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POSIO ORIGINAL E EQUILBRIO REFLEXIVO EM JOHN RAWLS:
O PROBLEMA DA JUSTIFICAO
Denis Coitinho SILVEIRA1
RESUMO: O objetivo deste artigo estabelecer algumas consideraes
sobre opapel dos procedimentos de posio original e equilbrio
reflexivo na teoria dajustia como equidade de John Rawls, nas obras
A Theory of Justice, Political Li-beralism e Justice as Fairness: A
Restatement. Eu pretendo mostrar que Rawlsfaz uso de um modelo
coerentista-pragmtico de justificao dos princpios dejustia em um
mbito pblico, que no-fundacionalista em razo da intercone-xo entre
estes procedimentos.
PALAVRAS-CHAVE: equilbrio reflexivo; posio original;
coerentismo; no-fun-dacionalismo.
Situando o problema
Meu objetivo realizar uma anlise dos procedimentos de equilbrio
re-flexivo e posio original utilizados por John Rawls, em A Theory
of Justice(TJ), Political Liberalism (PL) e Justice as Fairness
(JF), procurando eviden-ciar suas propriedades justificacionais,
isto , que propiciam uma justifica-o dos princpios de justia de uma
forma coerentista e no-fundacionalis-ta. Em John Rawls, o equilbrio
reflexivo (reflective equilibrium) tem o papelde instaurar a
coerncia entre os juzos morais particulares dos agentes e
osprincpios ticos estabelecidos, no caso, os princpios da justia,
como emum esquema procedimental que orienta regras para a ao moral,
de formaque se estabelea a complementaridade entre a cultura
poltica democrti-
1 Professor adjunto do Departamento de Filosofia e do Programa
de Ps-Graduao em Filosofia daUniversidade Federal de Pelotas
(UFPel-RS). Artigo recebido em 04/2009 e aprovado em 06/2009.
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ca de uma sociedade e o ideal normativo de pessoa e sociedade
bem-orde-nada (TJ, I, 4; PL, I, 1). J a posio original (original
position) funcionacomo um procedimento deontolgico que estabelece
os pressupostos filo-sficos para a escolha de princpios, sendo
estes pressupostos considera-dos como uma situao inicial de
igualdade entre as partes que escolhemos princpios sem poderem
recorrer ao conhecimento das situaes contin-gentes, isto , estando
sob o vu da ignorncia (TJ, III, 20-30). A intenocentral desta
anlise objetiva apontar para a proximidade entre estes
doisprocedimentos e a validade contempornea da filosofia poltica de
John Ra-wls com seu modelo deontolgico mitigado, no momento em que
se podeidentificar um procedimento de justificao no-fundacionalista
ou dogm-tico, sem contudo reivindicar um posicionamento
subjetivista ou mesmorelativista, indicando uma interconexo entre
estes dois procedimentos emum horizonte de justificao pblica. Para
tanto, parto da anlise do papelda categoria da posio original na
teoria da justia de Rawls e, posterior-mente, realizo a investigao
do mtodo do equilbrio reflexivo. Por fim,apresento algumas
interconexes entre estes dois procedimentos nas con-sideraes finais
e sua relevncia como alternativa ao problema de justifi-cao dos
juzos morais particulares. Especificamente, quero saber se (1)
aposio original um procedimento fundacionalista, por fazer uso de
crit-rios formais, como o vu da ignorncia, por exemplo, e (2) se o
procedimen-to do equilbrio reflexivo circular, por estabelecer a
referncia justificacio-nal dos princpios de justia com base nos
juzos morais, sendo osprincpios critrios normativos para estes
juzos, o que poderia implicarconservadorismo ou relativismo.
Posio original (Original position)
Alm de identificar a posio original enquanto um procedimento
heu-rstico de representao, em que esto especificadas determinadas
condi-es formais para o estabelecimento dos princpios de justia,
penso serimportante observar como se chega at esta ideia. O ponto
de partida dateoria da justia como equidade a ideia central de uma
sociedade comoum sistema equitativo de cooperao social (society as
fair system of coo-peration) entre cidados que so pessoas livres e
iguais (free and equal per-sons) em uma sociedade bem-ordenada
(well-ordered society). A questoque surge como estabelecer os
termos equitativos de cooperao social,isto , como determinar o que
justo (correto do ponto de vista pblico) emuma sociedade. Recusando
a fundamentao em uma lei divina ou natural,Rawls prope um modelo
contratualista de justificao, pois os termosequitativos de cooperao
provm de um acordo realizado por aqueles queesto comprometidos em
defender suas vantagens recprocas. Tomando
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como um fato o pluralismo razovel (reasonable pluralism), a
soluo cons-truir um critrio pblico objetivo para a estrutura bsica
da sociedade (ba-sic structure) que possa ser assumido por todos
com base em seus juzosmorais abrangentes (JF, I, 6.1: 15).
Mas quais so as condies especficas que validam esse contrato?
Aideia situar as pessoas livres e iguais de forma equitativa, de
maneira queelas no tenham uma posio de maior vantagem que outras.
Tambm,deve-se excluir a fora, a coero, o logro e a fraude. O
objetivo encontrarum ponto de vista recproco com base no qual se
possa estabelecer um acor-do equitativo entre as pessoas livres e
iguais mediante o distanciamento dascircunstncias particulares da
estrutura bsica existente. Aqui se revela aimportncia do
procedimento da posio original sob o vu da ignorncia(veil of
ignorance). Na posio original, exclui-se o conhecimento de posi-es
sociais, doutrinas abrangentes, raa, etnia, sexo, dons naturais,
isto ,as partes (parties) escolhem sob o vu da ignorncia, para
assegurar um pon-to de vista no egosta de escolha (JF, I, 6.2:
15-16). Como o contedo docontrato trata dos princpios de justia
para a estrutura bsica, na posiooriginal so estabelecidos os termos
justos da cooperao entre os cidados.Por isso adotada a expresso
justia como equidade (justice as fairness).
Esse contrato hipottico e a-histrico, pois a pergunta pelo que
aspartes poderiam acordar, e no pelo que acordaram, e, tambm, no se
levaem considerao se esse contrato j foi acordado alguma vez (JF,
I, 6.3: 16-17). Assim, pode-se perceber que o papel da posio
original dar oportuni-dade a um procedimento de representao para os
objetivos do esclareci-mento pblico.2 Ela um modelo de nossas
convices sobre as condiesequitativas de consenso entre cidados
livres e iguais e sobre as restriesapropriadas s razes. Dessa
forma, os termos do contrato podem ser vistoscomo equitativos e
baseados nas melhores razes, o que gera a oportunidadede um critrio
formal para fundamentar os princpios de uma concepo po-ltica de
justia. Pode-se perceber, ento, que a posio original apresenta-se
como um procedimento de representao (device of representation)
queformaliza as convices ponderadas (ou juzos morais ponderados ou
refleti-dos) de pessoas razoveis com base na descrio das partes
como situadasde uma forma simtrica (equitativa) e devendo deliberar
baseadas nas res-tries apropriadas s razes para estabelecer os
princpios de justia (1 equal liberty; 2.1 fair equality of
opportunites, 2.2 difference principle)(JF, I, 6.5: 18).
2 Para Guillarme (1999, p. 107), a posio original caracteriza-se
por ser um procedimento deonto-lgico de representao que formula uma
viso democrtica de relaes sociais orientadas pelanorma de
reciprocidade (reciprocity) (Baynes, 1992, p. 51-61).
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No que concerne ao objetivo deste artigo, quero mostrar como o
pro-cedimento da posio original no faz uso apenas de um critrio
formal derepresentao, mas utiliza, tambm, os juzos ponderados
(consideredjudgments) dos indivduos para a justificao dos
princpios, isto , o pro-cedimento da posio original no pode ser
compreendido estando afasta-do do procedimento do equilbrio
reflexivo. E, se isto estiver correto, mos-trarei que a posio
original no fundacionalista, mas um procedimentocoerentista de
justificao pblica. No que segue, procurarei evidenciaresta
interpretao.
Uma importante referncia relao entre o mtodo da posio originale
o do equilbrio reflexivo encontrada em TJ, I, 4, e nela Rawls
procuraexplicar o papel da posio original como um procedimento para
a justifica-o dos princpios. Em sua exposio, o papel da posio
original daroportunidade ao status quo inicial que garante a
equidade dos consensosbsicos. E isto circunscreve o conceito de
justia como equidade. O proble-ma central enfrentado a justificao
dos princpios, isto , mostrar de queforma se pode defender a adoo
de determinados princpios de justia quesejam mais razoveis que
outros (TJ, I, 4: 16). A aposta feita que pessoasracionais em uma
situao inicial de igualdade (situao equitativa) esco-lhem
determinados princpios de justia, mais razoveis do que os
encon-trados em outras concepes de justia. por isso que a
justificao resol-ve-se por meio da deliberao: necessrio definir
quais princpios seriamracionalmente aceitos em uma situao inicial
contratual. Na posio origi-nal, encontra-se o modelo contratualista
de justificao, uma vez que so ascondies especficas desse estado de
natureza que determinam a esco-lha dos princpios (TJ, I, 4:
16).
Mas como funciona o mecanismo da posio original enquanto
proce-dimento justificatrio dos princpios, e qual sua relao com a
categoria deequilbrio reflexivo? Em primeiro lugar, temos que a
posio original subs-titui o estado de natureza das teorias
tradicionais do contrato social. Istoporque um de seus principais
elementos o vu da ignorncia. O vu daignorncia um mecanismo de
controle que possibilita s partes no levarem considerao o
conhecimento das contingncias para a determinaodos princpios (TJ,
I, 4: 16). A ideia central impedir que concepes in-dividuais de bem
afetem os princpios adotados nessa situao inicial, oque implicaria
a universalizao de um particular. Rawls aqui explcito:Exclui-se o
conhecimento destas contingncias que estabelecem dispari-dades
entre os homens e permitem, ento, que eles sejam guiados por
seuspreconceitos. Dessa forma, se alcana o vu da ignorncia de
maneira na-tural (TJ, I, 4: 17). por isso que a posio original um
procedimentojustificacional que pode ser adotado a qualquer
momento, bastando paraisso argumentar em defesa de princpios de
justia com base nestas res-
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tries.3 Em segundo lugar, as partes, na posio original, so
iguais, isto ,todos tm os mesmos direitos no processo de escolha
dos princpios, po-dendo propor e apresentar razes, e esta igualdade
representa a capacida-de humana de possuir uma concepo de bem e um
senso de justia (TJ, I, 4: 17). Isso implica que os princpios de
justia so aqueles que pessoasracionais aceitariam em condies de
igualdade, sendo estas pessoas preo-cupadas em promover seus
interesses particulares. H, contudo, que se le-var em considerao,
para a justificao, se os princpios de justia so coe-rentes com os
juzos morais comuns das pessoas. Chega-se assim ao terceiroelemento
da posio original, isto , ao equilbrio reflexivo.4
O procedimento do equilbrio reflexivo prope que se parta de
juzosmorais concordantes, como o repdio escravido e a tolerncia
religiosa,para ver se estes juzos so coerentes com os princpios de
justia no quetange defesa da igualdade e liberdade e, dessa forma,
utilizar os princpiosde justia como uma referncia normativa ao
desacordo moral, a exemplo doque se d no dissenso sobre a
distribuio de riqueza e autoridade. Rawlsafirma que estas concepes
morais so pontos fixos provisrios que servemde referncia para uma
concepo de justia (TJ, I, 4: 17-18). Por isso, oequilbrio reflexivo
um procedimento coerentista entre juzos e princpiosmorais: Ele um
equilbrio porque finalmente nossos princpios e juzoscoincidem; e
ele reflexivo porque sabemos com quais princpios nossosjulgamentos
se conformam e as premissas de sua derivao (TJ, I, 4: 18).O
equilbrio reflexivo significa um estado de coisas em que possvel
per-ceber avanos e recuos, pois em alguns casos necessrio alterar
as condi-es iniciais do contrato, outras vezes imperativa a
modificao dos ju-zos morais para acordarem com os princpios. Este
equilbrio possibilita amelhor configurao da situao inicial
equitativa, pois (a) expressa pres-suposies razoveis e (b) produz
princpios que combinam com os juzosmorais comuns. Note-se que um
procedimento coerentista que visa a jus-tificao com base nessa
correspondncia entre os juzos e os princpiosmorais no interior da
posio original.
3 O no-conhecimento das doutrinas abrangentes caracteriza um vu
da ignorncia espesso (thick),que implica o consenso sobreposto
entre doutrinas abrangentes razoveis. O vu da ignornciaexpressa uma
caracterstica do construtivismo poltico, bem como do construtivismo
moral kan-tiano, que a distino entre o razovel e o racional,
defendendo a prioridade do razovel por seruma disposio para julgar
com base no critrio de reciprocidade e aceitar os limites dos
juzos.Ver PL, I, 4.3: 25.
4 Rawls faz uma distino importante para melhor compreender o
procedimento da posio origi-nal, a saber, uma distino entre (1) as
partes (parties) na posio original, (2) os cidados (citi-zens) em
uma sociedade bem-ordenada e (3) os indivduos reais com seus juzos
ponderados(refletidos) sobre a justia. neste terceiro nvel apenas
que se situa o procedimento do equilbrioreflexivo, pois este um
procedimento realizado por indivduos concretos para verificar se
existecoerncia entre os juzos ponderados e os princpios da justia
como equidade. Ver PL, I, 4.6: 28.
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Visto dessa maneira, importante esclarecer o papel e o alcance
da po-sio original como um procedimento coerentista, e no como um
procedi-mento fundacionalista, em que os princpios seriam
simplesmente dedu-zidos dos pressupostos da situao inicial. A posio
original significa umatentativa de harmonizar em um nico sistema os
pressupostos filosficosrazoveis para a determinao dos princpios e
os juzos morais comuns so-bre a justia:
Eu no defendo que os princpios de justia propostos sejam
verdades neces-srias ou derivveis dessas verdades. Uma concepo de
justia no pode ser dedu-zida de premissas autoevidentes ou de
condies impostas aos princpios; ao con-trrio, sua justificao uma
questo de apoio mtuo de vrias consideraes, doajuste de todas as
partes em uma viso coerente. (TJ, I, 4: 19)
Dessa forma, a posio original tanto um recurso de exposio que
re-sume o significado dos postulados para os princpios que se podem
aceitarcomo razoveis, quanto um critrio intuitivo por sugerir sua
prpria elabo-rao. Em TJ, I, 9, Rawls procura detalhar o conceito de
juzos ponderados(considered judgments) em equilbrio reflexivo ao
estabelecer algumas con-sideraes sobre o problema moral.5 O
problema moral central investigado saber qual o estatuto normativo
dos juzos morais, isto , se eles podem serconsiderados objetivos
sem, entretanto, se recorrer a um modelo tico fun-dacionalista para
a justificao ltima dos juzos e princpios. Rawls tomacomo ponto de
partida a capacidade humana de um senso de justia, isto ,a
capacidade de julgar corretamente (razoavelmente) aquilo que justo
ouinjusto. Por isso, pode-se apontar a teoria da justia como uma
descrio denosso senso de justia (TJ, I, 9: 41). Esta teoria,
entretanto, duvida da ca-pacidade normativa dos juzos morais em
razo dos limites dos juzos, emque, se um juzo moral for verdadeiro,
o juzo contraditrio ser falso, apelan-do para a necessidade de
buscar-se a coerncia entre estes juzos e os prin-cpios para alcanar
a estabilidade social.6 A ideia a defendida consiste em
5 Nessa parte de TJ, Rawls (1999, p. 1-19) segue o ponto de
vista geral de seu artigo Outline of aDecision Procedure for
Ethics. Neste artigo, Rawls procura por um procedimento razovel de
de-ciso que seja suficientemente forte (objetivo) para estabelecer
um critrio de arbtrio dos confli-tos do desacordo moral e alcance a
estabilidade com base em um mtodo racional de investiga-o. A ideia
era mostrar os princpios implcitos nos juzos ponderados (considered
judgments) dejuzes competentes (competent judges) com base no
seguinte mtodo: (i) seleciona-se uma classede juzos morais (com
base na moralidade de senso comum) e (ii) identifica-se se eles so
coeren-tes com princpios razoveis e justificveis; se existe esta
coerncia, ento, (iii) estes juzos mo-rais so juzos ponderados
(refletidos) e servem de critrio justificacional para os princpios.
As-sim, passa-se a contar com princpios razoveis e justificveis
para arbitrar o dissenso moral.
6 Ao recusar uma teoria semntica tradicional, na qual o
significado do dito teria um corresponden-te ontolgico, Rawls apela
para um modelo pragmatista, em que o significado dos enunciados
mo-rais ser determinado em seu uso, isto , em seu contexto. Os
limites dos juzos so abordados emPL, II, 2.3: 56-57.
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estabelecer um procedimento deontolgico para a escolha dos
princpios, deforma que sirvam de referncia normativa aos juzos
morais.7
Uma questo importante saber quais juzos morais podem ser
levadosem considerao e quais devem ser deixados de lado nesse
processo. Paratanto, Rawls faz uso do conceito de juzos ponderados:
Juzos ponderadosso simplesmente os que so feitos sob condies
favorveis ao exercciodo senso de justia e, portanto, em
circunstncias em que no ocorrem asdesculpas e explicaes mais comuns
para se cometer um erro (TJ, I, 9:42). Dessa forma, os juzos
ponderados so aqueles defendidos aps uma re-flexo cuidadosa com
base em princpios, excluindo-se aqueles que surgemem situaes de
dvida, medo ou insegurana etc., afirmando o senso dejustia como uma
capacidade mental. E, uma vez que se considera o sensode justia
como uma capacidade mental, envolvendo o exerccio do pensa-mento,
os juzos pertinentes so aqueles apresentados em condies favo-rveis
para a deliberao e o julgamento em geral (TJ, I, 9: 42).
Rawlsaponta o fato de que h necessidade de explicitar o conceito de
equilbrioreflexivo, porque a justia como equidade a hiptese na qual
os princpiosque seriam escolhidos na posio original so iguais aos
que correspondemaos juzos ponderados dos indivduos, e estes
princpios descrevem o sensode justia (TJ, I, 9: 42). Isto porque na
teoria da justia os dois princpiosde justia seriam escolhidos na
posio original no lugar de outras concep-es de justia, como a do
utilitarismo e a do perfeccionismo, e estes prin-cpios se
harmonizariam melhor com os juzos ponderados, em contraposi-o s
alternativas citadas (TJ, I, 9: 43). Como Rawls no assume umaposio
intuicionista, realista ou mesmo naturalista, ele no faz uso da
ca-tegoria de fato moral, que seria tomado como ponto de partida
objetivo paraa fundamentao dos princpios. Os juzos ponderados em
equilbrio refle-xivo ocupam, entretanto, o lugar de fato moral que
serve de orientao aosprincpios, sendo a justia como equidade uma
teoria dos sentimentos mo-rais (theory of the moral sentiments)
(TJ, I, 9: 42). A aposta de Rawls paraexplicar os juzos ponderados
em equilbrio reflexivo tom-los como hip-teses contingentes e fatos
genricos, pois uma teoria substantiva de justiano pode estar
baseada apenas em verdades lgicas e definies, j que aanlise dos
conceitos morais e seu a priori constitui-se como uma base
muitofrgil. Por mais que Rawls queira distanciar-se do utilitarismo
e perfeccionis-mo, ele acaba por assumir algumas premissas
realistas e intuicionistas quecomplementam seu projeto deontolgico
kantiano.
7 Este procedimento similar ao problema de descrio do senso de
correo gramatical de frases dalngua materna. Rawls estabelece uma
analogia entre o uso de princpios morais contidos nos juzosmorais
cotidianos e a estrutura dos falantes nativos de uma lngua, que
utilizam as regras gramati-cais em sua fala, sem precisamente
conhecer essa estrutura de regras gramaticais (TJ, I, 9: 41).
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Em TJ, III, Rawls analisa o argumento em favor das concepes de
jus-tia, e faz referncia ao equilbrio reflexivo, situando a teoria
da justiacomo equidade entre as teorias dos sentimentos morais,
sentimentos queso manifestados nos juzos ponderados em equilbrio
reflexivo, resolvendoo problema da justificao da seguinte
maneira:
Mas a questo da justificao resolvida, na medida do possvel,
atravs dademonstrao de que h uma interpretao da posio original que
melhor expressaas condies que, de forma geral, se considera razovel
impor escolha dos princ-pios, mas que, ao mesmo tempo, conduz a uma
concepo que caracteriza nossosjuzos ponderados em equilbrio
reflexivo. (TJ, III, 20: 105)
Isso caracteriza a posio original como um procedimento de
prova,pois os princpios de justia distinguem os juzos ponderados,
isto , o sen-so de justia, que tomado intuitivamente como ponto de
partida ou comoprova indireta da validade dos princpios. Veja-se
que neste procedimentoh dois elementos interconectados:
(1) Elemento deontolgico: situao inicial de igualdade em que as
par-tes escolhem sob o vu da ignorncia, partes que so
representantes depessoas racionais e morais;
(2) Elemento teleolgico: os princpios de justia escolhidos
caracteri-zam o senso de justia, isto , os juzos ponderados so
resultados de umaequilibrada reflexo.
Nota-se que os juzos ponderados so elementos de prova para os
prin-cpios porque eles j esto pressupostos nas partes que escolhem
na posi-o original sob o vu da ignorncia, isto , as partes, como
representantesfilosficos dos cidados, no possuem conhecimento das
situaes contin-gentes, mas possuem um senso de justia e uma concepo
de bem, o queimplica escolher com base naquilo que promove seus
interesses particula-res e, tambm, em escolher com base em juzos
morais que expressam umjulgamento razovel sobre as questes de
justia bsica e elementos cons-titucionais.8 Dessa forma, percebe-se
que a justificao dos princpios mo-rais no se encontra em um
procedimento de deduo transcendental, emque, dada uma situao formal
X, os princpios seriam da deduzidos, o querepresentaria defender um
modelo fundacionalista de justificao. Como osjuzos morais
ponderados so utilizados como pressupostos na escolha dos
8 Rawls enfatiza que o procedimento do equilbrio reflexivo apela
para a coerncia entre os juzosponderados (refletidos) contidos na
cultura pblica da sociedade, como se v no repdio escra-vido e na
tolerncia religiosa, e os princpios morais pblicos que esto
implcitos em uma con-cepo poltica razovel de justia. Nota-se que o
mtodo de justificao dos princpios da justiacomo equidade se d com
base na fora contratual que as partes possuem ao poderem
escolherestes princpios em detrimento de outros princpios de
justia, como o utilitarista, por exemplo.Esta teoria moral da
justia como equidade justificada, por sua vez, com base nos juzos
refleti-dos concordantes com estes princpios da justia como
equidade. Ver PL, I, 1: 8.
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princpios e, tambm, como prova indireta da validade dos
princpios,pode-se falar na utilizao de um modelo coerentista de
justificao, apos-tando-se em que juzos e princpios morais possam
encontrar-se em equil-brio reflexivo.
Esse posicionamento antifundacionalista fica muito claro em TJ,
IV, 40,em que se analisa a referncia kantiana da justia como
equidade. Rawls es-clarece que a posio original deve ser
compreendida como uma interpre-tao procedimental da concepo
kantiana de autonomia e do imperativocategrico com base na
estrutura de uma teoria emprica (TJ, IV, 40: 226).A ao autnoma se d
quando os princpios so escolhidos por pessoas ra-cionais e morais.
O acrscimo rawlsiano est em considerar que (1) os prin-cpios
escolhidos devem ser aplicados estrutura bsica da sociedade, eno
vida do indivduo como um todo e que (2) as premissas que
caracte-rizam essa estrutura so utilizadas para a deduo dos
princpios, como,por exemplo, os bens primrios (TJ, IV, 40: 223).
Tambm, os princpios dejustia so considerados da mesma forma que os
imperativos categricos,uma vez que estes princpios so escolhidos na
posio original como o doponto de vista do eu noumnico, em que no
levado em considerao oconhecimento contingente (TJ, IV, 40: 225).
Entretanto, (1) a escolha dapessoa como um eu em si uma escolha
coletiva, e no individualizada e(2) esta escolha no transcendental,
pois as partes levam em consideraoas condies da vida humana, isto ,
levam em conta os aspectos heterno-mos para a escolha dos princpios
(TJ, IV, 40: 226).
Equilbrio reflexivo (Reflective equilibrium)
O mtodo do equilbrio reflexivo caracteriza-se por procurar
estabele-cer a regra com base no uso, visando a evitar uma
reivindicao fundacio-nalista para os critrios universais. A ideia
geral (i) partir dos juzos mo-rais concordantes em uma sociedade
democrtica, pela tolerncia religiosae o repdio escravido, por
exemplo, para identificar a coerncia com osprincpios de liberdade e
igualdade, a fim de (ii) usar os princpios da justi-a para o
estabelecimento de julgamento dos juzos morais discordantes,como
sobre estabelecer o critrio para a distribuio dos bens, (iii)
combase em uma teoria moral-poltica, como a que v a justia como
equidade,por exemplo (TJ, I, 4: 17-18). O objetivo pensar a teoria
da justia comoequidade enquanto uma descrio de nosso senso de
justia, de forma queos princpios escolhidos na posio original
correspondam aos juzos pon-derados. um mtodo de justificao em tica
procurando opor-se ao intui-cionismo racional, que toma como ponto
de partida a existncia de fatosmorais que podem ser intudos, sem,
contudo, defender o posicionamento
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oposto de antirrealismo (relativismo moral), o qual no v a
possibilidade defalar-se em fatos morais independentemente das
crenas.9 Rawls utiliza oprocedimento do equilbrio reflexivo como
ncleo central de sua concepopoltica de justia, de forma que se
estabelea uma teoria normativa da es-colha pblica (poltica),
harmonizando assim os juzos morais particularescom os princpios de
justia. um processo de justificao de crenas, ga-rantindo a
identificao da objetividade dos juzos e princpios morais combase na
coerncia entre eles, sendo um teste para a validao do senso
dejustia compartilhado, estabelecendo-se princpios morais de acordo
comuma teoria moral e com as convices morais refletidas,
conformando, almdisso, os juzos morais convergentes com base na
coerncia com os princ-pios da justia como equidade.10
Pode-se apontar, ento, o fato de que o mtodo do equilbrio
reflexivopossui uma abordagem coerentista de justificao em tica
devido expec-tativa de reviso de crenas particulares em todos os
nveis da operao deavano e recuo, contrastando com modelos
fundacionalistas que tomam al-gum subconjunto de crenas como pontos
fixos que no podem ser revisa-dos, isto , que tomam os princpios ou
juzos morais como elementos fun-damentais de um enunciado moral que
seriam diretamente justificveis.11
Este mtodo foi proposto por Nelson Goodman, sendo uma abordagem
paraa justificao de regras da lgica indutiva, e defende a idia de
que se po-dem justificar regras de inferncia em lgica indutiva e
dedutiva com base
9 Para Guillarme, esse mtodo um procedimento de justificao de
crenas (processus de justifi-cacion de croyances), garantindo a
objetividade dos juzos e princpios morais com base em suacoerncia
(Guillarme, 1999, p. 13-14; e tambm Baynes, 1992, p. 70).
10 Segundo Norman Daniels (1996, p. 1-3), o equilbrio reflexivo
o ponto final de um processo dedeliberao em que se refletem e se
revisam as crenas individuais sobre uma determinada reade
investigao, moral ou no-moral. Este mtodo consiste na operao de
avanos e recuos en-tre os juzos ponderados (ou intuies) sobre casos
particulares, os princpios ou regras que seacredita orient-los e as
consideraes tericas que se assume em aceitar estes juzos
ponderadosou princpios, revisando qualquer dos elementos quando
necessrio, a fim de se conseguir umacoerncia aceitvel entre eles.
Alcana-se um equilbrio reflexivo quando os juzos, princpios
eteorias possurem uma unidade em razo de juntos serem dotados de um
maior grau de credibili-dade. Por exemplo, um princpio ou juzo
sobre um caso particular pode ser justificado quando elefor
coerente com o resto das crenas do indivduo sobre a ao correta e
aps a devida reflexosobre as revises necessrias do sistema de
crenas deste indivduo.
11 David Brink (1989, p. 101-104) estabelece a seguinte distino
entre os modelos coerentista e fun-dacionalista em tica: o
fundacionalismo (fundationalism) moral assegura que uma crena
moralp justificada em caso de p ser igualmente (a) fundamentado
(foundational), isto , autojustifica-do, e (b) baseado em um tipo
de inferncia de crenas fundamentadas (foundational). J o
coeren-tismo moral assegura que uma crena moral p justificada na
medida em que ela seja parte deum sistema coerente de crenas
(morais e no-morais), e a coerncia em ps explica parcialmentepor
que se defende p. Afirma que o coerentismo moral essencialmente
encontrado no mtodode equilbrio reflexivo amplo utilizado por John
Rawls (ver tambm Audi, 1993, p. 49-164).
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em sua coerncia com os juzos inferenciais de casos
particulares.12 Emboraa origem do procedimento do equilbrio
reflexivo encontre-se nas discus-ses sobre a justificao da lgica
indutiva, seu principal desenvolvimentoocorreu em tica e filosofia
poltica. Especificamente, o mtodo obteve proe-minncia, e tambm o
nome pelo qual conhecido, na esteira da divulgaodo uso que lhe foi
dado por Rawls em TJ (1971).
Na justia como equidade, alm de os princpios de justia serem
esco-lhidos com base nas restries do vu da ignorncia, eles devem
correspon-der aos juzos ponderados sobre justia em equilbrio
reflexivo. Se eles nolhes corresponderem, necessrio revisar as
restries na situao contra-tual at se chegar a um acordo que gere
princpios que estejam em equil-brio reflexivo com os juzos
ponderados sobre a justia. Assim, o dispositivodo contrato deve
estar ele prprio em equilbrio reflexivo com o restante dascrenas
particulares sobre a justia. O contrato um importante instrumen-to
para a construo dos princpios, pois ele auxilia na determinao
dequais princpios devem ser escolhidos entre as opinies
divergentes, mas ajustificao destes princpios deve derivar do
equilbrio reflexivo entre es-tes e os juzos ponderados. Esta
coerncia envolve mais que meramenteuma consistncia lgica, pois as
crenas morais contam para a justificaodos princpios que tenham por
base uma teoria moral de fundo.13
Em JF, Rawls situa o procedimento do equilbrio reflexivo como um
pro-cedimento de justificao pblica (public justification),
juntamente com osprocedimentos de consenso sobreposto (overlapping
consensus) e razopblica (public reason) (JF, I, 9.1: 26). O papel
da ideia de uma justificaopblica compreender a ideia de justificao
de forma adequada a umaconcepo poltica de justia para uma sociedade
que se caracteriza pelopluralismo razovel, como pode ser observado
em uma democracia, porexemplo (JF, I, 9.1: 26). Esta ideia de
justificao pblica est conectada aoutra ideia fundamental da justia
como equidade que a de uma socieda-de bem-ordenada, pois tal
sociedade organizada por uma concepo pol-tica de justia, e isto
significa que (1) uma concepo moral especficapara a estrutura bsica
da sociedade (no para indivduos e grupos); (2) no uma doutrina
abrangente, sendo apenas uma concepo razovel em queseus princpios
expressam valores polticos para esta estrutura bsica; (3)
12 A proposta de Goodman (1954, p. 31-58) era encontrar uma
referncia no-metafsica para as re-gras com base em uma perspectiva
pragmatista, rejeitando a idia de um fundamento
ontolgicoindependente da teoria.
13 Samuel Freeman (2007, p. 42) afirma que a ideia de equilbrio
reflexivo toma como pressupostosas ideias de juzos ponderados e
convices morais, sendo os juzos ponderados os julgamentosmorais em
que temos grande confiana, como os juzos que afirmam a injustia da
intolernciareligiosa e da discriminao racial, por exemplo. Para
ele, o mtodo do equilbrio reflexivo reivin-dica apenas uma
justificao moral no mbito de um procedimento pblico de justificao,
poisimpe uma condio de publicidade (publicity) para as partes
escolherem na posio original.
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est restrita a ideias fundamentais que se encontram na cultura
poltica p-blica de uma sociedade democrtica, como, por exemplo, a
ideia de uma so-ciedade como um sistema equitativo de cooperao
social e a ideia de ci-dados como livres e iguais (JF, I, 9.1:
26-27).
O processo de uma justificao pblica significa que os juzos
polticosdevem ser justificados entre os cidados, e isto representa
um esforo deconvenc-los por meio da razo pblica, isto , mediante
raciocnios e infe-rncias adequados a questes polticas bsicas,
recorrendo apenas a deter-minados valores polticos que sejam
razoveis aos outros (JF, I, 9.2: 27).Esta justificao pblica depende
de um acordo de juzos polticos, pelomenos no que diz respeito aos
elementos constitucionais essenciais, a sa-ber: (1) os princpios
fundamentais que determinam a estrutura geral do go-verno e seu
processo poltico; prerrogativas do Legislativo, Executivo e
Ju-dicirio; limites da regra da maioria; e (2) direitos e
liberdades bsicosiguais de cidadania (direito de votar e participar
da poltica, liberdade depensamento, associao, conscincia e garantia
do estado de direito) (JF, I, 9.3: 28). O procedimento de uma
justificao pblica tem por base tomarcomo ponto de partida as ideias
fundamentais contidas na cultura polticapara formar uma base pblica
de justificao, que todos os cidados (toma-dos como racionais e
razoveis) podem endossar apoiados em suas doutri-nas abrangentes
(concepes filosficas, religiosas, morais). Dessa manei-ra, tem-se
um consenso sobreposto de doutrinas razoveis, e isto implicaassumir
uma concepo poltica em equilbrio reflexivo (TJ, I, 9.4: 29).14
Como ela no uma doutrina abrangente, a teoria da justia como
equidadeno necessita mostrar que esses juzos so verdadeiros com
base em um in-tuicionismo racional ou em um racionalismo
transcendental, bastando quese alcance o consenso sobreposto em uma
concepo poltica (moral) dejustia que esteja de acordo com os juzos
ponderados dos cidados, isto ,em equilbrio reflexivo.
Rawls faz a defesa de que os cidados so capazes de razo (terica
eprtica) e dotados de senso de justia. Em condies normais, estas
capa-cidades desenvolvem-se gradualmente e so utilizadas em
diversos tiposde juzos de justia a respeito da estrutura bsica da
sociedade, bem comode aes cotidianas da vida prtica. De todos os
juzos polticos de justia,so selecionados os juzos ponderados, os
proferidos quando as condiesso familiares ao exerccio das
faculdades da razo e do senso de justia,em que se tem a capacidade
de realizar um julgamento correto sem ser afe-tado por influncias
divergentes (JF, I, 10.1: 29). Estes juzos ponderadosso aqueles que
se podem assumir em equilbrio reflexivo, isto , que esto
14 Esta concepo poltica de justia defende apenas valores pblicos
de liberdade e igualdade, as-sumindo um ideal de cidadania
democrtica e dever de civilidade no mbito dos elementos
cons-titucionais essenciais e das questes bsicas de justia. Ver PL,
IV, 7: 164-168.
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de acordo com os valores polticos assumidos pela cultura pblica
da socie-dade, como os juzos morais que condenam a escravido e
defendem a to-lerncia religiosa. No importa saber se so necessrios,
mas sim que sejamassumidos com base em uma tradio poltica que d
oportunidade a umconsenso sobreposto, isto , um assentimento de
todos os cidados a res-peito dos elementos constitucionais
essenciais e das questes de justiabsica. A questo central como se
podem considerar esses juzos ponde-rados (refletidos) de justia
poltica mais coerentes com os juzos moraisabrangentes, tanto os
individuais como os das outras pessoas, sem a impo-sio de uma
autoridade poltica exterior (JF, I, 10.2: 30). Isto significa queos
juzos podem estar em desacordo, e, para tanto, ser necessria a
revisode alguns deles para se chegar a um acordo razovel sobre a
justia poltica.
Para uma melhor compreenso do procedimento do equilbrio
reflexivo, necessrio estabelecer uma diferenciao entre um equilbrio
reflexivorestrito (narrow) e um equilbrio reflexivo amplo (wide).
Um equilbrio refle-xivo restrito (narrow reflective equilibrium) se
d quando uma concepopoltica de justia facilmente aceitvel por
algum, bastando para issoapenas uma pequena reviso de seus juzos
morais particulares, e assim es-tabelecer-se uma coerncia entre as
convices gerais, os princpios bsi-cos e os juzos particulares, sem
que se levem em conta as distintas con-cepes de justia (JF, I,
10.3: 30-31). J um equilbrio reflexivo amplo(wide reflective
equilibrium) se d quando h a considerao de outras con-cepes de
justia e a fora dos argumentos que lhe d sustentao, comoa
considerao sobre as concepes de justia da justia como equidade,do
utilitarismo e do perfeccionismo, de forma que, alm de as
convicesgerais, os princpios fundamentais e os juzos particulares
concordarem, le-vam-se em considerao estas outras concepes de
justia para a escolhados princpios (JF, I, 10.3: 31). O mtodo do
equilbrio reflexivo amplo es-tabelece uma coerncia entre o conjunto
de crenas de uma pessoa em trsnveis, a saber, entre (i) os juzos
morais (moral judgments), (ii) os princpiosmorais (moral
principles) e (iii) as teorias de fundo (background
theories).Assim, as teorias de fundo (iii) devem mostrar que os
princpios morais (ii)so mais razoveis que outros princpios
alternativos, de forma indepen-dente dos juzos morais (i).15
15 Para Daniels (1996, p. 22), o ponto central de justificao na
teoria da justia como equidade esta-belecido apenas no nvel (iii),
isto , na aceitao de uma teoria da justia que pe prova as
con-sideraes morais particulares e produz uma sociedade
bem-ordenada: Rawls Archimedean pointis fixed only against the
acceptability of particular level III theories. Bo Petersson (1998,
p. 127)apresenta este mtodo da seguinte forma: In one respect, WRE
(wide reflective equilibrium) is amethod for solving moral
problems; in another, WRE is a state of affairs, a result that is
achieved bysuch a method an equilibrium that justifies a persons
beliefs in certain moral ideas (the perso-nal, subjective level, P
is justified in believing X) or a certain ethical system or theory
(the inter-personal or impersonal, objective level, belief X is
justified).
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Com base nessa distino, importante observar que a teoria da
justi-a rawlsiana faz uso do procedimento do equilbrio reflexivo
amplo. Umavez que os princpios de justia seriam escolhidos na posio
original, elesso iguais aos que correspondem aos juzos ponderados
das pessoas, sendoestes princpios escolhidos ao lado de outras
concepes de justia, como autilitarista ou perfeccionista, por
exemplo (TJ, I, 9: 43). O equilbrio refle-xivo, alm de amplo, deve
ser pleno (full), uma vez que a mesma concepopblica de justia
afirmada pelos juzos ponderados de todos em uma so-ciedade
bem-ordenada.16 Em uma sociedade bem-ordenada, as
pretensesindividuais so arbitradas com base em um ponto de vista
pblico, e, almdisso, todos reconhecem que esse ponto de vista
afirmado em equilbrioreflexivo pleno (full reflective equilibrium)
(JF, I, 10.4: 31).
Esse procedimento do equilbrio reflexivo amplo e pleno
no-fundacio-nalista porque a justificao pblica no encontrada com
base em umafundamentao feita de juzos particulares ou convices
especficas quepoderiam ser considerados como verdadeiros; antes,
esta justificao al-canada com base na coerncia entre as convices
gerais e os juzos par-ticulares com os princpios da justia como
equidade, assumindo um pontode vista pblico baseado na ideia de uma
sociedade bem-ordenada:
Com base no que dissemos acima (em 10.2), a idia de justificao
em con-junto com o equilbrio reflexivo pleno [full]
no-fundacionalista desta forma: ne-nhum tipo especfico de juzo
ponderado de justia poltica ou nvel particular de ge-neralidade
pensado como tendo que carregar consigo todo o peso da
justificaopblica. (JF, I, 10.4: 31)
Note-se que o objetivo oferecer uma outra estratgia para a
justifica-o dos princpios. Seu ponto de partida no tomar os juzos
morais comofatos, o que implicaria assumir uma tese intuicionista;
tambm no se tratade considerar os princpios morais como vlidos com
base em uma justifi-cao apriorstica, o que implicaria um
fundacionalismo; tampouco defen-de a posio de que a justificao
encontra-se apenas na coerncia entreestes juzos e princpios, o que
poderia revelar conservadorismo ou relati-vismo.17 A questo central
deste procedimento testar a validade dos prin-
16 Rawls estabelece uma distino entre equilbrio reflexivo geral
(general) e pleno (full): no primeirocaso, a mesma concepo pblica
de justia afirmada pelos juzos ponderados de todos e, nosegundo
caso, a mesma concepo pblica de justia afirmada pelos juzos
ponderados de to-dos em uma sociedade bem-ordenada (JF, I, 10.4:
31).
17 Scanlon (2003, p. 150-153) responde a essa acusao de
conservadorismo e relativismo no mtododo equilbrio reflexivo
rawlsiano afirmando que os juzos ponderados no so fixados, mas
estoabertos a constante reviso, e estes juzos ponderados no so
limitados pelos juzos particularesdaquilo que correto, o que,
tambm, no implica a aceitao de todos os juzos nem de todos
osprincpios morais, dando oportunidade escolha de um critrio
objetivo para as crenas moraisque se contrape ao ceticismo.
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cpios fundamentais com base na aceitao que se pode dar aos
julgamentosque seriam decorrentes destes princpios. Assim, o
problema da fraquezados juzos morais particulares (convices gerais)
eliminado, pois o quevale so os juzos ponderados, isto , refletidos
com base em determinadosprincpios, como os princpios da justia como
equidade. Este coerentismono valida ou invalida todos os juzos
morais das pessoas, no subsumindoum ponto de vista subjetivista ou
relativista, pois busca uma refernciacognitivista e objetivista no
horizonte de uma justificao poltica. De outraparte, no busca uma
fundamentao ltima dos princpios; antes, faz usodos princpios de
justia como critrio normativo pblico para os juzos mo-rais,
assegurando para os juzos ponderados (refletidos) uma fora
justifica-cional para estes princpios em um mbito pblico. Pode-se
apontar o fatode que sua novidade consiste em confrontar o
desacordo moral baseando-se em uma estratgia de escolha sobre qual
teoria daria oportunidade amaior sucesso para a garantia da
estabilidade social.18
A questo que precisa ser respondida se no h circularidade
nesseprocedimento do equilbrio reflexivo como utilizado na teoria
da justiacomo equidade. Se os princpios so orientados pela teoria
moral e esta o pelos juzos ponderados, sendo os juzos morais
orientados pelos princpios,onde estaria a justificao propriamente
dita? Uma tentativa de respondera esta questo est em observar que o
equilbrio reflexivo pleno caracteriza-se por seu objetivo prtico,
alm de exigir uma reflexo racional e ser anti-fundacionalista,
satisfazendo a necessidade de construir uma base para ajustificao
pblica em questes de justia poltica, isto , de
elementosconstitucionais essenciais e questes bsicas de justia
distributiva:
Na justia como equidade, o equilbrio reflexivo pleno
caracterizado pelo seuobjetivo prtico, por sua reflexo racional e
por seu aspecto no-fundacionalista,como descrito acima. Dessa
forma, satisfaz a necessidade de uma base de justifica-o pblica em
questes de justia poltica; uma coerncia entre convices ponde-radas
em todos os nveis de generalidade e em equilbrio reflexivo amplo e
geral tudo o que requerido para o objetivo prtico para alcanar um
acordo razovel so-bre questes de justia poltica. (JF, I, 10.4:
31-32)
18 Concordando com o argumento de Norman Daniels (1996, p.
59-61), desacordos a respeito de teo-rias so de mais fcil resoluo
que os desacordos sobre princpios e julgamentos morais. Dessaforma,
no necessrio enfrentar o problema epistemolgico a respeito da
verdade dos juzos ouprincpios, pois a argumentao recai sobre a
plausibilidade da teoria, o que remete defesa deuma melhor
organizao social. Isso significa que (i) os princpios escolhidos na
posio originalso justificados no porque eles pem prova as
consideraes morais relevantes, mas porque aposio original um
instrumento justificacional aceitvel; (ii) a posio original um
instrumen-to justificacional aceitvel porque a teoria profunda
relevante aceitvel; (iii) a teoria profunda aceitvel porque ela
estabelece uma melhor coerncia com o resto das crenas em equilbrio
re-flexivo amplo.
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O objetivo prtico desse procedimento alcanado quando uma
con-cepo pblica de justia pode ser assumida, tornando os juzos
pondera-dos mais coerentes com os princpios fundamentais da justia
como equi-dade, o que traz por consequncia utilizar o procedimento
da posiooriginal sob o vu da ignorncia para estabelecer quais
princpios pblicosseriam os mais aceitveis, princpios estes que
devem ser escolhidos entreoutros princpios alternativos de outras
teorias morais, dando oportunidadea uma unidade suficiente para a
garantia da estabilidade social. A teoriaque melhor responder
construo de um ponto de vista pblico razovel,que pode ser assumido
por todos com base em suas doutrinas abrangentes,em consenso
sobreposto, tem sua fora justificacional assegurada, especial-mente
no que toca s questes que envolvem os elementos
constitucionaisessenciais e as questes de justia distributiva.19
Veja-se que, por sua vez,a escolha da melhor teoria encontra sua
referncia em determinados juzos,juzos refletidos (ponderados), que
se harmonizam com os princpios de jus-tia formulados na justia como
equidade (JF, III, 40.3: 134). O que est emjogo neste processo de
justificao pblica do equilbrio reflexivo a possi-bilidade de
aceitao dos princpios de justia como equidade, que tomampor base a
ideia de uma sociedade como um sistema equitativo de coope-rao
social de uma gerao a outra, aceitando o contedo institucional
dosdois princpios, e a ideia de equilbrio reflexivo envolve a
aceitao que sepossa dar a estas ideias e princpios que so assumidos
(JF, IV, 41.1: 136).20
Dessa forma, no se pode falar em circularidade, pois os
princpios so es-colhidos em razo do objetivo prtico de garantir a
estabilidade social, intro-duzindo um outro elemento para a
deliberao e assumindo um procedi-mento pragmatista de justificao
pblica.
Consideraes finais
No final de TJ (TJ, IX, 87), Rawls aponta para algumas
consideraesimportantes a respeito do problema da justificao em
tica. Ressalta que a
19 Para Thomas Pogge (2007, p. 170), a concepo de justia poltica
de Rawls se apresenta como umateoria com suficiente unidade,
coerncia e credibilidade para a garantia da estabilidade
social.
20 Fred DAgostino (2007, p. 195-196) identifica o fato de que a
teoria da justia como equidade fazuso de um mtodo de
comensurabilidade (commensuration), que possibilita a cidados
livres eiguais de uma sociedade democrtica reconhecer uma base
comum de valores para a estrutura b-sica da sociedade, refutando o
utilitarismo e o intuicionismo por sua incomensurabilidade. Isto
im-plica assumir um carter pragmatista de justificao em razo do
estabelecimento dos princpiosda associao poltica como algo que tem
uma funo social e poltica, princpios que esto articu-lados em
equilbrio reflexivo com os juzos ponderados de justia de uma
sociedade democrtica.
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Trans/Form/Ao, So Paulo, 32(1): 139-157, 2009 155
teoria da justia afasta-se de dois modelos ticos paradigmticos,
a saber,o cartesiano, em que se busca encontrar princpios
verdadeiros para funda-mentar os juzos morais, e o naturalista, que
utiliza definies de conceitosmorais em termos de conceitos no
morais. Para Rawls, estes modelos apre-sentam srios problemas. O
primeiro est apoiado em uma fundamentaoltima dos princpios. O
segundo comete a falcia naturalista ao orientar osjuzos morais com
base em juzos descritivos. Os princpios de justia noso naturais,
nem necessariamente verdadeiros. Na justia como equidadenem as
condies para a escolha nem os princpios bsicos podem ser
con-siderados como necessrios ou definidores da moralidade e, por
isso, comoresponsveis pelo nus da prova. Rawls abandona este modelo
tico funda-cionalista principalmente por perceber que falta uma
clara teoria do signi-ficado dos enunciados morais, buscando
construir uma teoria moral basea-da na ideia de coerncia entre
princpios formais, juzos ponderados eteorias morais. Por isso, a
teoria rawlsiana parte da convico regida pelosenso comum segundo a
qual a justia a virtude primeira das instituiessociais,
estabelecendo uma concepo moral que procura entender e avaliaros
sentimentos a respeito da primazia da justia, articulando esta
opiniocomum e orientando sua tendncia geral, de forma que os
princpios querespeitam a igual liberdade e a igualdade equitativa
de oportunidades e oprincpio da diferena so aqueles que melhor
descrevem o senso de justiadas pessoas que possuem uma tradio
democrtica, pluralista e toleranteem sua cultura pblica.
Pode-se perceber que os princpios de justia, que so formulados
combase nas restries especficas da justia como equidade, recebem
uma jus-tificao indireta dos juzos ponderados dos indivduos, pois
so estes ofundo comum de onde se formula a teoria rawlsiana de
justia. Embora nose encontre neste modelo tico uma fundamentao
ltima, o que assegu-raria a verdade destes princpios, pode-se
identificar uma base pblica dejustificao, o que garante um critrio
objetivo para orientar o desacordomoral de uma sociedade
pluralista, que entende como possvel um consensomnimo sobre os
elementos constitucionais essenciais e questes de
justiadistributiva em razo de sua razoabilidade. Com base na
interconexo dosprocedimentos da posio original e do equilbrio
reflexivo, a justia comoequidade apresenta-se como um modelo tico
plausvel e publicamente jus-tificado que assume o coerentismo moral
como a melhor forma de alcanarum critrio objetivo de correo para as
instituies polticas e sociais.
SILVEIRA, Denis Coitinho. Original position and reflexive
balance in John Rawls: theproblem of justification. Trans/Form/Ao.
So Paulo, v.32(1), 2009, p.139-157.
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156 Trans/Form/Ao, So Paulo, 32(1): 139-157, 2009
ABSTRACT: The aim of this paper is to raise some considerations
about the roleof the original position and reflective equilibrium
procedures in John Rawlss the-ory of justice as fairness in A
Theory of Justice, Political Liberalism and Justiceas Fairness: A
Restatement. I want to show that Rawls uses a
coherentist-prag-matic model of justification of the principles of
justice in a public context, whichis nonfoundationalist because of
the interconnection between these procedures.
KEYWORDS: reflective equilibrium; original position;
coherentism; nonfounda-tionalism.
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