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1 CIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADE CIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADE CIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADE CIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADE *************** AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO E O ENIGMA DA ESFINGE 1. Introdução A história da humanidade pode ser compreendida sob um ponto de vista epistêmico que a ordene com base nos valores dominantes em cada época, levando em conta que as relações sociais são sempre permeadas por um modo específico de pensar (Marcondes Filho, 1987: 9). Assim entendendo, podemos ordenar longos períodos históricos á luz de incontestes hegemonias (no sentido gramsciano) quanto às formas de pensar; a saber: o período dominado pelo pensamento mágico, pelo filosófico, pelo religioso e, a partir da modernidade, pela crença na eficácia da ciência. Essas formas de conhecimento, uma vez hegemônicas, independem de “acertos” ou grau de “verdade”, pois se legitimam na medida em que dão fundamentos ideológicos ao modus vivendi dominante no período considerado. Sendo na atualidade a ciência, ainda, e apesar da propalada “crise dos paradigmas” [1], a forma hegemônica de conhecimento, ela imprime modos específicos de pensar que permeiam as relações sociais. Mas pode-se simplesmente dizer que a vida social é regida por esta forma específica de conhecimento hegemônico? Ambiguamente pode-se responder: sim e não. De certo modo há um forte grau de consenso em torno da premissa de ser a ciência basicamente um conjunto articulado de conhecimentos sobre determinado objeto, ou seja, os conhecimentos obtidos mediante a observação dos fatos e um método próprio de investigá-los. Método que sofre variações quanto às diferentes escolas do pensamento e áreas de investigação. Acrescente-se ao dito que a ciência observa regras de sistemática, objetividade, controle, predição, precisão e mais uma infinidade de estatutos, chegando a desqualificar juízos de valor (Weber: 1977), enfatizando a neutralidade e a mensurabilidade. Por outro lado, de forma panorâmica, pode-se também dizer que as formas de pensar que orientam o ordenamento das relações sociais na contemporaneidade, não são inteiramente informadas pelo saber científico, enquanto maneira de pensar hegemônica. Da questão suscitada – descompasso entre ciência e organização social - são ilustrativas as seguintes indagações: “... que verdade tem o noticiário de televisão quando, apesar de irrefutáveis provas apresentadas pelo investigador da corrupção política, a velha raposa da política usa-se de todos os canais de TV para ‘provar’ o contrário? Que verdade há nas previsões eleitorais, quando se constata que por mais improvável que parece o político, e por menos chances que possui, assim mesmo desbanca qualquer instituto de pesquisa e vence galhardamente? Que verdade há nas pesquisas científicas das multinacionais da indústria química que provam que os ‘defensivos agrícolas’ não são tóxicos e venenosos à saúde humana? Que verdade há nos institutos que medem a poluição ambiental e ‘comprovam’ que o ar está abaixo dos níveis de periculosidade? Em que verdade dos políticos acreditar? Em que verdade dos cientistas? Em que verdade dos comunicadores? Em nenhuma”. (Marcondes Filho, 1987: 13-14). Estas candentes perguntas poderiam ser (re)formuladas ad nausean com tendências ao infinito sem que alterasse o referido descompasso. Na fundação da ciência moderna a idéia que exasperava um de seus próceres era de que “A lógica tal como é hoje usada mais vale para consolidar e perpetuar erros, fundados em noções vulgares, que para a indagação da verdade, de sorte que é mais danosa que útil“. (Bacon, 1972: 21). 2. Os fatos sociais. Emile Durkheim (1858-1917), contribuiu sobremaneira no sentido de dar estatuto científico à sociologia, ao construí-la à luz de objeto de estudo e método próprio. Através de um esforço monumental dotou-a de um corpo de conceitos adequados e de específicos processos de investigação e de interpretação. No livro “As Regras do Método Sociológico”, Durkheim postulou serem os “fatos sociais” externos aos indivíduos (portanto fatos objetivos) e “também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não”. (Durkheim, 1982: 2).
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Nov 26, 2018

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CIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADECIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADECIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADECIÊNCIAS SOCIAIS NA CONTEMPORÂNEIDADE ***************

AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO E O ENIGMA DA ESFINGE

1. Introdução A história da humanidade pode ser compreendida sob um ponto de vista epistêmico que a ordene com base nos valores dominantes em cada época, levando em conta que as relações sociais são sempre permeadas por um modo específico de pensar (Marcondes Filho, 1987: 9).

Assim entendendo, podemos ordenar longos períodos históricos á luz de incontestes hegemonias (no sentido gramsciano) quanto às formas de pensar; a saber: o período dominado pelo pensamento mágico, pelo filosófico, pelo religioso e, a partir da modernidade, pela crença na eficácia da ciência. Essas formas de conhecimento, uma vez hegemônicas, independem de “acertos” ou grau de “verdade”, pois se legitimam na medida em que dão fundamentos ideológicos ao modus vivendi dominante no período considerado. Sendo na atualidade a ciência, ainda, e apesar da propalada “crise dos paradigmas” [1], a forma hegemônica de conhecimento, ela imprime modos específicos de pensar que permeiam as relações sociais. Mas pode-se simplesmente dizer que a vida social é regida por esta forma específica de conhecimento hegemônico? Ambiguamente pode-se responder: sim e não.

De certo modo há um forte grau de consenso em torno da premissa de ser a ciência basicamente um conjunto articulado de conhecimentos sobre determinado objeto, ou seja, os conhecimentos obtidos mediante a observação dos fatos e um método próprio de investigá-los. Método que sofre variações quanto às diferentes escolas do pensamento e áreas de investigação. Acrescente-se ao dito que a ciência observa regras de sistemática, objetividade, controle, predição, precisão e mais uma infinidade de estatutos, chegando a desqualificar juízos de valor (Weber: 1977), enfatizando a neutralidade e a mensurabilidade. Por outro lado, de forma panorâmica, pode-se também dizer que as formas de pensar que orientam o ordenamento das relações sociais na contemporaneidade, não são inteiramente informadas pelo saber científico, enquanto maneira de pensar hegemônica.

Da questão suscitada – descompasso entre ciência e organização social - são ilustrativas as seguintes indagações:

“... que verdade tem o noticiário de televisão quando, apesar de irrefutáveis provas apresentadas pelo investigador da corrupção política, a velha raposa da política usa-se de todos os canais de TV para

‘provar’ o contrário? Que verdade há nas previsões eleitorais, quando se constata que por mais

improvável que parece o político, e por menos chances que possui, assim mesmo desbanca qualquer

instituto de pesquisa e vence galhardamente? Que verdade há nas pesquisas científicas das

multinacionais da indústria química que provam que os ‘defensivos agrícolas’ não são tóxicos e

venenosos à saúde humana? Que verdade há nos institutos que medem a poluição ambiental e

‘comprovam’ que o ar está abaixo dos níveis de periculosidade? Em que verdade dos políticos

acreditar? Em que verdade dos cientistas? Em que verdade dos comunicadores? Em nenhuma”. (Marcondes Filho, 1987: 13-14).

Estas candentes perguntas poderiam ser (re)formuladas ad nausean com tendências ao infinito

sem que alterasse o referido descompasso. Na fundação da ciência moderna a idéia que exasperava um de seus próceres era de que “A lógica tal como é hoje usada mais vale para consolidar e perpetuar erros, fundados em noções vulgares, que para a indagação da verdade, de sorte que é mais danosa

que útil“. (Bacon, 1972: 21). 2. Os fatos sociais.

Emile Durkheim (1858-1917), contribuiu sobremaneira no sentido de dar estatuto científico à sociologia, ao construí-la à luz de objeto de estudo e método próprio. Através de um esforço monumental dotou-a de um corpo de conceitos adequados e de específicos processos de investigação e de interpretação. No livro “As Regras do Método Sociológico”, Durkheim postulou serem os “fatos sociais” externos aos indivíduos (portanto fatos objetivos) e “também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não”. (Durkheim, 1982: 2).

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A distância temporal que nos separa dos escritos de Durkheim, inclui, necessariamente, todo o advento do processo científico-tecnológico moderno e seus desdobramentos. Os fatos sociais, na atualidade, podem ser artificialmente construídos tanto pela “propaganda ideológica” que “visa controlar o juízo público” (Chomsky, s/d: 11), intentando forjar consenso político, quanto pelos modernos meios de comunicação de massa, em atendimento aos interesses econômicos através da fabricação de gostos e padrões de consumo coletivos, pois os fatos sociais foram transformados em mercadorias que, no dizer de um estudioso: “são as mais humanas de todas, pois vendem a varejo, os hectoplasmas de humanidade, os amores e os medos romanceados, os fatos variados do coração e da alma”. (Morin, 1975: 9).

Os homens necessitam dar um significado à realidade que os rodeia pelo simples fato dela existir e, portanto, não podem prescindir de elaborar justificativas para os fenômenos naturais e sociais. Essa justificativa imperativa, os leva a criar padrões culturais. Sociedades diferentes dão sentido às suas existências de formas diversas, uma vez que produtos de culturas diferenciadas. Este antietnocentrismo cultural deixa patente que as idéias de “certo” e de “errado” não podem ser encontradas num absoluto, mas sim na cultura de cada sociedade. Se fosse um absoluto, teríamos apenas uma cultura única, uma mesma e indiferenciada visão de mundo, universalizada. As diversas culturas legitimam as suas respectivas visões de mundo, pois estas dão significado à existência, independente de serem de caráter religioso, mágico, filosófico ou científico, ou seja, “nas culturas pré-industriais a magia é o ‘estabilizador cultural’ enquanto que na cultura industrial moderna tal função

é desempenhada pela ciência como técnica”. (Bartholo Jr., 1986: 23). A cultura de determinada sociedade estabelece um patamar no qual as normas e leis (folkways e mores) tornam a convivência possível. Costumes, normas, leis, formam o suporte sob o qual os membros de determinada sociedade se baseiam na busca de um equilíbrio para as suas existências. É como um paradigma. É como um corpo geral, um sentimento do mundo, nem sempre explicitado. Nas sociedades modernas, fazem parte deste corpo geral, além do aparato jurídico, possibilidades ideais tais como: igualdade, equidade, justiça, honra, honestidade e outros “sentimentos edificantes”... Mas há uma idealidade que se destaca das demais, sob o aspecto de apresentar a capacidade de oferecer uma quase mensurabilidade: a idéia de igualdade política e jurídica entre todos os homens. Realizando o pressuposto baconiano de desvendar os “mistérios da natureza”, as ciências naturais, através da instrumentalização dos fecundos conhecimentos produzidos, vai efetivando cada vez mais um avassalador controle sobre os fenômenos naturais. Desta forma, a moderna ciência natural torna-se ciência aplicada apresentando o seu traço distintivo enquanto ciência: a “sua indissolúvel vinculação ao método experimental e com isso a exatidão dos aparatos técnicos de

medida” (Bartholo Jr., 1986: 61). O mesmo não ocorre com as ditas ciências sociais; isto por uma impossibilidade intrínseca, pois como argumentou Max Weber o método das ciências naturais é explicativo e o das ciências da cultura, compreensivo. Ainda em fase de gestação, há um rascunho de teoria social que tenta justificar as mazelas humanas (fome, exclusão, violência, injustiças, etc.) no fato de as ciências da sociedade não possuírem “precisão” comparável á das ciências naturais. Esse problema, apesar de uma aparente clareza e simplicidade de raciocínio, encobre uma lógica perversa, uma tautologia, ou mesmo a velha história de se entregar à raposa a chave do galinheiro. No que tange a anteriormente referida necessidade de explicação das coisas, consideramos que ela possui um duplo aspecto: interno e externo. Sob o aspecto interno, as possibilidades de um subjetivismo manipulador, são quase nulas, pois que dispensáveis enquanto exercício já que “foram validadas num processo argumentativo em que o consenso foi alcançado, sem deformações externas,

resultantes da violência” (Rouanet, 1984: 14). Por outro lado, sob o seu aspecto externo, as explicações que muitas vezes têm sido produzidas tipificam-se pela farta manipulação. É exatamente sob os seus aspectos de externalidade que a manipulação encontra seus motivos e suas justificativas nos interesses de grupos, classes ou frações de classe. Uma excessiva manipulação do sistema de valores de um mundo cada vez mais globalizado tende a comprometer o sistema de hábitos estabilizados e introduzir situações caóticas. Assim como o nosso meio ambiente (entendido como sistema fechado) possui seus limites e irreversibilidade quanto à intervenção técnica, a intervenção no sistema simbólico decerto estabelece limites e irreversibilidade quanto à indiscriminada intervenção no sistema de valores. Esta intervenção em nada se compara às hegemonias mágica, filosófica ou religiosa do passado, uma vez que estas buscavam uma permanência ao passo que a intervenção moderna, de caráter lógico-operativo, está ancorada em mudanças constantes e contraditórias.

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Na atualidade, por artes da denominada globalização, há pelos quatro cantos da terra um processo de franca e inequívoca degradação da credibilidade. Um unânime manto de suspeição reveste quaisquer enunciados - objetivos ou subjetivos - que porventura possam ser elaborados. Perplexas as pessoas comuns e mesmo os estudiosos (e suas teorias) buscam uma apreensão lógica, na tentativa de captura racional para estes rumos tecnológicos e mesmo um entendimento dos efeitos de todo esse processo sobre a humanidade. Tal problema, de tamanha magnitude e complexidade, desafia a capacidade de síntese e a possibilidade de discernimento abrangente. 3. Conclusão

Por suas especificidades, as ciências naturais impõem certos limites à manipulação ideológica. O mesmo não ocorre no campo dos fenômenos sociais, onde tudo, rigorosamente tudo, pode ser submetido aos rigores dos interesses, das vontades e dos preconceitos de classe, sob um conveniente e ilimitado manto de subjetivismo. Isso leva a que, sem dúvida, nossa época coloque aos que se dedicam às ciências sociais, na convicção que elas podem ser um guia na construção de uma sociedade mundial centrada no entendimento e cooperação, perante o enigma proposto pela Esfinge: “decifra-me ou te devoro”.

VIOLÊNCIA INSTITUCIONALIZADA

Não costumamos também fazer uma avaliação histórica da violência institucionalizada em nosso país. Os maus-tratos contra os negros no Brasil eram comuns. O que dizer da violência contra a mulher, que só recentemente, em termos de história, pôde votar?! A mulher que ainda é oprimida – até os seus salários são inferiores ao salário do homem. E retomando a questão dos afro-descendentes, vê-se que nós temos uma imensa dívida social que até hoje ainda não foi paga – os mais de três séculos de escravidão. Os dados estatísticos demonstram que eles são as maiores vítimas da criminalização. “Negro morre de bala e branco do coração”, diz Rodrigo Vergara, que completa: “os homicídios por arma de fogo são a principal causa de morte entre negros. Morreram dessa forma 7,5% dos negros estudados, contra 2,8% dos brancos. Entre estes, essa foi a quinta causa de morte.” As chacinas (Eldorado do Carajás, Acari, Candelária, Vigário Geral, dentre outras) tornaram o Brasil mundialmente conhecido como exemplo de violência contra os mais humildes. O caso mais escabroso foi a execução de 111 detentos no pavilhão 9 da casa de detenção de São Paulo. O mais triste de tudo isso é que 85% deles eram presos provisórios, isto é, dos 111, 84 deles não haviam sido, sequer, julgados.

De 1986 a 1996 foram registrados 6.033 assassinatos de meninos-de-rua no Rio de Janeiro, revelando descaso público com a criança e o adolescente desamparado.

E agora pergunto: há pena de morte no Brasil? E prisão perpétua? O discurso dogmático e positivista vai, obviamente, dizer que não. Mas existe, sim, embora que não institucionalizada. Não devemos ser idealistas no sentido de imaginar que só existe o que está no papel. Os dados acima falam por si sobre a pena de morte não institucionalizada. Já a prisão perpétua se dá pelo índice de reincidência que beira 1/3. É a fossilização do indivíduo, que ingressa no sistema penal e de lá não consegue mais sair.

O Direito Penal conseguirá, isoladamente, resolver a questão da criminalidade? Não, não conseguirá. É preciso mudar a estrutura social do Estado, diminuir as disparidades. Enquanto isso não ocorrer, isso aqui não será uma Noruega.

Considerando que cada sociedade tem o crime que (muitas vezes) ela mesma produz e merece, uma política séria e honesta de prevenção deve começar por um sincero esforço de autocrítica, revisando os valores que a sociedade oficialmente pratica e proclama.

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Em todo caso, mais vale a certeza da punição que a gravidade da pena. Um exemplo disso são as lombadas eletrônicas, na órbita administrativa. Quem de nós, em sã consciência, passaria, sem necessidade, por elas excedendo a velocidade permitida, mesmo sem saber o valor da multa?! Ninguém. Sabe-se que há uma câmera que registrará a passagem do veículo e sua velocidade, fotografando as características individualizadas do automóvel e sua placa, em caso de desobediência. Para o psicólogo social americano MICHENER, o controle da violência só se dá se ocorrer as seguintes condições: a punição dever vir imediatamente após o ato agressivo; ela deve ser vista como uma conseqüência lógica daquele ato; ela não deve violar as normas socialmente legítimas. Sem essas condições, as pessoas percebem a punição como injusta e acabam reagindo com raiva. E conclui que o sistema judiciário criminal falha no cumprimento dessas condições, seja pela baixa probabilidade de punição, seja porque a punição é demorada e, por isso mesmo, poucos a consideram como conseqüência lógica dos seus atos (impunidade).

VIOLÊNCIA SURDA

Quando se fala em violência, uma das primeiras coisas em que pensamos é, por exemplo, no ladrão de casas e carros, no assassino sanguinário, enfim, nos inúmeros criminosos que agridem pessoas e assaltam o patrimônio alheio.

Para o estudioso Gilberto Cotrim, menos comum é pensarmos na violência institucionalizada pelos sistemas de exploração social, isto é, a violência cruel dos salários de fome, da falta de moradia, do desamparo à saúde pública, do descaso pela educação, do preconceito racial etc. Violências surdas que oprimem milhões de pessoas “sem vez” e ainda sem voz.

Temos também a violência do homem contra a natureza, provocando graves desequilíbrios ecológicos. Por fim, existe ainda a violência do homem contra si próprio, em que o suicídio figura como exemplo extremo.

Então, num sentido mais amplo, podemos dizer que a violência é uma forma de desrespeito, agressão e destruição praticadas pelo homem contra si próprio, contra outras pessoas (sociedade) ou contra a natureza. Como bem podemos perceber, violência não é apenas agressão física. Na verdade, ela engloba tudo aquilo que leva as pessoas a terem algum dano, seja temporária ou definitivamente.

A violência no Brasil é atualmente um fenômeno urbano e rural. Quem não se lembra do massacre dos camponeses de Carajás, no estado do Pará? Mas, a violência nos centros urbanos é, sem comparação, mais freqüente e cruel.

Num recente artigo, o escritor Roberto Pompeu de Toledo mostrou como a população brasileira vem sendo socializada a cometer violências ou mesmo aceitá-las como normal na vida cotidiana, apenas revoltando-se quando os fatos são mostrados e explorados pela mídia.

NÚMEROS DA VIOLÊNCIA

A violência atingiu níveis estratosféricos. Todos os dias, mais de 110 pessoas são assassinadas no Brasil. A taxa é dez vezes superior à registrada na Alemanha. Apenas em abril passado, no Estado do Rio de Janeiro, mais de 6.000 pessoas foram vítimas de lesões corporais dolosas (o agressor tinha a intenção de machucar).

Em São Paulo, o número de seqüestros pulou de doze para 307, nos últimos cinco anos – um crescimento de incríveis 2.460%!

Vejamos mais alguns dados recentes

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• 23,52 assassinatos por 100 mil habitantes no Brasil em 2000, 50,19 assassinatos por 100 mil habitantes na Grande São Paulo em 2000;

• 1,9% do PIB gasto com tratamento de vítimas da violência; • 39,2% das mortes de jovens no Brasil, em 2000, foram por homicídio; • 43,6% das mortes de jovens nas capitais do Brasil, em 2000, foram por homicídio. - Em

São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, os homicídios responderam por mais da metade das mortes de jovens em 2000;

• 52% da população de São Paulo foi vítima de algum crime nos últimos cinco anos; • 37% da população de São Paulo foi vítima de algum crime em 2001.

Fontes: Fórum Metropolitano de Segurança, Secretarias Estaduais de Segurança Pública, Organização Mundial da Saúde (OMS), Ilanud, Unesco

CIDADES CAMPEÃS EM VIOLÊNCIA

HOMICÍDIOS DOLOSOS

SEQUESTRO

ROUBO DE VEÍCULOS

1.º Vitória 1.º Recife 1.º São Paulo

2.º Porto Velho 2.º São Paulo 2.º Rio de Janeiro 3.º Cuiabá 3.º Palmas e Florianópolis 3.º Porto Alegre ROUBO

ROUBO SEGUIDO DE MORTE ESTUPRO

1.º São Paulo 1.º Porto Velho e Porto Alegre 1.º Porto Velho

2.º Porto Velho 2.º Distrito Federal e Maceío 2.º Goiânia 3.º Porto Alegre 3.º Goiânia 3.º Manaus

CAUSAS DA VIOLÊNCIA

Quem ou o que causa a violência? As respostas são inúmeras e divergentes, mas, a mais comum atribui a violência ao tráfico de drogas. Alguns analistas chegam a afirmar que 80% dos crimes são fruto, direta ou indiretamente, do narcotráfico.

Outros tendem a encontrar a origem da criminalidade em outros fatores, como: a miséria, injustiça social, o baixo nível de educação, a perda de valores, a baixa qualificação das forças policiais, a dissolução da família tradicional, a falta de exemplos, a impunidade, a corrupção, o inchaço das cidades pelo êxodo rural, etc.

Sobre esse assunto, uma concepção que precisa ser corrigida no Brasil é aquela que responsabiliza o pobre pela violência. É certo que um pai, vendo um filho passar fome, possa ser induzido a cometer erros. Mas daí afirmar que o pobre é um ser violento em potencial, já é forçar demais o raciocínio.

A questão é que muitos ricos não matam, mandam matar. Além disso, ainda têm um batalhão de advogados para a sua defesa, sem falar em esquemas fraudulentos com a justiça. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica declarou que, em 2001, 350.000 brasileiros submeteram-se a cirurgias plásticas.

O número é elevado, mas o dado espantoso diz respeito ao peso das cirurgias reparadoras que, há sete anos, representavam 20% de todas as cirurgias. Ou seja, de cada dez pessoas que procuravam um profissional da plástica, duas buscavam atenuar marcas provocadas principalmente por agressão física ou acidente de carro, as oito restantes queriam investir na aparência: afinar a cintura, diminuir os culotes ou aumentar os seios com próteses de silicone.

Atualmente, as operações reparadoras correspondem a 50% do total. Infelizmente, esse aumento é reflexo de uma mazela nacional: a violência. Aumentou também o número de pacientes que procuram os hospitais para restaurar orelhas e dedos decepados, barrigas perfuradas a tiro e cortadas a faca, pés e

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mãos esmagados em desastres de carro, rostos desfigurados por socos violentos. “A violência no Brasil atingiu um patamar no qual já altera as estatísticas nacionais”, afirma o médico Luiz Carlos Garcia, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

A REAÇÃO DA POPULAÇÃO

Percebemos que existem tantas causas, mas como atacar o problema? Quem é o principal responsável para acabar com a violência? O governo estadual que, pela Constituição de 1988, é o responsável pela segurança pública? O município, que detém o conhecimento mais particularizado da realidade local? Ao Governo Federal que, da distante Brasília, muitas vezes pode impor as suas razões em virtude da capacidade orçamentária? Cada cidadão e cidadã brasileira? As famílias? As escolas? As religiões?

Uma sensação de impotência! Eis o que todo mundo sente quando se dá conta dessa realidade. No entanto, para os que acham que não há como reverter essa história, uma boa notícia: as pequenas atitudes que a gente tem no seu dia-a-dia já contribuem para uma mudança. Mas será que apenas isso resolve? “Claro que não, mas participar já é um começo.

É muito fácil culpar os games e a televisão e não fazer nada a respeito”, diz Débora de Mello, 18 anos, que já assinou um abaixo-assinado para exigir uma lei que ajude a desarmar a população. Ela também acha que estudar em uma sala com a marca de um tiro na janela é de tirar a concentração!

É claro que as autoridades têm que fazer sua parte. Na Inglaterra, por exemplo, a lei do desarmamento só foi aprovada depois de um massacre num jardim-de-infância. O governo entrou em ação e, hoje, quem for encontrado com uma arma pode pegar até dez anos de cadeia. Além disso, quase ninguém consegue um porte.

Outra boa reação são os projetos de arte em comunidades de baixa renda. Na Rocinha, a escola é local para aulas de break-dance. Na favela do Cantagalo, no Rio, a ONG Afro-Reggae organiza um curso de circo no espaço da escola. “Nossa presença inibe as atitudes violentas”, diz Sérgio Henrique, do Afro-Reggae.

COMO ATACAR O PROBLEMA?

Infelizmente, a convicção que se criou diante da violência é mais ou menos esta: - A violência cresceu tanto que somente armamento pesado, pena de morte... pode resolver a situação. Se quisermos construir uma sociedade mais humana, somos convocados a pensar diferente e, conseqüentemente, agir.

Para Alexandre Guilherme Motta, o problema da impunidade, da violência policial e tantos outros passam, antes de mais nada, por uma reavaliação de valores a serem ser levada a cabo por uma maior educação da população, pela necessidade de maior inclusão social e pela “cidadanização” de todos os brasileiros.

O Brasil, hoje, só é superado em violência pela vizinha Colômbia. Lá há lutas entre traficantes num verdadeiro clima de guerra civil declarada, com baixas de parte a parte como acontece em qualquer conflito armado. Aqui, somos divididos em combatentes e não combatentes, com a polícia em meio ao fogo cruzado, quando não vítima também da ousadia dos facínoras, homicidas e ladrões. Diante desse quadro, não há dúvida, a educação precisa oportunizar meios para salvar o que puder para a geração futura.

Modernidade Texto II: Minorias Sociais e Gênero Minorias Grupos minoritários - o termo grupos minoritários é amplamente utilizada na sociologia, sendo mais que uma distinção numérica, existem muitas minorias. Ex.:pessoas altas, magras, baixas, porém estas não são minorias segundo o conceito sociológico, minorias são um grupo inferior numericamente e

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estão em desvantagens sociais se comparados com a grande parte da população majoritária, sendo objeto de preconceito de tal grupo dominante, tal comportamento reforça a ideia de lealdade e de interesses comuns. Por isso quando a expressão “minoria” é usada pelos sociólogos não é em caráter numérico e sim a posição subordinada do grupo dentro da sociedade, pois o termo minoria expressa a situação de desamparo, os membros deste grupo estão normalmente isolados física e socialmente, costumam se concentrar em certos bairros, cidades ou regiões. Esses grupos costumam casar entre si para manter viva sua distinção cultural. Diferenças físicas, como a cor da pele, são, com frequência, o fator decisivo para designar uma minoria étnica, as diferenças étnicas são comuns em associações de desigualdades em relação à riqueza e ao poder. Com o crescimento cada vez maior da globalização, as culturas vêm sofrendo alterações comprometendo as identidades culturais. É uma espécie de “rotulação” mundial da cultura ou uma globalização cultural. Na sociedade consumista os meios de comunicação em massa determinam o que devemos comer vestir, assistir, ouvir, usar, comprar, entre outras imposições. Diante da “padronização” cultural, existem no mundo vários grupos com práticas culturais, religiosas peculiares, são grupos diferentes denominados de minorias, correspondem a grupos ou nações que lutam por seus ideais, o primeiro luta pelo respeito e cidadania, o segundo aspiram por sua independência territorial, cultural, religiosa e política, para defender os interesses de suas peculiaridades. Mas as minorias não são compostas apenas de nações reivindicando sua independência territorial, existem as minorias inseridas em praticamente todas as sociedades. A situação de exclusão e/ou discriminação provoca o surgimento de organizações que buscam dignidade e respeito através de ações políticas. Podemos exemplificar vários grupos de minorias, como os homossexuais, os sem terra, os sem teto, as feministas e os povos indígenas, todos eles tem seus motivos para lutar, todos eles são minorias dentro das sociedades, no fim todos querem o mesmo, ser respeitados. A questão do gênero Rachel Soihet, em seu livro "Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana, 1890-1920" cita que, "A honra da mulher está vinculada à defesa da virgindade ou da fidelidade conjugal, sendo um conceito sexualmente localizado, da qual o homem é o legitimador, já que esta é dada pela sua ausência através da virgindade ou pela sua presença legítima com o casamento. Essa idéia é tão poderosa que extrapola a própria mulher, abrangendo toda a família." Segundo o dicionário Aurélio, Gênero quer dizer, "grupo de seres que se assemelham por seus caracteres essenciais", "reunião de corpos orgânicos que constituem espécie; raça; família; sorte; qualidade; casta; modo; maneira; objeto; coisa", entre outras distinções. A relação gênero, é dada maneira de olhar a realidade da vida (das mulheres e dos homens) para determinar e compreender, primeiro as relações sociais entre mulheres e homens, em segundo, as relações de poder entre mulheres e homens, mulheres e mulheres, homens e homens, assim é nas relações sociais que se constroem os gêneros. Essa capacidade de poder constitui na capacidade de uma ação de um sobre o outro, prestando o conjunto de dominação, de A sobre B. Não há o que discutir que há muito tempo, as mulheres das classes trabalhadoras e camponesas exerciam atividades fora do lar, nas fabricas, nas oficinas e nas lavouras. Mesmo que primeiramente essas atividades tenham sido feitas por homens ou mesmo organizadas pelos mesmos. Na realidade a qualidade de diferença sexual apresenta apenas como anatomofisiológicas que existem e caracterizam homens e mulheres. Gênero tem sido desde a década de 1970, o termo usado para teorizar a questão da diferença sexual. Foi inicialmente utilizado pelas feministas americanas que queriam insistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indica uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual. O gênero se torna inclusive, uma maneira de indicar as construções sociais, a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e as mulheres. O gênero sublinha também o aspecto relacional entre as mulheres e os homens, ou seja, que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois pode existir através de um estudo que os considere totalmente separado. Vale frisar que esse termo foi proposto por aqueles que defendiam que a pesquisa sobre as mulheres transformaria fundamentalmente os paradigmas da disciplina, acrescentaria não só novos

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temas, como também iria impor uma reavaliação crítica das premissas e critérios do trabalho científico existente. Dessa forma, gênero não passa da maneira como homens e mulheres se assumem em dada sociedade, isso permanentemente dentro da própria história. Gênero, assim não passa de uma realização cultural. Portanto, podemos identificar gênero como um conjunto de características sociais, culturais, políticas, psicológicas, jurídicas e econômicas atribuídas às pessoas de forma diferenciada de acordo com o sexo. Se, as características de gênero são construções socioculturais que variam através da história e se referem aos papéis psicológicos e culturais que a sociedade atribui a cada um do que considera "masculino" ou "feminino". Sexo não passa de características físicas, biológicas, anatômicas e fisiológicas dos seres humanos que os definem como macho/fêmea. Reconhece-se a partir de dados corporais, genitais, sendo o sexo uma construção natural, com a qual se nasce. A situação das mulheres variou durante o longo tempo histórico, concomitantemente (no tempo e no espaço). Sendo necessário que se demonstre que as mulheres têm sido agentes ativos na história da humanidade. É necessário que se entenda que existem diferenças hierárquicas entre relações de homens e mulheres, a existência de concepções variadas a respeito de mulher e homem. Dessa maneira surge a dificuldade de identificar a construção do sujeito Mulher. Se existem diferenças sexuais quanto a trabalho, dessa forma homens e mulheres atuam simultaneamente na produção como na reprodução de seu espaço. No decorrer da história tem sofrido a mulher atos de barbárie, quanto à desigualdade que vem sofrendo ao longo do tempo histórico. Porém, com o passar do tempo está conseguindo atribuir valores morais e sociais que não as mantém em inércia, quanto aos valores do homem. A mulher na realidade aceitava o papel de submissa do poder do homem, assim acomodou-se no seu espaço doméstico, quer e deseja ainda ser a rainha do lar. Está mulher aceita como seu representante o homem, assim reconhecendo no homem a faculdade de cuidar dos direitos de ambos. Foi necessário que as mulheres tirassem o avental e buscassem de forma sistêmica os seus direitos quanto ao que os homens estavam devendo-as. Se todos são iguais e direitos onde apareceria a mulheres nessa lógica. A mulher precisava de uma emancipação quanto ao grau de identificação própria, que auto valorizasse como pessoa sujeita de diretos e composta de comportamentos idênticos aos seus semelhantes.

Discriminação nas minorias sociais 1. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Em primeiro lugar precisamos compreender o contexto em as minorias começam a se destacar. Para isso vamos traçar os contornos desse momento... 2. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias A era da globalização e o seu processo vêm promovendo em todo o mundo a massificação, a homogeneização e a padronização cultural. Como exemplos do nosso cotidiano, podemos ressaltar as roupas, os cortes de cabelo, os calçados, os automóveis, a música, a alimentação dentre outros... 3. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Nesse mundo, grandes contingentes de pessoas se transformam em robôs vivos de uma sociedade desumanizada, na qual todos se assemelham. Os filmes de ficção científica, que de certo modo reproduzem um padrão de comportamento, aproximam-se cada vez mais da realidade. 4. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Nesse panorama muitas mudanças sociais estão acontecendo... Instituições tradicionalmente inabaláveis parecem cair em descrédito... E uma sociedade complexa e diferenciada emerge

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5. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Nessa sociedade diversos grupos sociais minoritários (grupos étnicos, religiosos, sexuais, políticos e regionais) buscam espaço social e geográfico. Buscam também a sua identidade social e cultural. E passam a se organizar para defender seus interesses, ressaltando suas particularidades. 6. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Por sentirem-se excluídos esses grupos tiveram a necessidade de afirmar a sua própria identidade Reivindicando seus direitos e contestando as normas sociais, organizando movimentos de cunho social, político, sexual, religioso, racial, conferindo um novo sentido à noção de cidadania. 7. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Sendo assim, é possível concluir que a EXCLUSÃO SOCIAL tende a dar origem a DIFERENTES GRUPOS MINORITÁRIOS. 8. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Como exemplo de minorias organizadas em nossa sociedade democrática citamos:

• a luta dos homossexuais pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo; • os sem-terra que ocupam latifúndios improdutivos reivindicando reforma agrária; • os sem-teto que invadem loteamentos ou áreas urbanas para obter uma habitação digna; • grupos feministas que exigem igualdade de condições de trabalho e de salário para as

mulheres em relação aos homens; • grupos indígenas que reivindicam a demarcação de suas terras.

9. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Até o presente momento nós estamos estudando sobre os grupos sociais minoritários... Ou seja.... Um determinado grupo de pessoas que não pensa e não age como a maioria dos indivíduos da sociedade, por motivos variados. Eis que surge a seguinte questão: PODE A MAIORIA SER MINORIA? 10.Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias VOCÊ JÁ OUVIU FALAR EM MINORIAS MAJORITÁRIAS ? É possível acontecer de uma minoria ser formada pela maior parte da população. Como assim? Apesar de parecer contraditório, o que é levado em consideração nesse caso é o PODER. 11. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias O FATO É QUE AS MINORIAS MAJORITÁRIAS OCUPAM NA ESTRUTURA DE PODER UMA POSIÇÃO DE SUBORDINAÇÃO DIANTE DE UMA MINORIA AUTORITÁRIA E PODEROSA. 12. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Exemplo claro e de fácil compreensão: Os escravos de qualquer época e lugar são exemplos de minorias majoritárias diante de governos escravistas que formam o grupo minoritários nesses sistemas. Outro exemplo foi o Apartheid na África do Sul, em que a maioria negra foi subjulgada pela minoria branca. 13. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Com relação às discriminações das minorias, fica o exemplo e a atitude da educadora Jane Elliot. 14. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias

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Desde 1968, quando ganhou um Emmy pelo documentário “The Eye of the Storm”, a educadora americana Jane Elliot dedica-se à realização de workshops, onde ela aplica um exercício de um dia de discriminação a um grupo de pessoas. O documentário Olhos Azuis conta a experiência de um desses workshops. 15. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias O workshop funciona da seguinte maneira: Os participantes são expostos a um exercício de discriminação baseado na cor dos seus olhos. Os participantes de olhos azuis são marcados com um colar e são identificados como o grupo inferior. Todos os estereótipos negativos que geralmente são aplicados a mulheres, negros, homossexuais... por homens e pessoas brancas são aplicados a eles. 16. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Os que não possuem olhos azuis são designados como superiores e são incentivados a discriminar fortemente os "outros", chamados de forma depreciativa de "olhinhos azuis". Durante o período de discriminação os olhos azuis são severamente criticados, xingados, tratados como inferiores, e tudo é atribuído somente à cor dos seus olhos. Frases do tipo: "isso só podia vir de um olho azul mesmo", ou "seu olhinho azul" (dita com total desprezo) são proferidos em vários momentos pelo instrutor e pelos participantes marcados como superiores. 17. Grupos Sociais Minoritários: discriminação das minorias Muitos questionam o método classificando-o como "cruel" e "desumano" (especialmente porque ela o aplica frequentemente em crianças da escola em que ela ensina). A professora já tem a resposta na ponta da língua e leva o espectador a refletir: se um dia, um único dia de discriminação causa tamanho efeito em uma pessoa, o que dizer de uma vida inteira cercada pelo preconceito? Como uma criança que é discriminada desde o momento do seu nascimento pode competir em igualdade com outra que é estimulada, amada e incentivada? Isso não é cruel? Não é totalmente desumano?

OS DIREITOS HUMANOS NO COTIDIANO

Primeiras palavras... São os direitos que o povo Precisa então conhecer Não digo nada de novo Mas quero oferecer Uma leitura singela Que a moça da janela Possa ler e entender

Trecho do cordel: “Direitos Humanos: isto é fundamental”, autoria de Salete Maria da Silva

1. Os direitos humanos Você certamente já tem muita experiência e contato com os “direitos humanos”, seja na sua

comunidade ou na organização de que faz parte, ou mesmo individualmente. Pode ser que você tenha sofrido violações de direitos humanos. Ou talvez tenha participado de lutas e conquistas que melhoraram a situação dos direitos humanos de moradia, alimentação, saúde, trabalho, do povo negro, indígenas, das crianças, adolescentes, etc. Todas essas experiências são muito enriquecedoras para este curso e pedimos que você partilhe dessas vivências com seu tutor e seus colegas ao longo do nosso trabalho.

No geral, as pessoas relacionam a expressão “direitos humanos” a acontecimentos próximos ao nosso cotidiano, como o assassinato de Chico Mendes e do índio Galdino, a chacina da Candelária, o massacre do Carandiru, estupro da jovem de Abaetetuba (presa em uma cela masculina no Pará), a situação dos sem-teto, as lutas e manifestações dos sem-terra, a violência contra a criança, a discriminação do povo indígena e do povo negro, os abusos contra a mulher, a pobreza, a miséria; ou então, lembram de grandes temas da história, como a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa.

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Saiba que, se, ao pensar em direitos humanos, você se lembrou de situações como essas, você acertou. No caso, os assassinatos e chacinas referem-se a violações e injustiças que vão contra o conceito de direitos humanos que você já tem. Os episódios da Independência Americana e da Revolução Francesa referem-se a momentos históricos em que se afirmaram noções de direitos humanos.

O que hoje chamamos de direitos humanos fazem parte de uma construção histórica, de muitas lutas e conquistas que foram expressas pela primeira vez em sua forma atual na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Ela surgiu da preocupação de criar um código de conduta internacional que diga quais são os “direitos fundamentais da pessoa humana”, que expressam o mínimo necessário para viver com dignidade Em outras palavras, os Direitos Humanos surgiram ao mesmo tempo como ferramenta e como objetivo da luta por uma vida digna. Como ferramenta porque, através da idéia de direitos humanos, somos capazes de entender os problemas de nossa realidade. E também são objetivos, pois os direitos humanos também precisam se tornar realidade, para que as pessoas vivam com dignidade.

1.1. Por que surgiu a Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948?

Atos de violência e atrocidades, que hoje chamamos de violações de direitos humanos, fazem parte da história da humanidade – e do Brasil também. Desde o massacre e escravização dos povos indígenas, assim como dos povos africanos, mesmo a história de um País jovem como o Brasil é cheia de episódios trágicos e violentos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos somente foi criada em 1948, como forma de reação contra as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, quando Hitler comandou o genocídio de judeus e outras minorias nos campos de concentração.

Nessa guerra houve mais mortos do que em todas as outras guerras anteriores juntas. Ela “resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração, com a morte de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos...” (PIOVESAN, 2006, p. 13). Também foi a primeira vez na história contemporânea em que os exércitos atacaram diretamente a população comum, e não apenas outros exércitos. Cerca de trinta milhões de civis morreram nessa guerra, muito mais do que os soldados mortos. Não bastasse isso, também foram lançadas as bombas atômicas contra as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

A Segunda Guerra Mundial, com todos estes fatos terríveis, foi o grande motivo para a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), para a revisão das leis que regem as guerras (as Convenções de Genebra) e a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. A Declaração foi elaborada também com o propósito de substituir um sistema de proteção às minorias, que foi criado depois da Primeira Grande Guerra, mas que se mostrou inútil contra as atrocidades cometidas na nova guerra. Era necessário estabelecer uma nova forma de os países e as pessoas se relacionarem.

1.2. Pilares que fundamentam os direitos humanos: Os Direitos Humanos são as coisas que precisamos para ter uma vida digna. Sua ênfase não está na

caridade ou na filantropia, mas sim na autonomia e no protagonismo das pessoas, através da solidariedade e do respeito à diversidade. Veja a introdução da Declaração. Ela apresenta os motivos que levaram os países a assinarem o documento e os pilares ou bases que devem sustentar os direitos humanos em todas as pessoas.

A partir do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, podemos listar os princípios por trás dos direitos humanos:

• DIGNIDADE • IGUALDADE • LIBERDADE • JUSTIÇA

Os direitos humanos nascem do reconhecimento do valor e da dignidade da pessoa humana. Essa

dignidade de todas as pessoas significa que o ser humano vale pelo que é, por ser humano, por ser pessoa. Esse valor é inegociável. Não pode ser comprado ou vendido. Todo ser humano merece respeito. Tem DIREITOS HUMANOS!!!

Se possível, ouça o texto de Casaldáliga, na voz de Carlos Straccia: http://dh.educacaoadistancia.org.br/arquivos/audios/Artigo_sexto_revisado.mp3 Caso não seja possível, leia o texto abaixo que explica o sentido da universalidade dos direitos

humanos. “Todo homem – e toda mulher! – tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido

como pessoa perante a lei.” Independentemente do sexo, da cor, da idade, do credo, do país, do grau de escolaridade ou

até de grande cidadania, santos ou criminosos, nenéns ou vovozinhos, sendo gente – apenas

gente, todo homem e toda mulher são pessoas.

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E devem ser reconhecidos como tais na vida de casa e da rua, na família e na sociedade, no

trabalho e no lazer, na política e na religião. Também nos canaviais e nas carvoarias.

Também nas penitenciárias e sob os viadutos. Diante dos olhos dos transeuntes e ante as

câmeras de televisão. Em todos os lugares, pois, deste redondo planeta azul que é a Terra. (...) – Não é um cara; é uma pessoa. Não é uma vagabunda; é uma pessoa. Não é um

estrangeiro; é uma pessoa; não é um mendigo (para brincar de fogo com ele!); é uma

pessoa. (Uma pessoa, senhora juíza!) (CASALDÁLIGA, 2002, p. 85)

Pausa para reflexão O que você acha desses fundamentos para os direitos humanos? Para você, qual desses princípios está

mais destacado, na Declaração? E qual deles é mais bem descrito no texto que você acabou de ler? Reflita, também, sobre como se expressam esses princípios nas suas lutas.

2. O que são direitos humanos? “Não há nada mais Humano,Que a humanidade, (de) respeitar os direitos do outro”.

Liu Onawale Costa

Desde a publicação da Declaração Universal, “direitos humanos” é o nome dado às necessidades básicas de todo ser humano, como os direitos à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, à liberdade de expressão, à liberdade política e outros, que vamos conhecer com mais detalhes mais tarde. DIREITOS HUMANOS = Necessidades essenciais da pessoa, de todos os seres humanos

É importante dizer que direitos humanos não significam assistencialismo, filantropia ou caridade. Os

direitos humanos servem para EMPODERAR as pessoas, ou seja, fazer com que elas sejam as donas de suas próprias vidas para fazerem o que quiser delas – e não ficarem apenas como vítimas que aguardam esmolas. As pessoas devem ser as protagonistas, os “atores e atrizes principais” das suas próprias vidas.

Esse “EMPODERAMENTO” significa, principalmente, que as pessoas não podem ficar esperando que um salvador da pátria chegue para “conceder” os direitos humanos, que todos já possuem. O povo precisa se organizar para reivindicar seus direitos humanos, seja através das associações de bairro, sindicatos ou até partidos políticos ou ONGs.

Importante! Todos os seres humanos, independentemente de sua idade, sexo, raça, etnia, opção em relação à religião, ideologia, orientação sexual, ou qualquer característica pessoal ou social, possuem direitos humanos. Qualquer tipo de discriminação que mantenha ou promova desigualdades consiste em uma violação de direitos humanos.

2.2. Características dos Direitos Humanos • São para todos: são universais. • Não podem ser pela metade: são indivisíveis. • Realizam-se juntos, estão ligados uns com os outros. Precisamos de todos eles ao mesmo tempo.

A falta de um prejudica outros: são interdependentes. • A realização de um direito ajuda os outros, e enfraquecer um direito também enfraquece os

outros: são inter-relacionados. • Não ficam em cima do muro. Fazem opção preferencial e tomam partido, ficando do lado dos

explorados, discriminados, fracos e vulneráveis: não são neutros. • Não surgem que nem mato na floresta e tampouco caem do céu: têm que ser conquistados com

muita luta. • Não é possível realizar alguns e ignorar outros: são inseparáveis. • Nenhum dos direitos humanos é mais importante do que os outros: são não-hierárquicos. • Não viram realidade de repente, de uma hora para a outra: são progressivos (mas podem ser

diminuídos ou perdidos, se não são suficientemente protegidos por leis “que peguem”, ou se descuidar da mobilização e da luta)

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• Não se pode abrir mão deles: são inalienáveis • Não admitem exceção, nem justificativa para serem violados: são invioláveis.

3. Privilégios X direitos humanos

Os direitos humanos se realizam quando todo o povo goza do mínimo que nós, pessoas, precisamos para buscar a felicidade: respeito, saúde, moradia, educação, trabalho, liberdade para formar sua própria opinião e expressar suas idéias e crenças. Isso também inclui a liberdade para se organizar politicamente, o direito de usufruir os avanços tecnológicos, quando podemos nos mover pelo território livremente etc. Quando só alguns possuem estas condições, os direitos se transformam em privilégios de poucos. As outras pessoas são excluídas, e para elas o que sobra é a discriminação. Hoje, a exclusão e a discriminação possuem várias formas: quando algumas pessoas são muito ricas, enquanto a grande maioria fica cada vez mais pobre; quando alguns grupos mandam e desmandam no seu governo, enquanto o povo é oprimido pela polícia ou pelo exército.

Os direitos humanos surgiram das lutas para acabar com privilégios, e se tornaram os princípios fundadores de um jeito novo de encarar o mundo. Por isso, a dignidade da maioria das pessoas depende de que todos os direitos humanos que estamos estudando sejam realmente cumpridos, protegidos, garantidos, realizados e desfrutados.

4. Direitos humanos como forma de encarar conflitos Não é coincidência o fato de um documento importante como a Declaração Universal ter sido criado

logo depois da guerra mais devastadora da história. A idéia de direitos humanos surgiu para impedir que as tragédias da Segunda Guerra Mundial (e de outros conflitos) se repitam, a exemplo das ditaduras nazi-fascistas e os massacres nos campos de concentração. É claro que simples idéias não podem impedir a violência sozinhas. Mas idéias, como os direitos humanos, podem nos ajudar a enfrentar a violência, e até a evitar conflitos armados: estas idéias ajudam a organizar o povo para lutar por seus direitos.

Importante

Os direitos humanos são idéias que nos ajudam a entender o que está de errado em um conflito, quem é a vítima e quem é o violador. Esse é um conceito muito importante, pois outra de nossas tarefas será entender como encarar os conflitos que ocorrem no nosso dia-a-dia.

CONFLITOS NÃO SÃO PROBLEMAS? É muito comum as pessoas acharem que os conflitos são sempre ruins, sempre negativos. Os

conflitos, porém, são normais e não são em si positivos ou negativos, maus ou bons. É a forma como enfrentamos ou encaramos os conflitos que os torna negativos ou positivos, construtivos ou destrutivos. A questão central é como se resolvem os conflitos: se por meios violentos ou através do diálogo. Os conflitos devem ser entendidos como parte da vida: ou seja, o problema em geral reside na forma como os conflitos são enfrentados e resolvidos.

Diferença entre conflito e briga Conflitos não significam sempre intolerância ou desentendimento, nem se confundem com briga. A

briga já é uma resposta ao conflito. Um conflito pode ser definido como a diferença entre dois objetivos, que são buscados por partes de uma sociedade. Vamos separar os conflitos em três níveis: pessoais, grupais ou entre nações. Frente ao conflito, as pessoas em geral assumem três tipos de atitudes:

a) ignorar os conflitos da vida; b) responder de forma violenta aos conflitos; c) lidar com os conflitos de forma não-violenta, por meio do diálogo. Os benefícios dos conflitos Simplesmente negar a existência do conflito não ajuda a solucioná-lo. Ao contrário, pode até

fomentar a violência, pois se ignora que a outra pessoa é diferente, e que tem objetivos distintos. Por outro lado, quando aprendemos a lidar com o conflito de forma não-violenta, deixamos de encará-lo como o oposto da paz, e passamos a vê-lo como um dos modos de existir em sociedade.

Entre os benefícios do conflito, podemos citar: a) estimulam o pensamento crítico e criativo; b) melhoram a capacidade de tomar decisões; c) nos lembram de que sempre existem opções; d) incentivam formas diferentes de encarar problemas e situações; e) melhoram relacionamentos e o respeito pelas diferenças; f) promovem autocompreensão.

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Paz e conflitos O conflito não é um obstáculo à paz. Contudo, para construir uma cultura de paz é preciso mudar

atitudes, crenças e comportamentos. A paz é um conceito dinâmico, que está sempre em mudança, que nos leva a provocar, enfrentar e resolver os conflitos da vida de forma não-violenta.

Uma educação para a paz reconhece o conflito como um trampolim para o desenvolvimento: que não busca a eliminação dos conflitos, mas que procura modos criativos e não-violentos de resolvê-los. Podemos falar de três caminhos fundamentais:

a) prevenção do conflito, preparando a sociedade para tratar possíveis causas de violência e injustiça antes que os problemas explodam. É um esforço de construção de sistemas de alerta e de mecanismos que ajudem a analisar as causas dos conflitos;

b) resolução, ou seja, o enfrentamento do problema e a busca de mecanismos institucionais, seja a Justiça comum ou outro processo, como a mediação, para resolver o conflito;

c) transformação, ou seja, quando as pessoas buscam estratégias para mudar e, assim, superar os problemas. Assim, elas abrem caminho para a mudança, a reconciliação e a construção de relações positivas.

No módulo II, falaremos sobre conflitos mediáveis e não - mediáveis do ponto de vista dos direitos humanos.

5. Direitos humanos X realidade Como dissemos antes, nenhum direito humano pode ser usado para justificar a violação de outro. As

pessoas começam a identificar que os seus próprios direitos podem converter-se em conflitos com os direitos de outras pessoas. Diante da seguinte reflexão “Como estes conflitos podem ser resolvidos?”, convém explicitar que “Todos os conflitos devem ser resolvidos dentro de um contexto de direitos humanos”.

Isso não é fácil. Os direitos humanos nos ajudam a imaginar como gostaríamos que o mundo fosse, ajudam a enxergar o que está errado em nossa realidade, contudo não fazem as coisas acontecerem como por mágica. Ou seja, não quer dizer que, amanhã, o Governo vai lhe dar uma casa, um emprego ou comida.

Ter direitos humanos significa assumir o controle de sua própria vida, como também significa trabalhar muito, organizar a sua comunidade, seus companheiros de trabalho, exigir políticas públicas que atendam seus direitos – e não permitir que governos ou políticos façam clientelismo com os serviços públicos. Significa exigir a realização dos direitos que o Governo é obrigado a cumprir e também cooperar com o governo, mas principalmente significa sermos pessoas independentes e autônomas, que sabem viver em sociedade, cooperando pelo bem comum e respeitando as diferenças. Respeito é uma idéia importante, pois não é possível para uma pessoa ter uma vida digna, se ela não for respeitada.

São ideais como esse que a Declaração Universal dos Direitos Humanos procurou resgatar, em 1948. Passados 60 anos, ainda estamos muito longe de realizar tudo o que foi contemplado pela Declaração Universal, mas a criação desse documento foi um passo muito importante para a realização dos direitos humanos. A Declaração foi assinada por todos os países do mundo, e se tornou um compromisso que os governantes têm de respeitar nas suas políticas públicas e mesmo nas relações internacionais. E nós cidadãos temos a função de cobrar dos governos o cumprimento desse compromisso, seja através de novas leis, programas ou projetos. A luta e a participação popular são, portanto, fundamentais para irmos além da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

OS DIREITOS HUMANOS ESTÃO EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃO Não poderemos discutir todos os direitos humanos em profundidade neste curso, nem é nossa

proposta. Mas é importante lembrar que os direitos humanos, mais do que a Declaração Universal ou outras leis, são um conceito dinâmico: isto quer dizer que o entendimento do que são direitos, assim como as formas de torná-los realidade, mudam com o passar dos anos. Por exemplo, hoje os computadores e a internet são importantíssimos em várias áreas, da Educação à qualificação profissional. É por isso que existem tantos projetos de “inclusão digital”.

Da mesma forma, o direito ao desenvolvimento, por exemplo, não está na lista da Declaração Universal, mas foi construído e reconhecido, inclusive pelas Nações Unidas na Declaração do Direito ao Desenvolvimento de 1986. Os direitos das pessoas com deficiência foram reconhecidos na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, criada em 2006, e assim por diante. Os direitos humanos, portanto, é uma coisa viva, em constante mudança e modernização.

Os direitos humanos que não estão incluídos nos próximos módulos não são menos importantes, como dissemos antes. A idéia deste curso é nos concentrar em direitos mais ligados ao dia-a-dia de todos nós, mais concretos. A partir deles, nós falaremos um pouco dos outros direitos, e também de como lidar com os conflitos que surgem da sua realização.

POLÍTICA SOCIAL

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A existência de políticas sociais pode ser considerada como um fenômeno associado à constituição da

sociedade burguesa, ou ao modo capitalista de produzir e reproduzir-se. De acordo com alguns

estudiosos no assunto, seu inicio foi marcado, como do final do século XIX com a criação e

multiplicação das primeiras legislações e medidas de proteção social, generalizando-se após a segunda

guerra mundial, com a construção do Welfare State nos países da Europa Ocidental, com o plano

Beveridge - Inglaterra, 1942, e com os diversos padrões de proteção social tanto nos países de

capitalismo central, quanto nos países de periferia. O que se sabe, porém, é que, a avaliação desse

universo está relacionada às relações entre as classes sociais e os segmentos de classe ou forças

sociais, além das condições econômicas gerais, que de alguma maneira, interferem nas opções

políticas e econômicas dos governos.

O que de fato, se tem como registro histórico, é que, a preocupação com o bem-estar na sociedade, ou

o que fazer com os menos favorecidos os considerados pobres, e o papel do Estado nesses processos,

remota há muito tempo atrás. Podemos listar alguns dos fatos históricos nos comprovando essa

trajetória de acontecimentos, tais como: a decadência da sociedade feudal e da lei divina entre os

séculos XVI e XVII discutindo sobre o papel do Estado; em Maquiavel também podemos constatar

uma mesma preocupação, pois abordava o exercício do poder político por meio do Estado; Hobbes,

também em seu Leviathan (1651), apontava as ações voluntárias dos homens, que, com intuito de

preservar a liberdade natural e com o medo da violência e da guerra, renunciavam à liberdade

individual em favor do monarca absoluto. Outras contribuições se fizeram presentes, com Locke, na

origem do poder como num pacto estabelecido pelo consentimento mútuo dos indivíduos no sentido

de preservar a vida, a liberdade e a propriedade; Jean-Jacques Rousseau, com o seu Contrato Social,

de 1762 e a concepção de que a sociedade civil é imperfeita porque foi corrompida pela propriedade.

Com o liberalismo, a maneira de pensar a economia e a sociedade surge também, o desejo de romper

as amarras entre o clero e a aristocracia ou o Estado Absoluto, a visão social de mundo do liberalismo,

adequava-se ao papel revolucionário da burguesia que Marx tão bem explorou em seu livro: "O

Manifesto do Partido Comunista", esgotando-se quando o capital se torna hegemônico e os

trabalhadores começam a formular seu projeto autônomo desconfiando dos limites da burguesia a

partir das lutas de 1848. Já para Smith o Estado deve fornecer a base legal, para que o mercado livre

maximize os “benefícios aos homens”, Estado mínimo, sob forte controle dos indivíduos que

compõem a sociedade civil.

Na segunda metade do século XIX e no início do século XX, o liberalismo enfraquece suas bases

materiais, resultando em alguns processos político-econômicos, tais como: o crescimento do

movimento operário, que acabou ocupando espaços políticos importantes, reconhecendo direitos de

cidadania política e social mais amplos para esses segmentos; a vitória do movimento socialista em

1917, na Rússia, numa atitude defensiva do capital frente ao movimento operário; mudanças no

mundo da produção, com o advento do fordismo, conferindo maior poder coletivo aos trabalhadores; a

concentração e monopolização do capital.

Já na formulação de Marshall (1967) sobre a cidadania, em 1949, o tema da política social ganha um

novo estatuto teórico, destacando-se o padrão de bem-estar social europeu, nas postulações liberais em

que a educação era o único direito social incontestável, tendo sido esta, categoricamente definida

como uma igualdade humana básica. Sustentando que, o conceito de cidadania, em sua fase madura,

comporta: as liberdades individuais expressas, pelos direitos civis - direito de ir e vir, de imprensa, de

fé, de propriedade, os direitos políticos - de votar e ser votado, de participar do poder político; e os

direitos sociais, caracterizados como o acesso a um mínimo de bem-estar econômico e de segurança,

com vistas a levar a vida de um ser civilizado.

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Com o neoliberalismo, o desemprego estrutural tende para o aumento de programas sociais, as

demandas do capital em torno dos super lucros apontam para a diminuição dos gastos sociais. Tendo

como resultado, um processo conflituoso de negociação e luta de classes e seus segmentos, que se

colocam em condições desiguais nas arenas de negociação disponíveis no Estado democrático de

direito, o que leva a conflitos também extras institucionais.

Diante dessas e de outras não citadas interações, podemos claramente constatar, que a política social

atendeu às necessidades do capital e do trabalho, como questão de sobrevivência, configurando-se,

nesse contexto da estagnação, como um terreno importante da luta de classes: da defesa de condições

dignas de existência, em face da ofensiva capitalista em termos do corte de recursos públicos para a

reprodução da força de trabalho. E que a tradição marxista propiciou fecundos argumentos para uma

explicação do significado social da política social na dinâmica da produção e reprodução das relações

sociais no capitalismo de ontem e de hoje.

Política Social no Brasil

A Estrutura Social

Em suas linhas mais gerais, a estrutura social de um país é dada pela sua estrutura demográfica, sua

ocupação, a distribuição da riqueza entre seus habitantes, e sua distribuição espacial e geográfica.

Entram neste grande painel, além disto, a existência de divisões de natureza étnica e cultural, e o que

se pode denominar de “capital humano”, a educação. A sociedade brasileira vem se transformando

rapidamente ao longo das últimas décadas, a tal ponto que a agenda social muitas vezes e é superada

pelos fatos.

O exemplo mais claro destas transformações é a mudança nas taxas de fecundidade, que afeta

diretamente o crescimento e as características mais gerais da população. Entre 1950 e 1980, o Brasil

cresceu a uma taxa média anual de 2.8%, o que significa que a população dobrava a cada 25 anos. Em

2000, esta taxa estava estimada em 1.33, o que significa uma duplicação a cada 55 anos. Como esta

taxa vem caindo, a expectativa é que, por volta de 2020, a população brasileira já tenha parado de

crescer, e começado a se reduzir. No passado, políticas de controle da natalidade eram proclamadas

como essenciais para resolver os problemas sociais do país, e ainda hoje ainda existe quem defenda

este ponto de vista, já totalmente ultrapassado pelos fatos. A redução da fecundidade da população não

foi o resultado de nenhuma política governamental deliberada, mas a conseqüência de uma série de

fatores que incluem o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a mudança da população do

campo para as cidades, o aumento da educação, o aumento da informação e da disponibilidade de

meios contraceptivos, e a mudança nos valores e na cultura da população.

O impacto desta transformação é enorme. Por um lado, o Brasil começa a deixar de ter os problemas

de um “país jovem”, que precisa abrir cada vez mais escolas, criar cada vez mais empregos, e construir

mais casas para uma população em constante crescimento; e começa a ter os problemas de um país

adulto, que começa a envelhecer. O impacto sobre a educação é o mais visível: até recentemente, ainda

se insistia na prioridade em abrir cada vez mais escolas; hoje, como que de repente, a cobertura escolar

no primeiro grau já é de quase 100%, e muitos estados começam a confrontar o problema de salas

vazias. A redução da pressão sobre o mercado de trabalho vai se fazer sentir com mais força nos

próximos anos, quando o tamanho das novas gerações buscando emprego começar se tornar menor a

cada ano. Com uma população jovem cada vez menor, e uma população mais velha ainda

relativamente reduzida, a taxa de dependência da população (ou seja, o número de crianças e velhos

que cada adulto deve sustentar) se reduz cada vez mais, fazendo com que as gerações jovens tenham a

oportunidade de investir mais em si mesmas, e poupar para o futuro. É uma janela de oportunidade

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que irá desaparecendo, na medida em que a população envelheça, aumentando a carga de dependência

das novas gerações. O envelhecimento da população coloca na ordem do dia os problemas dos custos

crescentes das aposentadorias, as necessidades de atendimento médico, cada vez mais caro, dos

idosos, e toda a questão social do amparo à velhice, que até recentemente não fazia parte da

preocupação dos brasileiros.

A outra transformação dramática ocorrida no Brasil nos últimos anos foi a transição da população do

campo para as cidades. Para muitos, o Brasil ainda é visto como um país predominantemente rural,

dominado pela política, economia e cultura do interior. Os entusiastas da reforma agrária ainda

pensam que o futuro do Brasil depende de uma revolução no campo, como se pensava cinqüenta anos

atrás. No entanto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE de 1992 já mostrava que

apenas 22% da população do país vivia em área rural; em 2001, esta percentagem havia caído para

16%. Em termos de ocupação, 20.6% da população ativa do país se dedicava a atividades rurais,

muitos vivendo em regiões urbanas e trabalhando como assalariados, e não camponeses de tipo

tradicional; enquanto outros, embora vivendo em zonas rurais, se dedicavam a atividades de prestação

de serviços, comércio de mercadorias, e outras.

Apesar da pequena melhoria, o avanço foi claramente insatisfatório, especialmente para a população

de menor renda. A desigualdade de renda no Brasil é considerada uma das mais altas do mundo,

evocando a imagem de um país dividido entre uma pequena elite de altos rendimentos e uma grande

população vivendo miseravelmente. Esta interpretação não é correta, porque os dados se referem a

diferenças de rendimento monetário, e não riqueza enquanto tal. Eles excluem, assim, tanto as

transferências e os rendimentos não monetários, que podem ser significativos para as famílias mais

pobres, sobretudo na área rural, quanto os recursos provenientes da riqueza acumulada, que podem ser

importantes para os mais ricos. Estudos econométricos mostram que, dos diversos fatores que afetam a

renda - região, idade, sexo, raça, tipo de ocupação, educação, etc - o mais importante, de longe, é a

educação. Em 2001, o rendimento mensal médio de quem tinha educação superior era cerca de 2.200

reais - um bom salário de classe média, mas longe de indicar riqueza - enquanto que o rendimento

médio de quem não tinha educação era dez vezes menor. A implicação deste fato é que o caminho

mais importante para uma melhor distribuição da renda é o aumento e a melhor distribuição das

oportunidades educacionais, e não a redistribuição da riqueza.

Pobreza, miséria e indigência Pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2001, haveria no Brasil cerca de 25

milhões de pessoas vivendo com uma renda familiar mensal per capita de cerca de 40 reais ou menos

(pouco mais de um dólar por dia), e outras 16 milhões vivendo com até 60 reais mensais (dois

dólares). No total, cerca de 55 milhões vivem com meio salário mínimo mensal ou menos. Que

significam estes dados, em termos de condições de vida da população? Será que a população brasileira

de baixa renda não tem o que comer, como faz crer a prioridade dada pelo governo de Luis Ignácio da

Silva ao Programa Fome Zero?

Não existem informações sistemáticas e confiáveis sobre os padrões alimentares da população

brasileira, e as estimativas de desnutrição feitas a partir dos dados de renda são indiretas demais para

serem tomadas de forma literal, assim como são arbitrárias as tentativas de estabelecer “linhas de

pobreza” de um ou outro tipo. Existem, por outro lado, uma série de indicadores sobre as condições de

vida e padrões de consumo das famílias brasileiras, que podem servir de indicação indireta sobre

condições de vida. Estes indicadores sugerem que a informação sobre a renda monetária per capita das

famílias está longe de se constituir em uma boa indicação sobre situações de indigência, que seriam

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incompatíveis com as condições de moradia e consumo expressas na primeira coluna do quadro. Outra

informação relevante é que todos os indicadores de condição de vida melhoraram ao longo da década

de 90, mais do que se poderia supor a partir do pequeno crescimento havido na renda das famílias.

Estes dados já nos permitem uma primeira conclusão: sem diminuir a importância dos problemas de

pobreza e de privação que existem e afetam importantes segmentos, o Brasil está longe de uma

situação de indigência e miserabilidade generalizadas. Além do mais, o Brasil não tem problemas de

falta de produção de alimentos, ou desabastecimento que pudessem justificar políticas de envio de

alimentos, exceto em situações extremas e excepcionais. O que falta é, simplesmente, dinheiro, o que

justifica a importância das propostas de renda mínima que têm sido formuladas. Existem boas razões

para se preocupar com as situações de pobreza extrema e desenvolver políticas assistenciais e

compensatórias que possam socorrer às pessoas em situações de maior de privação. Mas a prioridade

deve estar em melhorar a qualificação e as oportunidades de trabalho e geração de renda das pessoas. Emprego e Trabalho A criação de postos de trabalho em qualidade e quantidade suficientes para alterar as condições de

vida da população brasileira depende de políticas macroeconômicas cujo escopo vai além dos limites

deste capítulo. Mas depende, também, de uma série de políticas de nível micro, que podem afetar, de

um lado, a qualificação dos trabalhadores, e, por outro, a organização do mercado de trabalho, criando

condições de geração de renda e fazendo com que os ganhos do trabalho aumentem sua importância

relativa, em relação aos ganhos do capital.

Brasil não tem índices excepcionalmente altos de desemprego, mas isto tem mais a ver com o conceito

estatístico de desemprego do que com a situação de trabalho da população. De fato, o termo

"desemprego" se refere a pessoas que estão ativamente procurando trabalho e não o conseguem, em

um período determinado. Ele exclui, portanto, pessoas que, por diversas razões, não estão procurando

trabalho (consideradas "inativas") e as que conseguem trabalho precário, ou temporário, enquanto

busca outro ("sub-ocupadas"). Diferentes pesquisas medem estas coisas de forma distinta, e

apresentam dados de desemprego discrepantes. Em geral, como o seguro desemprego no Brasil é ainda

bastante limitado, e não se aplica a pessoas fora do mercado formal de trabalho, as pessoas tratam

sempre de conseguir alguma renda do trabalho, e com isto saem das estatísticas do desemprego.

Quando a economia se aquece, tem muita gente procurando emprego, e, com isto, aumenta tanto a

ocupação quanto a desocupação; quando a economia se esfria, muita gente desiste de procurar

trabalho, e, desta forma, o desemprego pode cair.

As estatísticas de emprego são importantes para medir variações de curto prazo da economia, mas,

para uma visão mais completa da situação, é necessário olhar para o mercado de trabalho em seu

conjunto, com as diferentes formas de emprego e ocupação. Chama a atenção, sobretudo, o dado de

que somente 24% das pessoas que trabalham no Brasil tenham um emprego formal, ou seja, um

contrato de trabalho legalmente válido; 54% dos trabalhadores não contribuem para nenhum sistema

de previdência social, e não têm os benefícios da aposentadoria. Outra indicação do caráter precário do

trabalho é o número de horas trabalhadas por semana (exceto, naturalmente, em situações especiais,

com a dos funcionários públicos): 27% dos trabalhadores não completa este total.

Políticas sociais de primeira, segunda e terceira gerações

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A mediação entre a política e as políticas públicas é feita pelo estabelecimento de uma agenda, que

resulta das condições mais gerais - econômicas, políticas, sociais - de uma época, e dos valores e

percepções que permeiam a sociedade em cada momento. No Brasil, a agenda republicana, Ordem e

Progresso, se manteve intacta por quase um século, traduzida nos anos de governo militar para

“segurança e desenvolvimento”. Nos oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso, o

reordenamento da economia e das contas públicas adquiriu prioridade, como condição para o

crescimento econômico e políticas de bem estar social. O governo de Luís Ignácio da Silva começou

colocando em primeiro lugar, em sua agenda, a questão da fome, dramatizando a importância da

questão social e refletindo o tom da campanha eleitoral, aonde prevaleceu a idéia de que o governo

anterior havia “esquecido o social”. Na perspectiva predominante no governo Cardoso, o Brasil era

visto como um país em desenvolvimento, com um forte setor industrial e agrícola e uma extensa classe

média, mas sérios problemas de desequilíbrio macroeconômico e com grandes setores da população

ainda excluídos dos benefícios do desenvolvimento econômico e social. Na perspectiva do governo

Lula, o país aparece como vivendo um problema urgente de fome generalizada, analfabetismo e

latifúndio, necessitando urgentemente de políticas redistributivas e de mobilização e promoção social.

Com diferenças de ênfase, é possível dizer que são duas faces de mesma moeda, que podem levar, no

entanto, a prioridades bastante distintas.

Nenhuma agenda social será bem sucedida se não estiver associada a uma política econômica bem

articulada e coerente, que possa gerar emprego e riqueza. Em economia, existem também questões de

curto prazo que dependem pouco da preferência dos partidos e governos – problemas como o déficit

das contas públicas, ou do fluxo capitais externos – e orientações de mais longo prazo, relacionadas,

entre outras coisas, com as políticas de investimento do setor público e a abertura internacional da

economia, que são objeto de controvérsia. Sejam quais forem as políticas econômicas adotadas, elas

têm um duplo impacto sobre a área social – diretamente, através da geração de empregos, e

indiretamente, através da geração de recursos públicos que possam ser reinvestidos em políticas

sociais específicas ou redistribuídos pela sociedade. Além destas restrições e condicionantes

econômicos, existem outros, de natureza demográfica e social – o tamanho da população, sua

distribuição territorial, suas características etárias, seu nível de educação, as taxas de natalidade, a

expectativa de vida, as características das famílias, etc – que definem o marco e o espaço dentro do

qual as agendas sociais podem ser estabelecidas e implementadas.

A noção de que a política econômica por si só, se bem sucedida, tornaria dispensáveis as políticas

sociais, já não tem muito seguidores. Tem sido mais freqüente, nos últimos anos, a visão oposta, de

que agendas sociais poderiam ser implementadas a partir de imperativos éticos e morais,

independentemente das condições mais gerais, ou estruturais, da economia e da sociedade. Não é

difícil vislumbrar, por detrás destas duas visões, entendimentos distintos a respeito da natureza da

sociedade humana e nas pessoas que a formam. Em um extremo, a sociedade é percebida como uma

realidade dotada de leis e determinismos próprios, que condicionam as ações, preferências e destinos

de seus participantes; no outro, a sociedade é percebida, sobretudo como uma coletividade de seres

morais, dotados de livre arbítrio, e com capacidade para ordenar a vida social conforme suas

preferências. A solução para este dilema, em princípio, é trivial – existe espaço para a implementação

de agendas sociais, mas este espaço não é livre e desimpedido, e sim marcado e delimitado por

condicionantes estruturais bem definidos, que precisam ser conhecidos.

A definição da agenda social do país não depende somente das condições gerais da estrutura social,

caracterizada mais acima em suas linhas gerais; depende também do contexto econômico mais amplo,

da força política dos diferentes grupos na sociedade, e das idéias e preocupações que predominam na

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sociedade. Ela depende em boa parte, também, do clima da opinião pública nacional e internacional,

moldado em grande medida pelos meios de comunicação de massas.

É possível pensar em políticas sociais em termos de três grandes tipos, ou gerações. A primeira

geração é formada pelas políticas de ampliação e extensão dos benefícios e direitos sociais. No caso

do Brasil, elas se iniciam na década de 30, com a criação das primeiras leis de proteção ao trabalhador

e as primeiras instituições de previdência social, e culminam, pode-se argumentar, com a Constituição

de 1988, que consagra um amplo conjunto de direitos sociais na área da educação, saúde, proteção ao

trabalhador, e outras.

As reformas de segunda geração, que entram na agenda de preocupações do Governo Fernando

Henrique Cardoso e continuam com o governo Luis Ignácio da Silva, procuram racionalizar e

redistribuir os recursos gastos na área social. Elas respondem a uma dupla motivação: a de colocar os

gastos sociais em situação de equilíbrio financeiro, e a de corrigir os aspectos mais regressivos dos

gastos sociais, que beneficiam as classes médias e altas, em detrimento das mais pobres. A situação

mais dramática de mau direcionamento dos gastos sociais, no Brasil, é a do sistema de previdência

social. No início de 2003, segundo o Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoino, a

previdência do setor privado arrecadava R$ 71 bilhões e gastava R$ 88 bilhões de reais anuais, para

atender a 21 milhões de aposentados, que recebiam uma média de R$ 390 mensais. Enquanto isto, a

previdência do setor público arrecadava R$ 21.8 e gastava R$ 61 bilhões, com aposentadorias médias

de R$ 2.282 reais no executivo, R$ 7.900 no legislativo, e R$ 8.027 no judiciário. Uma análise de

vários programas sociais brasileiros, feita com dados de meados da década de 90, mostrava que, além

dos gastos com a previdência social, os programas de seguro-desemprego e os serviços escolares de

creche, segundo e terceiro graus também estavam mal focalizados, havendo focalização correta, no

entanto, nos programas de ensino pré-escolar e de primeiro grau, assim como de distribuição de

merenda escolar, em relação à população escolar. A conclusão destas análises foi que “é possível

eliminar a pobreza sem a necessidade de qualquer aumento no volume total de gastos na área social”,

pela focalização correta dos recursos disponíveis.

As reformas de terceira geração seriam aquelas que buscam alterar não somente a distribuição dos

gastos sociais, mas também a qualidade dos serviços prestados, assim como do marco institucional e

legal dentro do qual as atividades econômicas e a vida social possam se desenvolver. Várias propostas

deste tipo foram reunidas no documento sobre a “a agenda perdida” brasileira, subscrita por um

conjunto de economistas de várias tendências durante a campanha eleitoral de 2002, e retomadas pelo

Governo Lula em 2003, através de documento publicado pelo Ministério da Fazenda. As propostas

incluem agir diretamente sobre a desigualdade, pela distribuição direta de recursos à população mais

pobre, na expectativa de que, além de suprir carências imediatas, isto possa ter efeitos de reativação do

mercado interno; políticas estruturais, dando acesso das populações mais pobres a ativos como o

micro-crédito, a regularização da propriedade imobiliária a posse da terra; enfatizar transferências

diretas de recursos do governo aos cidadãos, através de tecnologias como cartões magnéticos, evitando

a intermediação de políticos e das burocracias públicas, e evitando também a necessidade de controle

de preços dos artigos de primeira necessidade como combustíveis, remédios, etc; políticas que

aumentem a capacidade produtiva dos mais pobres, através do apoio à produção popular, garantindo

melhores condições de comercialização dos produtos e maior acesso a mercados como o de crédito;

utilização do setor privado para a provisão dos serviços, partindo do princípio de que “o papel da

sociedade de subsidiar o acesso dos que não possuem recursos a serviços sociais básicos não significa

que o Estado seja obrigatoriamente o único produtor desses serviços”; descentralização da política

social, estimulando a participação local como forma de aumentar tanto a eficiência quanto a

flexibilidade no desenho das políticas sociais, combinada com política efetiva de monitoramento do

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uso adequado dos recursos; e a unificação do orçamento social da União e coordenação das políticas

sociais com estados e municípios.