-
CLASSIFICAO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE,
INCAPACIDADE E SADE UMA DIMENSO DO
NEURODESENVOLVIMENTO
Autora: Maria do Carmo Jardim Pereira do Vale Henriques
Orientador: Professor Doutor Luis Pereira da Silva (Prof.
Auxiliar da Faculdade de Cincias
Medicas da Universidade Nova de Lisboa)
Co-orientador: Professora Doutora Maria do Cu Machado
(Professora Auxiliar com
Agregao da Faculdade De Medicina da Universidade de Lisboa)
Tese para obteno do grau de Doutora em Medicina na Especialidade
de Pediatria
Outubro de 2014
-
2
-
Child development is the basic science of pediatrics
Julius Richmond (1968) (1)
Every child, every adult, everybody wants what I call the three
As: affection,
acceptance and approval. If the child has that, regardless of
his IQ or anything else,
he will be all right.
Leo Kanner (1969) (2) (3)
3
-
Agradecimentos
A doutoranda agradece reconhecidamente:
co-investigadora Professora Doutora Teresa Nunes Marques,
psicloga, Assessora Principal do
Centro Distrital de Lisboa do Ministrio da Solidariedade e
Segurana Social e Coordenadora da
Comisso Regional de Lisboa e Vale do Tejo do Sistema Nacional de
Interveno Precoce (SNIPI),
em representao do Ministrio da Solidariedade e Segurana Social,
pelo inestimvel apoio e valioso
contributo no estudo de concordncia interobservador.
co-investigadora Dr Helena Rodrigues, educadora de infncia
especializada em educao especial,
pelo inestimvel apoio e valioso contributo no estudo de
concordncia interobservador.
Dr Gilda Cunha, mestre em estatstica e gesto, Professora
Coordenadora na rea Cientfica de
Matemtica no Departamento de Cincias Naturais e Exatas da Escola
Superior de Tecnologia da
Sade de Lisboa, agradece a disponibilidade e orientao no
tratamento estatstico dos dados.
Ao Professor Doutor Lus Pereira da Silva, Professor Auxiliar da
Faculdade de Cincias Mdicas da
Universidade Nova de Lisboa, Consultor de Pediatria e
Neonatologista no Hospital de Dona
Estefnia, Centro Hospitalar de Lisboa Central, meu Orientador,
pelo tempo dispendido,
disponibilidade, pacincia, rigor cientfico e valiosos
contributos dados durante a elaborao deste
estudo.
Professora Doutora Maria do Cu Machado, Professora Agregada da
Faculdade de Medicina da
Universidade de Lisboa e Diretora do Departamento de Pediatria
do Hospital de Santa Maria, Centro
Hospitalar Lisboa Norte, minha co-Orientadora, pelo apoio,
incentivo e exemplo de profissionalismo.
Professora Doutora Lgia Barbosa, Professora Coordenadora do 6
Ano da cadeira de Pediatria da
Faculdade de Cincias Mdicas de Lisboa (aposentada), pelo convite
para integrar o corpo docente
da cadeira de Pediatria e pelo incentivo na prossecuo deste
estudo.
Dr Maria Joo Pimentel, psicloga do Centro de Desenvolvimento do
Hospital de Dona Estefnia,
Centro Hospitalar Lisboa Central,EPE, por toda a colaborao,
disponibilidade e dedicao
insubstituveis na avaliao das crianas, sem as quais no teria
sido possvel este estudo.
5
-
A todos os elementos da Equipa do Centro de Desenvolvimento do
Hospital de Dona Estefnia, muito
especialmente terapeuta da fala Dr Isabel Santos e Dr Manuela
Martins, psicloga e docente do
ensino especial, colocada no Centro de Desenvolvimento pelo
Ministrio da Educao e Cincia pela
amizade, companheirismo e dedicao colocadas ao servio da criana
e famlia, num percurso
conjunto de mtua aprendizagem, profissionalismo e sentido
misso.
A todas as crianas e famlias que tive o privilgio de acompanhar,
o meu testemunho e
agradecimento pela inspirao, sabedoria, resilincia e exemplo de
cidadania ativa.
minha famlia e muito especialmente ao meu marido, pelo suporte
inspirao e composio grfica
informtica desta tese.
6
-
RESUMO
.
Objetivo Principal
Determinar a consistncia da utilizao dos instrumentos de avaliao
da capacidade
intelectual escalas de Griffiths e WISC III no enquadramento dos
domnios e dos
qualificadores da CIF-CJ, restrita s funes mentais do corpo.
Objetivo secundrio:
Estudar a efetividade e concordncia inter-observador da aplicao
da CIF, com base na leitura
dos dados obtidos em avaliao efetuada com os instrumentos
referidos, por duas observadoras
independentes, em contexto de articulao sade, respetivamente
educao e segurana social
Mtodos
Estudo observacional, descritivo, transversal e prospetivo.
Foi estudada uma amostra de convenincia 355 crianas, num perodo
de trs anos (Maio de
2010 a 30 de Abril de 2013), com patologia da rea da pediatria
do neurodesenvolvimento
(total de 4000 consultas) no Centro de Desenvolvimento (CD) do
Hospital de Dona Estefnia
(HDE), Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC, EPE).
Critrios de incluso: crianas de ambos os sexos, observadas no CD
do HDE, CHLC
(primeiras consultas e consultas de reavaliao) com idade 12
meses e 17 anos e
incapacidade intelectual definida de acordo com os critrios da
DSM-IV-TR, DSM 5 e CID-
10.
Critrios de excluso: crianas com autismo, perturbaes especficas
da linguagem,
hiperatividade, dfice de ateno e concentrao, dfices sensoriais
congnitos (baixa viso e
ou audio), ou com outros diagnsticos de perturbaes de
neurodesenvolvimento.
O estudo teve duas fases: na primeira, a investigadora principal
colheu ou atualizou a histria
clnica, observou clinicamente as crianas solicitando os exames
complementares
considerados necessrios e foi efetuada avaliao psicolgica com os
instrumentos adiante
descritos, pela mesma psicloga clnica, devidamente credenciada,
e com larga experincia nas
escalas referidas.
7
-
Com base nos dados colhidos, quer por observao direta, quer
atravs dos resultados das
escalas Griffiths e WISC III, a investigadora aplicou a CIF-CJ,
circunscrita aos domnios e
funes (variveis):
1. FUNESMENTAIS GLOBAIS (b110- Funes da conscincia, b114- Funes
da
orientao no espao e no tempo, b117 Funes intelectuais, b122-
Funes psicossociais
globais, b125- Funes intrapessoais, b126- Funes do temperamento
e da personalidade);
2.FUNES MENTAIS ESPECFICAS (b140- funes da ateno, b147-
Funes
psicomotoras, b152- Funes emocionais, b156- Funes da perceo,
b163- Funes
cognitivas bsicas, b164- Funes cognitivas de nvel superior,
b167- Funes mentais da
linguagem
3. FUNES DA VOZ E DA FALA (b320- Funes da articulao, b330- Funes
da
fluncia e do ritmo da fala).
Numa segunda fase, foi solicitada a colaborao de duas
co-investigadoras, com formao
especfica nas escalas utilizadas e na CIF-CJ, a aplicao da CIF
nos mesmos domnios e
funes. Estas observadoras no efetuaram observaes diretas das
crianas envolvidas.
Para efetuar a anlise estatstica e analisar a relao entre os
qualificadores (0 a 4) das variveis
da CIF em estudo (b117, b122, b147, b163, b164, b167, b320 e
b330) e os instrumentos
psicomtricos (escalas de Griffiths e WISC III), que constitui a
primeira parte do estudo,
recorreu-se tcnica estatstica no paramtrica do coeficiente de
correlao de Spearman, que
quantifica a intensidade e sinal da eventual correlao existente
entre as variveis em estudo.
Para determinar as correlaes referentes segunda parte do estudo,
foram utilizados os
programas SPSS, (IBM SPSS Statistics) e Statistica (StatSoft,
Inc., 2011). STATISTICA
(data analysis software system, version 10. www.statsoft.com.),
tendo-se dado preferncia aos
grficos deste ltimo.
Resultados
1. Observou-se um predomnio do sexo masculino (relao de 1:1,9);
relativamente idade no
momento de avaliao, 242 crianas (68,1%) tinham entre zero e seis
anos e, dentro destas, a
maioria (189) situava-se entre os trs e os seis anos.
2. De acordo com a DSM-IV e DSM-5, 261 (73,4%) crianas
apresentavam incapacidade intelectual
ligeira.
8
http://www-01.ibm.com/software/analytics/spss/products/statistics/
-
3. A avaliao da competncia intelectual pelas escalas de Ruth
Griffiths e WISC III (QI), revelaram
correlao negativa predominantemente forte e muito forte (ndice
de Spearman) com os
qualificadores das funes do corpo estudadas (funes mentais,
mentais especficas e da voz).
Os resultados obtidos pela co-investigadora A foram sobreponveis
aos da investigadora principal.
Os resultados obtidos pela co-investigadora B revelaram correlao
negativa moderada e forte,
correlao inferior da investigadora principal;
Concluses
Os resultados permitem inferir que as escalas de Ruth Griffiths
e WISC-III so instrumentos
adequados para caracterizar a incapacidade intelectual na
CIF-CJ; a concordncia inter-observador,
moderada, nos qualificadores atribudos nas funes em anlise pela
investigadora e co-
investigadoras, permite concluir que as escalas de Ruth
Griffiths e WISC IIIl so bons instrumentos
para caracterizar os qualificadores nos domnios e funes
estudados, por diferentes grupos de
profissionais ligados infncia. Subsistem dificuldades na
diferenciao entre qualificadores,
designadamente entre os qualificadores 1 e 2, o que tem
necessariamente implicaes na elegibilidade
das crianas para os apoios preconizados pelo DL 3/2008.
Palavras-chave: CIF, CIF-CJ, crianas, funes do corpo, funes
mentais globais, funes mentais especficas, funes da fala e voz,
incapacidade intelectual.
9
-
ABSTRACT
Main objective
To determine the consistency of the use of assessment tools for
intellectual ability - Griffiths and
WISC III scales - in the context of domains and qualifiers for
the ICF-CY, restricted to the mental
functions of the body.
Secondary objective
Studying the effectiveness and inter-observer concordance
concerning the application of the ICF,
based on the data recovered from the assessment made with the
mentioned instruments, carried
out by two independent observers including their perspective on
health, education and social
security.
Methods
Observational, descriptive, cross-sectional and prospective
study.
A convenience sample of 355 children was studied over a period
of three years (May 2010 to
April 2013), with a pathology in the area of pediatric
neurodevelopment intellectual disability
(total of 4000 consultations, including first consultations and
revaluations) were observed in the
Development Centre (CD) in Hospital de Dona Estefnia (HDE),
Centro Hospitalar de Lisboa
Central, EPE (CHLC).
Inclusion criteria: children of both sexes aged 12 months and
years 17 and intellectual
disability defined according to the criteria in the DSM-IV-TR,
DSM 5 and ICD-10.
Exclusion criteria: children with autism; specific language
impairment, hyperactivity; attention
deficit disorder; severe birth sensory deficits (eg, impaired
vision and hearing); amongst other
diagnoses for neurodevelopmental disorders.
The study was conducted in two phases: in the first phase the
principal investigator collected or
updated medical history, clinically observed children requesting
additional investigations if she
deemed necessary. Psychological evaluation was performed by a
single, duly licensed clinical
psychologist with extensive experience in the referred scales
using the instruments described
below.
11
-
Based on data collected, either by direct observation or through
the results of Griffiths scales and
WISC - III, the researcher applied the ICF-CY confined to the
following fields and functions
(variables):
1. GLOBAL MENTAL FUNCTIONS (b110- functions of consciousness,
b114- Functions
referring to space and time orientation , b117 - intellectual
functions, b122- global
psychosocial functions, b125- intrapersonal functions, b126-
functions related to
temperament and personality);
2. SPECIFIC MENTAL FUNCTIONS ( b140- attention functions,
b147-psychomotor
functions, b152- Emotional functions, b156- perception
functions, b163- basic cognitive
functions and cognitive functions b164- top level b167- language
related mental functions. )
3. VOICE AND SPEECH FUNCTIONS (b320-articulation functions,
b330- fluency and
rhythm of speech functions).
In the second phase, two co-investigators, with specific
training on the scales used and the ICF-
CY have applied the ICF in the domains and functions mentioned
above, based on the scales
results. These co-investigators did not make any direct
observation of the studied children.
To perform the statistical analysis and analyze the relationship
between the qualifiers (0-4) of the
variables in the ICF study (b117, b122, b147, B163, B164, b167,
b320 and B330) and
psychometric instruments (Griffiths scale and WISC III), which
is the first part of the study, the
statistical technique of non-parametric Spearman correlation
coefficient was used, which
quantifies the strength and sign of the possible correlation
between the variables under study.
For submission of correlations related to the second part of the
study, SPSS (IBM SPSS) and
Statistica (StatSoft, Inc., 2011) programs were used. STATISTICA
(data analysis software
system, version 10 www.statsoft.com.). Preference was given to
graphs computed in Statistica.
Results
Male predominated (ratio of 1: 1.9). 242 children (68.1% of the
sample) were aged between zero
and six years and, among these, the majority (189) was aged
largest number between three and
six years.
According to the DSM-IV and DSM-5, 261 (73.4%) children had mild
intellectual disability.
12
-
The correlation between the assessment of intellectual
competence by Ruth Griffiths scales and
WISC III (QI), was predominantly negative strong and very strong
correlation with the qualifiers
of body functions studied (specific mental functions, mental and
voice functions using Spearman
index). The levels of correlation obtained by the
co-investigatores were in agreeance with the
results from the principal investigator. The results obtained by
co-investigator B showed
moderate to strong negative correlation, levels that were lower
to the those registered by the
principal investigator;
Conclusions
These results indicate that Ruth Griffiths and WISC-III scales
are adequate tools to characterize
intellectual disability in the ICF-CY; moderate inter-observer
agreement in the qualifiers assigned the
functions under analysis by the researcher and co-researchers,
shows that the scales are also good
tools to measure CIF qualifyers by diferent technicians with
different professional orientations,
related to children. However, there are still difficulties in
differentiating qualifiers, namely between
qualifiers 1/2 and 3/4, which necessarily has implications for
the eligibility of children for the state
support advocated by the Portuguese Decret Law 3/2008.
Key-words: Body functions, global mental functions, children,
ICF, ICF-CY, intellectual disability, specific mental functions,
speech and voice functions.
13
-
Palavras-chave:
Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF),
Organizao Mundial de Sade (OMS),
Desenvolvimento da Criana (DC).
1. Enquadramento institucional/Instituies envolvidas: a. Centro
de Desenvolvimento, rea de Pediatria Mdica, Hospital de Dona
Estefnia
(HDE), Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC).
b. Faculdade de Cincias Mdicas - Universidade Nova de
Lisboa.
15
-
ndice Agradecimentos
...............................................................................................................................................
5
RESUMO..........................................................................................................................................................
7
ABSTRACT
...................................................................................................................................................
11
Palavras-chave:
..............................................................................................................................................
15
ndice
..............................................................................................................................................................
17
I Parte
.............................................................................................................................................................
21
Prembulo
......................................................................................................................................................
21
Captulos em publicao efetuada em contexto de grupo de trabalho
europeu: ................................. 21
Vrios captulos em tratado de Pediatria editado em 2008
(reeditado em 2013 verso e-book)) ... 23
ABREVIATURAS
.........................................................................................................................................
27
I - Introduo
.................................................................................................................................................
29
II - Enquadramento Conceptual
..................................................................................................................
31
III -Sobre a Epistemologia
.........................................................................................................................
39
A SNC, CREBRO - EVOLUO HUMANA
...................................................................................
39
B - DESENVOLVIMENTO DA MENTE
...............................................................................................
40
C- DESENVOLVIMENTO DA CONSCINCIA E A BIOLOGIA DA MUDANA
........................ 45
IV - Teorias Psicodinmicas do Desenvolvimento Humano
......................................................................
49
IV A - TEORIA ECOLGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
..............................................................
50
IV B - OS DESENVOLVIMENTALISTAS
.......................................................................................................
51
IV C - A DADE NATURE/NURTURE
........................................................................................................
53
IV D -Teoria Unificada do Desenvolvimento
..........................................................................................
56
1 . Modelo de mudana pessoal
.......................................................................................................
58
2 Modelo Contextual
........................................................................................................................
59
3. Modelo Regulacional
.....................................................................................................................
62
4-Modelo Representacional
..................................................................................................................
64
IV E -CONTRIBUTOS PARA UNIFICAR A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO
............................................. 65
1) Descrio da estrutura dos componentes individuais e
contextuais .......................................... 65
2) Formulao do processo
...................................................................................................................
66
V - Avaliao Funcional e Incapacidade Intelectual
...................................................................................
69
A - Algumas notas histricas
....................................................................................................................
69
B - INTELIGNCIA
.................................................................................................................................
71
C - CREBRO, MENTE E INTELIGNCIA
........................................................................................
73
D - INTELIGNCIA E COGNIO
......................................................................................................
75
E INTELIGNCIA, PENSAMENTO E MORAL
..............................................................................
77
17
-
E. 1 Estilos parentais e desenvolvimento moral
..................................................................................
82
VI A Avaliao de Neurodesenvolvimento
...............................................................................................
85
A. Porqu?
..................................................................................................................................................
85
B- Avaliar quem?
.......................................................................................................................................
86
C- Avaliar o qu?
.......................................................................................................................................
87
D - Como?
...................................................................................................................................................
88
D.1. Avaliao direta:
..............................................................................................................................
89
D.2 - Avaliao indireta:
.........................................................................................................................
93
E - Quem pode e deve avaliar?
.................................................................................................................
94
F -
Quando?................................................................................................................................................
95
G - Avaliao: vantagens e desvantagens
................................................................................................
95
VII-Incapacidade Intelectual
........................................................................................................................
99
A- CONCEITOS, PRECONCEITOS E PARADIGMAS
...............................................................................
99
A. 1 - As dificuldades:
..........................................................................................................................
99
A. 2 - Conceito/Definio de Incapacidade intelectual:
.....................................................................
100
B- CLASSIFICAO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E
SADE ............... 105
B. 1- Funcionalidade, Incapacidade e Sade
.................................................................................
107
B. 2 - Os objetivos da CIF
................................................................................................................
108
B. 3 - - Definio dos componentes
.................................................................................................
109
B. 4 - Implementao
......................................................................................................................
111
B. 5- A CIF para Crianas e Jovens (CIF-CJ)
..............................................................................
113
B. 6 - A CIF em Portugal
.................................................................................................................
114
C- INVESTIGAO.
.......................................................................................................................
117
C. 1 - INVESTIGAO / AO - (IA)
.........................................................................................
118
II PARTE
.....................................................................................................................................................
121
A CIF E A INCAPACIDADE INTELECTUAL: CONTRIBUTOS PARA A SUA
APLICAO COM DOIS INSTRUMENTOS PADRONIZADOS
...........................................................................................
121
VIII - Objectivos:
.........................................................................................................................................
123
IX - Material e Mtodos:
.............................................................................................................................
125
IX. 1 - Seleo de doentes:
........................................................................................................................
125
IX. 2 - Procedimentos e colheita de dados
................................................................................................
125
IX. 3 - Instrumentos utilizados:
.................................................................................................................
126
IX. 4 - Classificao da capacidade intelectual
.........................................................................................
126
IX. 5 - Caracterizao das funes e estruturas do corpo:
.........................................................................
127
IX. 6 - Variveis estudadas (Quadro I):
.....................................................................................................
127
1. FUNES MENTAIS GLOBAIS
................................................................................................
127
18
-
2. FUNES MENTAIS ESPECFICAS
.........................................................................................
128
3. FUNES DA VOZ E DA FALA
...............................................................................................
128
IX. 7 - Escalas utilizadas
...........................................................................................................................
128
1. Escala de Ruth Griffiths
....................................................................................................................
128
2. WISC III (6-16 anos): resultado global e resultados parciais
das subescalas verbal e realizao. 128
IX. 8 - Metodologia estatstica
..................................................................................................................
129
IX. 9 - Princpios ticos:
...........................................................................................................................
131
X - Resultados:
.............................................................................................................................................
133
X. 1 - Caractersticas da amostra estudada
................................................................................................
133
X. 2 - Classe social
....................................................................................................................................
134
X. 3 Fatores de risco scio-ambiental
.......................................................................................................
134
X. 4 - Grupos nosolgicos -
CID-10..........................................................................................................
134
X. 5 - Classificao de incapacidade intelectual, de acordo com a
DSM IV ............................................ 137
X. 6 - Correlao das escalas Griffiths, WISC e CIF
................................................................................
137
1- Valores das Correlaes
....................................................................................................................
137
2 - Relao entre os resultados das subescalas da Griffiths e os
qualificadores da CIF. ....................... 149
3 - Anlise dos qualificadores das funes CIF em relao aos valores
da WISC ................................ 158
X. 7- Resultados da co-investigadora A
....................................................................................................
167
X. 8 - Resultados da co-investigadora B
...................................................................................................
181
X. 9 - Anlise da concordncia entre investigadora principal e
co-investigadora A ................................. 195
X. 10 - Anlise da concordncia entre investigadora principal e
co-investigadora B ............................... 199
X. 11 - Anlise da concordncia entre as co-investigadoras A e B
......................................................... 203
XI -Discusso:
..............................................................................................................................................
211
XII- Concluses:
..........................................................................................................................................
227
XII - Investigao futura:
...........................................................................................................................
229
Referencias
...................................................................................................................................................
231
19
-
I Parte
Prembulo
Esta tese decorre de um percurso profissional e de uma longa
meditao pessoal e profissional
sobre a incapacidade intelectual, os inerentes determinismos
biolgicos e psicossociais e incide
sobre o que a tica da responsabilidade e justia podem mudar,
nesta matria, numa sociedade,
para autonomizar o mais vulnervel: criar ou rentabilizar os
melhores meios para tornar o que
diferente, semelhante a ns, na diferena.
Para a concretizao deste trabalho, foi determinante a prtica e
experincia clnica adquirida ao longo
dos anos ao servio da criana e famlia, no maior hospital
peditrico do pas, plasmada em diversas
publicaes, num total de 54 publicaes em revistas da
especialidade (duas em revistas
internacionais), que constam do seu curriculum vitae, das quais
aqui salienta as publicadas no mbito
da pediatria do neurodesenvolvimento:
Captulos em publicao efetuada em contexto de grupo de trabalho
europeu:
PARENTS AND TEACHERS WORKING HAND IN HAND. TRAINNING PROGRAMME
FOR
PARENTS AND TEACHERS OF PUPILS WITH ATTENTION DEFICIT
HIPERACTIVITY
DISORDER (ADHD)
ISBN: 978-605-378-053-3
PROJECT COORDINATOR
- Ankara Provincial Directorate for National Education, Special
Education
Guidance and Consultancy Services Department, Ankara, Turkey
PROJECT PARTNERS
- Associazione Accademia Psicologia Applicato (A.P.A.) Palermo,
Sicily, Italy
- Centre Education 2000+ Bucharest, Romania
21
-
- Northumberland F E College, Ashington, United Kingdom
- Associated Partner: Atkinson House Special School,
Seghill,
Northumberland U.K.
- Polo Europeo della Conoscenza - i.c. Lorenzi, Verona,
Italy
- UAEI Unit of Support to School Inclusion, School of Education,
Porto, Portugal
Sanches-Ferreira, M. (School of Education, Porto); Santos, M.
(School of Education,
Porto); Vale, M. (Dona Estefnia Pediatric Hospital, Lisbon);
Lopes-dos-Santos, P.
(Faculty of Psychology and Educational Sciences of Porto)
Ankara- Turkey (2009)
MONITORING, EVALUATING & ASSESSMENT OF ADHD in PARENTS and
TEACHERS
WORKING HAND in HAND. TRAINNING PROGRAMME for PARENTS and
TEACHERS
of PUPILS with ATTENTION DEFICIT HIPERACTIVITY DISORDER
(ADHD)
Santos, M.A. & Sanches-Ferreira, M 1
Lopes-dos-Santos,P. 2 (Faculty of Psychology and Educational
Sciences of Porto)
Vale, Maria do Carmo 3 (D. Estefnia Hospital, Lisbon)
1 - (School of Education, Porto)
2 - (Faculty of Psychology and Educational Sciences of
Porto)
3 - (D. Estefnia Hospital, Lisbon)
ADHD THROUGH LIFESPAN in PARENTS and TEACHERS WORKING HAND in
HAND.
TRAINNING PROGRAMME for PARENTS and TEACHERS of PUPILS with
ATTENTION
DEFICIT HIPERACTIVITY DISORDER (ADHD)
Vale, MC (Dona Estefnia Pediatric Hospital, Lisbon)
22
-
INDIVIDUALIZED EDUCATION PROGRAMS in PARENTS and TEACHERS
WORKING
HAND in HAND. TRAINNING PROGRAMME for PARENTS and TEACHERS of
PUPILS
with ATTENTION DEFICIT HIPERACTIVITY DISORDER (ADHD)
Santos, M.A. & Sanches-Ferreira, M, Lopes-dos-Santos,P. 2
(Faculty of Psychology and Educational
Sciences of Porto), Vale, MC (Dona Estefnia Pediatric Hospital,
Lisbon)
Vrios captulos em tratado de Pediatria editado em 2008
(reeditado em 2013 verso e-
book))
Tratado de Clnica Peditrica
Joo M. Videira Amaral Editor/Coordenador
Edio Abott Laboratrios
Lisboa 2008
ISBN: 978-989-20-1277-3
1. Parte I Introduo Clnica Peditrica
1. tica, humanizao e cuidados paliativos
Maria do Carmo Vale e Joo M. Videira Amaral
2. Parte IV Desenvolvimento e Comportamento
1. Desenvolvimento
Maria do Carmo Vale
2. Desenvolvimento e interveno
Ana Alegria, Joo Estrada e Maria do Carmo Vale
3. Comportamento e temperamento
Maria do Carmo Vale
4. Deficincia mental
Maria do Carmo Vale e Mnica Pinto
5. Perturbaes da linguagem e comunicao
23
-
Maria do Carmo Vale e Mnica Pinto
6. Aprendizagem e insucesso escolar
Maria do Carmo Vale
7. Perturbaes do sono
Maria do Carmo Vale e Joo M. Videira Amaral
8. Perturbaes do espectro do autismo
Maria do Carmo Vale e Mnica Pinto
9. Perturbao da hiperactividade e dfice de ateno
Mnica Pinto e Maria do Carmo Vale
Revistas internacionais:
Pimentel, M.J, Vieira-Santos, S., Santos, V., Vale, M.C. (2011).
Mothers of children with attention
deficit/hyperactivity disorder: relationship among parenting
stress, parental practices and child
behaviour. Atten Defic Hyperact Disord 2011;3:61-68.
Revistas nacionais:
Oliveira G, duque F, Duarte C, Melo F, Teles L, Brito M, Vale
MC, Guimares J, Gouveia R. Pediatria do Neurodesenvolvimento.
Levantamento Nacional de Recursos e Necessidades. Acta Pediatr Port
2012;43 (1):1-7.
Amaral R, Pinto M, Pimentel MJ, Martins M, Vale MC. Deficincia
mental: Casustica da Unidade de Desenvolvimento do Hospital de Dona
Estefnia. Acta Med Port 2010; 23: 993-1000.
Vale MC. Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF):
conceitos, preconceitos e
paradigmas. Contributo de um constructo para o percurso real em
meio natural de vida.
24
-
Acta Peditr Port 2009;40 (5):229-36.
Vale MC, Oliveira G. Consentimento Informado em menores.
www.ceic.pt/portal/ceic/documentos (2010)
Pimentel, M.J, Faria M, Vieira-Santos S, Vale, M.C
Famlias de Crianas com Problemas de Desenvolvimento: Relao entre
prticas educativas
parentais e comportamento da criana e necessidades de
interveno
Actas do 7 Congresso Nacional de Psicologia da Sade
2008, Universidade do Porto
Vale MC. Conceito de Desenvolvimento.
Acta Peditr. Port 2005;36:105-8.
Vale MC. Consentimento Informado em Pediatria.
Acta Peditr. Port 2003;34:171-5.
Vale MC. O Desenvolvimento Moral da Criana.
Acta Peditr. Port 2002;33:301-4.
Teles L, Vale MC, Estrada J, Gama L. Quando Eu For Grande, Quero
Ser....
Acta Peditr. Port. 2001;32(3):139-42.
Pereira AL, Vale MC. Alteraes do Comportamento na criana.
Cadernos do Internato de Pedopsiquiatria 1994; 4:21-8.
25
http://www.ceic.pt/portal/ceic/documentos
-
A segunda e terceira publicaes referidas em revistas nacionais,
assinaladas a bold, foram
determinantes para aprofundar e questionar a relao e
consequncias prticas entre
diferentes sistemas de caracterizao, visando os apoios
educativos especficos a atribuir a
cada criana.
Desde o internato complementar de Pediatria Mdica, efetuado no
Hospital de Dona Estefnia,que se
interessou e dedicou rea da Pediatria do Neurodesenvolvimento;
teve oportunidade de organizar e
participar em 2009, em ps-graduao na Faculdade de Cincias Mdicas
como coordenadora e
preletora (25h) em Desenvolvimento Infantil, para alm da
organizao de jornadas, participao em
ps-graduaes e mestrados noutras universidades e escolas
superiores, e participante como preletora
e moderadora em vrias mesas redondas nesta rea, explicitadas no
Curriculum Vitae.
A necessidade de caracterizar a incapacidade intelectual
quantitativa e qualitativamente, aliadas
introduo no nosso pas de uma nova classificao A Classificao
Internacional de
Funcionalidade para crianas e Jovens condicionaram o seu
interesse na conjugao e harmonizao
dos instrumentos de avaliao existentes, com a filosofia
subjacente Classificao Internacional
para crianas e jovens (CIF-CJ).
A compatibizao entre diferentes sistemas classificativos, com
diferentes funes, vises e
filosofias, a implementao de critrios uniformes extensivos a
todas as crianas, de acordo com o
princpio da justia distributiva e equidade, no enquadramento dos
DL 3/2008 e 281/2009, norteou a
investigadora no presente estudo.
Dedica-a a todas as crianas, particularmente s crianas
diferentes.
Nota: Na redao da tese a autora seguiu o novo acordo
ortogrfico.
26
-
ABREVIATURAS
AAIDD American Association on Intellectual and Developmental
Disabilities
ACES Agrupamentos de Centros de Sade
AE Agrupamentos de Escolas
CID 10 Classificao Internacional de Doenas (verso 10)
CD Centro de Desenvolvimento
CIDID Classificao Internacional de Deficincias, Incapacidades e
Desvantagens
CIF Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Sade
CHLC Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE
CIF - Classificao Internacional de Funcionalidade
CIF-CJ Classificao Internacional de Funcionalidade para Crianas
e Jovens
CS Centros de Sade
DC - Desenvolvimento da Criana.
DSM IV-TR Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders-IV edio-Texto Revisto
DSM 5 - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 5
edio
EE Ensino Especial
FCM - Faculdade de Cincias Mdicas
IA Investigao-Ao
ICD 10 International Classification of Diseases (10th ed)
ICIDH International Classification of Impairments, Disabilities
and Handicaps
HDE Hospital de Dona Estefnia
MDEPM Manual de Diagnstico e Estatstica das Perturbaes
Mentais
NBAS Neonatal Behaviour Assessment Scale
27
-
NMS New Medical School
OMS - Organizao Mundial de Sade
PNSIJ Plano Nacional de Sade Infantil e Juvenil
QD Quociente de Desenvolvimento
QI Quociente Intelectual
SNC Sistema Nervoso Central
SNIPI Sistema Nacional de Interveno Precoce
RG Ruth Griffiths
RN Recm-Nascido
RNM Ressonncia Magntica
SAS - Statistical Analysis System
SE Sade Escolar
SNC Sistema Nervoso Central
ULS Unidades Locais de Sade
WISC Wechsler Intelligence Scale for Children
WHO - World Health Organization
WHO-FIC World Health Organization Family of International
Diseases
28
-
I PARTE
I - Introduo A avaliao do desenvolvimento da criana tem vindo a
assumir progressiva importncia nos ltimos
60 anos em toda a populao peditrica, mas com especial relevncia
e interesse nas crianas oriundas
de famlias desorganizadas e economicamente desfavorecidas, ou
com suspeita de atraso, perturbao
do desenvolvimento e condies de deficincia estabelecida, que
exigem cuidados mdicos e
apresentam necessidades educativas especiais de carter
permanente ou transitrio.
Por outro lado, existem reas de sobreposio entre a
neuropsicologia e psicopatologia do
desenvolvimento, na medida em que ambas se centram no
desenvolvimento atpico,
comparativamente ao desenvolvimento normal.
Assim, as neurocincias demarcam-se das reas anteriores, ao
centrarem-se no funcionamento
cognitivo normal e ultrapassam a informao decorrente do
desenvolvimento do sistema nervoso
central (SNC). Dessa forma tm adquirido suporte adicional de
evidncia na sustentao de teorias
cognitivas que se fundamentam na estrutura cerebral, utilizando
os desvios funcionais ocasionais do
desenvolvimento, condicionados por patologias vrias,
traumatismos mais ou menos incapacitantes,
ou seja, fazendo uso do experimentalismo natural, no provocado,
para estudar as bases da cognio
normal.
precisamente esse virtuosismo de interdisciplinaridade, que
ameaa a informao hipoteticamente
conseguida. Sem descurar a importncia do aporte de outras
disciplinas nas teorias de
desenvolvimento e cognio, a inevitvel disperso interfere com a
interpretao objetiva dos
resultados, prejudicando a prova cientfica e inviabilizando a
evidncia cientfica universal.
Por tudo isto, a rea do desenvolvimento da criana corre o risco
de se circunscrever relao entre
o diagnstico clnico-biolgico ou biomdico com mensuraes
grosseiras, imediatistas e redutoras,
de que so exemplo as escalas de desenvolvimento, com os
denominados quociente de
desenvolvimento (QD) e quociente intelectual (QI), presentemente
reequacionados pelos desvios
padro do normal. Sem desvirtuar a utilidade destes instrumentos
na investigao clnica,
pretendemos complementar a informao por estes veiculada, com
outro instrumento qualitativo e
quantitativo, mais abrangente e universal, que ultrapasse as
limitaes da linguagem e modelo
29
-
biomdico e seja compreendido e aplicvel por todos os
profissionais ligados infncia A
Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF) (4).
Esta tese pretende reagir, de forma proativa e construtiva,
abordagem e avaliao do
desenvolvimento infantil, de forte influncia biomdica, atravs de
um percurso feito de revisitao
das teorias existentes, de trabalho prtico efetuado no terreno e
de saberes aportados pelas principais
disciplinas envolvidas: sade, educao, sociologia, psicologia,
filosofia, antropologia e muitas
outras. Atualmente este conhecimento fortemente sedimentado nas
teorias holsticas mais atuais do
desenvolvimento humano. (4).
30
-
II - Enquadramento Conceptual
Estimativas recentes apontam para que cerca de 18% das crianas
nos EUA, com idade inferior aos
18 anos, apresentam incapacidades e necessidades especiais (5),
definidas como condies de sade
ou doenas crnicas que necessitam de servios de sade e afins de
maneira mais frequente e regular,
comparativamente aos pares sem estas condies (6).
As crianas e jovens com incapacidade so uma populao heterognea,
com complexos diagnsticos
mdicos e associada a morbilidade crnica. Apresentam perturbaes
do neurodesenvolvimento e
comportamento, limitaes funcionais nas atividades dirias,
designadamente, em atividades
essenciais do autocuidado, mobilidade, comunicao e aprendizagem,
perturbaes da ateno,
concentrao e impulsos, necessitando de servios sociais, mdicos e
educativos que as
diagnostiquem, orientem, apoiem e incluam do ponto de vista
educativo e social, bem como s
respetivas famlias (7) (8).
A Organizao Mundial de Sade (OMS) possui vrias classificaes, de
que a mais conhecida a
Classificao Internacional de Doenas (CID), largamente utilizada
entre ns e atualmente na sua
verso 10 (9). Esta baseia-se na etiologia nosolgica, ou seja, na
relao causal entre patologia e
etiologia e nada refere relativamente constituio ou organizao do
ambiente como facilitador ou
barreira.
A Classificao Internacional de Funcionalidade (CIF) veio
colmatar este vazio. Como novo sistema
de classificao inserida na Famlia de Classificaes Internacionais
da Organizao Mundial de
Sade (World Health Organization Family of International
Classifications WHO-FIC), constitui o
quadro de referncia universal adotado pela OMS para descrever,
avaliar e medir a sade e a
incapacidade, quer a nvel individual, quer a nvel da populao em
geral. (10).
Em 1993, a OMS deu incio a um longo e aprofundado processo de
reviso da International
Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps
(ICIDH) (11) que viria a dar origem
CIF, para o qual contou com uma ampla participao internacional
(diferentes pases e entidades,
grupos de trabalho, elevado nmero de especialistas, organizaes
no governamentais, etc.). Os
contributos e a participao ativa de pessoas com incapacidade e
das suas organizaes um aspeto
que a OMS reala, como particularmente significativo no
desenvolvimento da CIF.
31
-
A CIF resultou assim da reviso da anterior ICIDH, verso
experimental publicada em 1980 pela
OMS (8) (12). A verso portuguesa foi publicada em 1989 pelo ento
Secretariado Nacional de
Reabilitao (SNR) (Classificao Internacional das Deficincias,
Incapacidades e Desvantagens)
(12) (13).
Em Maio de 2001, a 54 Assembleia Mundial de Sade aprovou o novo
sistema de classificao, com
a designao de International Classification of Functioning,
Disabilities and Health, conhecida
abreviadamente por ICF, traduzida para a lngua portuguesa como
Classificao Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Sade (CIF), visando a sua
utilizao em adultos nos diferentes pases
membros) (12) (13).
Em 2007 publicada a Classificao Internacional de Funcionalidade
para Crianas e Jovens (CIF-
CJ). (14) (15).
Com a adoo da CIF passamos de uma classificao assente na
consequncia das doenas
(verso de 1980) para uma classificao assente em componentes de
sade (CIF), mais prxima
da consolidao e operacionalizao de um novo quadro conceptual de
funcionalidade, incapacidade
humana e sade. (16).
Ultrapassa, ainda, a conotao da anterior classificao ICIDH
demodelo biomdico
acompanhando a evoluo conceptual, cientifica, internacional e
social, relacionada com as questes
da deficincia e da incapacidade. Com efeito, as crticas mais
frequentemente apontadas ICIDH,
baseiam-se no facto de:
Estabelecer uma relao causal e unidirecional entre deficincia -
incapacidade -
desvantagem;
Centrar-se nas limitaes intrnsecas da pessoa e apenas nos seus
aspetos negativos;
No contemplar o papel determinante dos fatores ambientais; (13)
(16);
Com efeito, tem sido defendido e aceite que a deficincia tem
consequncias nefastas nas famlias e
sociedade mas, contrariamente ao expectvel, tem sido menos
reconhecido e discutido, em medicina,
a influncia dos fatores scio-ambientais sobre os diferentes
tipos de deficincia. Tomando como
exemplo a incapacidade intelectual ligeira e moderada, foi
identificado o papel de determinadas
caractersticas ambientais famlia, literacia, fratria, condies de
acessibilidade a cuidados de sade
e a equipamentos escolares, entre outros, - como fatores de
agravamento ou atenuadores dessa mesma
incapacidade intelectual. (17).
32
-
Mas, se uma criana com limitado potencial intelectual apresenta
dificuldades motoras, lingusticas,
sociais ou de comportamento adaptativo, em parte explicadas por
fatores intrnsecos, como explicar
as dificuldades de aprendizagem em crianas com potencial
intelectual normal ou at mesmo acima
da mdia? (5) (7).
As respostas mais interessantes baseiam-se na anlise de estudos
longitudinais, que revelaram que,
mesmo em condies clnicas precocemente diagnosticadas, os
principais fatores causais residem em
condies ambientais e contexto social classes socioeconmicas mais
desfavorecidas, baixo ndice
de literacia materna, famlias com elevado nmero de crianas,
fatores estes determinantes de maior
risco de insucesso escolar/dificuldades de aprendizagem em lugar
do diagnstico biomdico. (18)
(19).
Atento ao exposto, as duas classificaes ICD 10 e CIF - tm
objetivos distintos e podem e devem
ser utilizadas de forma complementar:
A Classificao Internacional de Doenas (CID-10) (20) fornece uma
estrutura de base etiolgica
biomdica, proporciona um diagnstico de doenas, perturbaes ou
outras condies de sade. Em
contrapartida, a CIF d nfase funcionalidade e incapacidade,
associadas a uma condio de sade.
(10) (13) (16).
Diz-nos a OMS que a CIF uma classificao com mltiplas
finalidades, para ser utilizada de forma
transversal em diferentes reas disciplinares e sectores: ...
sade, educao, segurana social,
emprego, economia, politica social, desenvolvimento de polticas
e de legislao em geral, bem como
na caracterizao de alteraes ambientais. Foi por isso aceite
pelas Naes Unidas como uma das
suas classificaes sociais, considerando-a como o quadro de
referncia apropriado para a definio
de legislaes internacionais sobre os direitos humanos, e
respetiva transposio para as legislaes
de cada pas. (21).
Como mudana de paradigma, a CIF introduz uma mudana radical,
deslocando-se do modelo
puramente mdico para um modelo biopsicossocial integrado de
funcionalidade e incapacidade
humana. Conjuga assim, o modelo mdico e o modelo social numa
viso coerente das diferentes
perspetivas de sade: biolgica, individual, pessoal e social.
Define ainda a funcionalidade e incapacidade como conceitos
multidimensionais e interativos que
relacionam:
As funes e estruturas do corpo;
33
-
As atividades e as tarefas efetuadas e as diferentes reas da
vida nas quais participam (atividades e
participao);
Os fatores do meio-ambiente que influenciam essas experincias
(fatores ambientais).
Operacionaliza o modelo biopsicossocial da incapacidade
(disability), dando relevo identificao
das experincias de vida e das necessidades reais de uma pessoa,
assim como identificao das
caractersticas (fsicas, sociais e atitudinais) do meio
envolvente e das condies desejavelmente a
alterar, visando a otimizao da funcionalidade e participao de
cada pessoa singular. (22)
Complementa, assim, os modelos tradicionais de cariz biomdico,
baseados em diagnsticos de
deficincia (aspetos biolgicos), que condicionam a definio de
polticas, medidas e critrios de
elegibilidade, aes de natureza estatstica, programas e prticas
interventivas.
A funcionalidade e incapacidade de uma pessoa so expressas na
interao dinmica entre os estados
de sade (doenas, perturbaes, leses, etc.) e os fatores
contextuais (fatores ambientais e pessoais).
A incapacidade no um atributo da criana, mas sim um conjunto
complexo de condies que
resultam da sua interao com o meio. (22) (23)
Assim sendo, a CIF no prope a definio universal do que constitui
uma incapacidade (disability),
nem quem deve ser considerado incapaz [], priorizando uma
estrutura multidimensional, que
permite definir uma populao com incapacidades, em lugar de uma
definio nica, normativa e
pretensamente clara (Guidelines and Principles for the
Development of Disability Statistics United
Nations, 2001). (13) (16)
Decorrente do modelo biopsicossocial, a CIF tem como princpios
orientadores (16):
A incapacidade no especfica de um grupo minoritrio, mas sim uma
experincia humana
universal;
A incapacidade no deve ser diferenciada em funo da etiologia ou
do diagnstico. Pessoas
com o mesmo diagnstico apresentam perfis muito diferentes a nvel
da execuo de
atividades e participao;
Os domnios de classificao da CIF so neutros, permitindo
expressar os aspetos positivos
e negativos do perfil funcional e de participao de uma
pessoa;
Os fatores ambientais assumem um papel crucial, como
facilitadores ou barreiras, na
funcionalidade e incapacidade de cada pessoa.
34
-
A Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Sade, publicada pela OMS em
2001, portanto um sistema de caracterizao, de viso abrangente e
holstica, das condies
relacionadas com a sade, incluindo as que geram incapacidades e
afetam a vida das pessoas (16).
Assim sendo, a Classificao Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Sade (CIF-CJ) para
crianas e jovens publicada em 2007 (15), um sistema de
caracterizao da criana que pode avaliar
a sua evoluo funcional e com base nesta, melhor planear servios
e sistemas que correspondam s
necessidades das crianas e famlias que deles necessitem.
Baseia-se em trs vertentes ou
componentes fundamentais:
Funes e estruturas do corpo,
Atividades e participao,
Admitindo que fatores ambientais e pessoais influenciam e
produzem impacto nestas componentes,
bem como na doena ou condio de sade subjacente. (14) (24).
Mas talvez o mais relevante seja o facto de ser particularmente
vlida na planificao da transio de
crianas entre diferentes servios, por exemplo na transio de
cuidados mdicos prestados em meio
hospitalar peditrico para o de adultos, do hospital ou
agrupamento de centros de sade para a escola
ou vice-versa e, dentro desta, na transio do Sistema Nacional de
Interveno Precoce (SNIPI) (25)
para os apoios pr-escolares e escolares (eventualmente para as
medidas preconizadas pelo DL
3/2008) (26) Um pr-requisito fundamental para a utilizao da CIF
em crianas, a demonstrao
da confiabilidade/fidedignidade da sua codificao, numa
perspetiva de neurodesenvolvimento. Da
que consideremos muito importante a aferio (atribuio uniforme)
de cdigos e qualificadores da
ICF a crianas com incapacidade por avaliadores
independentes/diferentes, com base em
instrumentos de avaliao previamente utilizados, na interpretao
dos quais as equipas existentes no
terreno possuam j larga experincia.
A importncia da matria vertente, Classificao Internacional de
Funcionalidade (CIF) na rea da
Sade, vem assumindo protagonismo crescente no seguimento da
promulgao de dois Decretos-lei,
respetivamente o DL 3/2008 do Ministrio da Educao (26) e o DL
281/2009 (25), este ltimo da
responsabilidade conjunta do Ministrio da Sade, Segurana Social
e Educao, que preconizam,
entre outras medidas, a referenciao das crianas com problemas de
neuroesenvolvimento Escola,
preferencialmente utilizando a CIF.
A Sade tem agora responsabilidade acrescida na avaliao,
diagnstico e referenciao, tarefas
assumidas e realizadas desde h longo tempo, mas agora utilizando
uma linguagem no medicalizada,
35
-
isenta de termos clnicos, transversal aos trs sectores
envolvidos Educao, Segurana Social e
Sade, que, para alm de maior percetibilidade, privilegia a
intimidade e privacidade da criana e
famlia, na medida em que se sobrepe a diagnsticos biomdicos.
Assim sendo, a Sade mantm a sua misso de:
- Prestar cuidados s crianas e orientar as famlias o mais
precocemente possvel;
-Estruturar e dimensionar a rede de cuidados e referenciao;
-Compreender a dimenso dos problemas individuais e coletivos, na
rea do desenvolvimento e educao infantil;
-Informar e sensibilizar os decisores no mbito da Sade.
Para uma correta avaliao e orientao clnica e educativa dos
problemas da rea do
neurodesenvolvimento, so necessrios elementos padronizados,
validados, compreendidos e aceites
pela comunidade cientfica, para poderem funcionar como elementos
estruturantes da conduta e
deciso clnica, exequveis no contexto familiar, social e poltico
vigente.
Como instrumento de articulao, a CIF corresponsabiliza todos os
atores sociais, com especial
relevncia para a Educao, Segurana Social e Sade na atenuao do
impacto da incapacidade num
grupo supostamente minoritrio. A pregnncia do conceito de
incapacidade implica que todos os
cidados, ao longo da sua existncia, tero experincia direta ou
indireta, de carter transitrio ou
permanente, de situaes incapacitantes, e da repercusso em termos
de oportunidades de
participao ativa na sociedade, tornando-a uma experincia
universal. A articulao com outros
elementos da equipa assistencial de crianas com problemas de
neurodesenvolvimento assistente
social, educadores, professores, psiclogos, mdicos de famlia e
hospitalares, constituem o cerne da
avaliao estruturada de doentes que permite a obteno de dados e
prossecuo do conhecimento
nesta rea.
Se os tradicionais indicadores mdicos se baseiam em variveis
duras de que so exemplo as taxas
de mortalidade da populao, a CIF focaliza o seu interesse no
conceito de "vida" e de vivncia em
contexto, considerando os problemas de sade intrnsecos condio
humana e como tal
melhorveis, mediante a reinveno, renovao ou, na sua
impossibilidade, a adaptao
incapacidade, visando uma existncia produtiva, enriquecedora e
gratificante, numa perspetiva
realista.
Esta nova filosofia da incapacidade tem implicaes na medicina e
prtica clnica, pressionando a
legislao e polticas sociais a melhorar o acesso aos cuidados de
sade, a qualidade do ensino e a
36
-
adequao dos curricula s reais capacidades, bem como proteo dos
direitos individuais e
coletivos de cidados especiais. (8).
Assim sendo, a CIF pondera diferentes perspetivas para
direcionar medidas pertinentes visando a
possibilidade de um cidado continuar integrado na vida ativa e
participar plenamente na vida da
comunidade. Considera ainda os aspetos sociais da incapacidade e
prope estratgias para minorar o
impacto do ambiente social e fsico sobre o desempenho da
pessoa.
Existindo j traduo para portugus da CIF, tem vindo a ser
implementada a sua aplicao,
importando adapt-la realidade portuguesa, compreender
simultaneamente as dificuldades da sua
aplicao e apurar a tcnica da sua leitura e interpretao, no
contexto da atividade clnica quotidiana.
(27) (28).
A CIF tem sido largamente aplicada em vrios pases desenvolvidos,
de que so exemplo a Sucia,
Finlndia, EUA e Japo.
Contudo, a realidade portuguesa no essa e, devido a falta de
informao, a classe mdica tem sido
renitente utilizao da CIF recomendada pelo DL 3/2008 (26), da
responsabilidade exclusiva do
Ministrio da Educao, que ignorou a importncia da participao e
corresponsabilizao da rea da
Sade, para o cumprimento das medidas preconizadas. Com efeito, s
o DL 281/2009 (25) veio
colmatar tardia e parcialmente a lacuna anteriormente referida,
na rea da Interveno Precoce.
37
-
III -Sobre a Epistemologia
A SNC, CREBRO - EVOLUO HUMANA O crebro humano particularmente
complexo, representa 2% do peso corporal e recebe
aproximadamente 14% de todo o sangue bombeado pelo corao.
(29)
constitudo por diferentes partes, em que cada uma tem uma funo
especfica: processamento da
linguagem ou da cor, o registo do medo, a apetncia pelo rosto
humano e reconhecimento da face
humana, etc. Cada crebro nico, permanece em contnua mutao e
especialmente sensvel ao
meio. (30)
A sua complexidade no se reduz a uma coleo esttica de mdulos
funcionais com mltiplas
caractersticas: a interdependncia, interatividade e criatividade
condicionam reaes e respostas
inovadoras, adequadas e flexveis aos estmulos internos h
portanto uma variabilidade que torna
cada crebro, mente e ser humano nico e irrepetvel. A atividade
cerebral controlada por estmulos
eltricos e qumicos que integram um sistema dinmico, funcionando
paralelamente em diferentes
reas.
Desafiando permanentemente o conhecimento cientfico e filosfico,
o crebro humano permanece
um grande mistrio, criando no homem interrogaes, desassossegos,
inquietude, questionamentos,
insatisfao e curiosidade que catapultam o homem na prossecuo de
um objetivo pristino: o
conhecimento de si.
As alteraes envolvidas no crescimento das crianas, desde o
nascimento adolescncia, envolvem
o crebro e a mente de forma notvel, atravs de alteraes no
comportamento, pensamento e emoo.
A compreenso da interao entre o desenvolvimento do crebro (rgo)
e mente (pensamento,
comportamento, emoo e razo) tm contribudo iniludivelmente para o
aperfeioamento da nossa
atitude em diferentes vertentes como a educao, polticas sociais
e perturbaes do desenvolvimento.
(31) (32).
O estudo destas reas, designadamente na rea do desenvolvimento
cognitivo, emergiu da interface
entre duas questes que tm desafiado a humanidade ao longo dos
tempos:
1. A relao mente-corpo e especificamente entre a corporalidade
do crebro/sistema nervoso central
(SNC) e os processos mentais a que d suporte;
39
-
2. A origem e conhecimento de estruturas/componentes biolgicas,
altamente especializadas e
diferenciadas, de que so exemplo os neurotransmissores.
Estes aspetos so fulcrais para o estudo e compreenso do
desenvolvimento da cognio humana e
podem ser colocados em termos de:
1. A epistemologia da palavra Filogenia (ou filognese que vem do
(grego: phylon =
tribo, raa e genetikos = relativo gnese = origem) e o estudo das
relaes evolutivas
(ou seja, relaes filogenticas) de um grupo de organismos, isto ,
das relaes
ancestrais entre espcies conhecidas (as que vivem e as
extintas). Foi estudada e
desenvolvida por Darwin;
2. A Ontogenia (ou ontognese) o estudo da origem e do
desenvolvimento de um
organismo desde o ovo fertilizado at forma adulta,
envelhecimento e morte: tudo o
que nasce morre e tudo o que morre, nasceu e teve um perodo de
vida de maior ou
menor durao. A ontogenia estudada na Biologia do
Desenvolvimento. (33).
A ontogenia no se reduz execuo do programa de instrues
codificadas por um
grupo de genes selecionados de forma natural, isto , o
desenvolvimento de um
organismo no reflete apenas a evoluo das espcies, mas antes a
interao entre o
ambiente e o indivduo.
Na verdade, o que tem emergido nas ltimas dcadas que o
desenvolvimento ontognico um longo
processo interativo, atravs do qual os processos biolgicos se
reconstruem, renovam e reinventam
atravs de complexas e variveis interaes entre o patrimnio
gentico e a moldura ambiental. Ou
seja, a informao no est exclusivamente nos genes, antes emerge
da interao profcua, adaptativa,
entre os genes e o ambiente. (34).
B - DESENVOLVIMENTO DA MENTE
Vrias teorias e escolas tm tentado descrever as relaes entre o
crebro (rgo) e a sua
funcionalidade (mente, cognio, apetncias e competncias, alma,
esprito).
Para podermos refletir este problema, pedra filosofal da histria
do conhecimento humano acerca de
si, necessrio definir as relaes das diferentes partes anatmicas
do crebro, com as diferentes
funcionalidades intrnsecas.
40
http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_gregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Evolu%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Organismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Organismohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ovohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fertiliza%C3%A7%C3%A3ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Adulto_(Biologia)http://pt.wikipedia.org/wiki/Biologia_do_Desenvolvimento
-
Foi Gall quem introduziu um mtodo investigacional diverso do at
a seguido por fisiologistas e
metafsicos, surgindo assim a frenologia. Dotado de um notvel
esprito observador, cedo se
apercebeu que cada um dos seus irmos e irms, e dos seus
companheiros de jogos e de estudos, se
distinguiam atravs de diferentes aptides ou talentos inatos:
alguns sobressaiam pela harmonia
grfica da escrita, outros pela rpida apreenso das regras da
aritmtica, outros pela apetncia para as
cincias naturais e outros ainda pela facilidade de aprendizagem
de lnguas. Constatou ainda que os
seus mais temveis rivais, longe de interessantes capacidades
dedutivas ou criativas, o suplantavam
pela sua apetncia em memorizar as diferentes matrias,
retirando-lhe a visibilidade e mrito
adquirido pela sua capacidade de raciocnio. Constata ainda a
existncia de indivduos dotados de
excecional talento no s em memorizar temas, como em expor com
facilidade tudo o que tinham
aprendido (35).
O ponto de vista de Gall (36), duzentos anos atrs, foi
ultrapassado, mas a ideia do crebro humano
constitudo por mdulos funcionais foi indubitavelmente
presciente.
A descoberta destes mdulos condicionou a decadncia da frenologia
mas, no final do sc. XIX, os
neurologistas comearam a utilizar a estimulao eltrica cerebral
em experimentao animal,
tentando mapear o SNC animal.
Outros estudaram ainda a associao entre certos comportamentos e
leses cerebrais. Foram
identificadas importantes reas do SNC humano: as da linguagem -
rea de Broca e Wernicke -
respetivamente pelos neurologistas Pierre Broca e Carl Wernicke.
(36) (37).
A partir dessa altura, a neurocirurgia conheceu um perodo
particularmente fecundo com o seu auge
em 1935 com Egas Moniz, que desenvolveu uma tcnica cirrgica a
leucotomia frontal (que evoluiu
posteriormente para uma tcnica mais radical: a lobotomia
frontal) aplicvel a doentes apresentando
psicopatologia, com componente de acentuada agressividade. (36)
(38).
Essa tcnica teraputica foi adotada em todo o mundo em hospitais
psiquitricos, caindo
posteriormente em desuso por ser considerada muito invasiva e
mutilante e devido ao advento dos
psicotrpicos que controlaram e tratam medicamente muitas das
patologias anteriores.
Ao longo de todo o sc. XX, muitas outras reas funcionais do SNC
foram identificadas e, por esse
motivo, nas ltimas dcadas, a informao acerca do desenvolvimento
do SNC, decorrente das novas
tecnologias imagiolgicas, traumatologia, neurocirurgia,
neurologia e psicologia, tm conhecido um
acelerado desenvolvimento, continuamente sujeito a reviso e
remodelao, condicionado novas
41
-
teorias cognitivistas, com especial escrutnio da interao
complexa entre as vertentes neurolgicas,
cognitivas e scio ambientais. (37) (39).
Foi tambm largamente reconhecida a complexidade de determinados
sintomas como a dor, que no
tendo uma localizao precisa, est intimamente associada ativao de
reas cerebrais relacionadas
com a ateno, sensao e emoo.
Por outro lado, enquanto uma sensao aparentemente simples como a
dor bem mais complexa,
outras funes (que integram sensibilidade ao outro e a
transcendncia) como a moralidade,
altrusmo, experincias espirituais, a apreciao esttica, s quais
se atribui complexidade acrescida,
tm sido cientificamente estudadas e, nalguns casos, podem ser
simplesmente manipuladas por um
estmulo eltrico provocado por um eltrodo. Pacemakers cerebrais
podem melhorar a depresso
(40) e erradicar pensamentos obsessivo-compulsivos onde os meios
convencionais falharam (41).
Ou seja, sentimentos como a alegria, amor, terror ou a
espiritualidade podem ser experienciados,
independentemente do enquadramento circunstancial aos quais esto
geralmente associados.
Todas estas experincias tm origem nos neurnios, mas a atividade
de um nico neurnio no
suficiente para produzir um movimento, sensao ou emoo. S quando
um neurnio excita os
neurnios adjacentes e estes por sua vez reagem com outros
estabelecendo uma via de conduo,
surgem padres de atividade complexos, mas suficientemente
integrados para criar pensamentos,
sentimentos e percees. So portanto necessrios milhes de neurnios
em ao conjunta e
sincronizada para produzir aes, pensamentos e emoes. Cada sensao
origina um novo padro
de atividade neuronal, alguns dos quais so suscetveis de ser
memorizados. (32).
Teoricamente, cada grupo de neurnios pode dar origem ao mesmo
fragmento de pensamento,
sentimento ou funo cerebral inconsciente, mas por outro lado, o
SNC demasiado fluente para
repetir padres idnticos, pelo que, padres semelhantes, mas
subtilmente diferentes, ocorrem: nunca
experienciamos exatamente a mesma coisa duas vezes. Este facto
decorre da renovao continuada
do SNC do ser humano ao longo de todo o ciclo de vida e deve-se
ao que Seung denominou de quatro
Rs: redimensionamento, reconexo, restruturarao e regenerao
neuronal. (42).
Ou seja, o ser humano reinventa-se constantemente atravs da
metamorfose estrutural e funcional do
seu SNC e toda esta dinmica se repercute tambm na fenomenologia
neuroanatmica, como se pode
observar na Figura 1.
42
-
Figura 1. O SNC desenvolve-se de trs reas relacionadas com a
sensao e movimento - para a
frente reas relacionadas com a capacidade de tomar decises,
juzos e planeamento (32)
(Adaptado de: Mapping the Mind, Rita Carter - Phoenix Paperback-
2010)
As trocas entre o SNC e o ambiente condicionam o desenvolvimento
de redes neuronais
progressivamente mais complexas, replicando padres facilitadores
de comportamentos conducentes
adaptao e sobrevivncia (neurognese). (43)
Este processo referido como darwinismo neuronal assegura padres
de pensamento e
comportamento que suportam o crescimento e desenvolvimento do
ser humano, comparativamente a
outros que, por falta de utilizao e de utilidade, entram em
regresso e acabam por ser anulados
(apoptose). (31) (44)
Todo este equipamento tem uma base gentica. Certos padres de
ativao cerebral mesmo os mais
complexos como a linguagem tm uma componente intrnseca, gentica,
que s um ambiente
excecionalmente alterado pode distorcer. O padro semelhante, mas
no nico, o que foi
comprovado por estudos imagiolgicos, que mostraram a sobreposio,
mas ainda assim a diferena,
de padres subtilmente distintos. (32).
Isto significa que cada um pensa de forma diferente. Graas
complexa interao nature and
nurture (45) no existem dois crebros iguais. Gmeos idnticos
possuem singularidades desde o
nascimento, por causa de pequenas diferenas do meio fetal de
cada um deles, suficientes para afetar
o seu desenvolvimento e, por esse motivo, o seu crtex diferente
e esta variabilidade estrutural
condiciona diferenas na sua atividade e comportamento. (32).
Na verdade, a estrutura cerebral dos gmeos idnticos mais diversa
nascena e atenua-se com o
crescimento e desenvolvimento, sugerindo uma forte influncia do
imprinting gentico. (46) (47).
43
-
Durante o desenvolvimento fetal o crebro desenvolve-se como uma
raiz/bulbo na extremidade
superior do tubo neural que forma a medula. As principais reas
cerebrais, incluindo o crtex, so
visveis s sete semanas de gestao e, ao nascer, o recm-nascido
(RN) possui mais ou menos o
mesmo nmero de neurnios que ter na adultcia cerca de 100 bilies
(48).
No entanto, esses neurnios so imaturos, os seus axnios no esto
ainda revestidos de mielina, as
conexes so pouco densas e extensas reas do crebro do RN,
localizadas no crtex, no apresentam
atividade ou funo. Estudos imagiolgicos dos crebros de RN
revelam que as reas mais ativas tm
a ver com a regulao interna do corpo (brainstem), sensao (tlamo)
e movimento (cerebelo). (49).
A vida intrauterina providencia um bom exemplo de como os genes
e o ambiente esto entrosados:
um feto masculino tem genes que provocam no corpo da me alteraes
hormonais, designadamente
elevados nveis de testosterona, em certos perodos da gestao.
Estas alteraes hormonais
modificam o crebro do feto, desacelerando o desenvolvimento de
certas reas e acelerando o
desenvolvimento de outras, condicionando a masculinizao do
crebro fetal, imprimindo-lhe um
comportamento de gnero especfico e muitas das tpicas diferenas
entre os gneros, de que so
exemplo a maior apetncia lingustica nas meninas e a maior
capacidade de raciocnio abstrato e de
organizao espacial nos meninos. (50).
No crebro em desenvolvimento, os neurnios competem na procura de
uma coeso funcional,
associando-se a outros neurnios numa atividade intensa
permanente de reorganizao, em funo
dos estmulos ambientais. Cada clula tem de encontrar e ocupar o
seu espao no esquema geral e, se
falhar, entra em apoptose. Este visa estreitar e racionalizar as
ligaes entre as clulas que sobrevivem
e as que permanecem, prevenindo o excesso de clulas no
funcionais. (43)
Mais importante que os bilies de neurnios existentes so as
conexes entre eles e a forma como ao
longo da vida, condicionados pelo meio (nurture) e determinados
pelas caractersticas intrnsecas
(nature) ou genmica (os genes compostos de cadeias de DNA,
constitudas por pequenas molculas
denominadas nucletidos A, C, G e T, sequenciados de diferentes
formas) a rede neuronal se organiza,
reorganiza, conecta e desconecta, morrem e regeneram-se
neurnios, sinapses e dendritos,
substituindo ou renovando redes, numa transformao dinmica. o
denominado conectoma
modulado por genes e ambiente. Cada um de ns tem um conectoma
diferente e esta enorme rede
neuronal, responsvel pela nossa competncia cognitiva,
desempenho, emoes, decises. Ou seja,
ns somos muito mais que os nossos genes, ns somos o nosso
conectoma (42).
Este processo no incuo e por vezes tem custos, designadamente,
pode ocorrer o desaparecimento
de conexes que poderiam condicionar, capacidades intuitivas
superiores, denominadas na gria por
44
-
dons. Por exemplo, a memria eidtica1 vulgar nas crianas
pequenas, mas desaparece durante os
anos atravs dos processos de apoptose. O desequilbrio e
desorganizao entre a proliferao de
axnios e dendritos por um lado, e a apoptose por outro, poderia
explicar a incapacidade intelectual
verificada na trissomia 21 (51) e no autismo (52).
C - DESENVOLVIMENTO DA CONSCINCIA E A
BIOLOGIA DA MUDANA
Estudos clnicos indiciam a existncia de emoes nos recm-nascidos,
mas as reas do crebro que
no adulto esto ligadas experincia consciente das emoes no esto
ativas no perodo neonatal.
Tais emoes podem contudo ser subconscientes. (32,44)
De facto, a apreciao consciente da emoo cada vez menos evidente
e nem considerada essencial
como parte integrante dos mecanismos de sobrevivncia, que operam
principalmente a um nvel
subconsciente.
Isto no significa necessariamente que traumas em idades precoces
no tenham repercusses na
adultcia. A emoo subconsciente pode no ser experienciada no
sentido literal do termo, mas pode
gravar-se de forma idntica.
No temos memrias anteriores aos trs anos porque at essa idade o
hipocampus (estrutura nuclear
do crebro que alberga memrias conscientes de longo prazo)
imaturo. (32).
As memrias emocionais podem contudo ser armazenadas na amgdala,
que provavelmente est ativa
no RN (53).
A forma como tratado um beb durante esses anos amnsicos pode
mesmo alterar a funcionalidade
geneticamente determinada. Os genes de ratos bebs bem nutridos,
condiciona-lhes menor grau de
ansiedade, comportando-se de forma diferente comparativamente
aos do gmeo idntico
1 Segundo Edmund Husserl, filsofo alemo (1859-1938), relativo
essncia das coisas e no sua existncia ou funo.
45
-
negligenciado. Um estudo de clulas cerebrais de adultos
suicidas, com histria de abusos na infncia,
sugere mecanismo idntico (54).
medida que o beb se desenvolve, prosseguem aceleradamente os
processos de mielinizao e
entram em atividade mais reas do SNC: o crtex parietal comea a
funcionar tornando a criana
mais consciente do espao, apta a captar a informao transmitida
por jogos (esconde-aparece),
interiorizando a permanncia do objeto e com ela a noo de que o
objeto persiste para alm da
abrangncia do seu campo visual (12 meses). (32)
Os lobos frontais so responsveis, por volta dos seis meses,
pelos primeiros sinais cognitivos e no
final do primeiro ano de vida o sistema lmbico est ativo
(arquivo de memrias e emoes) ao
darmos dois brinquedos a uma criana deste grupo etrio, eles
escolhem um em vez de tentarem
manipular os dois. Durante o primeiro ano de vida o principal
estmulo sensorial o visual. (32)
A linguagem surge no segundo ano de vida: a compreensiva (rea de
Wernicke por volta dos 12
meses), seguida da linguagem simblica e expressiva (rea de
Broca) aos 18 meses. H portanto um
curto intervalo de tempo que medeia entre a linguagem
compreensiva e a oralidade e est
provavelmente relacionada com as birras dos terrveis dois anos.
(32)
Por volta da mesma idade (dois anos), paralelamente s reas da
linguagem, a progressiva
mielinizao do crtex pr-frontal, desenvolve a auto conscincia: a
criana j no aponta para a sua
imagem no espelho como se visse outra criana e se lhe aplicarmos
uma pintura na face ou uma pea
de vesturio, como por exemplo um chapu, localiza-o rapidamente
no seu prprio corpo e no tenta
faz-lo sua imagem no espelho. (32)
Certas reas do SNC demoram longos anos a amadurecer. A substncia
reticular que tem um papel
fulcral na manuteno da ateno, normalmente s completa a sua
mielinizao durante ou aps a
puberdade, motivo pelo qual as crianas pr-pberes s conseguem
manter a ateno por curtos
perodos de tempo. (32)
Tambm os lobos frontais completam a sua mielinizao na idade
adulta, so responsveis pelo
raciocnio, juzo, inibio das emoes e at sua maturao so mais
movidos pela emoo do que
pela razo. Da a maior impulsividade dos jovens adultos,
comparativamente aos mais velhos. (32).
Assim sendo, o crebro humano apresenta maior plasticidade
durante a infncia.
possvel inclusivamente excisar um hemisfrio cerebral a uma
criana e o contra lateral assumir e
compensar as funes perdidas. Esta capacidade nica vai-se
atenuando com a maturao e o
envelhecimento, motivo pelo qual qualquer traumatismo ou
acidente vascular cerebral na idade adulta
46
-
apresentam um prognstico funcional mais reservado,
comparativamente criana, considerando
leses idnticas em gravidade e extenso. (31) (32) (55)
Alguns anos atrs, teria sido difcil acreditar que poderiam
ocorrer alteraes profundas no
desenvolvimento cerebral, aps a infncia. Contudo, uma vez mais
devido s modernas tecnologias
imagiolgicas, possvel afirmar que o crebro humano muda e muito,
aps a infncia,
designadamente durante a adolescncia. Durante a infncia o nmero
de sinapses no crtex pr-
frontal aumenta, para declinar durante a adolescncia, mas neste
perodo o crtex pr-frontal vai
sofrer uma modificao importante que vai aumentar e potenciar
capacidades cognitivas, de que so
exemplo o processo de tomada de deciso, a planificao.de tarefas
e objetivos e o desenvolvimento
da socializao. (32).
A adolescncia um perodo caracterizado pela mudana fsica,
psicossocial e afetiva, de tal forma
que Gilligan (56) o denomina de segundo corte do cordo
umbilical.
No incio da adolescncia, mais propriamente durante a puberdade,
sucedem-se profundas
transformaes, designadamente alteraes hormonais, originando uma
metamorfose fsica,
paralelamente ao registo de mudanas de humor, autoimagem,
autoconfiana e identidade, que se
refletem nas relaes com o outro, denominado processo de
mentalizao. Estudos recentes da rea
das neurocincias sugerem que este conjunto de alteraes no se
deve unicamente a alteraes
hormonais. (32)
Compreender o outro envolve a capacidade de nos revermos no
outro, colocar-se no lugar do outro,
relativamente a processos como o desejo, inteno, antecipao,
etc., sendo que a atividade no crtex
pr-frontal mediano diminui entre o incio da adolescncia e o
incio da adultcia (57).
Um estudo recente (58), envolvendo RMN do SNC, investigou o
desenvolvimento da inteno
comunicativa utilizando um comentrio irnico. A premissa partia
do princpio de que a compreenso
de outros estados mentais requer a capacidade de descodificar e
descolar a realidade da ironia para
globalmente compreender o comentrio. O crtex pr-frontal mediano
da criana apresentou maior
envolvimento, comparativamente ao do adulto, o que foi
interpretado como um aumento da atividade
dessa regio na criana, refletindo a necessidade de integrar
vrias leituras para interpretar a
discrepncia entre o significado literal e intencional da ironia
(58).
Regio idntica do crtex pr-frontal tambm mais ativada em crianas
e adolescentes
comparativamente aos adultos, no pensamento e raciocnio
envolvendo a intencionalidade, o que
pressupe tambm um processo ideativo (59).
47
-
A reduo da atividade do crtex pr-frontal durante a adolescncia
ocorre provavelmente porque
esse o perodo eletivo de harmonizao sinptica, que implica os
fenmenos de apoptose
anteriormente referidos, sendo o decrscimo da atividade
necessrio prossecuo desse objetivo.
Outra explicao alternativa ou adicional a mudana de estratgia
cognitiva nos processos ideativos
que podem recrutar outras reas cerebrais. (32)
Assim sendo, estes estudos mostraram que o crebro humano
apresenta flexibilidade, plasticidade e
maleabilidade durante dcadas, sendo a adolescncia um perodo
particularmente importante em
termos de mudana da estrutura funcional do sistema nervoso
central humano e as profundas
alteraes sofridas nesse perodo sugerem que o sistema hormonal
isoladamente no o nico
responsvel pelas alteraes comportamentais observadas. (57).
48
-
IV - Teorias Psicodinmicas do Desenvolvimento Humano Uma teoria
um fim em si mesmo, na medida em que a elaborao de uma boa teoria o
objetivo da
cincia que procura persistentemente novas teorias, mas tambm um
princpio, porque para
implementar uma boa prtica necessria uma boa teoria.
A palavra teoria deriva da palavra usada na Filosofia da Grcia
Antiga . Significa olhar
para, ver, observar e referia-se a contemplao ou especulao, por
oposio a ao. A teoria o
oposto de prtica do grego praxis - termo grego utilizado para
fazer, executar.
Em desenvolvimento uma boa teoria deve:
Explicar ou predizer o desenvolvimento e comportamento
humano;
Ser aberta investigao;
Resistir refutao.
No existe presentemente uma teoria de desenvolvimento humano
consensualmente aceite pelas
cincias mdica e humanidades. Temos apenas teorias que se dirigem
a algumas dimenses do
desenvolvimento ou que as relacionam entre si.
Olhando para a histria humana, do ponto de vista cientfico e
humanista, podemos fazer afirmaes
aparentemente contraditrias:
Somos seres essencialmente livres que constroem os seus prprios
destinos, fazendo
escolhas na imensa rvore de possibilidades da vida;
Possumos uma liberdade limitada a minha liberdade acaba onde
comea a do outro;
Somos o produto de mltiplos condicionamentos (uns facilitadores,
outros
constrangedores, atuando como barreiras e ainda outros
arbitrrios);
Temos um patrimnio gentico inato que o ambiente modula ou
condiciona;
Podemos ainda definir as nossas personalidades como:
Modeladas por fatores genticos;
Modeladas pelo ambiente e contextos;
49
-
Condicionadas por cdigos sociais;
Com qualidades e defeitos;
Com atitudes predominantemente ativas ou passivas. (60).
Por outro lado, todo o conhecimento cientfico provm da
investigao cientfica, que possui, na
essncia, quatro patamares:
Identificao da questo ou problema a responder ou solucionar;
Coletar informao e procurar o conhecimento j existente;
Analisar os dados;
Tirar concluses (uma no concluso pode ser uma concluso);
Utilizar teorias diferentes mas complementares, para explicar o
desenvolvimento
humano:
o Teorias psicanalticas;
o Teorias cognitivistas;
o Teorias ecolgicas.
Abordaremos sumariamente algumas delas, tecendo consideraes
sobre as teorias ecolgicas e
ecossistmicas.
IV A - TEORIA ECOLGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
a) O Ressurgimento da nurture
Consequncia da incapacidade da nature em explicar integralmente
a evoluo do desenvolvimento
humano, surge um interesse renovado na nurture. O seu
ressurgimento est implcito em cincias
como a epigenmica e ser explcito com a apreciao mais profunda
das cincias sociais, para alm
da psicologia, uma vez que as medidas quantitativas em
psicologia, ignoram os contextos sociais e
biolgicos.
50
-
Dois dos elementos mais importantes e que devero integrar a
teoria unificada do desenvolvimento
o constructo estrutura de oportunidade, (61) (62) oriunda da
sociologia e economia e, ainda o
constructo fazer sentido ou construir um significado com origem
na antropologia. (63).
A perspetiva diferente que a sociologia acrescenta cincia do
desenvolvimento a de que os
indivduos esto submersos em redes de relaes que constrangem ou
reforam diferentes aspetos do
comportamento individual. Instituies sociais como a famlia, a
escola e o trabalho desempenham
papis que as crianas iro compreender, preencher e dar
continuidade. Nesta perspetiva, o papel da
psicologia est limitado s necessidades e exigncias de predizer a
evoluo desenvolvimental, da
mesma forma que os economistas esto interessados no que mantm a
economia viva e produtiva e o
comportamento individual analisado atravs das escolhas
financeiras, o que de resto est bem
patente na nossa realidade econmica e poltica. Mas o mais
relevante nesta abordagem ao
desenvolvimento comportamental a existncia de uma conjuntura de
oportunidade, como j foi
referido. Uma vez mais o valor preditivo da variabilidade
individual vai depender da dificuldade ou
facilidade de acesso a estruturas educativas, oportunidades de
escolha (emprego) diretamente
relacionadas com o mercado laboral, mobilidade social opcional
ou ditada por imperativos
econmicos, polticos, etc., ou seja, determinismos sociais,
histricos e contextuais que condicionam
escolhas no exercidas em funo das competncias e interesses.
(63)
Por sua vez, a antropologia est interessada nas diferenas
culturais de comportamento, igualmente
importantes para compreender o significado da repercusso
cultural nas suas prticas. O mesmo
comportamento pode ter diferentes significados e comportamentos
diferentes podem ter significados
idnticos em diferentes culturas, ou seja, a capacidade preditiva
do desenvolvimento influenciada
ou condicionada, consoante a valorizao o