COLETÂNEA DE TEXTOS ORIGINÁRIOS DE LÍNGUA ORAL Prof. Claudemir Belintane Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa - FEUSP Textos originários da tradição oral, quando bem programados em currículos, podem constituir uma matriz de trabalho com um amplo espectro para as possibilidades de identificações e de emergência de sujeitos desejantes na relação pedagógica. Mobilizam o desejo porque remetem o aluno à sua cultura mais afetiva, mais afeita aos laços parentais - fazem emergir, por exemplo, a imagem de pessoas queridas, sujeitos singulares ("o contador de histórias da minha rua", "o tio que brincava com trava-línguas", "avós que contavam causos" , "provérbios e adágios prediletos do avô, do pai"). Há uma infinidade de escritores que relatam a origem do desejo de ler e de escrever nesses nichos parentais, nos momentos prazerosos quando a família brincava com palavras, com rimas, com adivinhas, quando contava história, enfim, nesses momentos mágicos em que o aconchego comunitário organiza e enreda seus convivas pela palavra. O interessante paradoxo dessa situação é que o mesmo campo de palavra que assujeita, que civiliza o indivíduo, que cria a moral civilizadora; também redime, também fornece os ímpetos desejantes que impulsionam as subjetividades para rupturas e recriações. Uma boa abordagem desses gêneros orais pode ajudar a diluir os preconceitos que o ensino beletrista despejou/a sobre a escola já que fornecem modelos e possibilidades para o professor trabalhar as variações da língua e da cultura e, ao mesmo tempo, valorizar e pôr em circulação produções textuais que vão da obra anônima, folclórica, a autorias populares qualificadas (cantadores, autores de cordel etc.) e a escritores e artistas valorizados pelo mundo acadêmico e pelo público em geral (românticos, pré-modernos, modernos e pós-modernos). É fácil dar um pulo de atividades com cantigas e brincadeiras populares aos livros de José Paulo Paes, Ricardo Azevedo, Cecília Meireles e até mesmo Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. Infelizmente, boa parte dos professores nem se predispõe a ter um repertório amplo dos gêneros da infância. Em geral, conhece um ou outro gênero e classificam todos (de forma errada) como PARLENDAS - aliás, os documentos e livros dos governos também não costumam manter rigor nesse campo da literatura oral! É muito comum textos orais figurarem nas salas de aula da infância e da juventude, mas sempre por
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COLETÂNEA DE TEXTOS ORIGINÁRIOS DE LÍNGUA ORAL
Prof. Claudemir Belintane
Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa - FEUSP
Textos originários da tradição oral, quando bem programados em currículos,
podem constituir uma matriz de trabalho com um amplo espectro para as
possibilidades de identificações e de emergência de sujeitos desejantes na relação
pedagógica. Mobilizam o desejo porque remetem o aluno à sua cultura mais afetiva,
mais afeita aos laços parentais - fazem emergir, por exemplo, a imagem de pessoas
queridas, sujeitos singulares ("o contador de histórias da minha rua", "o tio que
brincava com trava-línguas", "avós que contavam causos" , "provérbios e adágios
prediletos do avô, do pai").
Há uma infinidade de escritores que relatam a origem do desejo de ler e de
escrever nesses nichos parentais, nos momentos prazerosos quando a família brincava
com palavras, com rimas, com adivinhas, quando contava história, enfim, nesses
momentos mágicos em que o aconchego comunitário organiza e enreda seus convivas
pela palavra. O interessante paradoxo dessa situação é que o mesmo campo de palavra
que assujeita, que civiliza o indivíduo, que cria a moral civilizadora; também redime,
também fornece os ímpetos desejantes que impulsionam as subjetividades para
rupturas e recriações.
Uma boa abordagem desses gêneros orais pode ajudar a diluir os preconceitos
que o ensino beletrista despejou/a sobre a escola já que fornecem modelos e
possibilidades para o professor trabalhar as variações da língua e da cultura e, ao
mesmo tempo, valorizar e pôr em circulação produções textuais que vão da obra
anônima, folclórica, a autorias populares qualificadas (cantadores, autores de cordel
etc.) e a escritores e artistas valorizados pelo mundo acadêmico e pelo público em geral
(românticos, pré-modernos, modernos e pós-modernos). É fácil dar um pulo de
atividades com cantigas e brincadeiras populares aos livros de José Paulo Paes, Ricardo
Azevedo, Cecília Meireles e até mesmo Manuel Bandeira e Carlos Drummond de
Andrade.
Infelizmente, boa parte dos professores nem se predispõe a ter um repertório
amplo dos gêneros da infância. Em geral, conhece um ou outro gênero e classificam
todos (de forma errada) como PARLENDAS - aliás, os documentos e livros dos governos
também não costumam manter rigor nesse campo da literatura oral! É muito comum
textos orais figurarem nas salas de aula da infância e da juventude, mas sempre por
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meio da escrita – perdendo seu potencial mais revolucionário, sua força performática,
sua dimensão lúdica e interativa. Aqui com a gente é da performance (em primeiro
lugar o jogo, a brincadeira) para a escrita e nunca o contrário.
Em um artigo intitulado “Alunos rebeldes”1, aposto todas as minhas fichas num
remédio milagroso contra o famigerado TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e
hiperatividade): os nossos gêneros da tradição oral infantil. Nessas páginas, entre
tantos neurólogos promovendo a ritalina e o concerta (medicação à base de
metilfenidato – cuja produção e consumo aumentaram violentamente nas últimas
décadas), podemos oferecer um tratamento diferenciado, preventivo, feito ali na
educação infantil, monitorado por “médicas” competentes, que são as maravilhosas
educadoras que assumem de forma abrangente e cuidadosa um currículo composto por
textos da tradição oral infantil. Não é por acaso a criação da doença (TDAH) e do
remédio (ritalina) em uma sociedade que se tornou incapaz de poetizar a infância,
de dar às crianças um imaginário oriundo da palavra do outro presencial (não da
imagem televisiva ou do computador).
Infelizmente, hoje os documentos oficiais (PCN e guias curriculares), sob o
pretexto de ampliar a base de letramento da criança, enchem o cotidiano escolar com
textos publicitários (logomarcas, rótulos, cartazes publicitários etc.) e outros do
cotidiano (receitas, textos instrucionais etc.). Nós caminhamos na contramão dessas
sugestões. Acreditamos que é a função poética que pode dar à criança a
dinâmica de uma língua a ser expandida pela escrita, pela leitura e pela
literatura. Em vez do letramento próximo, pregamos o reino, a floresta, distantes, em
vez do cartaz de padaria com seu S de sadia, queremos o mito, o S do cobra Norato
serpenteando nas margens dos rios da Amazônia ou ainda a boca bem aberta do
Mapinguari ou ainda a cara feliz do Jurupari rindo para o luar. Somos partidário da ideia
de Ortega Y Gasset, que aposta num psiquismo infantil que se torna vigoroso a partir do
mito, do poético e não das letras do jornal ou das leituras pragmáticas da vida.
O Brasil possui uma rica herança oral. Nossa revolução educacional consiste em
revisitá-la, trazê-la para a sala de aula primeiramente na forma performática (do contar,
do brincar presencialmente) e depois nos suportes e portadores contemporâneos: livro,
computador, redes etc. Sonho com o dia em que a minha trupe predileta, Saci,
Curupira, Mapinguari, Jurupari, Cobra Norato, Boto e outros ganhem as salas de aula
trazendo sustos e surpresas às crianças e que se tornem os personagens principais dos
vídeo-games e das outras maquininhas de brincar.
1 O artigo está publicado na revista MENTE-CÉREBRO, na coleção Doenças do Cérebro no. 3. Editora Duetto.
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Uma prevenção: ultimamente famílias e alunos pertencentes às novas religiões
(“novos evangélicos”) costumam dizer que personagens folclóricos (Lobisomem, Saci,
Mula-sem-cabeça e outros) são figuras demoníacas e. portanto insistem para que os
professores não os assumam no currículo. Há inclusive professoras evangélicas que
tentam substituir contos e personagens folclóricos por narrativas e personagens da
Bíblia. Nestas situações, vale lembrar que o ensino como o próprio estado brasileiro, é
laico, portanto princípios religiosos não podem interditar conteúdos escolares –
o folclore não é religião, tudo o que está no folclore, nas mitologias, nas tradições, não
pertencem a esta ou àquela religião, é patrimônio cultural do povo brasileiro. No caso de
professoras que tentam substituir o folclore por textos religiosos, a direção deve cotejar
a situação com a lei. Elas não podem fazer isso. A lei até prevê aulas de religião em
ambientes separados e em regime facultativo. Interferir nos conteúdos escolares a
partir desta ou daquela religião significa infringir a lei, a própria constituição.
Espero que esta oficina consiga mostrar a vocês que trabalhar a cultura oral
infantil é um compromisso do mais alto valor. Podemos com nossas artimanhas de
bruxos brincalhões evitar muitos problemas de aprendizagem e até mesmo alguns
desastres psíquicos oriundos das famílias destroçadas de nossos dias.
Segue abaixo um eixo para se trabalhar a oralidade:
1ª. Fase – enredamento
Performance, acontecimento: o professor lança o gênero já praticando, a
partir de sua memória e de sua voz. Sem o apoio da escrita, tal qual o gênero se
realiza na comunidade;
Fazer uma coletânea oral na classe: “quem conhece outras iguais a estas de
hoje?” – ainda oral, sem escrita.
Pesquisa em casa: a criança vai buscar em casa o que a família tem sobre o
gênero e deverá trazer na memória, para reatualizar na sala (recontar, propor
adivinhas, declamar etc.)
Registro no caderno – organização de uma pequena coletânea (cópia);
Possibilidade de apresentações públicas (publicação)
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2ª. Fase – Pesquisa bibliográfica
Os alunos vão à biblioteca pesquisar livros sobre o gênero em questão (por
exemplo, um livro de adivinhas ou de parlendas);
Pesquisar criações a partir do gênero;
Refletir sobre: “como os autores fizeram um livro sobre esse gênero? Nós
também podemos fazer?”
3ª. Fase – Autoria
Baseados nos modelos, os alunos criam a partir do gênero – a paródia é uma boa
possibilidade, sobretudo para os contos de origem oral.
Editoração
Publicação
4ª. Fase – reflexão sobre o processo autoral.
Após finalização do projeto: como nós começamos? De onde partimos? Enfim,
refazer o processo para que os alunos tenham conhecimento do ponto de partida
da criação.
É sempre importante lembrar que oralidade é memória, performance,
acontecimento e não escrita. Os povos antigos e mesmo os que ainda hoje são
ágrafos resolve(ra)m suas questões sociais e civilizacionais por meio da cultura oral. É a
luta contra o esquecimento, ou seja, é precisar narrar as façanhas do herói para se ter
uma possibilidade de identificação, é preciso jogar com as palavras (brincar com
adivinhas, contar uma piada) para tirar o tom trágico que a vida empresta à língua.
A escola hoje é o lugar mais adequado para a criação de laços com a cultura oral do
passado. O poder da palavra suspende o movimento afoito do corpo, cria uma
subjetividade em que a ex-pressão eleva o ficcional à dignidade do vivido. Em vez de
ritalina, a criança irrequieta precisa de histórias, cantigas, brincadeiras com palavras em
abundância para que seu corpo suspenda a corporalidade bruta e dê vez a um simbólico
prenhe de possibilidades integrativas.
Boa oficina para todos vocês!
Prof. Claudemir Belintane
Universidade de São Paulo- FEUSP
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QUADRINHAS POPULARES / VERSINHOS
(A quadrinha constitui a base da poesia rimada. É importante memorizar algumas e
parodiá-las, como no exemplo abaixo. É sempre possível encontrar uma fórmula e
explorá-la até que se decida inventar uma fórmula nova ou trazer uma outra para a
brincadeira. Para brincar, se faz uma roda, diz-se a fórmula e inventa-se a rima.
Imagine, por exemplo, pra essa fórmula do COQUEIRO: joga coco na escola/praia/lá
em casa/na cidade/no rio etc.)
O COQUEIRO DE TÃO ALTO
JOGA COCO NA RAIZ
O MENINO MAIS BONITO
TEM DEZ PALMOS DE NARIZ
O COQUEIRO DE TÃO ALTO
JOGA COCO PELO CHÃO
O TEU AMOR É TÃO FORTE
QUE PARTIU MEU CORAÇÃO
O COQUEIRO DE TÃO ALTO
JOGA COCO NO DESERTO
COMO É DURO AMAR DE LONGE,
SEM PODER AMAR POR PERTO
O COQUEIRO DE TÃO ALTO
JOGA COCO NA CIDADE
MEU AMOR ESTÁ TÃO PERTO
E EU MORRENDO DE SAUDADE
O COQUEIRO DE TÃO FORTE
SOLTA CACHO PELO CHÃO
MEU AMOR PARECE FIRME
MAS NÃO TEM BOM CORAÇÃO
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CANTIGAS DE RODA
Fui no tororó
EU FUI NO TORORÓ
BEBER ÁGUA NÃO ACHEI
ACHEI BELA MORENA
QUE NO TORORÓ DEIXEI
APROVEITE MINHA GENTE
QUE UMA NOITE NÃO É NADA
SE NÃO DORMIR AGORA
DORMIRÁ DE MADRUGADA
Ó MARIAZINHA, Ó MARIAZINHA
ENTRARÁS NA RODA
FICARA SOZINHA
SOZINHA EU NÃO FICO
NEM HEI DE FICAR
TENHO O JOÃOZINHO
PARA SER MEU PAR
O cravo e a rosa
O CRAVO BRIGOU COM A ROSA
DEBAIXO DE UMA SACADA
O CRAVO SAIU FERIDO
A ROSA DESPEDAÇADA (OU DESPETALADA)
O CRAVO FICOU DOENTE
A ROSA FOI VISITAR
O CRAVO TEVE UM DESMAIO
A ROSA PÔS – SE A CHORAR.
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CIRANDAS DE POESIA
As cantigas de roda são poéticas, inebriadoras. Manuel Bandeira e boa parte dos poetas
trazem-nas em suas poesias e muitas vezes a tomam como suas primeiras influências
poéticas. “"À distância as vozes macias das meninas politonavam: Roseira dá-me uma
rosa, Craveiro dá-me um botão ...”(Evocação do Recife. Manoel Bandeira)
POLITICAMENTE CORRETO? ESTAMOS FORA!
Em relação ao politicamente correto que vem hoje atazanar a vida das crianças com
suas sugestões obsessivas e neoliberais, temos que mostrar que o gato tô tô que faz
miau na cantiga é feito de palavras, de jogo, de brincadeira e que há outras formas de
se proteger a criança pobre, o animal abandonado ou mesmo de lutar contra os terrores
da vida – por exemplo, em vez de ficar procurando pêlos nos ovos das cantigas e das
brincadeiras infantis, que se procure um jeito de livrar a criança dos efeitos maléficos da
propaganda invasiva, na TV, na Internet, nos livros didáticos e até nas avaliações dos
governos – essas sim são perigosas e problemáticas!
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FÓRMULAS DE ESCOLHA
(O TEXTO É PRONUNCIADO POR UMA CRIANÇA QUE, NA RODA, BATE NAS
MÃOS ABERTAS DOS PARTICIPANTES A CADA SÍLABA EMITIDA. QUANDO A
ÚLTIMA SÍLABA DO TEXTO INCIDIR SOBRE A MÃO DE ALGUÉM, ESTA SAI DA
RODA. O JOGO CONTINUA ATÉ QUE FIQUE APENAS UMA MÃO – ESTÁ
ESCOLHIDO, PORTANTO, O PEGADOR OU A VÍTIMA DA BRINCADEIRA QUE VAI
SE SUCEDER)
MINHA TIA DE CUECA
MEU AVÔ NO ELEVADOR
BRINCANDO DE PE-GA-DOR
LÁ EM CIMA DAQUELE MORRO
TEM UM VELHO FOGUETEIRO
QUE SÓ GOSTA DE MULHER
QUE USA FITA NO CABELO
UMA, DUNA, TRENA, CATENA
SACO DE PENA
PILA, PILÃO
CONTE BEM QUE DO-ZE SÃO
LÁ NA RUA VINTE E QUATRO
MARIA MATOU UM GATO
COM O SALTO DO SAPATO
O SAPATO SE QUEBROU
E MARIA SE EM-FOR-COU
UMA VELHA BEM VELHINHA
FEZ XIXI NA CANEQUINHA
FOI DIZER PARA A VIZINHA
QUE ERA CALDO DE GA-LI-NHA
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MAMÃE MANDOU BATER NESTA DAQUI,
MAS COMO SOU TEIMOSO VOU BATER
NESTA DAQUI!
O PERU FOI A DENTISTA
SE TRATAR DE DOR DE DENTE
O DENTISTA DISSE ASSIM:
QUEM TEM BICO
NÃO TEM DENTE
PAU E PORRETE
BENGALA E CACETE
TROCO UMA CASCA
POR UM SOR...VE..TE
MNEMONIAS
São textos utilizados para ajudar na memorização de fatos, eventos ou mesmo
de partes do corpo (mnemo = memória). Atenção: a pronúncia é “mnemonias e
não “mnemonias!)
Um, dois, feijão com arroz,
Três, quatro, feijão no prato,
Cinco, seis, feijão inglês,
Sete, oito, feijão com biscoito
Nove, dez, feijão com pastéis
(existem muitas versões diferentes)
Mindinho, seu vizinho,
Pai de todos
E mata piolhos
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BRINCOS
São textos que os adultos usam pra brincar com crianças, em geral, envolvem
movimentos corporais rítmicos.
1)
apontando para os olhos - JANELA, JANELINHA
apontando para a boca - PORTA
apertando o nariz - CAMPAINHA....Pein eim eim!
2)
De mãos dadas com à criança (esta pode estar sentada, em pé ou ao colo), ao
mesmo tempo em que se canta, faz-se um movimento corporal de ir e vir como