVIII, quando o cidadão português Domingos Antunes por lá se estabeleceu.
Natural da cidade do Porto, ele se casou na vila da Vitória-ES e possuía terras às margens do
rio Cricaré. Em 1716 recebeu a alta patente de Capitão dos Moradores de São Mateus,
concedida pelo Marquês de Angeja, então Governador-Geral, em cuja ocasião, foi também
nomeado o cidadão português Antônio Rocha Cardoso como Juiz Vintenário da povoação.
Na condição de Capitão dos Moradores de São Mateus, Domingos Antunes tornou-se
subordinado direto do Capitão-mor da Capitania do Espírito Santo, Antônio de Oliveira
Madail, ao qual enviou uma carta tecendo elogios às condições favoráveis que encontrou
naquela localidade, destacando a fertilidade do vale do Cricaré, a piscosidade do rio e a
relativa harmonia mantida com os índios da região. Assim, de posse de tais informações, o
Capitão-mor Madail tomou providências imediatas para incentivar o povoamento daquela
área e, mediante publicações, ofereceu garantias, licenças, transporte gratuito e outras
vantagens a todos que manifestassem interesse em migrar para São Mateus.
Neste sentido, registra-se que a primeira expedição partindo de Vitória para São
Mateus, conduziu uma média de cinco famílias migrantes, cujos nomes e sobrenomes são
tipicamente de origem portuguesa, a saber: Antônio Gomes da Fonseca (mais quatro
familiares), Sebastião Lopes (mais seis familiares), Manoel de Souza (mais três familiares),
Antônio Mendes de Vasconcelos (mais dez familiares) e Antônio Borges (mais um escravo).
Percebe-se, portanto, que o Capitão-mor Madail esforçou-se no sentido de promover o
povoamento da incipiente localidade, fornecendo ajuda pessoal ao Capitão dos Moradores.
Após este feito, e nos anos subseqüentes, a referida povoação apresentou sinais de
prosperidade, tendo como núcleo principal o povoado erguido na parte alta do vale do
Cricaré, o qual alcançou maior projeção com as notícias relativas à descoberta do ouro em
Minas, próximo à cabeceira do rio de mesmo nome. Acerca disto, destaca-se que, em
Portugal, sabia-se detalhadamente tudo o que estava ocorrendo na região de São Mateus à
época, e também que tais notícias atraíram muitos aventureiros de outras regiões do país,
sobretudo os mineiros, que se dirigiam àquela povoação com vistas a trocar seus achados por
alimentos, tais como farinha de mandioca, peixe, sal, dentre outros. Esta situação contribuiu
sobremaneira para dinamizar a economia e o comércio local, sendo exatamente nesta
conjuntura favorável que a povoação de São Mateus foi elevada à categoria de vila.14
14
A criação da Vila de São Mateus foi determinada por Pombal, em conformidade com as diretrizes das
chamadas Reformas Pombalinas, visando obstaculizar o contrabando de ouro no território brasileiro - Cf. Eliezer
Ortolani NARDOTO & Herinéa Lima OLIVEIRA, História de São Mateus, op. cit., 2001, p. 32.
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Tomando por base os registros efetuados no Auto de Medição e Demarcação da Vila
de São Mateus em 1764 15
, podemos destacar informações que possibilitam visualizar um
quadro demográfico e social daquela localidade à época, cuja população arrolada foi de
aproximadamente 453 habitantes (sem incluir escravos e índios), estabelecidos numa média
de 100 domicílios/fogos (estimativa nossa com base nos dados reunidos na Tabela 2).
Este número total de habitantes (453 moradores) representa um contingente
populacional de reduzidas proporções no conjunto do território brasileiro à época, mas que,
quando situado no contexto histórico e demográfico capixaba do período colonial, adquire
certa importância, já que a região de São Mateus se manteve como um dos principais núcleos
produtivos e populacionais do Espírito Santo à época, sendo considerado como uma das áreas
de povoamento mais antigo do território espírito-santense.
TABELA 2: População de São Mateus em 1764
Habitantes da vila / condição familiar Nº. de indivíduos %
Casais (em número de 98 X 2 = 196 hab)
Filhos destes casais
Viúvos
Filhos destes viúvos
Viúvas
Filhos destas viúvas
196
206
12
17
7
15
43,3
45,5
2,6
3,8
1,5
3,3
Total de habitantes 453 100
Fonte: Tabela construída com dados recolhidos em Eliezer Ortolani NARDOTO & Herinéa
Lima OLIVEIRA, História de São Mateus, op. cit., 2001, p. 36.
Deduzimos uma grande proporção de jovens no conjunto desta população, sobretudo
se agregarmos os percentuais relativos aos filhos dos casais (45,5%), aos filhos de viúvos
(2,6%) e aos filhos de viúvas (3,3%), o que resulta em mais da metade deste contingente
populacional, ou seja, em 51,4% do total (Ver Tabela 2). Tal constatação torna-se relevante se
atentarmos para o fato de que, a partir de meados do século XVIII, a vila começa a prosperar
e cujas transformações incidem naturalmente sobre o crescimento e a diversificação do seu
quadro demográfico-social, conforme se observa nos dados relativos à população de São
Mateus, apurados em 1827 (Ver Tabela 3).
15
Documento que registra a criação da Vila de São Mateus em 1764, intitulado Auto de Medição e Demarcação
que mandou fazer o Doutor Desembargador Ouvidor Geral desta Comarca e Capitania de Porto Seguro, Thomé
Couceiro de Abreu, da praça que fica defronte da Igreja Matriz caminhando para o leste a qual fica com o
nome de Rua Nova da Igreja, levantamento de Pellourinho e declaração do nome que o dito Ministro deu a esta
nova Villa – Fragmentos do texto desse documento são citados em Eliezer Ortolani NARDOTO & Herinéa Lima
OLIVEIRA, História de São Mateus, op. cit., 2001, p. 33-40.
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Colonizadores portugueses e domínios das terras no extremo norte do Espírito Santo nos séculos XVIII e XIX
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 13
Ao compararmos os dados demográficos de 1764 com os de 1827, fica evidente que
no transcurso de 63 anos (1764 a 1827), houve um considerável aumento do número de
habitantes em São Mateus e também uma maior diversificação na composição de sua
população. Tal percepção é facilitada pelo fato de que, no censo populacional de 1827, houve
maior preocupação em quantificar as diferentes categorias de habitantes da vila, incluindo
nestas o número de índios e de escravos, cujos dados não constam no levantamento de 1764.
TABELA 3: População de São Mateus em 1827
Categorias/Hab. Homens % Homens Mulheres % Mulheres Total % Total
Brancos 472 49,8 475 50,2 947 15,1
Índios 393 50,2 390 49,8 783 12,5
Pardos Livres 500 51,4 473 48,6 973 15,5
Pardos Cativos 333 50,0 333 50,0 666 10,6
Pretos Livres 298 56,8 227 43,2 525 8,4
Pretos Cativos 1.228 52,1 1.133 47,9 2.361 37,7
TOTAL 3.224 51,5 3.031 48,5 2.255 100
Fonte: Tabela construída com base nos dados coletados em Eliezer Ortolani NARDOTO & Herinéa Lima
OLIVEIRA, História de São Mateus, op. cit., 2001, p. 41.
Lamentavelmente não podemos efetuar maiores comparações entre os dados dos dois
quadros demográficos (Tabela 2 e 3), pois, o documento registrando a criação da vila em
1764, não traz informações detalhadas sobre aquela população, a exceção dos nomes e
sobrenomes de 124 habitantes do sexo masculino que estiveram presentes à solenidade que
presidiu o ato, e que, exatamente por isto, tiveram seus nomes e assinaturas constantes no
termo que registra oficialmente a medição e demarcação da vila naquele mesmo ano.
Com base nos dados reunidos na Tabela 4, referentes aos nomes/sobrenomes de 124
habitantes de São Mateus no ano de 1764, podem-se estabelecer relações com os dados
constantes na Tabela 5, onde são considerados 102 nomes/sobrenomes dos declarantes de
posses de terras naquela localidade em meados dos oitocentos, após a decretação da Lei de
Terras em 1850.
TABELA 4: Nomes e sobrenomes mais recorrentes na população de São Mateus em 1764.
Nomes Nº. incidência % Sobrenomes Nº. incidência %
João
José
Francisco
17
15
13
13,7
12,1
10,5
Silva
Pereira
Rodrigues
18
10
8
14,5
8,2
6,5
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Antonio
Manoel
Ignácio
Miguel
Outros *
-
-
-
-
-
-
-
-
-
12
11
8
5
43
-
-
-
-
-
-
-
-
-
10,0
9,0
6,5
4,0
34,2
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Costa
Souza
Lopes
Mendonça
Gomes
Barcelos
Santos
Mendes
Nunes
Ramos
Andrade
Oliveira
Paz
Outros *
8
5
5
4
4
3
3
3
2
2
2
2
2
43
6,5
4,0
4,0
3,2
3,2
2,4
2,4
2,4
1,7
1,7
1,7
1,7
1,7
34,2
Total 124 100 Total 124 100
Fonte: Tabela construída com os dados recolhidos em Eliezer Ortolani NARDOTO & Herinéa
Lima OLIVEIRA, História de São Mateus, op. cit., 2001, p. 39.
(Outros* = nomes e sobrenomes com apenas uma incidência).
Assim, ao efetuarmos uma comparação entre os nomes/sobrenomes dos habitantes de
São Mateus registrados no ano de 1764 e aqueles apurados para a década de 1850, podemos
destacar que, mesmo havendo determinadas variações nas predominâncias e incidências
desses nomes e sobrenomes nos respectivos períodos, nota-se que nas duas situações
prevalecem os nomes e sobrenomes considerados de origem tipicamente portuguesa, os quais
mantêm certos destaques entre os moradores da vila em 1764 e também no rol dos declarantes
das posses de terras na Freguesia de São Mateus nos anos de 1854/56.
Na observação dos nomes próprios mais comuns em São Mateus, o destaque coube a
José, pois, nos respectivos períodos enfocados, este se mantém com grandes percentuais de
incidência nas amostragens verificadas nas duas fontes privilegiadas neste estudo, sendo
muito recorrentes também os nomes João, Francisco, Manoel, Antônio, dentre outros. E, em
relação aos sobrenomes, se destaca o Silva, pois este apresenta a maior incidência no ano de
1764 e ocupa o segundo lugar entre os sobrenomes apurados em meados do século XIX,
havendo também grande incidência dos Souza, Rodrigues, Gomes, Pereira e outros16
.
16
Maiores informações acerca dos nomes e sobrenomes portugueses mais usuais em Portugal e no Brasil são
encontradas em http://pt.wikipedia.org/wiki/Nomes_e_sobrenomes_portugueses, acesso em 27/01/2011.
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TABELA 5: Nomes e sobrenomes mais recorrentes na população de São Mateus em meados do século XIX.
Nomes Nº. incidência % Sobrenomes Nº. incidência %
José
Antonio
Manoel
Francisco
Domingos
João
Ignácio
Joaquim
Caetano
Joaquina
Outros *
-
-
-
-
-
-
-
23
16
16
7
5
5
4
4
3
2
17
-
-
-
-
-
-
-
22,5
15,7
15,7
6,9
4,9
4,9
3,9
3,9
2,9
1,9
16,8
-
-
-
-
-
-
-
Souza
Silva
Gomes
Rodrigues
Santos
Jesus
Nascimento
Pereira
Sodré
Chagas
Silvares
Conceição
Faria
Motta
Ribeiro
Mello
Barcelos
Outros *
9
7
7
7
6
6
5
4
4
3
3
3
2
2
2
2
2
28
8,8
6,9
6,9
6,9
6,0
6,0
4,9
3,9
3,9
2,9
2,9
2,9
1,9
1,9
1,9
1,9
1,9
27,6
Total 102 100 Total 102 100
Fonte: Registros Paroquiais de Terras de São Mateus (1854-1856) – Livro 73 – Fundo Agricultura / Arquivo
Público do Espírito Santo/APES – (Outros* = nomes e sobrenomes com apenas uma incidência).
A origem do sobrenome Silva é controversa, mas tudo indica que tenha surgido no
Império Romano para denominar os habitantes das regiões de matas ou florestas (silva, em
latim, é "selva"), os quais se refugiaram justamente na península Ibérica (Portugal e Espanha).
Muitos portugueses que vinham para o Brasil, em geral degredados, em busca de vida nova
adotavam o "Silva" para se beneficiar do anonimato que o sobrenome comum oferecia. O
sobrenome ganhou especial popularidade no Brasil com a chegada dos escravos, pois estes ao
desembarcar dos navios vindos da África, eram "batizados" e ganhavam um nome cristão em
português. O sobrenome vinha depois e geralmente era o mesmo do dono do escravo,
registrando-se que muitos proprietários eram "Silva", sobrenome comum em Portugal.
Algumas dessas famílias de origem portuguesa, sobretudo os seus descendentes,
adquiriram importância considerável no contexto sócio-econômico e político de São Mateus
em todo o período enfocado, cuja maior visibilidade se verifica no decorrer dos oitocentos,
quando muitos destes aparecem com destaque entre os maiores proprietários de terras e os
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comerciantes mais ricos da região, além de se projetarem no cenário político regional,
assumindo cargos importantes nas estruturas do poder local e provincial. 17
A situação de privilégio dos portugueses e dos seus descendentes nas estruturas de
poder ao nível regional torna-se evidente na composição da Câmara Municipal de São Mateus
em 1823, cujos cargos dos dirigentes e dos principais integrantes da mesma são ocupados por
nomes e sobrenomes tipicamente portugueses, incluindo-se nestes as autoridades geralmente
presentes às reuniões, a saber: o Capitão Bento de Jesus Silvares (juiz presidente), o Sargento
José Antônio de Oliveira (juiz ordinário), José Joaquim de Almeida Coutinho Lessa (vereador
mais velho), Francisco José da Costa (procurador do conselho), Manoel Joaquim Coutinho de
Eça (procurador da câmara), Manuel Lourenço Fontoura (escrivão da câmara), Padre José
Joaquim dos Santos (vigário da vara) e Padre Roque José Guedes (vigário paroquial). 18
O raio de influência política da oligarquia agrária e mercantil da região de São Mateus
extrapolava os limites regionais, penetrando também nas instâncias do governo provincial,
haja vista que, em várias ocasiões, determinados cidadãos que compunham esta oligarquia,
eram designados pelos Presidentes da Província do Espírito Santo para administrar e gerir
recursos destinados à realização de importantes obras de infra-estrutura no extremo norte da
província, sobretudo em São Mateus e na Vila da Barra, onde se registra que esses cidadãos
contribuíam com recursos financeiros, materiais e humanos para a realização dessas obras.
Essas situações aparecem com freqüência nos Relatórios dos Presidentes da Província
do Espírito Santo, a exemplo do relato de Coutto Ferraz em 1848, destacando que os cofres
provinciais foram poupados na obra de reparos da única estrada de ligação entre a Vila e os
habitantes dos sertões de São Mateus, pois os fazendeiros da região se comprometeram a
colaborar nesta empreitada, sendo a direção desta assumida por Matheus Antonio dos Santos,
cidadão da “confiança” do governo. Informa ainda que as melhorias na estrada da Pedra
D’água em 1848 foi uma obra contratada pela municipalidade (pela diminuta quantia de 150
réis) com Francisco Alves Pereira, que “celebrou o contrato por amor do bem público”, já que
“não seria possível com aquela quantia, fazer-se não só o aterrado como também a ponte”. 19
Neste relatório o Presidente Ferraz ressalta que a principal melhoria na infra-estrutura
de São Mateus na década de 1840 foi a conclusão da estrada ligando a Cidade de São Mateus
17
Tais constatações são destacadas e aprofundadas no estudo de Maria do Carmo O. RUSSO, Cultura política
e..., op. cit., 2007. 18
Nomes constantes na Ata da Câmara da Vila de São Mateus, referente à sessão realizada em 21 de janeiro de
1823, citada por Eliezer Ortolani NARDOTO & Herinéa Lima OLIVEIRA, História de São Mateus, op. cit.,
2001, p. 47. 19
Relatório do Presidente da Província do Espírito Santo, Luís Pedreira do Coutto Ferraz, 01/03/1848 – citado
por Anna Lúcia CÔGO, História Agrária do Espírito Santo..., op. cit., 2007, p. 106 a 108.
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à Vila da Barra de São Mateus, cuja obra esteve sob a direção do “prestante cidadão Antonio
Rodrigues da Cunha”, sendo que a maioria dos recursos aplicados nesta foram contribuições
dos fazendeiros e moradores da região, sem as quais não seria possível a sua concretização.
Nos Registros Paroquiais de Terras da Freguesia de São Mateus, produzidos entre
1854 e 1856, encontramos um leque de informações acerca da ocupação territorial de São
Mateus, fornecidas pelos indivíduos que declararam posses de terras naquele período. Apesar
de uma parcela considerável dessas fontes incorrem na omissão de dados, tais como o
tamanho exato da área da propriedade declarada, a forma de aquisição da terra, a localização
da posse, entre outros itens que deveriam constar nessas declarações, pode-se obter uma visão
aproximada das características de formação da estrutura fundiária regional, do processo de
ocupação territorial e da produção agrícola resultante desta mesma estrutura e processo. 20
Nesta perspectiva, constatamos que em 40 registros (cuja forma de aquisição foi
declarada como compra, herança e outros), há referências aos terrenos aforados à
municipalidade ou pertencentes a Câmara Municipal. No texto dessas declarações aparecem
as seguintes referências: “... 120 braças nas terras do patrimônio da Câmara Municipal,
onde paga foros annuais...” (1 registro), “...terras foreiras da Câmara Municipal” (7
registros), ou simplesmente “terras da Câmara Municipal” e/ou “patrimônio da Câmara
Municipal” (32 registros). Acerca disto, é oportuno remeter-se às informações encontradas no
documento que registra o processo de medição e demarcação dos domínios territoriais de São
Mateus, quando a povoação foi elevada à categoria de vila em 1764.
Acerca desta questão, observa-se que a Carta Régia de março de 1755, normativa para
todo o Brasil, determinava que as novas vilas criadas, deveriam ser demarcadas, sendo
estabelecida uma área circundante de quatro léguas em quadro, “para expansão do
Conselho”, ou seja, para o crescimento da cidade. Em volta desta área, mais seis léguas em
quadro deveriam ser demarcadas como cinturão verde, e destinadas, portanto, ao
abastecimento da localidade. Nesta situação, “poderia a edilidade, aforar terrenos aos
agricultores que assim o requeressem”, pois, o território demarcado, passava a constituir o
Patrimônio da Vila, inalterado através dos tempos, mesmo com as transformações político-
administrativas ocorridas posteriormente.
20
O conjunto dos Registros Paroquiais de Terras referentes à região de São Mateus e entorno perfazem um total
de 102 declarações de posses de terras, as quais se encontram na forma manuscrita no Livro nº 73 do Fundo
Agricultura, e são disponibilizados à consulta no Arquivo Público do Espírito Santo/APES – Maiores
informações sobre estes documentos são fornecidas por Anna Lúcia CÔGO, História Agrária do Espírito
Santo..., op. cit., 2007 p. 155 a 159.
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Mesmo considerando o longo intervalo de tempo existente entre 1764 (quando São
Mateus foi elevado à categoria de vila) e a década de 1850 (período dos registros paroquiais),
os nomes citados dos proprietários e moradores da vila, assim como os locais indicados no
referido documento, aparecem parcialmente confirmados nas pesquisas que realizamos - onde
identificamos como declarantes dos registros, alguns descendentes dos nomes/sobrenomes
citados em 1764, assim como a ocorrência de posses situadas nos locais referidos nesta fonte.
A concentração dos maiores números de posses, configurando-se como pequenos
núcleos produtivos, foram identificados com a seguinte denominação: Cerejeira (12 posses),
Volta Escura / Morro de Santa Maria (10 posses), Jaboticaba (7 posses), Morro Perdido (5
posses) e Embaubeira (5 posses). No restante das posses, não incluídas nesses pequenos
núcleos, nota-se uma grande dispersão e fragmentação espacial das mesmas, cuja situação se
evidencia tanto nas citações da localização destas “nos sertões”, como também na ocorrência
de variados locais, nos quais se registra a existência de apenas uma posse.
No detalhamento dos limites das posses, aparecem também diversas indicações
geográficas da localização das mesmas, principalmente com referência aos córregos e rios da
região, os quais são citados como limites “naturais” dessas posses: rio Preto (3 registros); rio
da Cerejeira (12 registros); Bamburral (6); brejos de Mariricu (1 registro); córrego Surucuai
(1 registro); córrego chamado de Pico (1 registro); córrego Ribeirão (3 registros); e rio São
Matheus (61 registros).
Esta distribuição espacial das posses indica que a ocupação territorial de São Mateus,
em meados do século XIX, estava concentrada praticamente nas margens dos rios existentes
na região, pois, a maioria das declarações de posses de terras aponta como referência dos seus
limites as margens dos rios e córregos, dentre os quais o maior destaque coube ao rio São
Mateus (citado em 61 registros), seguido do rio Cerejeira (citado em 12 registros). Tal
constatação permite-nos deduzir que, a ocupação das terras e a expansão da fronteira agrícola
regional ocorreram, preferencialmente, seguindo os cursos dos rios, e cuja maior concentração
populacional verificou-se às margens do rio São Mateus.
Em relação à dimensão das posses declaradas na região de São Mateus e entorno, num
total de 102 registros, à exceção de 4 declarações (onde o objeto declarado aparece
especificado como “huma fazenda”, “hum terreno”, “metade de hum sítio” , “hum quinhão
de sítio”), a grande maioria declara possuir “hum sítio”. Isto evidencia, desde já, a tendência
ao predomínio das pequenas e médias propriedades no conjunto da estrutura fundiária, onde
também havia grandes propriedades, sendo que estas não aparecem declaradas nos Registros
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Colonizadores portugueses e domínios das terras no extremo norte do Espírito Santo nos séculos XVIII e XIX
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Paroquiais, levando-nos a inferir que as mesmas têm origem na doação de sesmarias naquela
área em épocas anteriores à Lei de Terras de 1850.
Na especificação dos limites das posses declaradas, encontramos uma grande
incidência (66 registros) de referência aos limites das propriedades com áreas ainda não
ocupadas, as quais aparecem identificadas na seguinte proporção: “com terras incultas” (8
registros); “com terras incultas pertencentes à nação” (4 registros); “com terras incultas
nacionais” (2 registros); “com brejos incultos” (1 registro); “com matas incultas” (51
registros). Este grande número de registros, cuja indicação do limite da posse se refere às
“terras e matas incultas”, aponta para a existência de grandes extensões de terras ainda não
ocupadas (grandes vazios demográficos) e uma fronteira agrícola aberta à expansão, cujo
maior desafio era a penetração numa extensa área coberta pela exuberante Mata Atlântica e
que abrigava ainda muitos povos indígenas, sobretudo os Botocudos.
Analisando os dados relativos às benfeitorias declaradas neste conjunto de 102 posses
de terras, é possível identificar parcialmente a predominância das atividades agrícolas
regionais, as condições materiais existentes nas unidades produtivas (nível técnico,
maquinários, instalações, tipos de construções), dentre outros aspectos referentes às estruturas
agrárias de São Mateus no período.
Neste sentido, os itens que apresentaram as maiores incidências foram
“estabelecimento agrícola/plantação/lavoura” (83 registros) e “moradia” (81 registros). As
demais benfeitorias citadas foram “casas de morar” (33 registros), “casa de fabricar farinha”
(18 registros), “pasto gramado” (15 registros) e “outras benfeitorias” (12 registros), sendo que
nada consta em 18 declarações. Diante deste quadro, nota-se que as estruturas agrárias de São
Mateus não possuíam muita sofisticação em relação ao aparato tecnológico disponível no
trato com a lavoura e também que as benfeitorias descritas pelos declarantes apresentavam
instalações muito rústicas e simplórias.
Contudo, deve-se levar em conta que na estrutura fundiária regional deste período
predominam as pequenas e médias propriedades, sendo óbvio, portanto, que a maioria destas
unidades agrícolas (por menor que fossem), deveria contar com uma estrutura básica para
garantir a sua existência, tais como construções (“moradia”/“casas de morar”) que abrigassem
o proprietário e seus familiares (e ainda o contingente necessário ao desenvolvimento e
manutenção das atividades produtivas, incluindo parentes próximos, agregados, meeiros,
parceiros ou escravos), assim como também o desenvolvimento de algum tipo de cultivo
agrícola (“estabelecimento agrícola/plantação/lavoura”). A grande incidência desses dois tipos
de benfeitorias nas posses declaradas pode estar relacionada também ao fato de que, no texto
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da legislação (Lei de Terras e seu Regulamento) havia a exigência de “morada habitual” e
“cultura efetiva” para se requerer o processo de legitimação das posses.
Ressaltamos ainda que a citação da benfeitoria “casa de fabricar farinha” ou
simplesmente “casa de farinha” (também chamada de quitungo) em apenas 18 registros, não
condiz com a propalada produção da farinha de mandioca em grande escala em São Mateus.
Contudo, pouco tempo depois da elaboração dos Registros Paroquiais, o Presidente da
Província do Espírito Santo, Costa Pereira, destacou que em São Mateus existiam 250
fábricas de farinha, responsáveis pela produção de 200.000 alqueires do produto 21
. Esta
especialização regional no fabrico da farinha veio se firmando desde o período colonial, sendo
determinante neste processo o tipo de solo predominante que favorecia esse tipo de lavoura, e
também a forte influência da cultura indígena que dominava a técnica de fabricar farinha
muito antes de se iniciar a colonização daqueles territórios.
A significativa presença dos portugueses e dos seus descendentes em São Mateus fica
ainda mais evidente no decorrer da segunda metade dos oitocentos, quando são considerados
os dados coletados na documentação cartorial referente às diversas transações comerciais
envolvendo escravos naquela localidade, na qual foram identificados 453 nomes completos de
senhores (as) que fizeram algum tipo de negócio envolvendo escravos, e cujas situações
foram registradas nos livros de notas daquela comarca (Ver Tabela 6). 22
Tabela 6: Nomes e sobrenomes mais recorrentes nas transações comerciais envolvendo escravos na região de
São Mateus entre 1863 e 1888. Nomes Total/incidência % Sobrenomes Total/incidência %
José 50 11,0 Santos 31 6,8
Manoel 45 10,0 Oliveira 31 6,8
João 35 7,8 Gomes 27 6,0
Antonio 31 6,8 Faria (s) 25 5,6
Francisco 21 4,6 Silva 24 5,3
Maria 19 4,2 Rodrigues 23 5,1
Joaquim 14 3,1 Pereira 21 4,6
Anna 11 2,4 Motta 18 4,0
Rosa 8 1,8 Jesus 18 4,0
Luiz 7 1,5 Almeida 14 3,1
Rita 6 1,3 Pinto 13 2,9
Mateus 6 1,3 Barbosa 13 2,9
Domingos 5 1,1 Lopes 12 2,6
Jacinto 5 1,1 Martins 12 2,6
Leocádia 5 1,1 Ferreira 12 2,6
Ignácio (a) 5 1,1 Souza 11 2,4
21
Cf. Relatório do Presidente da Província do Espírito Santo, José Fernandes da Costa Pereira, 23/05/1862,
citado em Anna Lúcia CÔGO, História Agrária do Espírito Santo..., op. cit., 2007, p. 169. 22
Uma boa parcela dos dados encontrados na documentação cartorária e referente à escravidão na Comarca de
São Mateus (escrituras de compra e venda de escravos, doação, penhora, confissão de dívida com hipoteca e
permuta) encontra-se reunida na obra de Maciel de AGUIAR, Os últimos zumbis – a saga dos negros do Vale do
Cricaré durante a escravidão, Porto Seguro (BA), Brasil - Cultura, 2001.
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Jerônimo 4 0,9 Carvalho 11 2,4
Cosme 4 0,9 Vieira 11 2,4
Eduardo 4 0,9 Conceição 11 2,4
Outros * 168 37,1 Outros * 115 25,5
Total/nomes 453 100 Total/sobrenomes 453 100
Fonte: Tabela construída com base nos dados selecionados em Maciel de AGUIAR, Os últimos zumbis..., op cit,
p. 234-252 - (Outros * = nomes e sobrenomes com incidências menores do que aqueles destacados na tabela).
Na observação dos dados reunidos na Tabela 6, constatamos que José, Manoel, João,
Antonio e Francisco, aparecem com destaque entre os cinco primeiros nomes próprios com
maior incidência, cujo resultado, com poucas variações, não contrasta com os nomes próprios
arrolados para o ano de 1764 e também para os meados do século XIX (Cf. Tabelas 4 e 5).
Além destes, há outros nomes próprios que comparecem com muita freqüência, dentre estes
Maria, Joaquim, Anna, Rosa, Luiz e outros (Ver Tabela 6).
Contudo, nos sobrenomes destacados na Tabela 6, e cujos dez maiores destaques
foram Santos, Oliveira, Gomes, Faria, Silva, Rodrigues, Pereira, Motta, Jesus e Almeida,
nota-se uma maior variação em relação àqueles arrolados em 1764 e na década de 1850, pois,
na referida tabela são reunidos dados relativos a um longo período que vai de 1863 a 1888.
Ressaltamos que o porto de São Mateus, devido à sua posição estratégica, além de
centralizar grande parte da exportação da farinha de mandioca e de outros produtos,
funcionou também como um importante entreposto na recepção do tráfico de escravos
africanos para o Brasil, tornando-se referência enquanto local de compra e venda dos cativos.
Esta situação possibilitou a constituição de várias firmas e empresas especializadas
neste infame comércio, as quais, em sua maioria, eram controladas por indivíduos
descendentes dos colonizadores portugueses, onde se destacam os sobrenomes das seguintes
famílias de São Mateus: Fundão (cinco firmas), Faria (três firmas), Rios (três firmas),
Almeida (três firmas) e Guimarães (três firmas). Além destes, outros sobrenomes aparecem na
composição dessas firmas, apresentando apenas uma incidência no conjunto das mesmas, a
saber: Veiga, Simões, Morgado, Lopes, Gaiato, Cunha, Fonseca, Bastos, Ferreira e Alves. 23
A oligarquia agrária e mercantil de São Mateus, polarizada pela família Rodrigues da
Cunha, permaneceu hegemônica nas estruturas de poder e no controle da economia regional
no decorrer dos oitocentos, sendo tal situação possibilitada, sobretudo, por uma política de
casamentos entre uma mesma parentela, onde se constata a formação de um verdadeiro clã
23
As firmas/empresas que negociavam escravos em São Mateus e que efetuaram registros no cartório da
Comarca foram: Alves, Ferreira & Cia.; Almeida, Fundão & Cia.; Faria & Bastos; Fonseca, Rios & Cia.; Fundão
& Irmãos; Faria, Cunha & Cia.; Fundão Júnior & Cia.; Guimarães, Gaiato & Cia.; José Joaquim de Almeida
Fundão & Cia.; Joaquim Lopes & Irmãos; Leonel Joaquim de Almeida Fundão & Cia.; Luiz José dos Santos
Guimarães & Cia.; Morgado, Rios, Guimarães & Cia.; Rios & Cia.; Simões, Faria & Cia.; Veiga & Cia – Cf.
Maciel de AGUIAR, Os últimos zumbis..., op. cit., p. 251.
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parental. 24
Além disto, no interior desta oligarquia certos indivíduos alcançaram graus
elevados de status quo, a exemplo do Major Antônio Rodrigues da Cunha – o Barão de
Aimorés, de Olindo Gomes dos Santos Paiva – o Barão de Timbuí, do Coronel Matheus
Antonio dos Santos, dentre outros, que figuraram como uma espécie de “pequena nobreza”
local e que, sem sombra de dúvida, são legítimos descendentes das famílias de origem
portuguesa estabelecidas naquela região em períodos anteriores.
A propósito das considerações finais, é importante ressaltar que, conforme os dados
apresentados neste estudo, e as análises elaboradas com base nos mesmos, procuramos
demonstrar que a ocupação territorial da região de São Mateus, situada no extremo norte do
Espírito Santo, apresentou-se lenda e gradual nos dois primeiros séculos da colonização, mas
adquiriu uma nova dinâmica a partir de meados do século XVIII, cujo impulso foi dado,
sobretudo, pela criação da Vila em 1764, onde sobressaem os colonizadores portugueses
enquanto principais agentes neste processo.
No decorrer do período analisado, notamos também que o auge desta ocupação
territorial verificou-se no século XIX, quando a região de São Mateus consolidou a sua
vocação agrícola enquanto importante produtora da farinha de mandioca, em cuja estrutura
agrária predominava, por um lado, um volume expressivo de pequenas e médias propriedades,
mas, por outro lado, comportava também a existência de grandes propriedades rurais
abrangendo extensas faixas de terra e concentradas por um seleto grupo de fazendeiros.
Observamos ainda que, nessas respectivas situações fundiárias, sobressaíram-se os
indivíduos descendentes das famílias originárias dos imigrantes portugueses estabelecidos
naquela região, os quais se constituíram nos principais sujeitos do processo de ocupação
daquelas terras e que, desta forma, promoveram a expansão da fronteira agrícola de São
Mateus e contribuíram para o crescimento econômico regional.
Numa perspectiva mais ampla, a configuração que apresentamos acerca da imigração e
da colonização portuguesa em São Mateus, coloca em evidência que tais fenômenos,
analisados localmente, demonstram a ocorrência de formas diversificadas de adaptação dos
colonos portugueses no país, tornando-se complexa a utilização de hipóteses “generalizantes”
presentes nos estudos que abordam a temática no âmbito mais geral da história do Brasil.
Acerca das contribuições que este artigo pode fornecer ao conjunto da produção
historiográfica dedicada à temática em foco, consideramos que o mesmo se constitui somente
numa abordagem inicial dos resultados preliminares de uma pesquisa, cujo enfoque aponta
24
Tais afirmativas se constituem nos resultados apresentados pelo estudo de Maria do Carmo O. RUSSO,
Cultura Política e Relações de Poder..., op. cit., 2007.
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Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011 23
para a busca de caminhos que possam nortear o desenvolvimento futuro das investigações
sobre o tema, proporcionando a obtenção de conclusões mais apuradas sobre a presença dos
imigrantes portugueses no processo de ocupação do território espírito-santense à época e,
principalmente, acerca do papel de destaque desempenhado por estes na colonização da região
de São Mateus.
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