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LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE
LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE LETRAS DE HOJE
Geografia ntima: um estudo dos documentos e arquivos nas artes
visuais
Jos Cirillo*Universidade Federal do Esprito Santo
Resumo Os documentos e arquivos do processo de criao trazem em
si evidncias da interao da mente criadora: consigo mesma, com a
matria de sua construo, com o ambiente e com o pblico, revelando
uma cartografia ntima desse espao que a criao nas Artes. Este
trabalho tem por objetivo situar, sitiar e apresentar uma anlise
dos documentos de Shirley Paes Leme, materiais inestimveis para a
pesquisa gentica sobre o processo de criao nas Artes Visuais no
Brasil. Entendidos como stio de armazenamento, reflexes e
experimentaes, esses documentos e arquivos de artista permitem a
anlise dos modos como o texto verbal e o texto visual fazem a
mediao entre o plano das ideias e o plano material de elaborao da
obra. Juntas, imagens e palavras permitem compreender os
procedimentos gerais da investigao segundo um mtodo prprio para os
documentos de artistas, pautando-se na interao de metodologias da
crtica gentica e da histria da arte de modo investigativo, crtico e
flexvel o suficiente para que os aspectos da diversidade de cada
artista, de cada processo, sejam respeitados.
Palavras-chave: Processo de criao; Artes visuais; Crtica
gentica; Histria da arte
Resum Les documents et les archives relatifs au processus de
cration portent en eux les vidences dune interaction de lesprit
crateur avec lui-mme, avec la matire de sa construction, avec
lenvironnement et avec le public. Cela rvle une cartographie intime
de cet espace quest la cration dans le domaine des Arts. Lobjectif
de cet article est de situer, circonscrire et prsenter une analyse
des documents de Shirley Paes Leme, matriel inestimable pour la
recherche en critique gntique et sur le processus de cration dans
les Arts Visuels au Brsil. Compris comme lieu de stockage, de
rflexions et dexprimentations, ces documents et archives dartistes
permettent danalyser comment le texte verbal et le texte visuel
oprent la mdiation entre le plan des ides et le plan matriel de
llaboration de luvre. Ensemble, images et mots permettent de
comprendre les processus gnraux de linvestigation selon une mthode
propre aux documents dartistes, qui sappuie sur linteraction de
mthodologies relatives la critique gntique et lhistoire de lart de
faon investigatrice, critique et suffisamment flexible afin que les
aspects de la diversit de chaque artiste, de chaque processus,
soient respects.
mots-cl: Processus de cration; Arts visuels; Critique gntique;
Histoire de lart
O estudo da arte contempornea, a partir dos do- cumentos e
arquivos dos artistas, coloca-se em sintonia com investigaes em
diferentes campos do saber, os quais comearam, desde a dcada de
1980, a focar no somente o objeto concludo, mas tambm a sua
tessitura. O processo de fabricao, de elaborao da obra passou a ser
investigado, buscando revelar novas perspectivas dos fenmenos
sensveis, a partir desse compartilhamento com a mente no momento da
criao, cujas marcas memoriais encontram-se grafadas nesses arquivos
e
documentos, muitas vezes condenados ao esquecimento. Heloisa
Bellotto, na apresentao do livro Arquivos de Cientistas (SANTOS,
2005), afirma que:
A profuso de anotaes, rascunhos, relatrios par-ciais, cadernos
de testes, cadernetas de campo, dirios [...], enfim, de documentos
produzidos, recebidos e acumulados por pesquisadores, constituem um
universo documental frequentemente esmaecido, quando no apagado,
diante do almejado produto final expres- sivo.1
* pesquisador e artista plstico, vinculado ao grupo de pesquisa
em Processo de Criao do Programa de Mestrado em Artes da UFES.
Doutor em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica
de So Paulo (2004). Tem experincia na rea de Artes, com nfase em
processos criativos, Teorias e Histria da Arte. Desenvolve
pesquisas sobre a Arte Contempornea no Esprito Santo com apoio da
FAPES e do CNPq.
1 BELLOTTO, apud SANTOS, 2005, p. 7.
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Falando sobre o fazer dos cientistas, Bellotto parece estar se
referindo tambm a uma prtica comum nas artes: a produo de arquivos
e documentos do processo de criao. fato que o processo de criao nas
artes visuais acompanhado pelo registro das reflexes da mente
criadora em determinados suportes e arquivos (mveis ou no), os
quais deixam acessveis alguns vestgios do ato criador. Porm, pode
ser destacado que vrios artistas (ou pesquisadores) no guardam
esses documentos ou no os geram, nesse caso, no podem ser objeto
deste tipo dos estudos genticos ou documentais a no ser que se faa
um estudo longitudinal, no qual o crtico do processo acompanha
diariamente o processo de criao de um artista ou grupo.2
No entanto, so incontveis aqueles produtores que originam essa
profuso de documentos e anotaes apontadas por Bellotto. Estudar
esses arquivos uma contribuio tanto para a crtica e histria da
arte, quanto para a teoria da arte e, mesmo, para a sociologia da
cincia. Para a teoria, crtica e histria da arte, ele abre caminho
para um mapeamento e contato com as decises e incertezas do artista
no seu processo de aproximao do objeto expressivo desejado, revela
a obra a partir de seus procedimentos, diretrizes e encargos que
envolveram o projeto em tela; tambm nessa mediao com as diretrizes
e encargos (BAXANDALL, 2006) comeam a estabelecerem-se as
contribuies para o entendimento da arte como um fenmeno em interao
com o contexto social. Assim, para a sociologia da arte e da
cincia, esse estudo revela as interaes com o outro socialmente
institudo, com a sociedade em si e com a cultura, antes mesmo dela
se manifestar como obra ou na obra.
Apesar desta relevncia dos estudos do processo para a arte e
para a cincia, no h, entretanto, uma poltica documental (mesmo nos
estudos arquivsticos) clara que trate esses documentos e arquivos
para alm de uma viso memorialstica ou de uma relao voyeuriste de
acesso intimidade do artista. H, ainda, uma outra tendncia no trato
com esses documentos e arquivos, comum em projetos curatoriais:
atribuir-lhes o status de obra o que feito por meio de estratgias
de emoldurao desses documentos, as quais os isolam de seu contexto
e lhes colocam o atributo de obra-prima (vrios estudos de Rodin so
hoje exibidos como masterpieces do arista que, apesar de sua
genialidade, nunca lhes atribui outro valor que no o de
estudo).
Este trabalho tem por objetivo situar, sitiar e apre- sentar uma
anlise geral dos documentos do processo da artista plstica
brasileira Shirley Paes Leme, os quais tm sido material inestimvel
para a continuidade de uma ao investigativa sobre o processo de
criao nas Artes Visuais. Busca-se compreender os procedimentos
gerais que possibilitam uma aproximao com o papel
da memria e do espao como matria no projeto potico dessa
artista.
Shirley Paes Leme nasceu em 1955, em Cachoeira Dourada-GO. Vive
e trabalha em Uberlndia-MG, e So Paulo-SP. Em 1978, graduou-se em
Belas Artes (Desenho), pela Escola de Belas-Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte). Em 1983, co- mo bolsista
da Comisso Fulbright (Estados Unidos), transferiu-se para aquele
pas, onde iniciou o curso Master of Fine Arts (MFA) na University
of Arizona at Tucson (Tucson), transferindo-se em seguida para a
John F. Kennedy University (Berkeley), onde concluiu o doutorado em
Artes em 1986. Segundo Paes Leme, em entrevista em 2002, essa
transferncia foi uma sugesto de sua orientadora em Tucson:
E chegando l, minha professora mesmo falou: no! Acho que quando
a gente discutia... desenhava muito, ento ela falava que achava que
eu j estava equivocada... que eu j era uma artista... que eu tinha
que buscar novos horizontes, que eu tinha que ir pra um lugar
melhor, ento eu tinha que ir pra Nova Iorque, a eu fui pra Nova
Iorque... no gostei, achei muito... muito complicado assim, a
situao de viver... um... e a eu fui conhecer Berkeley, me apaixonei
por So Francisco, pela paisagem, por tudo e resolvi mudar pra So
Francisco.3
Entre 1984 e 1986, frequentou o San Francisco Art Institute, na
University of California at Los Angeles e na University of
California at Berkeley, onde tambm trabalhou no University Art
Museum. Em 1999, participou do programa de artista residente no
Knstlerhaus Bethanien (Berlim, Alemanha).
De 1979 at 2003, lecionou na Faculdade de Artes da Universidade
Federal de Uberlndia, sendo titular da cadeira de Mixed Media desde
1979. Integra tambm o corpo docente da Universidade Federal de
Minas Gerais (Belo Horizonte) e da Faculdade Santa Marcelina (So
Paulo), como professora visitante. De 1999 a 2000, foi diretora do
Museu Universitrio da Universidade Federal de Uberlndia.
No incio desta tentativa de reconstruir o artista e seu processo
de criao, a partir dos documentos da gnese de suas obras, vale
relembrar uma advertncia de Valry (apud SALLES, 1998, p. 101):
preciso estar consciente de que se est fabricando uma personagem
imaginria.
2 Sobre esses estudos longitudinais ver o estudo realizado por
Ceclia Almeida Salles na reflexo sobre seu trabalho de
acompanhamento de um grupo de bal em So Paulo, in SALLES, C. Crtica
gentica, 2008.
3 Transcrio de trecho da entrevista realizada com a artista em
dezembro de 2002. Os demais fragmentos dessa entrevista que
aparecem neste texto no sero indicados novamente, pois fazem parte
de um mesmo depoimento. Assim, somente quando no se referirem a
essa entrevista que outras notas sero inseridas.
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Cadernos e anotaes
A produo de Paes Leme ininterrupta desde os tempos da Faculdade
de Artes na UFMG. Entretanto, o hbito de anotar ideias e imagens
geradoras que poderiam desdobrar-se em obras posterior sua ida para
os Estados Unidos, muito embora tenha ganhado, ainda em Belo
Horizonte, nos tempos da Faculdade de Artes, o seu primeiro caderno
de artista.
[...] um professor da Escola de Belas Artes, que foi o nico
assim... que de fato abriu o conceito pra mim... que o Eduardo
Lupi, ele falava ... falou assim comigo: voc trabalha com linhas,
tudo o que voc faz com linhas... ... A ele me deu um scketch book,
um livro de rascunhos, e falou comigo: vai pensando, o que for
pensando vai escrevendo aqui.
Shirley mesma escreveu na capa interna desse livro: de Lupi para
Shirley, 1980. Essa data no corresponde ao seu perodo como aluna da
UFMG. Tudo indica que foi escrita posteriormente. Independente
dessa questo de datao, no incio da dcada de 1980 que Paes Leme
inicia o uso de suportes fixos para anotao de informaes sobre seus
projetos. Muito embora este no seja o caderno mais utilizado pela
artista, nem o que contm informaes mais pormenorizadas das obras em
estado embrionrio, ele preserva muito do frescor do pensamento
criador de Paes Leme no incio de sua carreira.
No seu conjunto, os documentos de Paes Leme compem 10 cadernos
de formatos (entre 20 x 26 cm e 22 x 32 cm) e encadernaes variadas,
alguns com capa dura e outros com encadernao do tipo brochura
comprados prontos ou fabricados por ela mesma. Esses 10 cadernos,
que funcionam como suportes para registros de toda a ordem,
envolvem o perodo entre 1980 e 2003. Alguns so datados, porm a
ordem e numerao dos cadernos seguem uma classificao feita por Paes
Leme, a qual foi respeitada. Entretanto, vale destacar que essa
ordenao no corresponde s informaes dadas por algumas datas
presentes no interior de alguns deles o que caracteriza a lgica
cronolgica no cartesiana que envolve o movimento criador, sendo um
ndice, assim, da grande mobilidade do seu uso como suporte de
registros assistemticos. Alm desses cadernos, pode-se contar com
algumas folhas avulsas e arquivos digitais com projetos e/ou
memoriais reflexivos sobre o trabalho da artista, bem como
entrevista informal realizada em dezembro de 2002. Ainda foi
disponibilizado um conjunto de textos originais de curadores e
crticos de arte que buscaram uma anlise de sua produo nos ltimos 20
anos.
Quando a leitura percorre os cadernos de Paes Leme, eles impelem
ao leitor realizar dois movimentos: de um lado, uma apreciao
voyeurista da geografia ntima da artista, o que permite uma viagem
silenciosa pelos segre-
dos da sua memria, levando-o a penetrar territrios que, sombra
do passado, revelavam ambientes quase sempre ocultos, cujas
fronteiras vo sendo (des)construdas pelo e no processo de criao; de
outro lado, a senhora dos siln-cios para usar uma expresso grafada
nesses cadernos, avisando que navegar preciso, se pe ao olhar
investi-gativo e, com uma velocidade lacerante, as suas anotaes
comeam a desvelar uma certa ordenao catica que se dispe
incompletude da elucidao investigativa.
Esses cadernos permitem o acesso s marcas do ato criador, as
quais, materializadas, preservam um pouco do frescor da criao. So
marcas indiciais, signos cuja incompletude e vagueza apontam alguns
modos de funcionamento da mente criadora, meandros do processo de
criao da artista que, como uma espiral, se movimenta em contnuo
alis, a imagem da espiral comum nos documentos de Paes Leme.
Como sistema de signos, os cadernos so possuidores de certa
ordenao.
Porm, essa ordenao catica, posta a no-li- nearidade desse
sistema complexo que so os documentos do processo. Assim, a sua
anlise envolve primeiramente a definio artificial de um ponto zero
de investigao a ser definido pelo crtico gentico dentro do recorte
realizado para a determinao do prototexto. esse recorte que definir
os prximos captulos que buscam a especificidade de algumas anotaes
de Paes Leme, quanto a alguns aspectos que envolvem o processo de
criao, especificamente o seu, no que ele tangencia os meandros da
comunicao e do desvelar de algumas recorrncias que se estabelecem
no percurso gerativo da artista.
A natureza das anotaes
A natureza das anotaes presentes nestes documentos (cadernos e
arquivos avulsos) varia desde breves notas esquemticas sobre um
determinado fenmeno, algumas contendo imagens geradoras, at
complexos sistemas conceituais e construtivos de uma obra j em
avanado estado de maturao; o que vale salientar, no se d em uma
sequncia nos cadernos. Estados distintos de uma mesma obra
encontram-se em dois ou mais cadernos, o que faz pensar que seu uso
para alm de um dirio, cronologicamente constitudo dos procedimentos
de uma obra.
Retomando Hay, se os dirios so obras do tempo, esse tempo no o
mecnico dos relgios, est mais prximo do tempo corporal expresso nos
humores e desejos, nas batidas do corao, na taquicardia ofegante,
no sentimento e no calor das decises tomadas no corpo enquanto
avana pela existncia (CIRILLO, 2004). Os cadernos da artista se
apresentam como uma extenso da mente criadora que grafa a idia e os
seus desdobramentos em algum lugar
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da memria, no espao vivencial da memria, o qual [...]
representa, portanto, uma ampliao extraordinria, multidirecional do
espao fsico natural. Agregando-se reas psquicas de reminiscncias de
intenes, forma-se uma nova geografia ambiental, geografia
unicamente humana (OSTROWER, 1997, p. 18). Nesse local que podem
ser localizadas as imagens geradoras que sero agrupadas pela
artista, quando isso for necessrio, e do modo que o for.
Tal procedimento afasta a possibilidade de uma compreenso linear
tanto do seu processo criador, como do uso dos cadernos. Assim, os
vestgios apontam os rumos e procedimentos da mente criadora da
artista e suas estratgias estticas e ticas para a materializao da
obra em busca de uma recompensa material.
O desejo do artista pede uma recompensa material. Sua
necessidade o impele a agir, gerando um processo complexo de
materializao, no qual todas as questes que envolvem essas
tendncias, discutidas at aqui, interferem continuamente. O propsito
, deste modo, transformado em ao.
A concretizao uma ao potica, ou seja, uma operao sensvel ampla
no mbito do projeto do artista.4
O que se coloca nos documentos de processo so fragmentos que,
por uma ao de ir e vir constante, so revisados, adaptados,
transformados para estabelecerem uma relao de cumplicidade dos
desejos da artista com as marcas que envolvem o manuseio dos
elementos que buscam uma ao potica de corporificao da obra a ser
apresentada.
Diferentes sistemas semiticos: verbal e visual
Como stio de armazenamento das informaes que se pem no entorno
sensvel nos documentos de Paes Leme, a presena de palavras e
imagens uma constante, embora, como comum nas artes visuais, haja a
predominncia de imagens sobre as palavras. Juntas, imagens e
palavras referem-se captura da impresso deixada pelos fenmenos do
mundo em volta da artista, bem como do seu mundo interior composto
de sonhos e devaneios da imaginao; e, no obstante, informaes e
discusses sobre projetos em andamento ou no.
O carter das palavras
Na leitura desses cadernos, interessante observar que os textos
verbais se estabelecem em funes diferenciadas.
Assim, as palavras desempenham um papel bem definido (no rgido e
nem fixo) no procedimento da artista e tm um carter que pode ser:
imperativo, indicativo-descritivo, contrastivo, narrativo e/ou
potico-reflexivo. Esses usos podem ser observados simultaneamente
nos vrios documentos, porm possvel estabelecer categorias para cada
conjunto de texto verbal, assim, buscou-se identificar e
classificar tais ocorrncias.
Paes Leme faz uso do carter imperativo de palavras que funcionam
como coeres de possveis aes; em alguns casos, definindo movimentos
e decises que envolvem a execuo de determinada parte da obra:
aquilo que observado como deve permanecer como tal (Fig. 1).
Fonte: anotaes e cadernos da artista (C3:35)
Figura 1 Shirley Paes Leme, Detalhe da pgina dos cadernos da
artista
Essa pgina detalhe de um estudo para a instalao Pela Fresta, de
1998. Algumas constataes do espao especfico so definidas com os
verbetes: parede brancas, e so acompanhadas de uma ordenao: sero
brancas, a qual reforada numa inflexo imperativa: (ficaro). No h
espao aqui para a dvida, esse elemento do trabalho j est
definitivamente resolvido.
As palavras aparecem, tambm, como se pode perceber na imagem
anterior, com um carter indicativo-descritivo. Com essa funo, eles
indicam materiais (mesmo transitrios em alguns casos), definindo
detalhes da forma, ou dimenses: tela de galinheiro, por exemplo; ou
descrevendo alguma caracterstica imediata do objeto ou da forma:
parede brancas indicando uma caracterstica do espao da galeria. Em
outra pgina dos cadernos de Paes Leme (Fig. 2), tem-se mais um
exemplo desse uso indicativo e descritivo: so estudos preliminares
para as instalaes Fogo Fel e So ambas 4 SALLES, 2008, p. 52.
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do mesmo perodo que Pela Fresta, nos quais a artista desenha
tridimensionalmente, com galhos de eucalipto, formas indiciais das
marcas deixadas na sua memria por objetos de sua infncia. Alis,
esses desenhos reforam a tendncia para o uso da linha,
caracterstica inerente ao projeto potico da artista que enfatiza
sua interface com esta linguagem das artes visuais.
Outra funo, ainda verificada, dada pelo carter contrastivo das
palavras escolhidas, indicando relaes de oposio entre os elementos
de um projeto: cheio/vazio,janela/coluna oposio. Isso pode ser
visto na Figura 3, que um estudo das relaes de verticalidade e
horizontalidade do espao especfico da instalao Pela Fresta (1998).
Na tentativa de apreender as relaes do espao com a obra,
caracterstica recorrente em grande maioria da produo dessa artista,
principalmente nas suas obras tridimensionais, Paes Leme identifica
as oposies primeiras presentes no local da instalao.
Assim, uma noo de verticalidade e horizontalidade estabelecida
por meio de oposies semnticas que so indiciais da relao que a
artista estabelece com o espao (galeria em que a obra ser montada)
no projeto em curso: passivo esttico, em contraposio com ativo,
dinmi- co = chama. Essas relaes indiciais da experimenta- o
conceitual do espao sero detalhadas em captulo posterior. Por ora,
limita-se anlise da natureza das palavras que se apresentam nos
documentos anali- sados.
O carter narrativo se d principalmente no registro de sonhos, ou
nos memoriais descritivos. Paes Leme narra esses sonhos, como para
evitar que eles caiam no esquecimento e assim garantir o carter
gerador que eles tm no seu processo de criao. Muitos desses sonhos,
no descritos aqui por solicitao da artista, desdobram-se e, se no
se constituem obras posteriores, ao menos so campos de reflexo e
construo de um outro vivido que se constituir como matria no seu
projeto criativo.
A observao dos documentos permitiu, ainda, desvelar os
procedimentos da artista para a elaborao de seus memoriais, e mesmo
para a escolha dos ttulos. Essas escolhas parecem decorrer de uma
ao de carter potico-reflexivo. A reflexo sobre os ttulos,
escolhidos aps uma sucesso de palavras simples ou compostas, as
quais vo sendo pinadas por meio de uma comparao reflexiva, culmina
em combinatrias para a determinao do ttulo alis, essa uma prtica
comum da artista. A funo potico-reflexiva tambm observada nas
reflexes conceituais sobre o processo ou elaborao de experimentaes
conceituais, como the wire means power, bem como nos
poemas-conceito que desenvolve, os quais visam materializao do
conceito que ela constri para o trabalho. Neste ltimo caso, pode-se
transcrever o poema O Cubo, reflexo a respeito dessa
Fonte: anotaes da artista (C3:11).
Figura 3 Shirley Paes Leme, Uso contrastivo do texto verbal
Figura 2 Shirley Paes Leme, Estudos preliminares da instalao
Fogo Fel, 1998.
forma geomtrica que foi utilizada na elaborao de um conjunto de
obras, caixas que contm matria:
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A forma-contedo. A caixa. O abrigo
A caixa smbolo do corpo materno recebe,Transforma, cria algo
novo [...]o galho o que preenche o vazio conhecimento o que muda o
mundo.So parecidos mas no so iguais4
Essa ao reflexiva pode tambm ser vista nas figuras 4 e 5. Esse
exerccio reflexivo sobre as formas e conceitos que envolvem o
trabalho de Paes Leme d-se tanto de modo mais complexo e potico,
como no caso do Cubo, ou de modo mais simplificado, e no menos
reflexivo como nas imagens a seguir. Na Figura 4, a artista parece
tomar para si a fenomenologia do redondo bachela- riano.
O redondo unidade (unity), o princpio (the origin). Na Figura 5,
essa reflexo sobre a redondez encontra no Sol (chama) sua sntese: a
transcendncia de si mesma. Pode-se perceber que, nessas reflexes,
poticas ou no, o uso da palavra em Paes Leme tende para um certo
determinismo facilitado pelo carter aparentemente mais restritivo
do signo verbal. O recorte feito por ela parece reduzir a um signo,
o Sol, todo o contedo da ideia geradora. A imagem do Sol parece ser
ndice da qualidade daquilo que redondo: a redondez transcendente
(BACHELARD, 2000). O redondo unidade, origem, Sol.
Apesar desse aparente determinismo no uso que Paes Leme faz da
informao verbal, importante ressaltar que esses conceitos so mveis,
visto que, em termos semiticos, a prpria vagueza e falibilidade do
signo o colocam num estado sempre em movimento. So, portanto,
definies transitrias que, no desenvolvimento do raciocnio da mente
criadora, vo encontrando outras solues e relaes que completam essa
indeterminao do projeto como signo. Essa transitoriedade aparente
encon- tra seu estado relativamente esttico na obra termina- da
depara-se a, entretanto, com sua incompletude, pois mente criadora
foge-lhe dar por encerrada a sua ao, pois o signo carrega consigo o
falvel e o inaca- bado.
Desse modo, a obra terminada (um signo) determina, detona uma
outra pesquisa esttica em busca incansvel por seus desdobramentos
possveis, o que estabelece outros signos que juntos navegam
comandados por um projeto potico tambm vago e indeterminado.
Essa vagueza e indeterminao caracterizam o processo de criao
como signo (SANTAELLA, 1998).
Fonte: anotaes da artista (C3:10).
Figura 5 Shirley Paes Leme, Detalhes de reflexes con- ceituais:
a chama e o fogo.
4 Trecho extrado do poema O cubo, no qual Paes Leme indica para
um curador o que ela pensa sobre o cubo, parte de um trabalho
exposto em So Paulo no MAM.
Fonte: anotaes da artista (C3:09).
Figura 4 Shirley Paes Leme, Reflexes conceituais sobre o
redondo.
a chama significa transcendnciadela mesmo. Luz significa o
efeito da transcendncia no ambiente.Elemento do fogo o sol
A funo das imagens
Quanto s imagens, textos visuais, esto em esta- do provisrio na
maioria das anotaes. Pode-se dizer que so imagens geradoras que
[...] funcionam, na ver- dade, como sensaes alimentadoras da
trajetria, pois so responsveis pela manuteno do andamento do
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processo e, consequentemente, pelo crescimento da obra (SALLES,
2008, p. 57). So como anotaes da sua experincia vivida; imagens que
se constituem como instrumentos de rememorao e/ou reoperao do
vivido. Tais imagens, em sua maioria, podem ser definidas como
imagens-lembrana, as quais tm por funo estabelecerem-se como
insights do processo de criao de Paes Leme.
Retornando s imagens de planos mais gerais, pode-se observar que
a espiral uma forma recorrente nas anotaes dessa artista, assim
como nas estruturas formal e espacial de diversos de seus
trabalhos.
Encontram-se tambm diversas imagens que fun- cionam como
projetos em estado avanado de reflexo, apontando uma grande
proximidade com a obra em processo de materializao. interessante
observar, tambm, que, medida que a leitura dos documentos de Paes
Leme conduz s obras mais recentes, existe o quase total abandono do
texto verbal. Quando aparecem, so como ttulos: breves, sintticos e
solitrios; assim, imagens referentes a esse ciclo de obras tm sua
gnese centrada em anotaes visuais, sem indicaes verbais sobre os
estudos. Uma ressalva deve ser feita: simultaneamente a essa
experimentao eidtica, existem documentos de experimentao conceitual
de alguns dos projetos e obras que so exclusivamente de textos
verbais, porm no se encontram atrelados s imagens, nem mesmo
participam do mesmo suporte de registros, pois so predominantemente
registros digitais ou em arquivos avulsos.
Projeto potico
A continuidade da anlise dos cadernos vai permitin-do, ento,
elucidar um pouco do pensamento de Paes Leme em ao na plenitude da
atividade criadora. Ao longo da leitura desse dilogo da mente
criadora consigo mesma, pode-se falar apenas daquilo que, mediado
pela razo, tornou-se aparentemente esttico para ser compreen-dido,
materializado em anotaes, ndices do admirvel na criao. Esses ndices
permitem o acesso s dvidas, experimentaes, deslumbramentos, decises
e reflexes sobre a obra, a arte e sobre a prpria identidade
psicosso- cial da artista buscada em muitos dos seus sonhos
regis-trados e comentados. O admirvel em Paes Leme parece
localizar-se na sua memria: nos segredos guardados (alguns
relegados ao esquecimento no pntano da me- mria; outros constroem
para si uma memria da memria que no lhes permite serem esquecidos).
So esses os segredos da memria de Paes Leme que so articulados nos
seus documentos, constituindo um territrio do qual somente
fragmentos tornam-se visveis por meio das anotaes nas extenses de
sua memria que so os seus cadernos.
O recorrente uso da lembrana como imagem ge- radora da imaginao
criadora, bem como o pleno uso das imagens e das palavras permeiam
um fazer que transcende os limites da sua geografia ntima, revelam
o seu propsito: sua ao comunicativa transcende os limites do dilogo
ntimo; ela encontra em si mesma o que nela est para o mundo, para o
campo do simblico que permeia a humanidade:
Fonte: anotaes da artista (C0:117)
Figura 7 Shirley Paes Leme, Esboo para a instalao: a espiral
como imagem geradora.
Fonte: anotaes da artista (C6:13)
Figura 6 Shirley Paes Leme, Imagem geradora: uso da espiral.
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[...] bvio que eu sou brasileira, que essa referncia veio da
minha infncia, de ver as pessoas trabalhando com casas de
pau-a-pique, veio de l... mas o trabalho universal... Quando voc
cria um volume com esta matria que j guarda na memria...que j
guarda embutido no prprio material esses conceitos, qualquer,
qualquer cidado comum do mundo vai entender isto... vai ver aquilo
como estrutura primeira do homem.
A semiose no processo de criao de Paes Leme com tendncia clara:
a memria, sua e dos materiais, estabelece-se como um fio condutor
que age e direciona a gnese das suas obras. Sua inteno parece estar
centrada na busca de uma satisfao que gera sua ao contnua. Nessa
tendncia, fio que conduz o ato criador, seu projeto potico busca na
sua memria aquilo que primeiro, e o que primeiro do campo do
admirvel que, para Pierce segundo Santaela (1998), o ideal da
esttica. Mas o admirvel deve ser o crescimento contnuo da
corporificao da potencialidade da ideia, ainda no encarnada, uma
mera possibilidade. O admirvel em Paes Leme o que norteia sua ao
dialtica com o outro; sua ao criadora busca a satisfao de suas
necessidades, porm essa satisfao encontra-se na matriz memorial do
que transcende sua geografia ntima e busca atravessar as fronteiras
do receptor, ou melhor, um percebedor que se configura como
pertencente ao gnero humano.
esse o fio malevel que conduz o movimento do seu projeto potico
que tende para o indizvel, para o vago, para o dinmico o movimento
do signo assim, tende para a vagueza, para a incompletude que
coloca o processo de criao em movimento contnuo e inevitvel. Em
cada obra, Paes Leme parece buscar ndices desse admirvel, o qual no
se pe como algo delimitado, visto que do campo da qualidade.
Essa vagueza de contornos exatamente o que permite que a percepo
da obra de Paes Leme transponha os limites geogrficos de sua
memria, cumprindo a tendncia comunicativa inerente ao seu projeto
potico: o dilogo com a tradio e com a histria culturalmente
construdo. Assim, sua aura de singularidade, que revela um projeto
potico nico, singular e dinmico, est em busca do que lhe mais
primeiro. Por s-lo, no par- ticular, mas integrante naquilo que se
encontra no com- partilhamento com outro sistema semitico ainda
mais complexo: a cultura. Essa tendncia do ato comunicativo em Paes
Leme ser tratada em outro texto mais especfico das relaes
comunicacionais expressas nos arquivos e documentos da criao.
Assim, de volta vagueza inerente ao processo de criao, pode-se
dizer que a artista no tem total clareza dos projetos em construo;
alguns so mesmo abandonados por anos, sendo depois retomados o que
resgata a sua percepo como integrante desse todo no-
linear que a criao. Outras imagens geradoras vo se atualizando
ao longo de todos os cadernos: como o caso particular da
continuidade intermitente da espiral que assume diferentes
constituies e materializa-se em diversos trabalhos ao longo dos
vinte anos que envolvem os documentos analisados.
medida que as obras vo sendo executadas, o projeto potico vai
ficando mais claro, tanto pela continuidade das tendncias nele
implcitas, quanto pela ao do acaso e das apropriaes que a artista
faz dos rudos que permeiam a produo. Ficam expostas, tambm, as suas
reflexes acerca daquilo que entende como sendo arte, com suas leis
em construo e transformao. perceptvel, ao longo das pginas de seus
cadernos, que existe um dilogo intenso da artista com os rudos que
aparecem ao longo da gnese de suas obras. Assim, num projeto potico
centrado em experincias vividas transformadas em imagens-lembrana,
falar no acaso no procedimento criativo de Paes Leme quase uma
redundncia, porque o seu vivido, matriz da sua obra, repleto desses
imprevistos que imponderavelmente desviam o curso natural da
existncia. Resta acatar o acaso e desviar temporaria- mente a rota
da criao e, assim, constituir um novo percurso.
Nesta anlise geral dos documentos de Paes Leme, pode-se concluir
que algumas questes funcionam como matrizes no seu projeto potico,
tendncias que vo se materializando e movimentando a criao: uma
busca por aquilo que primeiro na humanidade, por aquilo que faz
parte, que compartilha da memria do homem. Outro ponto a questo da
presena do vivido como matria geradora do seu processo de criao
tanto os registros da memria da artista, como da memria de suas
matrias. Em Paes Leme, o espao da criao a mediao entre lembrana e
imaginao; aquilo que construdo pela mente criadora da artista feito
tendo a lembrana do vivido como fonte geradora, como matria
edificante do seu percurso.
Esse texto aponta algumas reflexes que iniciaram a investigao
sobre o processo de criao de Shirley Paes Leme, e, principalmente,
sobre a mediao verbo imagevidenciada nos documentos e arquivos da
criao. Assim, no se objetiva encerrar o assunto, mas pr em debate
algumas especificidades dos estudos documentais e da leitura crtica
desses documentos e arquivos da criao e de sua contribuio para as
pesquisas em crtica e histria da arte. Os documentos do processo
trazem em si evidncias da interao da mente criadora, revelando os
dilogos possveis dela consigo mesma, com a matria de sua construo e
com o ambiente e o pblico que a envolvem, o que revela mais uma vez
sua interao com a sociologia e a antropologia, complementares aos
estudos histricos e das cincias.
-
Geografia ntima 19
Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 45, n. 4, p. 11-19, out./dez.
2010
Aqui, verifica-se a emergente necessidade de apro- ximao dos
estudos do processo de criao pesquisa documental, de modo a
contribuir para a compreenso e para a integridade dos conjuntos de
documentos e arquivos. Esse estudo pretende tambm servir para
auxiliar o conhecimento da natureza e significado dos documentos e
de seu contexto nas artes; assim como, contribuir para a construo
de um critrio mais universal para a anlise e armazenamento desse
acervo que revela a memria da criao de uma obra, ou de um conjunto
delas. Buscamos, ainda, o estabelecimento de princpios para
garantir que esses arquivos pessoais sejam investigados segundo uma
metodologia prpria para os documentos de artistas a partir de um
mtodo investigativo, pautado na interao de metodologias de
investigao da histria da arte com os procedimentos de outras
cincias, resultando em um procedimento investigativo crtico e
flexvel o suficiente para que os aspectos da diversidade de cada
artista, de cada processo, sejam respeitados. Para tal, lanamos
mais um passo para a interao desses documentos e arquivos com os
estudos e procedimentos investigativos da pesquisa em histria e
crtica da arte.
Referncias
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Danesi. So Paulo: Martins Fontes, 1993.
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criao. So Paulo, SP: PUC, 2004. Originalmente apresentada como tese
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OSTROWER, Faiga. Criatividade e processos de criao. 12. ed.
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SALLES, Ceclia Almeida. Crtica gentica: uma nova introduo. So
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SANTAELLA, Lcia. A percepo: uma teoria semitica. 2. ed. So
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SANTOS, Paulo R. Elian dos. Arquivos de cientistas: gnese
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Arquivistas de So Paulo, 2005.
Recebido: 24 de setembro de 2010Aprovado: 30 de setembro de
2010Contato: [email protected]