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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADEPARTAMENTO DE CINCIAS HUMANAS
CAMPUS I
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDO DE LINGUAGENS
CLUDIO GONALVES GOMES
O POVO REFLETIDO NO ESPELHO MIDITICO: CONTRATO DECOMUNICAO NO
JORNALISMO POPULAR BAIANO
Salvador2010
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CLUDIO GONALVES GOMES
O POVO REFLETIDO NO ESPELHO MIDITICO: CONTRATO DECOMUNICAO NO
JORNALISMO POPULAR BAIANO
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduaoem Estudo de
Linguagens da Universidade do Estado daBahia como requisito parcial
para a obteno do ttulo demestre em Estudo de Linguagens.
Orientadora: Dr. Lcia Soares de Souzarea de concentrao: Estudo
de LinguagensLinha de pesquisa: Linguagens, Discurso e
Sociedade
Salvador2010
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FICHA CATALOGRFICAElaborao: Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecria: Helena Andrade Pitangueiras CRB: 5/536
Gomes, Cludio Gonalves.O povo refletido no espelho miditico:
contrato de comunicao no jornalismo popular
baiano. / Cludio Gonalves Gomes. Salvador, 2010.125 f.
Orientadora: Prof Dr Lcia Soares de Souza.Dissertao (Mestrado) -
Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Cincias
Humanas. Campus I. 2010Contm referncias.
1. Anlise do discurso. 2. Jornalismo Aspectos sociais Bahia. 3.
Comunicao de massa Aspectos sociais. 4. Jornalismo popular. I.
Souza, Licia Soares de. II. Universidade doEstado da Bahia,
Departamento de Cincias Humanas. III. Titulo.
CDD: 401.41
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CLUDIO GONALVES GOMES
O POVO REFLETIDO NO ESPELHO MIDITICO: CONTRATO DECOMUNICAO NO
JORNALISMO POPULAR BAIANO
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do grau
de mestre em Estudo deLinguagens, Universidade do Estado da
Bahia.
Aprovada em 18 de maro de 2010.
Banca examinadora
Prof. Dr. Lcia Soares de Souza-
Orientadora_____________________________Dr. em Semiologia pela
Universit du QuebecUniversidade do Estado da Bahia
Prof. Dr. Jaciara Ornlia-
___________________________________________Dr. em Letras e
Lingustica pela Universidade Federal da BahiaUniversidade do Estado
da Bahia
Prof. Dr. Marcus Lima- UESB
___________________________________________Dr. em Estudos
Lingusticos pela Universidade Federal de Minas GeraisUniversidade
do Sudoeste da Bahia
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A Deus, razo maior da minha existncia. minha me (Dona Janete)
por seu amor, dedicao e bondade.
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AGRADECIMENTOS
Toda pesquisa nunca resulta da elaborao de um nico indivduo.
Nela, ecoam tantas
vozes ora divergentes, ora convergentes que, polifonicamente, vo
compor a sinfonia de um
trabalho acadmico. Nesse sentido, compartilhamos a
responsabilidade com aqueles que
direta ou indiretamente contriburam para a consecuo deste
trabalho.
Sendo assim, como no ressaltar o papel da nossa orientadora,
prof. Dr. Lcia Soares de
Souza, a quem agradeo pelo apoio, pela simplicidade e pela
mestria com que conduziu a
orientao deste trabalho.
Ao prof. Dr. Marcus Lima que, mesmo a distncia, tornou-se um
coorientador desta
pesquisa com sugestes profcuas e dilogos enriquecedores.
Aos professores do PPGEL, sobretudo a Dr. Jaciara Ornellas pelas
valiosas
contribuies no exame de qualificao, pelas dvidas sanadas em
relao ABNT, a Dr.
Gilberto Sobral pelo apoio e pela confiana em ns depositados no
tirocnio e a Dr. Rosa
Helena Blanco pelas sugestes quanto ao caminho terico a ser
trilhado.
Aos colegas, mestrandos, que compartilharam conosco, suas
dvidas, angstias,
alegrias, principalmente Mnica, Larissa, Zoraide, Fabola, Walter
e Robson com quem
partilhamos algumas de nossas idias e que muito nos ajudou com
suas palavras.
minha irm Daiane Gonalves Alves pela ajuda na elaborao dos
quadros e a Carine
pelo apoio emocional nos meus momentos de desespero e por me
ouvir a falar de um tal de
Charaudeau.
A Llia, amiga, companheira a quem agradecemos por suas palavras
de f, de incentivo
nos momentos em que duvidamos da nossa capacidade de superar
alguns obstculos exigidos
por uma pesquisa acadmica.
Aos colegas do Colgio Estadual Bolvar Santana que nos apoiaram,
estimulando-nos a
seguir em frente.
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No h lugar sem linguagem. A linguagem est em
todo lado. Atravessa todo o real; no h real sem a
linguagem.
Rolandes Barthes, 1982.
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RESUMO
Neste trabalho, propomos uma anlise do contrato de comunicao do
jornalismopopular da mdia audiovisual baiana, concentrando-nos nos
programas Balano Geral e Seliga Boco. Nosso foco de pesquisa reside
nas estratgias discursivas atreladas ao contrato emum espao de
restrio e liberdade do qual participam os sujeitos linguageiros.
Para tanto,recorremos aos pressupostos da Teoria Semiolingustica de
Patrick Charaudeau quanto sformas de organizao do discurso
(descritivo, narrativo, argumentativo e enunciativo). Almdisso, a
fim de contextualizarmos o nosso objeto de pesquisa, recorremos
anlise de algunsaspectos sensacionalistas desses formatos
televisivos. Por outro lado, valemo-nos da categoriado ethos numa
abordagem retrico-discursiva para compreender a construo das
identidadesdos sujeitos enunciadores no jornalismo popular baiano.
Dessa maneira, esta dissertaobusca contribuir para o funcionamento
do discurso jornalstico popular, com suas estratgiasde
legitimidade, credibilidade e captao.
Palavras-chave: Contrato de comunicao. Estratgias discursivas.
Modos deorganizao do discurso. Ethos.
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ABSTRACT
In this paper, we propose an analysis of communication of the
popular journalismBahias audiovisual media, focusing on Balano
Geral and Se Liga Boco programs. Ourresearch focus is based in
discursive strategies pegged o contact an area of restriction
andfreedom the subjects participating language studies. For both,
we appealed to the Theory ofSemiolanguage of Patrick Charaudeau,
about the forms of the organization of discourse(description,
narrative, argumentative, enunciation). Furthermore, in order to
contextualize thefocus of our research, we used analysis of some
exaggerated aspects of these televisionformats. Furthermore, we
make use of the category of ethos in a
rhetorical-discursiveapproach to understand the construction of
identities of the subjects enunciators in popularjournalism of the
Bahia. Thus, this dissertation seeks to contribute to the
functioning of thepopular jornalistic discourse, with its
strategies of legitimacy, credibility and capture.
Keywords: Communication Contract. Discursive strategies. Modes
of organization ofspeech. Ethos.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Processo de semiotizao
.....................................................................................
45
Quadro 2 Processo de semiotizao
.....................................................................................
46
Quadro 3 Encenao do ato linguageiro
...............................................................................
48
Quadro 4 Contrato de comunicao dos programas Balano Geral e Se
liga Boco .............. 54
Quadro 5 Formas de organizao do discurso
......................................................................
58
Quadro 6 Elementos bsicos do modo argumentativo
.......................................................... 71
Quadro 7 Procedimentos e objetivos visuais
.......................................................................
84
Quadro 8 Relao entre os dispositivos
verbo-espao-visuais...............................................
86
Quadro 9 Sntese do contrato de comunicao e das estratgias
verbo-visuais ...................116
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Uma das cenas do quadro o Povo na praa
.............................................................
30
Figura 2 Imagem de trabalhador da Coelba
..........................................................................
32
Figura 3 Imagens do pai e da filha, sendo entrevistados.
...................................................... 42
Figura 4 Posicionamento de cmera.
....................................................................................
80
Figura 5 Imagem, em plano mdio, do apresentador Raimundo Varela
................................ 81
Figura 6 Imagem, em plano prximo, do enunciador Raimundo
Varela................................ 82
Figura 7 Imagem, em plano mdio, do enunciador Jos
Eduardo.......................................... 83
Figura 8 Imagem, em plano prximo, do sujeito Jos
Eduardo............................................. 83
Figura 9 nfase no corpo. Destaque para o espao transio...
............................................. 87
Figura 10 nfase no corpo. Destaque para o espao
transio............................................... 87
Figura 11 Focalizao no espao
percurso............................................................................
87
Figura 12 Focalizao no espao
percurso............................................................................
87
Figura 13 nfase no espao transio....
...............................................................................
88
Figura 14 nfase no espao transio....
...............................................................................
88
Figura 15 Posicionamento do corpo de Raimundo Varela. Produo do
efeito canal. ........... 88
Figura 16 Posicionamento do corpo de Jos Eduardo. Produo do
efeito canal ................... 88
Figura 17 Encenao corporal do sujeito Raimundo Varela em plano
prximo..................... 97
Figura 18 Imagem, em plano mdio, do apresentador. Matria sobre o
ferry boat ................ 99
Figura 19 Imagem em plano mdio. Simulacro de dilogo do
apresentador com
osvereadores............................................................................................................................
99
Figura 20 Imagem, em plano prximo, da postura icnico-discursiva
do sujeito RaimundoVarela...
..............................................................................................................................101
Figura 21 Imagem em plano americano. Ao dos moradores da
comunidade do
Pela
Porco...........................................................................................................................103
Figura 22 Imagem, em plano mdio, do posicionamento verbo-visual
do apresentador sobre opapel da polcia
...................................................................................................................104
Figura 23 Imagens, em plano mdio, do apresentador Jos Eduardo e
de uma senhora cujofilho foi preso.
....................................................................................................................106
Figura 24 Imagem em plano prximo. Encenao icnico-verbal do
sujeito enunciador JosEduardo..
............................................................................................................................107
Figura 25 Imagens divididas, em plano mdio, do apresentador e
uma senhora com a
filhadela.....................................................................................................................................108
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Figura 26 Imagens divididas, em plano mdio, do apresentador Jos
Eduardo e de um cidadoem apelo desesperado
.........................................................................................................110
Figura 27 Imagem em plano prximo. Postura verbo-visual do
sujeito enunciador RaimundoVarela numa mise em scne de
dramaticidade
.....................................................................111
Figura 28 Imagem em plano prximo. Encenao icnico-verbal do
apresentador JosEduardo
..............................................................................................................................113
Figura 29 Imagem em plano mdio. Postura verbo-visual do sujeito
Jos Eduardo sobre anotcia em foco
...................................................................................................................114
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SUMRIO
INTRODUO 14
1 MDIA TELEVISIVA: UM DISPOSITIVO ESPETACULAR 23
1.1 JORNALISMO POPULAR: A VIOLNCIA COMO ESPETCULO 25
1.2 JORNALISMO POPULAR: O SENSACIONAL COMO ATRAO 26
1.3 JORNALISMO POPULAR: A INFLUNCIA DO MELODRAMA
E DO FOLHETIM
33
1.3.1 Faits- divers: o folhetim moderno 35
1.4 PATEMIZAO NO JORNALISMO POPULAR: A ESTRATGIA DE
CAPTAO 38
2 A TEORIA SEMIOLINGUSTICA DO TEXTO E DO DISCURSO: UMA
VISO PANORMICA 44
2.1 O DUPLO PROCESSO DE SEMIOTIZAO DO MUNDO 44
2.2 A ENCENAO DO ATO DE LINGUAGEM 47
2.3 O CONTRATO DE COMUNICAO 48
2.3.1 O contrato de comunicao miditico 49
2.4 ESTRATGIAS DISCURSIVAS 51
2.5 TEXTO, DISCURSO E GNERO 54
2.6 MODOS DE ORGANIZAO DO DISCURSO 58
2.6.1 Modo de organizao enunciativo 59
2.6.2 Modo de organizao descritivo 62
2.6.3 Modo de organizao narrativo 64
2.6.4 Modo de organizao argumentativo 69
2.7 CONTRATO DE COMUNICAO: ESTRATGIAS ESPAO-VISUAIS 75
2.7.1 Os dispositivos espaciais 76
2.7.2 Os dispositivos visuais 78
3 A CONSTRUO DO ETHOS NO JORNALISMO POPULAR BAIANO 89
3.1 ETHOS: UMA VISO RETRICO- DISCURSIVA 89
3.2 ETHOS: UMA APROPRIAO MIDITICA 93
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3.3 CENAS ENUNCIATIVAS NO JORNALISMO POPULAR 94
3.3.1 Cenas enunciativas e ethos no Balano Geral 94
3.3.2 Cenas enunciativas e ethos no Se Liga Boco 105
4 CONSIDERAES FINAIS 117
REFERNCIAS 120
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14
INTRODUO
Que uma introduo? Explicaes, declarao de intenes,exposio de
objetivos e do plano de trabalho, masprincipalmente ressalvas,
escusas antecipadas, defesa prvia,justificativas, desculpas.
Fiorin (2005, p. 23)
A televiso, inaugurada no pas nos idos da dcada de 50, tem
crescido em importncia
como um dos meios de comunicao de maior influncia nas
experincias cotidianas e na
opinio pblica. Outrora considerada a bab eletrnica e a janela
para o mundo, esse
dispositivo miditico tem sido objeto de inmeras pesquisas
acadmicas, produzidas no seio
dos cursos de Ps-Graduao em Comunicao, Letras e Lingustica. Tais
pesquisas ora se
voltam para aspectos mercadolgicos, ora se voltam para aspectos
tcnicos, ora se voltam
para a anlise da produo e recepo televisivas, no intuito de
compreender a construo de
sentidos, engendrada pela mdia audiovisual. Nesse contexto,
destacam-se, no Brasil, os
trabalhos de Machado (2003), Duarte (2004), Neto (1999) entre
outros. Fora do pas,
destacam-se as pesquisas de Charaudeau (1992, 2006a, 2006b,
2008), Jost (2004), Fontanille
(2005), Vern (2004), Vern e Fouquier (1985), entre outros.
Por outro lado, algumas pesquisas tm se voltado para anlises
mais especficas de
programas televisivos. Assim, Mendona (2002), por exemplo,
discute o papel de autoridade
da TV Globo, institudo pelo programa Linha Direta. Sua anlise
diz respeito s estratgias
discursivas desse programa, legitimado pela empresa de comunicao
mais poderosa do pas.
Frana (2006), por sua vez, voltada para as narrativas populares
na televiso, visa
entender como se processa a interao entre a mdia e as camadas
populares. As anlises se
concentram em alguns programas denominados populares/
popularescos, tais como Fausto,
programa do Ratinho, Cidade Alerta, entre outros. Esses
programas ocupam um grande
espao na mdia, a despeito das crticas acadmicas que tm sofrido
em virtude do grau de
sensacionalismo que veiculam. Esse fenmeno, que no novo na
televiso, consolidou-se
nas emissoras nacionais e regionais, visando, sobretudo, adeso
de um pblico de menor
poder aquisitivo.
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15
Na emissora de Salvador, destacam-se alguns programas
considerados populares como
o Balano Geral e o Se Liga Boco. Tais programas exercem uma
grande influncia,
sobretudo, sobre a camada da populao menos favorecida, obtendo
bons ndices de audincia
para programas locais.
O Balano Geral1, mais antigo na emissora de Salvador,
apresentado pelo radialista
Raimundo Varela no horrio de meio-dia desde 1997, perodo em que
a Rede Record compra
a emissora TV Itapoan. Em 2006, em virtude de doena, esse
apresentador se afasta,
substitudo por Gerdan Rosrio. Durante esse perodo, o programa no
possua reprteres
exclusivos, repetindo, na ntegra, algumas reportagens dos
programas jornalsticos da
emissora.
Em 2007, recuperado do bitransplante (rim e fgado), Raimundo
Varela volta a
apresentar o programa que foi reformulado, aproveitando as
reportagens exclusivas do
reprter Guilherme Santos. Com a contratao do reprter Adelson
Carvalho, criaram-se
novos quadros, tais como A Praa do Povo e O Povo Fala. A partir
de ento, priorizaram-se
as reportagens produzidas por esses dois reprteres (Guilherme
Santos e Adelson Carvalho).
Programa dirio, de segunda a sexta-feira, das 12 s 13 h. Possui
auditrio que recebe
trabalhadores, comunidades, polticos, estudantes e vtimas de
violncia, entrevistados por
Raimundo Varela e Guilherme Santos. Constitui um formato
televisivo em que o jornalismo
se mescla com prestao de servios populao.
Por sua vez, o Se Liga Boco constitui um programa mais recente
da emissora de
Salvador. Surgiu na TV Aratu, afiliada do SBT (Sistema
Brasileiro de Televiso), no ano de
2003. Em 2008, o jornalista Jos Eduardo transferiu-se para TV
Itapoan, afiliada da Rede
Record. O programa se inicia logo aps o Balano Geral, s 13h, com
uma proposta de
ajudar a populao mais carente de Salvador. Diariamente, h prmios
em dinheiro, com a
visita do apresentador aos bairros perifricos cuja multido se
encontra espera do salvador
para mitigar-lhe as mazelas sociais.
Adotamos, neste trabalho, o conceito de popular, como j fazem
alguns autores como
Frana (2006), Dias (2003) e Amaral (2006), em detrimento do
termo sensacionalista, apesar
de reconhecermos que tais programas ainda apresentam algumas
caractersticas que o
identificam, quando do seu surgimento na imprensa escrita e
televisiva, por sua tnica
grotesca, sensacionalista e a-tica. Com efeito, a despeito da
polissemia que este termo evoca
1 Algumas dessas informaes, a respeito da histria do programa,
foram consultadas na Wikipdia. Disponvel
em: http:// Acesso em: 17 de setembro de 2008.
PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
http://
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16
e dos inmeros debates tericos no mbito acadmico, sobretudo dos
estudos culturais
(HALL, 2003; MARTIN-BARBERO, 1997), consideramos popular tais
programas em funo
de se voltarem para um pblico menos privilegiado socialmente2
cuja representao, muitas
vezes, estereotipada apropriada por essas emisses.
Vale lembrar que o espetculo e a dramatizao permeiam os
dispositivos miditicos,
sejam eles impressos, sejam eles audiovisuais. Em decorrncia
disso, a imprensa sria ou de
referncia recorre, muitas vezes, dramatizao dos fatos como umas
das suas estratgias
de captao dos sujeitos interpretantes. No obstante, o discurso
de informao, pautado pela
credibilidade e captao, vive uma tenso entre os princpios da
objetividade e os princpios
da seduo. Esse constitui um dos paradoxos que estruturam o
discurso de informao
miditico, pois, se perder o tom, a justa medida, pode correr o
risco de descambar para a
hiperbolizao do sensacional, quebrando uma das clusulas do
contrato de comunicao.
No entanto, as visadas de informao e captao dos formatos
televisivos populares
apresentam, a nosso ver, bem diferenciadas. O posicionamento dos
sujeitos comunicantes, a
sua encenao discursiva, a sua linguagem, a intensificao dos
graus de emoo sugerem
procedimentos icnico-discursivos que implicam um outro tipo de
contrato de comunicao.
Por conseguinte, a maioria desses programas, voltado para o
popular, tem buscado
mecanismos de captao no sentido de seduzir os sujeitos-alvos. Ou
melhor, acreditamos que
tais programas buscam interpel-los por meio de procedimentos
discursivos a fim de criar
vnculos e, assim, estabelecer acordos afetivo-intelectivos entre
as instncias de produo e
recepo, visando aceitao de sua proposta por parte do
leitor-telespectador.
Para a compreenso desse processo, os sujeitos, apresentadores
dos programas,
afiguram-se de suma importncia, em virtude da influncia que
exercem junto ao
telespectador-alvo. O radialista Raimundo Varela e o jornalista
Jos Eduardo, cada um com
seu estilo, assumem um tom, uma imagem, um corpo, enfim, um
ethos (MAINGUENEAU,
2001, 2005, 2006, 2008) de porta-voz dos excludos socialmente. O
discurso dos
apresentadores ocupa a cena dos programas. So indivduos,
portanto, que se valem de
estratgias discursivas para legitimar e para credibilizar a
imagem de programas que se
assemelham ao povo, que esto ao lado dele, visando, com isso,
fortalecer os laos com esse
pblico, buscando, consequentemente, a sua fidelizao.
2 Adotamos o critrio socioeconmico para a classificao das
classes populares (categorias C e D). Tal critrioclassifica esse
segmento, levando em considerao alguns indicadores, tais como a
escolarizao, o acesso aosbens culturais, entre outros.
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17
Nesse contexto, os programas populares da mdia de Salvador, o
Balano Geral e o Se
Liga Boco so pensados, organizados por sujeitos comunicantes,
mediante estratgias
discursivas, que se inserem nas formas de organizao do discurso
(enunciativo, narrativo,
descritivo e argumentativo), visando criar efeitos de sentidos
(persuaso, seduo, incitao)
nos sujeitos interpretantes, a fim de sedimentar o contrato
comunicativo entre os parceiros da
troca linguageira.
Nessa perspectiva, nosso estudo visa analisar como se processam
as estratgias
discursivas desses programas populares, fundamentando-nos em
alguns pressupostos da
anlise do discurso (Semiolingustica) no que concerne ao contrato
de comunicao proposto
por Patrick Charaudeau (1992, 2006a, 2006b, 2008) e no que diz
respeito ao ethos numa
perspectiva retrico-discursiva, adotada por Dominique
Maingueneau (2001, 2005, 2006),
Amossy (2005), Egss (2005), Charaudeau (2006b).
Para tanto, buscamos identificar as formas mais recorrentes da
organizao do discurso;
verificar as estratgias mais recorrentes e os seus efeitos de
sentido e, alm disso, depreender
os eth dos enunciadores, com base na cenografia dos
programas.
Com efeito, levantamos algumas questes, visando nortear a nossa
pesquisa:
a) quais so as estratgias discursivas mais recorrentes dos
programas para sua
legitimidade e credibilidade, visando captao dos sujeitos
interpretantes do programa?
b) quais so os procedimentos de organizao do discurso (narrar,
descrever, enunciar,
argumentar) para consolidar as estratgias discursivas dos
programas?
c) como se caracteriza os ethe dos apresentadores (Raimundo
Varela e Jos Eduardo)
em tais formatos, atrelados ao contrato de comunicao?
Para responder a tais questes, levantamos algumas hipteses
norteadoras.
Em primeiro lugar, acreditamos, apoiados em Charaudeau (2006a,
2006b, [1983],
2008), que os programas Balano Geral e Se Liga Boco esto
atrelados a um contrato de
comunicao que se assenta em um trip (entreter, emocionar e
informar).
Segundo Charaudeau (2006a), a comunicao pressupe um quadro de
restries e de
liberdade na troca linguageira. O reconhecimento dos parceiros
das restries da situao
comunicativa sugere um acordo prvio nesse espao de referncia, o
qual ele denomina
contrato de comunicao. Para tanto, os programas se valem de
estratgias discursivas,
visando ao sucesso do projeto comunicativo. Para Charaudeau
(2006a) todo ato de linguagem
visa a um objetivo. a finalidade uma das condies para o sucesso
do projeto comunicativo.
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18
O autor caracteriza essa problemtica de influncia em quatro
visadas; prescritiva (fazer
fazer), informativa (fazer saber), incitativa (fazer crer) e
patmica (fazer sentir). 3
Em segundo, acreditamos que a visada prescritiva reja as trs
modalidades nos
programas, pois, para que os sujeitos interpretantes possam
manter laos constantes com essas
emisses, fundamental mobilizar o fazer crer, o fazer sentir e o
fazer saber destes sujeitos.
Para tanto, o sujeito comunicante se vale de estratgias
discursivas, configuradas em modos
de organizao do discurso (enunciativo, narrativo, descritivo e
argumentativo), atrelados ao
contrato de comunicao. Assim, os sujeitos comunicantes dos
programas recorrem a
narrativas dramatizadas, a comentrios argumentativos no que
tange s temticas (violncia,
problemas domsticos, comportamento de polticos, denncias da
populao, entre outras).
Alm disso, preciso salientar a imagem dos sujeitos enunciadores
(MAINGUENEAU,
2005, 2006) em tais programas como uma das estratgias de
legitimao destes. Em
consequncia disso, levantamos a hiptese de que o ethos se mostra
num continuum,
conforme a cenografia dos programas.
Por ltimo, com base nessa premissa, acreditamos que, no Balano
Geral, ora um
ethos de fora, de potncia que se delineia no sujeito enunciador
Raimundo Varela, ora um
ethos de solidariedade. Por sua vez, no programa Se Liga Boco, o
ethos do enunciador Jos
Eduardo, ora se acentua pela hiprbole daquele que grita em nome
do povo, ora um ethos de
humanidade que se apresenta nesse sujeito. Tais ethe reforam as
estratgias discursivas dos
programas, contribuindo para o dispositivo de influncia em relao
aos sujeitos
interpretantes/ telespectadores.
Vale destacar que o interesse em pesquisar o universo miditico
tem crescido nos
ltimos anos nos cursos de Ps-Graduao de Comunicao, Letras e
Lingustica e outras
cincias afins, tais como a Sociologia e a Antropologia. Desse
universo algumas pesquisam se
concentram, principalmente, no estudo da imprensa escrita, sob a
perspectiva da anlise
semiolgica do discurso, tais como Eliseo Vern (2004), Neto
(1995), Ferreira (2007), entre
outros.
Quanto mdia audiovisual, sobretudo a televiso, as pesquisas mais
recentes, sob
perspectivas tericas diversas (semitica, anlise do discurso,
semiologia dos discursos,
teorias da comunicao) tm-se voltado para o estudo dos formatos
televisivos (programas
3 O autor denomina essa visada de pathos. A fim de mantermos o
paralelismo sinttico, alteramos para patmico.
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19
jornalsticos, reality show, talk show, entre outros) seus
discursos e suas configuraes, sua
formas de interpelao do receptor entre outros aspectos (DUARTE
2004; JOST 2004).
Os trabalhos de Frana (2006), Sodr e Paiva (2002), embora
contribuam para a
compreenso dos programas populares na mdia audiovisual,
focalizam suas anlises nos
estudos sociolgicos e culturais. Mendona (2002), por sua vez, a
despeito de apresentar-nos
um estudo interessante sobre o papel do programa Linha Direta e
suas estratgias discursivas,
o faz, baseando-se nos postulados da anlise do discurso
francesa. Nesse sentido, acreditamos
que existe uma lacuna de pesquisas voltadas para os programas
populares nas emissoras
baianas.
Quanto Teoria Semiolingustica, tem sido profcua as produes
acadmicas (artigos,
dissertaes, teses), que a adotam como suporte de suas anlises,
tais como Menezes (2006,
2007), Machado (1996, 2006, 2008), Emediato (2006, 2007), entre
outros. Algumas
dissertaes e teses mais recentes, sob esse enfoque terico,
buscam compreender o contrato
de comunicao em alguns gneros do discurso, tais como os
classificados sexuais, Costa
(2007) e cruzadas, horscopos e quadrinhos (destaque nosso), no
jornalismo impresso
(LIMA, 2008). No obstante, o estudo do contrato de comunicao com
os pressupostos da
anlise semiolingustica do discurso, voltados para o audiovisual,
no tem sido objeto de
muitas pesquisas acadmicas, mormente no que concerne aos
programas populares na
televiso.
Por conseguinte, esta pesquisa pode contribuir, academicamente,
para ampliar o
universo de pesquisa do audiovisual pela perspectiva da
Semiolingustica, voltado para os
programas populares, no sentido de compreender como esses
formatos se legitimam, captam o
pblico e ganham credibilidade. Alm disso, pode contribuir para a
compreenso dos ethe dos
enunciadores-apresentadores, em tais programas, como um dos
elementos de legitimao e
credibilidade.
Por outro lado, socialmente, este trabalho pode contribuir para
entender a imagem desse
povo que sai dos guetos do cotidiano, com suas mazelas, com suas
tragdias e atravessa a
mquina de Narciso. So programas que, mesmo sendo alvo de crticas
por determinado
segmento, esto presentes no dia a dia da maior parte da populao
baiana. Embora a proposta
de tais formatos no vise trazer uma reflexo sobre as causas das
condies socioeconmicas
desta populao sofrida, nem busque trazer uma proposta de mudana
social; o povo est na
televiso. Estereotipado ou no, ele se mostra com suas carncias,
com suas dores, com sua
luta diria, com sua fora e com seus desejos.
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Ademais, adotamos, nesta pesquisa, uma abordagem qualitativa
para a compreenso do
objeto em estudo, bem como procedimentos metodolgicos nos quais
os conceitos tericos
pudessem ser ilustrados com a insero de anlises do corpus.
Urge lembrar que o Balano Geral e o Se Liga Boco, como formatos
televisivos,
apresentam vrias matrias semiolgicas. Assim, na televiso, uma
rede de linguagens, de
discursos, de interlocues, produzida, criando efeitos de
sentidos os mais diversos. Mesmo
reconhecendo que priorizar uma linguagem em detrimento de outras
pode implicar uma
reduo do objeto de estudo, tendo em vista a complexidade do
processo miditico, mister
fazer recortes em virtude da exiguidade do tempo para uma
dissertao de mestrado.
Cabe esclarecer que, para contextualizar nosso objeto de
pesquisa, inserido no macro
dispositivo miditico, valemo-nos de autores que tm tratado desse
dispositivo pelo vis
mais ideolgico. Contudo, essa escolha, de carter
interdisciplinar, pauta-se por uma
discusso do sensacionalismo e de seus aspectos mais gerais. No
nosso objetivo tecer
uma anlise ideolgica dos programas, mesmo que isso possa ficar
inferido da escolha de
alguns tericos, dado que nosso interesse reside, principalmente,
na anlise discursiva.
Todavia, houve a necessidade de buscarmos subsdios em outros
tericos muitos dos quais
apresentam uma perspectiva apocalptica do processo miditico,
conforme ressalta Eco
(1970). No obstante, defendemos um ponto de vista dialtico em
relao s mdias. Se estas
no podem ser consideradas o pio do povo como defenderam alguns;
por outro lado, no
se pode negar o poder de influncia, de captao desses meios.
Neste sentido, comungamos da opinio de Charradeau (2006a, p.
253-257) quando
defende que a mquina miditica se caracteriza por uma situao
paradoxal. Ao mesmo tempo
agente manipulador e paciente manipulado. Em outras palavras: se
as mdias, por um lado,
nos impem as escolhas dos acontecimentos mediante o tempo, o
espao e o acidente; por
outro lado, esto submetidas a presses externas (atualidade,
poder poltico e concorrncia) e
a presses internas (automanipulao miditica, resultante de suas
representaes).
Sendo assim, nossa anlise concentrou-se, sobretudo, nos
procedimentos lingustico-
discursivos dos apresentadores, configurados nos gneros
jornalsticos, visando perceber as
estratgias mais recorrentes nos programas, inseridas nos modos
de organizao do discurso,
atrelados ao contrato de comunicao (CHARAUDEAU, [1983], 2008).
Por outro lado, no
intuito de compreender a enunciao visual dos formatos e dos
sujeitos comunicantes
fizemos uma anlise dos seus dispositivos espao-imagticos. Para
tanto, adotamos alguns
procedimentos:
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a) em primeiro lugar, fizemos a seleo e transcrio de alguns
trechos dos dois
programas gravados entre janeiro e maro de 2008 e janeiro de
2009, perfazendo um total de
vinte quatro programas, dos quais selecionamos oito (quatro para
o Balano Geral e quatro
para o Se Liga Boco). Buscamos selecionar matrias pelo grau de
tenso e pelo grau de
engajamento dos sujeitos comunicantes em relao ao seu discurso.
A maioria das emisses
se concentra numa temtica que envolve acontecimentos
dramatizantes nos quais esto
presentes algumas categorias, tais como crianas, idosos,
mulheres. Desta forma, adotamos
tais critrios para a seleo dos trechos dos programas, destacando
os mais representativos
para nossa anlise;
b) em segundo, sistematizamos os trechos escolhidos em funo dos
discursos dos
apresentadores e dos gneros jornalsticos mais recorrentes para a
identificao dos modos de
organizao do discurso (enunciativo, descritivo, narrativo e
argumentativo) e as estratgias
discursivas mais recorrentes nesses modos de organizao;
c) em terceiro lugar, fizemos uma anlise dos dispositivos
espaciais e visuais dos
programas;
Por fim, procuramos depreender os ethe dos enunciadores dos
programas, com base no
modo enunciativo de organizao discursiva, Charaudeau (1992,
[1983], 2008) e com base
nas cenas da enunciao, Maingueneau (2005, 2006, 2008), pois
acreditamos que o ethos
constitui uma importante estratgia discursiva de legitimao para
imagem dos sujeitos
comunicantes dos programas, visando captar os sujeitos
destinatrios, consolidando, assim, o
contrato comunicativo nesses programas populares.
Dessa forma, esta dissertao apresenta-se organizada: na
introduo, apresentamos a
problematizao e a relevncia do objeto de pesquisa, bem como os
princpios terico-
metodolgicos que a nortearam.
No primeiro captulo, apresentamos os principais conceitos para a
compreenso do
jornalismo popular, inserido no dispositivo miditico, visando
contextualizar nossa pesquisa,
concentrando-nos nos aspectos sociolgicos e comunicacionais
deste tipo de jornalismo, tais
como: o espetculo na mdia, o sensacionalismo e suas variantes na
imprensa, o melodrama, a
patemizao no discurso, entre outros.
No segundo, tecemos os principais pressupostos da Teoria
Semiolingustica, discutindo
alguns conceitos, visando embasar a nossa pesquisa. Assim,
apresentamos noes importantes
da teoria, tais como a semiotizao do mundo, a encenao do ato de
linguagem, o contrato de
comunicao, as estratgias discursivas e os modos de organizao do
discurso.
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No terceiro, discutimos o ethos como uma importante estratgia
discursiva dos sujeitos-
apresentadores nessas emisses jornalsticas populares. Para isso,
apresentamos uma breve
reviso deste conceito pelo prisma retrico-discursivo.
Para finalizar, apresentamos uma sntese das principais concluses
a que chegamos ao
longo desta pesquisa.
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1 MDIA TELEVISIVA: UM DISPOSITIVO ESPETACULAR
As mdias no transmitem o que ocorre na realidade social,
elasimpem o que constroem do espao pblico.
Charaudeau (2006a, p. 19)
A mdia televisiva tem ocupado um grande espao na dinmica social
no sculo XX e
XXI, destacando-se, nesta sociedade miditica, ou melhor,
midiatizada, como um dos meios
de comunicao mais influentes, em decorrncia de sua abrangncia, j
que rene indivduos
e pblicos distantes, oferecendo a possibilidade de estabelecer
laos entre as classes sociais
(WOLTON, 1996).
Esse dispositivo miditico afigura um meio de comunicao do visvel
por excelncia.
No entanto, esse meio perpassado por outros sistemas semiticos
(sons, discursos, msica,
etc.), compondo a organizao dos sentidos desse dispositivo.
Ressalta Charaudeau (2006a)
que a imagem televisionada apresenta uma origem enunciativa
mltipla na qual o discurso
referencial e o ficcional se imbricam. Com efeito, postula esse
autor que a mdia audiovisual
pode proporcionar dois tipos de olhar: o olhar da transparncia e
o olhar da opacidade. Na
verdade, a mdia opera com a iluso de transparncia e opacidade.
Nesta, visa dramatizao
como um elemento da sua composio; naquela, visa desvelar o real,
descobrir o outro,
subjacente aos fatos (CHARAUDEAU, 2006a, p. 112).
Wolton (1996), por sua vez, destaca que o dispositivo televisivo
apresenta duas
dimenses indissociveis, complementares e simtricas: a primeira
delas diz respeito
dimenso tcnica, relacionada com a imagem; a segunda, diz
respeito dimenso social. Essa
dimenso social de suma importncia para entender a televiso e
seus propsitos discursivos
e espetaculares, sobretudo no que concerne ao discurso
jornalstico.
Sendo assim, a espetacularizao constitui uma das dimenses da
mdia. O espetculo
afigura um forte componente de entretenimento. Entreter
distrair, provocar prazer. O
entretenimento apresenta traos biolgicos e culturais
importantes. O corpo necessita de
espaos nos quais o ldico, o relaxamento, o repouso se fazem
necessrios. Culturalmente, o
entretenimento apropriado pela sociedade que inventa seus modos
de divertir (CHAU,
2006). Por conseguinte, como o entretenimento constitui uma
importante prtica cultural e
social, a mdia se apropria desse componente, tornando-o
mercadoria e espetacularizando-o.
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Assim, o espetculo torna-se o simulacro miditico. Tragdias,
guerras, ataques terroristas,
festas, por exemplo, transformam-se em entretenimento, como
oferta de catarse para o
telespectador.
Assim, para Debord (1997), o espetculo gerador de alienao,
porquanto uma
expanso dessa produo industrial traz, no seu bojo, a expanso
econmica. Nesse sentido, o
pensamento de Debord aproxima-se do que defende Chau (2006) para
a qual a cultura de
massa, no processo de devorao, de negao, apropria-se dos objetos
culturais, esvaziando
seus sentidos primeiros, tornando-os objetos de consumo. Com
efeito, pressupe-se no
pensamento de Debord (1997) que os sujeitos seriam passivos,
alheios ao processo que
engendra esse componente, apropriado pelas mdias como uma de
suas estratgias. No
entanto, vale lembrar que a instncia da recepo cada vez mais
fragmentada, menos
homognea e instvel (CHARAUDEAU, 2006a).
Por conseguinte, a cultura do espetculo constitui um mecanismo
que consegue seduzir
a ateno do pblico, mantendo-o fidelizado, atuando na produo de
efeitos de sentidos.
Segundo Debord (1997), a espetacularizao relaciona-se muito
diretamente com a imagem.
A imagem cria uma relao com o real, gera um regime de
visibilidade e cria um efeito de
verdade. No entanto, notrio que esse real, mediado pelos meios
de comunicao,
reconfigurado, editado, permeado pelo discurso, instncia em que
os sentidos so
polissmicos, so deslizados, o que implica perceber que a relao
entre o real e a mdia no
est destituda de construes socioideolgicas.
Com efeito, a cultura do espetculo vem se expandindo em vrias
instncias, ganhando
corpo em vrias prticas sociais. A economia do espetculo, no qual
a diverso e negcios
esto intrinsecamente atrelados, constitui um dos motores que
geram grandes negcios.
Assim, por meio do entretenimento, empresas fazem circular suas
marcas, suas imagens,
mediante os diversos veculos de comunicao (jornal, internet,
televiso, cinema e rdio) em
que negcios e publicidade se multiplicam na forma de espetculo
(PATIAS, 2006). Em
decorrncia disso, o entretenimento se torna um dos paradigmas da
atualidade.
Ressalta Glaber (2000) que, com a televiso e o cinema, os
limites entre a fico e
realidade se tornam cada vez mais tnues. O entretenimento se
transforma, assim, em vida.
Ou seja: somos atores e expectadores do prprio espetculo, do
show que se naturaliza ante
nossos olhos, constitutivo da realidade, na qual estamos
mergulhados.
Se, de um lado, o entretenimento apresenta-se por uma
perspectiva negativa,
necessrio salientar uma outra perspectiva em que esse componente
visto como um
mecanismo que visa envolver a instncia de recepo, oferecendo-lhe
momentos de distenso
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e lazer, conforme defende Marcus Lima em sua tese de
doutoramento, ao analisar o contrato
de diverso do jornal Folha de So Paulo. Define esse autor o
contrato de diverso como
uma oferta que o veculo faz aos leitores, especialmente os que o
compram, tendo em vista
proporcionar momentos de disperso, de relaxamento (LIMA, 2008,
p. 58).
1.1 JORNALISMO POPULAR: A VIOLNCIA COMO ESPETCULO
A violncia, um dos fenmenos sociais, constitui uma das marcas
das sociedades
contemporneas. Esse fenmeno humano, que remonta s comunidades
primitivas, vem
ganhando contornos impensveis na estrutura social. Esse fenmeno
foi apropriado pela mdia
(sobretudo pela imprensa popular) que o transformou em consumo
comunicacional, oferecido
ao telespectador.
Os programas jornalsticos populares de Salvador tm recorrido a
matrias policias
como um dos seus carros-chefe. O Balano Geral enuncia alguma
reportagem na qual a
violncia constitui o cerne e vai ser retomada com detalhes no Se
Liga Boco. Gostaramos
de salientar que a nfase na violncia, ocupando a maior parte do
horrio de ambos os
programas, acentuou-se a partir de fevereiro de 2009, em funo do
concorrente direto no
horrio, o programa Na Mira apresentado por Oziel, ex-reprter do
Se Liga Boco.
Nesse programa, a nfase recai sobre as misrias humanas, sobre o
morto e suas
vsceras redundantemente mostradas no horrio do almoo, corpos
sendo alvejados
explicitamente mostrados sem nenhuma preocupao tica (FONTES,
2009). Com efeito,
pautada nessa mesma linha, o programa do Boco passou a adotar
como norte a exposio da
violncia nas suas variveis mais radicais.
Vale lembrar que, nos programas do gnero, necessrio no s
informar,
imprescindvel captar o telespectador pela riqueza de detalhes,
pela repetio das imagens,
pelas entrevistas ao agressor ou a vtimas, buscando a exposio
desses personagens o maior
tempo possvel na tela.
Como essa exposio de imagens chocantes tem sido uma das tnicas
desses
programas, cabe uma reflexo: at que ponto a exposio do chocante,
do grotesco (no
regenerador), da dor, enfim, da violncia pode esgotar a nossa
capacidade de reao diante de
tais imagens? possvel que o choque diante delas possa perder sua
fora, tornando-as
familiar. Desta forma, como determinadas pessoas se habituam ao
horror da vida real,
tambm podem habituar-se em relao ao horror de determinadas
imagens (SONTAG, 2003).
Assim, a repetio contnua da violncia vai se transformando em
espetculo, amortizando,
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muitas vezes, a nossa indignao, o que pode contribuir no sentido
de banalizar a violncia
(PATIAS, 2006).
Os apresentadores, por sua vez, colocam-se como defensores da
justia, posicionando-
se ao lado da polcia, no papel de contribuidores da sociedade.
Tais sujeitos comunicantes se
defendem das possveis crticas aos programas, baseando-se numa
proposio que constitui
um dos bordes dessas emisses: mostrar a realidade. Subjacente a
tal proposio,
possvel inferir que, mostrar o universo decadente da sociedade,
caberia aos programas e a
seus representantes. Todavia, o questionamento pblico mais
consequente se perde na
mercantilizao da prpria violncia, produzida na forma de
espetculo.
1.2 JORNALISMO POPULAR: O SENSACIONAL COMO ATRAO
O jornalismo popular, tambm rotulado de sensacionalista,
identificado como um tipo
de imprensa que se apropria de elementos populares
historicamente destinados aos segmentos
menos favorecidos da populao e que se define pela sua
proximidade e empatia com o
pblico-alvo (AMARAL, 2006, p. 16). Para a compreenso deste
rtulo, vamos apresentar
uma breve histria desta lexia e suas principais caractersticas,
baseando-nos em Angrimani
(1995), Amaral (2006), Martin-Barbero e Awad (1995).
De acordo com Martin-Barbero (1997), a explicao do surgimento
dos jornais
sensacionalistas tanto nos Estados Unidos quanto na Europa
decorreu do desenvolvimento
tecnolgico de impresso e da concorrncia entre as grandes
empresas jornalsticas. Esse
autor ressalta que os estudos de Sunkel apontam para uma
perspectiva diferente desse
fenmeno. Para ele, desde a segunda metade do sculo XIX, houve
uma proliferao de
publicaes populares nas quais se mesclavam o potico narrativa
popular. No Brasil,
destaca-se a Literatura de Cordel.
Segundo Angrimani (1995), os primeiros jornais franceses
(Gazzette de France e
Nouvelles Ordinaires) surgidos entre 1560 e 1631 j apresentavam
caractersticas
sensacionalistas semelhantes s atuais, com grande sucesso diante
do pblico. No sculo XIX,
em 1836, inaugura-se a imprensa popular francesa com o La Presse
e Le Sicle com os
folhetins sensacionalistas. Nos Estados Unidos, ressaltam os
jornais Publick Occurrences
(1690), o New Yorq Sun (1833) vendido a um pen (centavo)
voltava-se para os mecnicos e as
massas em geral. Dessa maneira, o Sun buscava informaes
relacionadas ao cotidiano de
pessoas comuns, aos seus dramas. Direcionava, portanto, a
episdios sensacionais a fim de
captar a ateno do pblico. Esse tipo de jornalismo vai se
destacar nos Estados Unidos com o
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New York World (Joseph Pulitzer) e o Morning Journal (William
Randolph Hearst). Esses
jornais apresentavam informaes distorcidas, publicavam notcias
sem relevncia,
promoviam sorteios, misturavam assistncia social com produo de
histrias. Utilizavam-se
de recursos sensacionalistas para a expanso comercial, gerando,
com efeito, uma guerra entre
os jornais.
Conforme Amaral (2006), o termo sensacionalista se relaciona com
o movimento de
Hearst e Pulitzer, nos Estados Unidos, no final do sculo XIX. No
Brasil, so os folhetins que
vo introduzir os primeiros elementos sensacionalistas a partir
de 1840.
Ciro Marcondes Filho (1989), citado por Amaral, defende que o
processo
sensacionalista se localiza no mbito do lazer em oposio ao
universo do trabalho.
necessrio sensacionalizar a informao para vender mais jornal. A
distino entre a imprensa
de referncia ou sria em relao imprensa sensacionalista reside na
intensidade da
mercantilizao da informao. Ressalta Amaral algumas
caractersticas que configuram o
sensacionalismo entre as quais destacamos: valorizao da emoo,
explorao do sofrimento
alheio, o denuncismo, banalizao da violncia, invaso de
privacidade de pessoas,
principalmente do segmento social menos privilegiado (AMARAL,
2006, p. 21).
Essa autora, em sua pesquisa, adota a lexia popular em
detrimento da lexia
sensacionalista, atribuda a esse tipo de imprensa. Isso porque
considera uma tendncia de
alguns jornais em aproximar-se de outro modo dos leitores, sem
recorrer, prioritariamente, a
coberturas sanguinolentas. Esclarece que a lexia popular no tem
o sentido de contra-
hegemnico, mas esse tipo de imprensa se define pela proximidade
e empatia, estabelecidas
com o pblico-alvo. Com efeito, enumera alguns equvocos de que
alvo esse tipo de
jornalismo:
a) o primeiro equvoco concerne ideia de que os jornais
destinados s classes
populares revelam to somente o mau-gosto. Salienta que o
discurso informativo se apropria
das caractersticas culturais de seus leitores para atingir o seu
pblico. Esclarece, porm, que
preciso manter uma postura crtica em relao a esses produtos. No
obstante, preciso
considerar o universo do leitor ou do telespectador desse tipo
de produto jornalstico sem um
olhar preconceituoso.
b) o segundo equvoco diz respeito aos produtos populares serem
considerados
distoro, o que est subjacente uma concepo purista da atividade
jornalstica, em que a
emoo e narrao seriam descartadas dessa atividade.
c) o ltimo equvoco concerne aos jornais populares serem tachados
de simples
mercadorias. Para ela, essa assertiva constitui um reducionismo,
dado que todos os jornais so
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mercadorias, todos precisam atender lgica mercadolgica, em
virtude da sobrevivncia
econmica. Alm disso, pontua que os interesses econmicos
representam uma das faces do
fenmeno. necessrio ressaltar que os jornais so produtos
discursivos, produtores de
significaes, de sentidos e, em certa medida, todos os jornais
apresentem um componente
sensacionalista em sua organizao.
Portanto, ao postular que o sensacionalismo abrange diversas
estratgias, defende que
pouco produtivo relacion-las a um nico conceito. Destaca que os
produtos jornalsticos
populares no se restringem mais produo de matrias policialescas,
num estilo espreme
que sai sangue quando do surgimento dessa caracterstica na
imprensa brasileira.
Sem dvida, inegvel que a imprensa voltada para este segmento
mudou bastante
desde o seu surgimento, sobretudo na mdia impressa e mdia
televisiva aqui no Brasil. Sodr
e Paiva (2002) relacionam esse fenmeno discusso do grotesco
desde seu surgimento at a
sua reproduo nas diversas instncia sociais: literatura, mdia
impressa, televiso e rdio. A
despeito disso, o sensacionalismo continua existindo, sobretudo
no que concerne
hiperbolizao dos relatos, na ruptura da normalidade, na
intensificao do conflito, na
dramatizao da violncia (AWAD, 1995).
Sodr e Paiva (2002) relacionam esse fenmeno estesia grotesca por
meio da qual
analisa a programao da televiso internacional e nacional a
partir de 1960. Esses autores
retomam o conceito de realismo grotesco a partir do qual essa
programao se caracterizaria
por um ethos da praa pblica, sentido trabalhado por Bakhtin
([1965], 2008) na qual
as expresses diversificadas da cultura popular (melodramas,
festa de largo, danas,circo) ou a um lugar de manifestao do esprito
dos bairros de uma cidade, comsuas pequenas alegrias e violncias,
grosserias e ditos sarcsticos, onde a exibiodos altos cones da
cultura nacional confronta-se com o que diz respeito ao vulgar
oubaixo [...] (SODR; PAIVA, 2002, p. 106).
O realismo grotesco, para Bakhtin ([1965], 2008), apresenta
alguns traos que o
caracterizam, tais como o carter carnavalizador, marcado pela
ambiguidade, pela
hibridizao. Ou seja, pelo deslocamento de lugares, pelo
rebaixamento, pelo riso popular
ligado ao baixo corporal e material, pela subverso, pelo carter
regenerador. Por outro lado,
mesmo apresentando algumas semelhanas com o grotesco
bakhtiniano, em Sodr e Paiva
(2002) este visto, na programao televisiva, como pura degradao,
caracterizado pelo
escatolgico, pelo teratolgico, pelo chocante e pelo riso
cruel
Deslocando tais pressupostos para os programas jornalsticos
analisados, observamos
que muitos aspectos do grotesco esto presentes nesses programas.
Mas que grotesco os
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caracteriza? Seria um grotesco carnavalizador proposto por
Bakhtin ([1965], 2008) ou um
grotesco proposto por Sodr e Paiva (2002)? No se pode ignorar
que as marcas de um
grotesco apontadas por esses autores se configuram em muitos
aspectos dos programas,
sobretudo no tratamento dado violncia, como argumentamos
anteriormente. Ou seja, um
grotesco, marcado pelo teratolgico, pela exposio do baixo
corporal, no qual o corpo
exposto no para subverter, no para provocar rupturas ou
deslocamentos, mas sim para
chocar, para provocar determinadas emoes no telespectador.
Essa configurao grotesca predomina, substancialmente, no
programa Se Liga Boco
e, com menor intensidade, no programa Balano Geral. A matria do
dia 21/01/2009 gerou
inmeros protestos de muitos cidados (A TARDE, 1/02/2009) no que
concerne exposio
de imagens, envolvendo uma criana. Tratou-se de imagens nas
quais eram explicitamente
mostradas cenas que envolviam uma criana, mantendo relaes
sexuais com uma mulher
adulta.
De incio, os componentes do espetculo, da sensacionalizao do
acontecimento, da
dramatizao deste constituem a mise en scne da perfomance do
jornalista apresentador Jos
Eduardo. Com efeito, ele prepara, como habitual, o telespectador
para a matria em questo:
(1) Ateno, no desligue sua televiso. So imagens pesadas. Peo que
o Senhorpreste ateno, senador Magno Malta. E essa a com o filho de
cinco anos. Tire o seu filhoagora. Essa descarada tem 50 anos. Olha
o que ela faz com o filho. Tire, tire isso a. Mas aminha vontade
estar com essa vagabunda cara a cara. Eu estou espantado,
assustado. Eununca vi isso. pra chamar ateno da sociedade.
As imagens so redundantemente exibidas em torno de cinco vezes,
ora em movimento,
ora frisada, ora congelada. Cerca de 20 min do programa so
destinados matria na qual este
sujeito constri uma encenao, caracterizada pelas avaliaes
axiolgicas, como j
ilustramos neste trabalho, ao tratarmos do modo de organizao
descritivo.
Por outro lado, ao dar a voz ao senador Magno Malta, presidente
da CPI (Comisso
Parlamentar de Inqurito) da pedofilia, corroborando a importncia
do programa em
denunciar esse tipo de prtica, o apresentador-comunicador
recorre a uma figura poltica para
fortalecer o papel desse jornalismo em ajudar a sociedade na
denncia dessa prtica. Esse
posicionamento se confirma na defesa da emissora, diante da
sairavada de crticas que esse
tipo de exposio grotesca promove. Assim se posiciona a emissora
em um dos trechos do e-
mail (disponibilizado em A TARDE, no caderno revista da TV, em
1/02/2009):
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Referente s imagens exibidas em nossa programao durante o
programa Se ligaBoco, no dia 21/01/2009, comunicamos que a inteno
da emissora, mesmo sabendo que asimagens exibidas poderiam ferir ao
telespectador, foi alertar os poderes pblicos e asociedade.
Por conseguinte, se tais aspectos do grotesco proposto por Sodr
e Paiva (2002) esto
presentes nos programas, no se pode negar que h presena de um
grotesco hbrido nesses
formatos. Isso significa dizer que o homem ordinrio, do qual nos
fala Certeau (1994),
apresenta possibilidades de interveno, por meio das quais expem
os desequilbrios da
sociedade, o que pode gerar fraturas na sua representao em tais
emisses. Como ponto de
partida, selecionamos o quadro O Povo na Praa dos programas. Em
funo de
caractersticas semelhantes desse quadro em ambos os programas,
selecionamos o quadro do
Balano Geral exibido em 10/01/2009.
Neste quadro, o povo se apresenta numa espcie de feira livre
para reivindicar,
protestar, danar e cantar. apresentado por um reprter que
entrevista pessoas na Praa da
Piedade. Ao lado desse cenrio natural, h outro improvisado, no
qual as pessoas podem
expressar as suas inquietaes, queixas e desejos. Trata-se de um
palco improvisado, com um
megamicrofone. As pessoas so mostradas com baldes, vassouras e
panelas. O srio e o
cmico, paradoxalmente, permeiam o quadro. Em outras palavras, os
protestos, as
reivindicaes, os apelos se misturam aos talentos artsticos dos
indivduos num processo
de carnavalizao.
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Figura 1. Cena do quadro O Povo na Praa.
Na abertura, o comunicador Raimundo Varela concede a palavra ao
reprter Adelson:
(2) Adelson, bota esse povo para falar. Vamos mostrar a favela.
A piedade virou favela.
Tem secretaria de ao social? Este se vale de alguns bordes que
constituem uma das
marcas desse quadro:
(3) Aqui a presso sobe. Aqui o chumbo grosso. Essa a praa de
alta presso. Essa a praa do povo, a praa do protesto.
Esse profissional corrobora uma das estratgias dos programas
populares que consiste
na utilizao de uma linguagem coloquial, visando a uma relao mais
prxima com o pblico
alvo. Assim, a utilizao de itens lexicais, reveladores de
atitudes emocionais do reprter
constitui uma das mximas desse tipo de jornalismo.
O concerto polifnico apresenta-se por meio de vozes individuais
e sociais que
permeiam a construo desse quadro do programa. Vejamos alguns
depoimentos:
Depoimento dos trabalhadores da Coelba:
(4) Os trabalhadores esto perdendo energia. No querem conversar.
Estamosprotestando contra os acionistas majoritrios da Coelba.
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Figura 2. Imagem do trabalhador da Coelba.
Depoimento de uma senhora que foi assaltada na Praa da
Piedade:
(5) A cidade est abandonada, cad o prefeito?
(6) Aqui os pombos trabalham mais que a polcia (comentrio do
reprter Adelson).
Depoimento de um morador do Bonfim:
(7) Varela, esto acabando com a lavagem do Bonfim.
Os protestos focalizam, sobretudo, o poder pblico, representado
pelos governantes.
Um dos cidados protesta em relao ao abandono da prefeitura em
relao ao bairro de So
Tom de Paripe; outro reclama contra o abandono dos deficientes
mentais:
(8) A cidade est largada. O deficiente mental no tem lugar para
ser internado.
Alguns depoimentos manifestam pedidos para resoluo de problemas
individuais.
Assim, uma senhora solicita socorro para uma cidad que est
morrendo mngua no bairro
de Lobato, subrbio de Salvador, sem receber nenhum apoio
familiar e pblico; outro
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depoimento consiste no apelo de um pai em relao ao sumio de sua
filha, uma garota surda-
muda de nove anos.
Em suma, a partir de uma perspectiva da televiso feira livre,
que esse espao
engendra, os participantes so convidados a exporem seus anseios,
suas queixas, enfim, suas
reivindicaes, ao tempo em que so chamados a perfomarem, no
palco, suas figuras
retratadas de modo cmico e grotesco. So rostos massacrados pela
dor social, pelo riso a que
so expostos.
Contudo, no se pode negar que, em certos momentos dos programas,
a imagem
grotesca construda desses sujeitos pode sofrer certas fraturas,
apresentando um carter
hbrido. Esse carter ambivalente nos remeteria a um grotesco
regenerador bakthiniano no
qual haveria mudanas de lugares. Na verdade, o hbrido se
apresenta como uma mistura que
no consegue mudar os lugares desses sujeitos. No obstante, se
este grotesco no regenera,
apresenta-se como uma forma que desestabiliza (ALMEIDA,
2006).
Desse modo, os tipos populares, ainda que sorrateiramente, expem
sua voz, seu corpo,
sua alegria e sua dor. Embora essa dor seja pasteurizada pela
televiso, a apario desses
sujeitos, no espelho miditico, constitui em si uma forma de
denncia.
Para alm dos aspectos sensacionalistas, grotescos que tais
produtos jornalsticos
apresentam, necessrio destacar um significado complementar,
conforme defende
(FRANA, 2006, p. 148): Essa TV popular incomoda por muitas razes
e entre elas,
porque ela fala da misria e da carncia; porque ela expe - de
forma cnica, sarcstica, mas
tambm pungente - a dor do outro.
1.3 JORNALISMO POPULAR: A INFLUNCIA DO MELODRAMA E DO
FOLHETIM
Martin-Barbero (1997) diz que o espetculo popular vai ser
denominado em 1769,
sobretudo na Frana e na Inglaterra de melodrama. Esse gnero se
relaciona com as formas de
espetculo de feira e com a temtica das narrativas oriundos da
literatura oral (contos de
medo, de mistrio).
Esse autor postula que a entrada do povo na cena est relacionada
Revoluo
Francesa, visto que as paixes polticas despertadas, bem como os
dramas vividos, durante a
revoluo, intensificaram a sensibilidade das massas que se
permitiam encenar suas emoes.
Neste contexto, destaca-se o espao no qual o povo ganha
visibilidade: ruas, praas e
montanhas. Assim, o melodrama surge como uma forma de espetculo
no qual o povo pode
se ver representado. Em virtude de ser um gnero que, no seu
nascedouro, no buscava a
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linguagem verbal nas cenas, o melodrama acentua as aes e as
grandes paixes. Assim, o
espetculo se destaca pelos aspectos visuais e sonoros. A msica
exerce o papel como
coadjuvante da encenao. Ela vai funcionar como um componente
demarcador entre os
momentos srios, formais, caracterizados por um maior grau de
tenso e os momentos
cmicos, marcados por um maior grau de relaxamento.
O melodrama, por outro lado, vai se transformar em folhetim na
segunda metade do
sculo XIX. Para Amaral (2006, p. 74), o folhetim afigura o
elemento-chave da
industrializao da imprensa na Europa, por constituir-se no
primeiro texto escrito no formato
popular de massa e por ter concedido o status de personagens s
classes trabalhadoras. Entre
as suas principais caractersticas destacam-se: viso maniquesta
dos personagens,
superexposio, suspense, redundncia, crtica direta e indireta aos
problemas sociais,
linguagem acessvel entre outros (AMARAL, 2006).
Em sua fase inicial, o folhetim chamado romntico tinha como
matria-prima o
cotidiano, focalizando, sobretudo, os segmentos populares at
ento marginalizados. Vale
destacar que, nessa fase, os autores, em sua maioria,
originavam-se das camadas sociais
menos privilegiadas, conhecedores do fascnio que o universo
dessas camadas exercia sobre a
populao.
Sustenta (SOUZA, 2003) a importncia do folhetim pelo seu carter
transgressor, visto
que este pe em cena a polifonia de vrios registros sociais que
circulavam no espao social.
Em outras palavras, o folhetim, quebra com o bom gosto e a
verossimilhana, bem como
elabora contratos de produo e recepo diferenciados em decorrncia
da novidade dos
temas e pela maneira como tais registros se imbricam, no
enfrentamento ou na provocao de
suas representaes. Esse carter transgressivo continua orientando
as frmulas modernas da
fico folhetinesca (SOUZA, 2003, p. 26).
Em decorrncia disso, o melodrama e o folhetim so apropriados
pelos meios de
comunicao de massa, sintonizados com a lgica do consumo. Assim,
jornais, revistas,
novelas refletem, muitas vezes, uma viso de mundo na qual este
governado por valores
individuais, morais e emocionais. Embora tais gneros no se
encontrem hoje em sua forma
original, seus componentes esto a presentes, mormente no
jornalismo popular em que tais
componentes so hiperbolizados. Desta forma, parece predominar,
neste segmento da
imprensa, aquilo que Martin-Barbero (1997) denominou a retrica
dos excessos. A
encenao exagerada, os efeitos visuais e sonoros so
intensificados, os sentimentos so
explorados, exigindo uma resposta do pblico, mediante risos,
choro e repulsa.
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1.3.1 Faits-divers: o folhetim moderno
O faits-divers (fatos diversos) concerne matria jornalstica na
qual o campo de
conhecimento, em princpio, no est relacionado s esferas da
poltica, da economia, das
artes (LAGE, 2003). Esse autor esclarece que a informao, por ser
um acontecimento
histrico, faz parte da narrativa. Assim, os eventos polticos,
econmicos, culturais
apresentam-se interligados, o que pode acarretar certos
desdobramentos. Por outro lado, no
faits-divers no depende de nada exterior. So relatos
inconsequentes que surgem da
normalidade do dia a dia. Esse aspecto do jornalismo popular
constitui uma das frmulas na
qual se baseia esse tipo de imprensa. O faits-divers apoia-se em
um procedimento
denominado cmulo que consiste na contradio radical entre o que
se espera e o que
acontece (LAGE, 2003, p. 47). Assim, exemplifica Lage (2003) que
a morte de 500 mil
crianas em virtude da fome menos impactante do que a morte de 50
crianas mortas no
incndio de um circo. Isso porque o acontecimento imediato,
instantneo, ao mesmo tempo
em que a tragdia marcada pela expectativa de divertimento que
atraiu os meninos.
Assim, no bojo do faits-divers, residem elementos retricos antes
mesmo do surgimento
da atividade jornalstica. Esto presentes, pois, em sua estrutura
o cmulo (figura da tragdia
grega) e a anttese. Para Laje (2003), essa figura sustenta
historicamente a reproduo de seus
esteretipos4. A utilizao da anttese como estratgia consiste em
dar a informao
incompleta ou angustiante que se esclarecer logo em seguida.
Supe-se que o carter
surpreendente lever o leitor, o ouvinte ou o espectador a
desvendar o enigma e recompor o
equilbrio da narrativa.
Para Barthes (1971), o faits-divers visa interpelar o
telespectador mediante os tentculos
da emoo. Ele vai categoriz-lo em duas modalidades bsicas:
causalidade e a coincidncia.
Na modalidade de causalidade, a estruturao de uma situao
conflitiva, que visa
interpelao e ao reconhecimento do sujeito, ocorre mais em funo
da forma como se
enuncia do que em funo do dito. Com efeito, o sujeito
interpelado atravessado por sua
condio conflitiva, reconhecendo-se, portanto, na factualidade,
trazida pelo faits-divers.
Neste processo, pontua Barthes (1971), o sujeito interpelado, ao
se reconhecer, vivencia o que
est do lado externo. Esse processo caracterizado pela
identificao projetiva, por meio da
qual a catarse ensejada.
4 Os esteretipos sero tratados no terceiro captulo desta
dissertao.
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Alm disso, nesse tipo de modalidade, enfatizam-se os agentes do
conflito, nos papis
de vtima ou de ru. A dramaticidade envolve, sobretudo, mes,
crianas e idosos, porque tais
personagens, alm de representarem os diversos ciclos da
existncia humana, simbolizam a
fragilidade e a pureza. Constata-se que no faits-divers de
causalidade, a dimenso histrica
esquecida, o conflito se perde nele mesmo, o cdigo assumido se
centra na dimenso da
emocionalidade.
Por sua vez, a modalidade de coincidncia manifesta-se por meio
da repetio e da
anttese. Essa modalidade consiste, para o autor, em despir o
homem da sua responsabilidade
histrica. A irresponsabilidade o conforta, eximindo-o de certas
culpas, transferindo-as para a
noo de fatalidade. A repetio, portanto, como categoria dessa
modalidade, instaura a
onipresena da factualidade.
Nesse sentido, possvel caracterizar os programas populares
(Balano Geral e Se
Liga Boco) pelas modalidades postuladas por Barthes, sobretudo
no Se Liga Boco.
Para exemplificarmos, vamos retomar duas reportagens j
apresentadas na seo 1.6.1
do Se Liga Boco por se tratar de matrias nas quais as principais
vtimas so crianas.
preciso destacar que tais reportagens ocuparam aproximadamente
50% do programa. J na
abertura, a encenao toma corpo do animador-enunciador. Uma
identidade discursiva
estereotipada parece estar atrelada a esse sujeito enunciador. O
espetculo engendrado,
visando criar uma expectativa no telespectador. Como a primeira
matria envolve o estupro
de uma criana, comportamento condenvel pela sociedade, o
apresentador cria o cenrio para
a retrica do excesso:
(9) Para o que voc est fazendo agora. Afaste sua poltrona. Tire
as crianas da sala. brincadeira o que eu vou mostrar. Isso pra mim
coisa do demo. O programa de hoje tpesado. E o pior ela pegou uma
doena venrea.
Assim, o carter dramtico do acontecimento afigura-se
hiperbolizado pelo modo de
enunciao do sujeito apresentador que encena sua indignao ante o
ato cometido. Vale
salientar o agente da ao cometida. Trata-se da figura do av que
mobiliza aspectos afetivos
no universo de crena das pessoas por ser um importante
integrante do seio familiar. No
entanto, tal ao vai de encontro aos imaginrios sociodiscursivos
(saberes de crenas) dos
indivduos. Desta forma, o sujeito apresentador se baseia nas
representaes socias do que
seja uma famlia, podendo mobilizar a empatia do telespectador.
Por conseguinte, o efeito do
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real, evocado pelas cenas mostradas, visa mant-lo o
telespectador atento ao acontecimento
narrado.
A segunda matria, que tambm envolve uma criana, vai ocupar uma
boa parte do
programa. Agora no se trata de mais de fato relacionado a um
estupro. Trata-se de uma
tentativa de aborto provocado, fato condenado por lei, mas que
tem sido uma prtica
frequente entre muitas mulheres, sobretudo jovens e adolescentes
de baixa renda. O
apresentador focaliza a sua ateno para trs agentes envolvidos no
acontecimento: a me
biolgica, que tentou o aborto, mas no obteve xito, gerando uma
criana com m formao;
a me que adotou esta criana, apesar dos problemas fsicos e
neurolgicos decorrentes da
tentativa de aborto e a prpria criana, vtima de tal ao.
A espetacularizao do fato, nesta reportagem, ganha contornos de
dramaticidade.
Constitui o drama de uma criana carente que necessita de toda
sorte de ajuda, seja
psicolgica, seja econmica. O sujeito animador-apresentador Jos
Eduardo encena um
cenrio no qual as emoes afloram:
(10) Eu chego a ficar emocionado. E me d vontade de chorar. Eu
me sensibilizo, souapaixonado por criana, tenho filhos e sobrinhos
e eu sei o que o sofrimento.
A avaliao do comportamento tanto da me biolgica quanto da me
adotiva
realizada pelo sujeito, eivado de juzos de valores, expressos
por categorias axiolgicas:
(11) Essa mulher uma guerreira, pegou de uma me desnaturada,
essa segura a
onda.
O sujeito enunciador procura interpelar o telespectador por meio
desse cenrio no qual
a carga dramtica incide sobre a situao de uma criana, vtima de
uma tentativa de
abortamento:
(12) A eu vejo as pessoas reclamando da vida. A eu vejo a situao
de Vitria. Elano anda, no fala. Isso que sofrimento.
A repetio das cenas, enfatizadas em grande parte do programa,
busca uma resposta
emptica, uma resposta emocional do telespectador. O que se
percebe que a escolha de
notcias que envolvam crianas como vtimas da crueldade, cujos
agentes estejam ligados,
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sobretudo, ao grupo familiar constitui estratgias que vo
sedimentar a espetacularizao e a
dramatizao neste programa.
Barthes sustenta (1971) que o faits-divers apresenta consumo
imediato, no transcende
o seu prprio territrio, prende-se instncia da enunciao. Com
efeito, o fait-divers liga-se
ao aspecto sensacionalista, seja pela causalidade, seja pela
coincidncia, interpelando o sujeito
interpretante pela emoo. Em sua estrutura, a noo de conflito
pode oportunizar a
identificao projetiva e, em consequncia, a catarse.
Convm salientar que a identificao projetiva de que fala Barthes
(1970) est
diretamente relacionada com a projeo emptica do sujeito
interpretante telespectador. Esse
efeito busca mobilizar a afetividade do sujeito mediante o
efeito do real, por meio de
elementos que remetem ao universo de crenas, de valores, da
realidade prxima dos sujeitos
telespectadores.
Boal destaca (1980) que a empatia consiste numa relao emocional
entre o personagem
e o espectador. Essa empatia constitui-se de algumas paixes como
a piedade, terror, amor,
ternura, desejo sexual. Destaca esse autor que a empatia liga-se
ao ethos em relao ao do
personagem. Com efeito, a empatia fusiona-se numa relao
sujeito-pblico e sujeito-
personagem, mobilizada pelas paixes (HERNANDES, 2006).
1.4 PATEMIZAO NO JORNALISMO POPULAR: A ESTRATGIA DE CAPTAO
Charaudeau (2000) prope uma srie de reflexes no que concerne ao
estudo das
emoes no discurso. Esse pesquisador fez uma tentativa de
categorizao com base em
procedimentos da encenao televisiva os quais denominou tpicas do
pathos. No
retomaremos essas categorias postuladas por esse pesquisador,
mas alguns pontos importantes
do seu artigo no sentido de analisar o afeto, a paixo, o
sentimento, enfim o pathos, como
uma das estratgias dos programas populares.
Como ponto de partida, para tecer suas anlises, vale-se das
contribuies da Psicologia
e da Sociologia. Na Psicologia, as emoes so tratadas como um
componente, concernente
ao comportamento do indivduo, oriundo de causas psquicas,
emotivas e fsicas. Na
Sociologia, por outro lado, as emoes so percebidas como
elementos que contribuem para
ajudar o sujeito no jogo social. Esse autor se apropria de
algumas contribuies desses dois
ramos das Cincias Humanas, contudo o faz da perspectiva
discursiva, ressaltando que os
estudos desses dois ramos esto direcionados para o estudo da
recepo, o que implica medir
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as emoes sentidas e compreender as respostas do comportamento
humano nos espaos
sociais.
Desta forma, apresenta algumas hipteses no que concerne ao
estudo dos efeitos
patmicos. Para ele, as emoes se inscrevem no espao da troca
comunicativa, no quadro de
uma intencionalidade. Para tanto, o sujeito falante a fim de
tocar o outro recorre a estratgias
discursivas no sentido de capt-lo ou lhe causar medo
(CHARAUDEAU, 2007).
Por outro lado, as emoes se inserem nos saberes de crena que diz
respeito aos
valores relativos a cada indivduo, atrelados a determinados
princpios, a normas sociais,
psicolgicas e morais. Por conseguinte, as emoes esto
relacionadas com as representaes
psicossociais. Isso significa dizer que estas se configuram da
relao sujeito e mundo, tendo
em vista se basearem em crenas, em estados mentais intencionais.
Essa relao sujeito e
mundo o constitui na condio de um ser social e individual.
Ressalta que a emoo relativa, pois a inteno de emocionar no
garante que isso de
fato vai acontecer. fundamental que o analista do discurso leve
em considerao uma srie
de fatores mediante os quais o universo patmico possa ser mais
bem compreendido
(CHARAUDEAU, 2000). Assim, os efeitos de sentido direcionados
instncia da recepo
dependero do contexto sociocultural, do contrato comunicativo,
dos saberes de crena, das
disposies afetivas dos interlocutores entre outros. Resta
lembrar que a patemizao
discursiva est atrelada a um dos componentes do contrato mditico
que concerne ao fazer
sentir.
Ao tratarmos do jornalismo popular, como uma das dimenses
miditicas, vale lembrar
que o componente patmico constitui uma das estratgias desse
discurso. Ressalte-se, alm
disso, que, neste tipo de jornalismo, os efeitos patmicos
apresentam-se num grau crescente
de tenso e intensificao, configurando-se em um dos aspectos do
espetculo e da
dramatizao. Nesse sentido, podemos postular algumas mximas para
o discurso jornalstico
no que tange aos efeitos patmicos, de acordo com o que defende
Neto (2006, p. 183-184).
A primeira mxima desse discurso caracteriza-se pelo orador
mostrar-se emocionado, o
que pode provocar determinados efeitos emocionais na instncia da
recepo. Essa premissa
est atrelada a um ethos emotivo5. Vale lembrar, com j ressaltou
Charaudeau (2006b), que o
ethos emocionado (destaque nosso) no garante que os efeitos
pretendidos pelo orador sejam
efetivamente sentidos pelo auditrio. Assim, mostrar-se
revoltado, indignado diante de
5 O ethos emotivo ser por ns abordado no terceiro captulo,
quando tratarmos do ethos como estratgia delegitimao dos
enunciadores.
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determinados acontecimentos, no garante que tais emoes sejam
desencadeadas na instncia
receptora.
A segunda mxima diz respeito exposio de objetos ou imagens que
podem
desencadear determinadas emoes. Por exemplo, arma de fogo,
punhal do assassino, pessoas
sofrendo, chorando, etc. constituem uma das estratgias para
provocar determinadas emoes
no pblico. Esse princpio coaduna-se com o que postula Perelmam e
Olbrechts-Tyteca
(1996) para os quais:
para criar a emoo, indispensvel a especificao. As noes gerais,
os esquemasabstratos no atuam muito sobre a imaginao. [...] Quanto
mais especiais os termos,mais viva a imagem que evocam, quanto mais
gerais elas so, mais fraca ela . [...]O termo concreto aumenta a
presena (PERELMAM; OLBRECHTS-TYTECA,1996, p. 166-167).
Por fim, a terceira mxima, que norteia os programas populares,
concerne descrio de
fatos emocionantes que tendem a exasperar os fatos indignos,
cruis, odiosos (NETO, 2006,
p. 183). Para esse autor, a mdia busca comover o pblico com base
na encenao assim como
acontece na tragdia grega. Vale salientar que os efeitos
patmicos, buscados pela instncia
miditica, no esto atrelados to somente a emoes disfricas (medo,
raiva, indignao,
revolta entre outras), mas a emoes eufricas (satisfao, desejo,
esperana, alegria entre
outras). Enfim, cada vez mais o discurso jornalstico busca
mobilizar a afetividade do pblico,
buscando a adeso deste por meio de uma projeo emptica, uma das
principais clusulas do
contrato de comunicao miditico.
Com efeito, para exemplificar o que afirmamos, selecionamos uma
matria jornalstica
na qual o componente emocional patente. A patemizao, em muitas
emisses do Se Liga
Boco, afigura o cerne das reportagens. Escolhemos o programa,
gravado em 21/01/2009, em
virtude de serem exploradas as emoes disfricas e eufricas e cuja
narrativa folhetinesca
constitui um dos aspectos do jornalismo popular.
A matria jornalstica, em questo, se refere priso de Antnio
Carlos dos Santos,
conhecido como o Julio, preso em casa, portando 150 g de
maconha. A narrativa se estrutura
de unidade dramtica, composta de uma situao inicial, complicao e
resoluo cujo
componente emocional gradativamente intensificado. Toda a
organizao narrativa orienta-
se para uma ao sobre o mundo. Essa unidade dramtica semelhante
adotada por muitos
semioticistas entre os quais Greimas e Courts (1993), Bremond
(1973). Essa trade,
composta por um estado inicial, um estado de atualizao, um
estado final est atrelado ao
princpio de intencionalidade da organizao narrativa (CHARAUDEAU,
[1983], 2008).
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41
Inicialmente, temos um personagem, o Joo Carlos, homem simples,
cerca de 50 anos
que se torna o protagonista desta trama. No estado inicial, esse
sujeito identificado pela
falta. Essa falta est atrelada, concomitantemente, ao estado de
dependncia da droga e ao
afastamento da famlia. Esse personagem, a partir de sua priso,
mostra-se voltado para uma
outra busca: a busca de reparao do seu erro social. O personagem
diz: a gente erra e tem
que pagar pelo erro. A emoo explicita-se pelo arrependimento
deste cidado que, ante as
cmeras, revela a sua disposio para a mudana. O perdo, componente
emocional
importante, solicitado no para a sociedade, mas para o
jornalista animador. ele que pode
ajudar o personagem nessa nova busca.
O folhetim continua numa dramaticidade crescente. O cenrio se
desloca da delegacia
para a Praa do Povo. L se encontra um outro personagem, a filha
de Joo, que apela ao Jos
Eduardo para que ajude o pai dela. Fortemente emocionada, a
menina chora copiosamente,
revelando o seu afeto pelo pai: eu te peo eu e meus irmos
estamos passando fome. Jos
Eduardo interpela a menina sobre o fato do pai dela ser
traficante. Ela contra-argumenta,
valendo-se de argumentos relacionados com o comportamento
afetivo do pai:
(13) Ele um bom pai, todo mundo gosta dele. Ele usurio, no
traficante. Se elefosse traficante, eu no estaria aqui na TV,
pedindo por ele.
Desta maneira, o grau de emoo vai ganhando em intensidade. Neste
momento, o
jornalista interpela a menina para que esta envie uma mensagem
para o pai dela que se
encontra na delegacia:
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42
Figura 3. Imagens do pai e da filha, sendo entrevistados.
(14) Meu pai eu te amo muito. Ele sabe disso. Obrigado. Deus te
ajude!
Nesse contexto, as imagens so divididas (Fig. 3): a sonoplastia
ecoa ao fundo. O rosto
de tristeza da menina mostrada em close, bem como a imagem do
pai sendo entrevistado vo
compor o cenrio no qual as emoes emergem na trama narrativa. As
emoes evocadas no
dizem respeito to somente a um cenrio fsico explicitado no
programa. O imaginrio
sociodiscursivo evocado, no qual a famlia possui uma representao
simblica muito forte,
pode mobilizar, no telespectador, determinadas emoes como a
piedade, a solidariedade, o
perdo, entre outras.
A trama narrativa continua no seu estado final, no qual a
realizao do processo se
efetiva. Constitui o momento da resoluo dessa busca do
protagonista pelo objeto. A filha de
Joo Carlos encontra o pai na delegacia em um cenrio de muita
comoo. No entanto, vale
destacar o bom humor e alegria desse indivduo, apesar da situao
na qual se encontra.
Diante do apelo da jovem, o programa oferece ao seu pai um
advogado para que este
acompanhe o caso.
A narrativa finaliza-se com a palavra do narrador-jornalista que
se apresenta mediante
um ethos de aconselhador, ao mesmo tempo que fortalece o ethos
de solidariedade. o
Boco, uma marca, com seu ethos, que afigura o benfeitor da ao
cujo agente vtima, um
usurio de drogas, constitui o beneficirio da ao.
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Assim, o breve folhetim termina. O personagem alcana xito em
relao busca do
seu objeto. Embora tenha focalizado na matria o Julio como o
principal protagonista da
narrativa, a marca Boco que sai fortalecida na conduo e mediao
das sequncias de
aes dos personagens.
Neste percurso, notamos o grau de tenso e relaxamento atrelado s
emoes destes. As
emoes disfricas (tristeza, saudade, desespero, vergonha,
sofrimento) so inicialmente
explicitadas no incio da narrativa e as eufricas (alegria,
esperana, perdo) a finalizam.
Enfim, a categoria patmica estrategicamente explorada no
programa, visando captao do
telespectador, com o propsito de nele mobi