COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE COGNITIVA E DA DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO KATHIA MARISE BORGES SALES Salvador 2013
COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE COGNITIVA E DA DIFUSÃO SOCIAL
DO CONHECIMENTO
KATHIA MARISE BORGES SALES
Salvador 2013
KATHIA MARISE BORGES SALES
COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE
COGNITIVA E DA DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão do Conhecimento da Universidade Federal da Bahia – DMMDC, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Difusão do Conhecimento.
Orientador: Profº Drº Dante Augusto Galeffi
Salvador 2013
FICHA CATALOGRÁFICA Sistema de Bibliotecas da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592
Ficha Catalográfica
Sales, Kathia Marise Borges Cognição em ambientes com mediação telemática: uma proposta metodológica para análise cognitiva e da difusão social do conhecimento / Kathia Marise Borges Sales . - Salvador, 2013. 241f. Orientador: Dante Augusto Galeffi. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia. 2013. Contém referências e anexos.
1. Teoria do conhecimento (Epistemologia). 2. Tecnologias da informação. 3. Cognição. 4. Telemática. 5. Comunicação - Inovações tecnológicas. I. Galeffi, Dante Augusto. II. Universidade Federal da Bahia. . CDD: 121
TERMO DE APROVAÇÃO
KATHIA MARISE BORGES SALES
COGNIÇÃO EM AMBIENTES COM MEDIAÇÃO TELEMÁTICA – UMA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA ANÁLISE COGNITIVA E DA
DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO
Tese aprovada como requisito para obtenção do título de Doutora em Difusão do Conhecimento, Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Educação, pela seguinte banca examinadora:
Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi ________________________________________________ Universidade Federal da Bahia - UFBA Profª. Dra. Teresinha Fróes Burnham ____________________________________________ Universidade Federal da Bahia - UFBA Prof. Dr. Roberto Sidnei Alves Macedo ___________________________________________ Universidade Federal da Bahia - UFBA Prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Junior ___________________________________________ Universidade do Estado da Bahia - UNEB Prof. Dr. Alfredo Eurico Rodrigues Matta _________________________________________ Universidade do Estado da Bahia - UNEB Prof. Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho ________________________________________ Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Salvador, 15 de março de 2013.
DEDICATÓRIA
A meus pais, Eduardo e Mariza, o início.
A minhas filhas, Fernanda e Karolina, o desdobramento da vivência do amor.
AGRADECIMENTOS
A Deus e à Espiritualidade Superior, fonte permanente de Luz e Energia nesta minha trajetória no Plano Terreno.
A meus pais, Eduardo e Mariza, por me darem a Vida, em tantos e todos os momentos que os
busco, convivo, aprendo, recebo, troco com eles a energia vital do amor incondicional.
A meus irmãos, Rose e Dudu, amor fraterno e certeza de acolhimento e pertença.
A minhas filhas, Fernanda e Karolina, vivência de amor indescritível, aprendizado permanente, fonte infinita de energia.
Aos meus amigos, parceiros de alegrias, descobertas, angústias e aprendizados.
À Universidade do Estado da Bahia – UNEB, por todas as oportunidades de crescimento,
formação e reconhecimento.
Aos colegas do DMMDC, do Grupo CAOS e do Grupo EPISTRANSCOMPLEX por todas as trocas e construções coletivas.
Aos docentes do DMMDC, Dante Galeffi, Terezinha Fróes, Roberto Sidney, Arnaud Lima
Junior, Miguel Bordas e Eduardo Oliveira pela contribuição a esta Tese e ao meu processo de formação acadêmica.
Ao Prof. Dr. Dante Augusto Galeffi
Um intenso sentimento de respeito, admiração e gratidão me impulsiona a registrar neste documento a experiência de orientação que vivenciei com o professor Dante.
A verdadeira sabedoria, que une conhecimento, humildade e respeito pelo outro, caracteriza as relações por ele construídas. Grande Filósofo, cientista, pesquisador, mas acima de tudo HUMANO! Com uma inesgotável capacidade de ouvir, inclusive para além do que é dito,
olha nos olhos, preocupa-se verdadeiramente com as pessoas, em atitude de respeito e cuidado.
Orienta sem direcionar, sem nunca impor, atropelar ou conduzir. É parceiro no processo autônomo de construção do orientando. Sugere, critica, elogia, apoia, sempre com muito
respeito pelo saber do outro, pelas escolhas do outro.
Educador, amigo, exemplo. MUITO OBRIGADA!
RESUMO
Compreendendo que a investigação sobre a Difusão Social do Conhecimento no contexto contemporâneo implica em problematizar a própria concepção de conhecimento e reconhecer a singularidade dos sujeitos em seus processos cognitivos de construção e elaboração do conhecimento, este trabalho propõe um olhar complexo e multirreferencial para a Difusão Social do Conhecimento, investigando-a em suas relações com os potenciais, implicações e funções dos processos cognitivos, na perspectiva de que, é no interior destes que a Difusão efetivamente ocorre, em sua trama psicológica, sociocultural, política etc., relacionando-se de modo fundamental com a autonomia e o papel ativo do sujeito. O olhar sobre a Difusão do Conhecimento está aqui posto no sujeito e na forma como este percebe, interage, atua, constrói o conhecimento em busca contínua pela conservação da autopoiese (MATURANA e VARELA), experienciando a construção do autoconhecimento em sua forma singular de ser-aparecendo-desaparecendo (GALEFFI) e na constante busca pela Libertação, que só se alcança através da Conscientização (FREIRE). Tendo como objetivo a investigação dos processos cognitivos que ocorrem em ambientes com mediação telemática, buscando identificar características singulares comuns a estes ambientes, desenvolve uma Metodologia específica para Análise Cognitiva em contextos telematicamente mediados, que possibilite o estudo e acompanhamento destes processos, considerando os sujeitos em sua singularidade e reconhecendo a dimensão política presente nas interações e produções humanas. Compreende o escopo desta investigação, elaborações teóricas sobre os campos conceituais: Conhecimento, Cognição, Ambientes telemáticos / TIC contemporâneas e Difusão Social do Conhecimento, pautando-se na perspectiva complexa, multirreferencial e polilógica de ciência e conhecimento científico, que se exercita como construção humana de uma sociedade implicada com a afirmação da diversidade e a busca da equidade. Palavras-chaves: Cognição, Ambientes com mediação telemática, Análise Cognitiva e Difusão social do Conhecimento.
ABSTRACT
Understanding that research on the Social Diffusion of Knowledge in the contemporary context implies questioning the very concept of knowledge and recognizing the uniqueness of individuals in their cognitive processes of construction and development of knowledge, this work proposes a complex and multifaceted look for Social Diffusion Knowledge, investigating it in its relations with the potentials, implications and functions of cognitive processes, from the perspective that it is within these that the diffusion occurs effectively in its psychological, socio-cultural, political plots, relating in a fundamental way to the autonomy and the active role of the subject. The look on the Diffusion of Knowledge is here put in the subject and how it perceives, interacts, operates, builds knowledge in continuous search for the conservation of autopoiesis (Maturana and Varela), experiencing the construction of the self in its singular form to be -appearing-disappearing (Galeffi) and the constant quest for liberation, which can only be achieved through awareness (Freire). Aiming to investigate the cognitive processes that occur in environments with telematics mediation, seeking to identify unique characteristics common to these environments, develops a specific methodology for Cognitive Analysis in telematically mediated contexts, enabling the study and monitoring of these processes, considering the subject in its uniqueness and recognizing the political dimension present in human interactions and productions. Comprises the scope of this research, theoretical elaborations on the conceptual fields: Knowledge, Cognition, Environments Telematics / contemporary ICT and Social Diffusion of Knowledge, basing on the complex perspective, and multi-referential poli-logic of science and scientific knowledge, which exercises like human construction a society involved with the affirmation of diversity and the pursuit of fairness. Keywords: Cognition, telematics environments with mediation, Cognitive Analysis and Dissemination of Knowledge social.
RESUMEN
Comprendiendo que la investigación sobre Difusión Social de Conocimiento, en el contexto contemporáneo, implica problematizar la propia concepción de conocimiento y reconocer las singularidades de los sujetos en relación con los procesos cognitivos de construcción y elaboración de conocimiento este trabajo propone una mirada compleja y multireferencial. Para ello, investiga las relaciones con las potencialidades, implicaciones y funciones de los procesos cognitivos en el entendido que es en el interior de éstas donde efectivamente ocurre la Difusión, en el entramado psicológico, socio-cultural, político, etc, relacionado de manera fundamental con la autonomía y el papel activo del sujeto. La mirada sobre Difusión de Conocimiento está puesta en el sujeto y en la forma como él lo percibe, interactúa, actúa, y construye conocimiento en una búsqueda permanente por la conservación de la autopoiésis (MATURANA e VARELA), experimentando la construcción de conocimiento en la forma particular de ser-apareciendo-desapareciendo (GALEFFI) y en la constante exploración de la libertad que sólo alcanza a través de la concientización (FREIRE), teniendo como objetivo la investigación de los procesos que ocurren en los ambientes con mediación telemática, buscando identificar características singulares que sean comunes en estos ambientes, desarrolla una metodología específica para el Análisis Cognitivo en contextos mediados telemáticamente para permitir el estudio y acompañamiento de los mismos, considerando la singularidad de los sujetos y reconociendo la dimensión política presente en las interacciones y las producciones humanas. El objeto de esta investigación comprende elaboraciones teóricas sobre los campos conceptuales: Conocimiento, Cognición, Ambientes Telemáticos / TIC, Difusión Social de Conocimiento, ubicada en el enfoque complejo, multireferencial y polilógico de la ciencia y conocimiento científico que se ejercita como construcción humana de una sociedad comprometida con la afirmación de la diversidad y la búsqueda de la equidad.
Palabras claves: Cognición, Ambientes con mediación telemática, Análisis Cognitivo y Difusión Social de Conocimiento.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Momentos das Ciências da Cognição Capítulo I, p. 37
Figura 2 - Causalidade Global Capítulo III, p. 118
Figura 3 - Processos Cognitivos nucleares na Analítica da Difusão Social do Conhecimento
Capítulo IV, p. 140
Figura 4 - Modelo de Representação Gráfica – Fase II Capítulo V, p. 171
Figura 5 - Modelo de Representação Gráfica – Fase III Capítulo V, p. 173
Figura 6 - Sequência de participações em Fórum de Discussão Capítulo VI, p. 177
Figura 7 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva I Capítulo VI, p. 178
Figura 8 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva II Capítulo VI, p. 183
Figura 9 - Exemplo 1 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 188
Figura 10 – Exemplo 2 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 189
Figura 11 - Exemplo 3 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 191
Figura 12 - Exemplo 4 de Campanha de Mobilização Social Capítulo VI, p. 192
Figura 13 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva III Capítulo VI, p. 194
Figura 14 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva IV Capítulo VI, p. 205
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Matriz para Análise Cognitiva Telematicamente Mediada Capítulo V, p. 146
Quadro 2 - Categorias Estruturantes Capítulo V, p. 147
Quadro 3 - Modelo para identificação do contexto de Interação Cognitiva - Fase I
Capítulo V, p. 168
Quadro 4 - Interface / Categorias / Referencial Teórico - Fase III Capítulo V, p. 172
Quadro 5 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Curso de Licenciatura em Matemática a distância
Capítulo VI, p. 176
Quadro 6 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Discussão entre especialistas em um grupo temático no Facebook
Capítulo VI, p. 181
Quadro 7 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Interação decorrente de Campanhas de Mobilização social
Capítulo VI, p. 186
Quadro 8 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Chat em disciplina ofertada na modalidade semipresencial
Capítulo VI, p. 199
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAA - Ambiente Atual de Aprendizagem Capítulo III, p. 106
AV - Ambientes Virtuais Introdução, p. 28
AVA - Ambiente Virtual de Aprendizagem Introdução, p. 22
CAOS - Conhecimento, Análise Cognitiva, Ontologias e Socialização Introdução, p. 20
DMMDC - Programa de Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em Difusão do Conhecimento
Introdução, p. 17
DSC - Difusão Social do Conhecimento Capítulo II, p. 83
EAD - Educação a Distância Introdução, p. 16
EsD - Educação sem Distância Introdução, p. 29
FAPESB - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia Introdução, p. 16
MEC - Ministério da Educação do Brasil Introdução, p. 16
PPGEDUC - Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade
Introdução, p. 19
SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Introdução, p. 16
TIC - Tecnologia da Informação e Comunicação Introdução, p. 16
UAB - Universidade Aberta do Brasil Introdução, p. 18
UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Introdução, p. 16
UFBA - Universidade Federal da Bahia Introdução, p. 17
UFSC - Universidade Federal da Santa Catarina Introdução, p. 16
UNEB - Universidade do Estado da Bahia Introdução, p. 16
ZDP - Zona de Desenvolvimento Proximal Capítulo I, p. 46
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 16 CAPÍTULO I - PROCESSOS COGNITIVOS, CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO, SUJEITO COGNOSCENTE: MÚLTIPLOS OLHARES Apresentação ......................................................................................................................... 33 1. Ciências da Cognição ........................................................................................................ 34 2. Psicologia Cognitiva: Piaget, Bruner, Vygotsky e Wallon ............................................ 38
2.1. RELAÇÃO SUJEITO X OBJETO (MUNDO, CONTEXTO) – INTERAÇÃO SOCIAL ......................................................................................................................... 38 2.2. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM ..................................................... 41 2.3. MEDIAÇÃO SIMBÓLICA E LINGUAGEM ....................................................... 50 2.4. EMOÇÃO E COGNIÇÃO ..................................................................................... 54
3. O olhar da Biologia da Cognição: Maturana e Varela .................................................. 57 4. Um olhar sociopolítico: Paulo Freire .............................................................................. 62 CAPÍTULO II - CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO E CONHECIMENTO DO DESCONHECIMENTO: REVISITANDO CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS Apresentação ......................................................................................................................... 68 1. A Incerteza e a Crise do Conhecimento Científico ........................................................ 68 2. Princípios de uma nova forma de compreensão do Conhecimento .............................. 74 3. Diálogos e Releituras sobre as perspectivas fundantes desta nova compreensão do Conhecimento ........................................................................................................................ 79 4. Difusão Social de Conhecimento e Modelagem Cognitiva: o lugar fundamental do dinamismo do sujeito epistêmico e subjetivo ...................................................................... 82
4.1. MODELAGEM COGNITIVA: ALÉM DO TECNICISMO E AS CONSTRUÇÕES DO SUJEITO EPISTÊMICO E SUBJETIVO .............................................................. 83 4.2. ANÁLISE COGNITIVA E A VALIDAÇÃO DE MODELOS - PRETENSÃO E CONTRASSENSO ........................................................................................................ 88 4.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 92
CAPÍTULO III - AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL/POTENCIAL, MEDIAÇÃO TELEMÁTICA E DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO Apresentação ......................................................................................................................... 96 1. Tecnologias e Digital: A Relação Homem-Máquina na Contemporaneidade ............. 96
2. Realidade, Virtualidade, Presença e Espaço-Tempo – Compreensões e implicações 101 2.1. REAL, ATUAL E VIRTUAL – concepções e demarcações teóricas ................ 101
3. Tudo o que é Real é também Virtual, e tudo o que é Virtual é Real - considerações sobre a Temporalidade Mediada Telematicamente na Educação Contemporânea ..... 105
3.1. O TEMPO – POR ONDE COMEÇAR? .............................................................. 107 3.2. DO TEMPO À TEMPORALIDADE HUMANA E SUAS EKSTASES .............. 109 3.3. O TERCEIRO COMO MEDIADOR INTELIGENTE DO MÁXIMO ............... 113 ANTAGONISMO DA MATÉRIA-ENERGIA EM TODOS OS SEUS PLANOS DE REALIDADE – QUANDO O VIRTUAL É TAMBÉM REAL E O REAL É VIRTUAL 3.4. A PRESENÇA ENQUANTO EXPERIÊNCIA TEMPORAL NEUROPSÍQUICA RESIGNIFICANDO A COMPREENSÃO DE DISTÂNCIA NOS PROCESSOS EDUCATIVOS MEDIADOS TELEMATICAMENTE ............................................. 117 3.5. POR QUE NÃO CONCLUIR? ............................................................................ 119
CAPÍTULO IV - COMPONDO UMA REDE MULTIRREFERENCIAL PARA COMPREENSÃO DOS PROCESSOS COGNITIVOS Apresentação ....................................................................................................................... 122 1. A Cultura e os atos mentais ............................................................................................ 123
1.1. CONSIDERAÇÕES DE GERTZ SOBRE A PRODUÇÃO DE BRUNER ......... 123 1.2. DIALOGANDO SOBRE A CULTURA COM VYGOTSKY E FREIRE .......... 125
2. Psicologia Cognitiva e Biologia da Cognição – diálogos possíveis .............................. 129 3. Quatro Conceitos Fundantes da Teoria de Paulo Freire e sua apropriação em uma Epistemologia da Difusão Social do Conhecimento ......................................................... 135
3.1. APROPRIAÇÃO DOS CONCEITOS ESTRUTURANTES ............................... 135 3.2. ELABORAÇÕES CONCLUSIVAS .................................................................... 141
CAPÍTULO V - A ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA: CONCEITOS, INTERFACES E METODOLOGIA Apresentação ....................................................................................................................... 144 1. Conceitos e Interfaces ..................................................................................................... 147
1.1. CATEGORIAS ESTRUTURANTES .................................................................. 147 1.2. INTERFACES PARA ANÁLISE ........................................................................ 150
2. Metodologia ..................................................................................................................... 167
2.1. FASES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA .......................................................................... 167
CAPÍTULO VI - DEMONSTRANDO/DESMONTANDO A ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA – EXERCÍCIOS E EXPERIMENTAÇÕES Apresentação ....................................................................................................................... 174 1. Demonstrações de Análise Cognitiva Telematicamente Mediada – Exercícios e Experimentações ................................................................................................................. 176
1.1 CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA OFERECIDO NA MODALIDADE À DISTÂNCIA ................................................................................ 176 1.2. DISCUSSÃO ENTRE ESPECIALISTAS EM UM GRUPO TEMÁTICO NO FACEBOOK ................................................................................................................ 181 1.3. INTERAÇÃO DECORRENTE DE CAMPANHAS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL DESENVOLVIDAS ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS ......................................... 186 1.4. DISCIPLINA OFERECIDA NA MODALIDADE SEMIPRESENCIAL EM CURSO PRESENCIAL DE GRADUAÇÃO .............................................................. 199
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 212 REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 223 ANEXO A - Chat na Íntegra ................................................................................................ 228
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INTRODUÇÃO
1. A pesquisadora e a pesquisa: situando caminhos e contextos
Coerentemente com a concepção epistemológica que pauta este trabalho de Tese, sinto a
necessidade de situar o leitor no percurso que desenvolvi para atingir o resultado que agora
apresento, bem como o meu percurso anterior e paralelo ao processo formal de doutoramento,
igualmente implicado na produção, nos caminhos e opções que a construíram.
Segundo Ardoino (2003), as implicações são parte integrante dos objetos de conhecimento,
“(...) é, fenomenologicamente falando, aquilo pelo qual nós nos apegamos profundamente à
existência, e, por conseguinte, àquilo que nós fazemos para nos realizar. (...)” (p. 39). Para
este autor, tradicionalmente considerada como escória ou obstáculo ao crescimento, que
deveria ser reduzida senão eliminada pelo rigor metodológico, a implicação precisa ser
considerada como uma riqueza específica ou até uma modalidade original do conhecimento.
Meu interesse e estudos sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em sua
relação - à época - com a educação veio junto com Mestrado (2000 a 2002 / Engenharia de
Produção – Área de Mídia e Conhecimento / UFSC), e a dissertação na qual desenvolvi, em
forma de estudo de caso, a avaliação de um curso realizado na modalidade EaD . Em seguida,
dois Projetos que coordenei como docente pesquisadora na Universidade do Estado da Bahia
(UNEB): 1) Estudo com egressos dos cursos de Licenciatura, financiado pela FAPESB e 2)
Programa AFROUNEB, financiado pela SECAD/MEC, me oportunizaram amadurecer as
reflexões sobre os impactos e potencialidades da emergência das Tecnologias da Informação e
Comunicação, especialmente a partir da web, tendo discutido/publicado neste período sobre
temáticas correlatas como: as possibilidades metodológicas para a formação de professores
utilizando a modalidade de Educação a Distância (EaD), a inserção das mídias na prática
pedagógica, a inclusão digital do docente, o espaço virtual na gestão e difusão de
conhecimento em rede, entre outros.
Em paralelo, os estudos sobre a cognição sempre estiveram presentes na minha atuação como
docente no ensino superior, desde que ingressei na UNEB, em 1996, concursada para a área
de Psicologia da Educação. Tendo feito Formação em Psicopedagogia, cursado
Especialização em Psicologia do Ensino e da Aprendizagem, pela Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB) e lecionando componentes curriculares desta área, em diversos
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cursos de Licenciatura da Universidade, aprofundei meus estudos na área da psicologia
cognitiva, trabalhando em especial com Ausubel, Piaget, Vygotsky e Wallon, além de outros
aportes necessários à contextualização da área para os licenciandos, a exemplo de Skinner e
Rogers, até Freud e Paulo Freire.
Na busca pela construção do Projeto de Doutorado, destaco a relevância da participação em
grupos de pesquisa e a vivência como aluna especial em disciplinas dos Programas de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da UNEB,
oportunidades nas quais sistematizei e contextualizei os estudos que realizava isoladamente
como docente na graduação, resignifiquei minha perspectiva sobre o conhecimento,
aproximando-me ao Pensamento Complexo e à Multirreferencialidade, aprofundando ainda
reflexões e aporte teóricos para a discussão das TIC em educação, ambientes com mediação
telemática e EaD.
Neste caminho, cheguei ao Programa de Doutorado Multidisciplinar e Multi-institucional em
Difusão do Conhecimento (DMMDC) com uma proposta de Pesquisa ainda muito
disciplinarmente vinculada à área de educação, carecendo ampliar-se para a
multidisciplinaridade e tornar-se de fato uma pesquisa da área de Difusão do conhecimento, o
que constituiu minha tarefa e desafio no primeiro ano do Doutorado. No projeto original era
meu problema de pesquisa:
Que princípios teórico-metodológicos pautam os cursos da formação docente a
distância, a partir da presença das TIC? Que outras formas de conhecimento
emergem desta experiência formativa e que potencial trazem para a geração e
difusão do conhecimento e para alterações nos paradigmas que têm dado sustentação
à ação e à formação docente?
As disciplinas cursadas como aluna regular do DMMDC representaram um mergulho em um
novo universo. Não apenas as temáticas formalmente colocadas nos Planos de curso e as
intervenções sistemáticas dos docentes, mas especialmente a construção colaborativa de
conhecimento em um grupo multidisciplinar como a turma com a qual ingressei em 2009,
foram um marco, um verdadeiro “divisor de águas” na só na construção da minha Tese, mas
na minha identidade como pesquisadora.
No curso das diferentes disciplinas fui abrindo o leque de olhares sobre os conceitos e
fenômenos que até então eu tinha como “simples”, definidos, claros:
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a) Em “Epistemologia e Construção do Conhecimento” iniciei uma aproximação real ao
campo da epistemologia, ao tempo em que resignifiquei crenças e perspectivas até então
alimentadas sobre o conhecimento, a ciência, a verdade, a realidade, fazendo então, de forma
mais consciente, a opção pelo caminho da Multirreferencialidade e da Complexidade na
minha pesquisa de Doutorado.
b) A disciplina “Infoeducação e Educação a Distância” provocou o olhar complexo e crítico
sobre a EaD, que neste momento era uma prática já rotineira em minha atuação profissional.
Fazendo parte do então grupo de gestão da EaD na UNEB, mas em verdade apenas
implantando o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) nesta Universidade, foi
extremamente “desequilibrador” – na perspectiva Piagetiana - vivenciar as reflexões e
experimentações desta disciplina, fundadas no aporte teórico colaborativamente partilhado
pelo grupo, e trocando experiências com colegas atuantes em diversos outros projetos de EaD.
c) As disciplinas “Sistemas Complexos” e “Sistemas de Representação do Conhecimento”,
representaram grandes desafios para uma pessoa com toda sua formação na área das Ciências
Humanas. O uso de conceitos, teorias e atividades da área de exatas – em especial da física e
da computação – foi em muitos momentos sofrido, gerando até mesmo uma grande resistência
interna ao aprendizado. Entretanto, como toda experiência é aprendizado, estas vivências me
oportunizaram perceber os diferentes enfoques com que pode ser concebida e investigada a
Difusão do Conhecimento e a necessidade de apreender alguns conceitos básicos destas áreas,
para uma compreensão efetivamente multirreferencial.
Registro como muito positivo na vivência destas duas disciplinas, mais uma vez, a troca com
os colegas. A riqueza do caráter multidisciplinar da turma e das diferentes intervenções nas
aulas e ricas contribuições em todos os momentos deixavam-me mais próxima do alcance de
um objetivo maior que o simples cumprimento da creditação: construir uma compreensão
mais madura e respaldada sobre a área da Difusão do Conhecimento, fomentando as opções
teórico-metodológicas necessárias às definições na minha pesquisa.
d) A disciplina “Metodologia da Análise dos Processos Cognitivos”, foi muito significativa
para a minha aproximação da Análise Cognitiva dentro da área de Difusão do Conhecimento,
oportunizando-me ampliar o olhar sobre os processos cognitivos e revisitar meu lastro teórico
sobre a cognição, que até aquele momento, restringia-se aos teóricos da psicologia Cognitiva.
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O texto que construí como atividade final desta disciplina foi a semente do primeiro capítulo
desta tese, que trata justamente sobre a cognição.
e) A participação no 1º. Seminário de Tese provocou a primeira alteração concreta no meu
Projeto de Pesquisa, dando “corpo” às reflexões e inquietações que decorriam das
experiências vivenciadas até então. A cada apresentação de um colega, seguida das discussões
metodológicas com a presença do respectivo orientador (o que nos oportunizou debates muito
ricos com um grande número de docentes do Programa), eu caminhava em direção a novos
olhares, à ampliação da minha compreensão sobre as temáticas estruturantes da minha
pesquisa, o caminho metodológico e a área da Difusão do Conhecimento.
No mesmo objetivo de ilustrar o processo de transformação na definição e recorte do meu
problema de pesquisa, registro a seguir a segunda configuração que este tomou, formatação na
qual foi apresentado em Seminário de Tese 1:
Quais são os níveis de influência e de constituição dos processos cognitivos
oportunizados por uma formação a distância mediada pelas TIC? Quais as
concepções de conhecimento e de cognição que permitem uma apreensão crítica e
complexa dos processos internos do sujeito aprendiz na modalidade EaD? Quais as
potencialidades e implicações desta modalidade formativa para a Difusão do
Conhecimento no sujeito?
Desde o início do processo, as discussões e atividades nos grupos de pesquisa que participei1,
as trocas em atividades formais e nos momentos informais de socialização com os colegas que
também participavam destas atividades, constituíram um processo formativo permanente, de
reflexão, desestruturação e reorganização em torno das temáticas originais do meu Projeto,
das perspectivas metodológicas de pesquisa e da área de Difusão do Conhecimento.
f) A disciplina “Tecnologia da Informação e Comunicação e Difusão do Conhecimento”, tive
a oportunidade de cursar no Programa de Pós-graduação em Educação e Contemporaneidade
– PPGEDUC / UNEB. Esta foi uma experiência muito rica, tanto pelas discussões teóricas
desenvolvidas quanto pela possibilidade de construção compartilhada com outro grupo, agora
discentes do PPGEDUC. Nesta disciplina desenvolvemos estudos e reflexões que
consolidaram minha fundamentação teórica sobre as Tecnologias da Informação e
Comunicação, com ênfase na relação destas com a Difusão Social do Conhecimento,
revisitando conceitos da área e problematizando-os, subsidiando a minha argumentação e
1 TECINTED – PPGEDUC/UNEB; em seguida o CAOS – FACED/UFBA e o EPISTRANSCOMPLEX -
FACED/UFBA.
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compreensão da Difusão do Conhecimento a partir da escolha política por uma perspectiva
social.
g) A disciplina “Semiótica e Linguagem na Geração e Difusão do Conhecimento” foi uma
feliz escolha dentre as possibilidades de disciplinas optativas que poderia ter cursado. Tendo
como foco de pesquisa a cognição, discutir a linguagem era meu objetivo primeiro com a
escolha por esta disciplina, que foi atendido com os estudos ali desenvolvidos; minha feliz
surpresa foi a aproximação com o campo da semiótica, até então pouco explorado em minha
formação acadêmica. O desenvolvimento desta disciplina caracterizou-se por discussões
profundas e acaloradas, que partindo da discussão semiótica desenvolvia análises sobre as
temáticas de nosso interesse. Também nesta disciplina, o trabalho final - Tecnologias,
Virtualidade e Cibercultura: Uma Leitura em Busca de Outros Sentidos - constituiu a
semente de um dos capítulos desta tese, discutindo conceitos essenciais à mesma.
h) Cursar pela segunda vez o Seminário de Tese, em um momento de necessário
amadurecimento das definições teórico-metodológicas do meu Projeto de Pesquisa,
proporcionou-me a necessária organização e sistematização das ideias e, mais uma vez, a rica
oportunidade de compartilhamento com os colegas. A apresentação e discussão do meu
Projeto especificamente foi um momento marcante, mas assistir às apresentações e participar
das discussões dos trabalhos dos colegas foi também de extrema relevância. Seguindo o
mesmo percurso que venho traçando neste texto, reproduzo a seguir a definição da minha
problemática de pesquisa após o segundo Seminário de Tese, ilustrando as alterações
ocorridas no processo:
Como se interrelacionam e implicam a Difusão Social do Conhecimento e os
processos cognitivos do sujeito em ambientes online de interação e construção de
conhecimento, considerando os elementos que constituem a singularidade da ação
cognitiva deste sujeito (historicidade, afetividade, imersão cultural, opções políticas
etc.)?
i) A participação nas disciplinas Análise Cognitiva I e II, aliada à participação nas atividades
do Grupo “Conhecimento, Análise Cognitiva, Ontologias e Socialização – CAOS”,
constituíram marco extremamente significativo à construção desta tese, posso dizer um
“divisor de águas” neste percurso.
Revisitar os percussores das Ciências da Cognição, caminhando pela sua história de
constituição como campo multidisciplinar, conhecer novas abordagens sobre a Cognição, a
partir do olhar da Biologia, da Linguística, da Filosofia, da Sociologia, da Computação,
21
ampliaram a minha perspectiva até então muito restrita à Psicologia Cognitiva.
Aprofundando-me na elaboração sobre a Análise Cognitiva, metodologia e recursos para
realizá-la, abriu-se para mim um novo campo de interesse que me “apaixonou” de imediato,
levando-me a adotar este caminho investigativo para a pesquisa sobre a Cognição em
Ambientes com mediação telemática, que até aquele momento ainda não havia ganhado esta
definição.
Foi então a partir desta ampliação de olhar sobre a Cognição e do mergulho no campo da
Análise Cognitiva que decidi trazer esta para o centro do meu problema de investigação e
caminho de construção da minha Tese.
No momento da Qualificação, o problema de pesquisa encontrava-se mais amadurecido e
muito próximo do que veio a se constituir em definitivo. Entretanto, obviamente, as
contribuições da banca e minhas reflexões e elaborações posteriores a esta, “lapidaram”,
“focaram”, definiram melhor enfim, o problema desta investigação. Mantendo o objetivo de
ilustração que desenvolvo neste texto, registro também neste documento a forma do problema
de pesquisa quando da Qualificação deste Projeto:
Há especificidades nos processos cognitivos mediados pelas TIC? Como ocorre a
cognição em ambientes telemáticos e como identificar/avaliar/analisar este
processo?
Contextualizando esta problemática, o texto da qualificação esclarecia que esta investigação
foca os processos cognitivos que se desenvolvem nas trocas e interações em ambientes com
mediação telemática, considerando as especificidades e potencialidades das TIC
contemporâneas com vistas ao desenvolvimento de uma Metodologia de Análise Cognitiva
que possibilite o acompanhamento e potencialização dos mesmos.
A avaliação que faço do processo de Qualificação é que dele saí com um mapa, um traçado
bem claro do percurso que deveria desenvolver para alcançar os objetivos almejados, bem
como indicações relevantes de lacunas e ajustes necessários a este caminhar.
Concluída a creditação e a Qualificação, a participação nos grupos de pesquisa CAOS e
EPISTRANSCOMPLEX - FACED/UFBA constituiu o necessário espaço de interlocução
com outros sujeitos, vindo a mediar todo o decorrer do processo de construção deste trabalho.
Com esta mediação, aprofundei-me no estudo teórico, revisitando fontes basilares da minha
formação (como os psicólogos cognitivistas e a Epistemologia do Conhecimento de Paulo
22
Freire), aprofundando leituras e reflexões sobre outras perspectivas que tive conhecimento
através das disciplinas cursadas e introduzindo ainda investigações iniciais sobre outras
contribuições teóricas até então desconhecidas.
Participando de momentos da construção coletiva, conheci, discuti e aprofundei estudos sobre
vários autores que fazem parte do lastro teórico que fundamenta esta tese; partilhando junto
com os nossos projetos, nossas dúvidas, angústias, descobertas, enfim, nosso processo de
construção, crescendo e aprendendo continuamente uns com os outros e com a intervenção
dos docentes.
Importante registrar que durante todo o percurso de construção desta tese, minha atuação
profissional e vivência social constituíram-se em interface direta com a investigação. Desde o
ano de 2000 até a presente data, já vivenciei os mais diversos “lugares” na interação em
ambientes com mediação telemática destinados à educação sistemática, os chamados
“Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA’s)” – conceito que resignificamos nesta tese.
Em diversas atividades e programas (de graduação, de pós-graduação, de extensão, de
pesquisa) e com grupos diversamente configurados, tive a oportunidade de atuar nestes
ambientes como discente, tutora, docente, gestora, autora de material didático, avaliadora e
pesquisadora.
Sou também frequentadora das redes sociais há alguns anos, iniciando pelo Orkut, quando da
sua popularização no Brasil, até a migração atual para o facebook e o twitter. Nestas redes,
atuando como cidadã comum, exercendo minha sociabilidade, produzo, compartilho e difundo
conteúdos, entretanto, minha implicação de pesquisadora torna meu olhar diferenciado,
curioso, investigativo,crítico. Trabalhando e “habitando” estes ambientes, vivenciei durante o
decorrer da construção desta tese, uma prática que se constituiu como estudo de campo
exploratório, em paralelo com a pesquisa bibliográfica.
Os últimos momentos de produção foram mais solitários, como um tempo de hibernar,
maturar todas as “novidades” que então já faziam parte da minha forma de pensar e atuar com
os conceitos e fenômenos ligados ao problema de tese. A sensação que permeou os últimos
momentos da construção foi a de germinação, o brotar de uma árvore nova que só é possível
graças à constituição da semente e os cuidados com o solo, luz e água necessários à sua
adequada germinação. Em diversos momentos sentia a produção “brotar”, como se já
estivesse pronta em mim, aguardando apenas o momento de romper o solo e vir à luz do dia.
23
É certo também que havia momentos em que parecia estar tudo parado, e que nenhuma ação
intencional minha pudesse forçar o natural processo da semente. Momentos de angústia,
outros de alegria extrema, alguns de insegurança, outros de vitória e satisfação.
Enfim, cheguei a este produto que agora apresento à comunidade, consciente de tratar-se do
produto possível dentro do tempo e das condições concretas. Certamente – e felizmente – não
está pronto, acabado, mas coloca-se como uma fase do caminho de investigação e construção
que pretendo percorrer de agora em diante, e que espero, renderá outras produções que
aprofundem, melhorem a que agora apresento, ou quem sabe até a negue ou supere, o que
também só será possível porque esta foi construída.
1. Problematizando: contexto e objeto da investigação
Investigar a Difusão Social do Conhecimento no contexto contemporâneo implica em
problematizar/situar de qual concepção de conhecimento parte esta investigação e reconhecer
o lugar do sujeito na Difusão, sua cognição, individualidade, historicidade, contexto
sociocultural e implicações relacionais. As Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC
contemporâneas, já completamente imbricadas com os processos cotidianos de vivência e
construção individual e coletivos, constituem-se elemento indissociável a qualquer leitura ou
análise que se pretenda fazer sobre a Difusão do Conhecimento e os processos que envolvem
os sujeitos desta/nesta Difusão.
Compreendendo os fenômenos sociais como resultantes de complexas relações entre os
sujeitos e destes com o mundo, é óbvio reconhecer que as ações e pensamentos de cada um
afetam e são afetados por todos os demais, em um processo histórico-social entremeado de
subjetividade e que não está fora do homem e nem da realidade. Logo, investigar a Difusão
Social do Conhecimento implica em investigar a singularidade dos sujeitos em seus processos
cognitivos de construção e apreensão do conhecimento - singularidades, historicidade,
subjetividade, imersão cultural e política; investigar estes processos na contemporaneidade
exige considerar a especificidade e as potencialidades que emergem dos ambientes mediados
pelas TIC.
A busca de um olhar ampliado sobre a Difusão Social do Conhecimento em sua implicação
com as TIC exige ainda apreender a relação que o homem estabelece com estas Tecnologias
nas formas contemporâneas de viver, conceber, produzir e se relacionar e, a partir desta
24
perspectiva, compreender a função do sujeito nestes processos, com ênfase na ação cognitiva
que particulariza e atualiza as bases operacionais da Difusão do Conhecimento, ao tempo em
que constitui sua natura social.
Neste contexto, especificamente, problematizo as TIC em suas interfaces com a Difusão
Social do Conhecimento, considerando que os avanços tecnológicos oferecem várias
ferramentas de comunicação e gerenciamento da informação, em redes de interação que se
caracterizam por permitir a troca de informações e construção coletiva de conhecimentos.
Ressalto ainda que adoto neste trabalho a perspectiva social, necessária e imprescindível a um
olhar multirreferencial, politicamente implicado e que define um conjunto de condições e
caracterizações dos processos de geração e de difusão do conhecimento e de seus fins.
Esta investigação, assim definida, pauta-se na perspectiva complexa, multirreferencial e
polilógica de ciência e conhecimento científico, reconhecendo na perspectiva reducionista e
homogeneizadora seu caráter etnocêntrico e excludente, sua falácia na pretensão de
compreender os fenômenos naturais e sociais por leis universais e generalizantes, sua
inadequação à compreensão de um mundo que se reconhece cada vez mais mutável,
relacional e imprevisível. Uma ciência que se exercita como construção humana de uma
sociedade implicada com a afirmação da diversidade e a busca da equidade, ocupando-se do
único ente que necessita de cuidado e atenção absoluta: o ser humano (GALEFFI).
A problemática aqui apresentada propõe um olhar complexo e multirreferencial para a
Difusão Social do Conhecimento, investigando-a em suas relações com os potenciais,
implicações e funções dos processos cognitivos. Comumente investigado como fenômeno que
se conclui no acesso do sujeito à informação, compreende-se aqui a Difusão na perspectiva de
que, é no interior dos processos cognitivos do sujeito que esta efetivamente ocorre, em sua
trama psicológica, sociocultural, política etc. De modo que, para além dos aspectos
instrumentais do processo de difusão do conhecimento - que se refere diretamente aos
suportes de comunicação e/ou informação através dos quais ela é dinamizada – esta também
se relaciona de modo fundamental com a autonomia e o papel ativo da ação cognitiva do
sujeito neste processo.
Resignificar a compreensão de cognição e de processos cognitivos representa uma
necessidade neste caminho investigativo, visto que o olhar sobre a Difusão do Conhecimento
está aqui posto no sujeito e na forma como este percebe, interage, atua, constrói o
25
conhecimento em busca contínua pela conservação da autopoiese (MATURANA e
VARELA), experienciando a construção do autoconhecimento em sua forma singular de ser-
aparecendo-desaparecendo (GALEFFI) e na constante busca pela Libertação, que só se
alcança através da Conscientização (FREIRE).
Partindo das reflexões apresentadas acima e buscando uma visada mais ampla sobre este
contexto, coloca-se como problema desta investigação: Os processos cognitivos que ocorrem
em ambientes com mediação telemática apresentam características próprias, comuns
especificamente a estes ambientes? Quais referenciais teóricos e caminhos metodológicos
podem ser utilizados para o desenvolvimento de Análise Cognitiva em ambientes telemáticos?
Em especial, esta investigação focou os processos cognitivos que se desenvolvem nas trocas e
interações em ambientes telemáticos, considerando as especificidades e potencialidades das
TIC contemporâneas com vistas ao desenvolvimento de uma Metodologia de Análise
Cognitiva que possibilite o estudo e acompanhamento destes processos, considerando os
sujeitos em sua singularidade e reconhecendo a dimensão política presente nas interações e
produções humanas.
Compreende o escopo desta investigação, elaborações teóricas sobre os campos conceituais:
Conhecimento, Cognição, Ambientes telemáticos / TIC contemporâneas e Difusão Social do
Conhecimento. O desenvolvimento destes campos teve como objetivo geral a investigação
dos processos cognitivos que ocorrem em ambientes com mediação telemática, identificando
a presença de características singulares especificas a estes ambientes, com foco no
desenvolvimento de uma Metodologia para Análise Cognitiva que contemple estas
especificidades.
A investigação sobre as formas como se inter-relacionam a dinâmica dos processos cognitivos
e a Difusão do Conhecimento, suas relações com a historicidade, subjetividade, imersão
cultural e política dos sujeitos, na constituição de uma abordagem social da Difusão do
Conhecimento é desenvolvida nos quatro primeiros capítulos desta Tese. Nestes, apresento e
busco desenvolver um diálogo/dialética com referenciais teóricos selecionados sobre a
Cognição e o Conhecimento, construindo/localizando/resignificando a compreensão sobre o
campo da Difusão do Conhecimento.
26
No quinto e sexto capítulos desta Tese, desdobra-se mais concretamente a investigação sobre
as especificidades dos processos cognitivos que ocorrem em ambientes com mediação
telemática, e a apresentação de uma Metodologia de Análise Cognitiva específica para estes
ambientes, demonstrando sua aplicação em contextos selecionados.
As elaborações teóricas construídas, bem como as experimentações de Análise Cognitiva
desenvolvidas contribuem para a construção de um olhar multirreferencial, de natureza social,
na teorização acerca da Difusão do Conhecimento, a partir de uma abordagem complexa e
polilógica da cognição humana. Estas contribuições encontram-se sistematizadas nas
Considerações Finais deste trabalho.
2. APRESENTANDO A TESE
Para o desenvolvimento da investigação aqui apresentada, três campos temáticos estruturantes
foram focados na construção do lastro teórico que subsidiou a Metodologia de Análise
Cognitiva proposta e sua experimentação/demonstração. São eles: Cognição, Conhecimento
e Ambientes Telemáticos. Assim, a organização da tese estrutura-se a partir destes três eixos.
Nesta introdução busco situar o leitor na problemática da investigação a partir das suas
origens, concebendo a implicação da pesquisadora como elemento necessário a esta
contextualização. Assim, inicio por um relato memorialístico sobre o processo de construção
desta tese, desde o meu percurso profissional e acadêmico que originou a motivação e
implicação com o problema de pesquisa aqui desenvolvido, descrevendo mais detidamente os
caminhos e relações que permearam esta construção durante o período do doutoramento. Em
seguida, contextualizo o problema de pesquisa e indico em qual parte da Tese foram
contemplados os objetivos definidos para a mesma. Por fim, desenvolvo a apresentação de
cada capítulo, com indicação do foco de abordagem dos mesmos e do lastro teórico que os
subsidiou.
No primeiro capítulo intitulado Processos Cognitivos, Ciências da Cognição, Sujeito
Cognoscente: Múltiplos Olhares, buscando a compreensão dos fenômenos cognitivos por
múltiplos olhares, reconhecendo sua complexidade e centralidade na discussão sobre a
Difusão do Conhecimento, desenvolvo um quadro teórico sobre a Cognição, a partir da
seleção de contribuições de teóricos de diferentes disciplinas dentre as que constituem as
Ciências da Cognição. Inicio por uma breve contextualização da área das Ciências Cognitivas,
27
localizando o objetivo e apresentando o histórico de constituição desta área, desenvolvendo
em seguida um diálogo entre quatro psicólogos cognitivistas, a partir de conceitos e relações
elencadas por constituírem os eixos estruturantes de suas perspectivas teóricas.
Partindo do lastro da Psicologia Cognitiva, dialogando com Jean Piaget, Jerome Bruner,
Lev S Vygotsky e Henry Wallon, a discussão é organizada a partir dos eixos: 1) Relação
Sujeito X Objeto (mundo, contexto) – Interação Social; 2) Desenvolvimento e Aprendizagem;
3) Mediação Simbólica e Linguagem; e 4) Emoção e Cognição.
Na busca da multirreferencialidade, desenvolvo ainda neste capítulo, reflexões e diálogos com
outras duas perspectivas de compreensão sobre os processos cognitivos: o olhar da Biologia
da Cognição de Maturana e Varela e o olhar sociopolítico de Paulo Freire. Das construções da
Biologia da Cognição, trago a compreensão da autonomia dos seres vivos, da organização
autopoiética, da deriva natural, do acoplamento estrutural, do conhecer como ação efetiva e, a
partir destes conceitos, a compreensão dos domínios linguísticos e da consciência humana. Da
Teoria do Conhecimento de Paulo Freire, busco como elementos de compreensão da
problemática desta investigação, a discussão que o mesmo faz dos processos de libertação,
conscientização, diálogo e comunicação. Na abordagem destas teorias são selecionados
conceitos estruturantes da argumentação que desenvolvem, identificando as categorias e
interfaces que compõem a proposta de Análise Cognitiva desta tese.
No segundo capítulo, intitulado Conhecimento do Conhecimento e Conhecimento do
Desconhecimento: Revisitando Concepções e Princípios, desenvolvo uma discussão
epistemológica, problematizando conceitos tradicionalmente associados à compreensão de
Conhecimento - como certeza, verdade e Ciência - a partir do diálogo com autores
selecionados pela perspectiva da epistemologia da complexidade e da multirreferencialidade e
por uma abordagem crítico-social da Difusão do Conhecimento.
Esta discussão epistemológica pretende refletir sobre a incerteza e a crise do conhecimento
científico, apresentando a partir de quadro teórico selecionado, os princípios de uma nova
forma de compreensão do conhecimento. Na busca sobre as perspectivas fundantes desta nova
compreensão, desenvolvo diálogos e releituras, construindo elaborações conceituais que
orientem, sob esta perspectiva, o olhar investigativo sobre a Difusão Social do Conhecimento.
Para tanto, desenvolvo diálogo sobre as construções teóricas de Edgar Morin, Jacques
28
Ardoino, Humberto Maturana, Ilya Prigogine, Felipe Serpa, Boa Ventura Santos, Dante
Galeffi, Arnaud de Lima Jr., Teresinha Froes Burnham e Roberto Sidney Macedo.
Concluo este segundo capítulo com uma reflexão específica sobre a relação entre a Ação
Cognitiva de sujeitos e a Difusão do Conhecimento, defendendo a perspectiva de que é na
condição cognitiva que se processa a apropriação do conhecimento, a produção de sentido, a
contextualização das informações e sua aplicabilidade, dela derivando outros aspectos como o
social, político, econômico, etc., condição fundamental, que é inerente ao humano e seus
modos de expressão na realidade2.
O terceiro capítulo teórico, intitulado Ambiente Virtual/Atual/Potencial, Mediação
Telemática e Difusão Social do Conhecimento, tem como objetivo definir a perspectiva
filosófica, epistemológica e política de compreensão das Tecnologias, em especial as
Tecnologias da Informação e Comunicação potencializadas com a conexão à internet,
problematizando a condição de imbricamento e inter-relação do homem com as TIC. Aborda
especificamente as Tecnologias da Comunicação e Informação - TIC – em sua implicação
dialética com a contemporaneidade – buscando situá-las em sua relação de imbricamento com
o sujeito cognoscente, percebendo as especificidades, potencialidades e desafios que este
imbricamento traz para a Cognição.
Busco neste capítulo resignificar os conceitos de Ambientes Virtuais (AV) e Virtualidade,
apresentando elaborações teóricas que sustentam a utilização do conceito de Ambiente
Virtual/atual, que supera a aparente oposição entre o “real” e o “virtual”, como forma de
desfazer a imprecisão conceitual que insiste em opor os dois termos como contrários. Para
tanto,desenvolvo reflexões filosóficas sobre O “virtual” como uma “presença” pela
experiência temporal neuropsíquica, o que implica em investigar a natureza neuropsíquica do
Tempo e distinguir a temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades
transcendentes ao humano.
No quarto capítulo, intitulado Compondo uma Rede Multirreferencial para Compreensão
dos Processos Cognitivos, busco, a partir do lastro teórico construído no primeiro capítulo,
desenvolver diálogos e recortes que permitam compor uma rede multirreferencial e polilógica,
contemplando variados e complexos aspectos da cognição, com vistas à construção de uma
2 Reflexões desenvolvidas em coautoria com o Prof. Dr. Arnaud Lima Jr e publicadas conforme nota no referido
capítulo.
29
nova visada deste processo e o desenvolvimento de uma metodologia de Análise Cognitiva
para Ambientes com mediação telemática, capaz de compreender o sujeito em sua inteireza,
em sua condição ontológica do ser-no-mundo-com, situado no contexto histórico-cultural a
que pertence e transforma com sua ação-produção.
Desafiada pelo processo de assunção de autoria, ouso neste capítulo fazer recortes e buscar
interfaces que identifico como constitutivas à problemática da cognição. O primeiro recorte
que desenvolvo é da relação entre a Cultura e os atos mentais, partindo da análise feita por
Gertz sobre as construções teóricas de Bruner que o aproximam da Psicologia Cultural, busco
em Vygotsky e Paulo Freire, construções específicas com este foco, tecendo assim um
referencial que permita situar os processos culturais como elementos essenciais à análise
cognitiva proposta neste trabalho.
No recorte seguinte desenvolvo um esforço de diálogo entre conceitos estruturantes da
Psicologia Cognitiva e da Biologia da Cognição, buscando desenvolver as potencialidades de
interface entre estas diferentes leituras teóricas, sempre focada na construção de um lastro
teórico para a proposição da metodologia de Analise Cognitiva aqui desenvolvida. Por fim,
apresento uma seleção de conceitos fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo
Freire em uma elaboração própria e apropriada3, que os desenvolve enquanto referenciais para
investigar os processos cognitivos em ambientes com mediação telemática, tendo como
sentido político a Difusão Social do Conhecimento.
No quinto capítulo, intitulado A Análise Cognitiva Telematicamente Mediada: Conceitos,
Interfaces e Metodologia, apresento as categorias estruturantes – selecionadas, apreendidas e
agrupadas dentre os conceitos centrais das Teorias Cognitivistas que compõem o lastro
teórico desta Tese - e as interfaces filosófico-político-epistemológicas necessárias ao
desenvolvimento de uma Análise Cognitiva que permita a visada complexa, multirreferencial
e polilógica como proposta neste trabalho. São estas interfaces: Organização Autopoiética
(MATURANA e VARELA), Visada Polilógica (GALEFFI), Epistemologia e Filosofia
Freiriana (FREIRE) e Ambiente Virtual/Atual (AVA/AAA) – Educação Sem Distância
(ESD)4.
3 Elaborações teóricas desenvolvidas em coautoria com o prof. Dr. Dante Galeffi e publicadas conforme nota
constante no referido capítulo. 4 Idem.
30
Compõe este capítulo, a representação gráfica da Matriz para Análise Cognitiva, a
apresentação sintética dos conceitos teóricos que a estruturam – detalhados e analisados nos
capítulos anteriores - bem como a descrição da Metodologia para desenvolvimento desta
Análise, com suas respectivas Fases, propostas de Modelos para registro e considerações de
detalhamento metodológico.
Ressalto tratar-se de uma proposta, entre várias possíveis, que se desdobra de todo um lastro
de compreensão teórico-filosófico-político-epistemológica de como ocorrem os processos
cognitivos em ambientes com mediação telemática, implicando necessariamente um
recorte/seleção consciente e aqui fundamentado, em relação a vários conceitos que perpassam
este processo. A exemplo: concepção de Conhecimento e Difusão; compreensão de Cognição
e de Sujeito Cognitivo; conceito de Virtual e de Ambientes Virtuais, concepção de política,
cidadania e sociedade entre outros.
No sexto capítulo, intitulado Demonstrando/Desmontando a Análise Cognitiva
Telematicamente Mediada – Exercícios e Experimentações , desenvolvo experimentações
de utilização da Metodologia de Análise Cognitiva em ambientes diversos de interação com
mediação telemática (formais ou informais) a exemplo de redes sociais e dos ambientes
nomeados institucionalmente como Ambientes Virtuais de Aprendizagem – AVA’s. Partindo
do reconhecimento de que não há modelo capaz de abarcar todas as possibilidades de análise
que decorrem das diversas construções possíveis dos/entre sujeitos interagindo em ambientes
virtuais/atuais, constituídos e constituindo quadros sempre complexos, únicos e provisórios,
selecionei para experimentação do modelo de análise aqui proposto, alguns contextos
específicos.
Em busca da percepção da potencial diversidade de processos cognitivos oportunizados,
restringidos ou fomentados/fortalecidos em ambientes com características diferenciadas de
controle e planejamento prévio e de formações grupais, selecionei contextos em: a) redes
sociais, caracterizadas por formações espontâneas e de adesão voluntária, e b) espaços de
ensino formal – os chamados Ambientes Virtuais de Aprendizagem - AVA’s, nos quais as
relações são geralmente compulsórias e circunstanciais e as interações sistematicamente
controladas. Foram selecionados para experimentação da utilização desta Metodologia de
31
Análise Cognitiva, quatro diferentes contextos: a) o curso de Licenciatura em Matemática
oferecido na Universidade do Estado da Bahia – Programa Universidade Aberta do Brasil –
UAB ; b) a disciplina Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC em Educação,
oferecida na modalidade semipresencial no curso presencial de Pedagogia, oferecido no
Departamento de Educação – DEDC XI (Serrinha), da Universidade do Estado da Bahia –
UNEB; c) uma discussão entre especialistas em um grupo temático no facebook; d) uma
interação decorrente de campanhas de mobilização social desenvolvidas através das redes
sociais, aqui especificamente selecionada uma discussão de grupo aberto no facebook.
Em um percurso metodológico de construção no qual fui desenvolvendo a metodologia na
medida em que desenvolvi a análise, percebi claramente que a profundidade de análise e
densidade teórica foram se ampliando a cada análise desenvolvida, o que acredito, se deveu à
apropriação que eu fazia, enquanto analista cognitiva, da metodologia que estava construindo,
assim como da habilidade que desenvolvia para o diálogo com o referencial teórico
selecionado. Mesmo tendo percebido isto, optei por manter as demonstrações na forma como
foram construídas originalmente, compreendendo que este ampliar/aprofundar é também uma
demonstração significativa do exercício da análise cognitiva nesta metodologia,
exemplificando também o quanto os aspectos da subjetivação humana interferem nos
resultados da análise.
Por fim, as Considerações Finais apresentam sinteticamente e ressaltam os elementos mais
significativos das elaborações teóricas construídas, bem como das experimentações de
Análise Cognitiva desenvolvidas, contribuindo assim para a construção de um olhar
multirreferencial, de natureza social, na teorização acerca da Difusão do Conhecimento, a
partir de uma abordagem complexa e polilógica da cognição humana.
Como todo conhecimento, este trabalho é também um produto inacabado, provisório, aberto
ao diálogo e a contribuições das mais diversas ordens. As elaborações teóricas dele
decorrentes, bem como a Metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta, podem ser
utilizadas nas mais diversas áreas além da Análise Cognitiva e da Difusão do Conhecimento,
a exemplo: educação, comunicação, informática, publicidade, sociologia, filosofia etc., como
subsídio e orientação à avaliação, acompanhamento e intervenção em ambientes com
mediação telemática.
32
Educadora que sou em minha formação original e escolha profissional, visualizo já de pronto
desdobramentos deste trabalho na área da educação, a exemplo: propostas metodológicas para
organização de ambientes formais de ensino que utilizam mediação telemática, elaborações
teórico-práticas sobre avaliação da aprendizagem que ocorre nestes ambientes, orientações
para produção de material didático específico para utilização em ambientes com mediação
telemática etc.
Desta mesma forma, outras áreas, diferentes objetivos e projetos podem utilizar no todo ou
em parte as elaborações apresentadas nesta Tese, enriquecendo-as e desdobrando-as em novas
interfaces ou detalhes metodológicos.
33
CAPÍTULO I
PROCESSOS COGNITIVOS, CIÊNCIAS DA COGNIÇÃO, SUJEITO
COGNOSCENTE: MÚLTIPLOS OLHARES
Apresentação
Sendo a Cognição um dos eixos estruturantes desta tese e o mais fundamental a meu ver, a
revisão de literatura sobre ele foi a primeira tarefa que desenvolvi, compondo já o texto de
qualificação. Com os desdobramentos dos capítulos posteriores, naturalmente este capítulo foi
revisto, caracterizando-se mesmo como uma revisão de literatura, trazendo, entretanto, os
primeiros diálogos que estabeleço entre os autores selecionados, especialmente aqui entre
quatro autores da Psicologia Cognitivista. Três disciplinas que cursei no processo de
Doutoramento foram particularmente significativas na construção do lastro teórico sobre a
Cognição: Metodologia da Análise dos Processos Cognitivos, Análise Cognitiva I e II.5
O trabalho final desta primeira disciplina foi a semente para a construção deste capítulo,
sistematizando o lastro teórico que eu então possuía em função do meu percurso profissional e
acadêmico. As disciplinas Análise Cognitiva I e II representaram um marco na construção
desta tese, permitindo em definitivo o recorte que fiz pelo desenvolvimento de uma Análise
Cognitiva e oportunizando-me ampliar o olhar sobre os processos cognitivos, revisitando
teorias que fizeram parte da minha formação, aprofundando o estudo sobre algumas delas e
conhecendo outras.
Buscando a compreensão dos fenômenos cognitivos por múltiplos olhares, reconhecendo sua
complexidade e centralidade na discussão sobre a Difusão do Conhecimento, desenvolvo
5 As disciplinas Análise Cognitiva I (turmas 2010.1, 2010.2 e 2011.1) e Análise Cognitiva II (turma 2011.2) organizaram-se
a partir dos objetivos do Programa de Doutorado Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento
(DMMDC), qual seja, a constituição de abordagens interdisciplinares e multirreferenciais para a investigação dos processos
de geração e difusão do conhecimento. Com este objetivo e tendo como enfoque a identificação da Análise Cognitiva (AnCo)
como campo do conhecimento no cenário das Ciências da Cognição (CiCo), foi realizado o levantamento do estado da arte
deste campo em algumas das principais bases de conhecimento acadêmico-científico – Redalyc, Sage, Science Direct,
Scopus, e Web of Science (acessíveis através do Portal de Periódicos Capes).
Com tal foco, e diante da constatação da amplitude (em termos quantitativos e de diversidade de áreas / disciplinas) de
publicações que apresentam o termo análise cognitiva nos metadados das bases consultadas, desenvolveu investigação no
âmbito da linha de pesquisa Conhecimento: Análise Cognitiva, Ontologia e Socialização (CAOS), que integra o grupo de
pesquisa Rede Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)Formação, Currículo e Trabalho (REDPECT) e faz parte do
DMMDC. O interesse do CAOS por essa temática se alinha, portanto, com um dos objetivos do DMMDC que é consolidar as
áreas multidisciplinares de análise cognitiva e modelagem do conhecimento (DMMDC, 2006).
Os textos produzidos a partir dos registros e reflexões dos Doutorandos que participaram das disciplinas ANCO I e ANCO II
nos semestres em que se desenvolveu esta pesquisa, sob a orientação da Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham, estão
organizados em uma coletânea em fase final de organização para publicação.
34
neste capítulo um quadro teórico sobre a Cognição, a partir da seleção de contribuições de
teóricos de diferentes disciplinas dentre as que constituem as Ciências da Cognição.
Com este objetivo, inicio por uma breve contextualização da área das Ciências Cognitivas,
localizando o objetivo e apresentando o histórico de constituição desta área. Em seguida,
desenvolvo um diálogo entre quatro psicólogos cognitivistas, a partir de conceitos e relações
elencadas por constituírem os eixos estruturantes de suas perspectivas teóricas. Salientando
aproximações e contradições entre os teóricos abordados neste item, inicio aqui a construção
de um olhar ampliado sobre as categorias que compõem a matriz e metodologia de Análise
Cognitiva propostas nesta tese.
Para dialogar com a psicologia cognitivista, trazendo contribuições da biologia, da sociologia,
da filosofia e da epistemologia, busco outras perspectivas sobre o conhecimento, visando a
construção compreensiva da Cognição: a Biologia da Cognição de Maturana e Varela, e o
Olhar sociopolítico de Paulo Freire.
Também na abordagem destas perspectivas, selecionei conceitos estruturantes da
argumentação que desenvolvem, buscando apresentá-los sempre com foco na construção do
lastro compreensivo sobre a Cognição, identificando as categorias e interfaces que compõem
a proposta de análise cognitiva desta tese. O aprofundamento dos diálogos e apropriações que
me permitiram definir estas categorias e interfaces para análise, é desenvolvido no Capítulo
IV deste trabalho, intitulado Compondo uma rede Multirreferencial para compreensão
dos Processos Cognitivos.
1. Ciências da Cognição
O campo da Ciência Cognitiva, segundo Gardner (2003, p. 19) define-se “como um esforço
contemporâneo de fundamentação empírica para responder questões epistemológicas de longa
data – principalmente aquelas relativas à natureza do conhecimento, seus componentes, seu
desenvolvimento, seu emprego.”
Para Varela, Thompson e Rosch (2003), a expressão “Ciências Cognitivas” indica que estudar
a mente justifica um projeto científico. Considerando que não há uma definição clara,
acordada, sobre os rumos deste campo de conhecimento, considera também que hoje este se
caracteriza muito mais como uma reunião de disciplinas que uma disciplina em si mesmo.
35
Para esses autores, um dos polos mais importantes, que domina esta área é a Inteligência
Artificial, ou modelo computacional da mente. Além deste, outras disciplinas são tidas como
associadas: a linguística, as neurociências, a psicologia, a antropologia e a filosofia.
Citando o relatório do Estado da Arte da Ciência Cognitiva, elaborado pela Fundação Sloam
em 1978, que considera como interdisciplinar a nova ciência da cognição, Gardner (2003)
apresenta o hexágono cognitivo que estabelece vínculos entre a Filosofia, a Linguística, a
Antropologia, a Neurociência, a Inteligência Artificial e a Psicologia, na composição deste
campo.
Varela, Thompson e Rosch (2003) apontam que o estado atual das ciências cognitivas,
transformado nos últimos 30 anos especialmente por meio do programa cognitivista,
reconhece como legítima a investigação do conhecimento, concebendo-o em uma perspectiva
ampla, interdisciplinar, que ultrapassa a epistemologia e a psicologia.
Defendendo que não se podem separar as ciências cognitivas da tecnologia cognitiva, esses
autores atribuem à tecnologia o papel de, explorando cientificamente a mente, oferecer à
sociedade ocidental um espelho de si mesma ao confrontá-la com questões nunca antes
colocadas, a exemplo da mente como manipuladora de símbolos e da capacidade de uma
máquina compreender a linguagem.
Para Fialho (2008), foi a proposta de Alan Turing de construir “máquinas pensantes”6, que
iniciou o movimento das Ciências da Cognição e, em particular, da Inteligência Artificial.
Entretanto, em função da perseguição da sociedade inglesa a Turing, após a revelação da sua
condição de homossexual, e o suicídio deste, só na década de 1945-55 registra-se o
surgimento do campo das ciências cognitivas. Aponta como principal série de eventos, a
sequência de dez conferências promovidas pela Fundação Macy Jr, no período entre 1946 a
1953, reunindo pesquisadores que marcam a construção deste campo de conhecimento.
Fialho (2008) cita como exemplos: a) John von Neumann, Norbert Wiener e Warren
McCulloch, considerados os “pais da cibernética”, que desenvolveram um modelo neuronial
para o cérebro, o propondo como uma rede formada por conexões entre células, um sistema
fechado em si mesmo; b) Gregory Bateson, que desenvolveu o modelo ecológico, postulando
que um sistema vivo não se sustenta somente com a energia que recebe de fora; e c) Maturana
6 “(...) A ideia de Turing era a de produzir uma máquina similar à mente da criança no instante de seu
nascimento e submetê-la a uma ‘educação’.” (FIALHO, 2008, p. 10)
36
e Varela que desenvolveram a teoria da autopoieses, explicando a auto-organização dos
sistemas dinâmicos complexos em contínua adaptação ao nicho ecológico ao qual são
indissociáveis.
Propondo-se a apresentar os estágios sucessivos de constituição das Ciências da Cognição,
Varela, Thompson e Rosch (2003) a dividem em três: Cognitivismo, Conexionismo e
Abordagem Atuacionista. O Cognitivismo é associado à metáfora do computador digital, por
defender a hipótese da cognição como representação mental, acreditando que “(...) a mente
opera manipulando símbolos que representam características do mundo, ou representam o
mundo como tendo uma determinada forma.” (p. 24-25). Para esses autores, o cognitivismo
está no centro das ciências cognitivas pelo domínio que exerce na pesquisa da área, chegando
às vezes a ser confundida com a própria Ciência Cognitiva.
As abordagens que surgiram nos últimos anos, como alternativas ao cognitivismo, divergem
deste por criticar: “o processamento de símbolos como veículo adequado para representações”
(p. 25) e o conceito de representação como ponto de apoio das ciências cognitivas.
A primeira alternativa, ou segundo estágio, é chamada de conexionismo. Estes modelos
deslocam a ênfase em processos simbólicos localizados, compreendendo a representação
como “correspondência entre um estado global emergente e as propriedades do mundo: ela
não é uma função de símbolos particulares.” (VARELA, THOMPSON e ROSCH, 2003, p.
26).
A segunda alternativa ou terceiro estágio questiona a ideia da cognição como representação,
trazendo como pressupostos a compreensão de que o mundo em que habitamos tem
propriedades particulares, que selecionamos e recuperamos essas propriedades em formas
internas de representação e que essas tarefas são realizadas por um “nós subjetivo”. A junção
desses três pressupostos resulta em um forte compromisso com o realismo ou o
objetivismo/subjetivismo em relação a como é o mundo, o que somos e como conhecemos.
Acreditando que esta concepção não objetivista está crescendo no estudo da cognição, embora
sem a definição de um único termo que a designe, esses autores propõem o termo atuação
para:
[...] enfatizar a convicção crescente de que a cognição não é a representação de um
mundo preconcebido por uma mente preconcebida mas, ao contrário, é a atuação de
um mundo e de uma mente com base em uma história da diversidade de ações
37
desempenhadas por um ser no mundo. [...] (VARELA, THOMPSON e ROSCH,
2003, p. 26).
De acordo com a ciência cognitiva da atuação, a associação entre propriedades de base
biológica e cognição apenas pode ocorrer por meio da conduta. Uma conduta que só pode ser
considerada resultante de ação cognitiva pelas interações que o cérebro experimenta com o
ambiente.
Propondo uma adaptação ao quadro de Gardner para a evolução das Ciências da Cognição,
Fialho (2008) a organiza em fases:
Figura 1 - Momentos das Ciências da Cognição
Fonte: Fialho (2008, p.17)
1) Fase do Cognitivismo – corresponde à tentativa de utilizar o computador para simular o
comportamento humano, em uma visão mecanicista do homem como máquina e do
38
computador como máquina universal, bastando apenas construir o programa correto para se
ter um robô inteligente.
2) Corrente Conexionista – concebe o computador humano como uma máquina especial,
não sendo suficiente apenas ter um software correto, mas uma máquina que se assemelhe ao
cérebro humano, com bilhões de computadores interconectados de forma similar aos
neurônios.
3) O Cognitivismo Atuante – proposta da década de 90, apresentada por Varela,
resgatando a concepção piagetiana de que “conhecer é criar” e a perspectiva quântica de que
“para que algo aconteça é necessário um observador que faça com que, dentre as diversas
possibilidades, uma se instancie.” (FIALHO, 2008, p.18).
4) Por fim, o Cognitivismo Ecosófico – partindo da proposta de Félix Guattari de
compreender o sujeito que conhece como elemento indissociável de um ecossistema.
“Conhecer é operar sobre a cultura em que se vive, modificando o meio ambiente e
transformando-se a si próprio no processo.” (FIALHO, 2008, p.18)
Reconhecendo que, como toda classificação, esta é também incompleta, o autor conclui seu
estudo sobre a evolução das ciências cognitivas salientando que nesta se repete uma tendência
de nossa época em caminhar de um antropocentrismo para uma visão mais holística, na qual
um objeto assume significado pela relação que estabelece com outros objetos em seu entorno,
e considera que deveriam figurar no quadro de constituição desta área nomes como os de
Luria, Paulo Freire, Lévy, Vygotsky, Wallon, Bakhtin, Shanck, Abelson, entre outros.
É nesta perspectiva de cognição que este trabalho se posiciona, buscando a compreensão do
sujeito situado, da ação cognitiva como vivência e da elaboração interna do sujeito atribuindo
formas e sentidos diferenciados ao mundo.
2. Psicologia Cognitiva: Piaget, Bruner, Vygotsky e Wallon
2.1. RELAÇÃO SUJEITO X OBJETO (MUNDO, CONTEXTO) – INTERAÇÃO SOCIAL
Para iniciar, escolho algumas contribuições de Piaget (1969, 1970, 1973). Na referência
piagetiana ao sujeito, este não é o sujeito psicológico nem o sujeito coletivo, mas o sujeito
epistêmico, que retrata o que há de comum em todos os sujeitos, independente das diferenças
individuais.
39
Refletindo sua formação inicial em biologia, Piaget considera que o sujeito busca
continuamente um estado de equilíbrio interno que o habilite a adaptar-se ao meio ambiente, e
esta adaptação só é possível através do conhecimento. Assim, a criança vai tentando descobrir
o sentido do mundo, construindo estruturas mentais e adquirindo modos de funcionamento
dessas estruturas, buscando entender o mundo que a cerca.
Para este autor, o homem relaciona-se com o mundo em um processo ativo de contínua
interação. Não sendo mera cópia da realidade exterior e nem inato, o conhecimento é
construído, em um processo em que o indivíduo é protagonista, sendo o conhecimento
humano, ativo em sua essência.
Conhecer um objeto é agir sobre e transformá-lo, apreendendo os mecanismos dessa
transformação vinculados com as ações transformadoras. Conhecer é, pois, assimilar
o real às estruturas de transformações, e são as estruturas elaboradas pela
inteligência enquanto prolongamento direto da ação. (PIAGET, 1970a, p. 30)
Neste processo ativo e contínuo, o sujeito vai adquirindo as estruturas mentais essenciais ao
seu aprendizado e desenvolvimento, em um processo de aquisição individual que prevê
necessariamente a cooperação, as trocas e intercâmbio entre as pessoas. Embora oferecendo
uma imagem interativa do processo de aprendizagem, que segundo este autor, desenvolve-se
na interação entre o aluno e o mundo que o envolve, os postulados piagetianos também
preveem um processo de aprendizagem espontâneo solitário, no qual o sujeito aprende
sozinho e naturalmente, através das ações e interações com os objetos.
A interação constante entre o sujeito e a realidade, ao tempo em que permite ao sujeito
construir novos esquemas, dotando-o de novos instrumentos de compreensão, permite ainda a
construção da realidade pelo sujeito, ao atribuir à mesma, diferentes significados
(RAPPAPORT, FIORI e DAVIS, 1981).
Para Vygotsky (1984), o que distingue as capacidades psicológicas humanas dos processos
básicos presentes também em outras espécies animais, é que os seres humanos interagem com
o ambiente tendo como suporte instrumentos mediadores que ele chama de “signos”.
Capacidades como memória voluntária, atenção consciente, pensamento, afetividade, são
regulados pelo ser humano através da mediação7 dos signos, levando-o a uma prática
7 “é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta
e passa a ser mediada por esse elemento”. (OLIVEIRA, 1997, p. 26)
40
consciente e a reagir mais aos significados representados pelos instrumentos mediadores que
ao estímulo externo diretamente.
(...) o processo simples estímulo-resposta é substituído por um ato complexo,
mediado, que representamos da seguinte forma:
S = estímulo
R = resposta
X = elo intermediário ou elemento mediador
Nesse novo processo o impulso direto para reagir é inibido, e é incorporado um
estímulo auxiliar que facilita a complementação da operação por meios indiretos.
(VYGOTSKY, 1984, p. 45)
Assim, esses instrumentos permitem ao ser humano escapar da influência direta do meio
externo, sendo capaz de percebê-lo e representá-lo de diversas formas, superando o imediato
do “aqui e agora”. Esses instrumentos mediadores têm origem social, sendo elaborados ao
longo da história cultural da humanidade.
Por isso, o meio social e cultural é que dispõe dos signos e dos sistemas de signos
necessários para formar os processos psicológicos superiores, pois o
desenvolvimento individual consiste, em boa parte, no acesso progressivo a esses
signos e sistemas de signos ou, em outras palavras, na aprendizagem progressiva dos
signos e da sua utilização. (SALVADOR et al, 2000, p. 259)
Wallon (2008) considera o homem um ser indissociavelmente biológico e social. Sendo o
organismo a condição primeira do pensamento, não é, entretanto, suficiente, pois o objeto da
ação mental vem do contexto no qual o indivíduo esta inserido. O homem então é
determinado fisiológica e socialmente, tanto pelas suas disposições internas quanto pela
história das situações exteriores que vivencia no decorrer da sua existência.
Adotando a análise genética como método, este autor apresenta uma psicologia geral
concebida como conhecimento do adulto através da criança. Galvão (1995, p. 32) define o
projeto teórico de Wallon como “a elaboração de uma psicogênese da pessoa completa”. Um
projeto de estudo integrado do desenvolvimento, que contemple afetividade, motricidade e
inteligência, considerando a criança nas suas relações com o meio.
Para Wallon (2008), os teóricos do conhecimento historicamente buscaram subterfúgios para
mascarar as contradições sobre as quais este é edificado, defendendo que é necessário
reconhecer “que o conhecimento deve, desde seu início e como que por definição, enfrentar e
superar essas contradições (...)” (p. 10). Reconhecendo que o conhecimento é essencialmente
um esforço para resolver contradições – que se revelam similares desde os primeiros
S R
X
41
balbucios da criança até as etapas percorridas pela inteligência humana na busca do seu objeto
– Wallon acredita que esta compreensão não contrapõe o conhecimento ao real, ao contrário,
integra-o mais estreitamente ao fazê-lo participar das suas leis. E ainda, a importância de
reconhecer o conhecimento como um esforço que supera contradições deve-se à compreensão
de que “nada subsiste que não tenha triunfado sobre o conflito, alcançando um novo
equilíbrio, um novo estado, uma nova forma de existência.” (p. 12).
Para Bruner (1978), o domínio dos fundamentos gerais de um dado campo implica em captar
as ideias centrais deste campo, e no desenvolvimento de uma atitude especial em relação à
aprendizagem e à investigação, imaginando soluções, buscando intuições e palpites sobre
como resolver determinada situação.
Na sua compreensão sobre a relação do sujeito com o objeto a ser conhecido, destaca que ao
aprender, “não se aprende apenas alguma coisa específica, mas, fazendo-o, aprende-se a
aprender” (p. 44), identificando no ato de aprender três processos quase simultâneos:
aquisição, transformação e avaliação.
A aquisição de novas informações é o primeiro momento, podendo por vezes contrariar ou
substituir o conhecimento anterior do sujeito sobre aquele assunto. Em seguida vem a
transformação, a manipulação do conhecimento de forma a adequá-lo / adaptá-lo a novas
tarefas ou situações.
Aprendemos a ‘desmascarar’ ou analisar a informação, a ordená-la de modo que
permita sua extrapolação, interpolação ou conversão em outra forma. A
transformação compreende os meios pelos quais lidamos com a informação de modo
a irmos além dela. (BRUNER, 1978, p. 45)
O aspecto seguinte do processo de aprender é a avaliação (crítica), quando o sujeito verifica
se a forma como utiliza a informação é a mais adequada à tarefa que se propõe.
2.2. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
Partindo do pressuposto de que os conhecimentos se constroem ao longo da vida e que esta
construção tem uma progressão similar para todos os sujeitos, Piaget subordina a
aprendizagem ao desenvolvimento. Ou seja, o que a pessoa é capaz de compreender,
assimilar, aprender, enfim, depende de seu nível de desenvolvimento.
42
Piaget (1973) traz uma abordagem de similaridade entre o desenvolvimento biológico e o
desenvolvimento mental. Assim como o organismo busca manter um estado de equilíbrio que
garanta a sobrevivência, assim também na organização mental o indivíduo busca a
organização das estruturas cognitivas em um sistema com coerência e interdependência, que
permita a adaptação do mesmo à realidade.
O conceito de processo de equilibração é um dos mais centrais à compreensão do
desenvolvimento na perspectiva piagetiana. Para esse autor, desde os esquemas inatos e
reflexos do bebê até as operações mentais complexas, o ser humano vai desenvolvendo
esquemas mentais adaptativos a cada nova situação com a qual se depara na interação com a
realidade. A todo o momento nos deparamos com situações novas que ameaçam o nosso
equilíbrio e nos impulsionam à busca de novos esquemas para lidar com as mesmas. A
construção de esquemas mais amplos e flexíveis é a consequência desta busca para um ser
humano em condições normais de interação.
Implícitos ao conceito de equilibração estão, na teoria piagetiana, os conceitos de assimilação
e acomodação. Quando o sujeito se depara com uma situação nova, em um primeiro
movimento busca solucioná-la através dos esquemas que já possui, resolvendo assim a
situação de desequilíbrio gerado pelo novo, através do processo de assimilação. Este caminho
só é possível quando as duas situações são idênticas, a exemplo: um motorista que dirige um
outro carro do mesmo porte, mas diferente do automóvel no qual construiu o esquema de
dirigir; um palestrante que discorre sobre o mesmo assunto em momentos diferentes, mas com
circunstâncias, contexto e público similares; uma criança que monta diferentes quebra-
cabeças, sendo todos do mesmo nível de dificuldade, entre outros. (RAPPAPORT, FIORI e
DAVIS, 1981).
Considerando que isto é raramente possível (pois que as situações dificilmente são idênticas),
o sujeito continuamente se vê compelido a construir novos esquemas adaptativos para estas
novas situações, alcançando assim um novo estado de equilíbrio, sempre provisório e
dinâmico. Usando os mesmos exemplos acima, o motorista que dirige com destreza um
automóvel de passeio, não conseguirá dirigir um ônibus ou caminhão utilizando apenas os
mesmos esquemas que já possui, necessariamente terá que desenvolver novos esquemas
próprios para lidar com as especificidades de máquinas deste porte; o palestrante que vai
discorrer sobre um assunto que ainda não domina ou para um público muito diferente daquele
43
que está familiarizado, também necessitará desenvolver novos esquemas para atingir o
equilíbrio frente à nova situação.
Certamente que se trata aqui de uma divisão meramente didática, pois estes processos
ocorrem simultaneamente nos sujeitos e em um continuum no qual o indivíduo assimila –
acomoda – assimila – acomoda sem percepção de alternância destes processos. Ressalte-se
ainda que uma mesma situação demanda os dois processos, posto que o sujeito usa da
assimilação para resolução da parte da ação ou procedimento para o qual já possui esquemas
construídos e da acomodação para construir novos esquemas capazes de solucionar as partes
para as quais não possui ainda esquemas construídos.
Por esta compreensão o desenvolvimento é um processo de equilibração sucessiva que tende a
uma forma final: a aquisição do pensamento operacional formal. O equilíbrio é a forma pela
qual o indivíduo lida com a realidade buscando compreendê-la, a forma como organiza seus
conhecimentos/esquemas, visando a adaptação.
Em suas observações, Piaget (1970) identificou diferentes estágios de desenvolvimento pelos
quais passa o indivíduo, a cada um correspondendo determinados tipos de aquisições mentais
e de organização dessas ações. Cada estágio corresponde a uma forma particular de equilíbrio,
evoluindo para uma equilibração sempre mais completa e uma progressiva interiorização.
Iniciando com os reflexos inatos, que se transformam gradualmente nos esquemas sensoriais-
motores (Estágio Sensório-Motor), passando pela formação dos esquemas simbólicos (Fase
pré-operacional) e pela formação dos primeiros esquemas conceituais, ainda vinculados à
existência de objetos concretos no mundo exterior (Fase Operatória-Concreta), a criança vai
evoluindo até atingir o pensamento abstrato, as estruturas mais complexas às quais chegará
“normalmente”8 na adolescência.
Assim, este padrão intelectual adquirido na adolescência, persistirá durante toda a idade
adulta. Para Piaget, não ocorre uma estagnação, mas que atingido o grau de maturidade que
permite a realização de operações mentais formais, esta predominará na forma de raciocínio
utilizado pelo adulto, sendo o seu desenvolvimento posterior apenas no sentido da ampliação
de conhecimentos, e não mais na aquisição de novos modos de funcionamento mental.
8 Piaget acredita que a evolução dos estágios de desenvolvimento tem uma relação direta com a idade das
crianças, embora possa haver pequenas diferenciações.
44
Bruner (1978), citando Piaget como fonte, também compreende que o desenvolvimento
(intelectual) se dê através de estágios que “grosso modo” classifica como estágio pré-
operacional, estágio de operações concretas e estágio das operações formais, sendo este o
último que o sujeito alcança. Em suas palavras:
Neste ponto é que a criança está apta a dar expressão formal ou axiomática às idéias
concretas que, anteriormente, orientavam a resolução de problemas mas não podiam
ser descritas, ou formalmente compreendidas. (BRUNER, 1978, p. 35)
Mas Bruner (1969) traz também muitas outras contribuições à compreensão de
desenvolvimento – que ele adjetiva ora como mental, ora como intelectual. Defende que este
crescimento não é gradual, comparando-o a uma escada com grandes degraus, uma sucessão
de lances de subida e patamares, com avanços para frente quando se inicia o desenvolvimento
de determinadas aptidões. Em relação a esses avanços, que ele compara a estágios ou lances
de degraus, reconhece a necessidade de que estas aptidões sejam alimentadas para que
amadureçam antes que outras possam aparecer. Quanto à sequência do aparecimento desses
saltos ou arrancos, acredita que não estão ligados à idade, mas sim às condições ambientais
que podem retardar, paralisar ou acelerar esta sequência.
Considerando que esses graus ou estágios têm sido descritos de variadas maneiras, mas
guardando alguma semelhança nestas variadas explicações, Bruner (1969) assim descreve sua
evolução:
Os primeiros estágios são essencialmente de manipulação (...) elevada instabilidade
e singeleza de atenção. (...) Segue-se um período de maior reflexão no qual a
criança é capaz de representação inversa, através de imagens representativas, de
crescentes porções no meio ambiente. (...) algo de muito especial acontece por volta
da adolescência, quando a linguagem (grifos nossos) se torna cada vez mais
importante como meio do pensamento: é a capacidade de trabalhar mais com
proposições do que com objetos; conceitos que se tornam mais hierárquicos em sua
estrutura (...) (p. 43)
Assim, reconhece no desenvolvimento humano, três sistemas que funcionam em paralelo,
para processar e representar informações, como fases internas do desenvolvimento: a) através
de manuseio e ação; b) através de organização perceptiva e de imagens; c) como aparelho
simbólico. A elaboração desses três sistemas de técnicas/três sistemas básicos de
instrumentos – “instrumentos para a mão, para os receptores à distância e para o processo de
reflexão” (BRUNER, 1969, p. 43) - permite ao organismo maduro o uso total das próprias
aptidões.
45
A qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação no homem adulto, é um aspecto que
particularmente impressionou a Bruner (1969) pela forma como o adulto age na busca de
informações, reconhecendo as regularidades em um meio ambiente normalmente complexo,
apesar das suas limitações na capacidade para processar os dados e dos naturais riscos que
incorremos em qualquer ato de julgar ou fazer opções.
[...] Os seres humanos adultos e normais não só usam os menores índices fornecidos
pela apresentação de estímulos, em frações de segundos, como se servem deles
como plataforma para estabelecer previsões. A percepção envolve ultrapassar a
informação dada, com base em um modelo do universo de eventos que torne
possível interpolar, extrapolar e predizer. A rapidez da percepção reflete não só a
estrutura do estímulo [...] mas também a probabilidade da ocorrência de eventos em
dado contexto. [...] (p. 17)
Reconhecendo tratar-se de uma tentativa de explicação, visto que o desenvolvimento
intelectual tem muitas faces, Bruner (1969) desenvolve algumas considerações com vistas ao
seu entendimento:
1. “Aptidão para manter resposta invariável em face de mudanças no ambiente
estimulante, ou em modificar a resposta a um ambiente constante” (p. 19) – a
capacidade que o sujeito adquire de independência imediata ao estímulo do meio
ambiente, podendo manter ou alterar uma resposta independente da estimulação
externa direta.
2. Aptidão progressiva para fazer previsões e extrapolações além da informação
fornecida imediatamente pelo meio ambiente, em função de modelos armazenados a
partir da absorção de eventos diversos vivenciados.
3. Capacidade progressiva de representar por palavras ou símbolos, atitudes próprias ou
de outrem, levando o sujeito a eventualmente reconhecer a necessidade lógica, espírito
de análise própria da filosofia, que conduz os seres humanos para além de uma mera
adaptação empírica ao meio.
4. Ocorre a partir da interação sistemática e contingente, entre os sujeitos em processo e
outros que possam influenciá-lo, a exemplo de professores, a família, figuras de
identificação especial, heróis, etc..
5. Amplia-se com o desenvolvimento da linguagem, posto que esta não é apenas um
meio de comunicação, mas instrumento de ordenamento do meio ambiente.
6. Caracteriza-se pela “crescente capacidade para lidar com alternativas,
simultaneamente, atender a várias sequências, ao mesmo tempo, e distribuir tempo e
atenção, de maneira apropriada, a todas essas demandas múltiplas. (...)” (p. 20-21)
46
Apesar das muitas convergências entre as perspectivas de Vygotsky e de Piaget, a relação
entre Desenvolvimento e Aprendizagem é um dos aspectos em que eles divergem de forma
mais significativa. Na concepção Vygotskiana, há uma profunda relação entre esses dois
processos: por um lado o indivíduo se desenvolve à medida que aprende a utilizar os signos
que atuam como mediadores dos processos psicológicos superiores; por outro lado, à medida
que se desenvolve o indivíduo se torna mais capaz de utilizar esses signos e sistemas de
signos, de forma mais competente e em diferentes contextos. Esta relação, portanto, tem um
caráter bidirecional, de influência e interconexão mútuas. (VYGOTSKY, 1989)
Um dos principais princípios da teoria Vygotskiana é a importância da interação social no
desenvolvimento das funções psicológicas superiores9. De acordo com este, as funções
superiores são geradas inicialmente na interação com os outros e só depois surgem no plano
individual. Ou seja, no desenvolvimento cultural da criança, qualquer função que exista
apareceu em dois planos distintos: primeiro o social (interpsicológica) e depois o individual
(intrapsicológica).
Neste processo de interação recíproca desenvolvimento/aprendizagem, o conceito de Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP) é certamente um dos conceitos mais conhecidos e
estruturantes da teoria de Vygotsky. A ZDP constitui-se como a zona de diferença entre
aquilo que o indivíduo já é capaz de realizar sozinho - Zona Real - e aquilo que ele só é capaz
de realizar se ajudado por um outro mais experiente - Zona Proximal.
A partir deste conceito, compreende-se então que há dois níveis de desenvolvimento: a) o
Nível de Desenvolvimento Real, que representa as capacidades que o indivíduo já adquiriu e
controla autonomamente e b) o Nível de Desenvolvimento Potencial, que indica a(s)
possibilidade(s) potencial(is) de aprendizado e desenvolvimento deste indivíduo.
É importante compreender que esses níveis de desenvolvimento têm caráter dinâmico e
complexo, que o indivíduo não se encontra em um único nível geral de desenvolvimento, mas
diferentes níveis, em relação a diferentes aspectos do desenvolvimento e para cada conteúdo
ou tarefa especificamente. Também é necessário ter clareza de que estes níveis não são
intrínsecos à pessoa nem existem anteriores à interação com os outros, mas se originam no
9 “mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser humano e que envolvem o
controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo em relação às
características do momento e do espaço presentes.” (OLIVEIRA, 1997, p. 26)
47
processo mesmo da interação. Assim, uma mesma pessoa pode apresentar diferentes níveis de
desenvolvimento potencial a depender de com quem e como interage.
A relação entre esses dois níveis é complexa e dialética: o nível de desenvolvimento
real condiciona o nível de desenvolvimento potencial em um dado momento; por sua
vez, o desenvolvimento potencial, que depende das formas de ajuda e suporte
oferecidos por outras pessoas na interação, irá tornar-se eventualmente – de acordo
com a lei da dupla formação – desenvolvimento real. (SALVADOR et al, 2000, p.
261)
Convergentemente com a perspectiva Vygotskiana, Bruner (1978) também defende a
necessidade de ajudar a criança a avançar do pensamento concreto a formas mais conceituais
de pensar, considerando que seria ocioso tentar fazê-lo em uma lógica muito distante da
maneira como a mesma pensa. Assim descreve a sua compreensão sobre este processo que, a
nosso ver, é o mesmo princípio da Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky:
O desenvolvimento intelectual da criança não é, porém, uma sequência cronométrica
de acontecimentos; o afetam também influências do ambiente, notadamente do
ambiente escolar. (...) Pode o mestre dirigir o desenvolvimento intelectual,
proporcionando oportunidades desafiantes, mas praticáveis, para a criança ir adiante
em seu desenvolvimento. A experiência tem demonstrado ser compensador o
esforço para oferecer, à criança em crescimento, problemas que a estimulem a passar
aos estágios seguintes de desenvolvimento. (...). (p. 37)
Wallon enfoca o desenvolvimento em três diferentes domínios: afetivo, cognitivo e motor.
Em seu trabalho busca identificar a relação entre esses diferentes domínios e sua influência na
formação da personalidade, em cada etapa do desenvolvimento. Tendo o materialismo
dialético como fundamento filosófico e método de análise, este autor opõe-se a qualquer
simplificação, na intenção constante de superar dicotomias e reducionismos, buscando
compreender e explicar a complexidade do real, “por uma perspectiva dinâmica,
multifacetada e extremamente original” (GALVÃO, 1995, p. 12)
Enfocando o ser humano em uma perspectiva global, este autor aponta campos funcionais que
agrupam as diferentes funções psíquicas presentes na atividade infantil: a afetividade, o ato
motor e a inteligência. Indiferenciados no início do desenvolvimento, estes campos vão
adquirindo independência no decorrer do desenvolvimento, sendo, a pessoa que integra esses
vários campos, compreendida como um todo que constitui um outro campo funcional.
É contra a natureza tratar a criança de forma fragmentária. Em cada idade constitui
um conjunto indissociável e original. Na sucessão de suas idades é um único e
mesmo ser em contínua metamorfose. (WALLON apud MAHONEY e ALMEIDA,
2002, p. 33)
48
Assim como Piaget, Wallon (2008) também apresenta uma sequência de estágios de
desenvolvimento pelos quais o ser humano passa do nascimento à adolescência. São eles, na
ordem: Impulsivo Emocional (0 a 1 ano), Sensório-Motor e Projetivo (1 a 3 anos),
Personalismo (3 a 6 anos), Categorial (6 a 11 anos), Puberdade e Adolescência (11 anos em
diante).
Para entender o desenvolvimento na teoria de Wallon, o conceito de diferenciação é um
conceito central que indica um processo permanente na formação da personalidade humana.
[...] o estado inicial da consciência pode ser comparado a uma nebulosa, uma massa
difusa, na qual confundem-se o próprio sujeito e a realidade exterior. O recém-
nascido não se percebe como indivíduo diferenciado. Num estado de simbiose
afetiva com o meio, parece misturar-se à sensibilidade ambiente e, a todo instante,
repercutir em suas reações, as do seu meio. A distinção entre o eu e o outro só se
adquire progressivamente, num processo que se faz nas e pelas interações sociais.
(GALVÃO, 1995, p. 50)
Para este autor então, o processo de socialização é um processo de individuação progressiva.
O conflito eu-outro perpassa o processo de desenvolvimento da criança, estando presente
mesmo na vida adulta, em algumas situações específicas.
Aprofundando a reflexão sobre definições de inteligência, Wallon (2008) identifica uma
antinomia entre uma definição fundamentada na análise – através de provas definidas - das
aptidões psíquicas já desenvolvidas, que a resume a um poder de comparação e discriminação,
“aptidão para reconhecer a verdade” (p. 13). A outra definição tem o real como objetivo,
colocando em primeiro plano necessidades práticas: acomodar-se, adaptar-se, conhecer o real
para utilizá-lo, constituindo então a inteligência um instrumento de conhecimento que parte da
ação e retorna a esta.
A perspectiva de decompor a inteligência em seus fatores primários a partir de resultados de
testes é para este autor um método estático, com base estreita que não revela suas origens,
desdobramento, formas ou condições diversas. A outra perspectiva, ao fazer da inteligência
uma nova capacidade de adaptação da espécie, necessariamente precisa investigar seus inícios
e diferentes estágios, não podendo deixar de considerar o que cada um deles supõe como
circunstâncias novas. Defende assim Wallon (2008) a necessidade de alargar o campo de
estudos, reconhecendo-se que o desenvolvimento da inteligência sofre determinações
diferentes em cada espécie, que regulam e delimitam seu crescimento.
49
Do exame destas determinações e da progressão das fases correspondentes podem-se
identificar as diferenciações ou elaborações que sucessivamente a inteligência foi passando, o
plano sobre o qual ela é construída e como suas funções nascem, se encadeiam ou articulam
mutuamente. Também por este método de análise é possível separar a inteligência das
situações nas quais ela pode exercitar-se, permitindo assim estabelecer comparações entre os
estágios que o mesmo indivíduo atravessa, em relação a outros indivíduos ou outras espécies.
Enfim, chega o momento da evolução da inteligência em que esta, através da utilização de
material e técnicas, ultrapassa o plano das simples possibilidades materiais e motoras para
relacionar-se com o meio. Conclui Wallon (2008) afirmando que estas três fontes de
comparação poderiam controlar-se mutuamente.
Outra contribuição relevante deste autor, ainda sobre a definição de inteligência nasce das
reflexões que desenvolve sobre Inteligência prática ou Inteligência das situações,
contrapondo-a ao conhecimento. A solução de problemas práticos acontece sem que
necessariamente a inteligência esteja presente em sua forma de expressão comumente vista
pelo homem adulto. Nas espécies animais mais próximas do homem, nas crianças e mesmo
em homens de qualquer idade, observam-se atos que implicam uma intuição variável e
apropriada das circunstâncias, aos quais não se pode negar o título de intelectual, mas que
também não englobam as puras situações mentais, sendo “um concurso de circunstâncias que
se impõem do exterior, atuais e materiais.” (WALLON, 2008, p. 18).
Para o autor, o que contrapõe esta inteligência das situações ao conhecimento “é que, em vez
de distinguir entre os objetos e as circunstâncias, ela realiza uma espécie de organização
dinâmica (...) fundem-se o campo das percepções exteriores.” (p. 18). Percepções exteriores,
permanentemente modificáveis para atender às necessidades do momento, possibilidades de
ação e fluidez dos desejos, entre outros, constituem fatores que entram a cada instante numa
estrutura una, como um conjunto indiviso. A inteligência prática se constitui então nas
modalidades desta estrutura, sua diversidade, maleabilidade e extensão de organização.
Para Bruner (1978), o caminho para o alcance das aprendizagens complexas é obter a
compreensão geral da estrutura de determinada matéria. Compreender a estrutura de uma
matéria é compreendê-la de modo que permita associar/relacionar à mesma, de maneira
significativa, outras informações, reflexões etc. Desta forma, uma aprendizagem anterior
torna mais fácil a aquisição de aprendizagens subsequentes, por oferecer uma visão geral a
partir da qual se tornem mais claras as relações entre as coisas encontradas antes e depois.
50
Implícita à compreensão de aprendizagem de Bruner (1978, p. 11) está a convicção de que “os
fundamentos de qualquer assunto podem, de alguma forma, ser ensinados a quem quer que
seja, em qualquer idade.” À medida que o sujeito tem a seu dispor estas ideias básicas, o uso
eficiente das mesmas exige um aprofundamento constante do nível de compreensão, o que
pode ser conseguindo utilizando-as em formas cada vez mais complexas.
Defendendo o ensino da estrutura central da matéria de estudo como caminho mais eficiente
para a aprendizagem, Bruner apresenta quatro elementos de argumentação: a) o entendimento
dos fundamentos torna a matéria como um todo, mais compreensível; b) as características da
memória humana justificam a alocação dos pormenores em um padrão estruturado,
considerando que representações simplificadas têm um poder regenerativo que permite
reconstruir os pormenores, quando necessário; c) a compreensão de princípios e ideias
fundamentais funciona como um modelo para a compreensão de outras coisas semelhantes
que se pode encontrar – “transferência de aprendizagem”; d) reexaminando constantemente o
que já foi aprendido de forma básica, vai se reduzindo a distância entre o conhecimento
elementar e o conhecimento avançado.
2.3. MEDIAÇÃO SIMBÓLICA E LINGUAGEM
Optei por iniciar aqui pela abordagem Vygotskiana, tendo em vista as grandes contribuições
deste autor à abordagem dos dois conceitos em pauta.
Vygotsky (1984) identifica dois tipos de elementos mediadores que, embora análogos,
apresentam características bastante diferenciadas: os instrumentos e os signos, que vão
transformando-se ao longo do processo de desenvolvimento de cada indivíduo. Como funções
psicológicas superiores, os processos mediados vão se constituindo na relação do sujeito com
o mundo objetivo e no seu contato com as formas culturalmente organizadas para lidar com o
real.
A importância que este autor atribui aos instrumentos é apontada como fruto da sua filiação
teórica aos postulados marxistas, posto que compreende o trabalho como criador da cultura e
da história humanas, através da ação de transformação da natureza pelo homem,
desenvolvendo atividades coletivas, relações sociais, criando e utilizando instrumentos.
Os instrumentos, entretanto, são elementos externos ao indivíduo, voltados para fora, com a
função de provocar mudanças nos objetos ou controlar a natureza, já os signos (também
51
nomeados por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”) voltam-se para dentro do sujeito, de
forma a controlar ações psicológicas próprias ou de outros.
A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado
problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.), é análoga à
invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age
como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um
instrumento no trabalho. (VYGOTSKY, 1984, p. 59-60)
A teoria Vygotskiana identifica ainda duas mudanças qualitativas fundamentais no uso de
signos: o processo de internalização e o desenvolvimento de sistemas simbólicos para
organizar os signos em estruturas mais complexas. É ao longo do processo de
desenvolvimento, operando mentalmente com o mundo, que o indivíduo deixa de necessitar
de marcas externas e passa a utilizar signos internos que substituem os objetos reais –
processo de internalização.
Compreender o processo de mediação simbólica na perspectiva de Vygotsky (1984) implica
reconhecer o caráter eminentemente cultural da formação desses sistemas simbólicos.
Fornecido pelo grupo cultural no qual o indivíduo se desenvolve, os sistemas de representação
da realidade fornecem ao indivíduo formas de perceber e organizar o real, representando uma
espécie de “filtro” através do qual o homem percebe e opera com o mundo.
Esta compreensão estrutura a dimensão sociocultural do desenvolvimento humano na
perspectiva de Vygotsky, pois é o grupo cultural que fornece ao indivíduo um ambiente
estruturado por elementos carregados de significado. É a partir da interação social, seja com
os outros membros da cultura ou com elementos do ambiente culturalmente estruturado que se
dá o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes; primeiro no
nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica),
e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (VYGOTSKY, 1984, p. 962)
Como sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, a relação da linguagem com o
pensamento tem um lugar de destaque na teoria de Vygotsky (1989). Este autor identifica
duas funções básicas da linguagem: a) intercâmbio social e b) pensamento generalizante.
Apontada como principal função, o intercâmbio social consiste na comunicação com os
semelhantes. Utilizando sons, gestos e expressões para comunicar seu estado emocional, o
bebê vai desenvolvendo a aquisição da linguagem, percebendo que necessita utilizar signos
que sejam compreensíveis pelas outras pessoas.
52
A segunda função da linguagem – pensamento generalizante, transforma-a em um
instrumento do pensamento. É ela quem ordena o real, agrupando objetos, eventos e situações
em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o objeto.
Na evolução do indivíduo (ontogênese) Vygotsky (1989) identifica um processo semelhante
ao ocorrido na evolução da história da espécie humana (filogênese): antes do pensamento e da
linguagem se associarem existe uma fase pré-linguística do pensamento e uma fase pré-
intelectual da linguagem. Na fase pré-linguística do pensamento e pré-intelectual da fala, está
presente uma espécie de inteligência prática, que permite um certo nível de interação no
ambiente e algumas manifestações verbais para o contato social. Inserida em um grupo
cultural, convivendo com membros mais maduros, a criança dará o salto qualitativo para o
pensamento verbal, quando então adquire a possibilidade de um funcionamento psicológico
mais sofisticado.
A abordagem de Bruner (1969) sobre a linguagem insere-se na discussão que o mesmo
desenvolve do processo de representação. Para este autor, é através da representação que a
criança se liberta da dependência aos estímulos imediatos, conservando a experiência anterior
em um modelo, que a permite recuperar posteriormente esta informação em outra
circunstância na qual este modelo possa se adequar.
Bruner (1969, p. 24) descreve três maneiras “transladar a experiência a um modelo do
mundo”. A primeira é através da ação, ocorre quando não encontramos imagens ou palavras
que possam fazê-lo – também chamada de representação ativa; a segunda forma de
representação baseia-se na organização visual - ou de qualquer outro sentido - e na utilização
de imagens, regendo-se basicamente, pela organização perceptiva e transformações dessa
organização – também chamada de icônica.
A terceira forma de representação é aquela que se dá por palavras, ou linguagem,
caracterizada pela natureza simbólica. Por serem arbitrários, os símbolos não trazem
correspondência direta com a coisa, são quase sempre altamente criadores e sua
compatibilidade permite variadas formas de condensação.
Para Bruner (1969), no processo de desenvolvimento intelectual o ser humano vai tornando-se
apto a comandar esses três tipos de representações, identificando ainda uma gradação ao
tratar-se do sistema simbólico, na tradução da experiência na linguagem. Inicialmente a
53
criança usa a linguagem com o mesmo objetivo com que indica um determinado objeto ou
pessoa; gradualmente começa a utilizar as palavras para representar objetos ausentes;
continuando em seu desenvolvimento, passa a utilizar as palavras, manipulando-as
gramaticalmente, projetando-as como suporte à resolução de problemas mentais. O passo
seguinte deste processo é tornar as palavras “veículos para penetrar nas categorias do
possível, do condicional, do condicional contra-atual” (1969, p. 28), domínio este em elaborar
de forma complexa, representações do mundo da experiência possível.
Concluindo sua abordagem sobre a influência da linguagem nos processos cognitivos, Bruner
a coloca no centro no desenvolvimento intelectual, posicionando-se de forma critica em
relação às teorias de estímulo e resposta e afirmando que “os russos” (incluindo Vygotsky)
encontraram o caminho certo para a compreensão das representações como mediadoras.
Também Wallon compreende a linguagem como instrumento e suporte ao pensamento, tendo
com este uma relação de reciprocidade: ao tempo em que exprime o pensamento, age como
estruturante do mesmo. Assim, a aquisição da linguagem representa uma mudança radical na
forma da criança se relacionar com o mundo.
Com a linguagem aparece a possibilidade de objetivação dos desejos. A
permanência e a objetividade da palavra permitem à criança separar-se de suas
motivações momentâneas, prolongar na lembrança uma experiência, antecipar,
combinar, calcular, imaginar, sonhar. (WALLON apud MAHONEY e ALMEIDA,
2002, p. 33)
Para além do foco específico na linguagem, Wallon (2008, p. 88) faz também uma reflexão
interessante sobre a abordagem de Piaget para a sociabilidade. Para este autor, Piaget adota
uma concepção análoga à contraposição Mito e razão - histórica no estudo comparado da
inteligência, ao contrapor também radicalmente o raciocínio da criança ao do adulto. No
raciocínio da criança, explicado pelo termo egocentrismo, ainda para Wallon, Piaget identifica
um pensamento que mistura o real ao desejo, a lógica ao incidente fortuito, a ordem objetiva
aos sentimentos, aos hábitos e ao devir individuais. Piaget deduz então que a evolução do
pensamento infantil para o estágio adulto, através do choque do pensamento egocêntrico com
os pontos de vista opostos ou divergentes, estaria ligada a um progresso de sociabilidade. Ao
perceber a existência das pessoas próximas, a criança aprenderia a sair do seu isolamento
psíquico, sendo capaz de imaginar relações de reciprocidade entre as pessoas e destas deduzir
relações neutras e objetivas entre as coisas.
54
Neste ponto reside a crítica de Wallon (2008), que acredita ser necessário inverter a ordem
dos fatores, ou seja, conceber a estreita sociabilidade que a criança estabelece desde o início
com o seu ambiente humano, por conta da dependência em relação a este, sem o qual não
pode satisfazer nenhuma necessidade e pelo qual se pautam todas as suas aptidões intuitivas.
Pela concepção Walloniana, o que é necessário à criança em sua evolução não seria um
avanço, mas um recuo de sociabilidade, no qual a criança retome o domínio de si em face dos
outros, em uma delimitação que é efeito da evolução intelectual. E ainda, para cada idade a
sociabilidade adquire a forma que o nível de organização mental permite, não cabendo à
sociabilidade regular as relações que inteligência identifica entre as coisas.
A reflexão de Bruner que pode ser inserida nesta perspectiva de mediação refere-se ao
conceito que de tradução. A hipótese de que qualquer matéria pode ser ensinada a qualquer
pessoa em qualquer idade, implica na ação do sujeito mediador – na construção teórica de
Bruner (1978, p. 31-32) esta tarefa é do professor – “de representar a estrutura da referida
matéria em termos da visualização que a criança tem das coisas”.
2.4. EMOÇÃO E COGNIÇÃO
Neste aspecto da análise dos processos cognitivos, certamente foi H. Wallon quem mais se
debruçou em seus postulados teóricos. Considerando a emoção com um dos campos
funcionais do funcionamento psíquico do indivíduo, este autor traz a abordagem deste
elemento para um status de relevância não atribuído pelos outros dois teóricos aqui
abordados.
Analisando a teoria walloniana, Galvão (1995) considera que o estudo das emoções é um
exemplo da utilização do método dialético na psicologia, posto que esta é uma manifestação
de natureza paradoxal, que se encontra na origem da consciência, operando a passagem do
mundo orgânico para o social.
Buscando evitar as dicotomias e reducionismo no trato das emoções, Wallon (2008) busca
compreender a sua função, defendendo que estas são reações comandadas do sistema nervoso
central, situando-se em uma região específica do cérebro, logo, possuem alguma utilidade.
Além deste argumento, observa ainda que a emoção é comportamento predominante apenas
no primeiro ano de vida, reduzindo-se até a vida adulta, quando aparece de forma minimizada
e controlada pelas funções psíquicas superiores.
55
Ao focar sua análise para a criança, Wallon afirma “que é na ação sobre o meio humano, e
não sobre o meio físico, que deve ser buscado o significado das emoções.” (GALVÃO, 1995,
p. 59). A sobrevivência do bebê humano depende da proteção e cuidado dos adultos,
entretanto a ação do outro (adulto responsável pelo cuidar) não é só de atender às
necessidades básicas do recém-nascido, mas de acolher e interpretar as suas reações,
comunicando-se com ele.
Desta forma, o que ocorre entre o bebê e o adulto que o cuida é uma comunicação afetiva que
dialoga através de elementos corporais e expressões. À medida que o bebê, na interação com
o outro, vai percebendo a relação entre os seus movimentos e expressões e o ambiente, os
utiliza cada vez mais de forma intencional, até se tornarem mesmo “expressão, afetividade
exteriorizada”.
Wallon (2008) distingue afetividade de emoção, caracterizando a última por ser sempre
acompanhada de alterações orgânicas, visíveis exteriormente e com alto grau de contágio e
potencial mobilizador entre os humanos. A afetividade é considerada um conceito mais
abrangente que inclui várias outras formas de expressão.
A partir da aquisição da linguagem a criança passa a dispor de recursos mais amplos e
diversificados para expressar seus estados afetivos, que não impliquem necessariamente em
alterações corporais visíveis. Assim, no decorrer do desenvolvimento, a afetividade vai
adquirindo independência das expressões corporais.
Nas palavras do próprio Wallon (apud GALVÃO, 1995, p. 63-64):
As emoções podem ser consideradas, sem dúvida, como a origem da consciência,
visto que exprimem e fixam para o próprio sujeito, através do jogo de atitudes
determinadas, certas disposições específicas de sua sensibilidade. Porém, elas só
serão o ponto de partida da consciência pessoal do sujeito por intermédio do grupo,
no qual elas começam por fundi-lo e do qual receberá as fórmulas diferenciadas de
ação e os instrumentos intelectuais, sem os quais lhe seria impossível efetuar as
distinções e as classificações necessárias ao conhecimento das coisas e de si mesmo.
Considerando a emoção como essencialmente social, a teoria walloniana ressalta que as
reações que esta provoca no ambiente atuam como retroalimentação à sua manifestação. Ou
seja, estas se mantêm ou cessam a depender das reações do meio.
Utilizando dados da antropologia Wallon (2008) aponta como o contágio característico da
emoção representa um elemento de agregação de grupos sociais nas sociedades primitivas.
56
Cerimônias rituais, jogos, danças etc., vivenciados por todos do grupo, estabelecem uma
comunhão, uma sintonia afetiva que funde o grupo em uma mesma emoção, sem que haja
nenhuma relação intelectual. As emoções aparecem então como forma primeira, mas tendem
a ser substituídas quando os grupos sociais dispõem de outros recursos técnicos ou
intelectuais para garantir a coesão do grupo e adaptação ao meio.
Podemos também buscar em Bruner (1978, p. 12) uma perspectiva que se refere a outra esfera
da cognição, para além da visão reducionista que a limita à racionalidade - a ênfase que o
mesmo atribui à intuição: “O pensamento intuitivo, o treinamento dos palpites, é um aspecto
muito desprezado e essencial do pensamento produtivo.”
Compreendendo intuição como “o ato de captar o sentido, o alcance ou a estrutura de um
problema ou situação” (1978, p. 55-56) sem para isto utilizar-se dos recursos do pensamento
analítico (a seguir faremos a sua distinção em relação ao pensamento intuitivo), Bruner
considera a possibilidade da adivinhação, do levantamento de hipóteses como forma de busca
pela conclusão ou resolução da situação problema – ação que o mesmo identifica como
tipicamente de um pesquisador.
Reconhecendo e lamentando o ainda pequeno conhecimento disponível sobre a natureza do
pensamento intuitivo e do que pode influenciá-lo, contribui para este desvelamento,
diferenciando-o do pensamento analítico. O pensamento analítico caminha passo a passo,
cada passo explícito, podendo ser relatado por aquele que pensa, posto que se processa com a
consciência do sujeito sobre as informações e operações implicadas. “Pode envolver
raciocínio cauteloso e dedutivo, (...). Ou pode envolver um processo gradativo de indução e
experimento, empregando princípios de técnica de pesquisa e de análise estatística.”
(BRUNER, 1978, p. 53)
O pensamento intuitivo, diferentemente, não se caracteriza por uma progressão passo a
passo, tendendo aparentemente à utilização de uma percepção implícita do problema total,
alcançando uma resposta, correta ou não, quase sem consciência de como a alcançou, tendo o
sujeito que pensa grande dificuldade em relatar os caminhos que o levaram àquela
determinada resposta. Bruner ressalta, entretanto, que este tipo de pensamento normalmente
ocorre em campos do conhecimento que o sujeito tem maior familiaridade, domínio da
estrutura desse conhecimento, o que o possibilita dar saltos ao pensamento, ultrapassando
certas etapas e utilizando espécies de atalhos.
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Reconhecendo o caráter de risco deste tipo de pensamento e a necessidade de comprovação
dos seus resultados, ao tempo em que defende a sua prática como impulsionadora da
aprendizagem e da construção do conhecimento, Bruner (1978, p. 54) defende a natureza
complementar dois tipos de pensamento:
Cremos que deveria ser reconhecida a natureza mutuamente complementar dos
pensamentos intuitivo e analítico. Através do pensamento intuitivo, o indivíduo
poderá, muitas vezes, chegar a soluções para problemas que não conseguiria
alcançar de modo algum ou, quando muito, só mais lentamente, através do
pensamento analítico. Uma vez conseguidas por métodos intuitivos, essas soluções
deverão, se possível, ser verificadas por métodos analíticos, sendo ao mesmo tempo
respeitadas como hipóteses válidas para tal verificação.
3. O olhar da Biologia da Cognição: Maturana e Varela
Defendendo como tese central a perspectiva de que vivemos no mundo, compartilhando com
outros seres vivos o processo vital e por isto fazemos parte dele e somos responsáveis pelo
que lhe ocorre, a Biologia da Cognição nos alerta de que construímos e somos construídos
pelo mundo em que vivemos. Construímos o nosso conhecimento do mundo no percurso da
vida, mas mesmo que não percebamos, somos o tempo inteiro influenciados, modificados
pelo que vemos e sentimos.
Como contribuições à reflexão e entendimento do que seja a cognição, trago deste enfoque
biológico, os conceitos de conhecimento como ação efetiva, organização autopoiética,
acoplamento estrutural, deriva natural, domínios comportamentais, clausura
operacional, comunicação, conduta cultural, domínios linguísticos e consciência
humana.
Ao compreender a vida como um processo de conhecimento, esta perspectiva concebe que é
através da interação com os demais que os seres vivos constroem conhecimento: “Aprendem
vivendo e vivem aprendendo” (MATURANA e VARELA, 2001, p. 12). Como uma
alternativa à posição representacionista, na argumentação desses autores, o conhecimento vai
além do processamento de informações de um mundo que existe antes da experiência do
observador, os seres vivos são autônomos, produzem a si próprios ao interagir com o meio.
Mas ao tempo em que, percebidos isoladamente, os seres vivos são autônomos, se observados
em seu relacionamento com o meio, é obvia a dependência de recursos externos para viver.
Desta forma, autonomia e dependência constroem uma à outra, numa dinâmica circular:
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toda experiência cognitiva inclui aquele que conhece de um modo pessoal, enraizado
em sua estrutura biológica, motivo pelo qual toda experiência de certeza é um
fenômeno individual cego em relação ao ato cognitivo do outro, numa solidão que
só é transcendida no mundo que criamos junto com ele. (MATURANA e VARELA,
2001, p. 22)
Não há um mundo (fatos, objetos etc.) que está fora e é captado pelo sujeito, mas cada sujeito,
no ato de conhecer, resignifica o visto/experimentado, construindo um modo único de
perceber o mundo. Assim, a interação de um organismo é um ato cognitivo, viver é conhecer.
Os seres vivos produzem continuamente a si próprios, em uma forma de organização
autopoiética, organização esta que caracteriza o ser humano: “(...) um sistema autopoiético
(...) se levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua
própria dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis”. (MATURANA e
VARELA, 2001, p. 55). O que é mais específico neste tipo de organização é que o sujeito é o
seu produto, não havendo assim separação entre produtor e produto.
A mudança estrutural nos seres vivos é contínua e incessante, ocorrendo simultaneamente e
de formas variadas. Entretanto, é importante ter claro que nos seres vivos, determinação e
acoplamento estrutural ocorrem na contínua conservação da autopoiese, estando tudo
subordinado a esta conservação.
MATURANA e VARELA (2001) trazem para a explicação sobre o conhecimento, o conceito
de ontogenia. Considerada como a história de mudanças estruturais que ocorrem em uma
determinada unidade - garantida a manutenção da sua organização - a ontogenia se constrói
mediante a modificação estrutural contínua na unidade, como consequência das interações
desta com o meio ou como resultado de sua dinâmica interna, em uma transformação que não
cessa até que esta unidade se desintegre.
O acoplamento estrutural ocorre quando duas (ou mais) unidades autopoiéticas estão
acopladas em sua ontogenia, pelo caráter recorrente ou muito estável de suas interações.
Ressalte-se que essas interações da estrutura com o meio embora desencadeiem modificações
estruturais das unidades autopoiéticas, não as determina, assim como não determinam o meio.
A história de mudanças estruturais na interação unidade e meio é de perturbações mútuas e
concordantes, até que ambos se desintegrem. Enquanto existir compatibilidade ou
comensurabilidade entre meio e unidade ambas desencadearão mutuamente mudanças de
estado, em um processo contínuo que caracteriza o acoplamento estrutural. É a estrutura da
59
unidade que determina sua forma de interação com o meio, de modo que a variação
ontogênica resulta em diferentes maneiras de ser e configurações do mundo.
Cada interação organismo – meio é uma interação específica, na qual o meio atua em contínua
seleção das mudanças estruturais que o organismo viverá em sua ontogenia, da mesma forma
que os seres vivos operam como seletores das mudanças estruturais do meio. É também na
abordagem sobre o acoplamento estrutural que os autores apresentam sua compreensão de
aprendizagem como expressão deste, “que manterá sempre uma compatibilidade entre o
funcionamento do organismo e o meio em que ele ocorre.” (MATURANA e VARELA, 2001,
p. 192)
Neste ponto da argumentação, surge o conceito de deriva natural:
[...] diante desse fenômeno de acoplamento estrutural entre os organismos e o meio
como sistemas operacionalmente independentes - , a manutenção dos organismos
como sistemas dinâmicos em seu meio aparece como centrada em uma
compatibilidade organismo/meio. É o que chamamos de adaptação. Por outro lado,
se as interações do ser vivo em seu meio se tornam destrutivas, de modo que ele se
desintegra pela interrupção de sua autopoiese, diremos que o ser vivo perdeu a sua
adaptação. Portanto, a adaptação de uma unidade a um meio é uma consequência
necessária do acoplamento estrutural dessa unidade nesse meio, [...]. Em outras
palavras: a ontogenia de um indivíduo é uma deriva de modificações estruturais com
invariância da organização e, portanto, com conservação da adaptação.
(MATURANA e VARELA, 2001, p. 116)
Considerando que organismos e meio variam de modo independente, é o jogo entre as
condições históricas em que ocorrem as variações e as propriedades intrínsecas dos indivíduos
que determinará a constância e a variação do resultado Partindo desta compreensão, Maturana
e Varela (2001) consideram forçoso reconhecer que cada situação resulta de variações
aleatórias, e que a descrição do percurso destas variações só é possível a posteriori – como
um barco à deriva. Concluem assim que evolução é uma deriva natural, decorrência da
invariância da autopoiese e da adaptação, todos nós surgimos desta mesma lei que é a
conservação da identidade e da capacidade de reprodução.
Considerando que a previsibilidade nem sempre é possível, seja por nossa limitada capacidade
de observação, déficit conceitual ou mesmo porque há sistemas que mudam de estado quando
observados, precisamos nos reconhecer como observadores incapazes de propor um sistema
explicativo científico para os fenômenos que, em verdade, vemos como aleatórios.
[...] todos os organismos, [...] funcionam como funcionam e estão onde estão a cada
instante, como resultado de seu acoplamento estrutural. [...] Num sentido estrito,
60
nada é acidental. No entanto, nossa experiência é de liberdade criativa e, do nosso
ponto de vista, o fazer dos animais superiores parece imprevisível. (MATURANA e
VARELA, 2001, p. 139)
Problematizando o papel do sistema nervoso nos domínios comportamentais, esses autores
refletem sobre a visão mais difundida, que o considera como um instrumento do organismo na
obtenção de informações do ambiente, a serem utilizadas posteriormente na construção de
uma representação de mundo. Retomam a perspectiva do sistema nervoso como parte do
organismo - logo, funcionando com determinação estrutural – para afirmar que não pode o
meio determinar suas mudanças, mas apenas desencadeá-las. Consideram que estamos “no fio
da navalha”, por um lado supondo que o sistema nervoso funciona com representações do
mundo – o que nos cega para a compreensão deste como um sistema determinado e com
clausura operacional – e por outro a armadilha de negar o meio circundante, concluindo que
tudo é possível – o que seria “o extremo da solidão cognitiva absoluta, ou solipsismo.”
(MATURANA e VARELA, 2001, p. 150)
Como solução para o que consideram um abismo, propõem ampliar a perspectiva, sem
considerar o comportamento dos seres vivos como uma invenção do sistema nervoso, mas
reconhecendo que sua presença expande as possibilidades de conduta ao dotar o organismo de
uma estrutura versátil e plástica.
A reflexão sobre o sistema nervoso em seu papel no comportamento dos seres vivos traz em
seu bojo o conceito de clausura operacional, ao definir o seu funcionamento como “uma
rede fechada de mudanças de relações de atividade entre seus componentes” de tal forma que
“quaisquer que sejam suas mudanças elas geram outras modificações dentro dele mesmo”.
(MATURANA e VARELA, 2001, p. 183)
Ainda tratando do sistema nervoso, os autores desenvolvem uma crítica à comparação entre o
cérebro e o computador, considerando esta uma metáfora equivocada posto que o sistema
nervoso, como resultado de deriva filogenética, não funciona captando informações do meio,
“(...) ele constrói um mundo, ao especificar quais configurações do meio são perturbações e
que mudanças estas desencadeiam no organismo. (...)” (MATURANA e VARELA, 2001, p.
188). E ainda, sua capacidade de transformação contínua, permanecendo coerente com as
transformações do meio - de cada interação que o afeta - constitui a grande riqueza plástica do
sistema nervoso nos seres vivos.
61
Para compreender a comunicação nesta perspectiva, faz-se necessário compreender os
fenômenos sociais como acoplamentos estruturais de terceira ordem. Quando organismos com
sistema nervoso interagem de forma recorrente ao longo de sua ontogenia, representando
mútua fonte de perturbações, estabelece-se um acoplamento estrutural – permitindo a
manutenção da individualidade de cada um – de diferentes complexidades e estabilidades.
Este acoplamento estrutural entre indivíduos constitui então um fenômeno social, e dentro
deste, a comunicação é compreendida como “o desencadeamento mútuo de comportamentos
coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social. (...)” (MATURANA e
VARELA, 2001, p. 215).
Criticando também a metáfora da comunicação produzida em um ponto e transmitida para o
outro extremo – o receptor – por meio de um tubo, os autores consideram que:
[...] essa metáfora é fundamentalmente falsa, porque supõe a existência de uma
unidade não estruturalmente determinada na qual as interações são instrutivas [...] a
comunicação não acontece assim: cada pessoa diz o que diz ou ouve o que ouve
segundo sua própria determinação estrutural. [...] sempre há ambigüidade numa
interação comunicativa. O fenômeno da comunicação não depende daquilo que se
entrega, mas do que acontece com o receptor. [...] muito diferente de “transmitir
informação”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 218).
A abordagem sobre domínios linguísticos surge no bojo da compreensão das sociedades
humanas também contendo clausura operacional. Os componentes das comunidades humanas
existem como unidades e a conservação da adaptação do ser humano como organismo exige
que ele funcione nos domínios linguísticos Também os sistemas sociais exigem
comportamentos acoplados estruturalmente em domínios linguísticos, nos quais os
comportamentos possam operar, ampliando as propriedades dos componentes desse sistema.
Como decorrência do conjunto de interações comunicativas, surgem as condutas culturais:
“(...) configurações comportamentais que, adquiridas ontogeneticamente na dinâmica
comunicativa de um meio social, são estáveis através de gerações.” São as interações
comunicativas ontogeneticamente determinadas que permitem uma certa invariância na
história de um grupo, indo além da história particular dos sujeitos que participam deste
grupo, estabelecendo um domínio de condutas comunicativas ou comportamentos
coordenados associados a termos semânticos.
Voltando à discussão da linguagem, para esses autores sua característica-chave é que
“modifica de maneira tão radical os domínios comportamentais humanos, possibilitando
62
novos fenômenos, como a reflexão e a consciência. (...) permite, a quem funciona nela,
descrever a si mesmo e à sua circunstância”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 232). A
linguagem só existe quando se produz a reflexão linguística, é a partir dela que o domínio
semântico passa a constituir o meio, e os seres humanos a existirem, conservando sua
adaptação a partir deste domínio semântico criado.
É ao modo recursivo de operação da linguagem que a biologia da cognição atribui a
experiência do que chamamos consciência. Da mesma forma que o ser vivo se conserva como
unidade em meio às perturbações do meio e da sua própria dinâmica comportamental, a
coerência e estabilização da sociedade como unidade se processará a partir do funcionamento
e ampliação da linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional é o que
experimentamos como consciência e como “nossa” mente. (MATURANA e VARELA, 2001,
p. 255)
O fenômeno do mental e da autoconsciência só existe em função do aparecimento da
linguagem no homem e do contexto social em que ela surge. A dinâmica de ambos pertence
ao domínio do acoplamento social, no qual “funcionam como seletores do caminho que segue
nossa deriva estrutural ontogênica”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 257)
4. Um olhar sociopolítico: Paulo Freire
Muito conhecido como educador, em verdade Paulo Freire legou à humanidade - como
afirmam muitos “freirianos” - uma Teoria do Conhecimento e uma Filosofia da Educação.
Com uma obra que se constitui basicamente de reflexões sobre práticas efetivamente
vivenciadas, Freire traz significativas contribuições para a compreensão dos processos
cognitivos, em uma abordagem antropológica, epistemológica e acima de tudo política, na
qual teoria e prática são absolutamente indissociáveis. Como afirma Gadotti (1996, p. 77):
“Paulo Freire não pensa pensamentos. Pensa a realidade e a ação sobre ela. Trabalha
teoricamente a partir dela.”
Na busca deste aporte teórico para a discussão sobre cognição, selecionei alguns conceitos
que considero estruturantes a esta construção: Libertação, Conscientização, Diálogo e
Comunicação.
Em sua abordagem essencialmente política, liberdade e libertação constituem a tese central,
condição essencial de humanização de homens e mulheres, objetivo fim de qualquer processo
63
educativo. A conscientização e o diálogo são o caminho para esta libertação, por sua vez,
condição de autoafirmação do sujeito.
Gadotti ressalta (1996, p. 107): “A dialética hegeliana entre o Senhor e o Escravo está
presente em toda a sua obra. Contudo, ela se encontra como quadro teórico particular de sua
obra principal: Pedagogia do Oprimido”. Imersa no mundo do opressor, a consciência do
oprimido vive uma dualidade: ao tempo em que hospeda em si os valores, as ideias, a visão
de mundo do dominador e teme a liberdade, a deseja, ansiando pela libertação. Para Freire, o
oprimido vive assim uma luta interna, que precisa deixar de ser individual para ser coletiva:
“(...) ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam
em comunhão”. (FREIRE, 1979, p. 42)
Enquanto a tomada de consciência é o momento em que o sujeito se distancia da realidade
para percebê-la criticamente, a conscientização é um passo além, constituindo-se em ação
transformadora. Freire desenvolve o conceito de “consciência transitiva crítica” - a
consciência articulada com a práxis, ao mesmo tempo desafiadora e transformadora, e que só
é alcançada com o diálogo crítico, a fala e a convivência (GADOTTI, 1996).
O conhecido Método Paulo Freire concretiza esta compreensão quando propõe para o
processo de alfabetização (leitura da palavra / leitura do mundo) três momentos dialética e
interdisciplinarmente indissociáveis: a) a investigação temática - educador e educandos
buscam juntos palavras do universo vocabular com significado naquele contexto local
específico, na realidade daqueles sujeitos; b) a tematização – coletivamente, no dialógico
crítico e entre iguais, codificam e decodificam esses temas, seu significado social, adquirindo
uma nova consciência sobre o real; e c) a problematização – consciências livres, construindo
uma visão crítica, buscam a ação transformadora.
“(...) ninguém educa ninguém. Ninguém se educa sozinho. Os homens se educam
juntos, na transformação do mundo”. (FREIRE, 1979, p. 81)
O diálogo horizontal entre sujeitos – educador e educando – que se respeitam, não apenas
como seres humanos, mas no reconhecimento de que são ambos detentores de saberes (saber
científico e saber popular), está presente na compreensão de Freire sobre a construção do
conhecimento. O contexto que provoca a construção do conhecimento tem em si,
necessariamente: o reconhecimento da existência de um saber popular, gerado na prática
social do povo, a participação do sujeito da aprendizagem e o reconhecimento de que a forma
64
de trabalhar, o processo do ato de aprender é determinante em relação ao próprio conteúdo da
aprendizagem (exemplo: a impossibilidade de aprender a ser democrata com métodos
autoritários).
Freire ressalta, entretanto, que reconhecer e valorizar o saber de todos, não significa
espontaneísmo, deixar os estudantes entregues a si próprios. Ele ressalta o papel do educador
de fazê-los avançar, posto que esta é sua função de educador, que o difere dos educandos.
Registro aqui uma convergência com o papel que Vygotsky também atribui ao professor, de
desafiar o desenvolvimento do sujeito que aprende, indo além do que o mesmo já conhece e é
capaz de desenvolver sozinho.
O diálogo para Freire, sempre em uma relação horizontal, nutre-se de amor, humildade,
esperança, fé e confiança, devendo o educador (ou mediador, em outras circunstâncias) saber
escutar as urgências e opções do educando e exercitar a tolerância, no sentido da convivência
com a diferença.
A relação dialógico-dialética entre educador e educandos, aprendendo juntos, é a base da
concepção problematizadora da educação, posta por Freire em contraposição à concepção
bancária. Na educação bancária o educador é o sujeito do processo, enquanto os educandos
são meros objetos nos quais é “depositado” o saber de quem sabe (o educador). A educação
problematizadora reconhece o educando como alguém que tem toda uma experiência de vida
e por isso também é portador de um saber.
Este foi um aprendizado longo, que implicou uma caminhada, nem toda vez fácil,
quase sempre sofrida, até que me convencesse de que, ainda quando minha tese,
minha proposta fossem certas e em torno delas eu não tivesse dúvida, era imperioso,
primeiro, saber se elas coincidiam com a leitura de mundo dos grupos ou da classe
social a quem falava; segundo, se impunha a mim estar mais ou menos a par,
familiarizado, com sua leitura de mundo, pois que, somente a partir do saber nela
contido ou nela implícito me seria possível discutir a minha leitura de mundo, que
igualmente guarda e se funda num outro tipo de saber. (FREIRE, 1994, p. 24)
Em Pedagogia da Esperança, Freire (1994, p. 26) relata uma experiência que vivenciou ainda
no início de sua vida profissional, falando sobre educação e castigos físicos a pais de alunos
de uma comunidade carente de Recife – PE. Em uma linguagem bem tipicamente sua, Freire
emociona o leitor ao relatar a fala de um pai de aluno que ele diz “enxergar” sempre, em
qualquer outra plateia onde esteja, lembrando-lhe da importância de conhecer o saber
daqueles com os quais se está dialogando:
65
“Agora eu queria dizer umas coisas ou doutor, que acho que os meus companheiros
concordam”. Me fitou manso mas penetrantemente e perguntou: “dr. Paulo, o senhor
sabe onde agente mora? O senhor já esteve na casa de um de nós ? (...). Falou do
cansaço do corpo, da impossibilidade dos sonhos com um amanhã melhor. Da
proibição que lhes era imposta de ser felizes. De ter esperança.” (FREIRE, 1994, p.
26)
Como exigência existencial, é o diálogo que possibilita a comunicação permitindo que os
sujeitos dialogantes ultrapassem a dimensão da vivência imediata.
Como um ser de relações, o homem é desafiado pela natureza, transformando-a com o seu
trabalho, constituindo assim o mundo. “O mundo da cultura que se prolonga no mundo da
história” (FREIRE, 1985, p. 65). Para Freire, este mundo social e humano só existe a partir da
comunicabilidade, é a intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo
cultural e histórico, estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto.
Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples relação do sujeito
cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a relação comunicativa entre sujeitos
cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo.
(FREIRE, 1985, p. 65)
Tratando de comunicação, neste mesma obra, Freire cita o estudo que Eduardo Nicol
desenvolve sobre as relações constitutivas do conhecimento, afirmando que às três relações já
conhecidas - a gnosiológica, a lógica e a histórica – Nicol acrescenta uma quarta, de
fundamental importância ao ato de conhecer: a relação dialógica. Argumentando que não
existe pensamento isolado, posto que o homem não é isolado, Freire concebe no ato de pensar
a exigência do sujeito que pensa, do objeto pensado (que atua como mediador com o outro
sujeito da comunicação) e da comunicação entre os sujeitos, esta ocorrendo através dos signos
linguísticos.
Deste modo, além do sujeito pensante, do objeto pensado, haveria como exigência
(tão necessária como a do primeiro sujeito e a do objeto), a presença de outro sujeito
pensante (...). Seria um verbo “co-subjetivo-objetivo”, cuja ação incidente no objeto
seria, por isto mesmo, co-participada. (FREIRE, 1985, p. 66)
É na coparticipação dos sujeitos no ato de pensar, que ocorre a comunicação. Esta
coparticipação é tão estruturante na forma como Freire (1985, p. 66) concebe a educação que
ele chega a negar a existência de um pensar sozinho: “Não há um ‘penso’, mas um
‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário”. Nega também o
objeto como incidência terminativa do pensamento de um sujeito, recolocando-o na função de
mediatizar a comunicação, esta sim, essencial ao pensar, ao conhecer.
66
A compreensão do pensamento para Freire implica o reconhecimento de sua dupla função:
cognoscitiva e comunicativa. O que caracteriza a comunicação é o diálogo e o diálogo
necessariamente é comunicativo. Não é possível que um conteúdo seja simplesmente
comunicado a um outro sujeito posto que a comunicação implica numa reciprocidade sem a
qual não há “um significado significante mediador dos sujeitos”. (FREIRE, 1985, p. 67). São
os sujeitos que, em uma relação dialógico-comunicativa, se comunicam o seu conteúdo.
Esta comunicação se dá através de signos linguísticos, logo, é indispensável que os sujeitos
comunicantes acordem um significado para estes signos, partilhado entre ambos, de forma a
haver a compreensão. Para Freire, compreensão, inteligibilidade e comunicação, são
processos inseparáveis e simultâneos.
Vê-se assim que a busca do conhecimento que se reduz à pura relação sujeito
cognoscente-objeto cognoscível, rompendo a “estrutura dialógica” do conhecimento,
está equivocada, por maior que seja sua tradição. (FREIRE, 1985, p. 68)
Por fim, reconhecendo na comunicação eficiente a exigência de que sujeitos comunicantes,
mediatizados pela “ad-miração” a um mesmo objeto, expressem-se através de signos
linguísticos comum a ambos - coerente com todo o seu pensar - Freire (FREIRE, 1985, p. 70)
destaca que na comunicação “não pode ser rompida a relação pensamento-linguagem-
contexto ou realidade”.
Ainda na busca de elementos do pensamento freiriano para compreender a cognição,
encontrei em Gadotti (1996) um interessante quadro comparativo das ideias de Freire com
vários pensadores contemporâneos, que complementa, a meu ver, os conceitos acima
trabalhados.
Segundo este autor, com Picho-Riviere - embora seguindo práticas diferentes - Paulo Freire
tem em comum a busca da transformação através da consciência crítica. Em comum com
Célestin Freinet, a crença na capacidade de o aluno organizar sua própria aprendizagem. Com
Carl Rogers existiriam muitos pontos em comum, entre eles: “o respeito à liberdade de
expressão individual, a crença na possibilidade de os homens resolverem, eles próprios, seus
problemas, desde que motivados interiormente para isso.” (1996, p. 90)
Ainda com Rogers, Gadotti (1996) destaca como convergência em Freire a compreensão do
educando como responsável pelo seu processo de aprendizagem possuindo a força do
67
crescimento e autoavaliação; a educação compreendendo o educando “como pessoa inteira,
com sentimentos e emoções”. (1996, p. 90-91)
Com John Dewey e Anísio Teixeira, Gadotti (1996) destaca a relevância que Freire dá ao
conhecimento da vida da comunidade local, embora com grande diferença na noção de cultura
entre eles, posto que a perspectiva de Paulo Freire é antropológica. A relação teoria e prática,
o trabalho cooperativo, e o método de iniciar o processo educacional pela fala (linguagem)
dos alunos são outros pontos comuns entre estes autores, embora defendam finalidades
diferentes para a educação.
Informando que Freire só teve conhecimento da obra de Lev Vygotsky próximo da
organização daquele livro - 1996 -, Gadotti identifica como convergência entre ambos a
importância da abordagem interacionista. Identifica na obra de Vygotsky a reflexão de que em
“contextos onde o povo começou a transformar sua realidade sociolinguística. Quando o povo
se convence de que pode mudar sua própria realidade social e de que não está mais isolado,
começa a participar”. Esta participação ocorre a princípio pela oralidade, mas logo demanda a
necessidade da escrita. Ou seja, assim como Freire, Vygotsky percebeu a associação entre “a
conquista da palavra à conquista da história.”
68
CAPÍTULO II
CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO E CONHECIMENTO DO
DESCONHECIMENTO: REVISITANDO CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS
Apresentação
Partindo do pressuposto de que a compreensão da Difusão do Conhecimento implica na
reflexão sobre o próprio conhecimento, neste capítulo me proponho a levantar referenciais
teóricos que subsidiem esta reflexão, tecendo uma rede de contribuições a este campo
conceitual e delimitando a perspectiva epistemológica que pauta a presente pesquisa.
Constituindo-se de elaborações teóricas, este capítulo busca a conceituação/problematização
do conhecimento em suas inter-relações, dialogicidade e dinamicidade, a partir do trabalho
de alguns autores selecionados pela perspectiva da epistemologia da complexidade e da
multirreferencialidade e por uma abordagem crítico-social da Difusão do Conhecimento.
Assim, fundamentam as discussões deste capítulo contribuições de Edgar Morin, Jacques
Ardoino, Humberto Maturana, Ilya Prigogine, Felipe Serpa, Boaventura Santos, Dante
Galeffi, Arnaud de Lima Jr., Teresinha Froes Burnham e Roberto Sidney Macedo.
Em sua forma de apresentação, inicia-se pelas reflexões sobre a incerteza e a crise do
conhecimento científico, desenvolvendo a seguir os princípios de uma nova forma de
compreensão do conhecimento. Na sequência, apresenta diálogos e releituras sobre as
perspectivas fundantes desta nova compreensão do conhecimento, construindo algumas
elaborações conceituais que orientam o olhar investigativo sobre a Difusão do Conhecimento.
A terceira parte deste capítulo tem como foco a relação entre a ação cognitiva de sujeitos e a
difusão do conhecimento, defendendo a perspectiva de que é na condição cognitiva que se
processa a apropriação do conhecimento, a produção de sentido, a contextualização das
informações e sua aplicabilidade, dela derivando outros aspectos como o social, político,
econômico, etc., condição fundamental, que é inerente ao humano e seus modos de expressão
na realidade.
1. A Incerteza e a Crise do Conhecimento Científico
São várias as produções contemporâneas que afirmam o “fim da certeza”, a crise do
conhecimento científico ou ao menos a sua transição. Parece consenso a constatação de que
69
não há verdades absolutas e de que nenhum método ou elaboração teórica será capaz de
explicar tudo, em todas as situações, e com absoluta precisão.
O que quero dizer é que a humanidade está em transição, não há dúvida, e também
não há dúvida de que a ciência está em transição. (PRIGOGINE, 2003, p. 49)
Para Serpa (1991), estamos em um momento histórico de mudança dos critérios que atribuem
validade à ciência, ao conhecimento científico. O autor traz o conceito de ciclos civilizatórios
de Toynbee10
para situar o momento em que surgiram os critérios de validação que
originaram a ciência contemporânea. Seria então na Europa Ocidental, com o declínio da
civilização medieval e a necessidade de expansionismo da Igreja (detentora de poder naquela
civilização) que nasceu a necessidade de conhecimento dos fenômenos físicos e da
Astronomia, em função do objetivo da conquista do Novo Mundo. O fortalecimento do
conceito de Estado-Nação e a valorização do mercantilismo são outros aspectos e
decorrências deste momento histórico no qual ocorre a “ruptura civilizatória” (p. 14).
Os critérios que validavam o conhecimento na civilização medieval eram, ainda segundo
Serpa (1991), a “essência e a qualidade”, caracterizando assim o ato de conhecer um objeto,
como “explicitar a sua essência, a partir de observações sobre as suas qualidades” (p. 14).
Com esses critérios, a relação do homem com a natureza era meramente contemplativa e a
produção da ciência hierarquizada a partir do conceito de “lugar natural”.
As necessidades da produção do conhecimento na área da astronomia e dos fenômenos físicos
e a ascensão da classe mercantil não eram mais compatíveis com os conceitos teológicos e
teleológicos de lugar natural, hierarquia entre o céu e a terra. Desta forma, a dialética própria
do processo histórico gerou o momento da ruptura e construção dos novos paradigmas e
critérios para a produção do conhecimento.
Serpa (1991) cita a produção do telescópio por Galileu como marco da explicitação dos novos
critérios de “relações do objeto epistemológico com o contexto e a quantidade” (p. 15),
trazendo as observações quantitativas e a necessidade de interligar a natureza e as estruturas
matemáticas. E ainda, a mudança do caráter contemplativo para o manipulativo e da
hierarquia para o relativismo, submetendo então o mundo empírico à razão.
10
TOYNBEE, Arnold: A study of history, Oxford University N. York, 1972 (citado por SERPA, 1991)
70
Estes, segundo o autor, foram os critérios que, a partir de então, direcionaram a produção do
conhecimento da ciência contemporânea, produzindo historicamente um conhecimento que,
nesses quatro séculos, firmou em nossa civilização o binômio produção-consumo. Estes
novos critérios só chegaram ao domínio das ciências biológicas e das ciências sociais
(enriquecidos em cada caso) a partir do século XIX, sendo o trabalho de Darwin o marco no
campo das ciências biológicas e o de Marx no campo das ciências sociais.
Situemos agora, o momento da crise. Serpa (1991) traz três indicadores de Capra11
e
acrescenta um próprio, para caracterizar o que chama de “crise civilizatória” ou “crise da
totalidade”. São eles: 1. o declínio do patriarcado; 2. a questão do combustível fóssil; 3. a
crise do paradigma e 4. tendência da desestruturação do conceito de Estado-Nação (este
último acrescentado por Serpa).
Focando a abordagem na crise do paradigma, o autor enfatiza o caráter manipulativo deste
paradigma que pautou a produção da ciência contemporânea, apontando como evidentes os
limites do planeta hoje, para esta manipulação. Considerando que a necessidade humana de
transcendência da escassez, historicamente guia as transformações, o autor salienta que as
sociedades mais desenvolvidas apresentam hoje uma outra forma de escassez, a que é definida
pelos limites mesmo do planeta. Como consequência, não se pode mais manter a relação
manipulativa como critério de validação do conhecimento.
Pautando-se nas argumentações até aqui apresentadas, Serpa (1991) afirma que precisamos
hoje de um novo paradigma de critérios para validação dos conhecimentos, salientando já a
presença de um novo racionalismo, distinto do racionalismo da ciência contemporânea: o
racionalismo ecológico.
Diferenciando as duas formas de racionalismo, o autor assim os caracteriza:
a) O Racionalismo da ciência contemporânea: “fundamenta-se no princípio de que é
possível obter a totalidade como uma interação das partes” (p. 17) em consequência
enfatizando a visão sistêmica.
b) O Racionalismo ecológico: “fundamenta-se no princípio de que a totalidade
manifesta-se em cada parte, isto é, na parte encontra-se o todo” (p. 17), logo, homem e
natureza formam uma totalidade.
11
CAPRA, Fritjof: O ponto de mutação, Ed. Cultrix, São Paulo, 1982 (citado por SERPA, 1991)
71
Este novo racionalismo traria então um novo paradigma de critérios para uma nova forma de
produzir conhecimento, agora pautada numa relação unitária homem-natureza. Serpa (1991)
conclui afirmando que as contingências históricas atuais de mudanças apontam para os
fenômenos biológicos e sociais, tendo como base material a questão da permanência da vida
no planeta, em especial a vida da espécie humana.
Também Prigogine (2003) desenvolve uma argumentação neste mesmo sentido, afirmando
que o espírito do homem moderno não mais se satisfaz com uma perspectiva dualista que
coloca o homem e a vida exteriores estranhos à natureza, porque sentimos necessidade de
fazer parte da natureza de uma forma que nunca sentimos antes. Para este autor, uma das
características do nosso tempo é justamente a de nos unirmos à natureza.
É a partir da compreensão do que chama “O Fim da Certeza” que Prigogine apresenta a noção
de complexidade, afirmando que a mesma desempenha um papel importantíssimo neste
momento em que a ciência se encontra em transição. Para ele, é uma percepção comum a de
que “a complexidade está ligada a multiplicidades de comportamento, a sistemas cujo futuro
não se pode prever” (2003, p. 49-50). Assim, esse desenvolvimento da forma de se fazer e
conceber a ciência traria uma mensagem mais universal, mais conectada a outras tradições,
menos vinculada à tradição europeia do século XVII, e fundamentalmente diversa do que o
autor caracteriza como ciência clássica.
[...] a ciência clássica insistia sobre o repetitivo, sobre o estável, sobre o equilíbrio,
enquanto hoje em dia, por toda parte, vemos instabilidade, evolução, flutuação. E
isso não somente no âmbito do social, mas no âmbito do fundamental.
(PRIGOGINE, 2003, p. 50)
Para Prigogine (2003) esta forma de pensar a ciência ligada ao determinismo, à existência de
causas, que se inicia a partir de Platão, Kant e até René Thom, conduziu a impasses por que a
vida não é determinista, automática. Assim só seria se a vida existisse fora da natureza, não
fazendo parte dela.
A visão complexa de mundo compreende que a realidade é inacabada, eternamente o caótico
fluir. É preciso reconhecer a incompletude, a incerteza da realidade e as múltiplas relações
entre seus componentes. É preciso superar o reducionismo das partes (examinar um elemento
isoladamente) e o reducionismo do todo (examinar o global sem examinar os seus
componentes e os relacionamentos entre eles).
72
Enquanto a cultura geral admite a possibilidade de se buscar a contextualização de
toda informação ou de toda ideia, a cultura técnica e científica, em nome do seu
caráter disciplinar especializado, separa e compartimenta os conhecimentos, o que
torna cada vez mais difícil a contextualização destes. [...] até a metade do século
XX, a maior parte das ciências tinha a redução como método de conhecimento [...] e
o determinismo como conceito principal. (MORAN, 2003, p. 69)
Para Moran (2003) a especialização retira o objeto do seu contexto e da sua totalidade,
desprezando suas ligações e intercomunicações com o seu ambiente. Esta forma de
inteligência compartimentalizada, mecanicista e reducionista, “destrói a complexidade do
mundo em fragmentos distintos, fraciona os problemas, separa o que está unido,
unidimensionaliza o multidimensional.” (p. 71) impossibilitando assim a compreensão, a
reflexão, um juízo corretivo e uma visão a longo prazo.
Ardoino (2003) respondendo o que se tornou efetivamente a reflexão epistemológica, a partir
das crises e mudanças contemporâneas, em especial nas áreas das Ciências Humanas e
Sociais, lembra que durante muito tempo não se podia questionar os critérios que definem as
condições de produção do conhecimento, e desenvolve uma breve retomada histórica do
processo de transformação deste modo de conceber ciência e conhecimento. Segundo o autor,
até o séc. XIX a ciência ocidental se pretendia única e indivisível, reencontrando-se as regras
do Espírito Científico em todas as disciplinas e áreas do saber, apenas com pequenas
diferenças.
[...] A partir da observação dos fenômenos, por meio de uma metodologia
apropriada, construíam-se “fatos”, permitindo determinar constantes invariantes ou
“leis para integrá-los a seguir num sistema teórico mais amplo, esperando de tal
tarefa possibilidades proféticas, remetendo aos fenômenos dos quais se havia
partido, mas permitindo, daí em diante, por meio de sua inteligibilidade, um certo
“domínio” (mestria), quando não, uma manipulação destes. [...] (ARDOINO, 2003,
p. 30)
Através desta metodologia analítica, que se fundava na hipótese da sempre possível redução
do complexo ao simples, do heterogêneo ao homogêneo, era estabelecida uma fronteira entre
o saber vulgar e os enunciados aos quais se submetia a aplicação da prova ou a coerência
axiomática. Desta forma, as abordagens hermenêuticas, as fenomenologias, as sociologias
críticas, a psicanálise, todas as formas que podiam empregar o imaginário eram consideradas
devaneio, reflexo, ilusão. A opacidade, a complexidade eram consideradas ou como um
estado provisório do objeto ou como passível de redução a elementos mais simples pela
análise; se assim não fosse, este objeto seria abandonado, tido como fora da razão.
73
A transparência era buscada necessariamente ao caracterizar o objeto do conhecimento,
entendida como “o que pode ser construído, efetiva e fisicamente, em caso de necessidade,
mas, sobretudo, desconstruído (decomposto) e reconstruído da mesma maneira, com todas
suas propriedades, pelo então espírito cognoscente” (ARDOINO, 2003, p. 32).
Denunciando as barbáries da ciência moderna que a tudo quis explicar partindo da crença da
unicidade do conhecimento, Macedo (2005) alerta que este fato histórico “forjou, pela
imposição explicativa, consciências colonizantes e colonizadas.” (p. 113)
Voltando à abordagem histórica feita por Ardoino (2003), este ressalta que em menos de um
século estas concepções foram sendo relativizadas e subvertidas. Nas ciências exatas, teorias
como as da relatividade, as evoluções da física, da termodinâmica, eletromagnética e outras,
questionavam ideias já estabelecidas; a compartimentalização das disciplinas revelou-se
limitada e zonas de intersecção constituíram novos espaços fecundos de pesquisa; um novo
espírito científico se estabeleceu, questionando os valores herdados. Enfim, apesar de todo o
rigor metodológico, para este autor, a ciência surge sempre “impregnada de ideologias mais
ou menos clandestinas” (p. 35) e neste momento já se permite entrever uma opacidade de
alguns fenômenos, resistindo aos propósitos de conhecimento.
Para Galeffi (2009), a racionalidade monológica, nitidamente, não dá mais conta da
complexidade dos fenômenos implicados. Entretanto, para se ultrapassar tal racionalidade é
preciso edificar outra forma de ser-sendo. É uma ingenuidade danosa considerar que se pode
ter o controle dos fenômenos pelas monitorações cada vez mais sofisticadas dos mesmos, para
este autor, empobrecemos nossa possibilidade de ser toda vez que adotamos um determinado
regime normativo como lei da ação.
Especificamente sobre a forma de se fazer ciência e a concepção sobre esta, Galeffi (2012c)
denuncia que a comum dicotomia entre as ciências exatas e as ciências não exatas, com
privilégio das ciências objetivas sobre aquelas ditas subjetivas, ainda regula as formas de
valoração das atividades humanas produtivas, permitindo a desvalorização, ou subserviência,
das investigações que compreendem o ser humano em sua radicalidade, justamente porque
estas não se curvam ao sistema maquínico armado como domínio e dominância.
Levantamos nossa voz para restaurar um sentido de “ciência” que diga respeito,
como ação, à aquisição de um conhecimento que nos liberte do jugo imperante da
bestialidade e da rudeza espiritual dominante. Com a palavra ciência está em jogo
nossa própria sorte como ente-espécie-humanidade. Queremos, assim, falar de uma
74
ciência que se exercita como construção humana de uma sociedade de iguais. Esta é
a maior ciência de todas, justamente porque se ocupa do único ente que necessita de
cuidado e atenção absoluta: o ser humano. (GALEFFI, 2012c, p. 02)
2. Princípios de uma nova forma de compreensão do Conhecimento
A constatação da inexistência de leis determinísticas levou à necessidade da compreensão dos
sistemas não lineares. Para Nussenzveig (2008, p. 16) um dos principais progressos obtidos
nos últimos anos, na compreensão destes sistemas “foi a percepção de que existe caos na
ordem e existe ordem no caos”. A perspectiva da complexidade afirma que pode existir
ordem no que aparentemente é desordem, pois o universo não é uma simples simetria somente
de ordem, monótona e rotinizada que possa ser explicado com leis generalizantes e imutáveis.
Segundo Morin (1999, 2000, 2001, 2003, 2008), a realidade é complexa, caos e ordem
misturam-se, unem-se formando uma nova ordem mais complexa. A realidade é cheia de
paradoxos e contradições da ordem e da desordem, da parte e do todo, do singular e do plural,
que constituem elementos fundamentais para a compreensão dos fenômenos pela ciência.
Como já dito anteriormente neste mesmo texto, a complexidade conduz a uma nova forma de
racionalidade, superando a racionalidade clássica do determinismo e de um futuro já definido.
Trata-se de uma nova racionalidade, de uma ciência na qual as leis da natureza não são
interpretadas como certeza, mas como possibilidade, que o pensamento do incerto é ao
mesmo tempo o pensamento da inovação, das probabilidades.
Burnham (1993, p. 3), assim trata o pensamento complexo: “não é possível observar e
descrever o complexo como um objeto simplificável em suas supostas particularidades,
componentes, linhas de força, articulações naturais, para torná-lo inteligível, através de um
trabalho mental de simplificação e depuração.” Buscando um outro estatuto de análise,
diferente da análise cartesiana, podemos compreender a Complexidade como “o que contém,
engloba (...), o que reúne diversos elementos distintos, até mesmo heterogêneos, envolvendo
uma polissemia notável” (ARDOINO apud BUMHAM, 1993, p. 3)
A Teoria da complexidade mostra que todos os fenômenos estão essencialmente
interdependentes e que o ser humano é apenas um fio de uma rede universal que, como
qualquer rede, é não linear. De acordo com esta teoria, a realidade é definida essencialmente
pelos relacionamentos e pelos processos, assim, as ações e ideias de cada um de nós afetam e
são afetadas por todos os demais.
75
Esta concepção de realidade implica a aceitação da heterogeneidade que constitui o complexo
e a compreensão de que refletir sobre esta exige ampliar o espectro de referenciais. Citando
Ardoino, Burnham (1993, p. 4) ressalta não ser possível a compreensão deste complexo,
partindo-se de um único referencial de análise ou paradigma específico.
A observação, a investigação, a escuta, o entendimento, a descrição dessa
complexidade, como bem dizem Ardoino (1989) e Barbier (1992a), dá-se por óticas
e sistemas de referência diferentes, aceitos como definitivamente irredutíveis uns aos
outros e escritos em linguagens distintas.
Morin (2003) desenvolve o que chama de sete princípios-guia para pensar a complexidade,
que são complementares e interdependentes. São eles:
O princípio sistêmico, ou organizacional - é a ideia sistêmica, em oposição à reducionista,
que compreende que o todo é mais do que a soma das partes, e igualmente menos que a soma
das partes, posto que suas qualidades são inibidas pela organização do conjunto.
O princípio “hologramático” - evidencia um aparente paradoxo dos sistemas complexos
quando afirma que a parte não somente está no todo, como o todo está inscrito na parte.
O princípio do ciclo retroativo - rompe com o princípio da causalidade linear ao compreender
que não só a causa age sobre o efeito, mas também o efeito age sobre a causa.
O princípio do ciclo recorrente traz a noção de autoprodução e auto-organização superando a
noção de regulação, ao compreender que “trata-se de um ciclo gerador no qual os produtos e
as consequências são, eles próprios, produtores e originadores daquilo que produzem”. (p. 73)
O princípio de autoecoorganização (autonomia/dependência) - como seres auto-
organizadores que se autoproduzem sem cessar, os seres vivos gastam energia para
salvaguardar sua autonomia.
O princípio dialógico (...) une dois princípios ou noções permitindo-nos aceitar racionalmente
a associação de noções contraditórias, mas que são indissociáveis em uma mesma realidade,
para compreender um mesmo fenômeno complexo.
O princípio da reintrodução do conhecido em todo o conhecimento – “(...) todo o
conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/inteligência em uma cultura e em
um tempo determinados.” (p. 75)
76
A visada Polilógica de Galeffi ressalta a insuficiência da razão monológica para a
investigação dos eventos implicados (acontecimentos fenomenológicos dos entes que
compreendem e agem sobre o mundo natural). Se pretendemos descrever acontecimentos
aprendentes, não nos cabe determinar a priori as categorias da nossa realidade verdadeira, a
tarefa, agora, é justamente de silenciar o acúmulo de representações do sentido, realizando-se,
assim, um retorno radical sobre nós mesmos.
Não compreendemos mais os fenômenos como dados, e sim como campos de forças
conflitantes e interativos, em relação aos quais não se pode nunca explicar, mas
simplesmente dizer o que nunca se deixa paralisar na fixação de uma só face, de um
só sentido, de uma única verdade. (GALEFFI, 2012c, p. 03)
Considerar o fenômeno humano a partir de uma visada polilógica, implica a negação de uma
centralidade onipotente e onipresente, que seria para este autor, obtusa e reducionista, pois
não faz sentido investigar fenômenos específicos fora de suas concretas condições e
circunstâncias.
Ardoino (2003, p. 35) afirma não ser “mais possível desconsiderar uma dimensão
hermenêutica dos fenômenos analisados”, posto que a questão do sentido está presente em
todo momento; os comportamentos humanos, as práticas sociais, pressupõem a criação deste,
decorrendo daí a função de interpretação, a despeito das tentativas positivistas para reduzi-la
ou até eliminá-la. Para este autor, a perspectiva da “compreensão” deve complementar o
procedimento explicativo, o que remaneja inevitavelmente as relações entre Ciência e
Filosofia.
Prosseguindo em sua reflexão, Ardoino (2003) ressente-se da ausência de formação filosófica
em alguns especialistas em Ciências Humanas, o que se traduz, a seu ver, em limitados e até
insignificantes relatos de experiência. Para ele, não causa mais dúvidas no contexto
contemporâneo, o caráter multidimensional das ciências do homem e da sociedade, entretanto,
encontra-se ainda sem progresso significativo as questões que dizem respeito à
homogeneidade ou heterogeneidade, bem como a uma hipotética transparência ou
legitimidade da opacidade.
Defendendo a perspectiva multidimensional e a legítima opacidade, encontramos ainda na
abordagem de Ardoino (2003, p. 37-38) a concepção da negatricidade (“negatricité”):
Se se admite que a pesquisa é, de alguma forma, uma estratégia de conhecimento, é
preciso ainda saber que um tal objeto é sempre capaz , consciente e
77
inconscientemente, de produzir contra-estratégias apropriadas. Essa capacidade
negatriz, porque é atributo do homem, não poderia nunca ser totalmente eliminada
da metodologia científica que não pode se limitar somente aos comportamentos
observáveis ou às análises estatísticas.
Multidimensionalidade, dimensão hermenêutica, opacidade, negatricidade, elementos de uma
interpretação multirreferencial do mundo, dos fenômenos sociais e da atuação humana, que
Ardoino (1998 e 2003) oferece à perspectiva epistemológica que construímos neste trabalho.
Assunção de que há sentidos, que não podem nem devem ser negados, que há opacidade em
alguns fenômenos, que vai além dos limites de nossos meios de investigação, sendo mais
definitivos, posto que “produzidos, secretados no jogo mesmo dos processos, por agentes, a
partir de agora reconhecidamente providos de autonomia e inteligência própria.” (ARDOINO,
2003, p. 35)
Galeffi (2009) defende a pluricentralidade da construção do sentido, por natureza, polilógico,
polifônico, polissêmico, não existindo fora de concretas condições e circunstâncias.
Considerando inadequada a nossa comum racionalidade na compreensão dos eventos
implicados, posto que nenhuma razão hegemônica pode-se sobrepor ao fluxo imprevisível dos
acontecimentos do sentido, defende que múltiplos são os modos de ser do sentido, por
natureza, tudo é singular e plural, e nada se pode reduzir a um princípio único quantificável.
Nesta medida, muitas são as verdades e muitos são os caminhos (métodos) para realizá-las.
Qualquer ideia, portanto, de exclusividade e superioridade é sinal de dominação ideológica
deliberada.
Ainda na busca pela compreensão desta nova forma de conceber o conhecimento, vejamos
agora algumas reflexões de Maturana (2002), diante da pergunta: “como conhecemos?”. O
autor inicia por afirmar que somos o que somos por sermos seres humanos e na categoria de
seres humanos, só há reflexão se estamos na linguagem.
Quer dizer, somos conhecedores ou observadores no observar, e ao ser o que somos,
o somos na linguagem. Ou seja, não podemos deixar de notar que os seres humanos
somos humanos na linguagem, e ao sê-lo, o somos fazendo reflexões sobre o que
nos acontece. (MATURANA, 2002, p. 40)
Para este autor, só é possível explicar os fenômenos do conhecer e da linguagem se os
compreendemos como fenômenos “que nos envolvem em nosso ser seres vivos porque, se
alteramos nossa biologia, alteram-se nosso conhecer e nossa linguagem.” (p. 40).
78
Desenvolvendo sua argumentação, ele afirma que há dois caminhos de reflexão sobre a
capacidade de conhecer, que são também dois caminhos de relações humanas: o caminho da
objetividade-sem-parênteses e o caminho da objetividade entre-parênteses.
Pelo caminho explicativo da objetividade-sem-parênteses, agimos como se o que dizemos
fosse válido em função de sua referência a algo que é independente de nós, que é objetivo,
que é a realidade e não porque seja eu quem o diz. Assim, aceitamos que existe uma realidade
transcendente que valida nosso conhecer e nosso explicar, e que a universalidade do
conhecimento se funda em tal objetividade.
Para este autor, considerar uma experiência como ilusão e erro é desvalorizá-la por estarmos
adotando como referência uma outra experiência, esta sim aceita como válida. Mas se
queremos entender o fenômeno do conhecimento, o sistema nervoso, a linguagem, o que
acontece na nossa convivência, precisamos considerar a nossa incapacidade enquanto seres
vivos, de fazer esta distinção.
O autor com isto não quer dizer que não existam objetos concretos ou que não seja possível
um domínio de referência que existe independente do observador, mas defender que ao
colocarmos a objetividade entre parênteses nos tornamos cientes de que não podemos nos
pretender a capacidade de fazer referência a uma realidade independente de nós.
Assim, quando o observador não se pergunta pela origem de suas habilidades
cognitivas e as aceita como propriedades constitutivas suas, ele atua como se aquilo
que ele distingue preexistisse à sua distinção, na suposição implícita de poder fazer
referência a essa existência para validar seu explicar. (MATURANA, 2002, p. 45)
Maturana (2002) nos convida então a colocar a objetividade-entre-parênteses no processo de
explicar os fenômenos, por uma consciência de que não podemos distinguir entre ilusão e
percepção. Ao nos darmos conta disto, percebemos também que, quando escutamos uma
explicação e a aceitamos, na verdade aceitamos uma reformulação da experiência que contém
elementos que satisfazem algum critério de coerência proposto por nós mesmos, de forma
explícita ou não.
[...] nós nos damos conta também de que depende de nós aceitarmos ou não uma
certa reformulação da experiência a ser explicada como explicação dela, segundo um
critério de aceitação que temos em nosso escutar e, portanto, que a validade das
explicações que aceitamos se configura em nossa aceitação e não
independentemente dela. (MATURANA, 2002, p. 47)
79
Se o explicar e a explicação estão implicados com aquele que aceita a explicação, é claro
deduzir que há muitos "explicares" diferentes, tantos quantos são os modos de escutar e
aceitar reformulações da experiência.
3. Diálogos e Releituras sobre as perspectivas fundantes desta nova compreensão do
Conhecimento
Os conceitos e reflexões até aqui apresentadas, obviamente não constituem as únicas nem as
últimas abordagens sobre a concepção de conhecimento, entretanto, demarcam um lastro
teórico que hoje fundamenta releituras e diálogos de outros tantos pesquisadores.
Macedo (2005) aponta Morin e Ardoino como “Verdadeiros iconoclastas dos imperialismos
teóricos, filosóficos e metodológicos, dos cânones excludentes da cientificidade.” (p. 18),
afirmando que esses autores representam uma outra atitude, uma outra cosmovisão que vem
desconstruir um pensamento colonizador etnocêntrico. Seminais na possibilidade de fazer
migrar os saberes, essas teoria mobilizam esforços em nome da constituição de uma ética
comunitária, da afirmação do inacabamento humano, da necessidade do cultivo de uma
humildade epistemológica e do afastamento de qualquer intolerância com a pluralidade.
Apontando o ponto fulcral das contribuições desses dois autores ao campo do currículo
Macedo (2005) afirma que:
[...] a crise do conhecimento, da ciência e da educação é uma crise antropolítica, é
uma crise ética, que implica numa significativa crise da política de sentido sobre o
conhecimento e do conhecimento como política [...] (p.19)
Focando sua abordagem na gestão dos saberes, este autor afirma a necessidade de “fundar
intelectual e eticamente a celebração da compreensão como princípio da sapiência, de
convivência e de educabilidade” (p. 113) de modo que esta política de compreensão se torne
um princípio ao tratar-se com a realidade e com os saberes. Ainda de acordo com Macedo
(2005) a adoção desta política vem ao encontro de uma luta histórica contra a hegemonia do
pensamento científico e filosófico que reivindica “para as ciências antropossociais uma
atitude fundada na necessidade de interpretar, compreender e explicitar dialogicamente.” (p.
113).
Explicitando a perspectiva de complexidade que pleiteia em seus estudos, Macedo (2005)
afirma que esta já fora elaborada em estudos que viram o relacional no real e na compreensão
de que “o ser-com-o-mundo, o ser-no-mundo e o ser-com-o-outro são unidades indestacáveis
80
da realidade dinâmica do mundo dos homens” (p. 114). Afirma a opção de nortear o seu
trabalho, ética e politicamente, por uma noção da gestão de saberes para o desenvolvimento
humano (que visa à qualidade da vida na e pela educação), compreendendo que esta
concepção desconstrói a inumanidade da gestão modernista.
Macedo (2005) considera que esta argumentação põe o foco na importância da dialogicidade e
da comunicabilidade como instrumentos de mediação de um desenvolvimento humano em
todos os níveis, na forma como pensam “a ética da complexidade de Edgar Morin, da ação
comunicativa de Habermans e do cosntrucionismo Vygotskiano.” (p. 115)
Compreendendo o processo de produção do conhecimento e o próprio conhecimento como
teckné, Lima Jr. (2005) reflete sobre o conceito de conhecimento. Apresenta a acepção
tradicional de conhecimento, como leis abstratas que explicam a realidade exterior ao mesmo
tempo em que reduzem e simplificam a realidade a tais estruturas abstratas, “concebidas de
modo fragmentado, quantitativo, sequencial e conceitual” (p. 29), em um modelo de
racionalidade que, embora constituído a partir da revolução científica do século XVI, é ainda
hegemônico no âmbito educacional. Para o referido autor, o rompimento com esta
racionalidade implica na identificação e reconhecimento da racionalidade e inteligibilidade
próprias de outras formas distintas de conhecimento, que convivem no mesmo contexto
histórico-social, cada uma com suas regras e convenções, cumprindo determinadas funções e
gerando possibilidades, apesar das suas limitações e impossibilidades.
Para Santos,
Estamos de novo regressados à necessidade de perguntar pelas relações entre a
ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós,
sujeitos individuais ou colectivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas
práticas e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso; e temos
finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no
enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo
contributo positivo ou negativo da ciência para a nossa felicidade. (2005, p. 2)
Uma nova concepção de conhecimento emerge na contemporaneidade, que o reconhece como
um processo histórico-social que não está fora do homem e nem da realidade, que é
entremeado de subjetividade posto que “emerge a partir de desejos, interesses, valores, modo
de percepção, linguagens, atribuição de significados, articulados no contexto vivencial e
interno do sujeito.” (LIMA Jr, 2005, p. 33).
81
Aprofundando a reflexão sobre o paradigma emergente do conhecimento, Lima Jr (2005, p.
38) enfatiza que este agora se instaura como um processo multirreferencial que se caracteriza
pelo diálogo entre as modalidades de conhecimento. Assim, a racionalidade agora significa “a
permanente tessitura de articulações, diálogos entre os tipos de conhecimentos (...).”
Nesta base epistemológica, a produção de conhecimento é um processo contextual e
complexo no qual o ser humano, em seu contexto espacial e temporal é desafiado pela
resolução de suas demandas, necessidades e interesses, em uma relação contínua consigo
mesmo e com os outros (semelhantes e diferentes). Neste processo, ao perceber-se nestas
múltiplas relações, o ser humano comunica a sua percepção em linguagens instituindo assim
saberes diversos e específicos, a partir de fontes subjetivas e objetivas, articulando-os no
contexto, de forma sempre aberta e dinâmica.
Para Galeffi (2012b), só se pode filosofar em língua e linguagem próprias, isto implica em
que precisamos aprender a pensar diretamente, sem necessidade de mediadores autorizados,
aprender a pensar pensando a partir das próprias circunstâncias, a partir de si mesmo. E ainda,
no ato de pensar não cabem compartimentações categoriais, porque o pensar não é um ato que
se pode qualificar de racional – “pensar é permanecer diante do vazio (...). Se pensa quando o
impensável nos captura em sua imensidão vazia.” (2012a, p. 02)
Nesta perspectiva, defende uma Atitude Crítica de Radicalidade, para ele, própria da ciência
fenomenológica, ciência em sentido propriamente filosófico, que pressupõe uma absoluta
liberdade de voo.
Ciência como atividade aprendente de conhecimentos, que dizem respeito ao nosso
comum pertencimento ao ente-espécie humanidade, segundo nossas concretas e
históricas condições existenciais (ambientais, corporais, materiais,
simbólicas). (2012a, p. 02)
As elaborações teóricas aqui apresentadas trazem o suporte para a constituição de uma
perspectiva crítica da concepção redutora e homogeneizante de ciência e conhecimento
científico, reconhecendo seu caráter etnocêntrico e excludente, sua falácia na pretensão de
compreender os fenômenos naturais e sociais por leis universais e generalizantes, sua
inadequação à compreensão de um mundo que se reconhece cada vez mais mutável,
relacional e imprevisível.
82
A perspectiva que aqui se apresenta é da superação de toda forma de reducionismo e
imposição de um saber único e definitivo, em prol da afirmação de um saber sempre
provisório e relacional, constituído a partir dos contextos e da subjetividade dos sujeitos que o
constroem. Um saber que se compreende desde o seu nascedouro como incompleto, tentativa,
possibilidade de compreensão de fenômenos complexos e incertos, constituintes de uma
realidade sempre inacabada e caótica, cheia de paradoxos e contradições da ordem e da
desordem, da parte e do todo, do singular e do plural.
Compreendendo a realidade como definida essencialmente pelos relacionamentos e pelos
processos, é óbvio reconhecer que as ações e ideias de cada um afetam e são afetadas por
todos os demais, em um processo histórico-social entremeado de subjetividade e que não está
fora do homem e nem da realidade.
Esta perspectiva reconhece a necessidade da constituição de uma ética comunitária, que
reafirme o inacabamento humano, a necessidade de uma humildade epistemológica e o
reconhecimento da pluralidade de saberes e formas de convivência e interpretação do mundo,
reconhecendo a existência de diferentes e diversos conhecimentos, que convivem por vezes
em um mesmo contexto espaço-temporal, em uma relação sempre dialética, complexa,
afetando e sendo afetados mutuamente.
4. Difusão Social de Conhecimento e Modelagem Cognitiva: o lugar fundamental do
dinamismo do sujeito epistêmico e subjetivo12
O caráter social da difusão do conhecimento implica, de um lado, a relativização dos
dispositivos materiais do processo de geração e socialização, no sentido de que as
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) não garantem automaticamente a qualidade
social da geração e difusão do conhecimento. De outro lado, este caráter depende
necessariamente da ação cognitiva, autônoma e criativa dos sujeitos sobre tais condições
materiais e instrumentais, finalizando-as e funcionalizando-as. Assim, podemos compreender
que a difusão social acontece como efeito de processos cognitivos de sujeitos comprometidos
e envolvidos com as dinâmicas epistemológicas, produtivas – hoje baseadas no conhecimento
como infraestrutura produtiva. Em especial, queremos destacar, como provocação, visando
maiores e posteriores aprofundamentos, que a ação cognitiva não se dá sem uma relação
12
Esta seção foi construída em forma de artigo em coautoria minha com o prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Jr e
publicada no livro LIMA Jr., Arnaud Soares de. Educação e Contemporaneidade: contextos e singularidades.
Salvador: EDUFBA, 2012.
83
fundamental com a subjetividade dos sujeitos. Neste sentido, iremos pontuar aspectos
relacionados com a subjetividade a cada aspecto da modelagem cognitiva do processo de
Difusão Social do Conhecimento (DSC), ao tempo em que, a partir deste Campo (o da
subjetividade), poderemos indicar como vários aspectos desse processo são subvertidos, em
termos de relatividade, contexto e singularidade, criatividade (estética e ética), indicar
também a irredutibilidade da DSC a um mero modelo conceitual, lógico e técnico, bem como
à mera instância tecnológica, uma vez que ligada à condição ontológica do sujeito e ao real de
sua subjetividade (expressividade do eu singular como modo de ser), subjetivando tais
processos e elementos (materiais e simbólicos). Em razão disso, compreendemos que a DSC é
dinamizada tanto por questões econômicas e sociais, políticas e culturais, quanto por
ações/atos de ordem subjetiva, numa microdinâmica autopoiética incessante, infinita;
portanto, aberta, caótica e inacabada; exprimível, mas não esgotável, em qualquer um de seus
aspectos e características fundamentais.
4.1 MODELAGEM COGNITIVA: ALÉM DO TECNICISMO E AS CONSTRUÇÕES DO
SUJEITO EPISTÊMICO E SUBJETIVO
O Campo da Difusão do Conhecimento, em sua abordagem tecnicista, concentra sua
problemática em aspectos instrumentais, técnicos, pragmáticos e até mesmo didático-
pedagógico; em busca de um programa autossuficiente, independente de contextualização,
baseados em uma lógica operacional e conceitual qualquer, tornando-se recorrentes, por
exemplo, questões deste tipo: qual o desenho metodológico que efetivamente provoca a
construção colaborativa em Educação a Distância (EAD)? Até que ponto a mediação
tecnológica representa inovação nas práticas formativas? O que efetivamente constitui
construção colaborativa e como provocá-la e mediá-la? Qual o sentido da organização de
equipes docentes em que um dos papeis – a figura do tutor – aparece em função subordinada?
A estrutura da pergunta revela a estrutura ou padrão em que se pretende fundar a resposta.
Neste caso, EAD, mediação tecnológica, inovação, entre outros, tornam-se objetos passíveis
de redução a um construto lógico-conceitual independente de contextos, de ações ativas e
autônomas de sujeitos e coletivos que estão na base da geração e da atualização desses
processos, a partir de interesses determinados, de necessidades reais, de desejos, de razões de
ser relativas à realidade de cada pessoa inserida nestes dinamismos. Ou seja, não se trata
apenas de constatar e de levar em conta seu caráter social, político, econômico, cultural, mas
também subjetivo. Assim, nesta compreensão, podemos dizer que não há um desenho único,
84
suficiente em termos absolutos para responder a tais questões. Nem existe uma verdade
absoluta perdida em algum lugar, para ser encontrada ao modo de uma identidade única,
universal, toda coerente e completa, a ser codificada por uma inteligentia pragmático-
metodológica - que não é destituída de uma condição ideológica (HABERMAS, 2007), a ser
apenas reproduzida por todos, os menos versados, consumidores de simulacros da realidade;
apassivados cada vez mais por um processo ou lógica ideológica mais sutil, refinado, que
oblitera a autonomia e a condição mesma do ser-sujeito.
Inscrevem-se aqui a relatividade e aquilo que chamamos de “a ascensão do sujeito”. Tanto o
aspecto metodológico, quanto o instrumental tecnológico, quanto às estruturas lógicas e
organizacionais, são todas instâncias operadas pelo sujeito, com um modo próprio/singular de
ser e de pensar, de estar e ser aí, nisso (nessas estruturas). Na medida em que elas não
garantem tudo, que são incompletas, ideológicas, contraditórias, cheias de buracos, o sujeito –
só assim pode aparecer, manifestar-se, expressar-se e ser aí, com autonomia, inscrevendo aí
seu nome próprio, seu ser, ao tempo em que dinamizando estes processos, tornando-os algo
singular ao nível de sua microdinâmica estético-expressiva – se quisermos adotar um dos
aspectos da razão tratada por Habermas (1987).
Não obstante, também se tornou lugar-comum certo romantismo em torno da noção de
solidariedade; de certo eufemismo em relação à coisa social e à intersubjetividade que, a
nosso ver, exorciza a função primordial da subjetividade nestes dinamismos humanos, sociais,
todos resultantes de um profundo e largo jogo de poder, muitas vezes reproduzido ao nível de
idealizações românticas do pensar e da racionalidade como na recorrência frequente à
reflexão freiriana (1985) sobre uma pretensa função recíproca de convivialidade, na qual o
“nós” expressa uma completude tão absoluta. O que, a uma só vez, elimina a luta e a
possibilidade de um “eu” pessoal e singular se expressar e comunicar-se por um ato de poder,
de conquista, de ascensão a uma condição subjetiva que se autoriza e que entra no jogo social
como ato de expressão (poder ser), como objetivação de si mesmo. Ato do ser que é
negociado, lutado.
Segundo Freire (1985): “O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a
coparticipação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um ‘penso’, mas um
‘pensamos’. É o ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário” – (grifos nossos) - (p.
66).
85
Inverte-se, com isso, simplesmente, o polo da linearidade causa-efeito, deslocando-se a
verticalização do “eu” para o “nós”, agora, do “nós” para o “eu”. Entretanto, não é possível
pensar estes diferentes aspectos/momentos do pensar humano numa relação causal linear,
estabelecendo quem vem primeiro, quem é efeito ou causa. Os dois aspectos são
fundamentais, porque o “pensamos” também é pensado em algum momento singular e
autonomamente, a exemplo do falar e do viver. Para entrar na fala é necessário conviver com
falantes, mas cada um fala de modo único, singular. Cada pessoa vive convivendo, vive com
outros viventes, assim, entra-se no viver por um saber viver, mas de modo singular, que não é
igual aos demais e diferentes viventes. Há uma “soledade” existencial nisso, dizem os
místicos, porque se tem que dar conta do viver por si mesmo! Isto se articula como um saber
viver, saber ser/estar na existência, sem pensar consciente e racionalmente – apoiado numa
verdade lógica e metodológica, ou num conhecimento sobre isto. Pois, trata-se de um ato real
do “ser-sujeito-existente” ou “vivente”! Noutro momento, este ato formaliza-se ou estrutura-
se noutros níveis e instâncias simbólicas e imaginárias.
É, pois, fundamental compreender e admitir a incompletude do pensar e do pensamento
humano, pois só assim podemos enxergar a irredutibilidade e inesgotabilidade desses
processos simbólicos, que se reinscrevem como necessidades incessantes, expressando-se
como resultados transitórios, como intensidades acontecimentais, dentro de contextos sociais,
históricos e culturais, nos quais as subjetividades e singularidades humanas deixam suas
marcas originais, autênticas e autorais, ao modo de registros, construções discursivas,
memórias, arqueologias e ideografias dinâmicas (LÉVY, 1998), cujo mal estaria em
pretender-se definitivo, completo, fixado numa realidade independente, localizada numa
origem alcançável e retornável por uma pragmática racional, com suas pretensas remissões e
indexações exatas, programáveis e controladoras da economia de sentido, dentro de uma
cadeia lógica de significados. Um pensar cartesiano, não resta dúvidas.
Assim, decorre, entre outros, que investigar a Difusão Social do Conhecimento no contexto
contemporâneo implica em problematizar/situar de qual concepção de conhecimento parte a
investigação, e reconhecer o lugar do sujeito na Difusão; sua cognição, individualidade,
historicidade, seu contexto sociocultural, suas implicações relacionais e, sobretudo, o lugar da
subjetividade neste processo. Por outro lado, as Tecnologias da Informação e Comunicação
contemporâneas, já completamente imbricadas com os processos cotidianos de vivência e
construção individual e coletivos, constituem-se elemento indissociável a qualquer análise e
86
compreensão que se pretenda construir sobre a Difusão do Conhecimento e seus processos, já
que elas partem, exatamente, dos potenciais sociais e individuais que envolvem os sujeitos
desta/nesta Difusão, caso as TIC sejam compreendida fora da ideologia determinista e
tecnicista do industrialismo e da Modernidade (LIMA JR, 2010; 2006; 2005).
Assim, a difusão não implica apenas aparatos instrumentais, lógicos, técnicos, pragmáticos,
mas, especialmente, as ações intencionais e subjetivas que atuam e interferem nestes
aspectos/estruturas a partir de sentidos que os sujeitos lhes atribuem, fundando-os – são
“lugares” do sujeito, onde se expressam e exercem funções de sujeito, resignificando a
difusão e seus instrumentos e pragmáticas, bem como reinventando-os, dinamizando-os,
atualizando-os.
Então, a relação entre a Difusão do Conhecimento e a Modelagem Cognitiva implica menos a
busca por modelos e estruturas conceituais e operacionais já prontos, e mais a compreensão e
construção dos processos cognitivos gerados a partir de sujeitos específicos, dentro de
condições contextuais singulares, permeadas de interesses, necessidades, desejos e, assim,
marcadas também pela subjetividade. Este processo, portanto, é dinâmico, relativo, não
assentado numa identidade formal e universal do que deve ser a difusão, mas na sua geração e
constante construção, desconstrução e reconstrução – sua permanente reinvenção, contando,
entre outros fatores, com o papel e a função específica da ação cognitiva dos sujeitos neste
processo. Além disso, esta é a condição indispensável para uma abordagem social da difusão
do conhecimento (LIMA Jr e PEDROZA, 2010).
Outrossim, isto implica em pensar a modelagem cognitiva como processo criativo ao invés da
proposição vertical de modelos de organização do pensamento, baseados apenas em rigor
formal, lógico-abstrato, a ser assimilado e reproduzido como verdade absoluta e fixada, sem
historicidade, sem intencionalidade e sem subjetivação. Trata-se, portanto, de compreender
como os sujeitos agem cognitivamente dentro de determinados contextos, dos quais é parte
integrante e integrada, criando suas performances, estratégias, relações, elaborações de
sentido e, por meio deste processo simbólico e discursivo, constituem determinada realidade
ou aspecto da realidade, momento onde se dá a criação de si e do mundo, da mundanidade
enquanto resultado do duplo pertencimento material e simbólico da condição humana na
realidade, no cosmus (ARENDT, 2001).
87
Logo, difusão social do conhecimento e modelagem cognitiva são expressões de fluxos
dinâmicos, contextuais e ao mesmo tempo singulares. Enfatizamos aqui a difusão,
consequentemente, como processo e não só como produto, como criação e poiésis; uma vez
que o produto reinscreve-se sempre em diferentes contextos relacionais que o dinamizam e
modificam-no uma vez mais e continuamente. Daí a necessidade de admitir já nesta
compreensão seu caráter de incompletude, de relatividade, de abertura e inacabamento. Só
nestes termos, também, podemos pensar uma função fundamental tanto para a coletividade
quanto para o sujeito autônomo, sob pena de criarmos o paradoxo de considerarmos
teoricamente o status do sujeito e, na prática, relegá-lo a uma condição objetal desses
processos mais amplos, propostos a partir de políticas de sentido que correspondem aos
variados posicionamentos ideológicos, como já advertira Habermas quanto à invenção da
Ciência e da Tecnologia (2007).
Nos recentes trabalhos desenvolvidos nesta área, torna-se relevante e inovador, portanto,
analisar implicações da singularidade dos processos cognitivos do sujeito para a Difusão
Social do Conhecimento, sobretudo em contextos contemporâneas voltados para as interações
e construções em ambientes com mediação telemática, a fim de desvelar e compreender as
especificidades dos processos cognitivos desenvolvidos nesses ambientes. A partir daí,
compreender que é possível criar formas de mapeamento, de organização e de inventário ou
histórico dessas formas específicas de construção, de acompanhamento e de engajamento
político desses processos, sem, com isso, postular programas universais, verdades absolutas,
políticas de assimilação e reprodução, dado que admitimos desde o início o caráter dinâmico e
relativo destes processos, sua historicidade, a relação entre sua singularidade e
contextualização. Daí ser possível deixar uma fenda necessária para geração de pragmáticas,
funcionalidades, soluções, racionalidades; as mais diversas, negociadas, relativizadas e
construídas. Só nestes termos podemos viabilizar a democratização no Campo da Difusão do
Conhecimento e o papel específico do processo de modelagem cognitiva neste dinamismo
complexo.
Ressaltamos, ainda, que há pouca reflexão sobre a questão da subjetividade nesse processo, o
que por si só justificaria e renderia um artigo específico, sobretudo porque neste campo tudo
muda: a noção de sujeito, de metodologia; a função da linguagem e a forma de localização do
sujeito no simbólico; a relação saber, conhecimento e verdade; a abordagem do objeto; a
necessidade e possibilidade de se romper com a crença no esgotamento da realidade pela
88
linguagem, bem como com a pretensão da redução do sentido e da infinitude do simbólico
(simbolismo) pela lógica e pelo formalismo conceitual, como fora denunciado, de certa
maneira, por Lacan (1992), Wittgenstein (1994) e Derrida (2004), entre outros.
Em se tratando da subjetividade, teríamos o avesso das proposições abordadas por um viés
estritamente científico e filosófico. O aceno feito é fundamental, mas extrapola o alinhamento
aqui apresentado, que faz um corte para o manejo de abordagens cognitivistas e
epistemológicas. Seria mais pertinente retomar depois esta questão específica da subjetividade
e deixar como provocação e linha de fuga para novas elaborações e para o enriquecimento das
reflexões nessa área, com base nas indicações feitas anteriormente.
4.2. ANÁLISE COGNITIVA E A VALIDAÇÃO DE MODELOS - PRETENSÃO E
CONTRASSENSO
Um caminho possível, e atualmente utilizado no âmbito da pesquisa em difusão do
conhecimento, refere-se ao levantamento de registros em ambientes virtuais diversos, aos
processos de interação e mediação que permeiam o desenvolvimento das atividades; às
formas de produção do conhecimento e os processos cognitivos que ocorrem nestes espaços,
mediados pelas TIC. Numa vertente da Etnometodologia, trabalha-se com a dinâmica da
escuta, além da tradicional análise documental e análise do discurso que, geralmente, são
respaldadas numa teorização a priori; ou, avançando mais um pouco nos contextos
comunicativos e informacionais, são tratados e processados documentos virtuais que
registram este processo, a fim, pretensamente, de poder-se traduzir a ação cognitiva dos
sujeitos, fornecendo indicativos dos caminhos percorridos e das implicações da singularidade
de cada sujeito (historicidade, afetividade, imersão cultural, opções políticas, etc.) nesta ação.
Considerando que, normalmente, em ambientes com mediação telemática há uma vasta gama
de expressão textual, este tipo de investigação dispõe de um amplo leque de indicadores dos
processos, desafios, caminhos e redefinições dialéticas, vivenciados entre e para além do
planejado, de modo que se torna necessário analisar tanto os documentos formais de
comunicação e avaliação quanto os chamados etnotextos excluídos, aqueles que atestam a
construção cotidiana, registrando o vivenciado nos diversos caminhos e recursos de interação,
pelos mais diferentes olhares: participação em fóruns de discussão; bate-papo em chats;
partilhas e socializações de notícias; diários de bordo; enfim, textos produzidos pelos atores
89
nas mais variadas linguagens e outros que se revelem “tradutores” da ação/operação desses
sujeitos – (MACEDO, 2006, p. 22-23).
Entretanto, convém chamar atenção para um possível paradoxo em tais pretensões
investigativas, uma vez que a abordagem da “escuta” implica em certo rompimento com a
abordagem de “análise”, e com a busca por um mecanismo tradutor, como se tal construto em
si mesmo fosse capaz, sozinho, sem a construção singular dos sujeitos, ligados aos contextos
e às realidades subjetivas, de expressar substitutivamente o sentido construído pela razão de
ser dos próprios sujeitos envolvidos nos processos. Esta razão de ser, por sua vez, deriva
valores e aspectos político, econômico, cultural, social, etc..
Na escuta não cabe uma interpretação a partir de uma teorização de base, mas dar expressão a
voz/sentido do sujeito na instituição do processo/fenômeno, como algo fundamental, não
marginal; como algo irredutível ao lugar teórico de análise, mas que, inversamente, ao
dialogar com este lugar, cria novas condições de reinvenção do processo que está em jogo.
Portanto, trata-se de compreender seu caráter dinâmico, como estrutura flexível, móvel,
aberta. Pois, do contrário, a condição do sujeito estaria obliterada, destinada à permanente
assimilação e reprodução.
Como estes processos também correspondem à dinâmica do poder, aos jogos de interesse e à
correlação de forças sociais, criar tais alternativas significa contribuir para o desmonte do
capitalismo, que procura fazer dos potenciais de difusão do conhecimento e dos potenciais
intelectuais e criativos das pessoas um encaixe automático às novas demandas do capital e do
mercado internacional, agenciados por uma política e mecanismos neoliberais.
No máximo, neste caso, em se tratando de escuta, dá para inventariar indicativos cujos
sentidos residem em última instância na razão de ser dos sujeitos, só podendo ser
dita/falada/expressada por eles mesmos, como condição indispensável ao seu real
posicionamento ético-político, pois a autoria de si mesmo como ser é fundamento das autorias
expressadas em contextos e dinâmicas culturais, sociais, econômicos, etc..
Então, torna-se fundamental perguntar do que trata a construção de um modelo de análise
cognitiva específico para ambientes com mediação telemática; de uma estrutura operacional,
suportada por alguma base material; do processo de construção que varia de pessoa a pessoa
90
e, com isso, este processo não cessa de não se inscrever, por reinscrever-se sempre como
relatividade, criatividade, dinâmica, construção/desconstrução/reconstrução.
Assim, todo processo de acompanhamento, avaliação e potencialidades dos processos
cognitivos serão válidos dentro de determinadas condições contextuais, relativos às relações
dos sujeitos com seus contextos existenciais; são transitórios e, desta forma, irredutíveis à
uniformidade, à padronização, à representação lógica e conceitual, a uma forma única
experimentada num determinado contexto e assumida como programa ideal de modelagem
para a aprendizagem de sujeitos e, a partir dela, para o processo social da difusão do
conhecimento.
A análise cognitiva é concebida como
[...] duplo campo cognitivo/epistemológico, enfoca o estudo do conhecimento a
partir dos seus processos de construção, transdução e difusão, visando o
entendimento de linguagens, estruturas e processos específicos de diferentes
disciplinas, com o objetivo de tornar essas especificidades em bases para a
construção de lastros de compreensão inter/transdisciplinar e multirreferencial.
(FROES BURNHAM et al, 2010)
Nesta perspectiva entendemos que a validação de uma modelagem refere-se a um processo
que, necessariamente, comporta lacunas, incompletudes em certo “modelo” construído num
dado momento, o que oportuniza seu permanente aperfeiçoamento e, mais do que isso, sua
reconstrução e singularização em cada contexto, fazendo do processo específico de
construção de modelo, um processo dinâmico, abeto e discursivo, voltado, portanto, para a
ação do sujeito sobre aquilo que está disponibilizado e instituído socialmente. Onde se dá a
incompletude permanente do conhecimento, dá-se também a incompletude dos processos que
o geram e das dinâmicas cognitivas internas aos sujeitos que os constroem variando,
inclusive, de acordo com a apropriação de cada sujeito epistêmico/cognitivo.
Em face deste caráter do conhecimento e também dos processos cognitivos, aqui tratados
como “modelagens cognitivas”, vemos a necessidade de um cuidado necessário à construção
de modelos, para que uma determinada construção não seja considerada como “verdade”
válida, em geral, para os processos cognitivos em AV. Ou seja, compreender a modelagem do
conhecimento e constituir tal processo, não implica em legislar e criar uma lei de como deve
ser a modelagem em todos os contextos, como os relacionados aos AV. Isto negaria
exatamente a condição sobre a qual repousa o processo de modelagem, que incide sobre a
dupla autonomia do sujeito, cognitiva e subjetiva. Este por sua vez reúne uma condição social
91
que, ao mesmo tempo, deriva de uma condição ontológica, de um saber ser/estar nisso. Na
abordagem teórica deste Campo, isto precisar e pode ser assumido de saída, para criar outro
nível compreensível da coerência cognitiva, bem como da própria modelagem.
A incompletude do conhecimento implica a incompletude do método, da modelagem, do
instrumento, etc. É importante considerar que, nesta abordagem, a Epistemologia implica uma
estética (criação a partir da expressividade do ser-sujeito). Nesta fronteira, a ênfase desloca-se
da preocupação com o aprimoramento do modelo para aquilo que o sujeito fará dele,
resignificando-o, atribuindo-lhe função e valor; recriando-o, reinventando-o, adquirindo
autonomia no que se refere à modelagem, à metodização e correspondentes; pois, é
impossível calcular e formalizar antecipadamente as infinitas possibilidades de expressão que
o modelo possa vir a assumir. Do mesmo jeito que em matemática se diz que os números
finitos possuem o infinito, o modelo varia de contexto a contexto, de coletivo a coletivo, de
sujeito a sujeito. Além do que, interfere no processo o ato do eu real do sujeito, que é sua
condição ontológica e discursiva e não conceitual. O que age aí não é o conceito de sujeito,
mas um sujeito real, um eu, que ocupa e que exerce esse lugar como expressividade real.
Sobre as possibilidades de a modelagem permitir identificar, avaliar, acompanhar e
potencializar os processos cognitivos em ambientes com mediação telemática,
compreendemos que estes ambientes já foram modelados e programados, intencionados, mas
os usos sociais e individuais que são feitos a partir deles como dispositivos (modelagem,
programação) variam infinitamente, o que tem a ver com a autonomia do “sujeito aí”. Diante
disto, perguntamos: qual a finalidade de se analisar as performances cognitivas nestes
contextos, já que não são controláveis, variam e são singulares?
Essa inquietação, haja vista que já admitimos as lacunas, inconsistências, incompletudes da
difusão e da modelagem cognitiva, torna-se mais aguda à medida que também podemos supor
que um ato cognitivo de um sujeito dentro de um processo, sistema, modelo - estrutura
qualquer, não decorre de uma pura necessidade cognitiva, embora a implicação cognitiva seja
inevitável. Assim, parece-nos necessário pensar e admitir desde o início aquilo que o modelo
não pode fazer (seus limites), para que na sua lacuna, na sua incompletude, na sua
inconsistência, o sujeito cognitivo possa advir e ascender; posto que, se o modelo/modelagem
fosse pleno não restaria ao sujeito a não ser obliterar-se, reproduzir, isto equivalendo a negar-
se enquanto ser de ação, de não passividade.
92
É necessário que o ser-sujeito se expresse aí, para, então, saber como isso fica configurado,
transfigurado, transformado. Como exposto, é necessário na modelagem - que tem relação
com a incompletude do método, não querer dizer tudo, prever e calcular tudo, pois isto é
impossível e impotente. Sua dinamização e contínua recriação dependem, entre outros, da
ação cognitiva do sujeito sobre a proposição formal e institucional da estrutura lógico–
operacional informatizada da difusão do conhecimento; sobre o agenciamento sociotécnico
instituído, do qual o sujeito participa como parte integrante e integrada, como agente
instituinte.
4.3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, cabem algumas indicações necessárias sobre a relação entre difusão social do
conhecimento e modelagem cognitiva.
Primeiro, vimos que se trata de um processo que implica um duplo dinamismo, que se
reforçam reciprocamente. De um lado, a ação cognitiva de sujeitos efetiva a difusão do
conhecimento e imprime-lhe um caráter social, pois é na condição cognitiva que se processa a
apropriação do conhecimento, a produção de sentido, a contextualização das informações e
sua aplicabilidade, tornando-a e resignificando-a como conhecimento aplicado. De forma que,
podemos dizer que não há difusão de conhecimento, muito menos difusão social do
conhecimento, sem essa condição cognitiva exercida sobre uma base estrutural simbólica
qualquer, disponibilizada a partir de estruturas e suportes comunicativos e informacionais; até
mesmo em face do que significam tanto a natureza comunicativa quanto informacional dos
processos humanos, os quais implicam troca, diálogo, construção, criação e participação real,
autonomia simbólica e discursiva, entre outros. Portanto, dizemos que só há difusão no e a
partir do sujeito.
O conhecimento não se difunde por si mesmo, mas como efeito da ação cognitiva de sujeitos.
Na base, temos que a difusão do conhecimento, agora tecnologizada, objetiva ainda mais o
caráter difusor da própria condição humana, que se inaugura e inscreve-se no processo de
expressão de si mesmo na realidade, objetivação de si mesmo na realidade que funda o mundo
- a mundanidade, no dizer de Arendt (2001).
Parte desse processo é relativo à tomada de consciência de si e de suas ações específicas de
elaboração simbólica da realidade, por sua vez, parte deste processo tem relação específica
com o modo de elaboração cognitiva na fronteira do modo científico de produção de
93
conhecimento, de organização e de intervenção na realidade ou nos objetos da realidade.
Entretanto, este processo mais amplo e também o mais específico da ciência tem relação
direta com a inscrição do sujeito na linguagem e na estrutura simbólica mais geral e
constitutiva do humano. Nesta fronteira, portanto, compreendemos que o conhecimento, a
difusão, a modelagem são relativos à singularização e à contextualização, são realidades
dinâmicas e ao mesmo tempo relativas.
A condição simbólica e linguística que marca estruturalmente o fenômeno do pensamento e
do conhecimento humano implica, necessariamente, dois elementos fundamentais e primários:
a subjetividade e o saber. Normalmente, as reflexões sociológicas críticas demarcam em suas
fronteiras reflexivas e explicativas as dimensões do jogo social, do poder aí articulado, dos
interesses de classe dentro de um modo de produção material que organiza em termos gerais a
sociedade e, neste sentido, as intencionalidades e sua localização na dinâmica política.
Ulteriormente, vem sendo acentuado o papel da cultura na contextualização desses processos.
Contudo, em cada um e em todos estes aspectos/processos está presente a subjetividade que,
numa escrita freudiana, tem a ver com a expressão do eu, expressão real, de cada sujeito
nessas vivências e práticas sociais.
Há, portanto, este grau de dinamismo na instituição e atualização desses processos que, deste
modo, assumem uma natureza de lugar, de instância simbólica que o ser humano ocupa de um
modo geral e ao mesmo tempo particular, enquanto lhe atribui sentido, valor e atualização,
com intensidade e expressividade.
Este dinamismo independe da aquisição de conhecimentos formais sobre tais objetos ou
processos, mas está relacionado constitutivamente a um saber ser, um saber se expressar
nestes primados, mas de modo inconsciente. A atualização e expressão singulares desses
lugares dependem de um saber, que em parte é inconsciente e em parte consciente. Nem tudo
o que fazemos e somos, com autonomia, sabemos explicar o porquê, ou retornar à origem da
causa primeira, primordial, pois se trata de um fenômeno de mostração, porque não todo
passível de demonstração.
Ter um domínio que permite articular um determinado processo, atualizá-lo, desdobrando sua
realidade, decorre de um ato próprio, singular; de uma autonomia, que é um posicionar-se
fazendo seu nome no processo, sobre as bases estruturais ou os suportes, quer materiais, quer
simbólicos, que lhes confere objetividade ou objetivação. Mas, no nível da expressão
94
específica ou singular do sujeito no processo, toda objetivação implica também um ato de
subjetivação. Só num segundo tempo/momento, derivadamente, toma-se consciência do ato
que atualiza, subjetivando, todo processo, quando então, aciona-se outra ordem de ação e de
autonomia, o primado cognitivo, entrando em cena o papel fundamental da consciência, dos
conhecimentos, dos níveis e graus de formalização e de representação abstrata, lógico-
conceitual.
Assim, de outro lado, ao se expressar, como condição ontológica e como condição histórica,
acontecimento, que é geral do/no humano, e que é específica em cada pessoa humana, a ação
cognitiva reinaugura e reinscreve estruturas e suportes operacionais e materiais para sua
comunicabilidade e trocas simbólicas. Portanto, de certa forma, podemos dizer que criam
processos e modos difusores, comportando a criação de suportes materiais e imateriais de
difusão; criam um maquinário difusor e um maquinário instrumental de difusão, no sentido de
máquina derridiano (2004), de maquinação, invenção, inventividade humana. Neste processo,
podemos compreender também que a criação e utilização de suportes de difusão geram
potenciais de desempenhos cognitivos, implicando e convocando a condição cognitiva,
porque deriva dela e retorna a ela, sempre.
Neste duplo aspecto, surgem formas de atualização de respostas cognitivas que geram
conhecimentos específicos tanto sobre a modelagem, quanto sobre a difusão, bem como sobre
suas relações e combinações; geram atualização tanto da modelagem quanto da difusão, em
um processo histórico contínuo, como reinscrição e reinvenção da condição humana que é
cognitiva e difusora, no marco de sua expressividade ontológica e de sua objetivação e de sua
subjetivação, que instituem a mundanidade. Deste primado, derivam-se outros aspectos como
o social, político, econômico, etc. Melhor dizendo, estes outros aspectos não se dão sem esta
condição fundamental, que é inerente ao humano e seus modos de expressão na realidade.
No limite do que nos propusemos aqui, concluímos compreendendo algo bem específico e, de
certa forma original, em relação à literatura vigente sobre a relação Difusão Social do
Conhecimento e Modelagem Cognitiva, que é a tese provocativa de que “a ação cognitiva é
condição da difusão do conhecimento”. Nestes termos, podemos compreender também ainda
mais, “a ação cognitiva de sujeitos, bem como o processo onde esta dinâmica se institui,
cumprem um caráter instrumental específico da difusão do conhecimento”. Esta ordem de
instrumentalidade articulada com a instrumentalidade estrita dos suportes matérias da difusão
95
confere-lhe sentido, dinâmica, relatividade e atualidade. A partir daí, saltam à compreensão,
em consequência, seu caráter político, econômico, cultural, ético, estético, etc.
Nesta ordem, não há como propor modelos nem de difusão e nem de modelagem cognitiva,
no sentido tradicional, da teoria computacional e empresarial administrativa, como um
receituário ou como um conhecimento verdadeiro em razão de um rigor interno ao sistema
lógico e conceitual que o construiu, mas construir e compreender os processos difusores e
modeladores, comunicativos e cognitivos, a partir dos contextos, das ações singulares dos
sujeitos nos contextos, em estados materiais e simbólicos iniciais e específicos, cuja verdade e
validade serão sempre relativos, transitórios e incompletos. Trata-se de gerar condições e
indicadores para que, sempre que necessário, os sujeitos exerçam sua autonomia na recriação
e atualização destes processos, tornando-se assim capazes também de autoria da escrita da
coisa difusora do conhecimento, bem como do estatuto da condição cognitiva que é inerente
ao ser sujeito. Nestes termos, e só nele, poderemos pensar e expressar um caráter social da
difusão do conhecimento.
96
CAPÍTULO III
AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL/POTENCIAL, MEDIAÇÃO TELEMÁTICA E
DIFUSÃO SOCIAL DO CONHECIMENTO
Apresentação
Este capítulo tem como objetivo definir a perspectiva filosófica, epistemológica e política de
compreensão das Tecnologias, em especial as Tecnologias da Informação e Comunicação
potencializadas com a conexão à internet, problematizando a condição de imbricamento e
inter-relação do homem com as TIC. Aborda especificamente as Tecnologias da
Comunicação e Informação em sua implicação dialética com a contemporaneidade –
buscando situá-las em sua relação de imbricamento com o sujeito cognoscente, percebendo as
especificidades, potencialidades e desafios que este imbricamento traz para a Cognição.
Busca resignificar os conceitos de Ambientes Virtuais e Virtualidade, apresentando
elaborações teóricas que sustentam a utilização do conceito de Ambiente Virtual/atual, que
supera a aparente oposição entre o “real” e o “virtual”, como forma de desfazer a imprecisão
conceitual que insiste em opor os dois termos como contrários. Para tanto, reflete
filosoficamente sobre o “virtual” como uma “presença” pela experiência temporal
neuropsíquica, o que implica em investigar a natureza neuropsíquica do Tempo e distinguir a
temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades transcendentes ao
humano.
Trabalha filosófica e epistemologicamente com as TIC em uma compreensão crítica,
concebendo-as como produto cultural, humano - prenhe assim de toda a dialética que compõe
as construções humanas. Buscando superar a visão ingênua que as percebe como
determinantes (necessariamente) de desenvolvimento e evolução e a visão catastrófica que a
teme, como uma arma que potencializa (necessariamente) os males da humanidade, defende
que as duas possibilidades se apresentam, mas não como determinantes e sim como
potencialidades a serem escolhidas pela ação consciente e autônoma do homem.
1. Tecnologias e Digital: A Relação Homem-Máquina na Contemporaneidade
O ambiente comunicacional contemporâneo, redefinido pelas tecnologias digitais interativas,
traz, segundo Silva (2003), uma mudança paradigmática na teoria e na pragmática
comunicacionais, “há uma modificação radical no esquema clássico da informação baseado
97
na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor” (2003, p. 264), na qual: 1. o emissor não
emite mais uma mensagem fechada, mas um leque de possibilidades à manipulação do
receptor; 2. a mensagem é agora aberta, modificável por aquele que a consulta; 3. o receptor é
convidado a criar livremente, dando sentido à mensagem através da sua intervenção.
Também sobre as mudanças na pragmática comunicacional, Lemos (2003) diferencia a
comunicação de massa da comunicação gerada pelas tecnologias digitais. Para este autor, a
comunicação de massa “vincula forma e conteúdo, suporte e forma de transmissão da
informação” (LEMOS, 2003, p. 35), operando em um fluxo um para todos, garantindo assim
o poder sobre a emissão. Já as tecnologias digitais geram um fluxo que coloca todos para
todos, em uma capilaridade que impede uma edição centralizada e permite a livre circulação
da informação.
Em um modelo comunicacional dialógico e bidirecional, todos são potencialmente agentes
desafiadores, visto que coautores de um processo de construção coletiva que se dá em rede.
Como conceito central às suas reflexões, Silva (2003, p. 262) apresenta a Interatividade:
“disponibilização consciente de um mais13
comunicacional de modo expressamente complexo
presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor, possibilidades de
responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele”.
Para Gadotti (2000, p. 7), se considerarmos a importância dada hoje ao conhecimento em
todos os setores, estamos mesmo vivendo a era do conhecimento ou sociedade do
conhecimento, sobretudo como consequência da informatização e globalização das
telecomunicações a ela associadas. Mesmo que se considere, como o autor faz questão de
ressaltar, que grandes massas da população estejam excluídas deste processo e que
constatemos “a predominância da difusão de dados e informações e não de conhecimentos”.
Compreendendo o processo de produção do conhecimento e o próprio conhecimento como
teckné, Lima Jr (2005) ressalta que este amplo significado materializado nas redes digitais de
comunicação e informação emerge para o pensar em currículo, para os potenciais de mudança
na educação trazidos pelo computador e pelas redes por ele mediadas.
Buscando explicitar as implicações epistemológicas da tecnologia intelectual, este autor
reflete sobre o conceito de conhecimento. Apresenta a acepção tradicional de conhecimento
13 Grifo do autor.
98
como leis abstratas que explicam a realidade exterior ao mesmo tempo em que reduzem e
simplificam a realidade a tais estruturas abstratas, “concebidas de modo fragmentado,
quantitativo, sequencial e conceitual” (p. 29), em um modelo de racionalidade que, embora
constituído a partir da revolução científica do século XVI, é ainda hegemônico no âmbito
educacional. Para o referido autor, o rompimento com esta racionalidade implica na
identificação e reconhecimento da racionalidade e inteligibilidade próprias de outras formas
distintas de conhecimento, que convivem no mesmo contexto histórico-social, cada uma com
suas regras e convenções, cumprindo determinadas funções e gerando possibilidades, apesar
das suas limitações e impossibilidades.
Para Santos,
Estamos de novo regressados à necessidade de perguntar pelas relações entre a
ciência e a virtude, pelo valor do conhecimento dito ordinário ou vulgar que nós,
sujeitos individuais ou colectivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas
práticas e que a ciência teima em considerar irrelevante, ilusório e falso; e temos
finalmente de perguntar pelo papel de todo o conhecimento científico acumulado no
enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, pelo
contributo positivo ou negativo da ciência para a nossa felicidade. (2005, p. 2)
Uma nova concepção de conhecimento emerge na contemporaneidade, que o reconhece como
um processo histórico-social que não está fora do homem e nem da realidade, que é
entremeado de subjetividade posto que “emerge a partir de desejos, interesses, valores, modo
de percepção, linguagens, atribuição de significados, articulados no contexto vivencial e
interno do sujeito.” (LIMA Jr, 2005, p. 33).
O potencial de comunicação e construção colaborativa trazido pelas redes mediadas pela
tecnologia digital e a presença destas nos mais diversos processos sociais oportuniza o fluxo
dialético e inter-relacional de troca/produção de informações e conhecimento para além dos
espaços formais e do previsível. Uma concepção de conhecimento que o reconhece como um
processo histórico-social, aliada à percepção dos “espaços” de autonomia cognitiva dos
sujeitos nos processos de troca/produção de informações e conhecimento permite apreender o
potencial de Difusão Social do Conhecimento em ambientes com mediação telemática.
Aprofundando a reflexão sobre o paradigma emergente do conhecimento, Lima Jr (2005, p.
38) enfatiza que este agora se instaura como um processo multirreferencial que se caracteriza
pelo diálogo entre as modalidades de conhecimento. Assim, a racionalidade agora significa “a
permanente tessitura de articulações, diálogos entre os tipos de conhecimentos (...).”
99
Nesta base epistemológica, a produção de conhecimento é um processo contextual e
complexo no qual o ser humano, em seu contexto espacial e temporal é desafiado pela
resolução de suas demandas, necessidades e interesses, em uma relação contínua consigo
mesmo e com os outros (semelhantes e diferentes). Neste processo, ao perceber-se nestas
múltiplas relações, o ser humano comunica a sua percepção em linguagens instituindo assim
saberes diversos e específicos, a partir de fontes subjetivas e objetivas, articulando-os no
contexto, de forma sempre aberta e dinâmica.
Com esta perspectiva é possível inferir a ampla gama de relações/comunicações/produções
que se desenrola transversalmente aos processos formais de elaboração, partilha e difusão de
informações. O acesso à informação não está mais restrito ao filtro de currículos ou
programas de ensino, nem às mídias de massa controladas pelo poder hegemônico - embora
lamentavelmente estas detenham grande poder nestes processos. Por esta compreensão as
fontes são múltiplas e simultâneas, em um constante ir e vir dialético e dialógico, permeado
de contradições e luta de forças, processos típicos à difusão social do conhecimento.
Para Gadotti (2000, p. 7), está em andamento uma Revolução da Informação, na qual “a
informação deixou de ser uma área ou especialidade para se tornar uma dimensão de tudo,
transformando profundamente a forma como a sociedade se organiza”. Ainda para este autor,
os novos espaços do conhecimento criados pelas novas tecnologias permitem às pessoas
acessar o ciberespaço da formação e da aprendizagem a distância, buscando resposta às suas
demandas de conhecimento, na informação disponível nas redes de computadores
interligados. Assim, a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas, etc.) está se
fortalecendo também como espaço de difusão de conhecimentos e de formação continuada,
potencializado pelas novas tecnologias e constantes inovações metodológicas.
[...] o planeta tornou-se a nossa sala de aula e o nosso endereço. O ciberespaço não
está em lugar nenhum, pois está em todo o lugar o tempo todo. Estar num lugar
significaria estar determinado pelo tempo (hoje, ontem, amanhã). No ciberespaço, a
informação está sempre e permanentemente presente e em renovação constante. O
ciberespaço rompeu com a idéia de tempo próprio para a aprendizagem. Não há
tempo e espaço próprios para a aprendizagem. Como ele está todo o tempo em todo
lugar, o espaço da aprendizagem é aqui – em qualquer lugar – e o tempo de aprender
é hoje e sempre. A sociedade do conhecimento se traduz por redes, “teias” (Ivan
Illich), “árvores do conhecimento” (Humberto Maturana), sem hierarquias, em
unidades dinâmicas e criativas, favorecendo a conectividade, o intercâmbio,
consultas entre instituições e pessoas, articulação, contatos e vínculos,
interatividade. A conectividade é a principal característica da Internet. (GADOTTI,
2000, p. 8).
100
Considerando toda a reflexão feita anteriormente, é essencial às elaborações teóricas sobre
Processos Cognitivos e Difusão do Conhecimento, o olhar multirreferencial sobre a
(auto/hetero) formação humana na contemporaneidade. Esta formação vincula-se a questões
políticas: relações entre saber e poder; a questões filosóficas: conceito de homem e suas
relações com o mundo; a questões históricas: interesses e perspectivas hegemônicas e/ou
conflitantes em cada momento específico; a questões epistemológicas: o que é o
conhecimento, como ele é construído, o que o legitima, como as relações de poder o
perpassam, entre outras.
A concepção de formação coerente com os pressupostos que orientam as construções deste
texto, a concebe enquanto um processo que desenvolve sujeitos, autores e atores da sua
prática, capazes de lidar com situações sempre novas e desafiadoras, em um permanente
processo de ação-reflexão-ação, a partir de uma sólida base teórica. Um processo
verdadeiramente formativo fundamenta-se no pensamento autônomo, na reflexão contínua
sobre a prática, na construção de uma práxis de intervenção crítica e propositiva, de um olhar
dialógico e investigativo.
O fluxo comunicacional que caracteriza as relações humanas na contemporaneidade tem
essencialmente presentes na formação de qualquer sujeito, as redes de difusão social do
conhecimento via Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC, ou seja, os ambientes
com mediação telemática. Nestes espaços o sujeito acessa, conhece, escolhe, processa, enfim,
constrói sua visão de mundo e participa da construção e difusão de um conhecimento que,
como já dissemos, é histórico, permeado de subjetividades e parte do homem e da sua
realidade.
Os princípios da aprendizagem colaborativa e da autonomia do sujeito são presença nos
ambientes de mediação telemática – livres ou de educação sistemática/ de aprendizagem -
que, de forma síncrona ou assíncrona oportunizam aos sujeitos em seu contínuo processo de
formação a troca, a participação, a hipertextualidade (Lévy, 1993) na sua “leitura de mundo”
(Freire, 1999). Consequentemente, se os sujeitos interagem e produzem conhecimento de
forma cada vez mais dialógica e autônoma, estes são processos de Difusão Social do
Conhecimento, que articulam em redes, diversas e inter-relacionadas, o aprendizado formal e
informal.
101
Ao pensarmos em uma formação para o futuro ou na “educação do futuro”, é consenso
desejá-la mais democrática e menos excludente. Gadotti (2000, p. 10-11) aponta algumas
categorias frequentes na literatura pedagógica contemporânea que, segundo o mesmo,
sinalizam uma perspectiva da pedagogia da práxis. São elas: “contradição”, “determinação”,
“reprodução”, “mudança”, “trabalho”, “práxis”, “necessidade”, “possibilidade”. Considerando
que estas não podem ser negadas nem desprezadas como categorias ultrapassadas, o autor
propõe que nos ocupemos mais especificamente de outras, segundo ele, “nascidas ao mesmo
tempo da prática da educação e da reflexão sobre ela”: Cidadania, Planetaridade,
Sustentabilidade, Virtualidade, Globalização, Transdisciplinaridade, Dialogicidade,
Dialeticidade.
Especificamente sobre a categoria Virtualidade, o autor considera que ela implica em toda a
discussão contemporânea sobre a educação a distância e o uso dos computadores na escola,
apontando que, nossa inserção definitiva na era da informação, faz emergir questões como:
Quais as conseqüências para a educação, para a escola, para a formação do professor
e para a aprendizagem? Conseqüências da obsolescência do conhecimento. Como
fica a escola diante da pluralidade dos meios de comunicação? Eles abrem os novos
espaços da formação ou irão substituir a escola? (GADOTTI, 2000, p. 10)
Sem a precipitação de descartar o já instituído ou considerar o novo como necessariamente
bom, urge problematizar quais princípios, pressupostos e objetivos se mantêm e quais se
constituirão ou transformarão a partir da interação com as TIC’s e das potencialidades dos
ambientes de mediação telemática, especificamente nesta investigação, no que se refere à
cognição e difusão do conhecimento.
2. Realidade, Virtualidade, Presença e Espaço-Tempo – Compreensões e implicações
Conceitos de aparente domínio do senso comum e tão comumente utilizado nos mais diversos
textos e contextos, os conceitos aqui abordados revelam-se em compreensões as mais diversas
e díspares. A demarcação filosófica e epistemológica do lastro teórico a partir do qual estes
conceitos são compreendidos e utilizados nesta tese, é o objetivo desta seção.
2.1. REAL, ATUAL E VIRTUAL – concepções e demarcações teóricas
Uma das referências mais clássicas na discussão do virtual, Lévy (1996) afirma que o virtual
não se opõe ao real, mas sim ao atual. Buscando a origem etimológica do termo virtual –
virtus – que significa força, potência, ressalta que na filosofia escolástica virtual é o que existe
102
em potência não em ato (p. 15): “(...) A árvore está presente na semente. (...)”. Fazendo ainda
uma distinção entre o virtual e o possível, afirma que este é exatamente como o real, havendo
entre ambos uma diferença puramente lógica, pois que ao possível só falta a existência.
Considerando o possível como estático e já constituído, Lévy (1996, p. 16) o diferencia do
virtual, que conceitua como: “(...) o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças
que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que
chama um processo de resolução: a atualização (...)”
Por esta compreensão, a atualização é concebida então como a solução de um problema,
criação, invenção de uma nova forma, produção de qualidades novas, transformação das
ideias. Buscando esclarecer, representar esta compreensão o autor cita a interação
homens/sistemas informáticos como um exemplo da dialética do virtual e do atual, afirmando
ainda que o atual responde ao virtual.
Demarcando ainda a compreensão de Virtualização – agora como dinâmica, o autor a define
como uma passagem do atual ao virtual, que transmuta a entidade em direção à resposta da
questão geral à qual esta se relaciona. A virtualização de uma empresa é tomada como
exemplo pelo autor: a questão principal a que a virtualização vai responder é a redistribuição
sempre repensada, das coordenadas espaço-temporais do trabalho, da coletividade e de cada
um dos seus membros, em atendimento a demandas diversas.
Como decorrência da linha de raciocínio defendida pelo autor, a presença é também posta em
questionamento. Embora criticando a associação simples do senso comum que relaciona
virtual a inapreensível e real a tangível, o autor reconhece uma indicação desta abordagem
que não deve ser negligenciada: a não presença do virtual, com muita frequência.
Citando Michel Serres, Lévy ressalta que “(...) A imaginação, a memória, o conhecimento, a
religião são vetores de virtualização que nos fizeram abandonar a presença muito antes da
informatização e das redes digitais. (...)” Traz ainda o conceito de Heidegger do “ser-ai”
(tradução do alemão Dasein) para afirmar existência independe de pertencer a um lugar
específico e designável, de estar sempre presente. Uma comunidade virtual é apontada como
exemplo. Ao comunicar-se a partir de sistemas de telemáticos, apesar de não ter um lugar de
referência estável, esta comunidade se organiza sobre uma base de afinidade e está contida
por paixões, projetos, conflitos e amizades.
103
Ao virtualizar-se, uma pessoa, coletividade, ato ou informação se desterritorializam,
reinventando assim o que Lévy chama de “uma cultura nômade”. Mesmo reconhecendo que
não totalmente independentes de um espaço-tempo de referência, posto que necessitam de
suportes físicos a partir dos quais irão se atualizar em outros momentos e lugares, a
virtualização escapa aos lugares comuns, possibilitando, por exemplo, que a unidade de lugar
seja substituída pela sincronização e a unidade de tempo pela interconexão:
[...] unidade de tempo sem unidade de lugar (graças às interações em tempo real por
redes eletrônicas, às transmissões ao vivo, aos sistemas de telepresença),
continuidade de ação apesar de uma duração descontínua (como na comunicação por
secretária eletrônica ou por correio eletrônico). [...] (LÉVY, 1996, p. 21)
Apesar desta desterritorialização, o autor chama a atenção de que o virtual não é imaginário,
exemplificando com os coletivos mais virtuais e virtualizantes do mundo contemporâneo – a
tecnociência, as finanças e os meios de comunicação, que são também os que estruturam a
realidade social.
A virtualização altera também os sentidos de espaço e tempo, possibilitando uma diversidade
de sistemas de proximidade e espaços práticos de registro e transmissão, ao incluir neste jogo
de sentido a subjetividade, a significação e a pertinência. Se “cada forma de vida inventa seu
mundo e, com esse mundo, um espaço de tempos específicos.” (LÉVY, 1996, p. 22), a
dimensão cultural própria dos humanos, amplia em muito esta variabilidade.
Da mesma forma a diversidade dos sistemas de registro e transmissão – tradição oral, escrita,
registro audiovisual, redes digitais, determinam novas velocidades em uma multiplicação de
espaços que nos faz na contemporaneidade um novo estilo de nômades: “(...) saltamos de uma
rede a outra, de um sistema de proximidade ao seguinte. Os espaços se metamorfoseiam e se
bifurcam a nossos pés (...)” (LÉVY, 1996, p. 23). Para o autor, a criação de velocidades
inéditas é o primeiro grau da virtualização da sociedade, em um movimento de tensão em sair
de uma “presença”, do qual participam o aumento da comunicação e a generalização do
transporte rápido.
Por fim, ainda caracterizando o processo de virtualização, Lévy (1996) aborda o que chama
“efeito Moebius” ou passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior, que ocorre em
vários registros: relações entre privado e público, próprio e comum, subjetivo e objetivo,
mapa e território, autor e leitor etc.. Para o autor este processo põe em questionamento a
identidade clássica apoiada em definições, determinações, exclusões, inclusões e terceiros
104
excluídos, sendo a virtualização sempre um devir outro, processo de acolhimento da
alteridade.
Buscando um outro aporte para esta discussão, trazemos Maldonado (1999), em suas
contribuições para a compreensão do Real e do Virtual. Para este autor, a relação entre a
realidade e suas representações tem sido alvo de interesse renovado, tanto sobre questões já
largamente discutidas quanto em outras inéditas, em função da sofisticação alcançada pelas
técnicas de modelação da realidade e as perspectivas de desenvolvimento ainda mais
prodigioso neste campo. Questões estas que transcendem a tecnologia, em um núcleo
problemático ao qual podem confluir contribuições de diversas áreas: filosofia, comunicação,
história da arte etc..
Justificando como necessidade para uma abordagem adequada desta temática, Maldonado
(1999) coloca sobre análise crítica uma teoria que, segundo o mesmo, tem alcançado êxito em
diferentes esferas do saber: a Teoria da “Desmaterialização” da realidade. Implícita ao
discurso da desmaterialização esta a ideia de que existe uma substância cuja materialidade
pode ser afetada, o que por sua vez, pressupõe uma matéria pré-existente. Se desde o início a
questão da matéria tem dividido os filósofos e os homens da ciência, o que se tem produzido
de novo neste século tem posto abaixo o conceito de matéria como uma coisa simples,
palpável, em especial o impacto desestabilizador dos modernos avanços da física sobre os
pressupostos epistemológicos do conhecimento científico em geral.
Trazida do universo microfísico, hoje sociólogos, engenheiros, filósofos, artistas e outros,
empregam o termo desmaterizalização na escala da macrofísica, ou seja, do mundo como
podem perceber os nossos sentidos. Por esta acepção, ainda segundo o autor, o impacto das
tecnologias nascentes como informática, telecomunicação, bioengenharia, robótica e
tecnologia de materiais avançados levariam a uma progressiva desmaterialização da nossa
realidade, produzindo uma contração do universo dos objetos materiais, que seriam
substituídos por processos e serviços cada vez mais imateriais.
Desenvolvendo ainda a reflexão sobre o tema, Maldonado (1999) cita o físico Alfred Kastler
na afirmação de que na escala dos nossos sentidos estamos acostumados a reconhecer duas
propriedades fundamentais naquilo que chamamos “objetos”: a permanência e a
individualidade, que não existem na microfísica. Provoca então o leitor questionando se estas
duas propriedades fundamentais têm perdido seu valor caracterizante no nosso mundo, para
105
afirmar que é inegável que algo está ocorrendo. Identifica-se nos países altamente
industrializados a redução na duração da permanência e da individualidade dos objetos,
porém, ainda segundo o autor, este não é um fenômeno recente, trata-se do fenômeno
conhecido como obsolescência. O novo no estado atual do fenômeno seria a abreviação do
ciclo de vida de famílias inteiras de produtos.
A partir destas reflexões, Maldonado (1999, p. 14) pergunta se caberia supor como realidade
futura, um mundo desprovido de materialidade:
Pero ¿ autoriza esta comprobación a hablar, como suele hacerse com harta
desenvoltura, de um proceso efectivo de desmaterialización ? ¿ Es creíble (em El
sentido de verosímil) que nuestra realidade futura llegue a ser um mundo constituído
solo por presencias inefables, um mundo desprovisto de materialidade Y de carácter
físico? ¿ Es razonable pensar que em El siglo XXI tendremos que vérnoslas sólo
com realidades intangibles, com imágenes ilusórias, evanescentes, com algo
semejante a um mundo poblado de espectros, de alucinaciones, de ectoplasmas?
Apesar da provocação, o autor afirma não estar convencido disto, e alerta que esta perspectiva
desconsidera que nossa relação individual e coletiva com o caráter físico do mundo não pode
anular-se como por mágica, que esta relação é parte de nós mesmos, posto que biológica e
culturalmente somos o resultado de um processo filogenético no qual esta relação de
experiência teve um papel determinante, para concluir que, gostando ou não, estamos
condenados como todos os seres vivos, a contar com nosso caráter físico e com o caráter
físico do ambiente.
3. Tudo o que é Real é também Virtual, e tudo o que é Virtual é Real - considerações
sobre a Temporalidade Mediada Telematicamente na Educação Contemporânea14
A partir do surto da Ciência da Natureza desenvolvida na Europa dos séculos XVI e XVII d.
C., assim como de maneira determinante da cosmologia contemporânea se tornou comum
conceber o Tempo a partir de uma origem que remontaria à hipótese do Big Bang. Sem o
Tempo nada pode ser concebido como surgimento, desenvolvimento, multiplicação,
unificação e desaparecimento. Há, pois um processo de surgimento, desenvolvimento,
multiplicação, unificação e desaparecimento em tudo o que se encontra na deriva cósmica,
incluído o planeta Terra e suas espécies. E nós humanos desenvolvemos um diferencial
ontológico associado à nossa biologia neurocerebral inerente ao Tempo que precisamos
14
Esta seção foi construída em forma de artigo em coautoria minha com o prof. Dr. Dante Augusto Galeffi e
publicada no livro LIMA Jr., Arnaud Soares de. Educação e Contemporaneidade: contextos e singularidades.
Salvador: EDUFBA, 2012.
106
sempre mais estudar para que se possa compreender a dimensão temporal de nossas vidas e
como atualizar, suas potencialidades, virtualidades, possibilidades de maneira criadora e
radicalmente implicada com a totalidade vivente.
Procuraremos no restrito limite deste capítulo investigar de imediato a aparente oposição entre
o “real” e o “virtual”, como forma de desfazer a imprecisão conceitual que insiste em opor os
dois termos como contrários. De fato, o contrário de “real” não é o “virtual” e sim o
inconcebível vazio e absoluta mudez: o “nada”. O contrário de “real” é a sua ausência,
portanto. O “virtual” não é uma “ausência”, mas uma “presença” pela experiência temporal
neuropsíquica. Portanto, é preciso investigar a natureza neuropsíquica do Tempo e distinguir a
temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades transcendentes ao
humano.
É preciso também esclarecer os conceitos de atualização, potencialização e Terceiro,
aproximando o virtual do potencial, a potencialização da virtualização – a ação de
potencializar e virtualizar. Nossa intenção é provocar um questionamento relativo à natureza
da temporalidade humana visando aprender melhor sobre a experiência temporal mediada
telematicamente. O que acontece com o Tempo a partir da interface homem-máquina? É
apropriado opor o “virtual” ao “real”? E por que não é apropriado? É condizente se falar em
Ambiente Virtual de Aprendizagem sem o complemento da Atualização toda vez que ocorra
uma conexão entre um usuário e uma interface/modelagem telemática? A presença, concebida
como experiência temporal neuropsíquica não está muito além da mera presença física em
dado espaço geograficamente situado? É, então, preciso complementar a concepção de AVA
com a de Ambiente Atual de Aprendizagem (AAA), reconhecendo que há “presença” nos
processos de interação e construção mediadas telematicamente. Também queremos provocar
na direção do conceito vigente de educação a distância, intuindo a possibilidade da educação
sem distância mediada telematicamente.
E apesar de o Tempo constituir todas as formações de matéria-energia existentes em
acontecimentos sistêmicos interconectados, no ser humano a temporalidade aparece em sua
função neuropsíquica, que é uma forma de matéria-energia diferenciada das duas outras
formas encontradas na natureza, como a matéria-energia macrofísica e aquela biológica
(LUPASCO, 1994).
107
Entretanto, antes de se poder alcançar uma clarividência condizente com nossa intenção de
princípio, que é compreender melhor a natureza da temporalidade humana em suas
possibilidades, atualizações e virtualizações, é importante considerar o Tempo em uma
simulação descritiva performática. Pois estaremos nos dirigindo às subjetivações humanas a
partir da experiência existencial própria e apropriada, o que requer de quem lê o processo
semiótico de perceber e traduzir “pacotes” de informação e de conhecimento relativos a
contextos culturais específicos e únicos, como cada flor em seu florescer e fenecer. Estamos,
portanto, tratando de compreender certas condições de princípio que constituem o complexo
humano e suas relações com a Totalidade divisada e indivisa – como quando o som é
percebido em sua jorrância a partir do silêncio, ou quando percebemos as formas visuais a
partir da ausência de luz.
Seguimos o fio condutor de uma concepção de conhecimento que implica em uma
compreensão articuladora dos modos de ser a partir da investigação da matéria-energia
neuropsíquica e sua propriedade de temporalização pela dialógica atualização e
potencialização e pela emergência de um Terceiro termo incluído: as subjetivações humanas
em seu sentido complexo ou sistêmico. O Terceiro aparece como o modo de ser
neuropsíquico que diferencia os seres humanos de outros entes ou entidades sistêmicas da
Natureza. O Terceiro é a temporalização humana como modo de existência fática. Nesta
direção, o “real” é tomado como conceito central para a descrição condizente do possível, do
atual, do potencial e do virtual, o que permite operar cada um dos termos como traços da
temporalidade estruturante da existência humana desde seu aparecimento no Tempo e no
Lugar cósmico no qual estamos.
Seguindo o fio condutor assinalado, temos uma tarefa pela frente que apenas poderá ser
anunciada no presente texto, e, portanto, não intencionamos concluir nada e sim abrir nossos
pensamentos para que possa pensar além do que já se encontra dado e conquistado na saga
humana até o presente momento.
3.1. O TEMPO – POR ONDE COMEÇAR?
Comecemos do início. Mas de qual início? Só pode ser o início no qual a espécie humana
encontra o seu surgimento e desenvolvimento no próprio Tempo cosmológico, a partir de um
complexo de condições que remontam ao suposto início de tudo com o Big Bang, há cerca de
14 ou 15 bilhões de anos atrás. Uma medição feita na medida humana do tempo cronológico
108
dividido em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, décadas, séculos, milênios. Segundo
este critério de medição do tempo, o planeta Terra teria a idade de 4, 5 bilhões de anos, e os
sistemas biológicos que originam a vida em todas as suas rizomações, teriam encontrado
condições de desenvolvimento há 3,5 bilhões de anos. No reino animal, os hominídeos
datariam de 5 a 7 milhões de anos. A evolução humana, ou antropogênese acontece com o
surgimento do Homo sapiens, como espécie. Muitas outras espécies de Homo desenvolveram-
se e desapareceram, só restando a nossa: Homo sapiens. Diz-se com precisão sempre mais ou
menos imprecisa que a nossa espécie sapiens emergiu entre 400.000 e 250.000 anos atrás,
mas só teria alcançado o seu desenvolvimento considerado moderno no início do Paleolítico
Superior na Europa. O período Neolítico há cerca de 12.000 anos atrás configura o que só vai
eclodir com o início das civilizações por volta do ano 7.000 a. C. A partir da Idade da Pedra
Nova ocorre uma evolução cultural na espécie que já se encontrava em condições biológicas
adequadas, mas ainda não tinha o ambiente propício para acontecer. Pode-se relevar a
importância do aparecimento de uma temporalidade marcada pelas fases lunares nas várias
culturas neolíticas do planeta. Há, assim, também um “tempo” que a espécie adquire
culturalmente e que sempre depende do lugar em que se nasce e em que se vive. A
sedimentação de ciclos alternantes, segundo o movimento lunar percebido, projeta para
possibilidades: a antecipação como o porvir – um acontecimento mental. Há, portanto, uma
temporalidade neuropsíquica que é diversa daquela advinda do ambiente cosmológico. É esta
última temporalidade que nos interessa investigar. Como ela se dá em nossos comuns atos
perceptivos e cognitivos?
Ora, o Tempo pode ser tomado em muitas escalas diversas, mas a temporalidade que
configura nossos atos perceptivos, volitivos e acionais diz respeito ao como existimos
enquanto existimos corporal e mentalmente. Um corpo/cérebro/máquina programado para
quê?
Selecionando uma referência, se em Kant (1984) o tempo aparece como campo constitutivo
da sensibilidade e, portanto, como uma condição prévia do sujeito transcendental do
conhecimento, juntamente com o espaço, é possível abarcar a temporalidade humana muito
além do limite gnosiológico kantiano, compreendendo a temporalidade em suas três ekxtases:
porvir, vigor de ter sido, atualidade (HEIDEGGER, 2009, p.413). Neste ponto não faz
nenhum sentido separar o passado, o presente e o futuro porque está em jogo a temporalidade
como experiência ontológica. A temporalidade humana somente pode ser compreendida na
109
temporalidade humana. Não interessa nem ao leão e nem ao extraterrestre. É neste âmbito que
aparece a relação adequada entre “real” e “virtual”: tudo o que é real é também virtual, e tudo
o que é virtual é real. Isto é válido somente enquanto se é um corpo-mente-vivente.
É preciso sair da noção genérica do Tempo como uma sucessão de instantes e focar a atenção
na temporalidade neuropsíquica humana. Para tanto, vamos proceder por compreensão, a
partir das ekstases da temporalidade descritas por Heidegger (2009) em Ser e Tempo,
procurando uma conexão para o inusitado: pensar a temporalidade para além da analítica do
Dasein, sem perder de mira aquilo para o qual a analítica aponta: o ser como acontecer-
apropriar projetado em possibilidades fora do controle serial. Quer dizer, algo que é inerente
a todo ser humano como possibilidade em sua antecipação. Pois é próprio do comportamento
neuropsíquico humano antecipar-se ao próprio fim, o que também revela como a percepção
humana acontece como temporalização e como se destaca de tudo o mais que não possui este
modo de ser mental que antecipa o próprio fim.
3.2. DO TEMPO À TEMPORALIDADE HUMANA E SUAS EKSTASES
Pelo fato de sermos um complexus corpomente vivente faz sentido considerar as ekstases do
tempo como os gradientes de nossa existencialidade comum. Referimo-nos à maneira como
existimos na condição de espécie e como subjetivações singulares em sistemas sociais.
Portanto, falamos da experiência da compreensão enquanto existimos na condição de
subjetivação da espécie humana: a temporalidade do nosso comum existir humano. A
temporalidade humana comporta também diferentes extratos e gradientes de intensidade que
se pode descrever por aproximação e por condizência, mas não se pode explicar como uma
coincidência entre os entes externos e o que é percebido nas subjetivações humanas. Toda
percepção humana é um complexo pré-formatado como ekstases temporais.
Adentrando em Heidegger, pontualmente em sua descrição da temporalidade e suas ekstases
(porvir, vigor de ter sido, atualidade), temos,
Porvir, vigor de ter sido e atualidade mostram os caracteres fenomenais do “para si
mesma”, “de volta para”, “deixar vir ao encontro de”. Os fenômenos para..., ao...,
junto a... manifestam a temporalidade como o puro e simples
Temporalidade é o “fora de si” em si e para si
mesmo originário. Chamaremos, pois, os fenômenos caracterizados de porvir, vigor
de ter sido e atualidade de ekstases da temporalidade. Ela, sobretudo, não é um ente
que só sai de dentro de si. Mas a sua essência é temporalização na unidade das
ekstases. (HEIDEGGER, 2009, p. 413)
110
Importa-nos aqui relevar a dinâmica da temporalidade descrita acima, como apropriada para
compreendermos o nosso modo neuropsíquico de vivência temporal na interface corpo/mente.
Deixando de lado o vai e vem de Heidegger, apanhamos o que importa no momento: o ser
humano existe na medida em que se projeta como porvir a partir do vigor de ter sido,
atualizando suas funções vitais em um desenvolvimento histórico específico. A temporalidade
compreendida como o “fora de si” indica um estado de estranhamento, arrebatamento,
encantamento, admiração, assombro, espasmo, elevação, rapto, suspensão, transporte,
transportamento etc.. O que caracteriza a experiência da temporalidade neuropsíquica.
Estar “fora de si” significa existir temporalmente. Existir temporalmente quer também
simplesmente dizer: existir. Pois, existimos. Estamos no Tempo. Enquanto existimos nos
encontramos projetados “para fora”. As ekstases, assim, são o modo como existimos como
porvir, vigor de ter sido e atualidade. O porvir é o modo de antecipação do projetar-se
existencial. Pressupõe uma mente capaz de perceber seu sentido final como poder-ser mais
pleno. Uma mente que antecipa o que virá a partir do já ter sido, subjetivando-se como
atualidade instante. Na temporalidade humana o passado, o presente e o futuro formam o
acontecimento existencial em seu dinamismo. Ao mesmo tempo somos o que já é o que está
sendo e o que pode vir a ser. Assim, se o “real” é tomado apenas como “atualidade” perde-se
de vista a temporalidade em sua dinâmica existencial. Pois, do ponto de vista da existência
fática não se pode perder de foco a descontinuidade da vida psíquica humana, que oscila entre
estados de vigília, semivigília e sono (desligamento). A própria mente é a emergência da
virtualidade antecipadora por acoplamentos preexistentes e atualizações instantes. O tempo
todo o ser humano se encontra imerso na virtualidade mental e seus acoplamentos
bioquímicos e neuropsíquicos. O sonho é expressão de virtualidades que podem ou não ter
sentido. O ter ou não sentido depende apenas de processos de subjetivação em sistemas
sociais efetivos. E todo processo de subjetivação é um complexo físico, biológico e
neuropsíquico que se conecta a três registros igualmente complementares: o ambiental, o
social e o mental. Instâncias indissociáveis na compreensão do modo como existimos
faticamente.
Então, considerando que a temporalidade humana é ao mesmo tempo o vigente, o instante e a
antecipação, o “virtual” e o “real” compõem os gradientes da percepção humana comum, não
havendo supressão de uma coisa em detrimento de outra e sim “seleção” intencional. Mas é
preciso também considerar o próprio conceito de “real”.
111
Em uma de suas acepções mais comuns, “real” refere-se ao concreto, ou àquilo que
“realmente existe”, indicando o “fato verdadeiro”, a realidade como ela é. Nesta acepção,
deriva do latim res, rei, que significa “coisa material”, “corpo”, “criatura”. Ora, se o “real” é
identificado como o ”verdadeiro”, tudo o que não é real é, por conseguinte, falso ou irreal,
como o sonho e toda antecipação mental. Mas, será que o “real” se limita a ser o puramente
verdadeiro, nunca sendo irreal? Não é isto o que nos mostra o modo como existimos pela
percepção da temporalidade em sua unidade ekstática. O tempo todo qualquer ser humano
está sendo atravessado pelas ekstases temporais, enquanto existe – é um corpomente vivente
que possui o modo de ser da compreensão mental (neuropsíquica) capaz de reunir as diversas
temporalizações em uma unidade metafísica no mínimo curiosa. Por nossos atos mentais
reunimos todas as temporalidades em um único fluxo existencial: percebemo-nos como seres
inteligentes projetados para possibilidades e amarrados às causalidades materiais em suas
vigências. Mas percebemos mentalmente tudo reunido em uma unidade difusa e até mesmo
confusa e frágil, superficial e oscilante. Mentalmente a nossa temporalidade é uma dinâmica
entre potencialidade e atualidade no âmbito de um Real tecido em diferentes níveis de
Realidade. Um Real que também é um Irreal, um imaterial, um inexistente, um possível, um
potencial. Um Real que se atualiza potencializando e que se potencializa atualizando em uma
dinâmica temporal bem diferente do tempo cronológico.
Assim, vamos deixar de lado esta concepção de “real” associado ao verdadeiro e à coisa
material, e vamos ousar compreender o “real” em seus diferentes níveis de Realidade e de
percepção, incluindo o virtual e o potencial, não somente o atual. Isto para esclarecer como os
meios telemáticos hoje disponíveis não podem prescindir da estrutura temporal do complexo
neuropsíquico humano, sendo imperativo estudar a questão da temporalidade mais a fundo
para se projetar uma educação humana condizente com a potencialidade incorporativa de
agenciamentos maquínicos distintos dos anteriores recursos tecnológicos desenvolvidos pela
humanidade. Entretanto os meios telemáticos podem ser potencializadores de habilidades e
competências cognitivas contextualizadas, mas não são capazes ainda de transformar as
condições prévias do existir enquanto tal. Fato que nos alerta para outra linha de
desenvolvimento compreensivo há cerca do ser que somos como indivíduos, sociedade e
espécie (MORIN, 2005).
Desde sempre a espécie humana se projeta em virtualidades a partir de sua vigência
vital/cultural, compreendendo seus desenvolvimentos heterogenéticos. Os fenômenos mentais
112
como hoje procuramos conhecer estão presentes na estrutura temporal do ser humano desde o
seu aparecimento como espécie na superfície terrestre. Como fenômenos, eles ocorrem como
emergências da complexidade humana em seus desenvolvimentos genético (biológico) e
cultural (histórico). Por isso não se pode mais ignorar o modo como constituímos os
processos de conhecimento, informação e difusão através de interações sistêmicas que
resultam em comportamentos específicos, e do mesmo modo que aparecem como resultantes
de interações dinâmicas primordiais desaparecem em virtude da desintegração progressiva
homogeneizante. Portanto as formações cognitivas coletivas possuem sempre um acervo de
conhecimentos que inevitavelmente tende a desaparecer pela falta de uso, e se tornam virtuais
como informação sempre presente em toda formação de matéria-energia, requisitando
processos de decodificação ou tradução sempre mais especializados e remotos para serem
atualizados em suas virtualidades. Como ocorre com o acervo material e imaterial das culturas
humanas de todos os tempos e lugares: só faz sentido para os participantes existenciais
daquele contexto, daquelas condições, daquele surgimento, desenvolvimento e
desaparecimento.
A virtualidade telemática hoje já incorporada na sociedade-mundo enquanto interface
homem/máquina – definidora do modo de ser contemporâneo – servirá sempre para o
desenvolvimento humano de capacidades, competências e habilidades dos que dela fizerem
uso incorporado, sendo todo o acervo de conhecimento e informação ai gerado reduzido a
peças museográficas para outros sujeitos humanos que dela não façam parte existencialmente.
Assim, é temerosa qualquer afirmação relativa aos méritos da telemática para o
desenvolvimento humano capaz de superar todos os estágios anteriores das culturas humanas
de todo o planeta, ao modo da dialética hegeliana ou marxista. É preciso redobrar nossa
atenção neste ponto, pois não é nossa intenção baixar a guarda diante da tensão existente, nem
muito menos acabar com a tensão. Pelo contrário, queremos aprofundar a tensão porque isto
pode elucidar de maneira suficiente a falácia da telemática como salto de natureza da espécie
humana. Não! Não acreditamos que a telemática torne o ser humano melhor ou pior do que
tem sido até agora, apesar de sem dúvida torná-lo mais apto a resolver determinadas tarefas
pragmáticas, devido pura e simplesmente a treinamentos, práticas e processos formativos
contextualizados e únicos.
Vejamos. Não há um Real em si, mas conjuntos de sistemas de sistemas formatando
diferentes níveis de matéria-energia. O Real é tecido por diferentes sistemas de Realidade
113
somente para o ser que percebe, projeta, vê, conecta, interliga, calcula, pensa, antecipa,
reconhece a vigência do vigente. A percepção do “real” está intimamente conectada com a
materialidade e a energia potencial e atual da inteligência criadora. Trata-se de um “mistério”
aparentemente insondável. E é melhor para o ser humano que assim seja, porque ele não tem
estrutura afetiva suficientemente desenvolvida para ser como Deus em sua instantaneidade
sempre ausente de qualquer possível medição e controle. Todo o controle apoia-se no fora de
controle. Toda ordem está deitada no caos. O Real, pois, é o paradoxal como antagonismo e
harmonia de contrários. Ele não é só atual, ou só potencial, ou só virtual. Ele também é
sempre um Terceiro que não é isso nem aquilo mais isso e aquilo e mais aquilo outro, uma
metade de cada parte, sem ser apenas uma das partes. Este Terceiro é a autopercepção da
unidade dos êxtases (ekstases) da temporalidade humana. O Terceiro é um acontecimento da
matéria-energia neuropsíquica. É aqui que se torna possível reconsiderar a dialógica do virtual
e do real, do atual e do potencial no âmbito imaterial do pensar próprio e apropriado.
3.3. O TERCEIRO COMO MEDIADOR INTELIGENTE DO MÁXIMO ANTAGONISMO
DA MATÉRIA-ENERGIA EM TODOS OS SEUS PLANOS DE REALIDADE – QUANDO
O VIRTUAL É TAMBÉM REAL E O REAL É VIRTUAL
Incluir o Terceiro como o pivô da temporalidade humana é compreender o modo como
existimos na cotidianidade de nossas vidas. Assim, tomando como limite de compreensão o
ser que cada um é enquanto existe, é preciso considerar de início o desconhecimento geral em
relação ao modo como existimos. Por exemplo, o que acontece quando percebemos que
percebemos? Ora, acontece que percebemos que percebemos. E daí? Daí que tomamos
consciência da consciência da consciência e da inconsciência e produzimos um conhecimento
do conhecimento e do desconhecimento, como postula Lupasco (1994) para o acontecimento
da matéria-energia neuropsíquica. É neste âmbito que o virtual aparece como traço do real e o
real se mostra em sua contextura virtual como instante de uma dinâmica temporal imaterial.
O virtual é sempre o que existe apenas em potência. Mas o termo se diferencia de potência
por uma elaboração semiótica conceitual advinda de sua derivação latina. Tem o mesmo
sentido de potência como aquilo que já possui as condições de um desenvolvimento, como a
relação entre uma semente e o seu acontecimento como árvore. A potência, portanto, indica a
força a partir da qual algo se atualiza como acontecimento em seu desenvolvimento vital,
“viril”.
114
Em sua derivação latina, o termo virtual (virtualis) se relaciona de imediato à força corporal,
ao ânimo, ao denodo, à bravura diante do perigo. Assim, o termo é indicativo de uma “força
de espírito”, uma “virtude” como “amor e prática do bem”, ou ainda o poder de eloquência,
como também a castidade feminina. Daí a palavra “virtude” se associar ao feminino na cultura
católica. Por sua vez, vírtus, útis deriva de vir, vìri, que significa “homem”, “varão”, “viril”
em oposição à mulher. Há também uma conexão implícita com o verbo “vir”, como aquilo
que atualiza o viril, o potente, o varão. E o feminino, qual é o seu lugar na virtualidade e na
potência? Seria então preciso se falar complementarmente de ginealização, ou de potência de
ação feminina? Uma provocação linguística.
O virtual é algo, portanto, que poderá vir a existir, acontecer ou praticar-se por meio de uma
atualização temporal. Ele é, assim, inerente ao nosso modo de ser na temporalidade
existencial. Algo próprio do funcionamento neuropsíquico, o que introduz o Terceiro como
termo mediador do acontecimento existencial em sua dinâmica complexa e irredutível a
causas separadas.
Assim, o Terceiro incluído é a lógica de que precisamos para operar com a complexidade
neuropsíquica da temporalidade do ser humano em sua facticidade e finitude. Trata-se de uma
questão ainda muito recente no campo da episteme autorizada, mas que vem ganhando campo
com o fecundo desenvolvimento das chamadas ciências cognitivas atuais. O Terceiro aparece
como um diferencial material e energético que caracteriza os atos mentais da espécie humana,
o que permite articular, pela teoria da complexidade, diversos níveis diferentes de Realidade e
diferentes níveis de percepção da Realidade. Para esclarecer este evento é preciso seguir um
caminho que não está dado e concluído, mas que se encontra em curso de desenvolvimento e
diversificação fora de qualquer controle de uma razão de mão única homogeneizante e
absoluta. Mas, como absoluta se aquilo que é possível ao ser humano perceber não é e não
pode ser absoluto?
Como afirma Nicolescu (1999, p. 23), o maior impacto cultural da revolução quântica é o de
colocar em questão o dogma filosófico contemporâneo da existência de um único nível de
Realidade. Para este autor “realidade” é um termo com significado pragmático e ontológico
simultaneamente. Como diz textualmente (1999, p. 24-25):
Entendo por Realidade, em primeiro lugar, aquilo que resiste às nossas experiências,
representações, descrições, imagens ou formalizações matemáticas. A física quântica
nos fez descobrir que a abstração não é um simples intermediário entre nós e a
115
Natureza, uma ferramenta para descrever a realidade, mas uma das partes
constitutivas da Natureza. Na física quântica, o formalismo matemático é
inseparável da experiência. Ele resiste, ao seu modo, tanto por seu cuidado pela
autoconsistência interna como por sua necessidade de integrar os dados
experimentais, sem destruir esta autoconsistência. Também noutro lugar, na
realidade chamada “virtual” ou nas imagens de síntese, são as equações matemáticas
que resistem: a mesma equação matemática dá origem a uma infinidade de imagens.
As imagens estão latentes nas equações ou nas séries de números. Portanto, a
abstração é parte integrante da Realidade.
É preciso dar uma dimensão ontológica à noção de Realidade, na medida em que a
Natureza participa do ser do mundo. A Natureza é uma imensa e inesgotável fonte
de desconhecido que justifica a própria existência da ciência. A Realidade não é
apenas uma construção social, o consenso de uma coletividade, um acordo
intersubjetivo. Ela também tem uma dimensão trans-subjetiva, na medida em que
um simples fato experimental pode arruinar a mais bela teoria científica. [...]
Deve-se entender por nível de Realidade um conjunto de sistemas invariantes sob a
ação de um número de leis gerais: por exemplo, as entidades quânticas submetidas
às leis quânticas, as quais estão radicalmente separadas das leis do mundo
macrofísico. Isto quer dizer que dois níveis de Realidade são diferentes se, passando
de um ao outro, houver ruptura das leis e ruptura dos conceitos fundamentais (como,
por exemplo, a causalidade).
As observações de Nicolescu alertam para a existência de diferentes níveis de Realidade e de
percepção, compreendendo aí o virtual e o abstrato, em sua função imaginativa, como
inerente à própria Natureza em sua dinâmica. Isto acentua o traço fundamental de nossos atos
mentais como dinâmica permanente de atualizações e potencializações. Assim, tudo o que se
atualiza encontra continuidade na potencialização e tudo o que se potencializa aponta para a
atualização. Podemos, então, falar do real macrofísico e do real microfísico, do real potencial
e do real atual, da virtualidade como sendo inerente às dinâmicas interativas e processuais das
medições e dos cálculos, das abstrações e das formulações matemáticas. Tudo o que se
associa ao conhecimento e à informação está sempre na passagem de um estado a outro, de
modo similar à lógica binária dos computadores, que de certa forma imita o modo de
funcionamento neurocerebral. Por exemplo, o “0” e o “1” da linguagem computacional
vigente estão indicando estados potenciais e estados atuais que se alternam no funcionamento
das operações computacionais. Portanto, o virtual construído telematicamente imita as
virtualizações do cérebro em suas sinapses contínuas. Agora, por exemplo, estamos cansados
e vamos dormir. Tudo o que está sendo atualizado através de nossa ação em escrever este
texto se recolherá na potencialização ou virtualização, e amanhã, com energias renovadas,
vamos retomar o fluxo das atualizações aqui encarnadas. A virtualidade está presente toda vez
que um fluxo mental permanece em estado latente, como este livro, que poderá ser atualizado
116
toda vez que alguém realizar sua leitura, não importa de que forma e com qual intensidade
compreensiva.
Sim, mas em que consiste a lógica do Terceiro incluído e como observá-la faticamente? Só é
possível compreender a lógica do Terceiro a partir do comportamento da matéria-energia
neuropsíquica, o que só pode ocorrer através do acontecimento emergente dos fenômenos
mentais da espécie humana. Portanto, só como humanos compreendemos o estado T: ele se
revela no modo como existimos temporalmente. E se revela para quem se dispuser a
investigar o seu próprio ser no tempo. Procurando melhor apresentar o estado T, recorremos à
indicação de Lupasco (1994) como o formulador da lógica do Terceiro incluído. E como aqui
não é o lugar apropriado para o aprofundamento da questão, apresentamos a sua formulação
essencial, no que se refere ao neuropsiquismo. Como diz Lupasco (p. 61):
O psiquismo, como se viu, é representado pelo estado T de semiatualização e de
semipotencialização dos dinamismos antagônicos macrofísicos e biológicos, do
homogêneo e do heterogêneo, engendrando, por isso, a consciência da consciência e
da inconsciência, bem como o conhecimento do conhecimento e do
desconhecimento.
Ora, é neste conflito mais intenso da energia que aparecem a noção de morte e a
noção de vida. E é aqui sobretudo que a afetividade se instala sob a forma de
ansiedade, inquietação e, ao mesmo tempo, de euforia, prazer, felicidade.
O estado T é, pois, a coexistência conflitual de dinamismos antagônicos em certos
graus de desenvolvimento respectivos e recíprocos. Há pois graus do estado T,
variações dos estados de potencialização e de atualização que se vão encontrar no
estado T de equilíbrio de semipotencialização e de semiatualização.
O psiquismo, portanto, opera no estado T, o que nos permite compreender a temporalidade em
seu conjunto unitário intuitivo, a partir do modo como existimos. O tempo todo cada um de
nós se encontra temporalizando: atualizando, potencializando, virtualizando,
homogeneizando, heterogeneizando. E tudo através das sínteses conectivas operadas
neuropsiquicamente em estados T. Todas as nossas sinapses em todos os momentos de nossa
existência fática operaram triadicamente pela memória, pela imaginação e pela antecipação,
ora atualizando e ora potencializando processos formadores do fluxo da temporalidade
neuropsíquica. Assim, não há um “real” oposto ao “virtual”, e sim momentos em que o real é
o virtual, e momentos em que o virtual é atualizado como acontecimento. Tudo se passa,
portanto, em um contínuo espaço-tempo no qual o ser humano tem a memória do vigor de ter
sido (o estar-sendo vigente), a imaginação da atualização e a antecipação do porvir. Usando
aqui a imagética das ekstases. Como, então, é possível que os Ambientes Virtuais de
Aprendizagem sejam sempre somente ambientes virtuais? O que acontece, então, com as
117
atualizações que ocorrem neuropsiquicamente toda vez que tal ambiente telemático é
acessado por um usuário? E o que ocorre com a noção de “distância” quando telematicamente
não há nenhuma distância e sim diferentes registros de temporalidade? Portanto, haveremos
de continuar usando apenas os termos AVA e EaD quando nos referirmos ao uso dos meios
telemáticos que estão mudando os agenciamentos maquínicos de nossa vida contemporânea e
consequentemente de nossa educação pública?
3.4. A PRESENÇA ENQUANTO EXPERIÊNCIA TEMPORAL NEUROPSÍQUICA
RESIGNIFICANDO A COMPREENSÃO DE DISTÂNCIA NOS PROCESSOS
EDUCATIVOS MEDIADOS TELEMATICAMENTE
Na história das políticas públicas e da legislação educacional, a compreensão dos processos
sistemáticos e formais de educação concebe a presencialidade física em um mesmo espaço
geograficamente situado como “educação presencial”. Por esta perspectiva, apenas situados
fisicamente em um mesmo espaço-tempo os indivíduos podem interagir e construir
conhecimento, sob a orientação, controle ou mediação – a depender da perspectiva
epistemológica a partir da qual se compreenda a função docente – de um sujeito mais
experiente, reconhecido como detentor de saberes e competências ainda não desenvolvidas
pelos demais.
As primeiras experiências históricas registradas com a terminologia de Educação a Distância
utilizavam as tecnologias disponíveis naquele momento histórico: o material impresso, o
rádio, a TV etc. Estas tecnologias têm limitações inegáveis em relação às possibilidades de
interação e colaboração, partindo de uma lógica de emissor-receptor (SILVA, 2002) na qual
apenas o emissor fala/publica/apresenta uma dada informação, enquanto ao receptor cabe um
processo passivo e isolado de apreensão e elaboração.
O desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC, com a conexão em
rede, provocam e possibilitam outros níveis de interação e construções colaborativas, nas
quais são ao mesmo tempo emissores e receptores, todos os sujeitos interligados de forma
síncrona ou assíncrona, não apenas trocando informações, mas construindo colaborativamente
novos saberes à medida que podem efetivamente comunicar-se em formatos nos quais as
restrições materiais não impedem a comunicação polifônica.
Como já colocado acima, não se trata aqui de fazer apologia às TIC, nem muito menos de
conceber a sua utilização em processos formais de educação como a solução/salvação dos
118
problemas de aprendizagem, das falácias das políticas públicas ou das diversas formas de
exclusão que enfrentam as sociedades contemporâneas. Reconhecendo que as TIC
contemporâneas, assim como todas as demais tecnologias utilizadas pelo homem em seu
percurso de construção histórico-social, são uma “possibilidade” que toma forma e objetiva-se
na ação e intenção humanas, o que se ressalta aqui é a constatação do seu potencial de
superação das restrições geográficas e ampliação dos “espaços” de interação entre os seres
humanos.
Tendo ao seu alcance tecnologias que permitem a comunicação em tempo real, facilitam e
aceleram as consultas a diversas bases do conhecimento estruturado socialmente, organizam e
sistematizam as reflexões, construções, diálogos, discordâncias e conflitos entre os
indivíduos, as metodologias de ensino formal que podem ser desenvolvidas na
contemporaneidade não cabem mais no conceito de “distância”.
A revolução que as descobertas da mecânica e da física quântica provocaram na compreensão
de Realidade – já refletidas neste mesmo texto, implicam também a resignificação da
compreensão de “distância” e de “presença”. Para Nicolescu (1999), o formalismo da
mecânica e da física quântica tentou preservar a noção de causalidade local como conhecida
na escala macrofísica, mas evidentemente trouxe a percepção de outro tipo de causalidade, na
esfera do infinitamente pequeno e do infinitamente breve: a causalidade global.
Figura 2 – Causalidade Global
Adaptação feita pelos autores (NICOLESCU, 1999).
Se no mundo macrofísico a interação entre dois objetos ou entes vai progressivamente
diminuindo à medida que estes se afastam, no mundo quântico a interação entre as entidades
permanece independente de seu afastamento.
119
[...] A não separabilidade quântica nos diz que há, neste mundo, pelo menos numa
certa escala, uma coerência, uma unidade das leis que asseguram a evolução do
conjunto dos sistemas naturais. (NICOLESCU, 1999)
No campo da economia e da política é obvio reconhecer-se que um processo vivido em uma
parte do mundo (desastres naturais, guerras, revoluções políticas, quebra de paradigmas
teóricos por pesquisas inovadoras etc.) tem impactos em todo o globo, sem que os sujeitos
diretamente vinculados ao fenômeno gerador tenham nenhum contato direto com os demais
sujeitos impactados pelas suas consequências.
Assim, acreditamos que a presencialidade física é uma perspectiva restrita à medida que
concebemos a interação humana a partir do potencial de mediação telemática, reconhecendo
que o sujeito está presente a cada momento em que age/interage/constrói/destrói através da
sua participação nos processos desenvolvidos nos espaços em que o virtual, potencial e atual
se alternam continuamente.
Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a
distância não está determinada. Ressalvamos o caráter não determinístico da distância posto
que esta pode acontecer com ou sem a presença física, a partir da escolha do sujeito em
“ausentar-se” dos processos vividos pelos demais, negando-se à interação e participação,
processo tão comum nas situações formais da chamada educação presencial.
3.5. POR QUE NÃO CONCLUIR?
Precisamos de uma conclusão para este breve capítulo. Todos os textos racionais são
portadores de conclusões consideradas consequentes. Mas nós não temos conclusões e sim
encaminhamentos processuais que possam conduzir ao aprofundamento das questões
levantadas e brevemente argumentadas.
Em primeiro lugar, procuramos problematizar o acontecimento de compreensão do modo de
ser existencial de nossa espécie, com sua temporalidade neuropsíquica diferenciada de outras
configurações de matéria-energia, que também constituem o complexo humano em suas
diversas facetas e planos de Realidade. Esta problematização nos levou a observar as ekstases
da temporalidade humana, percebendo como o conceito de “real” não pode ter apenas a
valência da efetividade, a partir de uma compreensão monológica e limitada a um único nível
de Realidade. O “real”, a partir de uma perspectiva epistemológica complexa, é constituído de
muitas Realidades distintas e no psiquismo humano ocorre como um contínuo espaço- tempo
120
existencial, não sendo possível compreender a potencialização e a atualização sem o
transcurso da temporalidade moduladora de tudo o que percebemos e pensamos, como seres
humanos finitos.
A temporalidade vivenciada pela espécie humana rejunta as divisões clássicas do tempo:
passado, presente, futuro. Pois, para um corpo/mente vivente o tempo é um fluxo ao mesmo
tempo macrofísico, biológico e neuropsíquico. Mesmo quando dormimos, continuamos
existindo, potencializando ou virtualizando as ações que se atualizarão quando acordarmos. E
mesmo acordados, estamos sempre na virtualidade da existência fática, que não poderia
subsistir sem o tecido complexo do tempo. Assim, não cabe mais separar as diversas ekstases
de nossa temporalidade neuropsíquica/macrofísica/biológica, e sim reconhecer a dialógica
processual que engendra o Real de nossas existências em diferentes níveis de Realidade.
Nosso psiquismo, portanto, permiti-nos hoje desconsiderar as distâncias físicas, metricamente
mensuradas, através da interface mente/cérebro/máquina eletrônica. Deste modo, a educação
contemporânea fica cada vez mais cercada pela incorporação tecnológica digital, não sendo
mais possível deixar de lado ou desconsiderar seus efeitos no desenvolvimento humano.
É assim que não nos cabe apenas considerar os ambientes mediados telematicamente como
sendo exclusivamente virtuais e potencializadores de puras virtualizações. Eles são também
ambientes atuais porque estão sendo usados por seres humanos que possuem a estrutura
triádica de temporalização, e que diante de tais ambientes estão processando atualizações
neuropsíquicas específicas e diferenciadas. Pois, toda virtualização é sempre uma expressão
da dinâmica existencial humana, pressupondo sempre atualizações e potencializações cíclicas,
de modo semelhante ao nosso modo de existir fático.
De forma análoga ao que ocorre com os ambientes com mediação telemática, que são também
e inevitavelmente ambientes a partir dos quais atualizações mentais/cerebrais/corporais
ocorrem em fluxo descontínuo (ora “0”, ora “1” – para usar a linguagem binária dos cérebros
eletrônicos), não é hoje adequado se falar em Educação a Distância (EaD), porque está é uma
expressão adequada para a tecnologia da imprensa e sua forma de difusão, mas inadequada
quando se trata do uso da interface neuropsíquica homem máquina, para a qual a “distância”
não é física e sim temporal: quanto tempo se leva para acessar um ambiente virtual e para
atualizar processos de aprendizagem? Então, se a distância é temporal, o ambiente telemático
é uma interface espacial virtualizante que por homologia ou verossimilhança produz efeitos
de atualização como experiências existenciais. Portanto, vamos começar a pensar a Educação
121
sem Distância (EsD) e seus desafios nos processos de aprendizagem, sem perdermos de vista
a fundamental importância da presença corpo a corpo, inclusive porque a interface
homem/máquina deve ocorrer com a primazia da humanização e não da mecanização.
Pensemos, então, os enormes desafios que temos pela frente na utilização inteligente e
sensível dos novos meios telemáticos, e fiquemos mais atentos aos processos de
desenvolvimento humano ai engendrados. Isto nos faz pensar que ainda não sabemos usar
adequadamente os novos meios para o engendramento de aprendizagens significativas, a
partir de um equilíbrio inteligente entre os diversos gradientes da temporalidade.
E como não há conclusões, mas pensamentos em processo de expansão e contração pulsátil, a
intenção deste capítulo alcançará o seu sentido se pelo menos provocarmos um pensar
diferenciado sobre as questões levantadas, mesmo de forma inicial, quando se pode perceber
como somos iludidos por nossas crenças e certezas enraizadas e como temos ainda a aprender
sobre nossa maneira de existir. Assim, a educação sem distância - EsD deve agora saber
introduzir a presença humana para poder melhor atualizar sua potência transformadora. Um
desafio que ainda é um grande desconhecimento generalizado, requisitando novas
investigações e novos arranjos inventivos e inusitados.
122
CAPÍTULO IV
COMPONDO UMA REDE MULTIRREFERENCIAL PARA COMPREENSÃO DOS
PROCESSOS COGNITIVOS
Apresentação
A revisão de contribuições das diferentes perspectivas teóricas selecionadas para composição
deste trabalho - apresentada no Capítulo I - oferece um amplo leque de conceituações e
interpretações dos fenômenos cognitivos. A partir deste lastro teórico, desenvolvo a seguir
diálogos e recortes que buscam compor uma rede multirreferencial e polilógica,
contemplando variados e complexos aspectos da cognição, com vistas à construção de uma
nova visada deste processo, com o desenvolvimento de uma metodologia de Análise
Cognitiva para Ambientes Virtuais/Atuais15
, capaz de compreender o sujeito em sua inteireza,
em sua condição ontológica do ser-no-mundo-com, situado no contexto histórico-cultural a
que pertence e transforma com sua ação-produção.
Desafiada pelo processo de assunção de autoria, ouso neste capítulo fazer recortes e buscar
interfaces que identifico como constitutivas à problemática da cognição. O primeiro recorte
que desenvolvo é da relação entre a Cultura e os atos mentais, partindo da análise feita por
Gertz sobre as construções teóricas de Bruner que o aproximam da Psicologia Cultural, busco
em Vygotsky e Paulo Freire, construções específicas com este foco, tecendo assim um
referencial que permita situar os processos culturais como elementos essenciais à análise
cognitiva proposta neste trabalho.
No recorte seguinte desenvolvo um esforço de diálogo entre conceitos estruturantes da
Psicologia Cognitiva e da Biologia da Cognição, buscando desenvolver as potencialidades de
interface entre estas diferentes leituras teóricas, sempre focada na construção de um lastro
teórico para a proposição da metodologia de Análise Cognitiva desenvolvida neste trabalho.
Após a ampliação do esteio epistemológico desta proposta de Análise Cognitiva, com os
diálogos e recortes sobre cultura e atos mentais e o diálogo entre conceitos estruturantes da
Psicologia Cognitiva e da Biologia da Cognição, apresento uma seleção de conceitos
fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo Freire em uma elaboração própria e
apropriada, que os desenvolve enquanto referenciais para investigar os processos cognitivos
15
A discussão teórica sobre a conceituação de Ambientes Virtuais/ Ambientes Atuais encontra-se no Capítulo III
desta Tese.
123
em ambientes Virtuais/Atuais, tendo como sentido político a Difusão Social do
Conhecimento.
Tendo estes conceitos como categorias da matriz de análise cognitiva proposta, busco aqui
desenvolver as potencialidades de interface entre estas diferentes leituras teóricas, sempre em
busca de um olhar capaz de ampliar a compreensão dos processos cognitivos, considerando o
sujeito em sua condição ontológica e implicação sociocultural.
1. A Cultura e os atos mentais
1.1. CONSIDERAÇÕES DE GERTZ SOBRE A PRODUÇÃO DE BRUNER
Embora aqui categorizado como Cognitivista, as produções de Bruner a partir da década de 90
indicam uma aproximação do que Gertz vem chamar “Psicologia Cultural”. Partindo de uma
breve biografia de Jerome Bruner, Gertz (2001) o coloca entre os teóricos do campo da
psicologia, “do tipo ágil e adaptável” (2001, p. 167), iniciando sua carreira na década de 40,
no auge do Behaviorismo e transformando-se em um dos líderes da chamada “Revolução
Cognitiva”, que no fim da década de 50 reivindicava como objeto de estudo não os estímulos
e respostas, mas os atos mentais.
Este “espírito irrequieto” veio também a desencantar-se com o que se tornou esta “Revolução
Cognitiva”, salvando-a de si mesma ao distanciá-la do reducionismo de alta tecnologia
(concepção do cérebro como o computador processando informação), levantando mais uma
bandeira a partir da década de 90: a “Psicologia Cultural”.
O que se coloca agora no centro da atenção é o engajamento do indivíduo nos
sistemas estabelecidos de significados compartilhados, nas crenças, valores e
entendimentos dos que já estão instalados na sociedade em que o indivíduo é
lançado. (...) Em vez de uma psicologia que vê mente como um mecanismo
programável, precisamos de uma que a veja como uma conquista social. (GERTZ,
2001, p. 168)
Gertz (2001) situa a preocupação de Bruner com a educação e a política educacional desde os
estudos que desenvolveu ainda em meados dos anos sessenta sobre o desenvolvimento mental
em bebês e crianças muito pequenas, no qual constatou o quanto estes são dotados de
iniciativa e atentos ao mundo imediato ao seu redor antes mesmo de começar a andar e
adquirir a linguagem. Na construção de uma perspectiva de relação da mente com a cultura,
Bruner, ainda segundo Gertz (2001), criticou a hipótese da “privação cultural” que orientou os
124
trabalhos do Programa Head Start16
quando este, fundamentando-se em uma transferência
mais metafórica que experimental de estudos de laboratório com ratos para a escolarização
das crianças, defendia a necessidade de uma medida que “corrigisse a privação” das crianças
oriundas de meios culturais “empobrecidos”.
Sobre esta hipótese, além do necessário questionamento sobre considerar-se esta privação
como um desvio dos padrões de uma cultura norte americana idealizada de classe média, cabe
ainda refletir sobre a perspectiva da criança como recebendo a cultura de um outro lugar e não
a construindo a partir das sua próprias interações. A crítica de Bruner a esta perspectiva que
considera obsoleta, fundamenta-se na compreensão de que até o bebê e a criança pré-escolar
são agentes ativos na busca de uma forma particular de operar, ser e estar no mundo. Assim o
papel da escola não seria o de dar à criança o que lhe falta, mas de facilitar o desejo que esta
já possui, de atribuir sentido a si mesma e aos outros.
Compreendendo a cultura como um elemento que concentra a mente, Bruner (apud GERTZ,
2001) assim a conceitua: “o modo de viver e pensar que construímos, negociamos,
institucionalizamos e, por fim (depois de tudo acertado), acabamos chamando de ‘realidade’,
para nos consolarmos”. Para Gertz, este interesse de Bruner em compreender como as
crianças utilizam o entendimento externo da sociedade para construir um sentido interno, o
coloca frente a múltiplas questões, normalmente abordadas por outras disciplinas (história,
literatura, direito, filosofia, linguística e principalmente a antropologia), incorporando uma
perspectiva eclética e de vasta ambição que ele opta por buscar respostas através das
narrativas.
[...] formulamos os relatos de nossas origens culturais e das crenças que nos são
mais caras sob a forma de histórias, e não é apenas o “conteúdo” dessas histórias que
nos atrai, mas seu artifício narrativo. Nossa experiência imediata, o que aconteceu
ontem ou anteontem, é formulado dessa mesma maneira historicizada. O que
impressiona ainda mais é que representamos nossa vida (para nós mesmos e para os
outros) sob forma de uma narrativa. (Bruner apud GERTZ, 2001)
Compreendendo que o sujeito cresce entre narrativas (as próprias, dos pais, colegas,
professores e outros) que precisa entender, classificar, verificar, perceber o verdadeiro
sentido, utilizar para descobrir como funcionam as coisas, compreende-se que os seres
16
“Estabelecido em 1965 nos Estados Unidos, esse programa, financiado pelo governo federal, adota uma abordagem
abrangente para a melhoria do aprendizado e o desenvolvimento infantil, oferecendo uma mescla de serviços educacionais,
sociais, nutricionais e de saúde para crianças entre 3 e 5 anos de idade e suas famílias de baixa renda.” HUSTEDT e
BARNETT (2011).
125
humanos usam o modo narrativo para construir a realidade, sendo as histórias ferramentas,
instrumentos da mente para a atribuição de sentido a si mesmo, aos outros, ao mundo enfim.
Em seu trabalho Bruner inicia investigações sobre o ensino da ciência, a natureza cooperativa
da aprendizagem e a construção infantil de uma “teoria da mente” para explicar e
compreender outras mentes, buscando as implicações desta visão da narrativa enquanto modo
de pensar e expressão de uma cultura. Entretanto, para Gertz (2001) Bruner parece subestimar
o caráter explosivo de suas ideias:
Dizer que a cultura é social e historicamente construída, que a narrativa é um modo
de conhecimento primário [...], que montamos as individualidades em que vivemos
com o material que existe na sociedade a nosso redor e criamos uma “teoria da
mente” para compreender a individualidade dos outros, que não agimos diretamente
sobre o mundo, mas sobre crenças que alimentamos a respeito do mundo, [...].
Considerada em conjunto equivale a adotar uma postura que bem pode ser chamada
de radical, para não dizer subversiva. (GERTZ, 2001, p. 173-174)
Assim, Gertz (2001) afirma que Bruner se colocou em meio a uma revolução ao dar à
“cultura” um papel central, estendendo também um questionamento ao conceito de “mente”
ao buscar ligar as duas, trazendo assim para a psicologia enigmas novos, que se somam aos
que afligem a área desde sempre: “sentido e ação, causalidade social e intenção pessoal,
relativismo e universalismo e, o que talvez seja mais fundamental, diferença e traços
comuns.” (GERTZ, 2001, p. 175).
Comentando agora mais o cerne da Psicologia Cultural que o trabalho de Bruner
especificamente, Gertz (2001) aponta outros trabalhos também a partir da década de 90 que
buscam compreender como pensamos, a partir da compreensão de como atuam conjuntamente
as formas simbólicas, tradições históricas, artefatos culturais, códigos neurológicos, pressões
ambientais, inscrições genéticas e outras. Para este autor, construir uma psicologia cultural é
uma questão de equilibrar reciprocamente disciplinas híbridas: “Nem tudo o que surge precisa
convergir: tem apenas que tirar o melhor proveito de sua incorrigível diversidade.” (2001, p.
177)
1.2. DIALOGANDO SOBRE A CULTURA COM VYGOTSKY E FREIRE
Pensar a cultura como mediadora da relação do homem consigo mesmo, com os outros e com
o mundo é uma perspectiva que também encontro, com alguns nuances de diferença, nas
produções de Lev Vygotsky e de Paulo Freire.
126
Ao tratar da mediação simbólica através da qual os sujeitos interagem com o objeto, Vygotsky
põe a cultura como o caldo no qual os signos adquirem significado. Enfatizando que a
linguagem e o pensamento têm origens sociais, foi o primeiro na psicologia moderna a
abordar os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa:
[...] Em forma puramente lógica a essência do processo do desenvolvimento cultural
consiste exatamente nisso. [...]. A personalidade torna-se para si aquilo que ela é em
si, através daquilo que ela antes manifesta como seu em si para os outros. Este é o
processo de constituição da personalidade. Daí está claro, porque necessariamente
tudo o que é interno nas funções superiores ter sido externo: isto é, ter sido para os
outros, aquilo que agora é para si. Isto é o centro de todo o problema do interno e do
externo. (VYGOTSKY, 2000, p. 24)
Para Freire o homem, como um ser de relações é constantemente desafiado pela natureza,
transformando-a com o seu trabalho; o resultado desta transformação, que se separa do
homem, constitui seu mundo. “O mundo da cultura que se prolonga no mundo da história”
(FREIRE, 1985, p. 65). Insiste na necessidade do conhecimento da vida e da comunidade
local nos atos educativos, compreendendo que a ação educativa é sempre situada na cultura do
aluno, envolvendo a problemática social, racial e étnica.
Em Freire, o mundo social e humano só existe em função da comunicabilidade, sem a qual
seria impossível dar-se o conhecimento humano. Atribui como característica primordial deste
mundo cultural e histórico a intersubjetividade ou a intercomunicação, atribuindo a estes
processos, função essencial na cognição:
Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples relação do sujeito
cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a relação comunicativa entre sujeitos
cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo.
(FREIRE, 1985, p. 65)
Compreendendo que é através da intersubjetividade que se estabelece a comunicação entre os
sujeitos a propósito do objeto, Freire defende que não há pensamento isolado, posto que não
há homem isolado:
Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o
primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de
signos lingüísticos. [...] O mundo humano é, desta forma, um mundo de
comunicação. (FREIRE, 1985, p. 66)
A teoria sociocultural dos processos psicológicos superiores, construída por Vygotsky é
reconhecidamente uma aplicação do materialismo histórico e dialético para a psicologia. Ele
viu os métodos e princípios do materialismo histórico dialético como solução aos paradoxos
científicos com que se defrontavam seus contemporâneos, sendo um ponto central, estudar
127
todos os fenômenos como processos em movimento e em mudança. Por este método, o objeto
da psicologia seria “reconstruir a origem e o curso do desenvolvimento do comportamento e
da consciência” (VYGOTSKY, 2007), compreendendo que todo fenômeno tem uma história,
que se caracteriza por mudanças, quantitativas e qualitativas.
De acordo com Marx “mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem
mudanças na ‘natureza humana’ (consciência e comportamento)”. Sendo o primeiro a
relacionar esta proposta com questões psicológicas concretas, Vygotsky elabora as
concepções de Engels sobre o trabalho humano e o uso de instrumentos como os meios pelos
quais o homem transforma a natureza transformando a si próprio ao fazê-lo.
A palavra história (psicologia histórica) para mim significa duas coisas: 1)
abordagem dialética geral das coisas – neste sentido qualquer coisa tem sua história,
neste sentido Marx: uma ciência – a história (Arquivo, p. X) 1, ciências naturais =
história da natureza, história natural; 2) história no próprio sentido, isto é a história
do homem. Primeira história = materialismo dialético, a segunda – materialismo
histórico. As funções superiores diferentemente das inferiores, no seu
desenvolvimento, são subordinadas às regularidades históricas (veja o caráter dos
gregos e o nosso). Toda a peculiaridade do psiquismo do homem está em que nele
são unidas (síntese) uma e outra história (evolução + história). [...] (VYGOTSKY,
2000, p. 23)
Para Vygotsky, o desenvolvimento das formas típicas e mais complexas do comportamento
humano se caracteriza por transformações complexas, qualitativas, que não podem ser
adequadamente descritas pela ideia de maturação. Defende que apesar de inteligência prática
e uso de signos poderem operar independentemente em crianças pequenas, é a unidade
dialética desses sistemas no adulto humano que vem a constituir a verdadeira essência do
comportamento humano complexo. Nesta análise, a atividade simbólica tem uma função
organizadora específica que além do uso de instrumentos produz formas verdadeiramente
novas de comportamento.
Signos e palavras constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de
contato social com outras pessoas. As funções cognitivas e comunicativas da
linguagem tornam-se, então, a base de uma forma nova e superior de atividade nas
crianças [...] (Vygotsky, 2007, p. 17-18)
Tendo como premissa que “O signo age como um instrumento da atividade psicológica de
maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho” (Vygotsky, 2007, p. 52), o autor
aborda o processo de internalização das funções psicológicas superiores, deixando claro
que a analogia básica que reconhece entre signo e instrumento encontra-se na função
mediadora que caracteriza a ambos. Traz o conceito de internalização como a “reconstrução
128
interna de uma operação externa” (p. 56), que consiste numa série de transformações, do
interpessoal para o intrapessoal, concluindo que:
A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente
desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana; é a base do
salto quantitativo da psicologia animal para a psicologia humana. (Vygotsky, 2007,
p. 58)
Vygotsky (2000) tratou do desenvolvimento cultural especificamente, descrevendo-o como
um processo que passa por três estágios: em si, para outros e para si. Exemplifica a sucessão
desses estágios com a formação do gesto indicativo na criança, que em um primeiro momento
é apenas uma tentativa de agarrar um objeto, em seguida um gesto que marca a ação e após a
interação com a mãe que entende o gesto como indicação, o bebê passa a utilizá-lo como
indicação.
Vygotsky (2000, p. 24) descreve o processo de constituição da personalidade a partir da
lógica de que “(...) A personalidade torna-se para si aquilo que ela é em si, através daquilo que
ela antes manifesta como seu em si para os outros (...)”. E por esta lógica, compreende que
necessariamente tudo o que é interno nas funções superiores antes foi externo.
Freire, demonstrando uma preocupação especial com a questão da cultura da diversidade,
dedicou reflexões específicas sobre esta nas suas últimas obras, perguntando-se qual tipo de
educação é necessária para a formação dos sujeitos que viverão no próximo século (agora o
século atual), neste mundo tão complexo de globalização capitalista da economia, das
comunicações e da cultura. Respondeu que eles necessitam de uma ética da diversidade e de
uma cultura da diversidade.
Tratando do problema do desinteresse dos alunos pelos conteúdos curriculares, tensionou o
currículo monocultural oficial como um grande desafio, defendendo que os resultados
obtidos com currículos multiculturais, que levam em conta a cultura do aluno, são mais
eficazes para despertar o interesse e provocar o aprendizado. Em sua obra, alertou que
equacionar adequadamente ou não a relação entre identidade cultural e itinerário
educativo, sobretudo para as camadas populares, pode representar a grande diferença na
extensão ou não da educação para todos e de qualidade nos próximos anos.
129
2. Psicologia Cognitiva e Biologia da Cognição – diálogos possíveis
No esforço do diálogo, busco neste ponto da reflexão traçar possíveis vínculos, interfaces
entre a Psicologia Cognitiva e a Biologia da Cognição, identificando inclusive pontos de
aparente discordância ou não conciliáveis. Tendo a primeira como referência básica formativa
em minha experiência como docente e pesquisadora - e já desenvolvendo aqui um processo de
autoanálise cognitiva - tendo a tomar os conceitos da Psicologia Cognitiva como referência
primeira para traçar estes vínculos e interfaces propostos.
O primeiro eixo estruturante – ou em algumas situações, desestruturante – que a Biologia da
Cognição nos apresenta é a compreensão de que vivemos no mundo, compartilhando com
outros seres vivos o processo vital e por isto fazemos parte dele e somos responsáveis pelo
que lhe ocorre. Embora a Psicologia Cognitiva reconheça a interação do sujeito com o meio,
atribuindo a esta interação uma função essencial na construção do conhecimento e no
desenvolvimento humano, a perspectiva biológica amplia em muito esta compreensão posto
que supera a dicotomia sujeito X meio, defendendo que construímos o nosso conhecimento no
percurso da vida, sendo o tempo inteiro influenciados, modificados pelo que vemos e
sentimos, mesmo que não nos apercebamos disto.
Conceitos como “aquisição de estruturas mentais” e “desenvolvimento das funções
psicológicas superiores” atribuem ao sujeito cognitivo o protagonismo na construção do
conhecimento, reconhecendo, entretanto sua implicação com os elementos culturais do meio.
Ou seja, embora sendo o sujeito autor do seu próprio processo de construção do
conhecimento, as relações sociais e culturais que vivenciou/vivencia em sua trajetória
perpassam intrinsecamente seu processo individual, constituindo-o enquanto constrói o
mundo. Também nesta abordagem, a Biologia da Cognição amplia a perspectiva, ao
considerar que o ato de conhecer vai além do processamento de informações de um mundo
que existe antes da experiência do observador, posto que os seres vivos são autônomos,
produzem a si próprios ao interagir com o meio, em uma dinâmica circular de autonomia e
dependência que constroem uma à outra.
De acordo com a Biologia da Cognição, não há um mundo (fatos, objetos etc.) que está fora e
é captado pelo sujeito, mas cada sujeito, no ato de conhecer, resignifica o
visto/experimentado, construindo um modo único de perceber o mundo. Estamos imersos
130
num pensar cotidiano que continuamente se afirma na suposição de que há um mundo de
objetos externos, e que sua existência independente de nós. Segundo Maturana (2001)
[...] é necessário recolocar-se o problema conceitual, porque deve-se aceitar que o
modo tradicional de abordar o ato cognitivo tem a ver com a indicação de algo
externo. Esse modo tradicional tem que ser totalmente questionado: é preciso
procurar um espaço explicativo distinto, porque esse modo tradicional não se pode
sustentar. (p. 17-18)
Desenvolvendo esta provocação para mudarmos o nosso modo de ver, nosso olhar, Maturana
afirma que não podermos distinguir entre ilusão e percepção na experiência é uma condição
constitutiva dos seres vivos e define como ponto de partida para explicar o fenômeno do
conhecer, considerar-se o observador observando, e o observar.
Ao inserir como ponto de partida o observador na experiência, Maturana (2001) trata sobre a
linguagem, elemento também considerado pela Psicologia cognitiva como essencial ao ato de
conhecer:
[...] o ser humano é observador na experiência, ou no suceder do viver na
linguagem. [...]. A explicação se dá na linguagem. O discurso que explica algo dá-se
na linguagem. [...] Assim, espero poder lhes mostrar que nós, seres humanos,
existimos na linguagem. (p. 20)
Vygotsky dedica boa parte de sua obra à relação entre pensamento e linguagem, concebendo
esta como estruturante do pensar e atribuindo-lhe papel central na mediação do sujeito
cognoscente com o objeto, sendo o principal signo representativo das formas culturalmente
organizadas para lidar com o real. Identifica duas funções básicas da linguagem: a)
intercâmbio social e b) pensamento generalizante, nesta última a transforma em um
instrumento do pensamento. É ela quem ordena o real, agrupando objetos, eventos e situações
em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o objeto.
Maturana afirma que existimos na linguagem ao convidarmos para desenvolver uma outra
forma de pensar, na qual não existe uma realidade mas a(s) explicação(ções) sobre a
realidade. O explicar é sempre uma reformulação da experiência que se explica, uma
reformulação da experiência aceita por um observador, pois se uma reformulação é proposta e
não aceita, ela não é uma explicação. Apenas quando o outro aceita a reformulação proposta
ela se torna explicação. E a explicação se dá na linguagem.
131
A Psicologia Cognitiva compreende o Desenvolvimento Humano como um processo contínuo
que evolui para estágios, ou estruturas mentais mais complexas (Piaget), ou ainda para o
surgimento e ampliação das Funções Psicológicas Superiores (Vygotsky). A evolução
humana por esta perspectiva dar-se a partir da ação e interação do sujeito com o meio, tendo o
aprendizado como propulsor do desenvolvimento (Vygotsky) ou o desenvolvimento como
maturação necessária à aprendizagem (Piaget). Bruner defende que o desenvolvimento – que
ele adjetiva ora como mental, ora como intelectual - não é gradual, comparando-o a uma
escada com grandes degraus, uma sucessão de lances de subida e patamares, com avanços
para frente quando inicia-se o desenvolvimento de determinadas aptidões.
Na Biologia da Cognição os seres vivos produzem continuamente a si próprios, em uma
forma de organização autopoiética, na qual o sujeito é o seu produto, não havendo assim
separação entre produtor e produto. Neste processo determinação e acoplamento estrutural
ocorrem na contínua conservação da autopoiese, estando tudo subordinado a esta
conservação. O acoplamento estrutural ocorre quando duas (ou mais) unidades autopoiéticas
estão acopladas em sua ontogenia, pelo caráter recorrente ou muito estável de suas interações.
Para esta explicação sobre o conhecimento é necessário trazer o conceito de ontogenia,
considerada como a história de mudanças estruturais que ocorrem em uma determinada
unidade - garantida a manutenção da sua organização. A história de mudanças estruturais na
interação unidade e meio é de perturbações mútuas e concordantes, até que ambos se
desintegrem.
É na compreensão de acoplamento estrutural que os autores apresentam sua concepção de
aprendizagem como expressão deste, “que manterá sempre uma compatibilidade entre o
funcionamento do organismo e o meio em que ele ocorre.” (MATURANA e VARELA, 2001,
p. 192). Também para os teóricos da Psicologia Cognitiva aprendizagem é compreendida
como a busca do sujeito pela equilibração (Piaget), através da solução de desafios novos e
construção de formas mais complexas (Vygotsky) para lidar com as situações com as quais se
depara.
Ainda buscando interfaces para compreensão do processo de Desenvolvimento/Aprendizado,
para Piaget, não ocorre uma estagnação, mas atingido o grau de maturidade que permite a
realização de operações mentais formais, esta predominará na forma de raciocínio utilizado
pelo adulto, sendo o seu desenvolvimento posterior apenas no sentido da ampliação de
conhecimentos, e não mais na aquisição de novos modos de funcionamento mental. Em uma
132
tentativa de explicação do desenvolvimento intelectual, reconhecendo que este tem muitas
faces, Bruner levanta entre outros aspectos: a capacidade que o sujeito adquire de
independência imediata ao estímulo do meio ambiente, podendo manter ou alterar uma
resposta independente da estimulação externa direta e a “crescente capacidade para lidar com
alternativas, simultaneamente, atender a várias sequências, ao mesmo tempo, e distribuir
tempo e atenção, de maneira apropriada, a todas essas demandas múltiplas. (...)” (1969, p. 20-
21)
Diferente desta perspectiva, que apresenta uma expectativa de caminho padrão e estado
desejável da capacidade cognitiva “plena” no adulto, a Biologia da Cognição traz o conceito
de deriva natural:
a ontogenia de um indivíduo é uma deriva de modificações estruturais com
invariância da organização e, portanto, com conservação da adaptação.
(MATURANA e VARELA, 2001, p. 116)
Cada situação resulta de variações aleatórias, e a descrição do percurso destas variações só é
possível a posteriori – como um barco à deriva. Os autores concluem assim que evolução é
uma deriva natural, decorrência da invariância da autopoiese e da adaptação.
A Biologia da Cognição traz o conceito de clausura operacional na busca pela compreensão
do sistema nervoso em seu papel no comportamento dos seres vivos. Defini o funcionamento
deste como “uma rede fechada de mudanças de relações de atividade entre seus componentes”
de tal forma que “quaisquer que sejam suas mudanças elas geram outras modificações dentro
dele mesmo”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 183). Como resultado de deriva
filogenética, o funcionamento do sistema nervoso não consiste em captar informações do
meio, mas na construção de um mundo, ao especificar as configurações do meio tidas como
perturbações e as mudanças que estas desencadearão no organismo.
Nesta perspectiva de comunicação, desdobra-se a necessidade de compreender os fenômenos
sociais como Acoplamentos Estruturais de Terceira Ordem. Constituindo-se então o
acoplamento estrutural entre indivíduos como um fenômeno social, a comunicação é
compreendida como “o desencadeamento mútuo de comportamentos coordenados que se dá
entre os membros de uma unidade social. (...)” (MATURANA e VARELA, 2001, p. 215).
cada pessoa diz o que diz ou ouve o que ouve segundo sua própria determinação
estrutural. [...] sempre há ambigüidade numa interação comunicativa. O fenômeno
133
da comunicação não depende daquilo que se entrega, mas do que acontece com o
receptor. [...] muito diferente de “transmitir informação”. (p. 218)
A Psicologia Cognitiva também ressalta a imersão social e a mediação cultural da linguagem
no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento, embora mantendo a
dicotomia Sujeito X Meio, já abordada acima. Wallon considera o homem um ser
indissociavelmente biológico e social, compreendendo que, mesmo sendo o organismo a
condição primeira do pensamento, não é entretanto suficiente, pois o objeto da ação mental
vem do contexto no qual o indivíduo esta inserido. O homem então é determinado fisiológica
e socialmente, tanto pelas suas disposições internas quanto pela história das situações
exteriores que vivencia no decorrer da sua existência.
Na perspectiva sociocultural do desenvolvimento humano de Vygotsky, é o grupo cultural
que fornece ao indivíduo um ambiente estruturado por elementos carregados de significado. É
a partir da interação social, seja com os outros membros da cultura ou com elementos do
ambiente culturalmente estruturado que se dá o desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Neste processo ele identifica dois tipos de elementos mediadores que, embora análogos,
apresentam características bastante diferenciadas: os instrumentos e os signos, que vão
transformando-se ao longo do processo de desenvolvimento de cada indivíduo. Como funções
psicológicas superiores, os processos mediados vão se constituindo na relação do sujeito com
o mundo objetivo e no seu contato com as formas culturalmente organizadas para lidar com o
real.
No confronto/diálogo teórico que busco desenvolver entre as duas perspectivas, percebo que
na Psicologia Cognitiva a relação do individuo com o social se dá em um movimento muito
mais fortemente “de fora para dentro”. Ou seja, uma construção cultural é internalizada pelo
sujeito que a partir desta, torna-se “apto” a interagir, atuar neste meio, utilizando os signos -
principalmente a linguagem – como instrumentos desta interação, seja ela com o outro ou
consigo mesmo. Na Biologia da Cognição percebo uma autonomia maior do sujeito em
relação a esta construção cultural, embora a conservação da sua adaptação exija mudanças e
adequações. Por esta última perspectiva o processo de comunicação que desencadeia
comportamentos coordenados que vêm a constituir acoplamentos estruturais, prevê a
ambiguidade, o que acontece com o receptor da mensagem. É na dimensão da organização
autopoiética, na qual não há separação entre produtor e produto que reside a meu ver, o salto
de autonomia do sujeito em relação às construções socio-históricas.
134
Especificamente quanto à linguagem, para a Biologia da Cognição, os componentes das
comunidades humanas existem como unidades e a conservação da adaptação do ser humano
como organismo exige que ele funcione nos domínios linguísticos. Também os sistemas
sociais exigem comportamentos acoplados estruturalmente em domínios linguísticos, nos
quais os comportamentos possam operar, ampliando as propriedades dos componentes desse
sistema.
Como decorrência do conjunto de interações comunicativas, surgem as condutas culturais -
interações comunicativas ontogeneticamente determinadas que permitem uma certa
invariância na história de um grupo, indo além da história particular dos sujeitos que
participam deste grupo, estabelecendo um domínio de condutas comunicativas ou
comportamentos coordenados associados a termos semânticos.
Compreender o processo de mediação simbólica na perspectiva de Vygotsky implica
reconhecer o caráter eminentemente cultural da formação desses sistemas simbólicos.
Fornecido pelo grupo cultural no qual o indivíduo se desenvolve, os sistemas de representação
da realidade fornecem ao indivíduo formas de perceber e organizar o real, representando uma
espécie de “filtro” através do qual o homem percebe e opera com o mundo. Aqui reforço a
percepção de que esta perspectiva limita a autonomia do sujeito posto que “o filtro” é dado
pela cultura e a ação interna do sujeito frente aos elementos que constituem este filtro parece
muito restrita.
A linguagem ganha ainda uma função mais ampla para a Biologia da cognição que atribui a
esta uma característica-chave: “modifica de maneira tão radical os domínios comportamentais
humanos, possibilitando novos fenômenos, como a reflexão e a consciência. (...) permite, a
quem funciona nela, descrever a si mesmo e à sua circunstância”. (MATURANA e
VARELA 2001, p. 232). A formação da Consciência, ou mesmo sua existência como um dos
desdobramentos da linguagem no ser humano é uma abordagem que a Psicologia Cognitiva
não apresenta.
É ao modo recursivo de operação da linguagem que a biologia da cognição atribui a
experiência do que chamamos consciência. Da mesma forma que o ser vivo se conserva como
unidade em meio às perturbações do meio e da sua própria dinâmica comportamental, a
coerência e estabilização da sociedade como unidade se processará a partir do funcionamento
e ampliação da linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional é o que
135
experimentamos como consciência e como “nossa” mente. (MATURANA e VARELA, 2001,
p. 255)
3. Quatro Conceitos Fundantes da Teoria de Paulo Freire e sua apropriação em uma
Epistemologia da Difusão Social do Conhecimento17
3.1. APROPRIAÇÃO DOS CONCEITOS ESTRUTURANTES
A breve apresentação dos conceitos fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo
Freire nos leva a uma consideração apropriativa no âmbito do objeto de estudo que visa
investigar os processos cognitivos em ambientes virtuais/atuais de aprendizagem, tendo como
sentido político a Difusão Social do Conhecimento. A tese em construção agencia
necessariamente um lastro teórico consistente para a investigação dos processos cognitivos
eminentes na presente sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação em rede.
Justamente em Paulo Freire encontramos uma modelagem consistente para se apresentar e
aprender a operar o conhecimento na perspectiva do que podemos chamar de primado social
do ente-espécie humanidade. A Difusão Social do Conhecimento em redes virtuais/atuais de
aprendizagem e de relacionamento é uma emergência de nossa atual era digital. Neste âmbito,
é preciso também colocar os imperativos do conhecimento humano e sua aquisição social e
histórica, sem perder de vista que estamos priorizando o desenvolvimento humano em sua
maior abrangência e tarefa. Há, portanto, um fio condutor que nos conduz da teoria à práxis
formativa humana, a partir dos meios digitais / telemáticos disponíveis. Suspeitamos da
potencialidade de promover uma emancipação humana condizente com a máxima liberdade
que se possa desejar a qualquer um membro da comunidade humana. Esta suspeita a
colocamos no plano de uma hipótese operativa, pois visualizamos a tarefa de uma Difusão
Social do Conhecimento como meio de Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação
na construção de sociedades sustentáveis e evoluídas espiritualmente, sempre a partir de sua
materialidade e naturalidade emergencial como espécie.
Queremos enfatizar como os conceitos de Libertação, Conscientização, Diálogo e
Comunicação encontrados em Paulo Freire podem ser devidamente apropriados para a
consolidação de nosso esteio epistemológico, ao tratarmos do conhecimento como um
processo complexo e plural, mas que pode ser apreendido em sua diversidade dimensional:
17
Esta seção é parte de um artigo em coautoria com o prof. Dr. Dante Augusto Galeffi, para composição de livro
no prelo, com publicação prevista para 2013.
136
ontológica ética, política, epistemológica e estética. De que maneira, então, nos apropriamos
do núcleo da Teoria do Conhecimento e da Filosofia da Educação de Paulo Freire, e dele
elaboramos uma Teoria da Difusão Social do Conhecimento na perspectiva de emancipação
dos “oprimidos” sociais?
Sabemos como a escrita de Paulo Freire na constituição de uma Teoria do Conhecimento e de
uma Filosofia da Educação é a expressão de práticas efetivamente vividas. É, portanto, pela
sua capacidade de condizência com as estruturas de sentido da experiência humana em geral
que nos interessa retomar Paulo Freire como inspirador de uma parte significativa do lastro
epistemológico em construção na tese. Queremos desenvolver meios operativos para atuar no
processo social de emancipação de nossa sociedade próxima. Percebemos a importância de
uma Teoria do Conhecimento capaz de lidar com as novas emergências tecnológicas e torná-
las amalgamadas ao desenvolvimento humano sustentável. A relação, portanto, dos processos
cognitivos com a mecânica das máquinas naturais e artificiais se torna o meio de operação do
estar no mundo contemporâneo.
Pensar a Difusão Social do Conhecimento como libertação implica necessariamente em um
plano de compreensão do desenvolvimento humano no tempo. As grandes questões atinentes
ao uso de Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem para a difusão do conhecimento se
mostram inusitadas em relação ao acervo passado. A libertação pode ser incorporada como o
primeiro momento da investigação dos processos cognitivos mediados telematicamente.
Como mensurar, entretanto, o caráter da libertação na produção, reprodução e decodificação
cognitiva em rede?
Em primeiro lugar, a libertação é um problema de ordem política e social. Sabe-se, sem mais
delongas, como os meios telemáticos disponíveis permitem também aprendizagens
significativas incorporadas para todos os usuários, não se sustentando nenhum pressuposto
classista ou nenhuma interdição simbólica proibitiva de toda emancipação existencial
concreta. E isto é evidente em meios sociais como o nosso. A libertação pressupõe as
relações afetivas entre os seres humanos e seu meio de existência ecológico. Incorpora-se,
portanto, a implicação política atinente ao cuidado humano em toda a sua extensão e
intensidade. Afinal, os processos cognitivos estão atrelados irremediavelmente ao âmbito do
concreto existir de homens e mulheres, sendo em um projeto político libertador articulado
137
para instrumentar a emancipação mais complexa pelo fenômeno da conscientização humana
no plano global e mundial.
Conscientização pode ser o imperativo do desenvolvimento de processos cognitivos
mediados telematicamente. Na sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação
os processos cognitivos são requeridos como formas de saber e de fazer, o que reclama uma
modalidade de aprender marcada por atuações de operação cada vez mais conscientes e
controláveis por repetição – finalmente o êxito da tecnociência. Tomar consciência de que os
processos cognitivos estão imbricados em relações complexas estruturantes da produção usual
do conhecimento, implica que há necessariamente um sentido mais elevado para o
desenvolvimento humano comum, sendo então fundamental aprender a pensar outras
possibilidades e aprender a criar outros dispositivos inteligentes a serviço do desenvolvimento
humano mais elevado: a mira Divina – o ser humano alcançando a visada da imagem e
semelhança do considerado criador primordial e único.
Ora, a conscientização diz respeito ao desenvolvimento humano na linha do tempo. Sua
historicidade deve ser sempre evocada, porque tudo é histórico no acontecimento das
sociedades humanas. Atrela-se ao processo de educação vigente nas sociedades históricas e
diz respeito ao âmbito da individuação no seio de uma sociedade marcada pela obrigação
moral. Mas, sobretudo, projeta-se como horizonte de aspiração visando a libertação dos
oprimidos e a erradicação das desigualdades sociais. A conscientização é, assim, um
imperativo de ordem ética e política simultaneamente, pois tem a ver com a realização
concreta dos direitos e deveres de todo ser humano, não importa o seu estado de
desenvolvimento tecnológico. É imperativo conscientizar para o uso inteligente e responsável
de todo conhecimento capaz de operar e mudar as configurações de existência estática,
abrindo-se para a criação de seres humanos conscientes da consciência e da inconsciência,
como também reconhecedores do conhecimento do conhecimento e do desconhecimento.
De imediato, pode-se perceber como os processos cognitivos considerados necessitam de um
movimento incorporado de conscientização das operações em andamento no constructo
humano global. Todo ser que se encontre oprimido precisa deixar de ser um caso esporádico
e particular para se tornar um clamor coletivo em favor da dignidade humana constituída
como apego à vida – vontade de ser – potência desejante e criadora. Só há conscientização
pela transformação e ampliação de potência na comunhão entre os humanos. Ecoa Paulo
138
Freire em sua capacidade de desvelar a linha de fuga para a emancipação dos oprimidos, quer
dizer, dos cristalizados na máquina de consolidar hábitos em sua dinâmica de repetição
mecânica. A imagem das rodas de uma locomotiva, naturalmente inconsciente de sua
finalidade mecânica.
Como implicação da conscientização visualizada como horizonte de aspiração de toda a
humanidade, não se pode admitir senão o regime de uma democracia aberta e dinâmica em
sua capacidade de transformar a opressão em libertação ontológica criadora. Pela
conscientização pode-se alcançar o que Freire chamou de “consciência transitiva crítica”.
Deste modo, a conscientização constitui um método crítico, como tal, passível de ser
aprendido na práxis. Precisamos, portanto, de um método de conscientização que tenha pelo
menos três linhas de fuga confluentes: a investigação temática, a tematização e a
problematização. Pois não se pode tematizar sem conhecer os termos linguísticos de um
determinado objeto temático e seus sentidos. E somente se chega à problematização quando
algo é reconhecido previamente em seus contornos objetivados na relação com os outros. A
problematização é assim a posse dos meios que permitem que se aprenda no fazer-se. Mas se
a conscientização é um movimento que se realiza em cada um em sua relação com a
coletividade local e global simultaneamente, ela não pode ser atualizada sem o transcurso do
diálogo.
Significa que o diálogo é o meio universal de emancipação das sociedades em
desenvolvimento livre, seguindo o ímpeto do viver plenamente na convivência com a
diversidade e a diferença. O diálogo abre para a diversidade das condições de existência dos
seres humanos e suas formas sociais. Ele torna horizontal qualquer relação de poder desigual,
tal como de patrão e empregado, de senhor e escravo, comandante e comandado. No diálogo
não pode haver antagonismo manipulador de um controle régio sobre os outros dialogantes.
Pelo diálogo¸ ninguém ensina ninguém, mas todos aprendem com todos. Nos processos
cognitivos que estão sendo observados nos Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem
estudados, o diálogo introduz a dimensão do compartilhamento ontológico e funda uma
política para o estabelecimento de uma comunidade que abarque o todo da humanidade.
Na perspectiva da dimensão dialógica não cabem os falsos problemas, pois o que interessa é
sempre a interação entre diferentes dialogantes. Na investigação dos processos cognitivos
operados nos novos meios telemáticos é preciso não perder de vista que é pelo diálogo que se
139
alcança o trabalho colaborativo gerador de processos de Difusão Social do Conhecimento. O
diálogo é, pois, uma instância de agenciamentos criadores no âmbito coletivo. Mas ainda cabe
o plano da comunicação, sem o qual nem a libertação, nem a conscientização e nem o
diálogo alcançam concretude transformadora. Sem o plano da comunicação não haveria
como conjugar o verbo criador em sua multiplicidade originante. Mas é pelo diálogo que a
comunicação constitui o esteio da comunidade humana planetária. Trata-se, assim, da
comunicação dialógica e não da mera transmissão de mensagem codificada.
É pela comunicação que os sujeitos humanos se dão conta de partilharem de um âmbito
maior indefinido e de um âmbito em que se pode divisar o sentido nuclear de comunidade.
Pois, como postula Freire, só há mundo humano na intercomunicabilidade de seus sujeitos e
objetos entre si. O ato cognoscitivo é necessariamente comunicativo. A comunicação se
define como relação de todos os níveis de constituição do sentido como pensamento-
linguagem-contexto. Ela é uma expressão dos fluxos coletivos do pensamento apropriador:
nunca se encontra estacionada como um carro em uma vaga de shopping, pois é o
acontecimento pontual das interações e sedimentações coletivas.
Se na coparticipação dos sujeitos no ato de pensar ocorre a comunicação, esta não se dá como
um isolado ato de pensar individual, mas aponta para a produção coletiva em conexão
criadora. Sem coparticipação o “eu penso” da filosofia cartesiana explicaria tudo. A
coparticipação abre-se para o “nós” e os pensamentos só são individuais na ilusão e um “eu”
metafísico que põe e dispõe sobre o mundo em sua ilusão de certeza clara e distinta.
É preciso, então, que se confirme no âmbito da Difusão Social do Conhecimento como os
processos cognitivos têm uma função eminentemente comunicativa, e como a comunicação se
dá através dos signos linguísticos disponíveis em determinado contexto sociocultural ou
realidade existencial específica em fluxo. Portanto, temos diante uma sólida articulação
teórica que nos permite investigar processos cognitivos em Ambientes Virtuais/Atuais de
Aprendizagem, sem que seja necessário abdicar de uma atitude investigativa radical e sem
pretender estabelecer em definitivo seus limites metafísicos.
Apresentamos a seguir uma síntese diagramática das quatro instâncias tiradas da Teoria do
Conhecimento de Paulo Freire, e que sem dúvida também organizam a sua fecunda Filosofia
da Educação. E porque a consideramos fecunda, nos apropriamos de seus elementos
140
compondo alicerces epistemológicos próprios e apropriados. Afinal, todo conceito se faz ação
quando é incorporado coletivamente. O diagrama abaixo reúne as linhas de fuga iniciais de
nossa tese. Ela intenciona primacialmente a constituição de uma plataforma epistemológica de
criação de meios eficazes para a análise cognitiva implicada com a emancipação dos sujeitos-
sociais históricos envolvidos em processos de formação mediados telematicamente. O
diagrama é apenas sugestivo de um ulterior desenvolvimento metodológico a partir dele, o
que é deliberadamente uma criação nascida das preexistências materiais, sociais, culturais e
psíquicas encontradas em cada dinâmica de aprendizagem significativa, nas múltiplas
dimensões do limite humano.
Figura 3 - Processos Cognitivos nucleares na Analítica da Difusão Social do Conhecimento
Fonte: a autora.
O diagrama acima apresenta uma Forma Descritiva Conjuntiva, e pode ser expresso pela
seguinte proposição circular e dialógica: A libertação está para a conscientização assim
como o diálogo está para a comunicação – a libertação comunica, a conscientização
dialoga – o diálogo liberta, a comunicação conscientiza – libertação, conscientização,
diálogo e comunicação apresentam dimensões suficientes para a análise cognitiva
telematicamente mediada. Temos diante um grande desafio e com paixão e moderação
agenciamos suficientemente a sua modelagem acional: visamos à práxis revelada na
polilógica freiriana apropriada. Cremos também tratar-se de uma política de transvaloração
141
dos valores opressivos dominantes, pelo projeto de uma humanidade responsável pela criação,
gestão e difusão do conhecimento criador que é sempre uma coletividade pensante emergente
e dotada de poder-ser-apropriador. E tomando Paulo Freire como inspiração não se pode
abdicar da paixão pela realização da ação política emancipadora, liberta, conscientizada,
dialógica e comunicada publicamente. Também uma aventura do espírito inquieto do humano
na deriva cósmica ainda longa.
3.2. ELABORAÇÕES CONCLUSIVAS
Encontra-se nos conceitos de Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação –
estruturantes da epistemologia do conhecimento e da filosofia da educação Freiriana, lastro
teórico consistente para a investigação dos processos cognitivos demandados e
contextualizados na sociedade do conhecimento, da informação e da comunicação em rede
virtual/atual. Investigando o desenvolvimento destes processos cognitivos tendo em foco a
elaboração de uma Teoria da Difusão social do Conhecimento, que tenha como princípio e
meta a coexistência dialógica e respeitosa de seres livres, pensantes e politicamente
comprometidos com o bem estar coletivo, a modelagem aqui proposta apresenta-se como um
caminho possível e propositivo.
Comprometidos com a construção de meios que permitam operar a emancipação da nossa
sociedade e reconhecendo que interagir cognitivamente com o aparato maquínico disponível
se tornou o modo do estar no mundo contemporâneo, ressaltamos a necessidade de
constituição de uma Teoria do conhecimento capaz de lidar com as novas emergências
tecnológicas, consciente e politicamente, colocando-as em prol do desenvolvimento humano
sustentável, na perspectiva de emancipação dos oprimidos sociais.
Esta Teoria da Difusão Social do Conhecimento, em construção, tem então como
pressupostos:
A tarefa da Difusão como meio de Libertação, Conscientização, Diálogo e
Comunicação na construção de sociedades sustentáveis e evoluídas espiritualmente.
A perspectiva do conhecimento como um processo complexo e plural, mas que pode
ser apreendido em sua diversidade dimensional: ontológica ética, política,
epistemológica e estética.
O desenvolvimento de meios operativos para atuar no processo social de emancipação
de nossa sociedade.
142
A compreensão do desenvolvimento humano no tempo, reconhecendo o inusitado das
questões atinentes ao uso de Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem, que exigem
construções e operações outras não disponíveis no acervo até então constituído.
A opção clara e inegociável pela libertação, reconhecendo nos meios telemáticos
disponíveis potenciais de aprendizagens significativas para todos.
Compreensão dos processos cognitivos como um projeto político libertador,
instrumentalizador da emancipação mais complexa pelo fenômeno da conscientização
humana.
Reconhecimento da necessidade de que, na sociedade do conhecimento, da informação
e da comunicação, busquemos criar outros dispositivos inteligentes a serviço do
desenvolvimento humano mais elevado. Ou seja, Conscientização pode ser o
imperativo do desenvolvimento de processos cognitivos mediados telematicamente.
É preciso um método de conscientização para o uso inteligente e responsável de todo
conhecimento capaz de operar e mudar as configurações de existência. Este método
precisa ter pelo menos três linhas de fuga confluentes: a investigação temática, a
tematização e a problematização. Esta compreendida como a posse dos meios que
permitem que se aprenda no fazer-se.
A conscientização não pode ser atualizada sem o transcurso do diálogo, meio
universal de emancipação das sociedades em desenvolvimento livre.
Nos processos cognitivos em Ambientes Virtuais/Atuais de Aprendizagem o diálogo
introduz a dimensão do compartilhamento ontológico; é pelo diálogo que a
comunicação constitui o esteio da comunidade humana planetária - comunicação
dialógica.
No âmbito da Difusão Social do Conhecimento, os processos cognitivos têm uma
função eminentemente comunicativa, ocorrendo a comunicação através dos signos
linguísticos disponíveis em determinado contexto sociocultural ou realidade
existencial específica em fluxo.
Partindo deste lastro teórico, o diagrama apresentado busca constituir uma plataforma
epistemológica para a construção de processos e recursos de uma análise cognitiva implicada
com a emancipação dos sujeitos-sociais históricos em processos de formação em ambientes
virtuais/atuais. Tem caráter sugestivo e demanda um desenvolvimento metodológico
posterior, tendo em vista as especificidades e singularidades de cada dinâmica de
aprendizagem significativa, nas múltiplas dimensões do limite humano.
143
Por fim, ressaltamos nesta compreensão da Difusão Social do Conhecimento, uma política de
superação dos valores opressivos dominantes, em prol do projeto de uma humanidade
responsável pela criação, gestão e difusão do conhecimento libertador, construído e
comunicado dialogicamente, permitindo e oportunizando a conscientização de sujeitos
sociais livres e comprometidos com o ideal da coletividade sustentável.
144
CAPÍTULO V
A ANÁLISE COGNITIVA TELEMATICAMENTE MEDIADA: CONCEITOS,
INTERFACES E METODOLOGIA
Apresentação
A partir das discussões desenvolvidas nos capítulos anteriores, com os referenciais teóricos
selecionados como suporte às elaborações deste trabalho, apresento a seguir as categorias que
estruturam a Metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta, bem como as interfaces
necessárias a este processo, de forma a permitir uma visada complexa, multirreferencial e
polilógica.
Ressalto tratar-se de uma proposta, entre várias possíveis, que desdobra-se de todo um lastro
de compreensão teórico-filosófico-político-epistemológica de como ocorrem os processos
cognitivos em ambientes com mediação telemática, implicando necessariamente um
recorte/seleção consciente e aqui fundamentado, em relação a vários conceitos que perpassam
este processo. A exemplo: concepção de conhecimento e difusão; compreensão de cognição e
de sujeito cognitivo; conceito de virtual e de ambientes virtuais, concepção de política,
cidadania e sociedade entre outros.
A Matriz para Análise Cognitiva apresentada a seguir, bem como seu desdobramento nas
Fases de Análise propostas, estrutura-se a partir dos conceitos que são elencados neste
capítulo de forma sintética, posto que detalhados e analisados nos capítulos anteriores.
O desenho desta Matriz aconteceu em um mesmo dia, como “um parto” que presenteia aos
sujeitos da concepção o ser na sua inteireza, como se fruto de um milagre. Mas não há apenas
milagre no nascimento de uma criança nem de uma ideia, ambos “nascem” para o mundo ou
para a consciência de quem os concebe em um momento-marco, aparentemente rápido, mas
são o fruto de todo um caminho de junção, divisão, criação, crise, amadurecimento, VIDA.
Foi esta a sensação que tive ao compor a matriz que aqui apresento. Ela veio pronta desde o
primeiro desenho, a sensação foi tão forte que mentalmente exclamei: “está nascendo”!
Obviamente, todo o processo de descrição, detalhamento, explicação, bem como o
desdobramento em fases, resulta de muitas horas posteriores de trabalho, da mesma forma
frutificando das construções e elaborações que antecederam a criação da Matriz,
145
amadurecidas e sistematizadas no percurso do doutoramento, mas oriundas de toda uma vida
de formação, pesquisa, exercício e reflexão.
146
Quadro 1 - Matriz para Análise Cognitiva Telematicamente Mediada
Fonte: a autora
AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS /
DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES
PSICOLÓGICAS SUPERIORES
CATEGORIAS ESTRUTURANTES
Internalização e desenvolvimento de sistemas
simbólicos
Pensamento generalizante
Desenvolvimento em três diferentes domínios
Diferenciação/individuação
Domínio dos fundamentos gerais de um dado
campo
Elaboração dos sistemas/técnicas para
processar e representar informações
Qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação
Comandar os tipos de representações
Pensamento intuitivo
ORGANIZAÇÃO AUTOPOIÉTICA
Autonomia / dependência - autoprodução na interação
com o meio
Conhecimento como ação efetiva
Acoplamento estrutural na contínua conservação da
autopoiese
Clausura operacional especificando a identidade
EPISTEMOLOGIA E FILOSOFIA FREIRIANA
Diálogo
Comunicação
Libertação
Conscientização
AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL (AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD)
Temporalidade experienciada humanamente
Emergência de um Terceiro incluído: subjetivações humanas
Diferentes níveis de Realidade e de percepção: virtual, potencial e atual
Tudo o que é real é também virtual, e tudo o que é virtual é real
Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a distância
não está determinada
VISADA POLILÓGICA
Atitude crítica de radicalidade aprendente
Insuficiência da razão Monológica – precipitações
modulares poliformes
Condição ontológica do ser-no-mundo-com –
pluricentralidade do sentido
Desconstrução do ego transcendental – aprendizado da
diferença ontológica
147
1. Conceitos e Interfaces
1.1. CATEGORIAS ESTRUTURANTES
As categorias que estruturam a metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta decorrem do
diálogo e recorte próprio e apropriado (na perspectiva polilógica) que faço dos Teóricos da
Psicologia Cognitiva: Jean Piaget, Jerome Bruner, Lev Vygotsky e Henri Wallon.
Algumas categorias são claramente características da obra de um ou de outro destes teóricos,
e outras são junções que faço de conceitos utilizados pelos mesmos, por vezes com
nomenclaturas diferentes, mas que compreendo tratarem dos mesmos processos.
Tendo como conceitos amplos e integradores a Aquisição de Estruturas Mentais e o
Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores, são definidas nove categorias
estruturantes, conforme descriminado a seguir:
Quadro 2 - Categorias Estruturantes
CONCEITOS AMPLOS
E INTEGRADORES
CATEGORIAS ESTRUTURANTES
AQUISIÇÃO DE
ESTRUTURAS
MENTAIS - construção
de esquemas mais amplos
e flexíveis através do
processo de equilibração.
DESENVOLVIMENTO
DAS FUNÇÕES
PSICOLÓGICAS
SUPERIORES - controle
consciente do
comportamento, a ação
intencional, liberdade em
relação ao momento e
espaço presentes.
INTERNALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE
SISTEMAS SIMBÓLICOS para organizar os signos em
estruturas mais complexas.
PENSAMENTO GENERALIZANTE - ordena o real,
agrupando objetos, eventos e situações em uma mesma
categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com
o objeto.
DESENVOLVIMENTO EM TRÊS DIFERENTES
DOMÍNIOS: afetivo, cognitivo e motor.
DIFERENCIAÇÃO - processo de INDIVIDUAÇÃO
progressiva como caminho da socialização.
DOMÍNIO DOS FUNDAMENTOS GERAIS DE UM
DADO CAMPO - captar as ideias centrais deste campo,
imaginando soluções, buscando intuições e palpites sobre
como resolver determinada situação.
ELABORAÇÃO DOS SISTEMAS/TÉCNICAS PARA
148
PROCESSAR E REPRESENTAR INFORMAÇÕES,
como fases internas do desenvolvimento.
QUALIDADE LÓGICA, ‘RACIONAL’ DA
CONCEITUAÇÃO - busca de informações, reconhecendo
as regularidades em um meio ambiente normalmente
complexo.
COMANDAR OS TIPOS DE REPRESENTAÇÕES –
elaborar de forma complexa, representações do mundo da
experiência possível.
PENSAMENTO INTUITIVO - o treinamento dos
palpites. Intuição como “o ato de captar o sentido, o
alcance ou a estrutura de um problema ou situação”
(JEROME BRUNER)
Fonte: a autora.
A utilização da matriz e metodologia aqui propostas implica na apropriação pelo analista
cognitivo do referencial teórico que as subsidiam, sendo talvez necessário um estudo ou
processo de formação para uma utilização adequada das mesmas. Neste capítulo, entretanto,
com o objetivo de oferecer um material sintético, de consulta direta para aqueles que já
possuem uma certa apropriação da fundamentação teórica citada, desenvolvo uma descrição
sintética de conceitos basilares à compreensão das categorias que compõem a matriz,
indicando ao final, quando couber, o autor destes conceitos:
o Aquisição das estruturas mentais - processo de aquisição individual que prevê
necessariamente a cooperação, as trocas e intercâmbio entre as pessoas. (JEAN
PIAGET)
o Equilibração - o ser humano vai desenvolvendo esquemas mentais adaptativos a cada
nova situação com a qual se depara na interação com a realidade - construção de
esquemas mais amplos e flexíveis é a consequência desta busca. Implícitos ao conceito
de equilibração estão, na teoria piagetiana, os conceitos de assimilação e acomodação
(JEAN PIAGET)
o Os seres humanos interagem com o ambiente tendo como suporte instrumentos
mediadores chamados signos - esses instrumentos permitem ao ser humano escapar da
influência direta do meio externo, sendo capaz de percebê-lo e representá-lo de
diversas formas. (L. S. VYGOTSKY)
149
o Desenvolvimento das funções psicológicas superiores - mecanismos psicológicos
mais sofisticados, mais complexos, que são típicos do ser humano e que envolvem o
controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade do indivíduo
em relação às características do momento e do espaço presentes. (L. S. VYGOTSKY)
o Duas mudanças qualitativas fundamentais no uso de signos: o processo de
internalização e o desenvolvimento de sistemas simbólicos para organizar os signos
em estruturas mais complexas. (L. S. VYGOTSKY)
o Duas funções básicas da linguagem: a) intercâmbio social e b) pensamento
generalizante – O pensamento generalizante transforma a linguagem em um
instrumento do pensamento. É ela quem ordena o real, agrupando objetos, eventos e
situações em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o
objeto. (L. S. VYGOTSKY)
o Um projeto de estudo integrado do desenvolvimento precisa contemplar afetividade,
motricidade e inteligência, considerando a criança nas suas relações com o meio.
(HENRI WALLON)
o O desenvolvimento deve ser enfocado em três diferentes domínios: afetivo, cognitivo
e motor - buscando compreender e explicar a complexidade do real, “por uma
perspectiva dinâmica, multifacetada e extremamente original”. (HENRI WALLON)
o Conceito de diferenciação - o processo de socialização é um processo de individuação
progressiva - O conflito eu-outro está presente mesmo na vida adulta, em algumas
situações específicas. (HENRI WALLON)
o O domínio dos fundamentos gerais de um dado campo implica em captar as ideias
centrais deste campo, no desenvolvimento de uma atitude especial em relação à
aprendizagem e à investigação, imaginando soluções, buscando intuições e palpites
sobre como resolver determinada situação. (JEROME BRUNER)
o É necessário reconhecer no desenvolvimento humano três sistemas que funcionam em
paralelo, para processar e representar informações, como fases internas do
desenvolvimento: a) através de manuseio e ação; b) através de organização perceptiva
e de imagens; c) como aparelho simbólico. A elaboração desses três sistemas de
técnicas/três sistemas básicos de instrumentos permite ao organismo maduro o uso
total das próprias aptidões. (JEROME BRUNER)
o Qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação no homem adulto - forma como o adulto
age na busca de informações, reconhecendo as regularidades em um meio ambiente
normalmente complexo, apesar das suas limitações na capacidade para processar os
150
dados e dos naturais riscos que incorremos em qualquer ato de julgar ou fazer opções.
(JEROME BRUNER)
o Desenvolvimento intelectual - considerações com vistas ao seu entendimento:
Capacidade que o sujeito adquire de independência imediata ao estímulo do
meio ambiente.
Aptidão progressiva para fazer previsões e extrapolações em função de
modelos armazenados a partir da absorção de eventos diversos vivenciados.
Reconhecimento da necessidade lógica, espírito de análise própria da filosofia,
que conduz os seres humanos para além de uma mera adaptação empírica ao
meio. (JEROME BRUNER)
o No processo de desenvolvimento intelectual o ser humano vai tornando-se apto a
comandar os tipos de representações. o último passo deste processo é tornar as
palavras “veículos para penetrar nas categorias do possível, do condicional, do
condicional contra-atual” (BRUNER, 1969, p. 28), domínio este em elaborar de forma
complexa, representações do mundo da experiência possível.
o O pensamento intuitivo, o treinamento dos palpites, é um aspecto essencial, embora
muito desprezado, do pensamento produtivo. O pensamento analítico caminha passo a
passo, cada passo explícito, podendo ser relatado por aquele que pensa, posto que se
processa com a consciência do sujeito sobre as informações e operações implicadas.
(JEROME BRUNER)
o Intuição - “o ato de captar o sentido, o alcance ou a estrutura de um problema ou
situação” (BRUNER, 1978, p. 55-56) sem para isto utilizar-se dos recursos do
pensamento analítico - natureza complementar dos dois tipos de pensamento, o
Analítico e o Intuitivo.
1.2. INTERFACES PARA ANÁLISE
A Metodologia de Análise Cognitiva aqui proposta pauta-se em uma compreensão complexa,
multirreferencial e polilógica de Cognição, que permita capturar as múltiplas dimensões e
implicações dos processos cognitivos do sujeito humano em sua inteireza, em sua condição
ontológica do ser-no-mundo-com, implicado com este mundo, histórica e culturalmente
situado, transformando-o e transformando-se através de sua atuação contínua, dialógica,
mediada e compartilhada com outros sujeitos. Abandonando a crença de uma razão sempre
151
lógica e ciente de tudo, em sua forma modular e monoforme de ser, buscar aprender a partir
das precipitações modulares poliformes (GALEFFI).
Nesta perspectiva, as categorias estruturantes que compõem a Matriz de Análise devem ser
utilizadas considerando as interfaces com as dimensões filosófico-político-epistemológicas
selecionadas, buscando a ruptura com as dicotomias construídas historicamente no dito “saber
científico”, que recortam o sujeito como se fosse possível compreendê-lo em separado: mente
e corpo, matéria e psique, individual e cultural, entre outras. Esta metodologia de Análise
busca um pensamento que une e não separa todos os aspectos presentes no universo, que
compreende que tudo está ligado a tudo, a parte está no todo assim como o todo está na
parte; cada parte, por um lado, conserva suas qualidades, mas por outro, contém a totalidade
do real; nada está isolado no Cosmos, mas sempre em relação a algo. (MORIN).
É certo que categorizações, classificações, conceituações detalhadas fazem parte da
construção do conhecimento, entretanto, estas precisam ser compreendidas apenas como
recursos metodológicos explicativos, descritivos, que necessariamente devem ser reunidos,
confrontados, dialetizados, na compreensão dos processos humanos e sociais. No ato de
pensar não cabem compartimentações categoriais, porque o pensar não é um ato que se pode
qualificar de racional; pensar é permanecer diante do vazio: se pensa quando o impensável
nos captura em sua imensidão vazia. (GALEFFI).
Nesta busca, foram selecionadas três dimensões filosófico-político-epistemológicas a serem
consideradas no processo de Análise Cognitiva em suas interfaces com as categorias
estruturantes: Organização Autopoiética (Maturana e Varela), Visada Polilógica (GALEFFI,
Dante) e Epistemologia e Filosofia Freiriana. Além destas três, uma quarta dimensão
compõem o processo de Análise aqui apresentado: a Interface ambiente virtual/atual –
educação sem distância (ESD). Esta última interface se diferencia das demais por não tratar-se
da contribuição de uma determinada teoria filosófico-epistemológica já reconhecida
academicamente, mas de uma construção que ocorre em estreita articulação com a elaboração
desta tese e que sistematiza um olhar próprio e apropriado sobre conceitos basilares ao
universo da telemática: virtual/atual/real, presença e distância, tecnologias e ação humana,
entre outras.
152
Em formato semelhante ao adotado para apresentação das categorias estruturantes, segue uma
apresentação sintética de alguns conceitos selecionados das construções teóricas referidas,
estes também selecionados de forma “própria e apropriada”, considerando sua pertinência e
relevância para a Análise Cognitiva mediada telematicamente. As três dimensões adotadas
neste método perpassam toda a construção desta tese e são apresentadas e analisadas em
capítulos anteriores.
INTERFACE 1. Organização Autopoiética (Maturana e Varela)
O que é mais específico neste tipo de organização é que o sujeito é o seu produto, não
havendo assim separação entre produtor e produto.
Os seres vivos se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si
próprios, organização esta que caracteriza o ser humano: “(...) um sistema autopoiético se
levanta por seus próprios cordões, e se constitui como diferente do meio por sua própria
dinâmica, de tal maneira que ambas as coisas são inseparáveis” (MATURANA e VARELA,
2001, p. 55).
Os seres vivos são unidades autônomas, capazes de especificar sua própria legalidade, aquilo
que lhe é próprio. O modo, o mecanismo que faz dos seres vivos sistemas autônomos é a
autopoiese. Não há separação entre produtor e produto, o ser e o fazer de uma unidade
autopoiética são inseparáveis.
Autonomia/Dependência
Autonomia e dependência constroem uma à outra, numa dinâmica circular. Autoprodução na
interação com o meio - os seres vivos são autônomos, isto é, autoprodutores – capazes de
produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio: vivem no conhecimento e
conhecem no viver.
Conhecimento como Ação Efetiva
O conhecimento vai além do processamento de informações de um mundo que existe antes da
experiência do observador. Todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer. A
circularidade / encadeamento entre ação e experiência, inseparabilidade entre ser de uma
maneira particular e como o mundo nos parece ser, nos diz que todo ato de conhecer faz
surgir um mundo.
153
Conhecer é uma ação efetiva, ou seja, uma efetividade operacional no domínio de existência
do ser vivo. Explicação do conhecer:
I. Fenômeno a explicar: ação efetiva do ser vivo em seu meio ambiente;
II. Hipótese explicativa: organização autônoma do ser vivo. Deriva filogenética
e ontogenética, com conservação da adaptação (acoplamento estrutural;)
III. Dedução de outros fenômenos: coordenação comportamental nas interações
recorrentes entre seres vivos e coordenação comportamental recursiva sobre
a coordenação comportamental;
IV. Observações adicionais: fenômenos sociais, domínios lingüísticos,
linguagem a autoconsciência. (MATURANA e VARELA, 2001, p.35)
Assim podemos entender o conhecer como ação efetiva, que permite ao ser vivo, ao fazer
surgir o seu mundo, continuar sua existência em um meio determinado.
Acoplamento Estrutural
Nos seres vivos, determinação e acoplamento estrutural ocorrem na contínua conservação da
autopoiese, estando tudo subordinado a esta conservação. Duas (ou mais) unidades
autopoiéticas podem estar acopladas em sua ontogenia, quando suas interações adquirem um
caráter recorrente ou muito estável.
Cada interação organismo-meio é uma interação específica, na qual o meio atua em contínua
seleção das mudanças estruturais que o organismo viverá em sua ontogenia, da mesma forma
que os seres vivos operam como seletores das mudanças estruturais do meio.
[...] entre a estrutura do meio e a da unidade há uma compatibilidade ou
comensurabilidade. Enquanto existir essa comensurabilidade, meio e unidade
atuarão como fontes de perturbações mútuas e desencadearão mutuamente mudanças
de estado. A esse processo continuado, demos o nome de acoplamento estrutural.
(MATURANA e VARELA, 2001, p. 112)
A ontogenia de um indivíduo é uma deriva de modificações estruturais com invariância da
organização e, portanto, com conservação da adaptação. Considerando que organismos e
meio variam de modo independente, é o jogo entre as condições históricas em que ocorrem as
variações e as propriedades intrínsecas dos indivíduos que determinará a constância e a
variação do resultado. Evolução é uma deriva natural, decorrência da invariância da
autopoiese e da adaptação.
Clausura Operacional
Os seres vivos têm uma clausura operacional em sua organização: sua identidade está
especificada por uma rede de processos dinâmicos, cujos efeitos não saem dessa rede. A
compreensão deste conceito implica na percepção do papel do sistema nervoso nos domínios
154
comportamentais. Como parte do organismo, logo funcionando com determinação estrutural,
não pode o meio determinar suas mudanças, mas apenas desencadeá-las.
O sistema nervoso, como parte que é de um organismo, funciona com determinação
estrutural. Pode ser definido como dotado de clausura operacional, pois é constituído de forma
tal que qualquer mudança gera modificações nele mesmo, funcionando como “uma rede
fechada de relações de atividade entre seus componentes." (2001, p. 183)
Assim faz-se necessário a ampliação da perspectiva, sem considerar o comportamento dos
seres vivos como uma invenção do sistema nervoso, mas reconhecendo que sua presença
expande as possibilidades de conduta ao dotar o organismo de uma estrutura versátil e
plástica.
Nos sistemas sociais humanos, identifica-se a clausura operacional também em comunidades
humanas, ocorrendo no acoplamento estrutural de seus componentes.
Comunicação
Necessário compreender os fenômenos sociais como acoplamentos estruturais de terceira
ordem. Quando organismos com sistema nervoso interagem de forma recorrente ao longo de
sua ontogenia, representando mútua fonte de perturbações, estabelece-se um acoplamento
estrutural – permitindo a manutenção da individualidade de cada um – de diferentes
complexidades e estabilidades.
Entre indivíduos acoplamentos estruturais constituem então fenômenos sociais, e dentro
destes, a comunicação, compreendida como “o desencadeamento mútuo de comportamentos
coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social. (...)” (MATURANA e
VARELA, 2001, p. 215).
É falsa a metáfora da comunicação produzida em um ponto e transmitida para o outro extremo
– o receptor – por meio de um tubo- “transmitir informação”. Sempre há ambiguidade numa
interação comunicativa. O fenômeno da comunicação não depende daquilo que se entrega,
mas do que acontece com o receptor.
A comunicação é então compreendida como o “desencadeamento mútuo de comportamentos
coordenados que se dá entre os membros de uma unidade social” (MATURANA e VARELA,
155
2001, p. 215). Assim, a peculiar característica da comunicação é que ela ocorre no domínio do
acoplamento social.
Conduta Cultural
Os autores a definem como a “estabilidade transgeracional de configurações comportamentais
ontogeneticamente adquiridas na dinâmica comunicativa de um meio social.” (MATURANA
e VARELA, 2001, p. 223). Surgem em decorrência do conjunto de interações comunicativas
ontogeneticamente determinadas que permitem uma certa invariância na história de um grupo,
indo além da história particular dos sujeitos que participam deste grupo.
As condutas culturais estabelecem um domínio de condutas comunicativas ou
comportamentos coordenados associados a termos semânticos: “O cultural é um fenômeno
que se viabiliza como um caso particular de comportamento comunicativo.” (MATURANA e
VARELA, 2001, p. 223)
Domínios Linguísticos
O domínio linguístico de um organismo abrange todos os seus comportamentos linguísticos,
que são em geral variáveis, e modificam-se ao longo das ontogenias dos organismos que os
produzem. Os comportamentos linguísticos humanos ocorrem num domínio de acoplamento
estrutural ontogênico estabelecido e mantido pelos seres humanos, em resultado de suas
ontogenias coletivas.
O ser humano, enquanto observador, “percebe que as descrições podem ser feitas tratando
outras descrições como se fossem objetos ou elementos do domínio de interações.”
(MATURANA e VARELA, 2001, p. 233). Então, somente a partir desta reflexão linguística é
que passa a existir a linguagem, surge o observador, e os organismos participantes de um
domínio linguístico passam a funcionar num domínio semântico. Humanos existem a partir do
seu funcionamento na linguagem, e é a partir dela que conservam sua adaptação no domínio
semântico criado pelo modo linguístico de operar.
Em desdobramento, reconhece-se como característica-chave da linguagem, que esta modifica
radicalmente os domínios comportamentais humanos, possibilitando os fenômenos da
reflexão e da consciência, ao permitir aos sujeitos descreverem a si mesmos e à
circunstância na qual estão inseridos
156
Consciência Humana
Para a biologia da cognição, o que chamamos consciência só é possível graças ao modo
recursivo de operação da linguagem, posto que, é a partir do funcionamento e ampliação da
linguagem que a coerência e estabilização da sociedade como unidade se processará. Os
fenômenos do mental e da autoconsciência só existem em função do aparecimento da
linguagem no homem e do contexto social em que ela surge. A dinâmica de ambos pertence
ao domínio do acoplamento social, no qual “funcionam como seletores do caminho que segue
nossa deriva estrutural ontogênica”. (MATURANA e VARELA, 2001, p. 257)
A Realidade como Argumento Explicativo - O Fenômeno do Conhecer (Humberto
Maturana)
Com o objetivo de explicar o fenômeno do conhecer, define como ponto de partida o
observador observando, e o observar. Esta ação do conhecer, de como se validam nossas
coordenações cognitivas não é uma coisa trivial, mas pertence à vida cotidiana.
O explicar é sempre uma reformulação da experiência que se explica, só podendo ser
considerada explicação quando esta reformulação da experiência for aceita por um
observador.
Dentre os caminhos explicativos da realidade, adota o da objetividade entre parênteses - toda
explicação é uma reformulação da experiência com elementos da experiência. Nesse instante,
também se faz evidente que o não poder distinguir entre ilusão e percepção é irrelevante. No
caminho da objetividade entre parênteses, minha afirmação cognitiva é válida pelas
coerências operacionais que a constituem.
No momento em que aceito a pergunta pelo observador e pelo observar, descubro que a
realidade é uma proposição explicativa, a realidade é sempre um argumento explicativo há
tantas realidades quantos domínios explicativos, todas legítimas.
INTERFACE 2. Visada Polilógica (GALEFFI, Dante)
POSIÇÕES E PROPOSIÇÕES DE UM FILOSOFAR POLILÓGICO
Um étimo filosófico próprio e apropriado. Compreendo a filosofia como filosofar -
Sem filosofar a filosofia se torna substantiva e monológica, perdendo a articulação
verbal que a torna inventiva e polilógica.
157
O risco da substantivação monológica consiste na perda de flexibilidade em relação ao
tempo instante (presente) - O perigo da verbalização polilógica é o excesso de
potência, o que acarreta pânico.
Na história do Ocidente, a ênfase excessiva na substantivação excluiu o verbo de sua
potência tônica e átona - A partir desse foco, a racionalidade ocidental considera o
tempo como extensão, desconhecendo sua têmpera tímica intensiva-pulsional.
Vício da substantivação levou os pensamentos dos filósofos ocidentais a se
constituírem em grandes catedrais da inteligência inventiva - inibem o surgimento de
novas catedrais - do sentido próprio ao ente-espécie hominal.
Problema da substantivação excessiva: a pretensão de modular a continuidade da vida
do planeta a partir de princípios forjados por uma racionalidade instrumental
exclusiva.
Nada há de mais volátil do que a substância. Por ser substância, sua identidade é
sempre uma relação com o que passa: é substância porque subsiste, isto é, persiste na
passagem, arde, consome-se.
Fica clara a diferença entre a filosofia como instituição milenar e o filosofar como
abertura para a experienciação - sempre no meio e nunca encontra um fim.
Permite sair da cidadela metafísica da racionalidade instituída, para assumir uma
decisão: filosofar, isto é, um pôr-se a caminho do saber que sabe.
Só se pode filosofar em língua e linguagem próprias - precisamos aprender a pensar
diretamente, sem necessidade de mediadores autorizados - aprender a pensar pensando
a partir das próprias circunstâncias - a partir de si mesmo.
Sem esta atitude de radicalidade, nenhum filosofar pode alcançar a doação do verbo,
enquanto ação criadora livre de dolos e finalidades primeiras e últimas.
No ato de pensar não cabem compartimentações categoriais, porque o pensar não é um
ato que se pode qualificar de racional - pensar é permanecer diante do vazio - Se pensa
quando o impensável nos captura em sua imensidão vazia.
ATITUDE CRÍTICA DE RADICALIDADE - ciência fenomenológica: ciência em
sentido propriamente filosófico, o que pressupõe uma absoluta liberdade de voo.
Ciência como atividade aprendente de conhecimentos, que dizem respeito ao nosso
comum pertencimento ao ente-espécie humanidade, segundo nossas concretas e
históricas condições existenciais (ambientais, corporais, materiais, simbólicas).
A comum dicotomia entre as ciências exatas e as ciências não exatas, com privilégio
das ciências objetivas sobre aquelas ditas subjetivas, ainda regula as formas de
158
valoração das atividades humanas produtivas, permitindo a desvalorização, ou
subserviência, das investigações que compreendem o ser humano em sua radicalidade,
justamente porque estas não se curvam ao sistema maquínico armado como domínio e
dominância.
Restaurar um sentido de “ciência” que diga respeito, como ação, à aquisição de um
conhecimento que nos liberte do jugo imperante da bestialidade e da rudeza espiritual
dominante, uma ciência que se exercita como construção humana de uma sociedade de
iguais. Esta é a maior ciência de todas, justamente porque se ocupa do único ente que
necessita de cuidado e atenção absoluta: o ser humano.
O que dizemos como ciência é o nosso próprio modo de ser-consciente do que
sabemos fazer com a vida — um saber-fazer com arte. Atitude de radicalidade
aprendente que a fenomenologia procura descrever.
Não compreendemos mais os fenômenos como dados, e sim como campos de forças
conflitantes e interativos, em relação aos quais não se pode nunca explicar, mas
simplesmente dizer o que nunca se deixa paralisar na fixação de uma só face, de um só
sentido, de uma única verdade.
Se pretendemos descrever acontecimentos aprendentes, não nos cabe determinar a
priori as categorias da nossa realidade verdadeira, a tarefa, agora, é justamente de
silenciar o acúmulo de representações do sentido, realizando-se, assim, um retorno
radical sobre nós mesmos. Esta atitude aprendente não se deixa levar pelo argumento
fácil do que se impõe como lei estabelecida excludente
POSIÇÕES E PROPOSIÇÕES
Ponto de partida fenomenológico - Edmund Husserl, em relação a “uma reforma total da
filosofia, para fazer desta uma ciência com fundamentos absolutos” (s/d, p. 10). O retorno
radical sobre nós mesmos — fundamento para construir uma filosofia polilógica
1. A radicalidade do ponto de partida
O ente-espécie humanidade possui a possibilidade do autoconhecimento. Em todos os
tempos e lugares, os seres humanos experienciaram a construção do
autoconhecimento. Das culturas mais arcaicas até aquelas mais aparelhadas
tecnicamente, o fenômeno do autoconhecimento é rasgante. Todo filosofar haverá
sempre de começar pelo autoconhecimento - só filosofa quem se percebe implicado no
pensar.
159
Esta possibilidade que se abre como filosofar não possui proprietários e muito menos
propriedades - Vê-se aí o signo da individuação humana.
O filosofar é a fundação e a realização do próprio ser-sendo na sua incorrigível
policentralidade, ou melhor, em suas formas singulares de ser-aparecendo-
desaparecendo.
2. A insuficiência da razão monológica para a investigação dos eventos implicados
(acontecimentos fenomenológicos dos entes que compreendem e agem sobre o mundo
natural).
Considerar o fenômeno humano a partir de uma visada polilógica, onde a ideia de
uma centralidade onipotente e onipresente é obtusa e reducionista. Não faz sentido
investigar fenômenos específicos fora de suas concretas condições e circunstâncias.
Abandonada a crença de uma razão sempre lógica e ciente de tudo, em sua forma
modular e monoforme de ser - aprender a partir das precipitações modulares
poliformes.
A racionalidade monológica, nitidamente, não dá mais conta da complexidade dos
fenômenos implicados. Entretanto, para se ultrapassar tal racionalidade é preciso
edificar outra forma de ser-sendo.
O mérito da filosofia não está em sua monoliticidade e sim em sua dinamicidade em
dissolver ideias fixas e fazer fluir o evento inominável - o fim da filosofia é o seu
próprio meio de expressão: a dialogicidade pensante
É uma ingenuidade danosa considerar que se pode ter o controle dos fenômenos pelas
monitorações cada vez mais sofisticadas dos mesmos - empobrecemos nossa
possibilidade de ser toda vez que adotamos um determinado regime normativo como
lei da ação.
É preciso que se aprenda a pensar por conta própria. E este ato não nega aquilo que
nos constitui enquanto seres de relação, seres cuja identidade corresponde à própria
condição concreta de copertencimento a um cosmos extraordinariamente imprevisível
e densamente configurado.
3. A condição ontológica do ser-no-mundo-com.
Não estamos no mundo como algo externo ao nosso modo de ser. O nosso ser é ser-
no-mundo-com. Nossa única saída existencial é partir da condição relacional que nos
constitui ontologicamente.
160
O pensar mesmo nunca é uma mera representação de uma realidade objetiva ou
subjetiva, muito menos carece de provas e refutações. A exigência destas serve a fins
de dominação ideológica, que impede o acontecimento da pluricentralidade do
sentido.
Todo ser humano é participante de um cosmos todo recolhido em si mesmo e cheio de
virtualidades desconhecidas e veladas. Em sua individuação, cabe-lhe alcançar um
modo de compreensão que o torne artífice de sua própria realização.
Ninguém pode viver a saga única do outro, e toda pretensão de reduzir o outro a algo
que já se conhece não passa de engodo da razão prepotente. O ser-no-mundo-com é
cada um de nós em sua peculiaridade indizível.
4. Esvaziamento da pretensão de exatidão e de neutralidade axiológica na realização de novas
ciências implicadas
Gadamer (1998; 2002): não há razão para se acreditar na hegemonia de uma
racionalidade sempre lógica - por princípio, não há ciência que não pressuponha o ser
capaz de produzi-la e sustentá-la por meio de seu próprio existir coligado.
É preciso, então, que as ciências implicadas sejam independentes umas das outras, tal
independência, entretanto, não exclui a possibilidade da intercomunicação, desde
quando não se queira dominar os outros - somente existe acordo quando há igualdade
nas relações de diferentes.
A pretensão de exatidão para a descrição dos fenômenos implicados é, portanto, um
engodo. Que existimos em um universo perpassado por estruturas prévias e condições
determinadas é algo que não se pode negar Mas que tais estruturas e tais condições
devam ser condenações eternas e imutáveis, isto está fora de toda razoabilidade
inerente ao nosso comum modo de ser-no-mundo-com.
É a abertura ontológica que nos pode permitir CONSTRUIR UM FILOSOFAR PRÓPRIO E
APROPRIADO - NOVA REALIZAÇÃO DO SER-SENDO
Proposição 1: A desconstrução do ego transcendental - ultrapassar o horizonte posto pela
filosofia moderna para o sentido, ultrapassar as novas representações do sentido que se
distribuem pelos meios autorizados de comunicação e produção de conhecimento. Alcançar o
aprendizado da diferença ontológica que nos constitui como seres de passagem e não como
cópias imperfeitas de modelos intangíveis e tirânicos. Justo porque somos indeterminados é
161
que partilhamos da possibilidade de sempre ser-mais. Somos apenas na medida em que
passamos, em que nos tornamos verbo-instante. Mistério que cada um haverá de realizar por
conta própria, apesar de sempre inevitavelmente constelado e pluriconfigurado.
Proposição 2: A pluricentralidade da construção do sentido - O sentido é, por natureza,
polilógico, polifônico, polissêmico, não existe fora de concretas condições e circunstâncias.
Inadequação de nossa comum racionalidade na compreensão dos eventos implicados, posto
que nenhuma razão hegemônica pode-se sobrepor ao fluxo imprevisível dos acontecimentos
do sentido. Múltiplos são os modos de ser do sentido, por natureza, tudo é singular e plural, e
nada se pode reduzir a um princípio único quantificável, pois tudo o que é possui em si
mesmo a estrutura da diferença ontológica. A única verdade que nos interessa é aquela que
nos diz respeito. Nesta medida, muitas são as verdades e muitos são os caminhos (métodos)
para realizá-las. Qualquer ideia, portanto, de exclusividade e superioridade é sinal de
dominação ideológica deliberada.
Proposição 3: As flutuações singulares como campo atentivo do filosofar - O que importa é o
que está próximo e vem à luz pelas flutuações singulares. É no presente que se filosofa, é para
o presente que o filosofar se oferece como morada do humano. É preciso, antes de tudo, para
se poder filosofar em língua e linguagem próprias, que se possua o sentido polilógico das
possibilidades do ser-sendo em suas precipitações singulares e irrepetíveis. O filosofar é o
caminho para o encontro derradeiro consigo mesmo: um relampejar na história policêntrica do
ser-sendo.
INTERFACE 3. Epistemologia e Filosofia Freiriana
A) Conceitos Básicos
Em sua abordagem essencialmente política, liberdade e libertação constituem a tese central,
condição essencial de humanização de homens e mulheres, objetivo fim de qualquer processo
educativo. A conscientização e o diálogo são o caminho para esta libertação, por sua vez,
condição de autoafirmação do sujeito: imersa no mundo do opressor, a consciência do
oprimido vive uma dualidade: ao tempo em que hospeda em si os valores, as ideias, a visão
de mundo do dominador e teme a liberdade, a deseja, ansiando pela libertação. Para Freire, o
oprimido vive assim uma luta interna, que precisa deixar de ser individual para ser coletiva.
162
Enquanto a tomada de consciência é o momento em que o sujeito se distancia da realidade
para percebê-la criticamente, a conscientização é um passo além, constituindo-se em ação
transformadora. Freire criou o conceito de “consciência transitiva crítica” - a consciência
articulada com a práxis, ao mesmo tempo desafiadora e transformadora, e que só é alcançada
com o diálogo crítico, a fala e a convivência.
O diálogo horizontal entre sujeitos que se respeitam, não apenas como seres humanos, mas no
reconhecimento de que são ambos detentores de saberes (saber científico e saber popular),
está presente na compreensão de Freire sobre a construção do conhecimento. O contexto que
provoca a construção do conhecimento tem em si, necessariamente: o reconhecimento da
existência de um saber popular, gerado na prática social do povo, a participação do sujeito da
aprendizagem e o reconhecimento de que a forma de trabalhar, o processo do ato de aprender
é determinante em relação ao próprio conteúdo da aprendizagem.
O diálogo para Freire, sempre em uma relação horizontal, nutre-se de amor, humildade,
esperança, fé e confiança; necessariamente deve pautar-se no exercício da tolerância, no
sentido da convivência com a diferença. Como exigência existencial, é o diálogo que
possibilita a comunicação permitindo que os sujeitos dialogantes ultrapassem a dimensão da
vivência imediata. O mundo social e humano só existe a partir da comunicabilidade, é a
intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo cultural e histórico,
estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto.
Argumentando que não existe pensamento isolado, posto que o homem não é isolado, Freire
concebe no ato de pensar a exigência do sujeito que pensa, do objeto pensado (que atua como
mediador com o outro sujeito da comunicação) e da comunicação entre os sujeitos, esta
ocorrendo através dos signos linguísticos. É na coparticipação dos sujeitos no ato de pensar,
que ocorre a comunicação.
A compreensão do pensamento para Freire implica o reconhecimento de sua dupla função:
cognoscitiva e comunicativa. O que caracteriza a comunicação é o diálogo e o diálogo
necessariamente é comunicativo. Não é possível que um conteúdo seja simplesmente
comunicado a um outro sujeito posto que a comunicação implica numa reciprocidade. Esta
comunicação se dá através de signos linguísticos, logo, é indispensável que os sujeitos
comunicantes acordem um significado para estes signos, partilhado entre ambos, de forma a
haver a compreensão.
163
Para Freire, compreensão, inteligibilidade e comunicação, são processos inseparáveis e
simultâneos. Reconhecendo na comunicação eficiente a exigência de que sujeitos
comunicantes, mediatizados pela “admiração” a um mesmo objeto, expressem-se através de
signos linguísticos comuns a ambos - coerente com todo o seu pensar, Freire compreende que
na comunicação “não pode ser rompida a relação pensamento-linguagem-contexto ou
realidade”.
B) Apropriação destes Conceitos na Investigação dos Processos Cognitivos em
Ambientes Virtuais/Atuais
o Conceitos fundamentais estruturantes do pensamento de Paulo Freire nos levam a uma
consideração apropriativa no âmbito do objeto de estudo que visa investigar os
processos cognitivos em ambientes virtuais/atuais de aprendizagem, tendo como
sentido político a Difusão Social do Conhecimento.
o Hipótese operativa: é tarefa uma Difusão Social do Conhecimento como meio de
Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação na construção de sociedades
sustentáveis e evoluídas espiritualmente.
o Os conceitos de Libertação, Conscientização, Diálogo e Comunicação são aqui
apropriados para a consolidação de nosso esteio epistemológico, ao tratarmos do
conhecimento como um processo complexo e plural, mas que pode ser apreendido em
sua diversidade dimensional: ontológica ética, política, epistemológica e estética.
o Opção clara e inegociável pela libertação, reconhecendo nos meios telemáticos
disponíveis potenciais de aprendizagens significativas para todos.
o Compreensão dos processos cognitivos como um projeto político libertador,
instrumentalizador da emancipação mais complexa pelo fenômeno da conscientização
humana.
o Reconhecimento da necessidade de que, na sociedade do conhecimento, da
informação e da comunicação, busquemos criar outros dispositivos inteligentes a
serviço do desenvolvimento humano mais elevado. Ou seja, Conscientização pode ser
o imperativo do desenvolvimento de processos cognitivos mediados telematicamente.
o Conscientização com o transcurso do diálogo, meio universal de emancipação das
sociedades em desenvolvimento livre - o diálogo introduz a dimensão do
compartilhamento ontológico; é pelo diálogo que a comunicação constitui o esteio da
comunidade humana planetária - comunicação dialógica.
164
o Proposição circular e dialógica: A libertação está para a conscientização assim como o
diálogo está para a comunicação – a libertação comunica, a conscientização dialoga –
o diálogo liberta, a comunicação conscientiza.
INTERFACE 4. Ambiente Virtual/Atual – Educação sem Distância (ESD)
Nesta interface localiza-se também a dimensão concreta da Metodologia de Análise Cognitiva
aqui proposta. É neste campo, neste espaço Virtual/atual determinado que ocorrem os
processos cognitivos que se pretende analisar, com as especificidades próprias desta
dimensão, e no qual a análise cognitiva pode ocorrer a partir dos conceitos, interfaces e
relações apresentados e discutidos nesta Tese.
o O “virtual” não é uma “ausência”, mas uma “presença” pela experiência temporal
neuropsíquica.
o O contrário de “real” não é o “virtual” e sim o inconcebível vazio e absoluta mudez: o
“nada”.
o Complementar a concepção de AVA com a de Ambiente Atual de Aprendizagem
(AAA), reconhecendo que há “presença” nos processos de interação e construção
mediadas telematicamente.
o Distinguir a temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades
transcendentes ao humano.
o No ser humano a temporalidade aparece em sua função neuropsíquica, que é uma
forma de matéria-energia diferenciada das duas outras formas encontradas na natureza
- compreender certas condições de princípio que constituem o complexo humano e
suas relações com a Totalidade divisada e indivisa.
o Concepção de conhecimento que implica em uma compreensão articuladora dos
modos de ser a partir da investigação da matéria-energia neuropsíquica e sua
propriedade de temporalização pela dialógica atualização e potencialização e pela
emergência de um Terceiro termo incluído: as subjetivações humanas em seu sentido
complexo ou sistêmico.
o Possível, atual, potencial e virtual - operar cada um dos termos como traços da
temporalidade estruturante da existência humana desde seu aparecimento no Tempo e
no Lugar cósmico no qual estamos.
o Compreendendo a temporalidade em suas três ekxtases: porvir, vigor de ter sido,
atualidade (HEIDEGGER, 2009), não faz nenhum sentido separar o passado, o
presente e o futuro porque está em jogo a temporalidade como experiência ontológica.
165
o A temporalidade humana somente pode ser compreendida na temporalidade humana.
É neste âmbito que aparece a relação adequada entre “real” e “virtual” : tudo o que é
real é também virtual, e tudo o que é virtual é real.
o É próprio do comportamento neuropsíquico humano antecipar-se ao próprio fim, o que
também revela como a percepção humana acontece como temporalização e como se
destaca de tudo o mais que não possui este modo de ser mental que antecipa o próprio
fim.
o Falamos da experiência da compreensão enquanto existimos na condição de
subjetivação da espécie humana: a temporalidade do nosso comum existir humano. A
temporalidade humana comporta também diferentes extratos e gradientes de
intensidade que se pode descrever por aproximação e por condizência, mas não se
pode explicar como uma coincidência entre os entes externos e o que é percebido nas
subjetivações humanas.
o Toda percepção humana é um complexo pré-formatado como ekstases temporais
(Heidegger: porvir, vigor de ter sido, atualidade). O ser humano existe na medida em
que se projeta como porvir a partir do vigor de ter sido, atualizando suas funções
vitais em um desenvolvimento histórico específico.
o O porvir é o modo de antecipação do projetar-se existencial. Ao mesmo tempo somos
o que já é o que está sendo e o que pode vir a ser. Assim, se o “real” é tomado apenas
como “atualidade” perde-se de vista a temporalidade em sua dinâmica existencial.
o Considerando que a temporalidade humana é ao mesmo tempo o vigente, o instante e a
antecipação, o “virtual” e o “real” compõem os gradientes da percepção humana
comum, não havendo supressão de uma coisa em detrimento de outra e sim “seleção”
intencional.
o Deixar de lado esta concepção de “real” associado ao verdadeiro e à coisa material e
ousar compreender o “real” em seus diferentes níveis de Realidade e de percepção,
incluindo o virtual e o potencial, não somente o atual.
o A virtualidade telemática hoje já incorporada na sociedade-mundo enquanto interface
homem/máquina – definidora do modo de ser contemporâneo – servirá sempre para o
desenvolvimento humano de capacidades, competências e habilidades dos que dela
fizerem uso incorporado, sendo todo o acervo de conhecimento e informação ai gerado
reduzido a peças museográficas para outros sujeitos humanos que dela não façam
parte existencialmente.
166
o É temerosa qualquer afirmação relativa aos méritos da telemática para o
desenvolvimento humano capaz de superar todos os estágios anteriores das culturas
humanas de todo o planeta - aprofundar a tensão porque isto pode elucidar de maneira
suficiente a falácia da telemática como salto de natureza da espécie humana.
o O virtual é algo, portanto, que poderá vir a existir, acontecer ou praticar-se por meio
de uma atualização temporal. Ele é, assim, inerente ao nosso modo de ser na
temporalidade existencial.
o O Terceiro aparece como um diferencial material e energético que caracteriza os atos
mentais da espécie humana, o que permite articular, pela teoria da complexidade,
diversos níveis diferentes de Realidade e diferentes níveis de percepção da Realidade.
o Nicolescu (1999) alerta para a existência de diferentes níveis de Realidade e de
percepção, compreendendo aí o virtual e o abstrato, em sua função imaginativa, como
inerente à própria Natureza em sua dinâmica. Isto acentua o traço fundamental de
nossos atos mentais como dinâmica permanente de atualizações e potencializações.
Assim, tudo o que se atualiza encontra continuidade na potencialização e tudo o que se
potencializa aponta para a atualização.
o Tudo o que se associa ao conhecimento e à informação está sempre na passagem de
um estado a outro. Portanto, o virtual construído telematicamente imita as
virtualizações do cérebro em suas sinapses contínuas.
o A virtualidade está presente toda vez que um fluxo mental permanece em estado
latente, como este texto, que poderá ser atualizado toda vez que alguém realizar sua
leitura, não importa de que forma e com qual intensidade compreensiva.
o Todas as nossas sinapses em todos os momentos de nossa existência fática operaram
triadicamente pela memória, pela imaginação e pela antecipação, ora atualizando e ora
potencializando processos formadores do fluxo da temporalidade neuropsíquica.
Assim, não há um “real” oposto ao “virtual”, e sim momentos em que o real é o
virtual, e momentos em que o virtual é atualizado como acontecimento.
o A revolução que as descobertas da mecânica e da física quântica provocaram na
compreensão de Realidade implicam também a resignificação da compreensão de
“distância” e de “presença”. Se no mundo macrofísico a interação entre dois objetos
ou entes vai progressivamente diminuindo à medida que estes se afastam, no mundo
quântico a interação entre as entidades permanece independente de seu afastamento.
(NICOLESCU, 1999)
167
o A presencialidade física é uma perspectiva restrita à medida que concebemos a
interação humana a partir do potencial de mediação telemática, reconhecendo que o
sujeito está presente a cada momento em que age/interage/constrói/destrói através da
sua participação nos processos desenvolvidos nos espaços em que o virtual, potencial
e atual se alternam continuamente.
o Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a
distância não está determinada.
o Não é hoje adequado se falar em Educação a Distância (EaD), porque está é uma
expressão adequada para a tecnologia da imprensa e sua forma de difusão, mas
inadequada quando se trata do uso da interface neuropsíquica homem máquina, para a
qual a “distância” não é física e sim temporal.
o Começar a pensar a educação sem distancia- EsD e seus desafios nos processos de
aprendizagem, sem perder de vista a fundamental importância da presença corpo a
corpo, inclusive porque a interface homem/máquina deve ocorrer com a primazia da
humanização e não da mecanização.
2. Metodologia
2.1 FASES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE COGNITIVA
TELEMATICAMENTE MEDIADA
FASE I
Identificação da situação a ser analisada, do contexto na qual se insere e dos sujeitos
envolvidos na interação cognitiva. Com o objetivo de orientar a realização desta fase de
análise, pode ser utilizado o modelo a seguir, que lista categorias para esta caracterização,
ressaltando que estas se inter-relacionam e complementam, auxiliando a composição de um
campo de sentidos e significados, sempre em uma perspectiva multirreferencial, complexa e
polilógica.
168
Quadro 3 - Modelo para identificação do contexto de Interação Cognitiva - Fase I
AMBIENTE Descrição do ambiente virtual/atual no qual se desdobra a situação em análise, se rede social,
ambiente formal de aprendizagem ou outro formato, apresentando as características relevantes
para a compreensão do contexto em que se desenvolve a interação cognitiva em análise.
SUJEITOS Identificação dos sujeitos que atuam/interagem cognitivamente na situação em análise,
caracterizando sua condição naquele ambiente específico, que lhes atribua uma identidade,
pertencimento, lugar de participação que influencie na análise da sua atuação. A exemplo:
discentes em formação, especialistas na área em debate, colegas de trabalho em processo de
construção coletiva, cidadãos interconectados que não se conhecem anteriormente àquela
interação etc.
RELAÇÃO Caracterizar a relação que constitui aquela rede de interação em análise, considerando os
aspectos que podem influenciar na atuação/interação cognitiva entre estes sujeitos. A exemplo:
se a relação é horizontal, entre pares, como colegas de turma em formação ou de trabalho; se é
uma relação onde há hierarquia, como a presença do docente, tutor ou chefe no grupo em
interação; se a relação é de disputa, como brigas de poder em determinada organização; se a
relação é simplesmente de troca de ideias, sem nenhuma outra interação entre os sujeitos fora
daquele espaço; outras formas várias de possíveis contextos sociopolíticos.
MOTIVAÇÃO Identificar/descrever a motivação dos sujeitos para interagir cognitivamente naquela situação,
identificando aspectos da situação que podem interferir na atuação destes sujeitos. A exemplo:
se é uma situação de interação livre, na qual as pessoas participam movidas apenas pelo desejo
169
em participar; se é uma demanda obrigatória de um processo formativo ou do exercício
profissional; se é a utilização do espaço para divulgação/propagação de ideias que interessem a
determinada agremiação política ou grupo social do qual o sujeito participar; ou outras
motivações diversas que podem fomentar participações em situações de interação cognitiva em
ambientes virtuais/atuais.
LOCALIZAÇÃO Descrição de elementos que caracterizam a situação em análise, permitindo alguma localização
espacial e temporal da mesma. Considerando que as situações de interação cognitiva se
localizam em um contexto mais amplo, esta categoria prevê a localização desta interação
especifica em análise, considerando o seu lócus. A exemplo: se uma atividade obrigatória dentro
de um processo formativo; se uma discussão tópica dentro de um grupo de especialistas
formado em uma rede social, se uma discussão sobre questão específica, que se desenrola na
lista de email’s de uma organização; outras possibilidades várias de localização da situação
específica em análise, dentro do contexto que lhe atribui significado.
Ainda no intuito de localização, considero interessante informar o período temporal no qual se
desenrolou aquela situação, ao menos, mês e ano. Considerando que o contexto sociopolítico-
histórico mais amplo certamente influencia a atuação/interação dos sujeitos, a localização
temporal é significativa em uma análise na perspectiva aqui almejada.
Fonte: a autora.
170
FASE II
Identificação e seleção das categorias estruturantes mais pertinentes para a análise do
processo de AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS / DESENVOLVIMENTO DAS
FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES, pautada no lastro teórico da Psicologia
Cognitiva, e dimensionada pelo diálogo estabelecido nesta proposta, entre as teorias de Piaget,
Vygotsky, Wallon e Bruner. Considerando a AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS /
DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES como definição
macro do processo de aprendizagem/desenvolvimento (nesta perspectiva de influenciação
mútua, própria da Psicologia Cognitiva), as categorias estruturantes selecionadas para
composição da matriz são os indicadores da ocorrência deste processo:
Internalização e desenvolvimento de sistemas simbólicos Pensamento generalizante Desenvolvimento em três diferentes domínios Diferenciação/individuação Domínio dos fundamentos gerais de um dado campo Elaboração dos sistemas/técnicas para processar e representar informações Qualidade lógica, ‘racional’, da conceituação Comandar os tipos de representações Pensamento intuitivo
Na metodologia aqui proposta, a identificação de duas ou mais destas categorias,
destacadamente presentes na situação de interação cognitiva em análise, é suficiente para
compor o campo da análise relativa ao olhar da Psicologia Cognitiva. Identificadas as
categorias estruturantes a serem utilizadas na análise, considero necessário:
a) Uma retomada sintética deste conceito na Teoria da qual foi apropriado para esta matriz,
como forma de situar os leitores e o próprio analista, no processo de análise em
desenvolvimento.
b) A seleção e recorte de trechos da interação cognitiva que retratam com mais clareza a
presença daquela categoria definida para análise.
c) A descrição da análise em si, explicitando quando, onde e porque o analista identifica a
presença daquela categoria na interação cognitiva em análise.
Este procedimento se aplica a cada uma das categorias selecionadas para a análise, podendo
um mesmo trecho da situação de interação cognitiva ser utilizado para demonstração da
171
ocorrência de mais de uma categoria, ou vários trechos da interação serem utilizados na
demonstração de uma mesma categoria.
Para as fases II e III, criei um modelo de representação gráfica da análise cognitiva, que vai
sendo preenchido à medida que esta é desenvolvida, constituindo ao final da análise uma
imagem que sintetiza e representa a complexidade e polilógica do processo desenvolvido.
Figura 4 - Modelo de Representação Gráfica – Fase II
Fonte: a autora.
FASE III
Identificação da interface mais pertinente para composição da análise em desenvolvimento,
considerando os elementos presentes na situação de interação cognitiva. Também aqui nesta
fase, a autoria e subjetividade do analista são reconhecidas, posto que do seu olhar será
constituído o mosaico de categorias estruturantes, interfaces de análise e categorias destas
interfaces que comporão a análise.
Cabe também aqui observar que, diferentes analistas farão diferentes análises de uma mesma
situação, mesmo utilizando esta matriz e este referencial teórico aqui proposto, assim como o
mesmo analista pode desenvolver diferentes análises de uma mesma situação, a depender da
seleção que fizer para o caminho analítico: categorias estruturantes, interfaces de análise e
categorias destas interfaces.
As interfaces selecionadas para composição desta matriz o foram em desdobramento do
caminho de construção do marco teórico para compreensão de Cognição e mais
172
especificamente dos processos cognitivos que se desenvolvem em ambientes virtuais/atuais.
Permitem leituras as mais diversas, como explicitado acima, e a meu ver agregam às
possibilidades de Análise Cognitiva um vasto campo referencial, contemplando os aspectos
que, no olhar que alcanço nesta fase do trabalho, são essenciais e suficientes para uma Análise
Cognitiva que se pretenda complexa, multirreferencial e polilógica.
Foram quatro as interfaces selecionadas, sendo que uma delas - Ambiente Virtual/Atual
(AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD) – tem uma caracterização diferenciada, que
explicitarei a seguir. Para cada interface, foram também definidas categorias que a compõem,
e estas categorias, assim como ocorreu com as categorias estruturantes, podem ser utilizadas
em sua totalidade ou apenas uma delas, para caracterizar e descrever aquela interface na
análise em desenvolvimento:
Quadro 4 - Interface / Categorias / Referencial Teórico - Fase III
INTERFACE CATEGORIAS REFERENCIAL
TEÓRICO
ORGANIZAÇÃ
O
AUTOPOIÉTIC
A
Autonomia / dependência - autoprodução
na interação com o meio
Conhecimento como ação efetiva
Acoplamento estrutural na contínua
conservação da autopoiese
Clausura operacional especificando a
identidade
VARELA,Francisco
MATURANA,
Humberto
VISADA
POLILÓGICA
Atitude crítica de radicalidade aprendente
Insuficiência da razão Monológica –
precipitações modulares poliformes
Condição ontológica do ser-no-mundo-com
– pluricentralidade do sentido
Desconstrução do ego transcendental –
aprendizado da diferença ontológica
GALEFFI, Dante
EPISTEMOLO
GIA E
FILOSOFIA
FREIRIANA
Diálogo
Comunicação
Libertação
Conscientização
FREIRE, Paulo
AMBIENTE
VIRTUAL /
ATUAL
(AVA/AAA) –
Educação sem
Distância (EsD)
Temporalidade experienciada
humanamente
Emergência de um Terceiro incluído:
subjetivações humanas
Diferentes níveis de Realidade e de
percepção: virtual, potencial e atual
Tudo o que é real é também virtual, e tudo
o que é virtual é real
Se há ação humana, cognitiva, social,
HEIDEGGER,
Martin
LUPASCO,
Stéphane
MORIN, Edgar
NICOLESCU,
173
material, afetiva, há presença, e se há
presença a distância não está determinada.
Basarab
GALEFFI, Dante
Fonte: a autora.
No desenvolvimento das experimentações de Análise Cognitiva a partir desta matriz e
metodologia aqui propostas, adotei a utilização de duas interfaces em cada análise. Assim o
fiz tendo em vista que o objetivo era apenas de demonstração, mas considero que uma análise
mais completa e detalhada pode agregar as quatro interfaces, compondo assim um quadro
bastante amplo e fértil para os mais diversos desdobramentos que esta análise possa trazer.
Como adiantado acima, compreendo que a interface AMBIENTE VIRTUAL / ATUAL
(AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD) se diferencia das demais, posto que trata-se de
uma matriz e metodologia especificamente construídas para análise cognitiva de processos
telematicamente mediados. Assim, esta seria uma interface necessariamente a ser adotada em
qualquer análise. Aproveito este momento para explicar que se não utilizei esta interface em
todas as demonstrações que faço neste trabalho, é por considerar que ficaria repetitivo e o
objetivo das demonstrações é mostrar as diferentes possibilidades de análise que se
desdobram.
Assim como dito na fase I, as interfaces selecionadas e as categorias desta interface que são
utilizadas, compõem a imagem que representa graficamente a análise cognitiva desenvolvida.
Reproduzo a seguir uma imagem criada apenas como exemplo, outras quatro compõem o
capítulo no qual as demonstrações de análise são apresentadas detalhadamente.
Figura 5 - Modelo de Representação Gráfica – Fase III
174
Fonte: a autora.
CAPÍTULO VI
DEMONSTRANDO/DESMONTANDO A ANÁLISE COGNITIVA
TELEMATICAMENTE MEDIADA – EXERCÍCIOS E EXPERIMENTAÇÕES
Apresentação
Neste capítulo desenvolvo experimentações de utilização da Metodologia de Análise
Cognitiva em ambientes diversos de interação com mediação telemática (formais ou
informais) a exemplo de redes sociais e ambientes virtuais de aprendizagem – AVA’s,
compreendendo estas como experimentações no sentido mesmo da palavra experimentar:
ex.pe.ri.men.tar18
(experimento+ar2) vtd 1 Submeter a experiência; pôr à prova (física ou moralmente);
ensaiar: Experimentar um invento. Estão experimentando nossa paciência. vtd 2 Pôr
em prática; executar: Na assistência médica aos nativos o missionário experimentou
os preceitos evangélicos. vpr 3 Adestrar-se, exercitar-se: Experimentara-se
em contínua autodisciplina. vtd 4 Sentir, sofrer, suportar:Quase não experimentou
dores após a operação. vtd 5 Alcançar, conseguir, gozar: Bênçãos preciosas
experimentamos. vtd 6 Tentar: Experimentemos pedir fiado. vtd 7 Ser vítima de: "Os
que experimentaram a traição tornam-se cépticos" (Morais). (grifos nossos)
Parto do reconhecimento de que não há modelo capaz de abarcar todas as possibilidades de
análise que decorrem das diversas construções possíveis dos/entre sujeitos interagindo em
ambientes virtuais/atuais, constituídos e constituindo quadros sempre complexos, únicos e
provisórios. Com esta compreensão, selecionei para experimentação do modelo de análise
aqui proposto, alguns contextos específicos, caracterizando-os para melhor apreensão do
processo, de acordo com as categorias: AMBIENTE, SUJEITOS, RELAÇÃO,
MOTIVAÇÃO E LOCALIZAÇÃO.
Em busca da percepção da potencial diversidade de processos cognitivos oportunizados,
restringidos ou fomentados/fortalecidos em ambientes com características diferenciadas de
controle e planejamento prévio e de formações grupais, selecionei contextos em redes sociais,
caracterizadas por formações espontâneas e de adesão voluntária, e em espaços de ensino
formal – os chamados Ambientes Virtuais de Aprendizagem - AVA’s, nos quais as relações
são geralmente compulsórias e circunstanciais e as interações sistematicamente controladas.
18
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=experimentar
175
A plataforma Moodle foi escolhida por tratar-se de um dos Ambientes Virtuais de
Aprendizagem - AVA’s mais utilizados atualmente no Brasil pelas Instituições de Formação,
seja em cursos oferecidos na modalidade EaD19
ou como suporte a atividades dos cursos
presenciais.
Foram selecionados para experimentação quatro diferentes contextos:
1. O curso de Licenciatura em Matemática oferecido na Universidade do Estado da Bahia –
Programa Universidade Aberta do Brasil - UAB, na modalidade à distância, escolhido por ser
oferecido desde o ano de 2009, tendo turmas já concluindo o curso, com um percurso de
interações em ambientes virtuais de quase quatro anos.
2. A disciplina Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC em Educação, oferecida na
modalidade semipresencial no curso presencial de Pedagogia, oferecido no Departamento de
Educação – DEDC XI (Serrinha), da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, escolhido
por convergir teoria e prática na utilização da mediação telemática.
3. Discussão entre especialistas em um grupo temático no facebook.
4. Interação decorrente de campanhas de mobilização social desenvolvidas através das redes
sociais, aqui especificamente selecionada uma discussão de grupo aberto no facebook.
A rede social facebook foi escolhida em função de seu alto nível de inserção social na
contemporaneidade, apresentando neste momento uma interface de recursos de interação e
colaboração que permitem ricas e variadas construções. Em função de seu formato específico,
a formação de grupos dar-se a partir de cada sujeito, alterando-se assim em um grande teia na
qual convergem alguns sujeitos em grupos comuns, mas cada rede de sujeitos é única. Por
este motivo, defini pela escolha de duas situações diferentes, tendo também elementos de
intersecção diferentes, o que caracteriza diferentes redes, sendo a metodologia utilizada na
análise cognitiva dos processos que se desenvolvem entre os sujeitos de uma rede específica.
Em um percurso metodológico de construção no qual fui desenvolvendo a metodologia na
medida em que desenvolvi a análise, percebi claramente que a profundidade de análise e
densidade teórica foram se ampliando a cada análise desenvolvida, o que acredito, se deveu à
19
Apesar da compreensão da Educação sem Distância que estrutura este modelo de Análise, utilizo aqui a
expressão EaD por ser esta a nomenclatura formal que consta na legislação educacional brasileira (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9394/96).
176
apropriação que eu fazia, enquanto analista cognitiva, da metodologia que estava construindo,
assim como da habilidade que desenvolvia para o diálogo com o referencial teórico
selecionado. Mesmo tendo percebido isto, optei por manter as demonstrações na forma como
foram construídas originalmente, compreendendo que este ampliar/aprofundar é também uma
demonstração significativa do exercício da análise cognitiva nesta metodologia,
exemplificando também o quanto os aspectos da subjetivação humana interferem nos
resultados da análise.
1. Demonstrações de Análise Cognitiva Telematicamente Mediada – Exercícios e
Experimentações
Utilizando a metodologia descrita no capítulo anterior, apresento a seguir quatro exercícios de
análise cognitiva em interações com mediação telemática, destacando as Categorias
Estruturantes e Interfaces de análise escolhidas para esta demonstração, ressaltando tratar-se
de exercícios apenas, podendo esta mesma metodologia ser aplicada utilizando outras
categorias e interfaces que não as que foram aqui selecionadas, resultando em uma
sistematização/registro diferenciado embora, acredito, com resultados semelhantes. Ou seja,
defendo que, se o analista cognitivo utiliza esta metodologia com a apropriação do referencial
teórico como sustentado neste trabalho, mesmo seguindo diferentes percursos na escolha das
categorias e interfaces que utilizará para a análise, os resultados não serão contraditórios, mas
convergentes.
A apresentação das demonstrações/exercício segue a metodologia descrita no capítulo anterior
e está indicada com subtítulos que caracterizam o contexto de aplicação da mesma.
1.1. CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA OFERECIDO NA MODALIDADE
À DISTÂNCIA
Quadro 5 – Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Curso de Licenciatura em
Matemática a distância
AMBIENTE Plataforma Moodle – Sala Estatística aplicada à
educação do Curso de Licenciatura em Matemática
da UNEB/UAB
SUJEITOS Discentes do curso
RELAÇÃO Colegas de turma
MOTIVAÇÃO Responder a uma questão de cálculo, atividade
obrigatória da disciplina.
177
LOCALIZAÇÃO Fórum de discussão da disciplina, fevereiro de 2011
Reproduzo a seguir uma sequência de participações em um dos Fóruns de discussão,
mantendo as construções originais na íntegra, substituindo apenas os nomes dos sujeitos por
pseudônimos.
Figura 6 - Sequência de participações em Fórum de Discussão
Re: Questão
5_Dica.
por José CC-
20091-MAT-G5
- segunda, 14
fevereiro 2011,
11:58
Desculpe tutora Isabel, mas não consegui interpretar essa questão. Alguém poderia
dar mais dicas?
Desde já obrigado.
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Re: Questão 5_Dica.
por Maria.-20091-MAT-G20 - terça, 15 fevereiro 2011, 01:14
Olha só vou tentar explicar...
5. a) Quando vc deriva uma função quadrática, vc encontra uma função afim, ou seja
, com isso se vc igualar essa derivada a zero,
vc terá o xv da função quadrática, ou seja
b) vc terá que fazer esse cálculo para achar o x, depois substiui na função quadrática para achar o y. Por fim faz o gráfico com os pontos (x, y).
Espero ter ajudado.
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Re: Questão 5_Dica.
por João MAT-TD - terça, 15 fevereiro 2011, 02:18
178
É bem essa a idéia.Em pontos de máximo ou de mínimo a derivada é nula.
Lucas TD
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Re: Questão 5_Dica.
por José CC-20091-MAT-G5 - terça, 15 fevereiro 2011, 07:45
Olá Maria, você ajudou muito. Já consegui interpretar essa sua ideia.
Muito obrigado.
Valeu João, pela complementação.
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Figura 7 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva I
Fonte: a autora.
1.1.1. Categorias Estruturantes Identificadas
Buscando identificar na construção destes sujeitos a Aquisição de Estruturas Mentais -
compreendendo-a como processo de aquisição individual que prevê necessariamente a
179
cooperação, as trocas e intercâmbio entre as pessoas – e o Desenvolvimento das Funções
Psicológicas Superiores, mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos,
identifico a ocorrência da Internalização e Desenvolvimento de Sistemas Simbólicos para
organizar os signos em estruturas mais complexas, bem como o Domínio dos Fundamentos
Gerais do Campo, com a apreensão das ideias centrais deste campo, e o desenvolvimento de
uma Atitude de Aprendizado e Investigação, imaginando soluções, buscando intuições e
palpites sobre como resolver determinada situação.
Partindo deste lastro conceitual da Psicologia Cognitiva, a análise agora deve ampliar-se para
as interfaces que a potencializam e permitem a visada complexa e polilógica. As interfaces
propostas neste modelo são possibilidades para ampliação do processo de análise, não
necessitando serem todas consideradas em cada análise desenvolvida, e sim incorporadas
quando couberem, uma ou todas, de forma a constituir a análise na perspectiva que
fundamenta este modelo.
1.1.2. Interfaces para Análise
a) Epistemologia e Filosofia Freiriana
Para os processos cognitivos em análise, observados na situação acima, é clara a importância
do Diálogo e da Comunicação, como postos pela EPISTEMOLOGIA FREIRIANA. O
diálogo que abre para a diversidade das condições de existência dos seres humanos e suas
formas sociais, tornando horizontal qualquer relação de poder, posto que ninguém ensina
ninguém, mas todos aprendem com todos. Observa-se com clareza na construção em análise
que um discente pede desculpas à tutora20
, a quem possivelmente atribui o “poder” de ensinar,
e afirma a sua dificuldade com a compreensão e domínio de um determinado campo.
Auxiliado pelos colegas, em um diálogo entre iguais, o sujeito atinge a nova estrutura mental
que lhe permite operar com aquela situação-problema.
Retomando a reflexão desenvolvida nos capítulos anteriores, na investigação dos processos
cognitivos operados nos novos meios telemáticos é preciso não perder de vista que é pelo
diálogo que se alcança o trabalho colaborativo gerador de processos de Difusão Social do
20
No Programa Universidade Aberta do Brasil, o tutor é um docente com funções definidas a depender do
desenho pedagógico de cada curso e/ou componente curricular em desenvolvimento, sendo sempre a figura mais
próxima, na mediação da aprendizagem discente. Nesta situação, é ao tutor que cabe a mediação deste fórum de
discussão e a orientação aos discentes sobre as especificidades do campo do conhecimento em estudo.
180
Conhecimento. O diálogo é, pois, uma instância de agenciamentos criadores no âmbito
coletivo. Nos processos cognitivos em análise, identifico o diálogo introduzindo a dimensão
do compartilhamento ontológico que constitui o estabelecimento de uma comunidade.
Trazendo agora a dimensão da comunicação - é pelo diálogo que a comunicação constitui o
esteio da comunidade humana planetária, comunicação dialógica e não mera transmissão de
mensagem codificada – destaco a presença da comunicação neste processo de construção,
permitindo a troca real, entre pares que se reconhecem como iguais detentores do
conhecimento e que utilizam uma mesma linguagem. Linguagem aqui concebida não
simplesmente como idioma formalmente estabelecido mas como símbolos apropriados em um
mesmo compartilhamento de sentidos, que permite a real comunicação entre os seres
humanos. Como postula Freire, o ato cognoscitivo é necessariamente comunicativo. A
comunicação se define como relação de todos os níveis de constituição do sentido como
pensamento-linguagem-contexto. Ela é uma expressão dos fluxos coletivos do pensamento
apropriador.
b) Ambiente Virtual/Atual (Ava/Aaa) – Educação sem Distância (Esd)
Desdobrando as interfaces que constituem uma análise complexa e polilógica dos processos
cognitivos apresentados na situação acima, trago a reflexão sobre os conceitos de
virtual/atual/real e de presença. A perspectiva deste modelo é de que a temporalidade
vivenciada pela espécie humana rejunta as divisões clássicas do tempo: passado, presente,
futuro, pois, para um corpo/mente vivente o tempo é um fluxo ao mesmo tempo macrofísico,
biológico e neuropsíquico. É clara esta dimensão na situação apresentada, que não representa
um momento estanque dos sujeitos que ali interagem, mas partes, trechos de um contínuo de
reação/reflexão/operação que se desdobra para além daquela mediação tecnológica e constitui
uma permanente atualização dos processos engendrados pelos sujeitos em sua existência real.
Cabe reconhecer a dialógica processual que engendra o Real de nossas existências em
diferentes níveis de Realidade. Nosso psiquismo, portanto, permiti-nos hoje desconsiderar as
distâncias físicas, metricamente mensuradas, através da interface mente/cérebro/máquina
eletrônica. Os ambientes mediados telematicamente são também ambientes atuais porque
estão sendo usados por seres humanos que possuem a estrutura triádica de temporalização, e
que diante de tais ambientes estão processando atualizações neuropsíquicas específicas e
diferenciadas. Pois, toda virtualização é sempre uma expressão da dinâmica existencial
181
humana, pressupondo sempre atualizações e potencializações cíclicas, de modo semelhante ao
nosso modo de existir fático.
Fechando esta experimentação de análise, sempre provisória e aberta a outros sentidos - pois o
sentido é, por natureza, polilógico, polifônico, polissêmico, não existindo fora de concretas
condições e circunstâncias – trato agora da questão da presença. A presencialidade física é
uma perspectiva restrita à medida que concebemos a interação humana a partir do potencial
de mediação telemática, reconhecendo que o sujeito está presente a cada momento em que
age/interage/constrói/destrói através da sua participação nos processos desenvolvidos nos
espaços em que o virtual, potencial e atual se alternam continuamente.
A situação apresentada acima é claramente representativa da presença dos sujeitos que ali
interagem, presentes com seus universos de significados e estruturas mentais adquiridas,
compartilhando experimentações e saberes de forma ativa e voluntária. Se há ação humana,
cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a distância não está
determinada.
1.2. DISCUSSÃO ENTRE ESPECIALISTAS EM UM GRUPO TEMÁTICO NO
Quadro 6 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva - Discussão entre especialistas
em um grupo temático no Facebook
AMBIENTE Grupo criado na rede social facebook, com temática
específica (relacionada a cultura digital e formação
docente) para compartilhamento e discussão entre
os membros.
SUJEITOS Membros do grupo
RELAÇÃO Alguns conhecidos, colegas, amigos de outros
espaços e outros desconhecidos entre si
MOTIVAÇÃO Partilhar experiências e discutir temáticas de
interesse voluntário. Adesão livre às diversas
discussões que ocorrem em paralelo no ambiente
LOCALIZAÇÃO Discussão gerada a partir de postagem de um
membro do grupo. Novembro de 2012 Fonte: a autora.
Reproduzo a seguir o registro da discussão no grupo, mantendo este registro em sua íntegra,
omitindo apenas os nomes dos sujeitos, substituindo por uma identificação numérica.
182
Sujeito 1
Alguém, sei que muitos, ainda tem algo contra o "joguinho"? :-)
http://meiobit.com/111317/estudo-revela-gamers-so-to-bons-com-cirurgia-robtica-quanto-
estudantes-de-medicina/
Curtir · · Seguir publicação · Compartilhar · 18 de novembro às 12:32
2 pessoas curtiram isto.
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Sujeito 2 Gostei da definição de aprendizagem útil......... Supondo que, entre as
aprendizagens desejadas por um vivente não esteja as da leitura e da escrita, aí já não
sei e indago se também consideraria aprendizagens inúteis? ...........(sujeito 1)! Ok falar
em planejamento e objetivos de aprendizagem, considerando que o sistema de ensino
tem um currículo básico a ser desenvolvido. O *caso* é que me sei ignorante mesmo,
para pensar em como aproveitar os jogos gratuitos, não educacionais... É isso! Mas
*gostaria*, porque sei que é o grande interesse. Apenas, confesso que não sei nem por
onde começar.
18 de novembro às 21:47 · Curtir · 1
Sujeito 3 Deixa ter, ...........(sujeito 1). Ficar tentando iluminar teimoso é gastar fluidos
energéticos à toa. Simbora impulsionar quem tá a fim de crescer e compartilhar as
traquinagens.
E olha só que legal, prá você que tá ficando véio...
http://revistaepoca.globo.com/vida/noticia/2012/11/os-50-sao-os-novos-30.html
Os 50 são os novos 30 revistaepoca.globo.com
Com mais saúde, beleza e dinheiro no bolso, menos responsabilidades e
encanações...Ver mais
18 de novembro às 23:13 via · Curtir · 1
Sujeito 2 Dispensável o comentário antipático, precipitado [visto que não me
conhece], se permite a crítica Sujeito 3? Ainda, teria curiosidade para saber o que
entende por *crescer* e *compartilhar*?! Pode ser?
18 de novembro às 23:24 · Curtir · 1
Sujeito 3 Pode sim, ..........(Sujeito 2) No início fiquei sem entender o seu comentário,
já que não a conheço e nem fiz qualquer comentário antipático direcionado a você ou
outra pessoa. Eu recebo as mensagens em meu e-mail e quando respondi ao
...........(sujeito 1), foi por essa via e me dirigia apenas a ele, tendo como parâmetros
assuntos que nós dois discutimos sobre barreiras e resistências que comumente
enfrentamos como educadores.
Quando entrei no Facebook é que entendi ser uma mensagem compartilhada na lista e
o posicionamento do meu comentário em relação aos de vocês. Não tinha nenhuma
intenção de direcionar a você e aos demais membros da lista um comentário menos
educado, então, desculpe pela confusão e espero ter esclarecido a situação.
183
18 de novembro às 23:59 via · Editado · Curtir · 2
Sujeito 2 Sou da Paz, e agora entendo sim. Ok! A gente tece coments informais entre
amigos, sei como é. #Falamos!!
19 de novembro às 13:07 · Curtir · 1
Figura 8 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva II
Fonte: a autora.
Diferente da Situação analisada anteriormente, esta interação ocorre em um espaço livre, no
qual não há hierarquia nem responsáveis diretos pela mediação e avaliação, as interações não
são planejadas com objetivos sistemáticos e as diferentes motivações dos sujeitos se
interpenetram em um fluxo dialógico, polifônico, conflituoso ou não, de compartilhamento ou
de negação de saberes.
Refletindo sobre a existência de algum tipo de controle nestes ambientes, estes grupos são
formados pela iniciativa de uma ou mais pessoas, que com senha de organizador convida
outros membros ou acata solicitações de inclusão, podendo excluir aqueles que por algum
motivo prejudiquem os objetivos do grupo. Também o gerenciamento da própria rede
Facebook atua excluindo e denunciando perfis com comportamentos inadequados. Entretanto,
é óbvio que a liberdade de ação/expressão/interação é MUITO maior que nos ambientes de
184
ensino formal, e até atingir o nível de inadequação que exclui o sujeito, há uma grande
margem de atuação que permite uma expressão mais livre de julgamentos e aceite dos outros.
1.2.1. Categorias Estruturantes Identificadas
A análise da situação apresentada demonstra a construção pelos sujeitos da interação de
esquemas mais amplos e flexíveis e do desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores,
caracterizadas pelo controle consciente do comportamento, a ação intencional e a liberdade
em relação ao momento e espaço presentes. As categorias estruturantes que identifico como
mais presentes neste processo são: Pensamento Generalizante, Diferenciação, Comando dos
tipos de representações e Pensamento Intuitivo.
O Pensamento Generalizante enquanto ordenação do real, agrupando objetos, eventos e
situações em uma mesma categoria conceitual a mediar a relação do sujeito com o objeto está
claro na primeira fala do sujeito 2, quando, declarando não ter conhecimento sobre o assunto
em discussão – jogos digitais - estabelece uma relação com a utilidades das aprendizagens e o
conteúdo obrigatórios nos currículos básicos para se pronunciar sobre a possibilidade ou não
da utilização desses jogos em processos formais de ensino. Além desta categoria, identifico
ainda no esforço de compreensão deste sujeito e participação na discussão, a presença do
Pensamento Intuitivo. Buscando captar o sentido, o alcance da situação, este sujeito se lança
com palpites sem utilizar o rigor do pensamento analítico.
O Pensamento Generalizante também está presente na atuação do Sujeito 3, que confessa ao
ter recebido por email a mensagem postada na rede pelo sujeito 2, responder com o
pressuposto de tratar-se de postura resistente de educadores à utilização dos referidos jogos,
agrupando então eventos e situações em uma mesma categoria conceitual que passa a mediar
a sua relação com aquela postagem.
A Diferenciação, compreendida enquanto processo de individuação que progressiva também
se manifesta com clareza na atuação dos sujeitos citados, até mesmo com a presença do
conflito eu-outro, que permanece na vida adulta em situações como esta. Os sujeitos 1 e 3,
como relatado na justificativa do sujeito 3 ao seu “comentário antipático”, partilham a
construção de sentido em relação a utilização dos jogos nos processos formais de educação,
pesquisando, experimentando, divulgando o assunto. Esta assunção de posicionamento
185
conceitual, principalmente tratando-se de tema não consensual, caracteriza o processo de
individuação dos sujeitos frente aos coletivos.
A individuação também está presente na atuação do sujeito 2, tanto ao posicionar-se
refratária às posturas colocadas pelos demais em relação ao assunto, quanto no momento em
que reage ao comentário do sujeito 3, tanto apontando o caráter “antipático” do seu
comentário quanto ao concordar com o fim do embate, afirmando “Sou da PAZ.”
Ao elaborar de forma complexa as representações do mundo da experiência possível, os
sujeitos da interação em análise demonstram desenvolver o Comando dos Tipos de
Representações. O sujeito 1 traz um texto de um outro espaço para ilustrar a difusão que
objetiva fomentar, anexa o link que permite o acesso a esta mensagem e usa a linguagem de
forma irônica – “joguinhos” e com pertinência ao universo da mediação telemática, através do
uso do símbolo “:-)” próprio deste espaço.
O sujeito 2 e sujeito 3 também trazem conteúdos de outros espaços e utilizam símbolos
próprios do espaço virtual/atual, a exemplo: anexar links , incorporar na fala expressões da
língua inglesa - “ coments” - e utilizar gírias, sem a preocupação com a formalidade na
expressão escrita - “Simbora” , “#Falamos”.
1.2.2. Interfaces para Análise
a) Epistemologia e Filosofia Freiriana
No desdobrar das interfaces, é clara a presença da Comunicação como ato cognoscitivo,
como afirma a Epistemologia Freiriana. O diálogo comunicante ou a comunicação dialógica é
característica nesta situação em que sujeitos livres trocam pensamentos e posicionamentos
sobre conteúdos específicos, sem uma relação de hierarquia que oprima ou cale as vozes
conflitantes. Como pares que dialogam em uma linguagem de sentido compartilhado,
constroem seus argumentos com conteúdos da área de educação (são educadores) e da cultura
tecnológica, utilizando expressões simbólicas próprias e compartilhadas em ambientes
virtuais/atuais.
A dimensão da Libertação, também na perspectiva Freiriana, está presente na atuação dos
sujeitos em posicionar-se sobre temas do seu interesse, concordando ou discordando entre si,
mas buscando a garantia do seu direito de pensar/assumir posição sobre estes temas.
186
b) Organização Autopoiética
Identifico na atuação dos sujeitos em análise, a Organização Autopoiética, conceito da
Biologia da Cognição que amplia a perspectiva, ao considerar que o ato de conhecer vai além
do processamento de informações de um mundo que existe antes da experiência do
observador, posto que os seres vivos são autônomos, produzem a si próprios ao interagir com
o meio, em uma dinâmica circular de Autonomia e Dependência que constroem uma à outra.
A atuação do sujeito 2 provocou uma reação impensada do sujeito 3, que frente ao confronto
instalado a partir do seu “equívoco” de comunicação ao direcionar a um único amigo o
comentário que de fato chegaria para todos do grupo, teve que reestruturar seu
posicionamento, buscando postura mais respeitosa e dialógica, exercitando autonomamente
mecanismo de defesa frente à dependência de uma atitude coletivamente considerada como
adequada a ambientes de discussão como aquele.
A mesma postura cíclica de alternar seus posicionamentos e tons atribuídos aos conteúdos, é
claro nas três participações do sujeito 2, posicionando-se livremente na primeira atuação,
reagindo defensivamente na segunda atuação e pactuando o fim do conflito com um claro
desconforto na situação em que se via, o que a meu ver caracteriza a Autoprodução na
Interação com o Meio e Acoplamento Estrutural. Para a Biologia da cognição, a
aprendizagem é expressão deste acoplamento que mantém permanente compatibilidade entre
o funcionamento do organismo e o meio no qual este atua.
1.3. INTERAÇÃO DECORRENTE DE CAMPANHAS DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL
DESENVOLVIDAS ATRAVÉS DAS REDES SOCIAIS
Quadro 7 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva – Interação decorrente de
Campanhas de Mobilização social
AMBIENTE Campanhas de mobilização que circulam nas redes
sociais, com interconexão a diversos outros espaços
da web, através dos compartilhamentos de conteúdo
nestes diferentes espaços.
SUJEITOS Cidadãos do mundo, atuando publicamente através
da web.
RELAÇÃO Sujeitos que dialogam entre iguais sem nenhuma
relação de hierarquia ou necessariamente
conhecerem-se de outros espaços.
MOTIVAÇÃO Manifestar e difundir opinião pessoal ou de grupos
organizados, sobre tema de interesse coletivo,
ligado a movimentos sociais, políticas públicas etc.
LOCALIZAÇÃO Rede social facebook, setembro a novembro/2012
187
Retomo aqui reflexões postas no capítulo dedicado à discussão sobre o virtual/atual/real,
trazendo para a análise desta situação em foco, contribuições de Marco Silva (2003) e André
Lemos (2003). Reflete Silva (2003) que o ambiente comunicacional contemporâneo,
redefinido pelas tecnologias digitais interativas traz uma mudança paradigmática na teoria e
na pragmática comunicacionais, “há uma modificação radical no esquema clássico da
informação baseado na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor” (2003, p. 264), na
qual: 1. o emissor não emite mais uma mensagem fechada, mas um leque de possibilidades à
manipulação do receptor; 2. a mensagem é agora aberta, modificável por aquele que a
consulta; 3. o receptor é convidado a criar livremente, dando sentido à mensagem através da
sua intervenção.
Também sobre as mudanças na pragmática comunicacional, Lemos (2003) diferencia a
comunicação de massa da comunicação gerada pelas tecnologias digitais, posto que estas
geram um fluxo que coloca todos para todos, em uma capilaridade que impede uma edição
centralizada e permite a livre circulação da informação. Neste modelo comunicacional
dialógico e bidirecional, todos são potencialmente agentes desafiadores, visto que coautores
de um processo de construção coletiva que se dá em rede.
Neste contexto, cidadãos do mundo, livremente, têm utilizado as redes sociais para expressão
individual ou de movimentos coletivos, sobre os mais diversos assuntos, desde questões
altamente nefastas como a pedofilia ou o neonazismo, até as denúncias mais relevantes social
e politicamente em prol dos Direitos Humanos ou da defesa do ambiente e dos grupos
minoritários. São vários os exemplos de campanhas como estas que circulam diariamente na
rede mundial de computadores, alastrando-se sem possibilidade de controle por um órgão
centralizador, em uma velocidade admirável e “contaminando” vários espaços e redes sociais
diferenciadas.
Registre-se que o acesso a esta inserção digital não é igualmente democrático em todos os
lugares do mundo e mesmo nos países com maiores índices de acesso, o exercício real da
cidadania nestes espaços não é a realidade para a maioria. Acessar a informação é apenas o
primeiro passo desta inserção, uma atuação autônoma implica na capacidade de selecionar
estas informações, reconhecer os discursos subliminares, conhecer os caminhos para a busca
de outras informações, outros olhares, enfim, saber “ler” os códigos e símbolos partilhados
neste espaço e por este coletivo. O reconhecimento desta situação não diminui entretanto o
reconhecimento do potencial de comunicação autônoma e difusão de informações,
188
possibilitado pelas redes sociais da web, constituindo estes espaços, no contexto
contemporâneo, “brechas” para a manifestação de pensamentos discordantes e difusão de
perspectivas outras que não as hegemônicas.
Selecionei alguns exemplos para ilustrar este fenômeno no que tem de similar, mas
desenvolverei análise mais detida de uma destas campanhas em particular. O primeiro
exemplo que trago é da mobilização pela devolução aos pais biológicos de cinco crianças
irregularmente tiradas de sua família de origem – lavradores de extrema condição de pobreza
material, do sertão da Bahia - e entregues em adoção a famílias de classe média de São Paulo.
Figura 9 – Exemplo 1 de Campanha de Mobilização Social
O endereço eletrônico do site oficial de uma rede de comunicação é compartilhado no
facebook, e em um movimento multiplicador por diferentes redes de sujeitos os mais diversos,
este conteúdo vai migrando de uma para outra rede de relações, difundindo um determinado
conteúdo, sensibilizando e mobilizando a opinião pública sobre o tema em foco. A imagem
copiada em 29/11/12 mostra 84.612 (oitenta e quatro mil, seiscentos e doze)
compartilhamentos e 2.136 (dois mil, cento e trinta e seis comentários), que certamente não é
o quantitativo do total de compartilhamentos e comentários que ocorreu em toda a rede, mas
apenas representa um nó desta rede com interconexões variadas.
189
É certo que esta campanha ganhou força midiática inegável a partir de reportagem transmitida
pelo Programa “Fantástico” da Rede Globo, entretanto, a pressão social e fortalecimento da
opinião pública em relação ao tema, teve também significativa influência das interações
ocorridas nas redes sociais da web.
Sem o apoio da mídia de massa, pode ser citada a campanha mobilizada nas redes sociais pela
garantia do direito da comunidade indígena dos Guarani-Kaiowá permanecerem nas terras que
vivem desde os seus ancestrais, no interior do Mato Grosso do sul. Esta comunidade estava
correndo sério risco de genocídio em função de despejo de suas terras, decretado pela Justiça
Federal e a mídia de massa se omitindo em relação à questão.
Em um site construído especificamente para a coleta de adesão a campanhas online foi
deflagrada a campanha direcionada à Presidência do país, solicitando providências. O
endereço deste site é compartilhado nas redes sociais e em processo semelhante ao
apresentado acima, este conteúdo é partilhado/compartilhado em diferentes redes.
Figura 10 – Exemplo 2 de Campanha de Mobilização Social
Nas situações apresentadas, corrobora-se o potencial de comunicação em fluxo dialógico e
bidirecional oportunizado pela mediação das tecnologias digitais disponíveis na
contemporaneidade, retratando uma atuação que Freire nomeia “consciência transitiva
crítica” - a consciência articulada com a práxis, ao mesmo tempo desafiadora e
transformadora, e que só é alcançada com o diálogo crítico, a fala e a convivência.
190
Considerando a libertação como condição essencial de humanização de homens e mulheres,
objetivo fim de qualquer processo educativo, Freire aponta a conscientização e o diálogo
como os caminhos para esta libertação, que por sua vez, constitui condição de autoafirmação
do sujeito.
A campanha que selecionei para desenvolver a análise cognitiva mais detidamente, diz
respeito à implantação de cotas21
nas Universidades Públicas. Com o foco das mídias de
massa no Supremo Tribunal Federal em função do julgamento de caso de corrupção
envolvendo nomes importantes da política nacional, e sendo o Ministro Joaquim Barbosa
relator do referido processo, seu nome ganha significativa projeção nas mídias em geral,
sendo sua imagem utilizada em diversas campanhas deflagradas na rede, a maior parte
possivelmente sem seu conhecimento ou consentimento. Aliada a este contexto de projeção, o
fato do Ministro ser negro gerou várias associações com a questão da igualdade étnico-racial
no país e da luta do povo negro pelos seus diretos.
Independente do conhecimento ou consentimento do Ministro, sua imagem foi incorporada
entre outras, a duas campanhas opostas que circularam no facebook no mês de novembro/12,
a primeira associando-o a um caso de sucesso independente das cotas de acesso às
Universidades Públicas e uma outra, claramente em resposta à primeira, lembrando a posição
pública do Ministro em favor das referidas cotas, inclusive com seu voto quando a questão foi
julgada no Supremo Tribunal de Justiça.
Em ambas as situações de interação deflagradas, os sujeitos alternam-se em posturas
favoráveis e contra as cotas, emitindo ainda juízos de valor sobre a figura do Ministro e suas
manifestações.
Transcrevo a seguir o registro na íntegra das duas discussões selecionadas, que foram
desenvolvidas em duas redes diferentes de sujeitos, posto que no facebook as redes se formam
tendo um sujeito como elemento articulador. Para preservar a identidade dos sujeitos,
substitui seus nomes por uma identificação numérica.
21
Reserva de vagas para alunos provenientes de escolas públicas, resguardada a proporção de pertencimento
étnico/racial em cada estado.
191
Figura 11 – Exemplo 3 de Campanha de Mobilização Social
Sujeito 1
Assinar · 23 de novembro
ELE Ñ PRECISOU DE COTAS. Curtir · Compartilhar
530 pessoas curtiram isto.
23.430 compartilhamentos
Sujeito 2 Teoricamente somos todos iguais, mas na prática é isso que acontece? Pq um entre milhões conseguiu estudar, não significa que a sociedade é
igualitária, isso não justifica perpetuar esse estado de desigualdade social. Sem dúvida ele é um bom argumento para os que são contra os mecanismos de
promoção a igualdade social!
24 de novembro às 15:38 · Curtir · 24
Sujeito 3 . ele é exceção... 1 negro presidindo o STF em quase 100 anos... é claro que precisamos de cotas (e, aliás, o desempenho dos cotistas nas universidades
públicas é MELHOR do que os não cotistas)...http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,desempenho-de-cotistas-fica-acima-da-media,582324,0.htm
24 de novembro às 16:58 · Curtir · 11
Sujeito 3. aliás de novo... o Joaquim Barbosa É A FAVOR das cotas!
24 de novembro às 16:59 · Curtir · 19
.http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-26/voto-de-joaquim-barbosa-e-quinto-do-supremo-favor-das-cotas-raciais-em-universidades
24 de novembro às 17:00 · Curtir · 4
Sujeito 4 Eu acho que o negro que pede cotas não merece minha consideração de irmaõ negro e sim de um derrotado.
24 de novembro às 21:02 · Curtir · 26
192
Figura 12 – Exemplo 4 de Campanha de Mobilização Social
Sujeito 1 Ministro Joaquim Barbosa AFIRMA que ações afirmativas concretizam princípio constitucional da igualdade
O ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ministro Ricardo
Lewandowski, e afirmou que sua manifestação foi tão convincente e abrangente que praticamente esgotou o tema. "O voto de Vossa Excelência está em sintonia
com o que há de mais moderno na literatura sobre o tema", afirmou.
Autor de vários artigos doutrinários sobre a questão, o ministro Joaquim Barbosa reproduziu parte de um texto que escreveu há mais de 10 anos intitulado "O
debate constitucional sobre as ações afirmativas" e fez declarações pontuais para demonstrar o que pensa ser essencial em matéria de discriminação.
"Acho que a discriminação, como componente indissociável do relacionamento entre os seres humanos, reveste-se de uma roupagem competitiva. O que está em
jogo aqui é, em certa medida, competição: é o espectro competitivo que germina em todas as sociedades. Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos
os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre o discriminador e o discriminado", afirmou.
Para o ministro, daí resulta, inevitavelmente, que aos esforços de uns em prol da concretização da igualdade se contraponham os interesses de outros na
manutenção do status quo. "É natural, portanto, que as ações afirmativas – mecanismo jurídico concebido com vistas a quebrar essa dinâmica perversa –, sofram
o influxo dessas forças contrapostas e atraiam considerável resistência, sobretudo, é claro, da parte daqueles que historicamente se beneficiam ou se beneficiaram
da discriminação de que são vítimas os grupos minoritários", enfatizou.
O ministro Joaquim Barbosa definiu as ações afirmativas como políticas públicas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à
neutralização dos efeitos perversos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. "A igualdade deixa de ser
simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade", ressaltou.
O ministro lembrou que as ações afirmativas não são ações típicas de governos, podendo ser adotadas pela iniciativa privada e até pelo Poder Judiciário, em
casos extremos. "Há, no Direito Comparado, vários casos de medidas de ações afirmativas desenhadas pelo Poder Judiciário em casos em que a discriminação é
tão flagrante e a exclusão é tão absoluta, que o Judiciário não teve outra alternativa senão, ele próprio, determinar e desenhar medidas de ação afirmativa, como
ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos, especialmente em alguns estados do sul", afirmou o ministro.
Ele ressaltou também que nenhuma nação obtém o respeito no plano internacional enquanto mantém, no plano interno, grupos populacionais discriminados.
"Não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo de Nação que tenha se erguido de uma
condição periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de
exclusão, aberta ou dissimulada – pouco importa! Legal ou meramente estrutural ou histórica, pouco importa! –, em relação a uma parcela expressiva da sua
população", asseverou.
FONTE: http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/educacao/cotas-para-negros/13972-cotas-raciais-o-voto-do-ministro-joaquim-barbosa
Cotas raciais: O voto do Ministro Joaquim Barbosa - Portal Geledés
www.geledes.org.br
O ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator da Arguição de Descumpri...Ver mais
24 de novembro às 13:04 · Curtir · 167
193
Sujeito 2 Sim, teriamos 50% de negros nesse quadro, mas o que importa é a quantidade ou a qualidade? Precisamos de número para aparentar uma igualdade ou
de competentes nos lugares certos para buscá-la? Competência se conquista com esforço, com trabalho e abnegação, não com privilégios. Privilégio come direito.
Segunda às 13:47 · Curtir · 13
Sujeito 3 Cérebro não tem cor..........isso e que importa!
Segunda às 13:50 · Curtir · 17
Sujeito 4 É bom agente lembrar q o ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva manifestou interesse na nomeação do Ministro Joaquim Barbosa, coisa q os
anteriores ex-presidente passaram e nem lembraram de colocar nenhum negro ou negra pra ocupar esse espaço. Agora ñ deixamos de observar, qts situações o
Ministro passou pra chegar até ai, fica pra pensar!.... será q aqueles brancos preconceituosos q estão lá passaram por essas situações, só pra pensar? E é
importante lembra q tem mts Jaoquim Barbosa por ai injustiçado nesse triste belo País.
Segunda às 14:42 · Curtir · 24
Sujeito 5 Leiam e não tentem usar a figura de uma pessoa integra para tentar colocar suas ideias atrasadas e medíocres para opinião pública vão se informar
mais.....
Segunda às 16:09 · Curtir · 10
Sujeito 6 pra mim não foi negro branco ou amarelo que asumio o cargo de presedentedo STJ foi um sidadão chmado Juaquim Barbosa
Segunda às 19:03 · Curtir · 6
Sujeito 7 Só por que o cara é negro, a mídia faz essa festa!
Segunda às 23:52 · Curtir · 1
Sujeito 8 questionável apenas o paradigma de que "lei não se discute, se cumpre"... mas o mérito é de excelente tom!
Terça às 00:12 · Curtir · 10
Sujeito 9 O Ministro age como um déspota quando diz que lei não se discute,se discute sim!!
Terça às 09:08 · Curtir · 8
Sujeito 10 Perdeu meu voto.
Terça às 10:52 · Curtir · 1
Sujeito 11 Os corruptos neste País, sempre são outros e muitos de nós jamais se manifesta como julgadores do voto que não se deveria ser dado, eles continuam
sendo eleitos e protegidos pela Lei. É assim que percebemos como o sujeito Negro neste País, não pode expressar as suas vivências históricas de ausência
constante dos fatores que nos possibilitaríamos ser menos desfavorecidos. Lamentável, que tristeza.
Terça às 12:06 · Curtir · 2
Sujeito 12 vivemos em uma democracia e a opinião de todos merece respeito, mas ainda acredito que se a educação publica sofresse verdadeira melhoria todos,
independente de cor ou dinheiro teriam chances iguais, e nao vejo como eu estar errada. As cotas vao manter a educação publica no mesmo patamar de
mediocridade e ainda causa grande mal estar dentro das universidades.
Terça às 12:34 · Curtir · 15
Sujeito 13 ............, você está muito enganada. Leia um pouco de Munanga e Lilia que você vai perceber além do que você está vendo. Depois, o Reitor da
UFRPE fez uma pesquisa recente e as cotas estão favorecendo e muito aqueles que historicamente são excluídos, segregados e, mais ainda, a evasão está maior
entre os não-cotistas, da mesma forma o desempenho dos cotistas está equiparado aos não cotistas. Leia um pouco mais sobre racismo institucional e nas escolas
que você perceberá o quanto os negrosl são colocados como sub-humanos.
Ontem às 00:03 · Curtir · 10
Sujeito 13 Não, Lei não se discute, depois que se torna Lei em todos os seus trâmites legais, não se discute, são para ser cumpridas. É por isso que temos essa
cultura nojenta em nosso país de leis que pegam e aquelas que não saem do papel. O incrível é que esse estardalhaço todo é apenas por causa de dar mais
oportunidades para os negros. Se a lei beneficiasse mais ainda essa sociedade branca, duvido que alguém questionasse.
Ontem às 00:06 · Curtir · 9
194
Sujeito 14 O nobre ministro Barbosa,que anda em dúvida entre o Supremo e as artes cênicas,diz que lei não se discute,mas quer alterar as leis que para ele não
são covenientes como a que criou o Tribunal militar e a que escolhe os Ministros do Supremo.
Ontem às 01:27 · Curtir · 3
Sujeito 12 ........, não concordo, não aceito discriminações, sou nordestina e sei que sofremos discriminações, mas temos que ser superiores a tudo isso, e com
toda certeza se tivessemos ensino público no ensino fundamental e médio de boa qualidade todos teriam chances e entrariam nas universidades sem sofrimento,
preparados para enfrentar uma academia, um lugar onde se produz ciência, conhecimento. Manter as cotas significa manter a má qualidade no ensino público
anterior à universidade e isso é um problema gravissimo para qualquer país sério. Quem neste país agora está se preocupando com a educação? O governo calou
a boca dos menos favorecidos com as cotas, esta é a verdade!
Quarta às 18:25 · Curtir · 5
Sujeito 12 E o próximo passo do Governo será jogar as universidades públicas contra a opinião pública, até conseguir acabar de vez com elas. Quem viver verá.
Ontem às 18:27 · Curtir · 5
Figura 13 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva III
Fonte: a autora.
1.3.1. Categorias Estruturantes Identificadas
Buscando as categorias estruturantes que indicam na matriz de análise aqui utilizada, a
AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS E DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES
PSICOLÓGICAS SUPERIORES, identifico nos processos cognitivos dos sujeitos das
interações acima: Internalização e Desenvolvimento de Sistemas Simbólicos, Pensamento
Generalizante, Diferenciação/Individuação, e Comando dos Tipos de Representações.
A internalização e desenvolvimento de sistemas simbólicos para organizar os signos em
estruturas mais complexas está claro em muitos trechos da interação, quando os sujeitos
trazem informações e linguagens de outras fontes – a exemplo um site da web ou um
195
referencial acadêmico, estabelecem uma análise histórica do processo ou buscam o aparato
legal para fundamentar suas colocações:
[...] Pq um entre milhões conseguiu estudar, não significa que a sociedade é
igualitária, isso não justifica perpetuar esse estado de desigualdade social
[...] ele é exceção... 1 negro presidindo o STF em quase 100 anos... é claro que
precisamos de cotas
[...] É por isso que temos essa cultura nojenta em nosso país de leis que pegam e
aquelas que não saem do papel
[...] você está muito enganada. Leia um pouco de Munanga e Lilia que você vai
perceber além do que você está vendo
O Pensamento Generalizante transforma a linguagem em um instrumento do pensamento,
ordenando o real, agrupando objetos, eventos e situações em uma mesma categoria conceitual
que mediará a relação do sujeito com o objeto. Esta estrutura de pensamento está presente nas
interações em análise, quando os sujeitos trazem fatos, conceitos e ideologias já fortemente
consolidadas no pensamento público para fortalecer a sua argumentação:
[...] Competência se conquista com esforço, com trabalho e abnegação, não com
privilégios.
[...] será q aqueles brancos preconceituosos q estão lá passaram por essas situações,
só pra pensar? E é importante lembra q tem mts Jaoquim Barbosa por ai injustiçado
nesse triste belo País
[...] Os corruptos neste País, sempre são outros e muitos de nós jamais se manifesta
como julgadores do voto que não se deveria ser dado, eles continuam sendo eleitos e
protegidos pela Lei
A Diferenciação/Individuação, ação na qual o sujeito se constrói enquanto indivíduo,
diferenciando-se do coletivo e afirmando sua autonomia de pensamento, está presente em
praticamente todas as falas das interações acima, posto que em todas elas os sujeitos se
colocam, defendem pontos de vista e contrapõem pensamentos discordantes. Alguns trechos
são mais ilustrativos deste processo, quando retratam sujeitos que simplesmente exprimem
seu ponto de vista sem nenhuma preocupação de argumento ou convencimento a outrem.
Eu acho que o negro que pede cotas não merece minha consideração de irmaõ negro
e sim de um derrotado.
Só por que o cara é negro, a mídia faz essa festa!
Perdeu meu voto.
Para Bruner, em seu processo de desenvolvimento intelectual, o ser humano vai tornando-se
apto a comandar os tipos de representações, sendo o último passo deste processo, tornar as
palavras “veículos para penetrar nas categorias do possível, do condicional, do condicional
contra-atual” (BRUNER, 1969, p. 28), dominando assim a capacidade de elaborar de forma
complexa, representações do mundo da experiência possível. O texto do Sujeito 1 da
196
Campanha 2, que lança a provocação/resposta é ilustrativo desta elaboração complexa, tanto
na forma com que o mesmo constrói o texto, selecionando trechos específicos e articulando os
trechos que recorta, quanto no discurso do Ministro, copiado em vários trechos:
O ministro Joaquim Barbosa acompanhou o voto do relator da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, ministro Ricardo
Lewandowski, e afirmou que sua manifestação foi tão convincente e abrangente que
praticamente esgotou o tema. (...)
O ministro lembrou que as ações afirmativas não são ações típicas de governos,
podendo ser adotadas pela iniciativa privada e até pelo Poder Judiciário, em casos
extremos. "Há, no Direito Comparado, vários casos de medidas de ações afirmativas
desenhadas pelo Poder Judiciário em casos em que a discriminação é tão flagrante e
a exclusão é tão absoluta, que o Judiciário não teve outra alternativa senão, ele
próprio, determinar e desenhar medidas de ação afirmativa, como ocorreu, por
exemplo, nos Estados Unidos, especialmente em alguns estados do sul", afirmou o
ministro.
. (...) nenhuma nação obtém o respeito no plano internacional enquanto mantém, no
plano interno, grupos populacionais discriminados. "Não se deve perder de vista o
fato de que a história universal não registra, na era contemporânea, nenhum exemplo
de Nação que tenha se erguido de uma condição periférica à condição de potência
econômica e política, digna de respeito na cena política internacional, mantendo, no
plano doméstico, uma política de exclusão, aberta ou dissimulada – pouco importa!
Legal ou meramente estrutural ou histórica, pouco importa! –, em relação a uma
parcela expressiva da sua população", asseverou.
FONTE: http://www.geledes.org.br/areas-de-atuacao/educacao/cotas-para-
negros/13972-cotas-raciais-o-voto-do-ministro-joaquim-barbosa
1.3.2. Interfaces para Análise
a) Epistemologia e Filosofia Freiriana
Abrindo o leque das possibilidades de interface na análise destas interações cognitivas,
retomo os marcos teóricos da Filosofia e Epistemologia Freiriana, já inicialmente postos na
análise inicial acima. Para Freire, o mundo social e humano só existe a partir da
comunicabilidade, é a intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo
cultural e histórico, estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto.
Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida à simples relação do sujeito
cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a relação comunicativa entre sujeitos
cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapareceria o ato cognoscitivo.
(FREIRE, 1985, p. 65)
Como exigência existencial, é o diálogo que possibilita a comunicação permitindo que os
sujeitos dialogantes ultrapassem a dimensão da vivência imediata. Limitado a sua forma
inicial de concepção sobre o objeto, construída nas interações com o seu contexto vivencial
direto, os sujeitos se abrem a novas dimensões de compreensão do objeto através do diálogo
197
com os pares. Diálogo comunicativo, que implica no reconhecimento do saber do outro e no
respeito à condição do outro em pensar e deter saberes sobre aquele objeto.
A partir do diálogo e da comunicação, o sujeito chega então à condição última da sua
condição de ser humano: a conscientização. As campanhas de mobilização social e política
através da redes sociais é um exemplo claro de mobilização de sujeitos conscientes do seu
saber e do seu papel no mundo, posto que,enquanto a tomada de consciência é o momento em
que o sujeito se distancia da realidade para percebê-la criticamente, a conscientização é um
passo além, constituindo-se em ação transformadora.
Cabe ainda refletir nesta análise a dimensão da “hospedagem” do mundo do opressor na
consciência do oprimido. Imersa no mundo do opressor, a consciência do oprimido vive uma
dualidade: ao tempo em que hospeda em si os valores, as ideias, a visão de mundo do
dominador e teme a liberdade, a deseja, ansiando pela libertação. Para Freire, o oprimido vive
assim uma luta interna, que precisa deixar de ser individual para ser coletiva:
[...] ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em
comunhão. (FREIRE, 1979, p. 42)
Este olhar amplia a compreensão sobre certas posturas de sujeitos que mesmo vítimas de
situações de subjugo ou exclusão, mantêm a ideologia do opressor em seu olhar sobre o
mundo. Também amplia a compreensão sobre a relevância de ações transformadoras que
nascem do próprio coletivo do qual fazem parte os sujeitos, estas sim com um potencial de
libertação real, pela identificação destes em seu pertencimento social, de gênero, étnico,
religiosa, político etc..
b) Visada Polilógica
Dando continuidade à Análise Cognitiva da situação, buscando outras interfaces, trago agora
a dimensão da Visada Polilógica, especificamente identificando a presença da Atitude crítica
de Radicalidade Aprendente, da Insuficiência da Razão Monológica e da Pluricentralidade do
Sentido.
Compreender a Atitude Crítica de Radicalidade implica em conceber a ciência em sentido
propriamente filosófico, o que pressupõe uma absoluta liberdade de voo. Como atividade
aprendente de conhecimentos, diz respeito ao nosso comum pertencimento ao ente-espécie
198
humanidade, segundo nossas concretas e históricas condições existenciais (ambientais,
corporais, materiais, simbólicas). Os sujeitos que interagem cognitivamente na situação em
análise, voam livremente em seu filosofar, autorizando-se a declarar o seu conhecer que,
embora individual, é obviamente implicado com as condições existenciais concretas destes
sujeitos:
[...] não concordo, não aceito discriminações, sou nordestina e sei que sofremos
discriminações, mas temos que ser superiores a tudo isso, e com toda certeza se
tivéssemos ensino público no ensino fundamental e médio de boa qualidade todos
teriam chances e entrariam nas universidades sem sofrimento [...] manter as cotas
significa manter a má qualidade no ensino público anterior à universidade [...]
Teoricamente somos todos iguais, mas na prática é isso que acontece? Pq um entre
milhões conseguiu estudar, não significa que a sociedade é igualitária, isso não
justifica perpetuar esse estado de desigualdade social. Sem dúvida ele é um bom
argumento para os que são contra os mecanismos de promoção a igualdade social!
Na Visada Polilógica, ao pretendermos descrever acontecimentos aprendentes, devemos
buscar silenciar o acúmulo de representações do sentido, realizando assim um retorno radical
sobre nós mesmos, em uma atitude aprendente que não se deixe levar pelo que se impõe como
lei estabelecida, excludente. É assim o filosofar como fundação e realização do próprio ser-
sendo na sua incorrigível policentralidade. Considerar o fenômeno humano a partir de uma
visada polilógica, implica na compreensão de que uma centralidade onipotente e onipresente
é obtusa e reducionista; implica ainda em compreender que não faz sentido investigar
fenômenos específicos fora de suas concretas condições e circunstâncias.
O trecho do discurso do Ministro, trazido por um dos sujeitos para fundamentar a sua
argumentação, faz em vários momentos este processo de contextualizar o sentido que define
como Ação Afirmativa e o papel do governo brasileiro frente às populações desfavorecidas ou
excluídas:
(...) Não se deve perder de vista o fato de que a história universal não registra, na era
contemporânea, nenhum exemplo de Nação que tenha se erguido de uma condição
periférica à condição de potência econômica e política, digna de respeito na cena
política internacional, mantendo, no plano doméstico, uma política de exclusão,
aberta ou dissimulada – pouco importa! Legal ou meramente estrutural ou histórica,
pouco importa! –, em relação a uma parcela expressiva da sua população" (...)
O nosso ser é ser-no-mundo-com. Nossa única saída existencial é partir da condição
relacional que nos constitui ontologicamente. Ninguém pode viver a saga única do outro, e
toda pretensão de reduzir o outro a algo que já se conhece não passa de engodo da razão
prepotente. O ser-no-mundo-com é cada um de nós em sua peculiaridade indizível. Esta
perspectiva está muito clara na atuação cognitiva dos sujeitos em análise, que abdicam muitas
vezes do amparo teórico ou do discurso acadêmico referenciado e se legitimam ao colocar-se
199
do “seu lugar” sócio-histórico-antropológico: nordestino, negro, brasileiro, que também sofre
discriminação; e deste lugar situar o seu saber, o seu conhecer sobre o tema em discussão.
A pluricentralidade da construção do sentido é percebida ao olhar o todo da construção
coletiva estabelecida por estes sujeitos em um ambiente mediado telematicamente. O sentido
ali construído é polilógico, polifônico, polissêmico, não existe fora de concretas condições e
circunstâncias. Não há uma conclusão final, um consenso nem subjugo de ideias em favor de
outras. A nossa comum racionalidade é inadequada para compreensão dos eventos
implicados, posto que nenhuma razão hegemônica pode se sobrepor ao fluxo imprevisível dos
acontecimentos do sentido.
Na perspectiva Polilógica, temos nesta situação em análise um exemplo da pluricentralidade
do sentido e da Insuficiência da Razão Monológica, posto que aqui, muitas são as verdades
e muitos são os caminhos (métodos) para realizá-las. Qualquer ideia, portanto, de
exclusividade e superioridade seria sinal de dominação ideológica deliberada. Por este olhar,
múltiplos são os modos de ser do sentido, por natureza, tudo é singular e plural, e nada se
pode reduzir a um princípio único quantificável, pois tudo o que é possui em si mesmo a
estrutura da diferença ontológica.
1.4. DISCIPLINA OFERECIDA NA MODALIDADE SEMIPRESENCIAL EM CURSO
PRESENCIAL DE GRADUAÇÃO
Quadro 8 - Identificação do contexto de Interação Cognitiva – Chat em disciplina ofertada na
modalidade semipresencial
AMBIENTE chat - Atividade síncrona desenvolvida na
plataforma Moodle de disciplina oferecida em
formato semipresencial em curso presencial de
Pedagogia.
SUJEITOS Estudantes da disciplina de formação para o uso das
TIC's na educação
RELAÇÃO Colegas de turma
MOTIVAÇÃO Discutir um texto indicado pela docente,
experimentando o recurso chat na plataforma
Moodle
LOCALIZAÇÃO Atividade obrigatória da disciplina, novembro de
2011
200
Na mesma linha de experimentação que venho desenvolvendo neste capítulo, escolho agora
um formato de interação diferente dos que foram analisados até aqui, por tratar-se de uma
atividade síncrona, por sua natureza, ágil e com os sujeitos interagindo ao mesmo tempo. A
interação em análise durou 01:13h (uma hora e treze minutos) e teve a participação de nove
sujeitos. Transcrevo a seguir alguns trechos da conversa (a transcrição é feita diretamente do
registro na Plataforma Moodle, sem nenhuma alteração) selecionados pela sua relevância
analítica, mas a transcrição na íntegra encontra-se em documento anexo a este trabalho.
Para preservar a identificação dos sujeitos, suprimi os seus nomes, substituindo-os por uma
identificação numérica. Considerando a agilidade da comunicação instantânea, visando
facilitar a compreensão da análise cognitiva desenvolvida, que exigia a identificação da
atuação dos sujeitos individualmente, marquei com cores diferentes as intervenções de cada
sujeito. No documento em anexo, na íntegra, constam ainda algumas observações originais,
marcadas no próprio documento, que deram origem à análise desenvolvida posteriormente e
apresentada a seguir.
TRECHO 1
14:12 Sujeito 1 Oi Liu!
14:12 Sujeito 1: Boa tarde
14:12: Sujeito 2 entrou no chat
14:12: Sujeito 3 entrou no chat
14:12 Sujeito 4: oi thay, vamos conversar um pouco sobre as tec?
14:13 Sujeito 1: vamos
14:13 Sujeito 3: E aí meninas...
14:13 Sujeito 3: O que acharam do texto?
14:13 Sujeito 4: gostei das reflexões feita pelas as colegas sobre a mesma
14:14 Sujeito 3: Eu achei muito interessante
14:14: Sujeito 5 entrou no chat
201
14:14 Sujeito 2: oi garotas boa tarde..
14:14 Sujeito 5: Boa tardee =)
14:14 Sujeito 4: oi luana, concordo com vc qd falou do texto: um fio de vantagem..
14:14 Sujeito 1: tambem gostei das reflexoes
14:15 Sujeito 3: Percebi que o texto mostra como a tecnologia está presente em nosso cotidiano
14:15: Sujeito 2 abandonou este chat
14:15 Sujeito 4: tmb fiquei mim perguntando, o q esse texto tem a ver com as tics, só depois da leitura q
pude perceber q o mesmo faz toda uma abordegem a respeito desta, desde os primordios
14:16 Sujeito 5: é meninas, os conteúdos estudados, assim como as reflexões e opiniões traçam um
alinha do tempo muito interessante.
14:16 Sujeito 3: Que a mesma está ligada intimamente ao convivio
14:16 Sujeito 5: uma*
14:16 Sujeito 5: concordo Luana.
14:17 Sujeito 5: as necessidades de cada epoca é o que move o desenvolvimento e as novas criações...
14:17 Sujeito 3: E que é quase impossível ficar sem utilizar esses meios tecnológicos
14:17 Sujeito 1: pudemos ver o quanto é importante voltar ao passado e saberque a tecnologia existe
desde os primordios
14:18 Sujeito 3: O texto 2 retrata também o quanto a tecnologia está presente
14:19 Sujeito 3: E que vivemos numa sociedade de informação
TRECHO 2
14:19: Sujeito 6 entrou no chat
14:19: Sujeito 7 entrou no chat
14:19 Sujeito 5: hoje em dia , por exemplo, o uso das tecnologia é fundamental , desde as atividades
mais simples , como uma pesquisa escolar, ou um pate babo, assim como , na busca de tratamentos
especiais
14:19 Sujeito 6: boa tarde
202
14:19 Sujeito 5: Cleidianeeeee :P
14:19 Sujeito 7: OI PESSOAL SO PASSEI P´RA DA UM OI ESTOU NO ENCONTRO DO EBEPE
14:19 Sujeito 3: que é fruto do pós-industrialismo
14:19 Sujeito 3: oi queridas
14:20 Sujeito 5: como ta aii???
14:20 Sujeito 7: O TEXTO É BEM INTERESANTE
14:20 Sujeito 3: por sermos mundo totalmente capitalista
14:20 Sujeito 7: ta a cara da riqueza
14:20 Sujeito 7: ta bem
14:20 Sujeito 5: Bate*
14:20 Sujeito 7: tenho q ir
14:20 Sujeito 6: q bom q a tecnologia ta te dando a opt de esta falando
14:20 Sujeito 7: se n
14:20 Sujeito 7: valeuu ...
14:20 Sujeito 3: já
14:20 Sujeito 7: o ncarro me deixa
14:21 Sujeito 4: ao ler o texto de levy, achei muito interessante qd em sua fala ele dizia que: "uma
tecnica não nem boa nem má(isto depende do contexto, dos usos e dos pontos de vista", não se trata de
avaliar seus impactos, mas de situar a irreversibilidade as quais um de seus usos nos levaria, de formular
os projetos que exploraria as virtualidades que ela transposta e de decidir o que fazer dela".
14:21 Sujeito 7: beijooooooo
14:21 Sujeito 6: aoreveite aí menia
14:21 Sujeito 5: ai um exemplo das vantagens da tecnologia, nossa colega está lá em Juazeiro, e pode
está contribuindo
TRECHO 3
203
14:28 Sujeito 2: os docentes nem sempre sabe manusea-los
14:28 Sujeito 2: com certeza Tay
14:28 Sujeito 3: Esse é grande problema Jack
14:29 Sujeito 5: éé Jackeline, muitos não sabem ultilizar .. outros acham muito trabalho
14:29 Sujeito 3: Mas temos que estar preparados
14:29 Sujeito 4: ai jack é onde nos questionamos muitas vezes o profesor tem a tec. mas não sabe como
usalas ne verdade?
14:29 Sujeito 3: senão ficamos para trás
14:29 Sujeito 1: por isso que é tao importante essa disciplina, para nossa formação
14:29 Sujeito 6: mas sabemos q essa é oportunidade de mudarmos
14:29 Sujeito 4: *professor
14:29 Sujeito 6: e devemos ser diferentes
14:30 Sujeito 5: e em muitos lugares os diretores colocam impecilios
14:30 Sujeito 3: A tecnologia causou uma revolução
14:30 Sujeito 2: concordo com vc cicera
14:30 Sujeito 6: vamos aprender a cada dia para ñ fazer parte desse grupo q ñ sabe usar
14:30 Sujeito 5: é isso ai Ciceraa..
14:31 Sujeito 5: e uma otima oportunidade é a proxima ativiidade da disciplina
14:31 Sujeito 1: tambem concordo com cicera
14:31 Sujeito 3: Pois ela tem o poder de influenciar na comunicação, formacçao de economia e muito
mais
14:31 Sujeito 2: enquanto pedagogas temos q estar a cada dia nos atualizando
14:32 Sujeito 6: ela tem tb o poder de excluir quem ñ sabe vai ficar pra traz no mercado de trabalho
14:32 Sujeito 4: com certeza luana, a quetão é: que as tecnologias ao mesmo tempo que é de suma
importância em nossas vidas é tmb uma forma de exclusão..
204
14:32 Sujeito 3: Esta disciplina esta nos dando a oportunidade de utilizar a tecnologia a nosso favor e de
maneira correta
14:32 Sujeito 1: e verdade luana, ela é comunicação e muito mais
14:32 Sujeito 3: pois estamos construindo conhecimento
14:32: Sujeito 6abandonou este chat
14:32 Sujeito 2: mis não vai ser o nosso caso amiga cicera kkk...
14:33 Sujeito 1: concordo Liu
14:33 Sujeito 5: E o importante é proporcionar aqueles alunos que não tem condições, porque ainda
existem, os que acessam apenas as redes sociais, mas não sabem pesquisar ou ultilzar as imensas
ferramentas da internet, do computador..
TRECHO 4
14:35 Sujeito 3: Tem uma parte do texto que é bem interessante
14:35 Sujeito 3: que diz assim:
14:36 Sujeito 3: O conhecimento e a informação se convertem em elementos fundamentais de geração de
riqueza e de poder na sociedade
14:36: Sujeito 6 entrou no chat
14:37 Sujeito 6: oi
14:37 Sujeito 4: concordo luana.mas ai fica a ?, e os que não tem acesso a esses conhecimentos, é que
são os excluidos.
14:37 Sujeito 5: Luana, de fato é muito interessante e verdadeiro
14:38 Sujeito 5: pq aquelas pessoas que detem o conhecimento e junto a ele o uso das tecnologias , pode
"ganhar o mundo"
14:38 Sujeito 1: é o sistema captalista
14:38 Sujeito 3: Desta forma a tecnologia está presente mesmo que a gente não aceite
14:38 Sujeito 6: isso é verade luana
14:38 Sujeito 4: isso é verdade luana.
14:39 Sujeito 3: hoje está tão rotineiro
205
14:39 Sujeito 3: celular com acesso a net
14:39 Sujeito 4: eta cícera combinamos a resposta foi? rsrs
14:39 Sujeito 6: kkkkkkkkkkk
14:39 Sujeito 4: kkkkk...
14:40 Sujeito 3: espera um pouco
14:40 Sujeito 1: e para nao ficarmos para tras somo obrigados a aprender sobre as tecnologias
14:41 Sujeito 4: com certeza tay, e sem falar que o que aprendemos hj lá na frente pode não tem mais
tanta utilidade pois, o mundo esta por constante transformações
14:41 Sujeito 6: é mesmo Tay
14:42 Sujeito 4: o mundo esta passando por onstantes transformações,
Figura 14 - Imagem Gráfica da Análise Cognitiva IV
Fonte: a autora.
1.4.1. Categorias Estruturantes Identificadas
Seguindo o caminhar metodológico que venho desenvolvendo neste capítulo, inicio a análise
pela identificação das categorias de AQUISIÇÃO DE ESTRUTURAS MENTAIS /
206
DESENVOLVIMENTO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES predominantes na
situação de interação cognitiva. São estas: Elaboração dos sistemas/técnicas para processar e
representar informações; Pensamento generalizante e Qualidade lógica, ‘racional’, da
conceituação.
Segundo Bruner, no desenvolvimento humano há três sistemas funcionando em paralelo, para
processar e representar informações, como fases internas do desenvolvimento: a) através de
manuseio e ação; b) através de organização perceptiva e de imagens; c) como aparelho
simbólico. Para este autor, é a elaboração desses três sistemas de técnicas/três sistemas básicos
de instrumentos que vai permitir ao organismo maduro o uso total das próprias aptidões. Na
situação em análise, é claro o quanto a maior ou menor familiaridade com a ferramenta de
comunicação instantânea – chat – influencia no nível da participação dos sujeitos, na sua
capacidade real de interagir com os pares e de acompanhar o ritmo e lógica das elaborações
conceituais/construções teóricas que ocorrem.
O ritmo da ferramenta de comunicação instantânea cria uma situação de aparente caos, na qual
algumas intervenções parecem ficar “perdidas”, sem que nenhum outro sujeito interaja a partir
delas, outras intervenções aparecem na tela de visualização coletiva fora do contexto da
discussão por um atraso de segundos em relação às intervenções que chegaram antes, e outras
pessoas ainda travam conversações/interações em paralelo à discussão coletiva, que
“atravessam” esta como se ocorressem em situações de intervenção oral em que os sujeitos não
podem captar todas as mensagens emitidas ao mesmo tempo.
Há situações claras nos trechos destacados, nas quais um sujeito faz duas ou três intervenções
seguidas que se constituem em partes de um mesmo raciocínio, como se desconsiderasse as
intervenções outras que foram aparecendo na tela de visualização coletiva. Ou seja,
estabelecendo um paralelo com uma situação de interação oral, é como se ela continuasse a
falar sem pausa, sem ouvir as intervenções dos demais sujeitos. Em outros trechos, dois ou
mais sujeitos estabelecem conversação paralela e fora da temática, utilizando de forma
inadequada o espaço de interação e a ferramenta, obviamente perdendo aspectos da elaboração
coletiva ali em construção.
Por outro lado, alguns sujeitos deste grupo demonstram uma intervenção qualitativamente
significativa, sendo capazes de uma atuação na qual ao mesmo tempo: respondem a
intervenções individuais, estabelecem relações e retomam intervenções feitas há algum tempo
207
naquela mesma conversação, trazem trechos do texto em discussão para fundamentar sua
argumentação, contrapõem dialeticamente alguma intervenção, ampliando a perspectiva então
colocada sobre a questão abordada. Estes sujeitos possivelmente convergem um embasamento
teórico maior sobre o tema, uma capacidade de organização do pensamento e uma agilidade na
expressão dos seus pensamentos, sendo que neste contexto de mediação telemática, a
familiaridade com a ferramenta ou com a comunicação síncrona, rápida e de aparente caos, lhes
permite uma participação e elaborações qualitativamente superiores.
Vygotsky traz o conceito de Pensamento Generalizante, que se caracteriza por transformar a
linguagem em um instrumento do pensamento, ordenando o real, agrupando objetos, eventos e
situações em uma mesma categoria conceitual que mediará a relação do sujeito com o objeto.
Em uma situação tão específica como a de comunicação instantânea, a linguagem adquire uma
característica muito própria deste ritmo de comunicação, com uma forte característica de
informalidade, semelhança com a linguagem oral, constantes abreviações, termos e símbolos
construídos no espaço web e que não correspondem à escrita convencional da língua
portuguesa, “erros” ou omissões de letras e pontuação que, entretanto, parecem não
comprometer a compreensão da mensagem pelos demais participantes da interação.
Neste contexto de comunicação específica, a linguagem como principal símbolo que estrutura o
pensamento toma também a forma própria para o ritmo e contexto de elaboração cognitiva que
ali se desenvolve. Ágil, abreviada, com interações paralelas, com expressões próprias porém
compartilhadas pelos sujeitos da interação, esta linguagem estrutura o pensamento, ordenando
a percepção destes sujeitos e sua relação com os objetos/eventos/situações. Também por este
argumento, é possível observar que os sujeitos mais competentes no uso desta linguagem
específica, demonstram uma construção qualitativamente mais ampla, bem como uma interação
maior e mais efetiva com os pares.
A outra categoria identificada nas formas como os sujeitos desta interação adquirem estruturas
mentais e desenvolvem as funções psicológicas superiores, é a Qualidade lógica, ‘racional’ da
conceituação. Como afirma Bruner, esta é a forma como o adulto age na busca de informações,
reconhecendo as regularidades em um meio ambiente normalmente complexo, apesar das suas
limitações na capacidade para processar os dados e dos naturais riscos que incorremos em
qualquer ato de julgar ou fazer opções.
208
Na interação em análise os sujeitos discutem os textos indicados para a atividade, selecionando
destes as mensagens mais significativas, estabelecendo relações com o contexto de vivência
dos sujeitos em geral e o contexto da atuação docente. Apesar de todos os aspectos já
apresentados e analisados acima e as restrições que se identificam na utilização da forma de
diálogo e construção específicos das ferramentas de comunicação instantânea, o objetivo da
atividade é atingido posto que os sujeitos discutem conceitos e constroem elaborações teóricas
a partir deles.
1.4.2. Interfaces para Análise
Na mesma linha metodológica que venho utilizando nas demonstrações feitas anteriormente,
selecionei duas interfaces para o desenvolvimento da análise desta situação de interação com
mediação tecnológica, selecionadas pela identificação da sua pertinência na análise da situação
específica: ORGANIZAÇÃO AUTOPOIÉTICA e AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL
(AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD).
a) Organização Autopoiética
Na interface com a dimensão da Organização Autopoiética, identifico as categorias Autonomia
/ Dependência - Autoprodução na Interação com o Meio e Acoplamento Estrutural na Contínua
Conservação da Autopoiese.
A organização Autopoiética tem mais específico que o sujeito é o seu produto, não havendo
assim separação entre produtor e produto; os seres vivos,e mais especificamente o ser humano,
se caracterizam por – literalmente – produzirem de modo contínuo a si próprios. Esta forma de
organização é clara na interação em análise, os sujeitos vão se encontrando, se localizando
naquele contexto de mediação telemática, alternando posturas e formas de intervenção na busca
por produzirem a si próprios como seres adaptados àquele contexto específico. Alguns agem
com grande informalidade, como costumam agir nas interlocuções com os colegas fora dos
ambientes supervisionados, ou até para alguns, como agem nas redes sociais; outros mantém
uma postura mais acadêmica, como conscientes de tratar-se de uma atividade formal e que está
sendo registrada para posterior avaliação; outros ainda parecem “tatear” naquele ambiente
completamente estranho, participando de forma esparsa, com timidez, superficialidade ou fora
do contexto da discussão. Podemos observar ainda que os mesmos sujeitos alternam no
209
decorrer do chat entre estas formas de interação descritas, em um movimento que, a meu ver,
indica a busca pela forma mais coerente, adaptada, confortável, na percepção destes.
Autonomia e dependência constroem uma à outra, numa dinâmica circular. Os seres vivos são
autônomos, isto é, autoprodutores – capazes de produzir seus próprios componentes ao interagir
com o meio: vivem no conhecimento e conhecem no viver. Esta autoprodução é claramente
perceptível conforme a descrição acima, na circularidade dependência/autonomia. Os sujeitos
se colocam individualmente, fazem intervenções, opinam, alternam os formatos mais ou menos
formal, acadêmico, em um exercício de autonomia, mas obviamente que vão experimentando e
”re-situando” sua atuação a partir das intervenções dos pares. Vale ressaltar ainda nesta análise
que a docente não estava participando da discussão ao mesmo tempo, o que possivelmente dava
aos discentes uma sensação maior de liberdade, posto que interagiam naquele momento apenas
com os pares.
O Acoplamento estrutural na contínua conservação da autopoiese é presente/consequente
no contexto acima descrito e analisado, posto que é parte do processo da organização
autopoiética. Determinação e acoplamento estrutural ocorrem na contínua conservação da
autopoiese, estando tudo subordinado a esta conservação. Cada interação organismo-meio é
uma interação específica, na qual o meio atua em contínua seleção das mudanças estruturais
que o organismo viverá em sua ontogenia, da mesma forma que os seres vivos operam como
seletores das mudanças estruturais do meio. Assim, na medida em que os sujeitos vão
alternando formatos de interação/atuação naquele contexto específico de comunicação
instantânea por mediação tecnológica, autônoma e dependentemente observando, reagindo,
adaptando-se a partir da atuação dos pares, o acoplamento estrutural está acontecendo, na
constante busca do ser vivo (e mais especificamente do ser humano) pela conservação da
autopoiese.
b) Ambiente Virtual/Atual (Ava/Aaa) – Educação Sem Distância (Esd)
A outra interface que seleciono para análise dos processos cognitivos que ocorrem nesta
interação é a dimensão do AMBIENTE VIRTUAL/ATUAL (AVA/AAA) – Educação sem
Distância (EsD). Especificamente nesta interface, identifico fortemente presentes as categorias
da Temporalidade Experienciada Humanamente, a Emergência de um Terceiro incluído:
subjetivações humanas e a Não Determinação da Presença e da Distância.
210
A interação por mediação telemática que estamos aqui analisando é clara exemplificação desta
interface, maximizada pelo fato de ser uma interação síncrona, ou seja, na qual os sujeitos
atuam ao mesmo tempo. Como consequência direta deste contexto, torna-se necessário
problematizar, aprofundar, resignificar a concepção da temporalidade, distinguir a
temporalidade experienciada humanamente de outras temporalidades transcendentes ao
humano. A temporalidade humana somente pode ser compreendida na temporalidade humana,
comporta diferentes extratos e gradientes de intensidade que se pode descrever por
aproximação e por condizência, mas não se pode explicar como uma coincidência entre os
entes externos e o que é percebido nas subjetivações humanas.
Quando os sujeitos desta interação encontram-se em um espaço de mediação telemática,
colegas com significativo grau de intimidade gerada na convivência em diferentes espaços
formativos, têm uma tarefa a desenvolver: discutir um texto sugerido pela docente, utilizando a
ferramenta de comunicação instantânea – chat. Paralelo às elaborações teóricas do texto há a
vivência na utilização de uma ferramenta de mediação síncrona, e os sujeitos em formação,
futuros docentes desenvolvendo saberes sobre as TICs e a educação, vivem tudo isto – teoria,
prática, desafio, novidade, estranhamento, reflexão, em um sentido do tempo subjetivamente
percebido, que não pode ser analisado sem considerar todas esta implicações.
A familiaridade que alguns já possuem com a vivência deste tipo de interação, as construções
teóricas anteriores que já compõem as estruturas mentais destes sujeitos, o “lugar de poder” –
liderança, respeito, função de monitoria e outros fatores - que cada sujeito ocupa naquele
grupo, são fatores que exercem forte influência nas percepções dos sujeitos em interação
cognitiva. É clara a diversidade na atuação dos sujeitos desta interação em análise: há aqueles
que assumem a função de mediadores, aqueles que permanecem em um lugar de coadjuvante,
aqueles que “entram” e “saem” do ambiente sem nenhuma participação na discussão, aqueles
que desenvolvem um monólogo, mais preocupados em “cumprir a tarefa” e minimizando a
função da interação com os demais e outros diversos “lugares” de exercício cognitivo e
político. Temos aí a Emergência de um Terceiro incluído: as subjetivações humanas, que
certamente estão presentes em muito mais elementos que estes aqui elencados apenas a titulo
de exemplificação.
Necessário agora retomar a discussão do “virtual”, desenvolvida em capítulo anterior, para
situar mais amplamente as categorias aqui analisadas. O “virtual” não é uma “ausência”, mas
uma “presença” pela experiência temporal neuropsíquica,é algo que poderá vir a existir,
211
acontecer ou praticar-se por meio de uma atualização temporal. Ele é, assim, inerente ao nosso
modo de ser na temporalidade existencial. Por esta compreensão, defendemos a necessidade de
complementar a concepção de AVA com a de Ambiente Atual de Aprendizagem (AAA),
reconhecendo que há “presença” nos processos de interação e construção mediadas
telematicamente. É neste âmbito que aparece a relação adequada entre “real” e “virtual” : tudo
o que é real é também virtual, e tudo o que é virtual é real.
A revolução que as descobertas da mecânica e da física quântica provocaram na compreensão
de Realidade implicam também a resignificação da compreensão de “distância” e de
“presença”. Se no mundo macrofísico a interação entre dois objetos ou entes vai
progressivamente diminuindo à medida que estes se afastam, no mundo quântico a interação
entre as entidades permanece independente de seu afastamento. (NICOLESCU, 1999)
Se há ação humana, cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a
distância não está determinada. Como caracterizar prioritariamente pela característica
“distância” a uma interação tão significativa, com os resultados, implicações e presença de
subjetivações já analisadas acima? Os sujeitos estão “presentes” cognitivamente na discussão,
atuam cognitiva e politicamente de formas diversas, experimentando, posicionando-se,
relacionando-se. É interessante observar na situação de interação em análise que a própria
ferramenta da plataforma Moodle utiliza os termos “entrou” e “saiu” para referir-se aos
momentos em que os sujeitos permanecem na interação online, e esta percepção é também dos
sujeitos que em sua interação utiliza expressões como “preciso sair agora”, “depois retorno”.
São todos verbos que na língua portuguesa indicam ações da presencialidade e nesta situação
denotam também este mesmo sentido, mesmo que isto não seja claramente percebido e
assumido pelos que usam estes termos.
212
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicio estas considerações esclarecendo que embora assim nomeadas, as conclusões aqui
apresentadas são finais a esta etapa da investigação mas provisórias em relação a todo o
percurso ainda a percorrer, não apenas para mim pesquisadora, mas para as áreas diretamente
abordadas como as Ciências da Cognição, a Análise Cognitiva, a Epistemologia, a Difusão do
Conhecimento, etc..
O objetivo geral deste trabalho foi a investigação dos processos cognitivos que ocorrem em
ambientes com mediação telemática, buscando identificar se apresentam características
singulares especificas a estes ambientes, com vistas ao desenvolvimento de uma Metodologia
para Análise Cognitiva em contextos telematicamente mediados. No caminho percorrido na
busca por este objetivo resignifiquei conceitos, assumi posturas, desenvolvi diálogos,
estabeleci interfaces, construindo o lastro teórico-epistemológico que fundamenta as
construções alcançadas, em relação aos eixos estruturantes da problemática: Cognição,
Conhecimento, Ambientes Telemáticos e Difusão do Conhecimento.
O lastro teórico aqui desenvolvido, bem como os diálogos estabelecidos entre os autores
selecionados para a composição deste lastro, me permitem concluir pela compreensão de
Cognição e de Processos Cognitivos com o foco necessariamente voltado para o sujeito, na
forma como este percebe, interage, atua, constrói o conhecimento. Ou seja, na forma como o
sujeito adquire novas estruturas mentais (PIAGET, 1969,1970, 1973) cada vez mais amplas e
complexas na medida em que interage com o ambiente e com os pares e é desafiado por
situações novas, desenvolvendo as funções psicológicas superiores (VIGOTSKY, 1984, 1989
e 2000) próprias do ser humano, em busca contínua pela conservação da autopoiese
(MATURANA e VARELA, 2001), experenciando a construção do autoconhecimento em sua
forma singular de ser-aparecendo-desaparecendo (GALEFFI, 2009, 2011 e 2012) e na
constante busca pela Libertação, que só se alcança através da Conscientização (FREIRE,
1979,1985 e1994).
As elaborações teóricas aqui apresentadas trazem ainda o suporte para a constituição de uma
perspectiva crítica da concepção redutora e homogeneizante de ciência e conhecimento,
reconhecendo seu caráter etnocêntrico e excludente (SANTOS, 2001 e 2004), sua falácia na
pretensão de compreender os fenômenos naturais e sociais por leis universais e generalizantes,
213
sua inadequação à compreensão de um mundo que se reconhece cada vez mais mutável,
relacional e imprevisível (SERPA, 1991 e 2004).
A perspectiva que aqui se apresenta é da superação de toda forma de reducionismo e
imposição de um saber único e definitivo, em prol da afirmação de um saber sempre
provisório e relacional, constituído a partir dos contextos e da subjetividade dos sujeitos que o
constroem. Um saber que se compreende desde o seu nascedouro como incompleto, tentativa,
possibilidade de compreensão de fenômenos complexos e incertos, constituintes de uma
realidade sempre inacabada e caótica, cheia de paradoxos e contradições da ordem e da
desordem, da parte e do todo, do singular e do plural (MORIN, 1999, 2000, 2001, 2003 e
2008).
Compreendendo a realidade como definida essencialmente pelos relacionamentos e pelos
processos, é óbvio reconhecer que as ações e ideias de cada um afetam e são afetadas por
todos os demais, em um processo histórico-social entremeado de subjetividade e que não está
fora do homem e nem da realidade (MATURANA, 2002).
Esta perspectiva reconhece a necessidade da constituição de uma ética comunitária, que
reafirme o inacabamento humano, a necessidade de uma humildade epistemológica e o
reconhecimento da multidimensionalidade de sentidos, da pluralidade de saberes e formas de
convivência e interpretação do mundo, reconhecendo a existência de diferentes e diversos
conhecimentos, que convivem por vezes em um mesmo contexto espaço-temporal, em uma
relação sempre dialética, multirreferencial e complexa (ARDOINO, 1998 e 2003), afetando e
sendo afetados mutuamente.
Compõe ainda as elaborações decorrentes da discussão teórica empreendida nesta tese22
a
compreensão de que a ação cognitiva é condição da Difusão do Conhecimento. Investigar a
Difusão Social do Conhecimento no contexto contemporâneo implica em problematizar/situar
de qual concepção de conhecimento parte esta investigação e reconhecer o lugar do sujeito na
Difusão; investigar a singularidade dos sujeitos em seus processos cognitivos de construção e
apreensão do conhecimento - singularidades, historicidade, subjetividade, imersão cultural e
política.
22
Estas elaborações compõem também o texto escrito em coautoria com o prof. Dr. Arnaud Soares de Lima Jr.,
conforme nota constante no capítulo II desta tese.
214
Nesta ordem, não há como propor modelos nem de difusão e nem de modelagem cognitiva,
no sentido comumente utilizado na teoria computacional e empresarial administrativa, como
um receituário ou como um conhecimento verdadeiro em razão de um rigor interno ao sistema
lógico e conceitual que o construiu, mas construir e compreender os processos difusores e
modeladores, comunicativos e cognitivos, a partir dos contextos, das ações singulares dos
sujeitos nos contextos, em estados materiais e simbólicos iniciais e específicos, cuja verdade e
validade serão sempre relativos, transitórios e incompletos. Trata-se de gerar condições e
indicadores para que, sempre que necessário, os sujeitos exerçam sua autonomia na recriação
e atualização destes processos, tornando-se assim capazes também de autoria da escrita da
coisa difusora do conhecimento, bem como do estatuto da condição cognitiva que é inerente
ao ser sujeito. Nestes termos, e só nele, poderemos pensar e expressar um caráter social da
difusão do conhecimento.
A discussão sobre Ambientes Telemáticos passa pela reflexão filosófica sobre o Real, o
Virtual e o Potencial23
e a necessidade de esclarecer os conceitos de atualização e
potencialização, aproximando o virtual do potencial, a potencialização da virtualização – a
ação de potencializar e virtualizar. Na temporalidade humana o passado, o presente e o futuro
formam o acontecimento existencial em seu dinamismo. Ao mesmo tempo somos o que já é,
o que está sendo e o que pode vir a ser. Assim, se o “real” é tomado apenas como “atualidade”
perde-se de vista a temporalidade em sua dinâmica existencial. Buscando em Heidegger: o ser
humano existe na medida em que se projeta como porvir a partir do vigor de ter sido,
atualizando suas funções vitais em um desenvolvimento histórico específico.
A própria mente é a emergência da virtualidade antecipadora por acoplamentos preexistentes
e atualizações instantes. O tempo todo o ser humano se encontra imerso na virtualidade
mental e seus acoplamentos bioquímicos e neuropsíquicos. Mentalmente a nossa
temporalidade é uma dinâmica entre potencialidade e atualidade no âmbito de um Real tecido
em diferentes níveis de Realidade. Um Real que também é um Irreal, um imaterial, um
inexistente, um possível, um potencial. Um Real que se atualiza potencializando e que se
potencializa atualizando em uma dinâmica temporal bem diferente do tempo cronológico.
Então, considerando que a temporalidade humana é ao mesmo tempo o vigente, o instante e a
antecipação, o “virtual” e o “real” compõem os gradientes da percepção humana comum, não
23
Estas elaborações compõem também o texto escrito em coautoria com o prof. Dr. Dante Augusto Galeffi,
conforme nota constante no capítulo III desta tese.
215
havendo supressão de uma coisa em detrimento de outra e sim “seleção” intencional. Assim,
vamos deixar de lado esta concepção de “real” associado ao verdadeiro e à coisa material, e
vamos ousar compreender o “real” em seus diferentes níveis de Realidade e de percepção,
incluindo o virtual e o potencial, não somente o atual.
É assim que não nos cabe apenas considerar os ambientes mediados telematicamente como
sendo exclusivamente virtuais e potencializadores de puras virtualizações. Eles são também
ambientes atuais porque estão sendo usados por seres humanos que possuem a estrutura
triádica de temporalização, e que diante de tais ambientes estão processando atualizações
neuropsíquicas específicas e diferenciadas. Pois, toda virtualização é sempre uma expressão
da dinâmica existencial humana, pressupondo sempre atualizações e potencializações cíclicas,
de modo semelhante ao nosso modo de existir fático. Nesta compreensão se fundamenta a
substituição do termo “Ambiente Virtual” por “Ambiente Virtual/Atual”, como utilizado na
Matriz de Análise Cognitiva que compõe a metodologia proposta nesta tese especificamente
para ambientes com mediação telemática.
Em consequência, compõe ainda as elaborações desta tese, especificamente no que se refere
aos meios telemáticos hoje disponíveis, a compreensão de que estes não podem prescindir da
estrutura temporal do complexo neuropsíquico humano. A virtualidade telemática hoje já
incorporada na sociedade-mundo enquanto interface homem/máquina – definidora do modo
de ser contemporâneo – servirá sempre para o desenvolvimento humano de capacidades,
competências e habilidades dos que dela fizerem uso incorporado, sendo todo o acervo de
conhecimento e informação ai gerado reduzido a peças museográficas para outros sujeitos
humanos que dela não façam parte existencialmente. Assim, é temerosa qualquer afirmação
relativa aos méritos da telemática para o desenvolvimento humano capaz de superar todos os
estágios anteriores das culturas humanas de todo o planeta, ao modo da dialética hegeliana ou
marxista.
Ainda em decorrência desta mesma linha de argumentação, concluo nesta tese que o modo
como a presencialidade física vem sendo compreendida é uma perspectiva restrita à medida
que concebemos a interação humana a partir do potencial de mediação telemática,
reconhecendo que o sujeito está presente a cada momento em que
age/interage/constrói/destrói através da sua participação nos processos desenvolvidos nos
espaços em que o virtual, potencial e atual se alternam continuamente. Se há ação humana,
cognitiva, social, material, afetiva, há presença, e se há presença a distância não está
216
determinada. Ressalvamos o caráter não determinístico da distância posto que esta pode
acontecer com ou sem a presença física, a partir da escolha do sujeito em “ausentar-se” dos
processos vividos pelos demais, negando-se à interação e participação, processo tão comum
nas situações formais da chamada educação presencial.
Logrei ainda neste trabalho a construção de uma proposta metodológica para Análise
Cognitiva específica para ambientes com mediação telemática, descrita e demonstrada
experimentalmente nos capítulos anteriores, definindo para esta: Categorias Estruturantes,
Interfaces para Análise e Fases de Desenvolvimento da Análise. São estas as construções que
busco agora sistematizar e articular em forma de conclusões, sempre provisórias e abertas às
reelaborações e resignificações.
Algumas importantes constatações a que cheguei, na construção do problema de pesquisa e da
metodologia que utilizei, me permitiram situá-los na forma como conclui este trabalho. Em
primeiro lugar, reconhecer que necessariamente há processos cognitivos diferenciados em
ambientes de mediação telemática porque os processos cognitivos são sempre diferenciados
de uma situação para outra, de um contexto para outro. Como processos internos de
indivíduos singulares, que se desenvolvem em estreita articulação de autonomia e
dependência em relação ao meio, cada indivíduo é único, únicas são as redes nas quais os
processos se desenvolvem, obviamente são únicas também as formas como estes se
desenvolvem em cada contexto, com cada individuo e com cada rede.
A partir desta constatação ajustei o meu foco para investigar se os processos cognitivos que
ocorrem em ambientes com mediação telemática apresentam características singulares
especificas a estes ambientes. Neste momento me deparei com a segunda constatação que teve
um efeito imediato na construção metodológica desta tese: seria impossível levantar
empiricamente um quantitativo de registros e análise de processos cognitivos que
representasse todas as formas como estes podem acontecer em ambientes de mediação
telemática, porque além da infinita diversificação dos processos cognitivos em si, como posto
acima, também são infinitamente diversos os contextos de ambientes telemáticos que podem
interferir nestes processos.
Há ambientes de associação livre e ambientes aos quais os sujeitos estão vinculados em
função da sua condição de estudante, profissional, membro de uma determinada organização
social, religiosa ou política; há ambientes de associação livre como as redes sociais, nas quais
217
os sujeitos interagem, produzem, trocam, difundem conteúdo em uma relação horizontal,
como pares, sem agente mediador ou objetivos, cronogramas a serem cumpridos; há
ambientes nos quais os sujeitos se associam livremente mas com esta associação fazem
também sua adesão a determinado objetivo de construção que pode ter cronograma, temática
definida, atores com papeis definidos; no outro extremo há os ambientes formais nos quais os
sujeitos se vinculam em decorrência da sua condição em um determinado contexto, como
educação formal ou grupos empresariais, nos quais esta mesma condição permanece na forma
como os sujeitos se posicionam, interagem, permanecem ou se afastam das interações etc.
Estes são apenas exemplos de contextos nos quais ocorrem processos cognitivos com
mediação telemática, mas muitos outros poderiam ser aqui elencados para ilustrar a
constatação de que a categoria ambientes telemáticos deve ser concebida e investigada em
sua complexidade, reconhecendo este como um outro ambiente qualquer de interação social,
no qual inúmeros fatores históricos, culturais, políticos e outros, atuam em permanente tensão
dialética. É obvio entretanto, reconhecer que os ambientes têm características marcantes que
permitem agrupá-los em algum grau de similaridade, a exemplo: ambientes de lazer e
ambientes de trabalho, ambientes rurais e ambientes urbanos, ambientes familiares e
ambientes públicos, ambientes presenciais e ambientes de mediação telemática etc.
Refletindo sobre a contribuição desta tese para a investigação que me propunha, concluí que
a mais adequada e pertinente que caberia neste trabalho seria oferecer aos interessados em
compreender os processos cognitivos em ambientes telemáticos, um lastro teórico consistente
e que permitisse a percepção da diversidade de fatores que atuam nestes processos,
culminando este lastro com uma matriz e metodologia para Análise Cognitiva que contemple
a problemática da mediação telemática concebida com as implicações do contexto
contemporâneo.
A construção desta matriz, com a definição do referencial teórico a pautar a Análise
Cognitiva, a abertura deste olhar analítico para as interfaces filosófico-epistemológicas
selecionadas na mesma, assim como as categorias estruturantes que devem nortear a análise
em cada uma das suas fases, permitem visualizar o leque de processos cognitivos que
identifico como singulares e comuns a ambientes com mediação telemática.
A definição do referencial epistemológico da complexidade, multirreferencialidade e
polilógica levou esta construção necessariamente ao diálogo entre diferentes olhares e
218
perspectivas que leio como complementares, que ampliam e complexificam a leitura sobre o
problema de investigação, permitindo ainda a elaboração de análises mais consistentes e
fundamentadas. Esta definição teórico-metodológica deve-se à percepção de que os processos
cognitivos singulares que comumente ocorrem em ambientes com mediação telemática são
complexos, agregando às características comuns às interações humanas, o diferencial do
infinito potencial de conexões em redes e a rapidez com que a circulação de conteúdos pode
acontecer, “linkando”24
uma diversidade de sujeitos, povos, culturas, histórias etc.
Estes elementos citados acima tornam estas interações complexas, multirreferenciais e
polilógicas, posto que: a) as diversas formas de circulação e construção de conteúdos são
infinitamente ampliados nos ambientes com mediação telemática, atingindo sujeitos e
contextos diversos; b) as interações humanas neste ambientes ganham um potencial político
de conflitos, dialéticas, convergências, alianças etc., que extrapolam os limites da localização
geográfica dos sujeitos e da presencialidade física; c) a convivência da multiplicidade – em
especial nos ambientes não formais e de adesão voluntária, confronta o sujeito de forma
intensa e contínua a repensar ou reafirmar suas crenças e valores ; d) à dimensão do local, do
contexto imediato no qual se insere o sujeito, incorpora-se a dimensão do global, ampliando a
percepção destes sobre a sua localização e pertencimento cidadão; e) uma nova gama de
saberes necessários à “habitação/navegação” nestes espaços é incorporada às exigências
contemporâneas para o exercício da cidadania.
Na construção da Matriz de Análise Cognitiva, optei por manter o lastro teórico que me
constituía desde antes do doutoramento, a partir da Psicologia Cognitivista, aprofundando a
leitura de Piaget, Vygotsky e Wallon, e ampliando este grupo com o estudo aprofundado das
contribuições de Jerome Bruner. Reconheço nesta opção a dimensão subjetiva do caminhar da
pesquisadora, mas a mantive por identificar neste lastro, categorias que chamo de
estruturantes dos processos cognitivos e que permitem a análise destes processos em
interações com as características específicas que decorrem da mediação telemática.
Do diálogo dialético entre estes autores, selecionei algumas categorias que, de acordo com a
construção teórica desenvolvida nesta tese, contemplam a grande maioria dos processos
24
Neologismo derivado da expressão em inglês “link”, utilizada na linguagem computacional para designar as
conexões entre um ponto e outro do documento digital , que podem estar em uma mesma mídia, em uma rede
interna de uma instituição ou por toda a web. A tradução da palavra “link” remete às expressões em português:
ligação, vínculo, elo, conexão, articulação, entre outras, sendo este o sentido do neologismo da utilização da
expressão “link” ou seus derivados: (“linkar”, “linkando”, etc.,).
219
cognitivos, reunindo assim conceitos dos quatro teóricos citados, em um mesmo quadro ao
qual postulo coerência e complementaridade. Necessariamente de cada teoria, alguns
conceitos foram escolhidos, outros substituídos ou considerados de pouca relevância para a
análise cognitiva que se pretende, sempre considerando a especificidade dos ambientes com
mediação telemática. Os conceitos Aquisição de Estruturas Mentais (PIAGET) e
Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores (VIGOTSKY), são tomados em
conjunto como conceitos amplos e integradores, representando o desenvolvimento mesmo
dos processos cognitivos, que se verifica através da ocorrência de um ou mais dos processos
aqui considerados CATEGORIAS ESTRUTURANTES: Internalização e desenvolvimento de
sistemas simbólicos; Pensamento generalizante; Desenvolvimento em três diferentes
domínios; Diferenciação/individuação; Domínio dos fundamentos gerais de um dado campo;
Elaboração dos sistemas/técnicas para processar e representar informações; Qualidade lógica,
‘racional’, da conceituação; Comandar os tipos de representações; Pensamento intuitivo.
A identificação da ocorrência dos processos considerados estruturantes indica que o
Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores ou a Aquisição de Estruturas Mentais
está ocorrendo, caminhando assim o indivíduo no processo de desenvolvimento cognitivo
permanente e sempre inacabado, até o estágio mais complexo ou superior que suas
experiências/vivências em ambientes determinados e com sujeitos específicos, possam lhe
oportunizar.
Este lastro teórico da Psicologia Cognitiva, embora estruturante, não permite sozinho o
desenvolvimento de uma Análise Cognitiva complexa, multirreferencial e polilógica como
aqui pretendida. Assim, as quatro interfaces que compõem a matriz de análise são propostas
como caminhos que o analista pode percorrer no desenvolvimento da análise, desde que
sempre considerando a existência das demais interfaces, de maneira a não perder de vista a
dimensão complexa da análise. Os referenciais filosófico-epistemológicos Freirianos, da
Biologia da Cognição e da Polilógica compõem juntos uma rede de elementos que permitem
capturar, interpretar, descrever os processos cognitivos. Até então, pode-se dizer que esta
matriz permite a Análise Cognitiva em qualquer ambiente, não apenas naqueles
telematicamente mediados. É verdade, esta matriz e a metodologia proposta, podem ser
utilizadas em qualquer ambiente, entretanto, ressalto que a escolha destas interfaces deveu-se
à necessidade de contemplar as características específicas da mediação telemática, e é este
propósito que transversaliza a definição destas interfaces bem como das categorias que as
220
constituem, que faz desta uma matriz e uma metodologia indicadas para Análise Cognitiva
nestes ambientes.
Como adiantado acima, cada uma destas interfaces é composta também por categorias que,
assim como as categorias estruturantes do lastro Cognitivista, indicam e caracterizam os
processos cognitivos, servindo como indicadores para identificação da ocorrência destes e
ampliação/complexificação da análise cognitiva como aqui pretendido. A busca constante
pela organização autopoiética em permanente processo de autonomia e dependência
(MATURANA e VARELA, 2001), caracteriza também os processos cognitivos com
mediação telemática, considerando o quanto estes ambientes provocam/desafiam os sujeitos
em interação, colocando-os todo o tempo em contextos diferenciados pela multiplicidade de
sujeitos e celeridade na circulação de conteúdos, ampliando a percepção do local, exigindo
novos saberes, confrontando multiplicidade.
A dupla função: cognoscitiva e comunicativa do pensamento e a dimensão de Libertação só
possível pela Comunicação Dialógica (FREIRE, 1979,1985 e1994), são também identificadas
neste trabalho como características singulares comum aos ambientes com mediação
telemática, embora obviamente, estejam também presentes em outros ambientes.
Considerando que o mundo social e humano só existe a partir da comunicabilidade, é a
intersubjetividade ou intercomunicação que caracteriza este mundo cultural e histórico,
estabelecendo a comunicação entre os sujeitos, a propósito do objeto. Os ambientes com
mediação telemática e as interações humanas que ali ocorrem, estruturam-se a partir da
comunicação e da Linguagem (escrita, oral, sensorial, imagética, artística etc.),
caracterizando-se especificamente pelo registro e possível compartilhamento de todas as
comunicações ali desenvolvidas, constituindo um lócus tão específico que dá lugar à
formação de uma linguagem própria. Embora usualmente utilizando como referencial básico
o idioma oficial, outras formas de expressão, com sentidos compartilhados especificamente
por aqueles sujeitos, são construídos coletivamente e passam a mediar as interações ali
desenvolvidas.
Em desdobramento desta argumentação, a característica da Libertação em função da
Comunicação Dialógica é ampliada na especificidade dos ambientes com mediação
telemática: a) pelo seu potencial de circulação de conteúdos, capaz de burlar os mais severos
regimes ditatoriais de cerceamento da liberdade e, ao mesmo tempo, de disseminar e persuadir
a adesão a ideais e valores os mais diversos; b) pela possibilidade que oferece ao sujeito para
221
“habitar/navegar” os mais diversos espaços, formados pela multiplicidade de outros sujeitos e
contextos socioculturais e políticos dos quais se originam; c) pela ampliação do leque de
saberes necessários ao exercício da cidadania na contemporaneidade, que habilitam para
atuação nesta rede interconectada telematicamente.
A quarta interface que compõem a Matriz de Análise Cognitiva aqui proposta, é
especificamente voltada para ambientes telemáticos e não caberia na análise de situações que
ocorram sem mediação telemática. O posicionamento desta interface em local diferenciado
das demais, na matriz que representa graficamente a metodologia de análise cognitiva, busca
representar este lugar de necessariamente ser considerada, independente de ser utilizada
como um caminho de análise. Ressaltando um aspecto metodológico da proposta de Análise
Cognitiva aqui apresentada, as interfaces são caminhos possíveis ao analista, que pode optar
por qualquer um destes caminhos, ou alguns, ou todos, mas sempre considerando a existência
dos demais no desenvolvimento da sua análise; em ambientes com mediação telemática a
interface Ambiente Virtual/Atual (AVA/AAA) – Educação sem Distância (EsD) deve de
forma especial, transversalizar a identificação dos processos cognitivos e sua análise, mesmo
que não escolhido como caminho para mergulho detalhado e registro da análise.
As experimentações desenvolvidas no decorrer da construção da proposta metodológica de
Análise Cognitiva permitem também apreender algumas conclusões (provisórias). Como em
qualquer processo de investigação e construção humana, a subjetividade do analista está
presente e influencia fortemente o resultado da análise, desde a escolha das categorias
estruturantes a serem identificadas, passando pelo(s) caminho(s) de interfaces possíveis, até os
diálogos e relações que se estabelecem entre estas. É certo que a subjetividade humana está
presente, no que diz respeito aos posicionamentos filosófico-epistemológicos e políticos, e
está também presente no que se refere à formação do analista, sua apropriação dos conceitos
que fundamentam esta matriz e metodologia de análise, bem como sua familiaridade com
estas. Como autora desta proposta, percebi claramente o quanto a análise que eu desenvolvia
ia se aprofundando e complexificando a cada nova experimentação, a tal ponto que reler a
primeira experimentação depois de desenvolver a última me fez perceber fragilidades e
superficialidades nesta primeira experiência. Por opção metodológica de exemplificação,
mantive no capítulo VI o registro das análises como ocorreram originalmente, ilustrando
também este desenvolvimento da analista e seus resultados na análise.
222
As experimentações de Análise Cognitiva desenvolvidas neste trabalho como percurso para
construção da proposta Metodológica, possibilitaram ainda apreender algumas características
de processos cognitivos as quais, por sua ocorrência nestes espaços e contextos analisados,
pode indicar maior probabilidade de ocorrência em outros espaços e contextos que tenham em
comum a mediação telemática.
223
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228
ANEXO A – Chat na Íntegra
Turma de Pedagogia – DEDC XI - Serrinha
• AVA
• / ► 2011.2-PROGRAD-TICSER • / ► Chats • / ► Atividade 2 - Conversando sobre o uso das tecnologias na contemporaneidade • / ► Sessões de chat
segunda, 14 novembro 2011, 14:07 --> segunda, 14 novembro 2011, 15:20
14:07: SUJEITO 1 SER-20111-LIB-G5 entrou no chat
14:11: SUJEITO 4 SER-20112-TIC entrou no chat
14:12 SUJEITO 1: Oi Liu!
14:12 SUJEITO 1: Boa tarde
14:12: SUJEITO 2 SER-20112-TIC entrou no chat
14:12: SUJEITO 3 SER-20112-TIC entrou no chat
14:12 SUJEITO 4: oi thay, vamos conversar um pouco sobre as tec?
14:13 SUJEITO 1: vamos
14:13 SUJEITO 3: E aí meninas...
14:13 SUJEITO 3: O que acharam do texto?
14:13 SUJEITO 4: gostei das reflexões feita pelas as colegas sobre a mesma
14:14 SUJEITO 3: Eu achei muito interessante
14:14: SUJEITO 5 SER-20121-LIB-G24 entrou no chat
14:14 SUJEITO 2: oi garotas boa tarde..
14:14 SUJEITO 5: Boa tardee =)
14:14 SUJEITO 4: oi luana, concordo com vc qd falou do texto: um fio de vantagem..
14:14 SUJEITO 1: tambem gostei das reflexoes
229
14:15 SUJEITO 3: Percebi que o texto mostra como a tecnologia está presente em nosso cotidiano
14:15: SUJEITO 2 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:15 SUJEITO 4: tmb fiquei mim perguntando, o q esse texto tem a ver com as tics, só depois da leitura q pude perceber q o mesmo faz toda uma abordegem a respeito desta, desde os primordios
14:16 SUJEITO 5: é meninas, os conteúdos estudados, assim como as reflexões e opiniões traçam um alinha do tempo muito interessante.
14:16 SUJEITO 3: Que a mesma está ligada intimamente ao convivio
14:16 SUJEITO 5: uma*
14:16 SUJEITO 5: concordo Luana.
14:17 SUJEITO 5: as necessidades de cada epoca é o que move o desenvolvimento e as novas criações...
14:17 SUJEITO 3: E que é quase impossível ficar sem utilizar esses meios tecnológicos
14:17 SUJEITO 1: pudemos ver o quanto é importante voltar ao passado e saberque a tecnologia existe desde os primordios
14:18 SUJEITO 3: O texto 2 retrata também o quanto a tecnologia está presente
14:19 SUJEITO 3: E que vivemos numa sociedade de informação
14:19: SUJEITO 6 SER-20112-TIC entrou no chat
14:19: SUJEITO 7 SER-20121-LIB-G24 entrou no chat
14:19 SUJEITO 5: hoje em dia , por exemplo, o uso das tecnologia é fundamental , desde as atividades mais simples , como uma pesquisa escolar, ou um pate babo, assim como , na busca de tratamentos especiais
14:19 SUJEITO 6: boa tarde
14:19 SUJEITO 5: Cleidianeeeee :P
14:19 SUJEITO 7: OI PESSOAL SO PASSEI P´RA DA UM OI ESTOU NO ENCONTRO DO EBEPE
14:19 SUJEITO 3: que é fruto do pós-industrialismo
14:19 SUJEITO 3: oi queridas
14:20 SUJEITO 5: como ta aii???
230
14:20 SUJEITO 7: O TEXTO É BEM INTERESANTE
14:20 SUJEITO 3: por sermos mundo totalmente capitalista
14:20 SUJEITO 7: ta a cara da riqueza
14:20 SUJEITO 7: ta bem
14:20 SUJEITO 5: Bate*
14:20 SUJEITO 7: tenho q ir
14:20 SUJEITO 6: q bom q a tecnologia ta te dando a opt de esta falando
14:20 SUJEITO 7: se n
14:20 SUJEITO 5: valeuu ...
14:20 SUJEITO 3: já
14:20 SUJEITO 7: o ncarro me deixa
14:21 SUJEITO 4: ao ler o texto de levy, achei muito interessante qd em sua fala ele dizia que: "uma tecnica não nem boa nem má(isto depende do contexto, dos usos e dos pontos de vista", não se trata de avaliar seus impactos, mas de situar a irreversibilidade as quais um de seus usos nos levaria, de formular os projetos que exploraria as virtualidades que ela transposta e de decidir o que fazer dela".
14:21 SUJEITO 7: beijooooooo
14:21 SUJEITO 6: aoreveite aí menia
14:21 SUJEITO 5: ai um exemplo das vantagens da tecnologia, nossa colega está lá em Juazeiro, e pode está contribuindo
14:21: SUJEITO 8 SER-20112-TIC entrou no chat
14:21: SUJEITO 7 SER-20121-LIB-G24 abandonou este chat
14:21 SUJEITO 6: é verde
14:21 SUJEITO 8: olá galera
14:22 SUJEITO 8: cm vão vcs
14:22 SUJEITO 6: td bem e vc
231
14:22 SUJEITO 3: É eu estava comentando sobre isso pela manhã
14:22 SUJEITO 8: Estou aqui na maior correria
14:22: SUJEITO 2 SER-20112-TIC entrou no chat
14:22 SUJEITO 4: é verdade Elma.. comcordo é sem falar que esse é um ponto possitivo das tics
14:22 SUJEITO 5: Liumara, acho qe esse trecho descreve bem op que representa a tecnologia....
14:22 SUJEITO 8: Estamos ótimas
14:22 SUJEITO 5: tudo depende para que se ultiliza..
14:22 SUJEITO 8: tirando as muriçocas
14:22 SUJEITO 8: do tamanho do jegue
14:22 SUJEITO 8: kkkkk
14:23 SUJEITO 8: tchau galera
14:23 SUJEITO 4: é achei super interessante essa fala de Levy.
14:23 SUJEITO 8: vmos ir ao s. francisco[
14:23 SUJEITO 8: bj
14:23 SUJEITO 6: um ponto positivo tb é estarmos falando e aprendento atrevés tasd tec
14:24: SUJEITO 8 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:24 SUJEITO 5: sim sim ..
14:24 SUJEITO 3: E quando se fala em comunicação a tecnologia tem influenciado muito
14:24 SUJEITO 4: concordo colega cícera.
14:24 SUJEITO 3: pois estamos na era da informação
14:24 SUJEITO 1: é verdade
14:25 SUJEITO 2: concordo Luana
232
14:25 SUJEITO 3: oi Jack
14:25 SUJEITO 5: o interessante é além de proporcionar o acesso dessas tecnologias a todos, é tbm enquanto educadores ultiliza-las em sala de aula
14:25 SUJEITO 1: comunicação e tecnologia estao andando juntas cada vez mais
14:25 SUJEITO 4: com certeza tay
14:26 SUJEITO 3: Mas é importante lembrar que devemos ter cuidado quando tivermos utilizar esse meios
14:26 SUJEITO 6: isso mesmo Elma pq os alunos estão sempre conectados
14:26 SUJEITO 3: vc tem razão Tay
14:26 SUJEITO 1: concordo com voce luana
14:27 SUJEITO 4: tay lembra em nosso artigo q construimos de Maria Amelia, onde falavamos da importancia dos professoores usarem as tics em sua metodologia.
14:27 SUJEITO 5: No III Seminário Paulo Freire, estive assistindo a apresentação de trabalho sobre tecnologias.. e os relatos eram impressionantes... A existencia de equipamentos tecnologicas nas escolas é real, contudo.. a ultilização desses equipamentos é praticamente inexistentes.. A ficam os questionamento o porq??ue
14:27 SUJEITO 3: O no texto diz que quando não estamos conectados na rede, é como se não existissemos economicamente
14:27 SUJEITO 1: temos que saber utilizar a tecnologia do jeito certo para ue assim ela tenha seus ontos positivos
14:28 SUJEITO 3: pois vivemos num mundo capitalista
14:28 SUJEITO 1: lembro sim Liu
14:28 SUJEITO 2: os docentes nem sempre sabe manusea-los
14:28 SUJEITO 2: com certeza Tay
14:28 SUJEITO 3: Esse é grande problema Jack
14:29 SUJEITO 5: éé Jackeline, muitos não sabem ultilizar .. outros acham muito trabalho
14:29 SUJEITO 3: Mas temos que estar preparados
14:29 SUJEITO 4: ai jack é onde nos questionamos muitas vezes o profesor tem a tec. mas não sabe como usalas ne verdade?
14:29 SUJEITO 3: senão ficamos para trás
[k1] Comentário: Embora dentro da discussão, responde a uma pergunta apenas retórica, com uma participação irrelevante
233
14:29 SUJEITO 1: por isso que é tao importante essa disciplina, para nossa formação
14:29 SUJEITO 6: mas sabemos q essa é oportunidade de mudarmos
14:29 SUJEITO 4: *professor
14:29 SUJEITO 6: e devemos ser diferentes
14:30 SUJEITO 5: e em muitos lugares os diretores colocam impecilios
14:30 SUJEITO 3: A tecnologia causou uma revolução
14:30 SUJEITO 2: concordo com vc cicera
14:30 SUJEITO 6: vamos aprender a cada dia para ñ fazer parte desse grupo q ñ sabe usar
14:30 SUJEITO 5: é isso ai Ciceraa..
14:31 SUJEITO 5: e uma otima oportunidade é a proxima ativiidade da disciplina
14:31 SUJEITO 1: tambem concordo com cicera
14:31 SUJEITO 3: Pois ela tem o poder de influenciar na comunicação, formacçao de economia e muito mais
14:31 SUJEITO 2: enquanto pedagogas temos q estar a cada dia nos atualizando
14:32 SUJEITO 6: ela tem tb o poder de excluir quem ñ sabe vai ficar pra traz no mercado de trabalho
14:32 SUJEITO 4: com certeza luana, a quetão é: que as tecnologias ao mesmo tempo que é de suma importância em nossas vidas é tmb uma forma de exclusão..
14:32 SUJEITO 3: Esta disciplina esta nos dando a oportunidade de utilizar a tecnologia a nosso favor e de maneira correta
14:32 SUJEITO 1: e verdade luana, ela é comunicação e muito mais
14:32 SUJEITO 3: pois estamos construindo conhecimento
14:32: SUJEITO 6 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:32 SUJEITO 2: mis não vai ser o nosso caso amiga cicera kkk...
14:33 SUJEITO 1: concordo Liu
14:33 SUJEITO 5: E o importante é proporcionar aqueles alunos que não tem condições, porque ainda existem, os que acessam apenas as redes sociais, mas não sabem pesquisar ou ultilzar as imensas ferramentas da internet, do computador..
[k2] Comentário: Responde à colega mas em uma diferença de segundos, sua resposta fica desconectada com duas outras inserções que entraram antes na conversa.
[k3] Comentário: Continua o seu raciocínio anterior, ignorando o último diálogo entre duas outras colegas.
[k4] Comentário: Inicia um diálogo informal, fora da discussão temática
[k5] Comentário: Retoma a discussão anterior, ignorando a conversa “em paralelo” que aconteceu entre outras duas participantes
234
14:33 SUJEITO 4: principalmente no mercado de trabalho...
14:33 SUJEITO 3: É Jack ets disciplina está nos desafiando em termo de tecnologia
14:34 SUJEITO 4: é isso mesmo Ilma.
14:34 SUJEITO 2: com certeza lu
14:35 SUJEITO 2: pricipalmente para mim q ñ sou tão exper nelas
14:35 SUJEITO 3: Tem uma parte do texto que é bem interessante
14:35 SUJEITO 3: que diz assim:
14:36: SUJEITO 2 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:36 SUJEITO 3: O conhecimento e a informação se convertem em elementos fundamentais de geração de riqueza e de poder na sociedade
14:36: SUJEITO 6 SER-20112-TIC entrou no chat
14:37 SUJEITO 6: oi
14:37 SUJEITO 4: concordo luana.mas ai fica a ?, e os que não tem acesso a esses conhecimentos, é que são os excluidos.
14:37 SUJEITO 5: Luana, de fato é muito interessante e verdadeiro
14:38 SUJEITO 5: pq aquelas pessoas que detem o conhecimento e junto a ele o uso das tecnologias , pode "ganhar o mundo"
14:38 SUJEITO 1: é o sistema captalista
14:38 SUJEITO 3: Desta forma a tecnologia está presente mesmo que a gente não aceite
14:38 SUJEITO 6: isso é verade luana
14:38 SUJEITO 4: isso é verdade luana.
14:39 SUJEITO 3: hoje está tão rotineiro
14:39 SUJEITO 3: celular com acesso a net
14:39 SUJEITO 4: eta cícera combinamos a resposta foi? rsrs
14:39 SUJEITO 6: kkkkkkkkkkk
[k6] Comentário: Mais uma vez assume o papel de articuladora/mediadora da discussão e traz um referencial teórico para enriquecer o debate.
[k7] Comentário: Postura crítica, análise dialética da fonte
235
14:39 SUJEITO 4: kkkkk...
14:40 SUJEITO 3: espera um pouco
14:40 SUJEITO 1: e para nao ficarmos para tras somo obrigados a aprender sobre as tecnologias
14:41 SUJEITO 4: com certeza tay, e sem falar que o que aprendemos hj lá na frente pode não tem mais tanta utilidade pois, o mundo esta por constante transformações
14:41 SUJEITO 6: é mesmo Tay
14:42 SUJEITO 4: o mundo esta passando por onstantes transformações,
14:42 SUJEITO 4: constantes*
14:42 SUJEITO 1: é verdade Liu
14:42: SUJEITO 9 SER-20112-TIC entrou no chat
14:43 SUJEITO 4: principalmente em relação as tecnologias, tendo como melhor exemplo o computador..
14:44 SUJEITO 9: concordo plenamente
14:44: SUJEITO 6 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:44 SUJEITO 1: e as TVs que antes a mais avançada era a de plasma e agora ja tem ate 3D rsrss
14:44 SUJEITO 4: oi geisi, e ai o que achou dos textos?
14:45 SUJEITO 9: Olá Liú, achei ótimos e vc?
14:45 SUJEITO 5: Meninas, eu estava dando uma olhada no fórum da primeira atividade , e percebi uma coisa
14:46 SUJEITO 3: não sabemos até que ponto a tecnologia vai avançar
14:46 SUJEITO 4: tmb. no inicio um pouco complexo mas depois mim encontrei..
14:46 SUJEITO 4: rsrs
14:46 SUJEITO 3: quando a gente pensa que já foi além do limite
14:46 SUJEITO 5: as vezes as pessoas e nós mesmo, achamos qe as trecnologias só são aqueles equipamentos sofisticadissimos..
14:46 SUJEITO 3: aparece outras coisas para nos impressionar
[k8] Comentário: Duas alunas fazem comentários idênticos ao mesmo tempo, percebem posteriormente e se divertem com a situação
[k9] Comentário: Percepção da outra dimensão da presencialidade – avisa que vai se afastar da discussão por um período de tempo
[k10] Comentário: Entra na discussão 40 minutos depois
[k11] Comentário: Assume a função de mediadora, situando na discussão a colega que chegou atrasada
[k12] Comentário: Respostar evasivas e sem autoria. Falta embasamento ou está pouco a vontade com a tecnologia?
[k13] Comentário: Responde diretamente à pergunta a ela dirigida, sendo então a terceira participação seguida que parece desconectada com as anteriores.
[k14] Comentário: Informalidade? Naturalidade com a ferramenta ou o situação ?
[k15] Comentário: Três colocações seguidas, que formam um raciocínio, desconsiderando as intervenções outras, postas Tb neste mesmo intervalo de tempo.
236
14:46 SUJEITO 4: é verdade luana
14:47 SUJEITO 5: mas quando na verdade, coisas simples, como por exemplo, utilizar o aparelho de som na sala de aula, ou um filme, para que os alunos consigam perceber de uma forma mais divertida os conteudos, tbm estamos fazendo uso da tecnologia
14:48 SUJEITO 9: pois é, acredito q a mente humana é brilhante e sempre terá novos inventos
14:48 SUJEITO 1: é verdade Elma
14:48 SUJEITO 4: é Ilma mas ao lermos um fio de vantagens pudemos perceber que as tecnologias de uma certa forma já existiam desde os primordios, mesmo sendo em sua forma simples.
14:48 SUJEITO 3: E atecnologia diz o texto que a mesma tem um poder impactante sobre os meios de comunicações
14:49 SUJEITO 5: e retoma um pouco daquilo que Liumara falou no inicio: que o que importa da tecnica ( independe de qual seja) é uso que se faz dela
14:49 SUJEITO 9: o livro é um exemplo básico de tecnologia
14:49 SUJEITO 3: E assim vem resultando numa crescente globalização no mundo dos audio-visuais
14:49 SUJEITO 9: hj considerado comum, foi novidade para mto durante anos
14:50 SUJEITO 3: temos aí o livro em PDF
14:50 SUJEITO 5: éé sim Liumara, mas quando alguem nos pergunta sobre tecnologia. A primeira coisa que nos vem a cabeça é INTERNET E COMPUTADOR
14:50 SUJEITO 5: Não é verdade?
14:50 SUJEITO 4: é isso mesmo Elma
14:50 SUJEITO 3: É verdade Elma
14:50 SUJEITO 5: Inclusive qnd comecei a ler o texto.. demorou um pouco ate fazer um link com a tecnologia
14:51 SUJEITO 3: Mais existe muito mais do que isso
14:51 SUJEITO 4: tmb Elma..
14:51: SUJEITO 10 SER-20112-TIC entrou no chat
14:51 SUJEITO 3: também Elma
14:51 SUJEITO 3: foi um pouco díficil
[k16] Comentário: Mesmo procedimento de Luana, analisado aqui no comentário anterior.
[k17] Comentário: Mantém o padrão de participação genérica, que não revela conhecimento teórico do tema em discussão.
[k18] Comentário: Amplia o raciocino, traz elementos para enriquecer a percepção.
[k19] Comentário: Percebe a relação com uma ideia já exposta na discussão e retoma a mesma, fazendo um link
[k20] Comentário: Repete o padrão de dar sequência ao seu raciocínio, desconsiderando as inserções das demais colegas naquele mesmo intervalo de tempo.
[k21] Comentário: Mesmo padrão de Luana, analisado no comentário anterior.
[k22] Comentário: Dá seguimento ao raciocínio da colega, ampliando a complexidade da análise
[k23] Comentário: Estas duas participantes assumem a função de mediação/articulação da discussão em todo o decorrer da mesma
[k24] Comentário: Traz o depoimento pessoal para exemplificar, fortalecer as considerações teóricas feitas
[k25] Comentário: Entra no ambiente 50 minutos depois da discussão iniciada
237
14:51 SUJEITO 9: pois é mas para mim o conceito de tecnologia é tudo q ajuda a comunicação
14:52 SUJEITO 4: meninas a conversa ta muito produtiva mas vou ter que sair..
14:52 SUJEITO 3: Mas depois quando vc faz uma leitura com mais atenção vc entende o que o autor quer dizer
14:52 SUJEITO 5: valeu Liumara,.. ate a proxima
14:52 SUJEITO 4: xau e até quarta..
14:52: SUJEITO 2 SER-20112-TIC entrou no chat
14:52 SUJEITO 9: eu tmb, depois retorno
14:52 SUJEITO 4: bom feriado a todas!!!
14:52 SUJEITO 5: verdade Luana
14:52 SUJEITO 3: valeu querida
14:52 SUJEITO 9: bjs e saudades!!!
14:52 SUJEITO 1: viu Liu, ate mais
14:52 SUJEITO 4: até..
14:52 SUJEITO 3: também vou sair
14:53 SUJEITO 9: tchau!!
14:53 SUJEITO 1: viu geise, bjs
14:53 SUJEITO 3: jack ainda não consegui colocar a foto
14:53 SUJEITO 5: é sim Geise, a comunicação é esta diretamente ligada a tecnologia
14:53: SUJEITO 2 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:53 SUJEITO 1: tambem vo ter que sair
14:53: SUJEITO 9 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:53 SUJEITO 3: vá fazendo suas contribuições
[k26] Comentário: Perspectiva de presencialidade: “sair”
[k27] Comentário: Repete o padrão já comentado em participações anteriores
[k28] Comentário: Perspectiva de presencialidade: “retorno”
[k29] Comentário: Retoma a discussão da temática, após ter se despedido da colega.
[k30] Comentário: Continuam a despedir-se da colega, enquanto a outra participante retoma o fio da discussão. A diferença entre uma e outra intervenção é de segundos.
[k31] Comentário: Insere uma outra discussão, direcionada a uma única colega, ainda ignorando a tentativa de uma da participantes de retomar a temática do chat.
[k32] Comentário: Segunda iniciativa da mesma participantes de retomar a discussão do tema, agora retomando a contribuição de uma colega feita há 02 minutos atrás.
238
14:54 SUJEITO 5: o radio, a tv, o jornal impresso ( pq ate ele chegar as mãos dos leitores passa um processo que depende ta tecnologia)
14:54 SUJEITO 3: É pessoal
14:55 SUJEITO 3: o papo tá bom, mas vou ter que sair
14:55 SUJEITO 3: fui
14:55 SUJEITO 3: Bjos!!...
14:55: SUJEITO 4 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:55 SUJEITO 1: muito intressante a nossa conversa
14:56 SUJEITO 1: ate mais meninas
14:56 SUJEITO 1: Bjoss
14:56: SUJEITO 3 SER-20112-TIC abandonou este chat
14:57: SUJEITO 1 SER-20111-LIB-G5 abandonou este chat
14:58 SUJEITO 10: qual o texto que vçs estavam discutindo
14:59 SUJEITO 5: na verdade Simone
14:59 SUJEITO 5: estavamos falando do Um fio de vantagem]mas não estavamos presas a eles
14:59 SUJEITO 5: ele*
14:59 SUJEITO 10: ok
15:00 SUJEITO 5: Estamos falando da importancia do uso das tecnnolgias
15:00 SUJEITO 5: tecnologias*
15:00 SUJEITO 5: e sua diversidade.
15:02 SUJEITO 10: o que vç achou do texto um fio de vantagem elma
15:03 SUJEITO 5: Simone, o texto pra mim no incio pareceu um pouco chato, rsrsrs
15:03 SUJEITO 5: mas qndo comecei a estudar outros textos e voltei a ele com mais calma
[k33] Comentário: Mesmo procedimento de dar sequência a um raciocino, ignorando as intervenções feitas no intervalo de tempo
[k34] Comentário: Participantes vão despedindo-se e saindo do ambiente
[k35] Comentário: Tenta se integrar na discussão, por ter chegado com muito atraso.
[k36] Comentário: Com a saída das duas participantes que assumiam a função de mediação, esta outra assume esta função.
[k37] Comentário: Depoimento pessoa, risos caracterizando naturalidade, informalidade
239
15:04 SUJEITO 10: eu tbm achei chato no início, mas a medida que a leitura foi avançando eu gostei
15:04 SUJEITO 5: percebi o link que ele faz entre as inovações tecnologicas, as necessidades do homem e sua criatividade
15:05 SUJEITO 5: podemos observar , da epoca dos primitivos, e durante a evolução quanto coisa mudou a partir da necessidade e curiosidade do homem
15:06 SUJEITO 5: antes da invenção da televisão, toda noiticia, toda trasmissão era atraves do radio
15:06 SUJEITO 10: é verdade ele mostra como o homem desde o início precisou construir instrumentos que lhe possibilitassem continuar sobrevivendo
15:07 SUJEITO 5: e antes desde, somente era o telegrafo
15:07 SUJEITO 5: e hoje em dia, o homem é capaz de explorar o universo, dar esperanças a quem não pode andar, ouvir e ate mesmo enxergar
15:08 SUJEITO 10: e a medida que o tempo foi passando novas tecnologias foram sendo criadas
15:08 SUJEITO 5: transmissão*
15:08 SUJEITO 10: isso é verdade
15:09 SUJEITO 10: e bom quando o homem usa suas capaciads para fazer o bem
15:10 SUJEITO 5: concordo !!
15:11 SUJEITO 5: existem muitas pessoas que se aproveitam para tirar vantagens, como por exemplo, os Hackres
15:12 SUJEITO 10: isso é realmente lamentável
15:12 SUJEITO 5: aham!!
15:13 SUJEITO 10: porque nós devemos utilizar as tic de forma responsável
15:14 SUJEITO 10: colega agora vou ter que sair, até mais
15:15 SUJEITO 5: Até mais Simonee
15:15 SUJEITO 5: otimo feriado!
15:16: SUJEITO 10 SER-20112-TIC abandonou este chat
15:20: SUJEITO 5 SER-20121-LIB-G24 abandonou este chat
[k38] Comentário: Identifica os aspectos centrais do texto, estabelecendo relações deste com outras leituras realizadas anteriormente.
[k39] Comentário: Prossegue na argumentação, desenvolvendo seu raciocino com coerência e fundamentação.
[k40] Comentário: Inclui uma reflexão de cunho sócio-filosófico
[k41] Comentário: Dá continuidade à reflexão filosófica
[k42] Comentário: 01:13h de chat