20/4/2008 53 SALVADOR DOMINGO DOMINGO 20 DE ABRIL DE 2008 #3 TERCEIRO CRAVO Christian herda o talento do avô escultor e do pai fotógrafo Sacatar, a residência artística da Ilha de Itaparica A dualidade na moda de Soudam & Kavesky A onda do Temaki, o fast-food japonês COLABORE COM AS PRÓXIMAS EDIÇÕES DA MUITO E VEJA O MAKING OF DAS REPORTAGENS EM WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO REVISTA SEMANAL DO JORNAL A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
20/4/2008 53SALVADOR DOMINGOD
OM
ING
O20
DE
AB
RIL
DE
200
8#
3
TERC
EIRO
CRAV
OCh
rist
ian
herd
ao
tale
nto
doav
ôes
culto
re
dopa
ifo
tógr
afo
Saca
tar,
are
sidê
ncia
artís
tica
daIlh
ade
Itapa
rica
Adu
alid
ade
nam
oda
deSo
udam
&Ka
vesk
yA
onda
doTe
mak
i,o
fast
-food
japo
nês
COLA
BO
RE
COM
AS
PRÓ
XIM
AS
EDIÇ
ÕES
DA
MU
ITO
EV
EJA
OM
AK
ING
OF
DA
SR
EPO
RTA
GEN
SEM
WW
W.A
TAR
DE.
COM
.BR
/MU
ITO
REV
ISTA
SEM
AN
AL
DO
JOR
NA
LA
TAR
DE.
NÃ
OPO
DE
SER
VEN
DID
ASE
PAR
AD
AM
ENTE
26 SALVADOR DOMINGO 20/4/2008
O herdeiro d os CravoTexto TATIANA MENDONÇA [email protected] talento, o sobrenome e a arrogância de Christian Cravo, 33, filho do também fotógrafo Mario Cravo
Neto, que faz 61 anos hoje, e neto do escultor Mario Cravo, 85, fazem dele o terceiro nome destageração de artistas baianos. Seguindo sua trajetória, este ano expõe na Argentina, Japão e Haiti
«Fui educado paraachar que os Cravoestão acima do beme do mal, quesão os melhores»
O único diploma de Christian vem
do tempo do exército, na Dinamarca
ARQUIVO PESSOAL
30 SALVADOR DOMINGO 20/4/2008
mental e diz lidar com o legado paterno
sem problemas. "A maioria dos casos de
família em que um segue a carreira do ou-
tro não dá certo. O pai faz uma coisa e o
filho repete igualzinho, só faz piorar. Meu
pai é um caso totalmente anormal. Ele não
só foi tão bom quanto meu avô, mas talvez
o tenha superado. Mas dentro do mesmo
tema, que é a Bahia".
E o que também o fez virar exceção?
"Sorte e outros fatores. O fato de eu ter si-
do iluminado, de ser pedante, de só parar
quandoconsigooquequero,deterumcer-
to equilíbrio em me auto-analisar".
ARTILHARIA PESADAO único diploma de Christian vem do
tempo que passou no exército, na Dina-
marca:observadordeArtilhariaAvançada.
A experiência durou dois anos e não foi
traumatizante. Ele até agradece pelo exer-
cício da disciplina. "Hoje é fundamental.
Não tem mais isso de vir um patrono da ar-
te e descobrir o cara lá, semineardenthal,
que vive na caverna dele, alheio a tudo".
Comodinheiroqueganhounoexército,
ChristianvoltouparaSalvadorecomprouo
primeiroapartamento,aos22anos."Cres-
cer na Dinamarca foi uma coisa muito cha-
ta. Quando voltei, ah, back to paradise, pa-
ra o sol, para a praia". E, acima de tudo,
para a luz. "Na Dinamarca, não conseguia
me inspirar. E aqui essa luz tropical, as pes-
soas sem camisa... Foi um prato cheio".
Fotografia, ele foi aprendendo na prá-
tica. "Sou autodidata. Meu pai nunca me
ensinou nada diretamente". Pausa. "Não
vou ser patético em dizer que não aprendi
nada com ele, porque só a convivência já é
um grande aprendizado".
Mario Cravo Neto diz não “fiscalizar” o
trabalho do filho, mas avalia que ele está
fazendo“umbomcaminho”.“Eletemmui-
to a ganhar e muito a perder, como qual-
quer um. Precisa seguir a própria intuição,
o próprio caminho, sem ouvir conselho de
ninguém. A opinião dos que estão de fora
não importa. A arte é liberdade contínua
de exercício criativo”.
No começo, Christian pensou em arru-
mar outro emprego. "Foi muito difícil. Mas
você vai plantando, e um dia colhe". Suas
fotografiashojecustamentreR$500eR$5
mil. Das colheitas também fazem parte o
prêmio da 2000 Mother Jones Internatio-
nal Found for Documentary Photography,
que ganhou em 1999, aos 25 anos. Esse é
o segundo prêmio de fotografia mais im-
portante do mundo, e ele levou como re-
presentante da América Latina.
Em 2001, Christian virou bolsista do
prestigiado museu Guggenheim de Nova
York, quando começou Waters of Hope.
Para o crítico de fotografia Rubens Fernan-
des Filho, ele é um dos grandes novos ta-
lentos da fotografia brasileira. “Suas fotos
têm alma, emoção e exigem um mergu-
lho, um certo interesse para perceber as di-
ferentes texturas e ações”, analisa.
ChiodettoquerverChristianexplorando
temas menos comportados. “Fotodocu-
mentaristas devem ter a ambição de reve-
laraquiloqueestáocultopelopreconceito,
pelos jogos de poder. E claro, devem ser
poetas. E poesia a golpes de luz e tons de
cinza, o Christian já faz”.
Espalhando a obsessão que tem pela
fotografia, este ano ele vai dar aulas para
120 adolescentes do projeto Pracatum,
no Candeal. "Ensinar é a coisa mais hon-
rada do mundo, mas tem que querer
aprender".
AH, BAHIAMesmo morando em Salvador há 11
anos, Christian ainda não aprendeu a gos-
tardacidade."Tenhoumarelaçãodeamor
e ódio com a Bahia. Odeio o calor, odeio a
falta de infra-estrutura".
Ele conta que é brigado com muita gen-
te. “Os fornecedores não me suportam.
Meu trabalho vai para o mundo inteiro, e
eunãotenhoumfornecedordaqui.Aívocê
vai reclamar e vem o baiano... Baiano não
gosta de trabalhar, é fato. E eles ainda se
sentem ofendidos por você não aceitar a
qualidade do trabalho que te oferecem".
Por que continuar aqui, então? "No meu
momento, casado, filho, é difícil. E tem o
custo. Não sou tão famoso assim, nem te-
nho tanto dinheiro".
Low-profile, não sai muito de casa para
ver exposições ou ir a festas. "Tempo é
uma coisa muito preciosa pra mim". Chris-
tian tinha 17 anos, estava vendo televisão
quando ouviu a profecia do avô. "Quando
O fotógrafo morou com a mãe nos
EUA, onde jogava futebol americano
«Baiano nãogosta de trabalhar, éfato. E eles ainda sesentem ofendidos»
ARQUIVO PESSOAL
20/4/2008 31SALVADOR DOMINGO
você é jovem, tem tempo, mas não sabe
como gastar. Quando você é velho, sabe
como gastar, mas não tem tempo. Então
você está num bico de sinuca".
Christian nunca se esqueceu disso. E o
tempo só foi diminuindo. Desde que So-
phia nasceu, ele não põe os pés num cine-
ma. "Não tenho mais vergonha de dizer is-
so porque um grande amigo, Sérgio Ma-
chado, disse a mesma coisa".
No cinema, ficou mesmo nos bastido-
res. Fez as fotos de divulgação de Abril Des-
pedaçado, de Walter Salles, e de Cidade
Baixa, de Sérgio Machado. "Sou amigo de
diretores, eles me pedem informações téc-
nicas e sugestões de locações. Entendo tu-
do de máquina de cinema, poderia fazer
um filme a qualquer momento, mas sou
um solitário no meu trabalho”.
Sérgio Machado, primeiro, conheceu as
fotos; depois, Christian. “Tinha uma expo-
sição dele na Alexandre Robatto, e eu e
Waltinho (Walter Salles) ficamos encanta-
dos. Ele foi fazer ostill (making of) de Abril
Despedaçado e fez fotos incríveis. Nunca ti-
nha visto um still tão bem-feito”. A parceria
seguiu com Cidade Baixa e deve continuar
com o novo filme de Sérgio, Quincas Berro
D'Água. Em abril eles vão viajar por Salva-
dor e pelo Recôncavo, atrás de locações.
Durante as quase duas horas de conver-
sa, Christian respondeu tudo, sem hesitar.
Menos quando chega a hora de saber que
tipo de influência ele quer ser para a me-
ninadossapatosdeboneca,a filhaSophia.
"Quero que ela seja quem quiser ser. Mas
vou mostrar que o mundo não é essa mes-
quinhezdapropaganda,doconsumo,com
gente que gasta dinheiro em um Audi e
não dá R$ 1 para o menino do semáforo.
Olha que paradoxo maluco". Enquanto
nãoresolveodilemadoavôsobreotempo
– que ora falta, ora sobra – ele segue fo-
tografando e aprisionando o agora «
Água e fé são temas do projeto Águas da Esperança.... Nas fotos, Índia e Haiti
Abaixo, a Bahia, tema caro aos Cravo, fotografada em Roma Noire...
32 SALVADOR DOMINGO 20/4/2008
O mar em Roma
Noire.... Abaixo, com a
irmã, Lua, e o avô,
Mário, num clique dele
VICENTE SAMPAIO | DIVULGAÇÃO
20/4/2008 33SALVADOR DOMINGO
A escritora Clarice Lispector, que
entrevistou Mario Cravo Jr, em 1969
«Já vivo do meutrabalho autoral.E metade dele évendido no Brasil»
«Quero que meu trabalho fale por mim»Em 1969, a escritora Clarice Lispector entrevistou o escultor baiano Mario Cravo Jr., então com 46 anos. A convite da Muito, Christian
respondeu a algumas das perguntas feitas para o seu avô, recentemente publicadas no livro Clarice Lispector: Entrevistas. Confira: