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Trabalho, Educao e Sade, 2(1): 33-55, 2004
ARTIGO ARTICLE
Resumo O artigo trata da relao entre uma cer-ta abordagem do
trabalho (como atividade in-dustriosa) e o manejo dos coeficientes
essen-ciais da gesto econmica e social. sugerida anecessidade de os
reproblematizar profunda-mente a partir das dificuldades suscitadas
demaneira crescente no setor dito de servios.Deste ponto de vista,
o crescimento dos serviospoderia ser a oportunidade de repensar, em
ge-ral, o modo de fabricao dos coeficientes ges-tionrios. A
utilizao da noo de atividadeexigia, naturalmente, uma breve
investigaosobre a histria deste conceito, essencialmente apartir da
sua utilizao ambivalente por Marx.Enfim, desenvolve-se no texto a
idia de valo-res sem dimenses, na medida em que a articu-lao sempre
a renegociar e de maneira alta-mente problemtica entre valores
quantific-veis e tais valores (que operam inicialmente numuniverso
estrangeiro aos instrumentos de medi-da), nos parece um ponto
crtico essencial da ma-triz da historicidade do espao social. E ns
re-encontramos a os desafios diretamente operat-rios de tais
interrogaes conceituais: qual im-pacto na gesto que experimentam
formas reno-vadas de construo de coeficientes econmi-cos, ao
considerar essas negociaes complexasde
eficcia-eficincia?2Palavras-chave atividade de trabalho; setor
deservios; gesto do trabalho.
CIRCULAES, DRAMTICAS, EFICCIAS
DA ATIVIDADE INDUSTRIOSA
CIRCULATIONS,DRAMATICS , EFFICACIES
OF THE INDUSTRIOUS ACTIVITY
Yves Schwartz 1
Abstract This article deals with the relationshipbetween a
certain approach to work (as indus-trious activity) and the
manipulation of the es-sential coefficients of economic and social
man-agement. We suggest that there is a need toequate these two
things more deeply because ofthe difficulties that are increasingly
appearingin the so-called service sector. From thispoint of view,
the growth of services could bean opportunity to generally rethink
the waymanagement coefficients are designed. Clearly,in order to
make use of the notion of activity itwill be necessary to carry out
a brief investiga-tion of the history of this concept,
particularlyafter its ambivalent use by Marx. Finally, in thetext,
we expand the idea of values without di-mensions in so far as the
articulation alwaysable to be renegotiated and in a very
problem-atic way between quantifiable values and theso called
values without dimensions (that oper-ate initially in a universe
alien to measurementinstruments) seems to us an essential and
criti-cal point in the matrix of historicity in the so-cial space.
And there we find once more the op-erational challenges of these
conceptual ques-tions: what impact will they have on the type
ofmanagement that experiments with new waysof building economic
coefficients, as it consid-ers these complex negotiations of
efficacy-effi-ciency? Key words work activity; service sector;
workmanagement.
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possvel mensurar o trabalho sem defini-lo?
A conjuntura obriga, o que positivo, a que nos interroguemos
sobre a con-sistncia e os limites do conceito de trabalho. Existem
vrias vias de acessoa essa questo, dentre as quais a mais crtica
hoje aquela pressuposta peladistino entre trabalho vs no trabalho.
Mas, seja qual for a via de aces-so, no escapamos a um vaivm entre
preocupaes muito concretas e re-descoberta das dimenses enigmticas,
que suprimem as divises, da ativi-dade industriosa. Queremos aqui
indicar como a necessidade de reflexo so-bre a questo da eficiccia
nos servios uma via de acesso bem pertinen-te, na exigncia desse
vaivm3.
O crescimento dos servios na populao ativa, as polticas
pblicasem busca de racionalizao das escolhas oramentrias, as
pesquisas de sa-da de crise e de setores econmicos beneficirios
conduziram a delimitarmais de perto o problema da mensurao dos
meios e recursos investidosnesses campos de atividade. Ora, para
alm da dificuldade de definir osservios, essa preocupao de dispor
de instrumentos de mensurao, decoeficientes, v-se confrontada com a
extrema dificuldade de apreender oprprio contedo do que preciso
medir ou avaliar (Jacot, 1990)4 (os inputse os outputs, dizem os
economistas). Atravs da questo da eficcia dos ser-vios, voltamos a
uma questo, j aventada h uma dcada, sobre a dificul-dade de
reencontrar uma unidade, uma consistncia nas formas atuais
dotrabalho humano; como se a anlise dos servios aumentasse uma
incapaci-dade crescente de ligar nossas manipulaes intelectuais do
conceito esua(s) realidade(s) concreta(s). Em face do declnio das
formas de trabalhoimediato, da diversificao das situaes e dos
estatutos de atividade, dasnovas geografias territoriais e
institucionais das empresas, da proliferaodos processos e
procedimentos ditos imateriais, da proliferao das lingua-gens e
obrigaes de comunicao, a expresso dominante poderia ser queo
trabalho como forma tradicional de uso da fora de trabalho
(incluindomaciamente o corpo, a execuo, a sujeio aos horizontes
limitados ) de-saparece.
Por um lado, o crescimento do desemprego estreitaria, dentro da
oposi-o trabalho vs no-trabalho, os vnculos de definio entre
trabalho e em-prego; mas, por outro lado, esse trabalho se tornaria
uma concha vazia doponto de vista da atividade, configurando-se
como significao paraaquele que trabalha unicamente o fato de estar
inscrito em um lugar,num sistema de empregados. Isto, a nosso ver,
um ponto de partida pobredemais, portador de efeitos eventualmente
negativos, em toda iniciativa po-ltica e civil contra as partilhas
e excluses ligadas ao desemprego. Parado-xo do pensamento atual
acerca do trabalho: polarizado, por um lado, e en-tendemos bem por
qu, sobre aquilo que faz a ligao todas as suas ocorrn-
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cias concretas, mas que exterior sua esfera (a contrapartida
monetria, oacesso esfera do consumo autnomo e, por meio desses dois
elementos, asuperao do limite em direo a uma verdadeira cidadania);
mas essa po-larizao contempornea a outro plo sem verdadeiro
processo dialti-co entre eles o de uma incapacidade de definir o
que pode fazer ligaes,do ponto de vista dos usos industriosos,
entre os diversos empregados.
Assim, entendemos que a maneira como vamos tentar responder
in-terrogao se existe comensurabilidade ou no entre o trabalho na
pro-duo de bens e o trabalho no fornecimento dos servios reencontra
es-sa perplexidade histrica, epistemolgica, filosfica: existem
mutaes naesfera do trabalho, deslocamentos fundamentais, um
esvaecimento mesmodo trabalho? Ou, mais precisamente, reencontramos
essa perplexidade apartir da questo dos coeficientes nesses campos
profissionais em que di-fcil definir no numerador produtos5 (ao
contrrio dos setores diretamenteprodutores de bens tangveis, como
parece primeira vista), em relao sentidades humanas e sociais bem
circunscritas no denominador, em limitestemporais mais ou menos
limitados.
O trabalho, entre o antropolgico e o histrico
A problemtica que estamos desenvolvendo aqui sempre foi
particularmen-te sensvel s caractersticas gerais da atividade
humana. Ao mesmo tempo,e a no ser caindo na pior abstrao, uma
iniciativa como essa deve interro-gar-se sobre as dimenses
histricas e sociais que sobredeterminam, recon-figuram, essas
caractersticas gerais. Da mesma forma, ela deve tentar apre-ender
de que maneira as formas especficas de atividade aqui, por
exem-plo, produo/servios levam a ponderar, alterar, transformar em
tal di-reo esses elementos de relativa generalidade. Dizendo de
outra forma, noh interrogao antropolgica sobre a questo que no
seja, ao mesmo tem-po, uma pesquisa sobre os processos histricos o
histrico sendo aquiprocesso de diferenciao, de singularizao.
Parece-nos que no contextodesse tipo de abordagem da atividade
industriosa que podemos apreciar me-lhor o que h de
tendenciosamente novo, no que se pde chamar de muta-es do trabalho,
que h uns 15 anos vm afetando o modo capitalista deproduzir,
reconfigurando exigncias ou caractersticas que lhe so prpriasou de
natureza mais profunda ainda; e apreciar, igualmente, em que
senti-do, produo e servios, desenvolvem caractersticas
especficas.
Parece-nos que com a mesma preocupao de comensurabilidade e
in-comensurabilidade relativas que devem ser pensadas as oposies
clssicasentre trabalho e extra-trabalho e, claro, trabalho e
no-trabalho. Semessa preocupao corre-se um forte risco de mutilar
os dois termos da opo-
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sio. Existe a, aparentemente, um delicado problema de
conceituao: preciso saber pensar, ao mesmo tempo, as dinmicas
imemoriais muito pro-fundas que continuam a produzir seus efeitos
em ns, a impulsionar circu-laes entre esferas que a prtica social
separa, e configuraes engendra-das por invenes e acontecimentos
scio-histricos, com graus de eficciamuito variveis que s uma
abordagem clnica pode avaliar , nas quaisas primeiras tomam forma,
de acordo com desenvolvimentos contraditriosoriginais e especficos.
Como, sem esse distanciamento histrico, antropol-gico ou filosfico,
diagnosticar constataes, males, desafios (crises dotrabalho,
superao ou manuteno da centralidade do trabalho, segmen-tao do
trabalho...) relativos s transformaes de uma realidade que
ava-liamos mal onde comea, onde acaba; da qual distinguimos mal as
condiesem seus limites, conceituais ou histricos, em cada um de ns
e para o g-nero humano?
Como, por exemplo, contornar essa questo dos trs diferentes
limiares,a partir dos quais, com boas razes, sempre possvel afirmar
que ali quecomea o trabalho? Seja o homo habilis, h 2,5 milhes de
anos, com a fabri-cao em srie de ferramentas pensadas em funo de
fins, no eixo da apro-priao melhorada dos recursos naturais,
transformando, para essa nova es-pcie biolgica, a significao e as
exigncias do que viver; seja o neolti-co, com a inveno de
sociedades que organizavam ritmos sociais em tornodos ciclos da
produo agrcola e da criao de animais; seja a emergnciado
capitalismo a instituir a forma-salrio, delimitando assim um tempo
detrabalho exteriormente normatizado, remunerado e separado das
outras es-feras e temporalidades da vida social.
Cada um desses diferentes limiares transformou profundamente a
pr-pria noo de trabalho trabalho esse que se diz hoje estar
mudando. Pen-sar essas mudanas sem levar em conta em que esses
acontecimentos hist-ricos determinaram estruturalmente o trabalho
argumentar sobre o abstra-to. Ao mesmo tempo, estamos convictos de
que existem elementos funda-mentais de toda atividade, que
atravessam esses limiares6 (Schwartz, 1988;1993a; 1993-1994; 1994;
1995, 2000a), que preciso articular estas dimen-ses antropolgicas e
estas dimenses histricas para localizar o que muda,o que provoca
crise no trabalho. O trabalho, na verdade, nunca comeou e,ao mesmo
tempo, rejuvenesce sem cessar.
Da atividade
A esse respeito, a dificuldade, at mesmo a impossibilidade de
abster-se doconceito de atividade poderia demonstrar a necessidade
de pensar as co-mensurabilidades industriosas e suas
incomensurabilidades relativas, a um
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s tempo diacronicamente ver o que acabamos de dizer a propsito
dosdiversos nascimentos do trabalho e sincronicamente entre as
diver-sas esferas da vida social.
No entanto, esse conceito de atividade gauche, impreciso,
estigma deum pensamento em busca de seu rigor. Labica (1987), em
sua pequena obrasobre As teses sobre Feuerbach (Marx, 1987),
mostrou precisamente o papelintermedirio da Ttigkeit, da atividade,
na reviravolta filosfica de Marx.Por estar contraposta ao objeto,
realidade, sensibilidade, a atividade,como vimos, tomou-lhes as
conotaes. Ela foi sucessivamente capturando,para deles fazer seus
eptetos, o sensvel (sinnliche Ttigkeit), o real (wirkli-che T.) e o
objetivo (gegenstndliche T.)7. Com a especificao da atividadecomo
revolucionria, praticamente crtica, chegamos exatamente aoponto de
no retorno da crtica operada contra a filosofia8.
Mas as especificaes logo vo se revelar com melhor performance
queo prprio conceito. O idealismo pode assumir a atividade como seu
recurso,como se caracterizasse o prprio funcionamento do esprito ou
da razo. Porisso, uma vez cumprida a sua misso de primeiro ponto de
resistncia, aatividade, conceito ambivalente demais, devia ceder o
lugar prtica (an-tes que esta, na tese 11, tambm ceda o lugar
revoluo)9.
Porm, no se pode dispensar assim a atividade, nem se desfazer
comtanta facilidade de suas propriedades equvocas de
transversabilidade e decirculao. Lembremos, por exemplo, que Max
Weber (1971), no incio deEconomie et Socit, prope como objeto
sociologia compreender por in-terpretao a atividade social, e que
ele define por atividade (aqui Han-deln) um comportamento humano
(...), quando e na medida em que o agen-te ou os agentes lhe
comunicam um sentido subjetivo10. A psicologia so-vitica fundou
importantes trabalhos sobre esse conceito vago (Vygotsky eLontiev,
notadamente em Activit, conscience, personnalit11).
Parece-nos importante indicar que o recurso ao conceito de
atividade abundante na linguagem e nos textos dos profissionais da
anlise do tra-balho, sob as suas formas mais atuais. um dos traos
caractersticos da er-gonomia francfona reivindicar para as situaes
a serem estudadas o pon-to de vista da atividade (Wisner, 1991).
Por oposio ao fornecimento demeios sobre o funcionamento do homem
como elemento de um sistema emoperao, a referncia atividade quer
remeter esfera das mltiplas mi-crogestes inteligentes da situao, s
tomadas de referncias sintticas, aotratamento das variabilidades,
hierarquizao dos gestos e dos atos, sconstrues de trocas com a
vizinhana humana, num vaivm constante en-tre os horizontes mais
prximos e os horizontes mais afastados do ato de tra-balho
estudado. Os lingistas, notadamente aqueles que fazem da anlisedas
situaes de trabalho seu objeto privilegiado de estudo, falam de
ativi-dades linguageiras ou comunicacionais, de prticas
linguageiras, sem
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mesmo falar de todas as formas de interao ao mesmo tempo
linguageiras esociais12 ( Fata, 1989).
O uso do conceito de atividade, longe de ser apenas um resduo
antigo,a ser hoje especificado por quadros sociais mais exigentes
e/ou limitantes,parece, ao contrrio, estar voltando com fora
precisamente no caso dos ser-vios em que o tamanho da dimenso
prestao reintroduz, bem ou mal,inclusive ao nvel das tentativas
mais oficiais de nomenclatura as carac-tersticas de
transversabilidade vaga prprias a esse conceito. Jean Gadrey,um dos
melhores especialistas em economia dos servios na Frana,
consta-tava, num artigo de 1991, a impossibilidade de reduzir
claramente o traba-lho assalariado em numerosos servios a um
produto social caracterizado,circunscrito e mensurvel. exatamente
por isso que as estatsticas nacio-nais relativas a atividades de
servios to importantes para os conselhosdas empresas quanto para a
educao, a sade, os servios associativos, asadministraes pblicas
retornam sempre, mais ou menos, a definir seuproduto a partir do
trabalho fornecido (por vezes batizado de atividade).
Essa ambigidade nos parece bem ilustrada pelo texto de um
coletivode ergonomistas, texto esse profundo, ao mesmo tempo que
discutvel:Lactivit de travail: une forme dactivit humaine (Gurin et
al., 1991).E o que a atividade humana, na qual se inclui o
trabalho? Em primeiraaproximao, a atividade se ope inrcia, o
conjunto dos fenmenos(...) que caracterizam o ser vivo. E, com
efeito, a atividade de trabalho po-de no se sentir comprometida
profundamente por essa definio? Essa sim-ples definio de oposio
inrcia j no acarreta conseqncias er-gonmicas, sociais, axiolgicas
quanto ao governo humano do trabalho?No por nada que Canguilhem, em
1966, confessava ainda correr o riscode fundar a significao
fundamental do normal por uma anlise filosficada vida, entendida
como atividade de oposio inrcia e indiferena.Recenseamos as poucas
ocorrncias breves e luminosas em que sua defini-o da vida, como
atividade de oposio inrcia, era extrapolada nummeio humano de
trabalho (Canguilhem, 1947; Schwartz, 1992)13 em que elaaparecia
como o fundamento da resistncia operria ao taylorismo e, paraalm, a
toda situao de heterodeterminao das normas industriosas.
Ao mesmo tempo, o texto dos ergonomistas lembra que de
maneiracorrente, a atividade de trabalho nitidamente distinta da
atividade huma-na em geral (op. cit., p. 45-46)14. E o que vem
depois mostra bem que essesergonomistas assumem a ntida
especificidade do trabalho em relao ati-vidade, como atividade
socialmente finalizada, melhor at, como atividadeimposta. Num certo
sentido, a experincia que eles tm de intervenesem empresa que os
leva a isso sem hesitao. Mas essa especificao levantaum duplo
problema, e eles formulam muito bem o primeiro: com base noque foi
apontado, a dona de casa, o estudante, o desempregado, o
biscatei-
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ro no trabalham. No excessivo separar a tal ponto essas
configuraesdiferenciadas de uso de si?
Por outro lado, definir o trabalho pela imposio no anular em
gran-de parte a incluso do trabalho na atividade vital concebida
como oposio inrcia e indiferena (do meio em relao s exigncias do
que significaviver para o ser em questo)? Essa incluso na atividade
vital, sem apagar aexigncia especfica a todo trabalho social
(sempre uso de si por outros),no deixava entender que sempre havia
tambm necessidade e reivindica-o, de uma forma at muito
enfraquecida, s vezes imperceptvel, de usode si por si? De uma
tentativa de renormalizao do meio de trabalho se-gundo suas prprias
condies?
Se voltarmos definio do produto dos servios pelas
atividades,evocada por Gadrey (1991), o problema vem em parte do
fato de que as fi-nalidades impostas, a exigncia, a sano social
parecem, sob esse vocbuloatividade, se desfazer. O vocbulo
atividade no faz mais, nitidamente, adistino com os servios ou as
prestaes mltiplas de que a vida cotidia-na, fora do tempo
remunerado, o caldeiro e o espao. Mas, justamente, is-so no um
indcio de que preciso pensar, ao mesmo tempo, tanto as
es-pecificidades no redutveis entre os espaos e os tipos de
exigncias, quan-to as circulaes em todos os sentidos (para retomar
um termo utilizado an-teriormente) entre os diferentes usos de si
nas diferentes esferas, tornadospossveis por sua incluso no
conceito geral de atividade15? Desse ponto devista, datar o
nascimento do trabalho quando da emergncia do regime sa-larial
cortar suas comensurabilidades mais ou menos frouxas, mais oumenos
estreitas com as outras formas da atividade humana, por exemplo,com
as atividades tradicionalmente assumidas pelas mulheres na famlia
ouno grupo social, e cujas razes remete a outras pocas16. Ao
ocultarmos aqui-lo em que essas atividades tm em parte a dimenso de
um trabalho, tor-namos difcil a inteligibilidade do reinvestimento
possvel do trabalho do-mstico no trabalho assalariado, o segundo
alimentando-se nos patrimniosinventivos e de experincia do primeiro
(Matheron, 1994).
Em suma, a atividade, conceito turvo e transversal, no poderia
ser fa-cilmente dispensada. Entre uma ao humana qualquer trabalho
para si,trabalho domstico, atividade ldica, esportiva e um trabalho
economi-camente caracterizado, no h descontinuidade absoluta: ambos
so comen-surveis a uma experincia, a de uma negociao problemtica
entre normasantecedentes e as normas de sujeitos singulares, sempre
a serem redefinidasaqui e agora. O que torna possvel, entre o tempo
de trabalho assalariado eo tempo privado, a circulao de valores e
de patrimnios. Mas dizer issono pode conduzir a uma preguia
intelectual, a uma desmobilizao cvicae poltica que se absteriam de
conceituar as especificidades e que disso seprevaleceriam para
retirar qualquer virulncia do fato do desemprego. In-
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sistir no engajamento institucional representado por um emprego
(por opo-sio s simples atividades privadas, at mesmo associativas)
valorizar,com toda razo, o trabalho como encontro possvel da
modernidade, da di-versidade, das solidariedades conquistadas, como
elaborao de engenhosi-dades coletivas confrontadas com exigncias,
urgncias, escolhas; essa di-menso do trabalho de natureza a
solicitar, mais profundamente que qual-quer outro uso de si mesmo,
a apropriao do meio de vida como seu, his-trico, humano, pelo menos
nas sociedades como as nossas. No se pode mi-tificar o emprego ou o
trabalho assalariado. Mas no se podem subestimaros efeitos de
devastao social e pessoal da excluso dessa matriz de acesso
experincia cvica e histrica.
Ou, para diz-lo ainda de outro modo: a anlise das atividades, no
sen-tido mais amplo evocado anteriormente a propsito da concepo dos
ergo-nomistas, , em um certo sentido, mais rica que a simples
anlise do traba-lho; pois ela se interessa por todos os usos de si,
transcendendo todos oslimites sociais, temporais, institucionais;
apta, por a, a pensar as circula-es e reinvestimentos entre estes.
Desse ponto de vista, a anlise do traba-lho assalariado parece mais
pobre, na medida em que s certos segmentosda vida humana esto em
questo e que a heterodeterminao das normas(varivel conforme as
pocas, as formas de governo do trabalho) restringe aesfera das
conquistas inventivas. Porm, muito mais rica num outro senti-do,
pois, a no ser que seja mutilante, cega, a anlise do trabalho
(assalaria-do ou de forma mais geral amarrado troca mercantil) vai
necessariamenteencontrar, infiltrados de forma varivel, na
configurao que ela estuda, osefeitos sempre ressingularizados e
mveis das conjunturas e das de-terminaes histricas. Visamos por a s
relaes sociais de produo, sleis dominantes da gesto dos homens e
das coisas, s formas de antagonis-mos e processos contraditrios que
se geram no seio delas.
ltima observao a respeito da atividade. Essa fecunda
ambigidadedo conceito nos parece ser encontrada em Marx, quando ele
define o pro-cesso de trabalho. O primeiro elemento, trabalho
propriamente dito, apresentado como Zweckmssige Ttigkeit, atividade
orientada por um ob-jetivo. No trabalho, comenta ele, (Marx, 1950),
o homem realiza ao mes-mo tempo seu prprio objetivo do qual tem
conscincia, objetivo que de-termina como uma lei seu modo de ao, e
ao qual deve subordinar a suavontade17. Essa auto-atribuio de lei
uma subordinao mais ou menostensa conforme a fora relativa da
exigncia (objeto e modo de execuo)afaste ou no o indivduo de um
livre jogo das foras corporais eintelectuais.
Impossvel escapar sofisticao do objetivo que pode ser, em
grausdiversos, e diversamente congruentes ou contraditrios, o do
trabalhador na medida em que nico e claro para ele mesmo e o das
diversas en-
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tidades sociais no seio das quais esse processo de trabalho se
desdobra. Asimples meno do objetivo obriga, portanto, a sair da
definio neutra ea-histrica para imergir a Ttigkeit em figuras
histricas concretas. Ao mes-mo tempo, essa sofisticao do objetivo
no anula em nada, muito pelo con-trrio, a exigncia de uma enigmtica
instrumentao de um corpo inteli-gente (cf. em surdina, a referncia
kantiana ao livre jogo das faculdades),requerida para operar em
toda situao de transformao inclusive amais intelectual , em toda
situao histrica, entre os dois plos da exi-gncia in-atraente e do
livre jogo.
Essa continuidade em ns, indo da instrumentao enigmtica do
cor-po prprio ao confronto no campo da cultura, dos valores e das
contradi-es atravs do uso industrioso de si o inesgotvel apelo a
pensar otrabalho humano18. Quando Marx define o processo de
trabalho fora de to-da chancela particular, ele exprime bem seu
carter abstrato enquanto nofor subsumido sob formas histricas cujas
caractersticas principais con-veniente, em tendncia,
conceitualizar. Mas essa atividade, em sua dimen-so hbrida, nem por
isso est abolida com esta ou aquela caractersticaparticular; ela
coloca suas exigncias atravs de todas as figuras que a hu-manidade
industriosa produziu e produzir19 (Schwartz, 1988).
Volta aos servios: comensurabilidades e especificaes
De passagem, evocamos alusivamente alguns desses elementos
transversaisque nos parecem caracterizar a atividade no sentido
mais abrangente do ter-mo. Assim aconteceria com o que se poderia
chamar de a dialtica do pro-grama20 e da atividade, ou das normas
antecedentes e das normas indivi-dualizadas, ou ainda, mais
simplesmente, dos dois registros: o primeiro in-dicaria o que pode
ser antecipado e explicitado no seio de um patrimniosocialmente
partilhado e transmitido (mtodos), a partir de elementos de
re-lativa generalidade, sobre os quais podem, por essa mesma razo,
trabalharconceitos e definir programas e prescries, termos que
remetem, ao mesmotempo, s circunstncias sociais em que esses
elementos de patrimnio seformam, se deformam e se reformam. Esse
campo da antecipao das situa-es de atividade tambm seria, portanto,
o da linguagem acabada, j queesta pode neutralizar os parmetros
singulares de um processo que se de-senrola, por outra via, sempre
no espao e no tempo. O segundo remeteriaao que da ordem da gesto do
singular, que registra, na atividade cotidia-na de trabalho, o
efeito da dimenso histrica de toda prtica, a no repeti-bilidade
perfeita das situaes humanas, sociais, produtivas.
A generalidade dessa dialtica, inclusive nas organizaes
tayloristas,autorizaria a caracterizar todo trabalho como o lugar
de uma dramtica sin-
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gular, em que cada protagonista negociaria a articulao dos usos
de si poroutros e por si. A mesma generalidade dessa dialtica leva
igualmente apesquisas, em todo caso, sobre a recomposio coletiva
das tarefas e dasobras, jamais estritamente representvel nos
organogramas preexistentes.
No que diz respeito, desta vez, s tendncias, elas tambm gerais,
dasmudanas atuais, evocamos o declnio do trabalho imediato, a
deriva da lin-guagem a ser tomada cum grano salis, de trabalhar
para gerir. Gerir, de-vendo ser entendido num sentido complexo, que
articule uma dimensoainda nitidamente profissional (gerir
imprevistos prprios atividade con-siderada); uma dimenso mais
econmica (disseminao problemtica dascondutas de gesto e de
contabilidade conforme escales mais descentrali-zados); uma dimenso
intersubjetiva (a equipe) e pessoal, tal que os ingre-dientes
precedentes possam encontrar as vias de uma instrumentao do siem
condies subjetivamente aceitveis.
Vamos nos permitir remeter, quanto a este ponto e se necessrio a
escri-tos anteriores21 (Schwartz, 1993b). O que nos parece
interessante tentarpensar a introduo desses elementos transversais
na histria, no seguinteduplo sentido: ir da conceituao das
especificaes da histria aos efeitossobre as figuras concretas da
atividade; e, reciprocamente, o carter univer-sal dos elementos
transversais permite precisar o grau de validade dos re-cortes
conceituais, obrigando a pensar sempre no modo tendencial22. E,
emvez de estudar como a forma salarial em geral (e suas contradies
prprias)configura especificamente as dinmicas da atividade o que
tentamos fa-zer depois e com muitas outras , pensar aqui o grau de
especificaotendencial induzido pela forma servio em relao s
atividades produti-vas. O eixo da investigao sendo, como dissemos
mais acima, a abordagemdiferencial da medida da eficcia do
trabalho.
Uma vez admitido que entre produo e servios o ponto de vista
daatividade industriosa torna comensurveis, sob certos aspectos,
todas as si-tuaes, e que certas formas de abordagem, certos
conceitos tm valor ope-ratrio geral e questionam toda construo de
coeficientes de eficincia e deperformance independentemente dos
setores de atividade, chegamos entoao fato de que essa dimenso
transversal a se exerce em condies diver-sificadas: nos servios, a
atividade industriosa tende a se esgotar em seuprprio
desdobramento, sem a mediao ou com a mediao atenuada deum output
incerto.
Trabalhar, gerir-se
O enorme campo de problemas assinalado pela deriva terminolgica
traba-lhar/gerir encontra em certos desenvolvimentos dos servios
tal profun-
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didade que s ela justificaria, a nosso ver, a passagem por esse
tipo de ati-vidade para qualquer especulao relativa ao
trabalho.
O fato que a pr-concepo do bem tangvel e de seus processos de
fa-bricao por outros libera em parte os produtores diretos de
reavaliaespermanentes dos fins imediatos de sua atividade; o
resultado, julgado peloproduto, oferece caractersticas bem
identificveis, ao contrrio da avaliaodo resultado de numerosas
prestaes de servio; ele volta mais defasado, de-sigual, para os
produtores: qualidade e produtividade no tm uma formavirulenta de
sano no instante (ao contrrio, por exemplo, das experinciasde face
a face) e passam pela mediao de processos cujos protagonistas
sonumerosos, disseminados e associados por vnculos em geral difusos
(quem responsvel pela no-qualidade na produo automobilstica?).
Quanto me-nos a ao e suas exigncias imediatas podem ser antecipadas
e parcialmentereguladas por um output delimitado, mais a atividade
de trabalho volta parao agente e requer dele esse ajustamento
sempre problemtico das dimensesheterogneas que evocamos sob o termo
gerir. E mais algo como um gerir-se coloca problema numa sntese de
capacidades diferentes a serem imple-mentadas, no ordenamento das
prioridades, nas escolhas a serem feitas, quetambm so,
insidiosamente, maneiras de se escolher.
Vamos ilustrar esse vnculo entre gesto de uma situao
eminentemen-te varivel e multidimensional e gesto de si mesmo com o
caso do agentecomercial de trem (ACT, o controlador) estudado por
Daniel Fata e SylvieNiero (1991)23. A simples acolhida e o olhar
vago na plataforma de embar-que lhe permitem acumular as observaes
prvias sobre o comportamen-to dos viajantes mais notveis24.
Trata-se de antecipar tipos de problemassuscetveis de encontrar
pondo em conexo sua experincia da clientela,sua capacidade de
anlise dos comportamentos, as circunstncias particula-res do
momento, a regulamentao e os problemas que ela coloca hic et
nunc.
A relao de servio, por se exercer em contato com indivduos
singu-lares e com exigncias ou regras institucionais, requer uma
gesto desseponto de encontro sempre a modular (a aplicao mecnica de
uma regra ingervel, sobretudo no contexto pblico de um vago, uma
vez que oACT est s num meio suscetvel de rapidamente tornar-se
hostil a ele) e quese volta para o agente porque ele tem de
inventar essas modulaes a partirde seus recursos pessoais como ser
humano configurado e dotado desta oudaquela maneira particular.
Assim, seu dilogo com os usurios em situaoirregular faz um vaivm
incessante entre sua investigao implcita sobre aboa ou m f de seus
interlocutores e a gesto pessoal de seus prprios re-cursos
inventivos. Conforme o avano desse processo, o ACT modifica o
g-nero dominante do dilogo, (...) que traduz a colocao em prtica de
tcni-cas de reconhecimento e de gesto das situaes. Esse vaivm sem
escapa-tria entre as normas institucionais heterodeterminadas, a
singularidade do
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encontro e o trabalho subjetivo de autogesto da situao pe em
questoo agente at em suas disposies posturais. Esse balanceamento
entre asexigncias da funo e as regras que a regem, a emergncia do
sujeito atra-vs das escolhas improvisadas traduzem-se por visveis
tentativas hesitan-tes, guiadas pelo imperativo de salvar as
aparncias, conceito perfeitamenteadequado a esse gnero de
situaes.
Em relao simples anlise objetivista da relao de servio, esta
an-lise do trabalhar, gerir parece-nos importante, na medida em que
insistena heterogeneidade das dimenses implicadas, no engajamento
subjetivonecessrio do prestador em relao a campos onde h escolhas a
serem fei-tas. verdade que essas escolhas se encarnam em
microssituaes, mas re-metem, ao mesmo tempo, a horizontes sociais
mais amplos, e a eficcia darelao de servio no pode, de modo algum,
ser analisada sem que se le-vem em conta essas circulaes implicadas
em todo trabalhar-gerir e queachamos aqui particularmente cruciais.
O ACT deve, por exemplo, gerir emsi mesmo essa dupla funo mais ou
menos contraditria de agente repres-sivo e comercial. A avaliao do
viajante antes mesmo da avaliao de seubilhete uma escolha implcita,
que remete a uma comensurabilidade so-cial e humana dos dois
protagonistas e d ao comercial, entendido numsentido social amplo,
uma certa prioridade em relao ao repressivo. comcerteza a que
ocorre em cheio a tenso entre a experincia adquirida e
osimperativos da funo definida no sentido da melhor definio (se
possvel)do servio a ser prestado.
Trabalhar, gerir quer dizer precisamente aqui que no se pode
neutra-lizar o espao das escolhas, conscientes ou informalizadas, a
serem feitas. Osargumentos codificados, os segmentos de trocas
estereotipadas tm seus li-mites (ainda que haja tentativas
recorrentes de codificar, por exemplo, a in-formao ou a venda por
telefone). H uma partitura que pedimos para to-car: qualidade da
execuo, acrescentam-se as fases variveis de improvi-sao. Assim,
preciso voltar cena diante de um algum que umcliente, sem dvida,
mas que tambm ao mesmo tempo usurio e por atambm semelhante ao
agente, pois que ele, alternadamente, conforme ascircunstncias de
sua vida, prestador ou beneficirio de um servio. Apartitura a ser
tocada no pode neutralizar a imerso social. O que vlidopara toda
atividade humana, j que essa dimenso de gesto da atividadenunca
esteve ausente. Isso incrementa o desafio a qualquer racionalizao
emedida do trabalho quando o resultado est por inteiro na
partitura.
Quanto sano defasada e difusa da produtividade e da qualidade
nocaso da produo de bens, poderamos ser levados a acreditar que a
presta-o de servio apia-se, no que se refere sua performance, em
protagonis-tas bem identificados. Alis, o que pode deixar supor a
anlise da relaode servio em que mesmo no agente em face a face e em
interao que pa-
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rece se apoiar toda a qualidade da operao. Mas o exemplo do
controladorilustra, ao contrrio, que o agente fisicamente presente
no momento e nolocal da prestao encarna literalmente a empresa
inteira e concentra todasas expectativas em matria de servio,
sobretudo quando a qualidade destetende a se afastar da representao
ideal mantida por quem solicita (ibid.,p. 1). Com certeza, h
elementos da performance que tm muito a ver com asingularidade da
pessoa, como h pouco lembramos; mas, ao mesmo tempo,esta deve jogar
com a performance global da empresa como recurso hic etnunc mais ou
menos vantajoso para gerir a sua situao. Ela deve jogar tam-bm com
todas as informaes obtidas nas redes, formais ou informais,
nasquais inserida em virtude de sua participao na vida da empresa.
E essainsero nas redes, verdadeira para o indivduo em face a face,
igualmen-te necessria e pertinente para atividades de servio que no
tm interaoregular com um usurio. O que rapidamente evocamos mais
acima sobre aorganizao prescrita e o coletivo real deve levar em
conta certas especifici-dades ligadas relao de servio, sem que o
essencial deva ser mais parti-cularizado ainda.
Uso de si e eficcia, eficcia do uso de si
O que acaba de ser sugerido da deriva trabalhar, gerir no caso
especficodos servios ilustra abundantemente o que se podem chamar
as dramti-cas25 do uso de si. O duplo interesse desse conceito
seria primeiramente fa-zer remontar a implicao da relao de servio
onde ele muito mais le-gvel ao conjunto das atividades de servio e,
melhor ainda, aos setoresde produo de bens padronizados em que ele
era reputado sem significa-o26. Em segundo lugar, o interesse
consiste em insistir a partir do fatode que sempre h dramticas,
imanentes ao trabalho humano , nas dia-lticas do micro e do macro,
nas circulaes mutuamente reestruturantes en-tre valores sociais,
valores humanos e construo passo a passo dos atos in-dustriosos.
Isto atravs do espao das escolhas inevitveis em qualquer
cir-cunstncia e em conformidade com o que dissemos sobre a
atividade. E, namedida em que se trata de eficcia nos servios, essa
dimenso perpetua-mente deliberatria, essa interpelao dos agentes
como seres sociais, noneutros em relao a patrimnios histricos, a
valores discriminantes e/ousolidarizantes, pode ser ainda menos
subavaliada, na medida em que estem ligao direta com as modalidades
da prestao e, portanto, com a suaeficcia. Separando abusivamente as
coisas, podemos identificar uma incon-tornvel negociao de eficcia
para as operaes, ligada dialtica doprograma e da atividade. Mas
vemos que a isso adere organicamente umanegociao de eficcia para os
efeitos, no sentido dos objetivos sociais li-
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gados aos efeitos esperados da prestao, e cuja harmonia
espontnea nopode ser suposta entre os diversos agentes, os diversos
usurios e os diver-sos nveis hierrquicos da empresa. Aqui, gesto
est de fato em questo;mas uma gesto sem escolha, sem poltica, uma
gesto degradada ou nopode sequer ser considerada gesto27. A
neutralidade civil (no sentido maisamplo do termo) dos agentes, no
pode ser postulada, a no ser que se con-sidere uma situao de gesto
absurda.
Em sua lucidez, os economistas dos servios viram precisamente
surgiresses novos critrios de referncia que quebram, segundo eles,
a seguranade aplicao dos coeficientes industriais. Gadrey
desenvolve todas as con-seqncias a serem tiradas de uma viso do
servio como resultado. As-sim que o resultado atravessa os
indivduos e os grupos, no se pode maisfalar seno de outputs
indiretos. Nesses casos de outputs mediatos, emque predominam os
efeitos de tipo final, a atividade dos prestadores, a co-produo com
o usurio, passamos, ento, de uma lgica da produtivida-de a uma
lgica da avaliao social (Gadrey, 1986, p. 20). Acreditamos queessas
duas lgicas sempre so simultaneamente operantes, mas
diferente-mente ponderadas. Isto posto, Gadrey nos parece prudente
demais em rela-o s suas prprias teses: ali onde predomina a lgica
da avaliao social,que modo de avaliao, que dinmica da performance
pr em prtica se nempor isso queremos voltar s velhas noes
hedonistas que fazem desapa-recer a noo de produtividade sem nada
pr de slido no lugar (ibid., p.101, nota)? No sem fortes razes,
Gadrey afirma que a clientelizao, amercantilizao do servio,
acompanhadas de sua burocratizao, tambmpoderiam ser apenas indcios
de uma fase transitria, a lgica da avaliaosocial levando
tendenciosamente a encontrar o usurio por trs do clien-te (Gadrey,
1991, p. 22). Idia bem estimulante; mas se o que poderamoschamar o
horizonte de uso, que convoca, de maneira vaga, entidades epessoas
beneficirias em nveis muito diferentes do engajamento industrio-so
do assalariado, volta com fora nos servios, no ser preciso, mais
doque nunca, ligar os problemas de eficcia e de performance s
modalidadesdo uso de si? Reconhecer a imanncia de um horizonte de
uso nas ativida-des de servio obriga a passar pelas dramticas do
uso de si para sondar-lhes o valor econmico.
Assim, o si, matriz indeterminvel, torna-se diretamente uma
matrizde economia. Seria preciso fingir-se de surdo aos mltiplos
pequenos deta-lhes da atividade cotidiana, tantos aparentes dons
graciosos dos agentes, eque so recebidos pelos beneficirios como
promessas ou atualizao de efi-ccia: o sorriso de uma vendedora, as
palavras meio tranqilizadoras, meioamveis do fisioterapeuta
acompanhando seus gestos profissionais nosdoentes hospitalizados,
os mltiplos e imperceptveis comportamentos deeficcia que so
igualmente decises de aes microcustosas e que resul-
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tam, portanto, de debates de si com si: No adianta me dizerem
para fatu-rar mais, no est de modo algum na minha tica faturar
mais; por exemplo,no vou obrigar um idoso a fazer um Plano
Educativo Personalizado(PEP)28, pois isso me partiria o corao.
Temos de qualquer modo um certonmero de conselhos a dar, logo a
explicar ao cliente; no lhe pomos a facano pescoo ( Casolari, Garde
e Roy, 1991).
Mltiplos pequenos detalhes com certeza, mas com freqncia
conec-tados a valores fundamentais, como o de servio pblico
(Supiot, 1989), emcircunstncias tais que esses valores do a energia
criadora a esses micro-comportamentos de eficcia. E tambm, tais que
as condies de exercciomais ou menos difceis, o grau de socializao e
de colocao em patrimniodesses microatos, em contrapartida, afetam,
para refor-los ou alter-los,esses valores vindos de outra parte. O
fato desses debates de si com a efi-ccia se ligarem dialeticamente
eficcia do uso de si contribui aqui, certa-mente no a dispensar a
economia teremos visto bem aqui a sua perti-nncia mas a
desneutralizar os seus conceitos.
Eficcia, eficincia: conflitos e dialtica
Provisoriamente, falamos de negociao de eficcia para as
operaes(olhando mais a dialtica genrica do programa e da atividade)
e de nego-ciao de eficcia para os efeitos (mais orientada para
resultados sociais esubmetida a arbitragens de valor). Se
admitirmos, como breves definies a eficcia como grau de alcance de
um objetivo, e a eficincia como eco-nomia nos insumos ou nos meios
a abordagem de eficincia, visando aminimizar os custos humanos de
operaes, seria aparentemente mais pr-xima da primeira negociao
(para as operaes). E a abordagem de eficcia,devendo exibir os seus
objetivos, olharia antes na direo da segunda (paraos efeitos). De
fato, a realidade una das prestaes de servio manifesta queela
define, em outras palavras, que ela hierarquiza ou combina sem
rodeios(em geral) essas duas exigncias distintas. Nenhum ato pode
ser inteligvelseja como simples implementao retrabalhada das normas
operatrias daempresa, do servio, seja como determinado unicamente
pela idia de queos agentes construram para si efeitos sociais a
serem satisfeitos. De umacerta maneira, ele sempre exprime o
resultado de uma negociao de nego-ciaes.
Dificuldade primeira, de uma dualidade de conceitos a serem
preserva-dos, cujo cotidiano, no entanto, manifesta que eles so
imanentes s modu-laes da atividade conforme hierarquizaes, relaes
de dinmicas muitocomplexas, variveis e dificilmente decomponveis.
Evocaremos, para ter-minar, a topologia possvel dessa
complexidade.
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a) A eficcia e a eficincia podem ser uma e outra ou sem dimenso
oudimensionadas. Por analogia com o uso em fsica, uma eficcia sem
dimen-so no suscetvel de entrar num sistema de quantificao ou at
numa re-lao. Por conseguinte, samos da breve definio proposta
acima, e me-lhor falar de valores: assim, o valor sade ou a promoo
do servio p-blico ou a satisfao do usurio dos correios. Para serem
operatrios numapoltica pblica, tais conceitos sem dimenso devem
poder ser detalhados,identificados atravs de indicadores
qualitativos e de preferncia quantita-tivos. Assim, uma poltica de
sade pblica poder definir seus objetivosquantitativos que
correspondam ao que ela consideraria ser uma melhorano estado de
sade dos habitantes do pas. evidente que a passagem ao
di-mensionamento constitui uma ruptura no regime de uso do conceito
e nose beneficia, portanto, de nenhuma evidncia intrnseca. Pode
haver social-mente pluralidade de dimensionamentos para um mesmo
objetivo sem di-menso. E reciprocamente, a dificuldade de traduzir
em critrios dimensio-nados os objetivos sem dimenso pode levar a
recoloc-los em questo ou arepens-los.
A eficincia aparece mais naturalmente sob sua forma
dimensionada. Adefinio economia de insumos, relao entre outputs e
inputs, sob essaforma, a inclui, contanto que possamos transformar
esses dados em preoou em volume. Em economia, pode ser seu
funcionamento normal como in-dicador de performance, at que a
proliferao de prestaes no padroni-zadas no setor dos servios venha
fragilizar suas referncias concretas. En-tretanto, mesmo sem falar
das sociedades no mercantis, podemos pensar,como, alis, sugere a
universalidade da dialtica programa/atividade, queessa preocupao de
eficincia tambm um valor universal, que existe al-go como uma
produtividade genrica na qual os humanos se reconhecemobscuramente
como semelhantes, ligada ampliao dos possveis de gozoda vida29
(Schwartz, 1988). Teramos, ento, de conceber uma passagemanloga da
eficincia genrica eficincia dimensionada, abrindo um cam-po de
problemas prticos, tcnicos, organizacionais.
b) Em segundo lugar, alm das relaes de valores sem dimenso em
cri-trios dimensionados constituintes de cada um dos dois
coeficientes, a rea-lidade prtica e social tece vnculos entre eles,
sob uma ou outra forma. Emteoria, a eficincia est antes subordinada
a objetivos ( eficcia), dimensio-nados ou no: o valor promover a
sade pblica fazendo consenso, os ob-jetivos dimensionados fixados,
o problema abord-los com a mais judicio-sa economia de meios. Mas
este um segundo salto que ele, tampouco, temqualquer evidncia, pois
pouco provvel que haja uma nica conduta pa-ra economizar nos
insumos, para otimizar o alcance dos objetivos.
Por outro lado, a subordinao aparentemente lgica da eficincia
efi-ccia no tem na realidade essa unilateralidade. No seio de
relaes econ-
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micas em que o lucro , em ampla medida, juiz da viabilidade das
empresas,em que a produtividade exigida como uma alavanca maior da
rentabilida-de dos capitais, em que o dinheiro como equivalente
geral parece ser um ob-jetivo em si mesmo, a eficincia, da mesma
forma, pode subordinar a si a efi-ccia dimensionada. Sustentado
pela busca implcita do lucro, o objetivo deeconomia nos insumos
pode valer como comando incondicionado, dandolugar a toda uma srie
de coeficientes de eficcia. Por a, ele pode criar umconsenso
parcial, muito ambguo, mas inteiramente real com o valor efi-cincia
genrica, evocado no item (a) (exemplo: zonas de convergnciasquanto
s condies da performance industrial entre pessoas em nveis mui-to
diferentes da hierarquia socioprofissional e muito desigualmente
interes-sados na redistribuio do lucro).
Todas as espcies de conflitos, de dialticas, de hierarquias
entre essesdois coeficientes, sob suas duas formas, podem,
portanto, estruturar as l-gicas de atividade. No se poderia
subestimar um ponto crtico de tamanhaconcorrncia ainda que hoje
muito diversificado em suas formas, que,alis, pode s vezes
atravessar os mesmos indivduos entre a eficcia semdimenso, ordenada
em valores de tipo humanista, planetrio, e a eficinciatransformada
em objetivo incondicionado do trabalho, atravs do critrioda
rentabilidade (exemplo: na linha de montagem da Peugeot-Sochaux,
cer-tos operadores tentam fazer chacota da lei de produtividade,
expressa emnmero de carros/dia pelos contramestres a cada incio de
jornada, chaman-do-a de mordida diria) (Clot et al., 1990).
c) H concorrncia porque esse jogo complexo no terico, ele
reme-te diversidade dos patrimnios de experincia e de vida, s
relaes dedesigualdade e de segregao que se estabelecem nas
sociedades, s confi-guraes de poder, de hierarquia, aos graus de
autonomia. Certo, a eficciasem dimenso tem vocao para remeter a
valores sobre os quais se estabe-lece um consenso mais ou menos
universal; no h empresa humana oque verdade no sentido prprio dessa
palavra, antes de s-lo para seusentido mais preciso hoje sem
partilha mnima desse tipo de valores.Mas os deuses esto em luta,
dizia Max Weber (1959), os valores, mal sotraduzidos em objetivos,
mal so dimensionados, exibem suas zonas decontradies internas. Os
valores da empresa, objetos parciais de umacordo vago, revelam, uma
vez codificados e numerados, defasagens de in-terpretao, conflitos
at ali escondidos. E essas ocorrncias remetem devolta na
complexidade s diversificaes tendenciais engendradaspelos processos
sociais. Por conseguinte, para os diferentes protagonistasda
situao, a negociao que resulta para cada uma das
hierarquizaesvariveis entre as formas da eficcia e da eficincia (a
e b) deve operar-sesobre fundo determinante de uma exigncia social,
levando em conta a ma-neira como as outras partes envolvidas
negociam, elas mesmas, as relaes
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de compatibilidades e incompatibilidades parciais entre o
contedo poss-vel dessas noes.
Assim, esses dois critrios atravessam profundamente todas as
lgicasde ao, mas recortam, permanentemente, terrenos de
convergncias amb-guas e de divergncias evolutivas. Por exemplo, o
objetivo de reduo dasdespesas de sade pode inscrever-se como uma
exigncia da eficincia ditaacima incondicionada (transportar os
critrios de lucro ao hospital pbli-co, favorecer transferncias
sociais do pblico para o privado), mas podetambm parecer resultar
da eficincia dita genrica (lutar contra o desper-dcio de recursos,
poupar-se dos esforos e encargos inteis, utilizar melhoros meios),
da eficcia sem dimenso (cessar de desenvolver meios
superdi-mensionados e custosos, liberar recursos sociais para a
ajuda aos pases emdesenvolvimento...), da eficcia dimensionada
(respeito pelas escolhas ora-mentrias, distribuindo, a cada setor
de atividade do pas, uma parte dos re-cursos pblicos no
ilimitados).
No hospital, a eficcia toma sentido parcialmente diferente para
a equi-pe de direo, os mdicos, os enfermeiros e atendentes, ainda
que a volta sade seja o objetivo final sem dimenso ao qual todos se
referem em grausdiversos e que mantm um mnimo inteiramente real de
consenso. Entende-se, ento, a dificuldade de gerir o conflito
parcial entre as eficcias deriva-das (por exemplo: para a direo,
respeito ao planejamento sanitrio; para aequipe de sade, auxlio aos
pacientes no cuidado de suas doenas ou defi-cincias) e as
eficincias diferentes que uns e outros derivam desses objeti-vos
(exemplo: as modalidades do atendimento da deficincia podem
custartempo de hospitalizao contrrio ao objetivo de reduo do Tempo
Mdiode Permanncia TMP). Por conseguinte, eficcias derivadas podem
pare-cer contradizer nos fatos a concretizao do valor sem dimenso
que as sus-tenta: embora o objetivo de reduo do TMP, em certos
casos, conduza a hi-potecar o cuidado do paciente a ele mesmo a
mdio e a longo prazo, isso po-de agravar os custos para a
coletividade; uma experincia, s vezes, feitapela equipe de sade,
que v voltar doentes mais tratados que cuidados.Inversamente, uma
multiplicao descontrolada de exames altamente tcni-cos pode alongar
em excesso a passagem pelo hospital; da o questionamen-to, por
certos protagonistas, dos objetivos de eficcia dimensionados, a
par-tir da experincia que eles tm com a ineficincia parcial dos
indicadoresderivados destes, e a promoo por esses protagonistas de
condutas de efi-cincia alternativas mais ou menos formuladas, at
mesmo outros valoressem dimenso. A atividade , assim, o ponto de
cruzamento de um vaivmentre o contedo desses dois coeficientes, num
contexto social em que osdiferentes parceiros, que tm a mesma vocao
para colocar questes, unsaos outros, relativas s atividades
profissionais e valores vindos de fora,no tm nem as mesmas
experincias, nem as mesmas possibilidades ou po-
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deres hierrquicos para coloc-los em prtica. Tenso inevitvel que
justifi-ca, em contrapartida, o uso do termo dramtica para evocar
essas negocia-es de eficcia.
A distribuio nos coletivos humanos dos diversos processos e
resulta-dos da negociao de eficcia/eficincia no se opera ao acaso;
ela tem a vercom as grandes configuraes sociais, os critrios
econmicos dominantes,as definies socioprofissionais da atividade.
Ao mesmo tempo, nenhummecanismo a rege a priori; ela no separvel
das situaes muito concretasem que se colocam as questes de economia
gestionria e exige imperativa-mente uma conduta clnica.
Resumiremos em trs pontos essas negociaes complexas de
eficcia-eficincia:
1. A dramtica do uso de si nos servios tende a ordenar-se
funda-mentalmente em torno dessa negociao;
2. Consideraes de eficcia e consideraes de eficincia, na
plurali-dade de suas acepes e de suas hierarquizaes, no podem ficar
isoladas eesto dialeticamente confrontadas nessas dramticas;
3. Ocultar essa dramtica um comportamento de ineficcia e de
ine-ficincia em qualquer organizao econmica; tendencialmente, isso
ver-dade nos servios mais que em qualquer outro lugar, de tal modo
ela estarticulada a com os processos e resultados da atividade.
Para concluir, apesar do uso dos conceitos de eficcia e de
eficinciamerecer mais amplos desenvolvimentos, esperamos ter
sugerido que a men-surao do trabalho no setor de servios choca-se
com circulaes que atornam rebelde sua inscrio em espaos definidos.
Mas, assim fazendo, ouso dos conceitos esclarecedor, ao tornar mais
crticas as dramticas pr-prias a toda atividade humana.
Inversamente, essa dimenso de comensura-bilidade, isoladamente, no
ajuda muito a pensar qualquer forma de inter-veno nas realidades
presentes, nem nas modalidades prprias das tensesque as atravessam
e jogam com as evolues histricas. Impossvel, ento,contornar um
esforo de conceituao sempre em tendncia sobre agnese e a
diversificao das situaes salariais, a constituio de esferas
re-lativamente autnomas na vida e nas prticas industriosas, nas
relaes eco-nmicas no seio dos Estados entre o pblico e o privado,
para esclarecer asespecificidades em movimento de nosso
presente.
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Notas
1 Doutor em letras pela Universit de Lyon II, membro do
Instituto Universitrio daFrana, Professor de Filosofia, diretor
cientfico do Departamento de Ergologia AnlisePluridisciplinar das
Situaes de Trabalho/ Universidade de Provence.
2 Este artigo consiste em uma traduo, realizada por Jussara
Brito e Milton Athay-de, do texto Circulations, dramatiques,
efficacits de lativit industrieuse, extrado daobra Le paradigme
ergologique ou un mtier de Philosophe (Octars Editions, 2000, pp.
417-432), que rene textos produzidos pelo autor entre 1978 e 1999.
Anteriormente, o mesmoartigo foi publicado em La crise do travail,
livro organizado por J. Bidet. Paris: PUF, 1995,pp. 133-153.
3 Estamos utilizando aqui elementos da segunda parte do relatrio
de pesquisaLevaluation conomique lpreuve des services: lactivit
entre efficacit et efficience, pro-duzido pela equipe de pesquisa
Analyse Pluridisciplinaire des Situations de Travail(APST),
Universit de Provence, concludo em junho de 1992, em seguida a uma
licitaodo Ministrio da Pesquisa e da Tecnologia.
4 Sobre a distino entre mensuraoe avaliao econmica, ver a
esclarecedoraexplicao de Jacques Henri Jacot (1990).
5 Como, por exemplo, o campo do tratamento hospitalar, dos
acolhimentos, ou infor-maes do usurio, da gesto de uma
conta-cliente, do conselho, do ensino etc.
6 Sobre essas questes, tomamos a liberdade de remeter a escritos
anteriores (Exp-rience et connaissance du travail. Paris: Messidor,
1988; Travail et philosophie, convocationsmutuelles. Toulouse:
Octars ditions, 1994, assim como: Sur le concept du travail,
colquioPIRTTEM-CNRS, Lyon, nov.-dc 1992, Ed. de lUniversit de
Besanon, 1993 (reeditado emLe paradigme ergologique ou un mtier de
Philosophe. Toulouse: Octars Ed.); Le travail chan-ge-t-il
vraiment, Rencontres APST, out.1993, Revue de lIRETEP, n. especial,
1993 e RevueUTINAM, dedicada aos Rencontres Sociologiques de
Besanon, dez. 1993; Penser le travailet sa valeur, Projet, n. 236
(1993-1994) e La technique in Notions de Philosophie, Paris:
Gal-limard, Folio, 1995.
7 No original Dtre contrapose lobjet, la ralit, a la sensibilit,
lactivit,nous, lavons vu, sest approprie leurs connotations. Elle a
successivement captur, pouren faire ses pithtes, le sensible
(sinnliche Ttigkeit), le rel(wirkliche T.) e lobjectif
(ge-genstndliche T.) (Labica, 1987, p. 35) (N. T.).
8 No original point de non-retour de la charge opre contre la
philosophie (ibid.,p. 34) (N. T.).
9 No original devait cder la place la pratique (ibid., p.36)
(avant que celle-ci,dans la thse 11 ne cde son tour la place la
revolution (ibid., p. 130) (N.T.).
10 No original um comportement humain (...), quand et pour
autant que lagent oules agent lui communiquent um sens subjectif
(Weber, 1971, p.4) (N.T.).
11 Edition du Progrs, Moscou, 1984. A esse respeito, ver a
utilizao que a ele dadana tese de Yves Clot, Le travail entre
activit et subjetivit, Aix-en-Provence, 1992.
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12 Cf. Languages, n. 74, 1984, coordenado pelo saudoso Louis
Guespin, Dialogue et in-teraction verbale e, igualmente, o n. 93,
1989, Paroles ouvrires (Cf. nesse ltimo nmero, aabordagem de Daniel
Faita do conceito de prticas da linguagem (p. 122).
13 Cf. Canguilhem, George. Milieux et normes de lhomme au
travail, Cahiers Interna-tionaux de Sociologie, III, 1947 e Yves
Schwartz, Travail et philosophie, convocations mutuel-les (op.
cit.), p. 243 e nota 35.
14 No original dune faon courante, lactivit de travail est
nettement distingue delactivit humaine en general (N. T.).
15 Se o desemprego tende a esterilizar a vida daqueles que
sofrem com ele durante umlongo tempo (por extino desse tipo de
circulao), a anemia da circulao (invertida pelono emprego macio)
altera o reinvestimento da experincia social nas atividades
assalaria-das e empobrece suas condies de eficcia.
16 O que se sabe da antigidade da diviso sexual das tarefas?
Houve um matriarca-do neoltico? Por enquanto, na opinio do
antroplogo Jacques Cauvin, h uma consta-tao de ignorncia. Cf. La
question du matriarcat prhistorique et le rle de la femmedans la
Prhistoire (Cauvin, 1985).
17 No original Ralise du mme coup son propre but dont il a
conscience, qui dter-mine comme loi son mode d action, et auquel il
doit subordonner sa volont (Marx, 1950,p.181) (N. T.).
18 O conceito de despesa forada, introduzido por Jacques Bidet,
sempre nos pare-ceu prximo desse tipo de reflexo.
19 Sobre essa anlise do processo de trabalho em Marx, tomamos a
liberdade de reme-ter a nossa Exprience et connaissance du travail
(op. cit.), 14.7 e 17.3.
20 Expresso em desuso na obra do autor, que remete ao conceito
de normas anteceden-tes (ao registro I). Assim o trabalho entendido
como o lugar de confrontao dialtica, depolarizao como em um m entre
programa (ou registro I) e atividade (registro II) (N. T.).
21 Cf. nota 6 e nossa contribuio na revista Futur Antrieur, n.
16, 1993b.
22 Sugerimos, a esse respeito, a necessidade de articular um
duplo processo dialtico,antropolgico e histrico. [O autor usa a
expresso antropolgico no sentido de genrico hu-mano e histrico no
sentido de especfico, singular (N. T.)].
23 Poderamos tambm citar os diversos trabalhos de Christine
Revuz e de Guy Jobertsobre o trabalho dos agentes da ANPE, desde
1991.
24 Para melhor entender o que ser analisado, importante ter em
conta que no trans-porte ferrovirio de passageiros na Frana, o
controle direto do bilhete do passageiro fei-to posteriormente
partida do trem. Ou seja, o passageiro deve registrar seu bilhete
emuma mquina de validao na estao, entrar no vago e ocupar um lugar
(mas nada impe-de que ele no tenha bilhete e/ou deixe de valid-lo).
S aps a partida que o agente con-
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trolador far a verificao da posse do bilhete, checando se h
irregularidades (alm depossuir um bilhete que deve ter sido
previamente registrado na mquina de validaona estao, antes de
entrar no trem , o passageiro deve estar no trem e horrio
corretos,alm do tipo de vago pertinente ao valor do bilhete) (N.
T.).
25 No artigo Os ingredientes da competncia: um exerccio
necessrio para uma ques-to insolvel, publicado em Educao e
Sociedade, v.19 n.65, o autor, na nota II, definedramatiques, no
presente texto traduzido como dramticas, nos seguintes termos
situaoem que o indivduo tem de fazer escolhas, ou seja, arbitrar
entre valores diferentes, e, svezes, contraditrios. Uma dramatique
portanto, o lugar de uma verdadeira micro-hist-ria, essencialmente
inaparente, na qual cada um se v na obrigao de se escolher, ao
esco-lher orientar sua atividade de tal ou tal modo. Afirmar que a
atividade de trabalho no seno uma dramatique do uso de si significa
ir de encontro idia de que o trabalho , pa-ra a maioria dos
trabalhadores, uma atividade simples de execuo, que no envolve
real-mente sua pessoa (N. Ed.).
26 Falando dos valores sociais cuja presena latente mas
indiscutvel na conscin-cia operria condiciona, em ltima instncia,
todas as atitudes de adeso e de freamentodos trabalhadores,
Canguilhem (op. cit., 1947, p.124) havia notado, no interior do
taylo-rismo, a importncia econmica do que chamamos dramtica do uso
de si.
27 Como costuma lembrar Claude Quin em suas obras e intervenes.
Ver seu relatrioLamlioration des relations entre ladministration de
lEquipement et ses usagers, Relatriode pesquisa do Conseil Gnral
des Ponts et Chausses, novembro de 1993.
28 O PEP destina-se a adolescentes em dificuldades nos estudos
(N. T.).
29 Remetemos aqui nossa Exprience et connaissance du travail,
(op. cit.), cap. 16.
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