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ISSN1413-389X IemiSlmPsi.Dla giadaSHP 20D1 . VoI9n' l.4553
A cincia cognitiva e o problema da folk psychology'
Resumo
Saulo d e Freitas Ara jo Universidade Federal de ll/iz de
Fora
A suspeita de que a linguagem pode tomar-se um obst~cuJo ao
conhecimento humano no um aeonleeimelllo novo na histria do
pt'nsamenlo oci d~'JltaJ. Estendendo essa suspeita psicologia.
coloca-se a seguinte qucsto: a psicologia dispe de uma hnguagcm que
garanta sua identidadecntrc as demais cincias'! Ao se formular tal
questo. vai-se de encontro a um dos problemas centrais da eiencia
cognitiva contempornea. que diz respeito aO lll!!ar dajo/I< p .
ycho/"gy - o conjW1to de termos habitualmente uti li7.ado pelo
senso comum para descre,er, explicar, prcd.cr C avaliar as atitudes
e n comportamento das pessna~ - no de .. "nvnlvimemn de uma ci~neia
da ment~. (IO,,;vel detectar tr':, posi:ck, div"rg~nt~" O r~a l
i,mo de F odor, n diminativismo de Churchland e o instrumentalismo
de DClmctt. Aps uma anlisc dessas perspectiva,_ conclui-se que os
autores baseiam suas discus>es cm lUlla concepo muito restrita
dafol" psychology c cometem aquilo que chamamos de "o equvoco
ontolgico" Palnwcim : filosofia da psicologia. cincia
cognitiva.!,,'" psycho/()gy
Cognitive science and the problem Df fofk psychofogy
Ab!!ract
The feel ing that language an he an oh_tade to human Imowledg"
is not new in th" history of western Ihought. A. _,uch i,sue i,
appmaehed within psyeh"I"S,.v, the foll"wing que, tit", aTi,c", is
there a languag" of psyehol"gy whieh would guarantce its own
idemity among lhe "ther ,iene~? Once lhis question is fonllu lmcd,
onc faces olle of the central problcms of eognitivc sei~'Jlce,
con~"TI1ing the place or lo'" p~hology-the ordinmy tenns llsually
employed to desenhe, explain, predict and evaluat" people'&
attitudes and behaviour - in th~ development of a science of tlle
mind. It is possible to dctect three divergent perspectives: Fodor
's realism, Churchland's eliminativism and Dennctt's
instrumentalismo After analysing these dilTerent approaches, it is
concluded that theirdiscussiollS are based on a ver)' Iimitcd
conception ofjiJI" p,rycholo~ and that lhey make wha! may he al!~d
"an ont()logical mistake" ley .crds: philosophy of psyehology,
eognitivc scienC
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t,.F.NJIjI
A suspeita de que a linguagem pode tomar-se cugnitivas", a
psicologia readquire seu status de um obstculo ao conhecimento
hwnano no algo cincia da mente, tentando dar uma nova roupagem a
recente na tradio do pensamento ocidental. Francis velhos conceitos
mentalistas, como, por exemplo, o Bacon, por exemplo, ao denunciar,
em seu Noyum de "representao" (Gardner, 19851\995; Stich e Organum
(1620/1936), os quatro tipos de "dolos" Warfie!d, 1994). Contudo,
ao ressuscitar esse voca-que, segundo ele, assediam o entendimento
humanu bulriu mentalista, a psiculugia traz de volta velhos e
impedem-no de alcanar o verdadeiro eonheci- problemas conceituais
por ele engendrados, espe-mento (I, xxxix), considerou os dolos do
Mercado- cialmente o que diz respeito ao estatuto ontolgico que
surgem a partir da m utilizao da linguagem, dos fenmenos mentais
gerando confuso e debates inlteis entre os homens Toda e qualquer
tentativa de se constituir uma (I, xliii) - como sendo o tipo mais
problemtico de cincia psicolgica, que tenha como objetivo o
esm-todos (I, lix). De acordo com Bacon (I, Ix), existem do dos
fenmenos mentais, deve apresentar, antes de duas maneiras atrav.:s
das quais as palavras geram mais nada, uma resposta a uma questo
fundamental: obstculos ao entendimento: ou elas referem-se a
comocaracterizarprecisamenteseuobjetodeestudo, coisas que no
existem ou a coisas que existem, mas justificandose como campo
distinto de investiga-ainda confusas c mal definidas o? Na falta de
uma ontologia regional bem defini-
O que nos interessa ressaltar nessa denncia de da, a psicologia
se v constantemente ameaada de Bacon que sua preocupao j aponta
para um pro- perdcr sua idcntidade como cincia da mentc, na
mc-blema fundamcntal na constituio de qualqucr cicn- dida cm que vo
surgindo propostas de cxplicaio cia, a saber, o da relao entre
linguagem popular, dos fenmenos mentais atravs da linguagem da
linguagcm cientfica c rcalidadc, Ora, se a panir do neurocincia
(Gazanniga, 1998) e at mesmo da lisi-senso comum que a atividade
cientfica se desenvol- ca quntica (Pcnrose, 1996/1998). VI.' -
podendo posteriormente corrigi-lo e at mesmo No interior de toda
essa discusso, cabe-nos abandon-lo e se os termos utilizados na
vida perguntar se seria possivel forjarmos uma linguagem cotidiana
para falar sobre objetos e eventos so genuinamente psicolgica, que
nos permitisse Tes-gcralmcme vagos c ambguos, tomando-se pouco
ponder a questo acima formulada, garantindo a adequados a uma
utilizao cientfica, como assegu- identidade da psicologia, Ao
indagarmos portal pos-rar o desenvolvimcnto terico consistcntc de
uma sihilidade, vamos de encontro a um dos problemas determinada
cincia, evitando que ela caia nas arma ccntrais da cincia cognitiva
contcmpornca, conccr-dilhas e imprecises da linguagem do senso
comum? nente ao lugar dafolle psychology - entendida como
A suspeita de Bacon, se estendida ao caso da um conjunto de
termos que habitualmente utilizamos psicologia, leva-nos a refletir
sobre aquelc que talvez. paradescrevcr, cxplicar, predizer eavaliar
as atitudes seja seu problema fundamental: li falta de uma earac- e
o componamento das pessoas - no desenvolvimen-terizallo prccisa dc
seu objeto de cstudo. Embora a to futuro de uma cincia amadurecida
da mente. psicologia tenha sido batizada inicialmente como Seriam
cssas categorias adequadas para uma aborda-cincia da vida mental
(James, 1890/1978; Wundt, gem cientfica dos fenmenos mentais? Caso
con-1896), podemos dizer que os psiclogos nunca trrio, devemos
buscar uma linguagem prxima cntenderam pela palavra "mente" a mesma
coisa. biologia ou at mesmo fisica? Scm uma resposta Assim, as
dificuldades enfrentadas nessa caracteriza- consistente a esse
conjunto de questOcs, o futuro da o levaram a uma nova proposta de
definio do psicologia e seu projeto como cincia da mente cst,
objeto, que passou li ser o eomponamento (Watson, a nosso ver,
ameaado. 1913/1966). Entrctantotambm aqui no se alcanou O objetivo
do presente trabalho apresentar e o consenso csperado, o que se
depreende da frag- discutirastrsprincipaisposicstericasnacincia
mentallo e divergncias tericoconceituais do cognitiva acerca do
lugar da folie psycho/ogy no movimento behaviorista (Chiesa, 1994;
Smith, desenvolvimento de uma cincia da mente: o realis-1986). Com
o surgimento das chamadas "cincias mo de Fodor, o eliminativismo dc
Churhland e o
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Acilltiltlllitirl l llolkpsychology
insmlmentalismo de Dennett. Em seguida, procu-
ramos mostrar que h, nesse debate, uma confus1lo
conceituai, que gera aquilo que chamamos dc "o
equivoco ontolgico" (Araujo, 2000, p. 23). Final-
mcntc, sugerimos que csse equvoco podc scr cvita-
do, uma vez reconhecida a ausncia de uma ontologia
explcita no vocabulrio comum.
o problema da lolk psychology Todo c qualquer emprccndimcnto
cientifico
inicia-se a partir de uma concepo no cientfica do
mundo. Antes de uma detenninada pessoa tornar-se
um cientista - digamos, um fsico - ela j adquiriu
um modo particular de perceber e conceber os obje-
tos e eventos do mundo, fruto de sua insero em uma
cultura, que lhe anterior. Por outro lado, na mcdida
em que h um intercmbio pernlanente enlre cincia
e sociedade e um dos principais objetivos da cincia cxplicar os
fcnmenos dc interesse social, essa viso
protocientifica de mundo, que se expressa cm uma
dctcnninada linguagem, mantem-se como ponto de
referncia para os cicntistas.
Se os tennos e expresst:s empn:gados pt"lo
senso comum so, de tino, o ponto de partida de toda
c qualqucr atividade cientfica, isson1lo significa, po-
rem, que a cincia esteja eternamente condenada aos
limites impostos por eles. Ela pode refin-los ou at
mesmo abandon-los, como h:m algumas vezes
ocorrido, o que lhe confere uma ecrta autonomia.
Mas exatamentepel0 fato deno haver uma delimi-
tao precisa dos limites da utilidade do vocabulrio
popular para a atividade cientifica que surge a neces-
sidade de uma anlise profunda e constante das rela-cs entre
linguagem popular e da cincia, sobretudo
na psicologia
Em nossa vida cotidiana, utili7..amos uma srie
d", lermos t: expresses intuitivas, om a finalidade
prtica de descrever, cxplicar c predizer atitudcs c
componamento das pessoas. Oi7.cmos, por cxemplo.
que um amigo ou amiga nos parece triste ou acredita cm
bruxas, duendes e poilcs mgicas. Do mesmo modo, podemos, com
base nessas atribuics, explicar seu
comportamento, afinnando que ele ou ela n1l0 quis sair
de casa porque cstava triste ou no foi ao medico porque acredita
que cenas poes mgicas fazem mais efeito que os remdios tradicionais
da medicina
aloptiea. Finalmente, somos ainda capazes de fazer
predies sobre seu comportamento futuro. dizendo
que ele ou ela n1l0 sair de casa enquan!O sua tristeza n~o a~bar
c, todas as vezes cm que estiver doent~, ir
procurar um curandeiro ao invs de um mdieo. A esse
conjunto de atribuiOCs e explicacs psicolgicas
cotidianas, assim como taxonomia psicolgica que elas tomam por
base, damos o nome de psicologia
popular, psicologia do senso comum ou, para utilizar
uma expresso que se consagrou na literatura
especializada,jolk psycholog)l Um dos grandes problemas que a
psicologia
enfrenta que ela, ao mesmo tempo cm que fornece
noes psicolgicas ao senso comum, extrai boa par-
I", de seu vocabulrio dafolkpsychology, sem que a natureza desse
intercmbio tenninolgico ~steja bem
estabekcida. Conseqentemente, a despeito de qua-
isquer avanos no plano metodolgico, pareecmos
estar perpetuando a confuso conceituai denunciada
j h: algum tempo por Wiugenslt:in, no ltimo par-
grafo de suas Philo.wphische Untersuchungen (1952/1995). De
fato, alm da falta de consenso,
parece no h~ver muita clarc7.a sobrc o que eslamos
falando quando empregamos os lernlOS "crena",
"desejo", "medo" etc, cm nossas teorias psicol-
gicas. Estaramos referindo-nos a entidades reais,
propriedades cerebrais mistcriosas ou apenas fices
tcricas?
Alguns psiclogos tm-se preocupado com
esse problema, observando dificuldades e possiveis
prejuizos trazidos psicologia pelo vocabulrio psi-colgico do
senso comum. Mandler e Kessen (1959,
pp. 14-17), por exemplo, detectaram trs problemas
fundamentais na linguagem popular: tcndncia rei-ficao, ou seja,
a atribuir invariavelmente 5 pala-
vras uma referenda a alguma realidade no verbal;
2. Da mesma timna, podcmos fhlar numa fiJ!k bio{ogy -
rcferindo-nos s taxonomias e inferncias populares a respeito de
plantas c animais (Atran, 1995) - c numa folk physies, designando,
por cx~'tllplo, teorias populares sobre o movimento de objdos
fisicos. que chegam a divergir totalnw,te dos princpios da
Illecnica newtoniana (McCloskey. 1983)
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vagueza ou impreciso; e ambigidade ou
polisse-mia.Paracitarumexemplodadopelosprpriosauto-res (p. 15), o
termo "mente" utilizado de maneira equivocada tanto na linguagem
popular quanto em algumas teorias psicolgicas, como se fizesse
refe-rnciaauma"coisa",umarealidadeextralingstiea, o que pode
prejudicar o desenvolvimento da psicolo-giacientfica.
Numa perspectiva mais radical, Skinner
(1989,1990)repudiaveementementeautilizaodo vocabulrio mentalista do
senso comum na psicolo-gia, opondo-se a alguns tericos ntais
otimistas, como o caso de Heider. Embora estivesse cons-ciente da
impreciso dos termos da psicologia
popu-lar,lleider(1958/1970,pp.17-22)defendiasua aproximao com a
psicologia cientifica, insistindo que esta ultima deveria
representar uma depurao da linguagem ordinria.
Apesar de no ter cscapado a alguns lericos importantes da
psicologia, podemos notar que csse debate tem-se mostrado
insuficiente ea preocupao com a linguagem psicolgica no tem atrado
sufi-cientemente a ateno dos psiclogos. Contudo algo diferente tem
ocorrido na cincia cognitiva, onde a questo do estatuto dafolk
psycholog)l tem sido um dos principais focos de discusso e gerado
uma extensa literatura (p. ex., Fletcher, 1995; Grcenwo-od, 1991;
Haselager, 1997; Stich, 1983, 1996) Tendo em vista, pois, a
relevneia dessas discusscs para o problema aludido na introduo do
presente artigo - a caracterizao precisa do objeto de estudo da
psicologia enquanto cincia da mente - restringi-remos nossa anlise
30 mbito da cincia cognitiva
Realismo, eliminativismo e instrumentalismo
Nosdebatesatuaisdentrodaeineiacognitiva, afol* psychology tem
recebido uma atcno especial de vrios tericos, que tm bU$cado uma
maneira mais precisa de caracterz-Ia, na tentativa de fome-cer uma
resposta a duas questes principais: I) o que afolkpS)'Chology?; e
2) que destino ter sua ontolo-gianodesenvolvimento futuro da
psicologiacient-Ica?Aoprocurarresponderessasduasquestcs, v-rios
autores chegam a concluses diferentes e, algu-mas vezes,
opostas.
u.Un.jl
Podemos afirmar, de acordo com Von Eckardt (1997, p. 3(0), que
afolk ps)'Chology consiste no mi-
a. Um conjunto de pmticasatributivas,
explica-tivasepreditivas;e
b. Umconjuntodenocsouconceitosutilizados nessas prticas.
importante frisar que, cm re-lao acssa caracteri:mllo mnima, a
maior parte dos autores parece estar de acordo.
Tomando como ponto de partida essas duas caractersticas
fundamentais dafolk psychology, ve-mos que uma grande parte das
discusses atuais, na cinciacognitiva,cstcentradaexclusLvamentena
explicao da primeira (a), fazendo apelo a mecanis-mos cognitivos
subjacentes s nossas habilidades
atributivaslexplicalivaseaocursodeseudesenvolvi-mento nos seres
humanos. Surge, ento, uma dicoto-mia entre duas posies antagnicas:
de um lado, os defensores da concepo simulacionista(simulation
/heory) afinnam que nossas atribuics psicol6gicas basear-se-iam
numa capacidade cognitiva de simular os possiveis estados mentais
de outras pessoas em nossa prpria mente, o que nos pennitiria
explicar e predizer seu comportamento (Goldman, 1989, 1992; Gordon,
1986. 1992); de OUtTO,OS defcnsores da con-cepo terica
(theory/heory) insistem em que nossa capacidade dever-se-ia posse
de uma teoria psico-lgica implcita, atravs da qual produziriamos as
eventuais inferncias. (P. M. Churchland, 1979, 1981 /
1990,1991,1997; Dennett, 1978/1997, 1987, 1991; Fodor, 198511991,
1987; Stich, 1983; Stiche Nichols, 1996). H, no entanto, alguns
autores que defcndema possibilidade dessa disputa ser ilusria e das
duas abordagcns chegarem a se fundir numa s (Davies, 1994, pp.
114_118; Haselager, 1997,p. 25; Heal, 1994). Finalinente, de acordo
com Stich e Ra-venscrof"t (1996), podemos ainda classificar as
abor-dagens dafolkpsychology em internalistas e cxterna-listas,
segundo seus representantes dcfendam ou no a existncia de uma
estrutura de eonhecimento repre-sentada internamente.
Noquedizrespeitocaracteristica(b)dafollc psychology, a discusses
tendem a manter-se no mesmo plano de anlise da caracteristica
(a),haven-do uma crcna na cxistnciade um fenmenoexpl-
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A cihcia C'tlitin I lfo/kpsychology
cito a ser descrito ou explicado. Assim, a disputa do
materialismo eliminativo consiste na afirmao de passa a ser sobre a
melhor maneira de se caracterizar que afoU p~ychology uma teoria
falsa com uma on-a ontologia do vocabulrio senso comum, a fim de se
tologia totalmente inadequada (1981/1990, p. 2(6) e chegar a uma
concluso sobre seu destino no desen- quimrica (1991, p. 65). De
acordo com Churchland volvimento terico da psicologia cientifica. E
nesse (1988, pp. 43-44), os conceitos dafolk psychology ponto que
deparamo~ com trs posies distintas: o assemelham-se a velhos
conceitos j abandonados realismo de Jerry Fodor, o climinativismo
de Paul pela cincia, como o "flogisto", o "calrico" e Churchland eo
instrumentalismo de Daniel Dennett. "possesso demoniaca". O que
todos eles tm em co-
A posio de Fodor em relao folk mum que referem-se a coisas
inexistentes. Assim psychology chamada por ele mesmo de "realismo
como no h uma substncia chamada flogisto, tam-intencional" (1987,
p. xii). Segundo ele, "todos ns ... bem no h uma entidade chamada
crena ou desejo. nascemos menta!istas e Realistas" (1987, p. 7). Os
estados menlais necessitam, portanto, de uma Nessa perspectiva, as
categorias psicolgicas do sen- caracterizao adequada, fornecida
pela neurocincia so comwn (crena, desejo, medo, esperana elc.)
(1981/1990, p.206: 1988, p. 45). fariam referncia a estados
psicolgicos reais - as Se tomarmos como ponto de panida a lese
atitudes proposicionais - individualizados atravs de acima
referida, o destino dafo/k p~ycholof{}' parece seu contedo
especfico. Por exemplo, se X acredita bvio: ela ser totalmente
eliminada e substituda em "p", ento "p" o contedo que determina sua
pela neurocincia. Na realidade, porm, a po~i"i'lo de crena.
Teramos, assim, uma sric de smbolosden- Churchland se rcvela
extremamente ambgua. Seus tro da eabea- expressos sob a fomla de
proposies trabalhos sugerem trs possibilidades distintas: uma - que
detcnninariam nossos estados mentais (atitu- eliminao radical
(1981/1990), um3 reduo tOlal des proposicionais) e constituiriam a
linguagem do neurocincia (1986/1992) e uma reviso, em que
par-pensamento (Fodor, 1975). Alm disso, Fodor acre- te de sua
ontologia sobreviva e pane seja eliminada, dita que as pessoas
leigas tambm pressupem a cau- dependendo sempre de uma coevoluo
entre psico-sao mental, ou seja, elas apostam no podcr causal logia
e neurocincia (Churchlaml e Churchland, das atitudes proposicionais
sobre o componamento e 1990/1998). De qualquer fonn3, o que vai ou
no outros estados mentais (198511991 , p. 24). Um sobrar dafolk
flfi}'chology uma questo empirica, exemplo disso seria, de
acordo
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S..,F . .I.riIIjt
dades reais, como o caso, por exemplo, dos centros rias ao crivo
da experincia, a fim de se decidir pela de gravidade (1987, p. 53;
1991, p. 139; 1991/1998, mais bem sucedida. E mesmo que asevidncias
dispct-p. 96). No entanto o que seriam esses padres ou pro- niveis
ainda no sejam suficientes para decidinnos em priedades reais,
referidos pelos tennos da folk favor de uma ou outra abordagem
(Davies, 1994,
p!Jych%gy, pennanece um mistrio em sua obra. p. IOI; Perner,
1994, p. 147), isso nlio significa que o No que diz respeito ao
futuro dafolk p!Jychu- problema deixa de ser emprico, mas to
SOmente que
/ogy, Dennett se aproxima muilO mais de Fodor qlle as teorias
talvez precisem ser melhor fonnllladas e dos Churchlands, ao
defender sua pennanncia em mais cvidncias devam ser buscadas uma
teoria psicolgica amadurecida - a teoria dos Quando nos voltamos,
por outro lado, para a sistemas intencionais (Dennett, 197811997;
1987) segunda caracterstica (b) da folk psychology - o Ela vai
sobreviver, segundo ele, devido a duas razes conjunto de
n0e5empregadas emnossas atribuies principais.
Emprimeirolugar,elaumexcelenteins- psicolgicas intuitivas - a
situao revela-se com-lrumento de interpretao e predio do comporta-
pletamenle distinta, isto , no h qualquer fenmeno menlo de qualquer
sistema intencional (1987, explicito a ser descrito dou explicado,
uma vez que pp.47-52;1991,p. 135).Emsegundolugar,elarepre- nossos
termos psicolgicos populares no parecem
senta um nvel de abstralio essencial quando quere- trazer
consigo sequer um esboo definido de wna mos explicar eertos tpicos,
como inteligncia, ontologia. Sendo assim, essa segunda
caracterstica representao e significado (1987, p. 60). No no pode
estar relacionada pergunta "o que afolk possvel, portanto, eliminar
a teoria dos sistemas in- psychology'!" - como se supe
habitualmente~e me-tcncionais, reduzindo-a a uma teoria
neurocicntfica. rece, portanto, ser tratada num plano distinto de
anli-embora uma teoria neurocientfica possa comple-
se,umavezquenohanenhumadescrilioaserrea-ment-Ia, no sentido de
especificar os detalhcs Rsi- Iizada. Portanto no recorrendo a uma
investigao
cos envolvidos na implementao de um sislema in- emprica
dafo/kpsychology enquanto fenmeno psi-tencionai em vrios indivduos
ou espcies (1987, colgico qut: iremos resolver o problema da
adequa-pp.60-68). Desse modo, cstgarantida a identidade
oontolgicadenossosconccitospsicolgicos,mas da psicologia em rclao s
outras cincias, sim a uma anlise filosfica de suas prprias
recolls-
lrucs tericas, que podcrlio apresentar as mais diver-sas
caractcrizacs ontolgicas, Alm disso, devemos
o equ ivoco ontolg ico Noque diz respeito discusslio sobre a
caracte-
rstica (a) dajolk psyclUllogy ~ o conjunto de prticas
atributivas, explicativas e preditivas-podemos
peree-berqueoqueestemjogo a busca de uma teoria que possa tomar
inteligvel nossa capacidade de fazer atri-buics psieolgicas
cotidianas, Em outraspalavTas, a lofk psych%gy considerada aqui
como um fCllme-no psicolgico em necessidade de explicao. Em funo
disso, trata-se de uma querela a ser resolvida no plano emprico,
submetendo-se as diferentesteo-
nos lembrar de que embora urna tt:oria cientifica da mente
explique a folkp!Jychology enquanto fenmello psicolgico, isso nlio
significa que seu vocabulrio seja o mesmo desta ltima, uma vez que
a atividade cientificagozadeumacertaautonomiaemrelailoao senso
comum. Nesse sentido, como bem notou Fletcher (1995, cap. 2), o
importante que estejamos atentos, ao construirmos nossas teorias
psicolgicas cil-'Illificas, para nlio incorporarmos indevidamente
elementos dajolkpsychology?
AproveitandoasugestodeF1cteher,gostara-
mos de ellfatiwrque o que nos parece mais importan-
3. Fletcher faz urna importante distino entre duas maneiras de
mar alofk psychology em teorias psicolgicas: o Uso I, quando o
p,iclogo precisa levar cm conta, para descrev-las. as atribll(\t:S
psicolgicas reais de senso comum. independente da verdade ou
falsidade das mesmas; e o Uso 2, quandoo psiclogo utiliza
afo/kpsycho[ogycomo re
-
AtihciltfJII~iN I ~folk pSfoology
te a necessidade de estarmos cientcs da difcrcna sim o cstatuto
de seus tennos transfonnados em con-conceituai entre a/ofk
psychology e a psicologia ceitos pertencentes a teorias
psicolgicas, que seriam cientfica. exatamente a falta de percepo
dessa submetidas aos critrios estabelecidos para a avalia-diferena
que acarrcta, segundo nosso ponto de vista, o de teorias
cientificas. um engano fundamental nos debates atuais acerca da Dos
trs autores anterionnente analisados, folk p~ycholugy, que vamos
chamar de "o equvoco Dennett parece ser o nico a reconhecer
explicita-ontolgico". Esse equivoco consiste na tentativa de mente
a diferena cntre afolk psychology propria-se defini r uma ontologia
para os termos psicolgicos mente dita e suas possveisrecollSlrues
ou incorpo-utilizados no dia a dia, supondo que haja uma cstrcita
racs cm uma tcoria cientfica. No entanto o prprio correspondncia
entre essa suposta ontologia e a Denm:tt acaba cometendo o equvoco
ontolgico, ontologia da fulk p~ycl/Olugy, como se o senso quando
insiste em tentar determinar uma ontologia comum dispusesse dc wna
ontologia explcita e uni- para a noo popular de crena, utilizando
um sofisti-forme, que pudesse ser determinada de alguma ma- cado
aparato filosfico que extrapola totalmente os neira. Ora, ainda que
a psicologia popular possa fazer recursos normalmente utilizados na
vida cotidiana referncia a "coisas" internas - o que est longe de
(Dennett, 1987, pp. 54-57). De fato, seria surpreen-ser um consenso
(McDonough, 1991, p. 264) - nilo dente se o senso comum conhecesse
parte da obra de h a minima preocupao por parte das pessoas em
HansKeichenbach - filsofo em quem Dennett neste explicitar a
natureza dessas "coisas", o que impediria ponto se baseia - c
considerasse o conceito de crena qualqucr possibilidade de uma
determinao onto- como estando a meio caminho entre os illalu
(termos lgica universal da folk psychoiogy.4 Em outras que postulam
entidades tericas) e os ahstracta palavras, queremos argumentar que
as dis.:uss
-
dido por Fodor. Assim, ao conceberem as atitudes proposicionais
eomo parte integrante do senso comum, eles paret:em ter-se
esquecido de que poucas pessoas acreditam dc falO que nossos
estados mentais sejam constitudos por sentenas ou smbolos
encra-
vados em nosso crebro.
Concluso
Ao evidcnciannos, ento, o que nos parece ser um engano
conceituai na cincia cognitiva contcm-pornea, queremos propor uma
refonnulao da segunda pergunta inicialmentt: cstabelccida: ao invs
de perguntannos que destino tcr a ontologia daJoll< psychology
no desenvolvimcnto futuro da psicolo-gia, devemos perguntar apenas
que destino tcr seu vocabulrio, wna vcz quc ele poder ganhar as
mais variadas especificaes ontolgicas, de acordo com a criatividade
dos interpretes. Com essa refonnulao, pretendemos apenas deslocar a
discusso ontolgica daJo/k p~)lchology para suas reconstroes tericas
e mostrar que a necessidade de uma ontologia bem de-finida para
nossa futura taxonomia psicolgica nada tem a ver com uma suposta
ontologia da prpriaJo/k psychulugy, pelo simples fato de no existir
uma. Assim, uma vez reconhecida a ausncia de wna onto-logia
explcita no vocabulrio psicolgko popular, desfaz-se a confuso entre
afolkpsych%gy e a psi-cologia cientifica, e evita-se,
conseqentemente, o equivoco ontolgico.
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