-
105
O conceito de fton na transio dos sculos: do modelo bola de
bilhar para ...
Indianara Silva
Introduo
Os conceitos de fton e fotnica so to ubquos na cincia e na
tecnologia con-temporneas que pensvel que o conceito de fton est
bem estabelecido na Fsica desde que foi primeiramente sugerido, no
incio do sculo XX. De fato, pode-se pensar que, aps os resultados
experimentais que corroboraram o efeito foto-eltrico e o efeito
Compton, no se tinha mais o que discutir sobre o fton e o seu
conceito. A resposta indagao: o que um fton?, ento, poderia ser
respondida quase que automaticamente: uma entidade pequena e
indivisvel, cuja energia e
momentum so conservados no processo de interao entre a radiao e
a matria
e cuja representao comumente conhecida como bola de bilhar.
Hoje, em pleno
sculo XXI, a resposta quela questo no to automtica e nem mesmo
trivial. Ao ser entrevistado em meados de junho de 2012, o prmio
Nobel de fsica Roy J. Glauber (1925-) recebeu a seguinte pergunta:
que conceito de fton emergiu da ptica quntica, especialmente, dos
estados coerentes? Aps alguns momentos
de pausa, silncio, os quais deram origem quelas reticncias que
fazem parte do ttulo deste captulo. Glauber (2012, p. 13), ento,
respondeu:
O que um fton? uma partcula pontual? No. um pacote de onda? Bem,
talvez []. Ento, o que ? Para mim, princi-
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 105 23/07/14 11:07
-
106 Indianara Silva
palmente hoje apenas uma excitao do estado quntico.1 No posso
facilmente construir imagens deles [ftons], mas, sei como fazer
matemtica.
O fton tornou-se um conceito to complexo e delicado durante a
transi-o dos sculos, que muitos fsicos dedicaram-se matemtica em
detrimento das questes conceituais subjacentes quele conceito.
Nessa anlise, tais questes
so revisitadas de modo a se discutir as dificuldades associadas
compreenso de um conceito que h mais de cem anos foi introduzido na
comunidade cientfica, mas, mesmo assim, nunca deixou de ser um
conceito controverso.
Neste captulo, discutiremos de forma condensada o modo pelo qual
o con-ceito de fton foi sendo construdo, questionado, e reformulado
durante a passagem dos sculos. A seo I dedica-se aos primeiros
desenvolvimentos da Teoria Qunti-ca, em particular queles
relacionados com os quanta de luz entre os anos de 1905
e 1930. Na seo II, abordaremos uma parte pouco conhecida da
histria da Fsica
que se refere s discusses sobre o conceito de fton aps a dcada
de 1950 e os experimentos que desempenharam um papel fundamental no
entendimento da na-tureza da luz. Na ltima seo, examinaremos as
discusses contemporneas (ainda
em curso) sobre o fton em pleno sculo XXI. Por fim, algumas
consideraes finais sero apresentadas. Neste estudo, utilizamos como
fontes a literatura primria pu-blicada pelos nossos personagens e a
literatura secundria que aborda o tema em
questo. Alm disto, fizemos uso do recurso da cientiometria no
intuito de verificar-mos a dinmica de citaes do vocbulo photonic
durante a transio do sculo XX para o XXI.2A nossa narrativa
constitui-se de uma anlise histria acerca do conceito de fton, a
partir da qual tentamos compreender, poca, os problemas enfrentados
e as solues sugeridas pelos fsicos, evitando, portanto, o
anacronismo.
O tradicional conceito de fton entre 1905 e 1930
Como sabido entre fsicos, historiadores e filsofos da cincia, o
conceito de fton termo cunhado em 1926 pelo fsico-qumico
norte-americano Gilbert N.
1 Em Teoria Quntica, o conhecimento do estado quntico de um
sistema necessrio para se fazer pre-dies acerca do comportamento
futuro do sistema. Nesse caso, possvel determinar as probabilidades
para todas as observveis de um sistema fsico por meio de um estado
quntico. Para mais detalhes, consultar Ballentine (2009).
2 Sobre a cientiometria e a histria da cincia, ver Freitas e
Freire Jnior (2003).
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 106 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 107
Lewis (1875-1946) foi introduzido h mais de cem anos.3 A histria
sobre o con-ceito de fton geralmente apresentada na literatura
inicia-se no ano miraculoso de Einstein, 1905, at meados da dcada
de 1930. Vejamos, ento, a viso comu-
mente difundida pela histria da cincia sobre o desenvolvimento
do conceito de fton no sculo XX baseada em alguns estudos. (BRUSH,
2007; DARRIGOL, 2009; FICK; KANT, 2009; JAMMER, 1966; KRAGH, 1999,
2009; KUHN, 1987; MEHRA;
RECHENBERG, 1982; PATY, 2009; SANCHZ-RON, 2001; STUEWER,
1975;
TAKETANI; NAGASAKI, 2001; WHEATON, 1983)
A hiptese de que a radiao seria apenas emitida ou absorvida pela
ma-
tria atravs de quantidades discretas de energia foi introduzida
em 1905 por Albert Einstein (1879-1955) aps a conejctura de que a
radiao [...] consistia em um nmero finito de quanta de energia,
localizados em pontos do espao que se movem sem se dividir, e que
poderiam somente ser produzidos e absorvidos
como unidades completas. (EINSTEIN, 1905, p. 202) Com essa
hiptese, Einstein
obteve xito na explicao de fenmenos que a teoria clssica no era
capaz de faz-lo, tais como o efeito fotoeltrico, a
fotoluminescncia, e a regra de Stokes.4 Apesar disso, a hiptese do
quantum de luz proposta por Einstein receberia muitas
crticas de fsicos, a saber, Max Planck (1858-1947), Max von Laue
(1879-1960), Wilhelm Wien (1864-1928), Arnold J. W. Sommerfeld
(1868-1951), e Niels Bohr (1885-1962). No ano de 1921, Einstein
receberia, contudo, o mais renomado re-
conhecimento da sua formulao terica para a explicao do efeito
fotoeltrico, o Nobel de Fsica. E embora o fsico experimental
norte-americano Robert A. Milli-kan (1868-1953) tivesse se tornado
um crtico da hiptese dos quanta, ele recebe-
ria o Nobel de Fsica de 1923 justamente pelo seu resultado
emprico a favor das predies de Einstein para o efeito fotoeltrico.
Em 1927, aps anos em busca de uma explicao clssica para o efeito
que viria a ser chamado de efeito Compton, o fsico norte-americano
Arthur H. Compton (1892-1962) explicou o espalhamento dos raios-X
pela matria atravs da hiptese dos quanta, observando uma
satisfa-
3 Embora o termo photon tenha sido cunhado em um contexto
diferente daquele da criao da Teoria Qun-tica Lewis estava procura
de uma teoria para a valncia qumica dos elementos a palavra photon
passou a ser empregada pelos pais fundadores da Teoria Quntica no
final da dcada de 1920. (LAMB, 1995)
4 O efeito fotoeltrico explica o porqu da emisso de eltrons de
um material, comumentemente metlico, medida que radiao
eletromagntica incide sobre ele. A fotoluminescncia est associada
emisso de luz de qualquer material aps a absoro de radiao. J a
regra de Stokes refere-se ao fato de que a fre-quncia da radiao
emitida por um material deve ser menor ou igual frequncia da radiao
absorvida, obedecendo, assim, o princpio da conservao de
energia.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 107 23/07/14 11:07
-
108 Indianara Silva
tria concordncia entre a sua abordagem terica e os resultados
experimentais.
Compton tambm concluiu que houve uma conservao da energia e do
momen-
tum durante cada interao singular entre a radiaco e a matria. Ou
seja, cada
coliso singular entre o fton e o eltron (tipo bola de bilhar)
obedeceria s leis de conservao.5
Tais resultados empricos obtidos por Millikan e Compton pareciam
con-
firmar a hiptese de Einstein de que a radiao era uma grandeza
quantizada, e no uma forma contnua de energia. Todavia, os
resultados obtidos por Compton no convenceram a Bohr que,
juntamente com Hendrik Kramers (1894-1952) e
John C. Slater (1900-1976), publicou em 1924 uma abordagem
estatstica do fe-nmeno em que a energia e o momentum apenas seriam
conservados estatistica-mente. Na teoria de Bohr-Kramers-Slater
(BKS), a radiao foi considerada uma onda eletromagntica clssica
hiptese contrria aos quanta de Einstein e
a quantizao seria apenas introduzida nas transies entre os nveis
de ener-
gia dos tomos. Eis que surgiu uma disputa entre a teoria BKS e
os resultados
de Compton. Tal disputa foi resolvida em 1925, pelos fsicos
alemes Walther Bothe (1891-1957) e Hans Geiger (1882-1945), os
quais confirmaram expe-rimentalmente a validade da lei de conservao
da energia para os processos
atmicos, o que estava de acordo com os dados de observao
encontrados por Compton. No mesmo perodo, o prprio Compton e o seu
estudante A. W. Simon
observaram novamente o mesmo efeito. A hiptese dos quanta
sobreviveu, at mesmo, s abordagens semicls-
sicas. No mesmo ano em que Compton foi laureado com o Nobel de
Fsica pelo efeito Compton, os fsicos Erwin Schrdinger (1887-1961),
Guido Beck (1903-1988), e Gregor Wentzel (1898-1978) publicaram
separadamente explicaes
semiclssicas para o efeito Compton (Schrdinger) e o efeito
fotoeltrico (Beck e Wentzel). Analogamente abordagem BKS, a radiao
era considerada uma
onda eletromagntica clssica e apenas a matria era quantizada.
Desse modo,
nenhum conceito de fton seria introduzido antes do processo de
interao entre a radiao e a matria. (BECK, 1927; SCHRDINGER, 1927;
WENTZEL, 1927) Tais abordagens publicadas no final da dcada de
1920, at onde temos
5 Para uma leitura sobre o perodo anterior descoberta do efeito
Compton, consultar Silva, I. e Silva, A. (2011).
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 108 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 109
conhecimento, ainda no foram exaustivamente exploradas pela
literatura de histria da cincia.6
Apesar de ter sobrevivido s crticas e quelas novas abordagens, a
hip-
tese dos quanta de luz ainda no era capaz de explicar o grande
dilema da duali-
dade onda-partcula para a luz: Como explicar os fenmenos pticos,
tais como interferncia e difrao, a partir da hiptese dos quanta de
luz? A resposta quela questo veio em 1927, tendo Bohr como o seu
proponente. Naquele perodo, [...] Bohr abandonou a sua oposio LQH
[light quantum hypothesis], e inventou um conceito, a
complementaridade para explicar como (ou melhor, afirmar que) pares
de conceitos aparentemente incompatveis, tais como onda e partcula,
podem ser
ambos vlidos ao mesmo tempo. (BRUSH, 2007, p. 225-226) Durante
uma pales-
tra em uma conferncia em Como, na Itlia, Bohr discutiu a noo de
espao-tem-po (a medida da posio de um eltron localizado em um ponto
definido no espao em um determinado instante de tempo) e introduziu
o conceito de complementa-
ridade atravs do qual sugerido que os conceitos clssicos so
complementares,
mas mutuamente exclusivos.7 Isso significa que as variveis
dinmicas momentum e posio, por exemplo, so complementares (os dois
conceitos so essenciais na
descrio clssica completa de um sistema fsico). Contudo, eles
tambm so mu-tuamente exclusivos (uma vez que a posio de uma
partcula determinada, per-
de-se informao sobre o momentum da mesma).8
Em torno de 1935, como argumentado pelo historiador Stephen
Brush
(2007), a hiptese do quantum de luz j tinha sido estabelecida na
comunidade
de fsicos devido ao efeito Compton, ao efeito fotoeltrico, e a
outros fenmenos
6 Embora os artigos de Brush (2007), Scott (1967) e Stuewer
(1975) citem os artigos publicados por Schr-dinger sobre o efeito
Compton, os autores no fazem uma anlise mais profunda sobre os
mesmos. Mes-mo na obra de referncia sobre a biografia de
Schrdinger, o historiador Moore no mencionou a sua resistncia em
aceitar a explicao quntica do efeito Compton. (MOORE, 1989) Quanto
ao historiador Jammer (1966, p. 171), ele mencionou que Schrdinger
[...] atribuiu fsica uma realidade exclusivamente ondulatria depois
do advento da mecnica ondulatria. No entanto, ele no ressaltou sua
explicao semiclssica para o efeito Compton como uma ilustrao da sua
resistncia realidade da natureza cor-puscular da radiao.
7 Para mais detalhes, ver Camilieri (2007), Held (1994) e Stapp
(2009).
8 Bohr tambm props o princpio da correspondncia justificando,
assim, a utilizao de expresses clssi-cas na Teoria Quntica e a sua
interpretao a partir de conceitos clssicos. Como destacado por
Brigitte Falkenburg (2009, p. 126) [...] ele justificou a sua viso
de complementaridade da mecnica quntica em termos da correspondncia
entre fenmenos qunticos mutuamente exclusivos, por um lado, e os
concei-tos clssicos de onda e partcula, por outro lado.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 109 23/07/14 11:07
-
110 Indianara Silva
relacionados com os raios X. E, tambm acrescentaramos em termos
tericos o papel da complementaridade na tentativa de resolver a
dualidade onda-partcula.
A histria do estabelecimento do conceito de fton na comunidade
cien-tfica est bem documentada pela literatura secundria entre os
anos de 1905 a 1930. A viso difundida pela histria da cincia, como
discutida anteriormente, sugere-nos que as discusses sobre o fton e
o seu conceito j haviam arrefecidas no final da dcada de 1930.
A prpria etimologia do vocbulo photon (photo luz e on unidade)
j
expressa por si s a forma pela qual o conceito de fton foi sendo
empregado e interpretado pela comunidade de fsicos aps a dcada de
1930: uma unidade de luz (PHOTON, [entre 2001 e 2014]). Tal definio
tambm pode ser encontrada nos mais renomados livros didticos de
Teoria Quntica, utilizados na formao de fsicos durante o sculo XX,
a saber, Atomic Physics escrito por Max Born, e The Principles of
Quantum Mechanics por Paul Dirac. Em seu livro, Born (1970, p.
82)
define o photon como segue: De acordo com a hiptese dos quanta
de luz (ftons) [...] a luz consiste de quanta (corpsculos) de
energia hv, os quais viajam atravs do espaco como um conjunto de
balas com a velocidade da luz. J Dirac (1958, p. 2)
menciona que
[...] os fenmenos tais como emisso fotoeltrica e espalha-mento
de eltrons livres [...] mostram que a luz composta por partculas
pequenas. Estas partculas, que so chamadas de ftons, tm energia e
momentum definidos... e apresentam ser to reais quanto a existncia
de eltrons, ou qualquer outra partcula em fsica. Uma fraco de fton
nunca observada.
Tais citaes ilustram como o tradicional conceito de fton da
velha Teo-ria Quntica foi interpretado como sendo uma entidade
pequena e indivisvel de energia entre as dcadas de 1930 e 1950,
mesmo aps o desenvolvimento da es-
tatstica de Bose-Einstein.
Nesse contexto, o que pouco conhecido na histria da Fsica
Moderna o
fato de que o tradicional conceito de fton, desenvolvido pela
velha Teoria Qun-tica e disseminado por reconhecidos fsicos como
Born e Dirac, tornar-se-ia (mais uma vez) alvo de discusses entre
fsicos no final da dcada de 1950, alastrando-se at o sculo XXI. O
tradicional conceito de fton construdo ao longo dos anos de 1905,
1916, e 1927 seria colocado novamente em dvida em 1956; e,
reestrutura-
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 110 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 111
do com o nascimento da ptica quntica em 1963. Tal conceito que
emergiu da p-
tica quntica foi corroborado na dcada de 1970 com a observao do
fenmeno de antibunching da luz. As discusses sobre o conceito de
fton no ficaram, por-tanto, adormecidas na virada do sculo XX para
o XXI; ao contrrio, vrios acon-tecimentos impulsionaram novas
interpretaes e reflexes sobre esse conceito.
O conceito de fton nas dcadas de 1970 e 1980
Antes de apresentarmos as discusses sobre o conceito de fton nos
anos 1970 e 1980, iniciamos esta seo com o final da dcada de 1950.
Os cientistas britnicos Robert Hanbury Brown (1916-2002) e Richard
Quentin Twiss (1920-2005) detec-taram, em 1956, uma correlao entre
ftons que parecia ser contrria s predi-es da Teoria Quntica,
especialmente, ao tradicional conceito de fton. epoca, Hanbury
Brown e Twiss estavam interessados em construir um interfermetro,
muito mais preciso do que o de Michelson, para determinar o dimetro
angular das
estrelas que emitiam ondas de rdio. Em 1952, eles j haviam
construdo um novo
interfermetro, e obtiveram satisfatoriamente os dimetros das
estrelas Cygnus e Cassiopeia. (SILVA; FREIRE JNIOR, 2013)
Durante uma de suas medies, Hanbury Brown e Twiss perceberam
que,
apesar das fortes flutuaes na intensidade dos sinais devido aos
efeitos da io-nosfera, o interfermetro estava funcionamento
devidamente. Devido eficin-cia desse instrumento, eles decidiram
verificar se seria possvel utiliz-lo para o mesmo fim, mas, agora,
trabalhando com estrelas que emitiam na faixa do visvel. Como
Hanbury Brown e Twiss no tinham certeza de que a mesma
abordagem
terica poderia ser aplicada faixa do visvel, o primeiro passo
foi, ento, realizar um teste de laboratrio antes de adaptar o
interfermetro de rdio para a faixa do visvel. Para tal, Hanbury
Brown e Twiss utilizaram como estrela artificial uma lmpada de
mercrio de baixa intensidade. Ao fazer isso, eles deixaram o campo
da radioastronomia inserindo-se no da ptica. O que Hanbury Brown e
Twiss no
imaginariam era que aquele teste de laboratrio causaria uma
acalorada contro-
vrsia na comunidade de fsicos. (SILVA; FREIRE JNIOR, 2013) No
teste de laboratrio, a fonte de luz artificial proveniente do arco
de
mercrio incidia em um espelho semitransparente e a radiao era,
ento, divi-
dida em duas componentes que seriam detectadas independentemente
por dois
fotomultiplicadores. Aps um determinado perodo de tempo, Hanbury
Brown e Twiss observaram que o tempo de chegada dos ftons estava
correlacionado, ou
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 111 23/07/14 11:07
-
112 Indianara Silva
seja, ftons estavam sendo detectados simultaneamente no
interfermetro. Po-rm, segundo o conceito de fton da velha Teoria
Quntica, nenhuma correlao sistemtica entre ftons deveria ser
detectada quando a fonte utilizada era de baixa intensidade. Em
outras palavras, considerando o fton como uma partcula pequena e
indivisvel, e que o experimento estava lidando com ftons um a um, o
resultado de Hanbury Brown-Twiss (HBT) parecia ser um absurdo. Caso
o fizes-se, seria necessrio supor que ftons eram partculas
divisveis de modo que dois ftons pudessem chegar ao mesmo tempo em
detectores diferentes separados mesma distncia; ou, como descrito
ironicamente por Hanbury Brown, supor que
um fton estaria esperando o outro no espao at que eles pudessem
ser detecta-dos simultaneamente. Para compreender o porqu dos
resultados experimentais
obtidos por Hanbury Brown e Twiss foi necessrio revisitar o
tradicional conceito de fton da velha Teoria Quntica. (SILVA;
FREIRE JNIOR, 2013)
Alm de suscitar discusses sobre o conceito de fton no final da
dcada de 1950, o experimento HBT tambm teve um papel importante
(juntamente com
o desenvolvimento do laser) na criao da ptica quntica. (GLAUBER,
2005) Em
1963, Glauber publicou de forma bastante sofisticada uma Teoria
Quntica da co-erncia contribuindo para a criao da disciplina ptica
Quntica na qual o campo eletromagntico passou a ser representado
por estados coerentes. Hoje,
a contribuio terica de Glauber conhecida como estados coerentes
ou es-
tados de Glauber, a qual lhe rendeu o Prmio Nobel de Fsica de
2005. Conside-
rando o conceito de estados coerentes, autoestados do operador
aniquilao de
ftons, Glauber destacou que a correlao entre ftons observada por
Hanbury Brown e Twiss era devido ou a misturas incoerentes ou a
superposies dos esta-
dos coerentes. (BERTOLOTTI, 1974, p. 217)
A abordagem terica proposta por Glauber para o campo
eletromagntico,
na ptica, tambm foi alvo de controvsia e disputa com o grupo de
pesquisa de Rochester liderado pelos fsicos Leonard Mandel
(1927-2001) e Emil Wolf (1922). Em seu formalismo terico, Glauber
quantizou tanto o campo eletromagntico quanto matria uma abordagem
completamente quntica , o que era anta-
gnico ideia de que o tratamento clssico ou semiclssico poderia
ser suficiente para uma teoria da coerncia. Ou seja, a disputa de
Mandel e Wolf com Glauber estava relacionada necessidade, ou no, da
quantizao do campo eletromagn-
tico no campo da ptica. (BERTOLOTTI, 1974, p. 227-228)
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 112 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 113
Esses dois acontecimentos a correlao entre ftons observada por
HBT e, principalmente, os estados coerentes de Glauber motivaram os
debates teri-
cos acerca do conceito de fton nas dcadas de 1970 e 1980. At
mesmo antes da dcada de 1970, o fsico Richard Sillitto (1923-2005)
j havia discutido a evoluo do tradicional conceito de fton, e a
dificuldade que ele impunha no entendimento do experimento HBT.
(SILLITTO, 1960)
Em 1972, os fsicos norte-americanos Marlan O. Scully (1939-) e
Murray Sargent III (1941-) abriram o artigo The concept of the
photon mencionando que
[...] a imagem de fuzzy-ball de um fton geralmente conduz a
dificuldades desne-cessrias. Scully e Sargent III (1972, p. 38)
externaram a principal questo, po-
ca, levantada: at que ponto a quantizao do campo eletromagntico
era, de fato, necessria e til? Os autores argumentaram que a teoria
semiclssica, em que o
campo eletromagntico era tratado classicamente de acordo com as
equaes
de Maxwell e a matria quantizada era capaz de explicar,
relativamente bem, boa
aproximao entre fenmenos tais como o efeito fotoeltrico, emisso
estimula-da, e fluorescncia ressonante.9
A aceitao da quantizao da radiao antes do processo de deteco
de-
pendia, de certo modo, do quo feliz a teoria semiclssica era na
explicao da-queles resultados experimentais. At meados da dcada de
1970, o efeito foto-eltrico, efeito Compton, e at mesmo o
experimento HBT, por exemplo, no pre-cisavam necessariamente de uma
abordagem completamente quntica para a sua
explicao. Desse modo, o conceito de fton no desempenhava um
papel decisivo na compreenso de tais fenmenos, at mesmo aps o
desenvolvimento da Teoria Quntica da radiao por Glauber.
O efeito antibunching, contudo, mudaria o curso dessa histria.
Esse fe-nmeno consensualmente apontado pela comunidade de fsicos
como sendo uma evidncia experimental a favor da necessidade de
quantizao do campo eletromagntico j que, at esse momento, a
explicao de efeitos pticos no requeriria necessariamente o advento
da natureza quntica da luz, o conceito
de fton. Tal efeito foi observado em 1977 pelos fsicos H. Jeff
Kimble, Mario Dagenais e Mandel, utilizando um esquema experimental
semelhante quele do
9 A emisso estimulada refere-se ao processo pelo qual a matria,
ao interagir com uma onda eletromag-ntica, pode perder energia, e,
como consequncia, produzir um novo fton. No caso da fluorescncia
ressonante, a fluorescncia de um tomo ou molcula em que a radiao
emitida de mesma frequncia daquela absorvida.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 113 23/07/14 11:07
-
114 Indianara Silva
experimento HBT. No entanto, Kimble e colegas utilizaram como
fonte uma luz fluorescente proveniente de tomos de sdio excitados
por um feixe de laser, enquanto HBT usaram uma fonte trmica,
catica. Nesse experimento, Kimble, Dagenais e Mandel observaram uma
anticorrelao entre os ftons detectados, diferentemente do
experimento HBT em que uma correlao foi observada. O resultado HBT
pode ser interpretado como bunching de ftons a tendncia de ftons
chegarem em pares no espelho semitransparente devido estatstica de
Bose-Einstein , j o experimento de Kimble, Dagenais e Mandel
mostrou o
efeito contrrio,o antibunching. Esse foi o primeiro efeito em
que uma explicao semiclssica j no era capaz de torn-lo inteligvel,
mas, sim, a quantizao do
campo eletromagntico; ou seja, uma teoria quntica para a luz
tornava-se ne-
cessria. (BASEIA, 1995; KIMBLE; DAGENAIS; MANDEL, 1977; KNIGHT,
1977;
WALLAS, 1979)
Os debates sobre o conceito de fton entre as dcadas de 1950 e
1970 tam-bm influenciaram as discusses posteriores. De um lado, o
efeito HBT parecia ter estremecido as bases do tradicional conceito
de fton uma vez que ele era irrecon-cilivel com o modelo bolha de
bilhar. O efeito antibunching, por outro lado, parecia trazer tona
a natureza quntica da radiao. Mas, seria uma natureza corpuscu-
lar a la Einstein? Reflexes sobre tais questes e outras sugiram,
por exemplo, na seo Letters to the Editor do American Journal of
Physics entre os anos de 1981 e
1984, a partir das quais fsicos mostraram-se bastante
interessados em compre-ender, sugerir, e criticar as representaes
ou definies para o fton que surgiam naquela poca. (ARMSTRONG, 1983;
BERGER, 1981; FREEMAN, 1984; SINGH,
1984)
Entre uma discusso terica e outra, em 1986, outro resultado
experimen-
tal tambm contribuiria significativamente para evidenciar a
necessidade de uma Teoria Quntica para a radiao. Esse experimento
foi realizado, em condies quase ideais, pela equipe francesa
liderada pelo fsico Alain Aspect (1947-) no qual foram utilizados,
pela primeira vez, estados de ftons singulares incidindo em um
divisor de feixe. O resultado encontrado foi uma forte anticorrelao
entre ftons nos dois lados do divisor de feixe. Tal resultado
experimental confirmava as predies da Teoria Quntica em relao aos
estados de ftons singulares, e, consequentemente, discordava de
qualquer modelo clssico de luz. (GRANGIER;
ROGER; ASPECT, 1986)
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 114 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 115
O ensino da Teoria Quntica: o que mesmo um fton?
Alm daqueles debates tericos e resultados experimentais, questes
didticas
subjacentes ao ensino do conceito de fton tambm fizeram parte da
agenda dos fsicos no final da dcada de 1980. O que parecia ser um
conceito relativamente simples tornou-se complexo, e eis que surge
a questo: Que conceito (ou modelo) de fton deveria ser ensinado nos
cursos de Fsica Quntica? poca, fsicos j haviam reconhecido que o
conceito de fton havia se tornado uma das mais impor-tantes questes
didticas da Fsica Moderna. Em seu artigo Photon in introductory
quantum physics, por exemplo, o fsico J. Strnad (1986, p. 650)
sugeriu que, em um nvel introdutrio, o conceito de fton poderia ser
trabalhado a partir das discus-ses sobre o efeito fotoeltrico
(ftons como quanta de energia) e sobre o efeito Compton (ftons como
energia e momentum dos quanta),no mencionando nada sobre a posio de
um fton, evitando, assim, veementemente as analogias entre ftons e
eltrons. Aps discutir outros modelos de representar um fton, Strnad
(1986, p. 652) destacou que [...] havia um mainstream de
interpretaes relacio-nadas com os ftons, assim como sidestreams, e
concluiu que seria de extrema im-portncia distingui-las uma das
outras no ensino introdutrio de fsica quntica.
Ao sistematizar os mainstreams e sidestreams referentes ao
conceito de f-ton, Kidd, Ardini e Anton (1989, p. 30) destacaram
que, de fato, historicamente, o termo fton representa, pelo menos,
quatro modelos distintos e carrega diferen-tes conotaes para
estudantes e para fsicos praticantes. Os autores discutiram cada
modelo para o fton de acordo com a seguinte categorizao: fton I
(modelo de partcula), o qual foi introduzido em 1905 por Einstein e
aquele comumente-mente discutido nos livros didticos; fton II
(modelo de singularidade), segundo o qual, o fton descrito
matematicamente como uma singularidade no campo eletromagntico;
fton III (modelo pacote de onda), a partir do qual fotons so
re-presentados simplesmente em termos de trens de onda clssica;
fton IV (modelo da eletrodinmica quntica), em que o fton descrito
matematicamente como uma excitao de um estado quntico. Refletindo
sobre o ensino do conceito de fton, Kidd, Ardini e Anton concluiram
que, a menos que o fton corpuscular seja discutido historicamente,
ele deveria ser evitado nos textos elementares. A suges-
to de Kidd, Ardini e Anton (1989) a de discutir os modelos
semiclssicos mais
abragentes como uma primeira aproximao verso moderna da
eletrodinmica
quntica.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 115 23/07/14 11:07
-
116 Indianara Silva
Outros fsicos tambm veem no tradicional conceito de fton uma
dificul-dade mais do que uma boa estratgia de ensino. O fsico
norte-americano Willis E. Lamb (1913-2008), por exemplo, criticou
aquele modelo ao destacar que
Est na hora de abandonar o uso da palavra fton e de um conceito
ruim que brevemente ter um sculo de idade. A ra-diao no consiste de
partculas, e o limite clssico da Quan-tum Theory of Radiation, isto
, o no-quntico, descrito pelas equaes de Maxwell para os campos
eletromagnti-cos, os quais no encolvem partculas. Tratar a radiao
em termos de partculas como utilizar frases comuns, tais como You
know ou I mean... Para um amigo do Charlie Brown, ele serviria como
uma espcie de cobertor de segurana. (LAMB, 1995, p. 84)
Diferentemente do proposto por Lamb, todavia, o ensino do
conceito de fton ainda baseia-se no modelo de partcula pontual e
localizvel. Sabe-se que tal modelo, no entanto, est muito aqum do
moderno conceito de fton. Neste cenrio, duas possibilidades podem
ser levadas em considerao com o intuito de
inserir as discusses sobre o fton e o seu conceito no nvel
universitrio. Primei-ra, se o ensino acerca do conceito de fton
basear-se na construo de imagens, ento, essencial que a
complementaridade esteja subjacente a tal discusso, uti-
lizando, assim, os conceitos clssicos de onda e partcula.
Segunda, se a finalidade discutir o contemporneo conceito de fton,
logo, torna-se imprescindvel a uti-lizao de uma abordagem
instrumentalista em que imagens no desempenham
nenhum papel fundamental nos estudos sobre o fton, mas, sim, uma
abordagem terica e matemtica muito mais sofisticada e abstrata do
que a que aparecer na possibilidade anterior.10
O fton revisitado no sculo XXI
As discusses sobre o conceito de fton tambm chegaram ao sculo
XXI. Nos ltimos anos, aplicaes e tcnicas associadas ao fton tm se
tornado uma pro-messa no campo da Informao. Como bem destacado pelo
renomado fsico qun-tico austraco Anton Zeilinger (1945-) e colegas
(2005, p. 230), a [...] pesquisa em propriedades qunticas da luz
(ptica quntica) desencadeou a evoluo de todo
10 Para uma discusso sobre o ensino da Teoria Quntica, consultar
Greca e Freire Jnior (2013).
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 116 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 117
um campo de processamento de informao quntica, o qual atualmente
prome-te novas tecnologias, tais como criptografia quntica e at
mesmo computadores qunticos. Diante de tais promessas, uma nova era
a da fotnica floresceu nes-te sculo, e, junto a ela, tambm houve um
crescimento significativo no nmero de publicaes e de conferncias
dedicadas ao fton e o seu conceito, alm da cria-o de revistas
cientficas especializadas no tema. O efeito da era da fotnica na
comunidade cientfica pode ser evidenciado pelo grfico a seguir
obtido atravs das bases de dados da Web of Science, o qual descreve
a evoluo na dinmica de citaes em que a palavra photonic citada em
ttulos de obras publicadas entre
1990 e 2012.11 Como observado, na virada do sculo XX para o XXI,
houve um aumento substancial no nmero de publicaes em revistas,
atas de conferncias e em livros didticos, no campo da fotnica.
Mesmo com o declnio de publicaes aps 2006, o nmero de artigos ainda
se mantm em patamar muito elevado aci-
ma de 1990.
Grfico 1 A pesquisa em fotnica na transio do sculo XX para o
XXI
Fonte: elaborado pela autora com base em dados da Web of
Science, de 14/09/2012.
11 As bases de dados de citaes selecionadas foram as seguintes:
Science Citation Index Expanded (SCI-EX-PANDED) - 1899-present;
Social Sciences Citation Index (SSCI) - 1956-present; Conference
Proceedings Citation Index - Science (CPCI-S) - 1990-present;
Conference Proceedings Citation Index - Social Science &
Humanities (CPCI-SSH) - 1990-present; Book Citation Index Science
(BKCI-S) - 2005-present; Book Citation Index Social Sciences &
Humanities (BKCI-SSH) - 2005-present.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 117 23/07/14 11:07
-
118 Indianara Silva
The International Society for Optics and Photonics (SPIE), por
exemplo, tem realizado conferncias desde 2003 cujo tema principal
The Nature of Light: What is a Photon?. A renomada revista Nature
tambm criou uma nova revista
dedicada exclusivamente aos ftons: Nature Photonics.12 Alm
disso, fsicos tm dedicado captulos de livros-textos, ou at mesmo
todo um livro, discusso das
questes relacionadas aos ftons. No livro The Quantum Challenge
publicado pe-los fsicos George Greeinstein e Arthur Zajonc, eles
dedicaram o segundo captulo aos Photons. Os editores Chandra
Rpychoudhuri, A. F. Kracklauer e Kathy Creath
sistematizaram uma coletnea de artigos, j publicados em uma
revista de nmero
especial da Optical Society of America (OSA), nos anais da
Society of Photo-Opti-cal Instrumentation Engineers e na revista
cientifca Science, e publicaram o livro homnimo daquelas
conferncias realizadas desde 2003, The Nature of Light: What is a
Photon? para discutir a natureza da luz. Tal livro uma boa introduo
para
aqueles interessados em compreender os atuais desenvolvimentos e
debates te-
ricos referentes ao fton. Mais recentemente, o prprio Zeilinger
publicou o livro Dance of Photons dedicado discusso sobre os ftons
desde Einstein teleporta-o quntica. (GREENSTEIN; ZAJONC, 2006;
RPYCHOUDHURI; KRACKLAUER;
CREATH, 2008; ZEILINGER, 2010)
Na primeira seo, Critical Reviews of Mainstream Photon Model do
livro The Nature of Light, o conceito de fton foi revisitado. O
fsico norte-americano Ar-thur Zajonc (2008, p. 9), o mesmo que foi
mencionado anteriormente, enfatiza que
a meu ver, Einstein estava certo em alertar-nos sobre a luz
[...] [o] nosso entendimento tem aumentado significativamente nos
[ltimos] 100 anos desde Planck, mas, suspeito que a luz continuar
nos confundindo, enquanto que simultaneamente atrairnos-a para
inquirir incessantemente em sua natureza.
J o fsico Rodney Loudon (2008, p. 21), autor do clssico livro
The Quan-tum Theory of Light, destaca que a questo levantada [o que
um fton?] tem uma variedade de respostas, as quais convergem
completamente para uma imagem
coerente deste objeto um tanto elusivo. O fsico David
Finkelstein (2008, p. 23) menciona, contudo, que aquela no deveria
ser a principal questo a ser respon-
dida em uma perspectiva experimental, mas, sim, o que os ftons
fazem?, e, as-
12 Mais informaes, ver: SPIE, disponvel em ; NaturePhotonics,
disponvel em .
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 118 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 119
sim, [...] poderamos definir o que os ftons so, se ainda o
desejssemos, pelo que eles fazem. Isto , o argumento de Finkelstein
o de que seria mais fundamental descrever o processo no qual o fton
faz parte do que o prprio objeto em si, j que [...] provavelmente
nunca seremos capazes de visualizar um fton. (FINKELS-TEIN, 2008,
p. 34)
Compartilhando a ideia de que a compreenso do conceito de fton
torna-se mais intelgivel a partir da anlise do fton no processo,
Muthukrishnan, Scully e Zubairy (2008, p. 38, traduo nossa),
ressaltam a importncia de passarmos a
elucidar o conceito de fton atravs de experimentos especficos
(real ou de pen-samento) que demonstrem a necessidade de lanar luz
sobre o significado do pho-ton. Os autores responderam questo, o
que o fton, a partir das prprias pa-lavras de Glauber (apud
MUTHUKRISHNAN; SCULLY; ZUBAIRY, 2008, p. 38-39):
o fton o que um fotodetector detecta. Em relao questo da
localizao do fton, onde ele est?, eles enfatizaram que o [...] fton
est onde o fotodetector o detecta. Na verdade, segundo eles, a
questo que deveria estar por trs daquelas
duas era se [...] poderamos considerar o fton como uma partcula
verdadeira que localizada no espao. (MUTHUKRISHNAN; SCULLY;
ZUBAIRY, 2008, p. 52)
O problema que, de acordo com o princpio de Heisenberg, no
possvel deter-
minar precisamente a posio e o momentum de uma partcula
simultaneamente.
Ou seja, como poderamos localizar um fton, partcula, sem violar
o princpio de incerteza? Muthukrishnan, Scully e Zubairy
discutiram, ento, a ideia de repre-
sentar os ftons, no domnio espacial, por uma funo de onda.13 O
que de acor-do com os autores facilitaria o entendimento de
fenmenos, como interferncia quntica e emaranhamento, a partir da
noo de funes de onda de um-fton e de dois-ftons, possibilitando,
assim, analogias com a ptica ondulatria clssica. (MUTHUKRISHNAN;
SCULLY; ZUBAIRY, 2008)
O centenrio aniversrio do fton foi celebrado exaltando o quo
complexo o seu conceito at mesmo neste sculo:
Desde 1905, o fton j percorreu um longo caminho, ponde-rando que
foi considerado inicialmente para ser apenas um artifcio matemtico
ou um conceito sem qualquer significado mais profundo [...] Mas o
que exatamente queremos dizer com um fton hoje e qual evidncia
experimental temos para sus-tentar o conceito de fton? (ZEILINGER
et al., 2005, p. 230)
13 O problema reside no fato de que no h um operador posio para
os ftons.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 119 23/07/14 11:07
-
120 Indianara Silva
Na tentativa de responder a tais questes, Zeilinger, Weihs,
Jennewein e
Aspelmeyer (2005) discutem experimentos modernos que tm
confirmado a na-tureza quntica da luz, a saber, o experimento
realizado em 1974 pelo fsico norte-americano John Clauser (1942-)
no qual ele utilizou uma fonte que emitia ftons em pares; o
experimento de antibunching de ftons; o experimento de
interfern-cia de um fton singular, j mencionado anteriormente,
realizado pelo grupo de pesquisa liderado por Aspect; o experimento
de interferncia de dois ftons, cujo resultado conhecido como efeito
Hong-Ou-Mandel, que foi executado em 1987. Tais experimentos
desempenharam um papel importante a favor da necessidade de
quantizao do campo eletromagntico, ou de uma abordagem quntica
para
a luz. Todavia, Zeilinger e colegas (2005, p. 233) tambm
destacam a principal di-
ficuldade na compreenso do fenmeno de interferncia quntica
relacionado queles experimentos: O principal problema conceitual
que tendemos a mate-
rializar considerar bastante realisticamente conceitos como onda
e partcula.
Nenhum problema haveria, por exemplo, se o estado quntico fosse
representado simplesmente por uma onda. No entanto, preciso ter
cuidado para no mencio-
nar que h uma onda se propagando atravs de um aparato de dupla
fenda, ou do interfermetro de Mach-Zehnder.
Como enfatizado por Zeilinger e colaboradores (2005, p. 233),
[...] o estado quntico simplesmente uma ferramenta para calcular
probabilidades. Mas, no as probabilidades de se encontrar um fton
em algum lugar, mas, sim, [...] as probabili-dades de um detector
de ftons disparar se inserido em um determinado lugar. Os autores
tambm destacam a que o conceito de fton deveria estar
associado:
Pode-se estar tentado, como estava Einstein, em considerar o
fton como sendo localizado em algum lugar conosco apenas conhecendo
aquele lugar. Mas, sempre que falarmos sobre uma partcula, ou mais
especificamente,um fton, devemos apenas associ-la ao click a que o
detector refere-se. (ZEI-LINGER et al., 2005, p. 233)
O conceito de fton associado informao quntica baseado na
quanti-zao do campo eletromagntico, e, assim, [...] o conceito de
fton como uma par-tcula individual menos importante naquele
contexto. Zeilinger e colaboradores
(2005, p. 236) destacam a importncia daqueles modernos
experimentos com f-tons no surgimento de um novo campo de
investigao, e finalizam a celebrao do conceito de fton do seguinte
modo:
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 120 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 121
Embora tais experimentos atualmente arruinaram o ponto de vista
de Einstein [sobre EPR], eles deram origem a novos campos de
processamento de informao quntica. Mas, os problemas conceituais no
esto completamente resolvidos. Isto significado pelo amplo espectro
de diferentes inter-pretaes da fsica quntica as quais competem umas
com as outras. Em nossa opinio, um trao comum de muitas
inter-pretaes que entidades so consideradas ser real alm da
necessidade.
Consideraes Finais
O conceito de fton, que parecia ser algo resolvido desde a dcada
de 1930, pas-sou por vrias novas interpretaes durante a transio do
sculo XX para o XXI. E, neste sculo, ainda no encontramos um
consenso na resposta indagao,
afinal, qual mesmo o conceito contemporneo de fton? Alguns
fsicos prefe-rem defini-lo, segundo a eletrodinmica quntica, como
uma unidade de exci-tao relacionada com um modo quantizado do campo
eletromagntico; outros
preferem represent-lo atravs de funes de onda; e a maioria deles
preferem fazer clculos ao invs de debruar-se em questes conceituais
sobre a nature-za da luz. Uma das grandes dificuldades em discutir
e compreender o conceito de fton est inerente imagem que temos
dele. Se nos prendermos ideia de partcula sugerida por Einstein em
1905, no seremos capazes de entender con-
ceitos-chaves do nosso sculo referentes nova era da informao
quntica, e at mesmo os experimentos realizados no sculo passado. O
que h de consenso
sobre o conceito de fton da ptica quntica o fato de que ele no
deve ser re-presentado simplesmente por uma entidade pequena,
indivisvel e localizvel o
famoso modelo bola de bilhar.Gostaramos de substituir as
reticncias do ttulo deste captulo pelas s-
bias palavras de Einstein (1951, p. 183) ditas em 1951: Todos
estes cinquenta
anos de reflexo no me trouxeram prximo resposta questo, O que so
os quanta? Hoje em dia, qualquer Tom, Dick e Harry pensa que sabe,
mas ele est enganado.14
14 Na lngua inglesa, a expresso every Tom, Dick and Harry
geralmente utilizada para remeter-se a qualquer pessoa. O que
equivaleria a fulano, sicrano e beltrano na lngua portuguesa.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 121 23/07/14 11:07
-
122 Indianara Silva
Referncias
ARMSTRONG, H. L. No place for a photon? American Journal of
Physics, v. 51, n. 2 , p. 103, 1983.
BALLENTINE, L. E. States in Quantum Mechanics. In: GREENBERGER,
D.; HENTSCHEL, K.; WEINERT, F. Compendium of quantum physics:
concepts, experiments, history and philosophy. Berlin: Springer,
2009. p. 742-744.
______. States, Pure and Mixed, and Their Representations. In:
GREENBERGER, D.; HENTSCHEL, K.; WEINERT, F. Compendium of quantum
physics: concepts, experiments, history and philosophy. Berlin:
Springer, 2009. p. 744-746.
BASEIA, B. Sobre a real necessidade de uma teoria quntica para a
luz: tica quntica. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, v. 17, n.
1, p. 1, 1995.
BECK, G. Zur Theorie des PhotoeffektsZeitschriftfrPhysik A, v.
41, n. 10, p. 443-452, 1927.
BERGER, S. B. Comment on the localization of the photon American
Journal of Physics, v. 49, n. 2, p. 106, 1981.
BERTOLOTTI, M. Masers and lasers: an historical approach.
London: Taylor & Francis, 1974.
BORN, M. Atomic Physics. Darien: Blackie & Son, 1970.
BRUSH, S. G. How ideas became knowledge: The light-quantum
hypothesis 1905-1935. Historical Studies in the Physical and
Biological Sciences, v. 37, n. 2, p. 205-246, 2007.
CAMILLERI, K. Bohr, Heisenberg and the divergent views of
complementarity. Studies in History and Philosophy of Modern
Physics, v. 38, n. 3, p. 514-528, 2007.
DARRIGOL, O. A simplified genesis of quantum mechanics. Studies
in History and Philosophy of Science Part B, v. 40, n. 2, p.
151-166, 2009.
DIRAC, P. A. M. The principles of quantum mechanics. Oxford:
Clarendon Press, 1958.
EINSTEIN to Michele Besso [Dec. 1951]. In: MENDELSOHN, E. (Ed.).
Transformation and tradition in the sciences: essays in honour of
Bernard Cohen. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
FALKENBURG, B. Correspondence Principle. In: GREENBERGER, D.;
HENTSCHEL, K.; WEINERT, F. Compendium of quantum physics: concepts,
experiments, history and philosophy. Berlin: Springer, 2009. p.
125-131.
FICK, D.; KANT, H. Walther Bothes contributions to the
understanding of the wave-particle duality of light. Studies in
History and Philosophy of Science Part B, v. 40, n. 4, p. 395-405,
2009.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 122 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 123
FINKELSTEIN, D. What is a Photon? In: ROYCHOUDHURI, C.;
KRACKLAUER, A. F.; CREATH, K. (Ed.). The Nature of Light: What Is a
Photon? Florida: Taylor and Francis Group, 2008. p. 23-35.
FREEMAN, G. R. What are photons and electrons? American Journal
of Physics, v. 52, n. 1, p. 11, 1984.
FREITAS, F.; FREIRE, O. Sobre o uso da Web of Science como fonte
de para a histria da cincia. Revista da Sociedade Brasileira de
Histria da Cincia, v. 2, n. 1, p. 129-147, 2003.
GLAUBER, R. Entrevista concedida a Indianara Silva na Harvard
University em 25 de Junho de 2012. No publicada.
______. Autobiography, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 01 set.
2012.
GRANGIER, P.; ROGER, G.; ASPECT, A. Experimental Evidence for a
Photon Anticorrelation Effect on a Beam Splitter: A New Light on
Single-Photon Interferences Europhysics Letters, v. 1, n. 4, p.
173-179, 1986.
GRECA, I. M.; FREIRE JNIOR, O. Meeting the challenge: quantum
physics in introductory physics courses. In: MATTHEWS, M. R. (Ed.).
International Handbook of Research in History, Philosophy and
Science Teaching. Berlim: Springer, 2013 Forthcoming.
GREEINSTEIN G. ZAJONC, A. The quantum challenge: modern research
on the foundations of quantum mechanics. United Kingdom: Jones and
Bartlett Publishers International, 2006.
HELD, C. The meaning of complementarityStudies in History and
Philosophy of Science Part A, v. 25, n. 6, p. 871-870, 1994.
JAMMER, M. The conceptual development of quantum mechanics.
NewYork: MacGraw-Hill, 1966.
KIDD, R.; ARDINI, J.; ANTON, A. Evolution of the modern photon.
American Journal of Physics, v. 57, n. 1, p. 27-35, 1989.
KIMBLE, H. J.; DAGENAIS, M.; MANDEL, L. Photon Antibunching in
Resonance Fluorescence Physical Review Letters, v. 39, n. 11, p.
691-695, 1977.
KRAGH, H. Quantum generations. Princeton: Princeton University
Press, 1999.
______. Bohr Kramers Slater Theory. In: GREENBERGER, D.;
HENTSCHEL K.; WEINERT, F. Compendium of quantum physics: concepts,
experiments, history and philosophy. Berlin: Springer, 2009. p.
62-64.
KNIGHT, P. Observation of photon antibunching. Nature, v. 269,
n. 5630, p. 647, 1977.
KUHN, T. S. Black-body theory and the quantum discontinuity,
1894-1912. Chicago: University of Chicago Press, 1987.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 123 23/07/14 11:07
-
124 Indianara Silva
LAMB, W. E. Anti-photon Applied Physics B, v. 60, n. 2-3, p.
77-84, 1995.
LOUDON, R. What is a Photon? In: ROYCHOUDHURI, C.; KRACKLAUER,
A. F.; CREATH, K. (Ed.). The nature of light: what is a photon?
Florida: Taylor& Francis Group, 2008. p. 11-22.
MEHRA, J.; RECHENBERG, H. The historical development of quantum
theory. New York: Springer, 1982. v. 1.
MOORE, W. J. Schrdinger, life and thought. Cambridge: Cambridge
University Press, 1989.
MUTHUKRISHNAN, A.; SCULLY, M. O.; ZUBAIRY, M. S. The concept of
the photon revisited. In: ROYCHOUDHURI, C.; KRACKLAUER, A. F.;
CREATH, K. (Ed.). The nature of light: what is a photon? Florida:
Taylor & Francis Group, 2008. p. 37-57.
PATY, M. A fsica do sculo XX. Traduzido por Pablo Mariconda. So
Paulo: Idias & Letras, 2009.
PHOTON. In: Oxford Online Etymology Dictionary. [entre 2001 e
2014]. Disponvel em: . Acesso em: 14 Sep. 2012.
ROYCHOUDHURI, C.; KRACKLAUER, A. F.; CREATH, K. (Ed). The nature
of light: what is a photon? Florida: Taylor and Francis Group,
2008.
SANCHZ-RON, J. M. Historia de la fsica cuantica: el perodo
funcional (1860-1926). Barcelona: Editoral Critica, 2001.
SCHRDINGER, E. ber den ComptoneffektAnnalen der Physik, v. 387,
n. 2, p. 257-264, 1927.
SCOTT, W. T. Erwin schrodinger: an introduction to his writings.
Amherst: University of Massachusetts Press, 1967.
SCULLY; M. O.; SARGENT, M. The concept of the photon. Physics
Today, v. 25, n. 3, p. 38-47, 1972.
SILLITTO, R. M. Light waves, radio waves and photons Bulletin,
v. 11, n. 5, p. 129-134, 960.
SILVA, I.; FREIRE JNIOR, O. The Concept of the Photon in
Question: The Controversy Surrounding the HBT Effect circa
1956-1958 Historical Studies in the Natural Sciences, v. 43, n. 4,
p. 453-491, 2013.
SILVA, I.; FREIRE JNOR, O.; SILVA, A. P. B. da. O modelo do
grande eltron: o background clssico do efeito Compton. Revista
Brasileira de Ensino de Fsica, v. 33, n. 4, p. 4601-4601-7,
2011.
SINGH, S. More on photons American Journal of Physics, v. 52, n.
1, p. 11, 984.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 124 23/07/14 11:07
-
O conceito de fton na transio dos sculos 125
STACHEL, J. J. (Org.). O ano miraculoso de Einstein: cinco
artigos que mudaram a face da fsica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2001. p. 201-222. (Clssicos da cincia)
STAPP, H. Complementarity Principle. In: GREENBERGER, D.;
HENTSCHELAND, K.; WEINERT, F. Compendium of quantum physics:
concepts, experiments, history and philosophy. Berlin: Springer,
2009. p. 111-113.
STRNAD, J. Photons in introductory quantum physics American
Journal of Physics, v. 54, n. 7, p. 650-652, 986.
STUEWER, R. H. The Compton effect: turning point in physics. New
York: Science History Publications, 1975.
TAKETANI, M.; NAGASAKI, M. The formation and logic of quantum
mechanics: the way to quantum mechanics. New Jersey: World
Scientific Publishing, 2001. v. 2.
WALLAS, D. F. Evidence for the quantum nature of light Nature,
v. 280, n. 5722, p. 451-454, 979.
WENTZEL, G. Zur Theorie des photoelektrischen Effekts.
Zeitschriftfr Physik, v. 40, n. 8, p. 574-589, 1927.
WHEATON, B. R. The tiger and the shark: empirical roots of
wave-particle dualism. Cambridge: Cambridge University Press,
1983.
ZAJONC, A. Light reconsidered. In: ROYCHOUDHURI, C.; KRACKLAUER,
A. F.; CREATH, K. (Ed.). The nature of light: what is a photon?
Florida: Taylor and Francis, 2008. p. 3-9.
ZEILINGER, A. Dance of the photons: from Einstein to quantum
teleportation. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2010.
ZEILINGER, A. et al. Happy Centenary, photon. Nature, v. 433, n.
7023, p. 230-238, 005.
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 125 23/07/14 11:07
-
Cincia na transio dos sculos-miolo.indd 126 23/07/14 11:07