-
Misso do IpeaAprimorar as polticas pblicas essenciais ao
desenvolvimento brasileiropor meio da produo e disseminao de
conhecimentos e da assessoriaao Estado nas suas decises
estratgicas.
9 788578 112516
ISBN 978-85-7811-251-6
A experincia chinesa combinou o mximo de competio a utilizao do
mercado como instrumento de desenvolvimento com o mximo de controle
das instituies centrais da economia competitiva moderna: o sistema
de crdito, a poltica de comrcio exterior, a administrao da taxa de
cmbio, os mecanismos de fomento inovao cientfica e tecnolgica. Os
bancos pblicos foram utilizados para dirigir e facilitar o
investimento produtivo e em infraestrutura.
Agora, a China ingressa em uma nova fase de seu desenvolvimento,
que exige reformas institucionais em diversas reas cruciais: o
papel do setor pblico, a distribuio de renda, a propriedade da
terra, o sistema financeiro, a internacionalizao da moeda, a
abertura da conta de capital. Essas reformas so muito mais
delicadas e complexas do que aquelas implementadas nos ltimos
trinta anos. Isso demandar reavaliaes e revises, com avanos e
recuos, dado o mtodo experimental por tentativa e erro utilizado
pelas autoridades chinesas. O xito das reformas dever consolidar a
transio econmica da China de uma economia de comando para uma
economia mista, em que o mercado ter papel importante, mas no
exercer influncia na formulao das estratgias de longo prazo.
A despeito de diferenas substantivas entre a sociedade chinesa e
a brasileira, compreender a experincia do gigante asitico, de
manter o sistema aberto s transformaes de longo prazo, por meio de
um planejamento indicativo, liderado pelo Estado, pode ser muito
til para o debate em torno do processo de retomada do
desenvolvimento socioeconmico do Brasil.
Luiz Gonzaga de Mello BelluzzoProfessor titular do Instituto de
Economia da Universidade Estadual
de Campinas (IE/Unicamp) e das Faculdades de Campinas
(Facamp)
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
Chi
na e
m T
rans
form
ao
: dim
ens
es e
con
mic
as e
geo
pol
tic
as d
o de
senv
olvi
men
to
CHINA EM TRANSFORMAODIMENSES ECONMICAS
E GEOPOLTICAS DO DESENVOLVIMENTO
CHINA EM TRANSFORMAODIMENSES ECONMICAS
E GEOPOLTICAS DO DESENVOLVIMENTOMarcos Antonio Macedo
CintraEdison Benedito da Silva Filho
Eduardo Costa Pinto(Organizadores)
Os autores discutem neste livro as principais polticas que
possibilitaram, nas ltimas trs dcadas, a transformao da economia
chinesa na segunda maior do mundo. No setor externo, o pas ascendeu
primeira posio mundial emexportaes e ao segundo lugar em
importaes,gerando elevados superavit na conta-corrente ena conta de
capital do balano de pagamentos.Isso permitiu China acumular um
volumeexpressivo de reservas internacionais e seconsolidar como o
maior pas credor emtodo o mundo.
Os diferentes captulos mostram que as polticas de
industrializao, de insero nas cadeias produtivas regionais e
globais, de suprimento de energia, de gesto da moeda e do crdito,
de distribuio de renda e de reduo das desigualdades regionais, de
cincia, tecnologia e inovao, de modernizao do aparato militar e dos
sistemas de defesa, de apoio internacionalizao das empresas e de
financiamento da infraestrutura no entorno asitico, e de atuao nas
instituies multilaterais esto articuladas em uma ampla estratgia de
desenvolvimento de curto, mdio e longo prazo.
Destaca-se, em particular, o panorama realizado sobre o complexo
sistema financeiro chins, focalizando especialmente o papel crucial
desempenhado pelos bancos pblicos comerciais e de desenvolvimento,
suas interfaces com o sistema bancrio paralelo, as limitaes do
mercado de capitais e a interao destas instituies com as principais
agncias de regulao, superviso e coordenao o Banco Central da China,
a Comisso de Regulao Bancria da China e o Conselho de Estado.
Os autores descrevem como as autoridades econmicas daquele pas
colocaram em marcha uma estratgia cautelosa de internacionalizao do
renminbi e do sistema financeiro nacional, mas com liberalizao
controlada da conta de capitais. A internacionalizao da moeda
chinesa constitui um passo defensivo em resposta crise financeira
global ocorrida entre 2007 e 2008.
Seu objetivo substituir, em curto espao de tempo, o dlar pelo
renminbi como moeda dominante nas trocas internacionais entre a
China e os outros pases com que comercializa, estabilizando
monetariamente sua rede internacional de fornecedores e de
consumidores.
O caminho em direo maior abertura da conta de capitais carrega,
no entanto, um risco elevado, na medida em que pode abrir aos
mercados internacionais o processo de formao da taxa de cmbio e da
taxa de juros hoje sob controle do Estado chins e, com isso,
colocar em xeque todo o funcionamento do, at agora, bem-sucedido
sistema de crescimento do emprego e da renda, com elevado dinamismo
do setor industrial, a exemplo do que ocorreu no Japo na dcada de
1980. Os riscos provenientes de uma internacionalizao da moeda e do
sistema financeiro nacional se sobressaem no contexto atual de uma
economia com elevada taxa de investimento ancorada no crdito
bancrio, mas em desacelerao.
Este livro, disponibilizado pelo Ipea e elaborado com a
colaborao de vrios professores de diversas universidades
brasileiras, sob a coordenao de Marcos Antonio Macedo Cintra,
Edison Benedito da Silva Filho e Eduardo Costa Pinto, estimula o
debate sobre as principais caractersticas do modelo de
desenvolvimento chins e as cleres transformaes ocorridas no
socialismo de mercado, ou uma das formas existentes de organizao do
capitalismo na China contempornea. Este debate entre funcionrios
pblicos, formuladores de polticas, empresrios, sindicatos, partidos
polticos, acadmicos, jornalistas e estudantes pode ser frutfero
para alimentar a discusso sobre um novo desenho de desenvolvimento
para o Brasil, projeto que dever implicar mudanas na insero
internacional do nosso pas, nas dimenses comercial, produtiva e
financeira.
Ernani Teixeira Torres FilhoProfessor associado do Instituto de
Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (IE/UFRJ)
-
Os autores discutem neste livro as principais polticas que
possibilitaram, nas ltimas trs dcadas, a transformao da economia
chinesa na segunda maior do mundo. No setor externo, o pas ascendeu
primeira posio mundial em exportaes e ao segundo lugar em
importaes, gerando elevados superavit na conta-corrente e na conta
de capital do balano de pagamentos. Isso permitiu China acumular um
volume expressivo de reservas internacionais e se consolidar como o
maior pas credor em todo o mundo.
Os diferentes captulos mostram que as polticas de
industrializao, de insero nas cadeias produtivas regionais e
globais, de suprimento de energia, de gesto da moeda e do crdito,
de distribuio de renda e de reduo das desigualdades regionais, de
cincia, tecnologia e inovao, de modernizao do aparato militar e dos
sistemas de defesa, de apoio internacionalizao das empresas e de
financiamento da infraestrutura no entorno asitico, e de atuao nas
instituies multilaterais esto articuladas em uma ampla estratgia de
desenvolvimento de curto, mdio e longo prazo.
Destaca-se, em particular, o panorama realizado sobre o complexo
sistema financeiro chins, focalizando especialmente o papel crucial
desempenhado pelos bancos pblicos comerciais e de desenvolvimento,
suas interfaces com o sistema bancrio paralelo, as limitaes do
mercado de capitais e a interao destas instituies com as principais
agncias de regulao, superviso e coordenao o Banco Central da China,
a Comisso de Regulao Bancria da China e o Conselho de Estado.
Os autores descrevem como as autoridades econmicas daquele pas
colocaram em marcha uma estratgia cautelosa de internacionalizao do
renminbi e do sistema financeiro nacional, mas com liberalizao
controlada da conta de capitais. A internacionalizao da moeda
chinesa constitui um passo defensivo em resposta crise financeira
global ocorrida entre 2007 e 2008.
Seu objetivo substituir, em curto espao de tempo, o dlar pelo
renminbi como moeda dominante nas trocas internacionais entre a
China e os outros pases com que comercializa, estabilizando
monetariamente sua rede internacional de fornecedores e de
consumidores.
O caminho em direo maior abertura da conta de capitais carrega,
no entanto, um risco elevado, na medida em que pode abrir aos
mercados internacionais o processo de formao da taxa de cmbio e da
taxa de juros hoje sob controle do Estado chins e, com isso,
colocar em xeque todo o funcionamento do, at agora, bem-sucedido
sistema de crescimento do emprego e da renda, com elevado dinamismo
do setor industrial, a exemplo do que ocorreu no Japo na dcada de
1980. Os riscos provenientes de uma internacionalizao da moeda e do
sistema financeiro nacional se sobressaem no contexto atual de uma
economia com elevada taxa de investimento ancorada no crdito
bancrio, mas em desacelerao.
Este livro, disponibilizado pelo Ipea e elaborado com a
colaborao de vrios professores de diversas universidades
brasileiras, sob a coordenao de Marcos Antonio Macedo Cintra,
Edison Benedito da Silva Filho e Eduardo Costa Pinto, estimula o
debate sobre as principais caractersticas do modelo de
desenvolvimento chins e as cleres transformaes ocorridas no
socialismo de mercado, ou uma das formas existentes de organizao do
capitalismo na China contempornea. Este debate entre funcionrios
pblicos, formuladores de polticas, empresrios, sindicatos, partidos
polticos, acadmicos, jornalistas e estudantes pode ser frutfero
para alimentar a discusso sobre um novo desenho de desenvolvimento
para o Brasil, projeto que dever implicar mudanas na insero
internacional do nosso pas, nas dimensescomercial, produtiva e
financeira.
Ernani Teixeira Torres Filho
Professor associado do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ)
China_ORELHA_WEB.indd 187 31/08/2015 12:50:01
-
CHINA EM TRANSFORMAODIMENSES ECONMICAS
E GEOPOLTICAS DO DESENVOLVIMENTO
CHINA EM TRANSFORMAODIMENSES ECONMICAS
E GEOPOLTICAS DO DESENVOLVIMENTOMarcos Antonio Macedo
CintraEdison Benedito da Silva Filho
Eduardo Costa Pinto(Organizadores)
Livro_ChinaemTransformacao.indb 1 16/09/2015 11:06:05
-
Governo Federal
Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica
Ministro Roberto Mangabeira Unger
Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da
Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e
institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de
inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro
e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados
por seus tcnicos.
PresidenteJess Jos Freire de Souza
Diretor de Desenvolvimento InstitucionalAlexandre dos Santos
Cunha
Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da
DemocraciaRoberto Dutra Torres Junior
Diretor de Estudos e Polticas MacroeconmicasCludio Hamilton
Matos dos Santos
Diretor de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas e
AmbientaisMarco Aurlio Costa
Diretora de Estudos e Polticas Setoriais de Inovao, Regulao e
InfraestruturaFernanda De Negri
Diretor de Estudos e Polticas SociaisAndr Bojikian Calixtre
Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas
InternacionaisBrand Arenari
Chefe de GabineteJos Eduardo Elias Romo
Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia
Rodrigues Lima
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL:
http://www.ipea.gov.br
Livro_ChinaemTransformacao.indb 2 16/09/2015 11:06:05
-
CHINA EM TRANSFORMAODIMENSES ECONMICAS
E GEOPOLTICAS DO DESENVOLVIMENTO
CHINA EM TRANSFORMAODIMENSES ECONMICAS
E GEOPOLTICAS DO DESENVOLVIMENTOMarcos Antonio Macedo
CintraEdison Benedito da Silva Filho
Eduardo Costa Pinto(Organizadores)
Rio de Janeiro, 2015
Livro_ChinaemTransformacao.indb 3 16/09/2015 11:06:05
-
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2015
As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira
responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o
ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da
Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.
permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos,
desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so
proibidas.
A obra retratada na capa deste livro o desenho Contemplao, de
Eduardo Ventura, de 2010. Eduardo Ventura um artista carioca em
plena atividade criativa retrata em sua obra o indivduo isolado e,
simultaneamente, imerso nas grandes cidades contemporneas. Seus
personagens parecem tentar compreender as transformaes da vida
cotidiana nas sociedades urbanas. Um vendaval passa e, perplexos,
ficamos em contemplao solitria. O clere movimento das mudanas
sociais, tecnolgicas, climticas e patrimoniais vai nos engolfando a
todos, exigindo reflexo para sair da apatia paralisante.
Os organizadores do livro agradecem ao autor o direito de uso da
imagem de sua obra.
China em transformao : dimenses econmicas e geopolticas
do desenvolvimento / Marcos Antonio Macedo Cintra,
Edison Benedito da Silva Filho, Eduardo Costa Pinto
(Organizadores) Rio de Janeiro : Ipea, 2015.
594 p. : il.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7811-257-8
1. Desenvolvimento Econmico. 2. Investimentos. 3. Inovaes
Tecnolgicas. 4. China. I. Cintra, Marcos Antonio Macedo. II.
Silva Filho, Edison Benedito da. III. Pinto, Eduardo Costa.
IV.
Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada.
CDD 338.951
Livro_ChinaemTransformacao.indb 4 16/09/2015 11:06:05
-
SUMRIO
APRESENTAO
........................................................................................7
PREFCIO
...................................................................................................9
INTRODUO
..........................................................................................15Marcos
Antonio Macedo Cintra Edison Benedito da Silva Filho Eduardo Costa
Pinto
PARTE I INSERO PRODUTIVA
CAPTULO 1POLTICAS DE FOMENTO ASCENSO DA CHINA NAS CADEIAS DE
VALOR GLOBAIS
................................................................45Isabela
Nogueira de Morais
CAPTULO 2A INTEGRAO ECONMICA ENTRE A CHINA E O VIETN: ESTRATGIA
CHINA PLUS ONE, INVESTIMENTOS E CADEIAS GLOBAIS
...............................................................................81Eduardo
Costa Pinto
CAPTULO 3RELAES ECONMICAS ENTRE CHINA E MALSIA: COMRCIO, CADEIAS
GLOBAIS DE PRODUO E A INDSTRIA DE SEMICONDUTORES
.....................................................127Esther
Majerowicz Gouveia
PARTE II INVESTIMENTO, ENERGIA E CONCENTRAO DE RIQUEZA
CAPTULO 4INDUSTRIALIZAO, DEMANDA ENERGTICA E INDSTRIA DE PETRLEO
E GS NA CHINA
..........................................................189Alexandre
Palhano Corra
Livro_ChinaemTransformacao.indb 5 16/09/2015 11:06:05
-
CAPTULO 5DESIGUALDADES E POLTICAS PBLICAS NA CHINA:
INVESTIMENTOS, SALRIOS E RIQUEZA NA ERA DA SOCIEDADE HARMONIOSA
.........237Isabela Nogueira de Morais
PARTE III FINANAS
CAPTULO 6AS FINANAS GLOBAIS E O DESENVOLVIMENTO FINANCEIRO
CHINS: UM MODELO DE GOVERNANA FINANCEIRA GLOBAL CONDUZIDO PELO
ESTADO
.................................................................277Leonardo
Burlamaqui
CAPTULO 7SISTEMA FINANCEIRO CHINS: CONFORMAO, TRANSFORMAES E
CONTROLE
..........................................................................................335Ana
Rosa Ribeiro de Mendona
CAPTULO 8SISTEMA BANCRIO CHINS: EVOLUO E INTERNACIONALIZAO
RECENTE ..................................................391Simone
Silva de Deos
CAPTULO 9O SISTEMA FINANCEIRO CHINS: A GRANDE
MURALHA.................425Marcos Antonio Macedo Cintra e Edison
Benedito da Silva Filho
PARTE IV INOVAO TECNOLGICA E PODER MILITAR
CAPTULO 10AS POLTICAS DE CINCIA, TECNOLOGIA E INOVAO NA CHINA
.......................................................................493Jos
Eduardo Cassiolato e Maria Gabriela von Bochkor Podcameni
CAPTULO 11MODERNIZAO MILITAR NO PROGRESSO TCNICO E NA INOVAO
INDUSTRIAL CHINESA
................................................521Nicholas M.
Trebat e Carlos Aguiar de Medeiros
CAPTULO 12A ASCENSO NAVAL CHINESA E AS DISPUTAS TERRITORIAIS
MARTIMAS NO LESTE ASITICO
........................................................551Rodrigo
Fracalossi de Moraes
Livro_ChinaemTransformacao.indb 6 16/09/2015 11:06:05
-
APRESENTAO
A partir do programa das Quatro Modernizaes agricultura,
indstria, tecnologia e exrcito , a China articulou uma estratgia de
crescimento e de desenvolvimento socioeconmico, que visava gerar
emprego e renda para sua populao e, simultaneamente, recuperar seu
papel na economia e no cenrio geopoltico internacional. Para isso,
o pas promoveu polticas nacionais de industrializao associadas ao
movimento de expanso da economia global, liderada pelos Estados
Unidos, e se transformou na segunda maior economia do mundo.
Detentora da maior corrente de comrcio global (exportaes mais
importaes) e das maiores reservas internacionais, bem como do
segundo maior oramento militar do mundo, a China retirou mais de
600 milhes de pessoas da situao de pobreza, contribuindo para 70%
das conquistas mundiais na rea de eliminao da pobreza.
Este livro, elaborado pela equipe do Ipea em parceria com
pesquisadores de diversas universidades e instituies brasileiras,
procura identicar as polticas e as estratgias que possibilitaram
esse desenvolvimento extraordinrio em um perodo de tempo to
estreito. Busca ainda explicitar a dinmica deste novo centro
nacional de acumulao de capital e de poder militar a China e seu
entorno asitico. Visa tambm avanar na compreenso dos movimentos
mais recentes criados exatamente pela dimenso adquirida por sua
economia fbrica do mundo , pela introduo crescente do progresso
tcnico e pela modernizao do aparelho militar, que permitem ao pas
estender sua liderana na produo, no comrcio e nas nanas
internacionais, desencadeando uma mudana estrutural no
funcionamento da economia mundial, mas tambm na geopoltica regional
e global.
A discusso sobre esse deslocamento do centro de gravidade da
economia e da poltica mundial para a regio sino-asitica pode ser
bastante til para o debate e os desaos postos retomada do
crescimento e do processo de desenvolvimento socioeconmico
brasileiro. Sobre as cadeias produtivas, por exemplo, a experincia
chinesa demonstra que possvel se integrar a elas por meio de
polticas de atrao de investimento estrangeiro direto e
reconstru-las a partir de sua prpria capacidade de expanso e de
inovao tecnolgica endgena. Esta posio est explcita no discurso do
primeiro-ministro Li Keqiang, no Frum Econmico Mundial de Davos, em
21 de janeiro de 2015: Precisamos construir cadeias globais de
valor e aproveitar a oportunidade de uma nova revoluo
tecnolgica.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 7 16/09/2015 11:06:05
-
A denio de objetivos estratgicos geoeconmicos e geopolticos de
curto, mdio e longo prazo mostrou-se crucial para se alcanar essa
trajetria bem-sucedida de desenvolvimento interno e de projeo
externa de seu poder econmico, nanceiro, poltico, diplomtico e
militar.
Jess SouzaPresidente do Instituto de Pesquisa Econmica
Aplicada
Livro_ChinaemTransformacao.indb 8 16/09/2015 11:06:05
-
PREFCIOValdemar Carneiro Leo1
O vertiginoso crescimento da economia chinesa nos ltimos trinta
anos redesenhou o mapa do comrcio internacional e est redesenhando
o de uxos de investimentos. Ainda no so comparveis, nem em escala
nem em velocidade, os efeitos dessa dinmica econmica na distribuio
do poder mundial, mas j se tornaram lugar-comum referncias mudana
do principal eixo geopoltico do Atlntico para o Pacco. Outras
economias emergentes tambm atuam nessas reconguraes, mas inegvel
que o gigantismo da China sobressaia como o fenmeno de
maioralcance.
Os nmeros chineses so superlativos. A participao do produto
interno bruto (PIB) da China quintuplicou de 2,5% do PIB mundial em
1983 para 13,5% em 2014. A participao chinesa nas exportaes
mundiais decuplicou de 1,2% para 12,1% no mesmo perodo. O pas
transformou-se na fbrica do mundo. Alou-se posio de segunda maior
economia, de maior exportador, de segundo maior importador e de
detentor das maiores reservas internacionais, atualmente na faixa
de US$ 3,8 trilhes.
A taxa de poupana da China parcialmente resultante de decincias
do sistema previdencirio situa-se em torno de extraordinrios 50% do
PIB, dos quais 13% revertem em obras de infraestrutura. Algumas
destas, popularizadas pela mdia, no deixam de causar admirao: a
maior ponte de travessia martima, o mais longo gasoduto, a
transposio de gua do sul para o norte em um percurso de 2.400
quilmetros e a maior rede de trens de alta velocidade (14 mil
quilmetros em 2024, mais que todo o sistema europeu), entre outras
proezas da engenharia. Recentemente, a Comisso Nacional de
Desenvolvimento e Reforma da China aprovou US$ 115 bilhes (R$ 299
bilhes) para 21 novos projetos, inclusive aeroportos, ferrovias e
expanso da malha de alta velocidade.
Nos ltimos cinco anos, a China tem sistematicamente recebido um
volume de investimento direto estrangeiro superior a US$ 100 bilhes
anuais (US$ 120 bilhes em 2014), reexo de seu poder de atrao como
mercado e como base de produo para o mundo. O pas est, no entanto,
na iminncia de tornar-se exportador lquido de capital, caso se
concretizem, neste ano, os prognsticos de
1. Embaixador do Brasil na Repblica Popular da China.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 9 16/09/2015 11:06:05
-
10 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
que os investimentos chineses no exterior podem transpor a marca
de US$ 130 bilhes. Concentrados primeiramente em indstrias
extrativas, esses investimentos no tardaram a expandir-se para
fuses e aquisies na Europa e nos Estados Unidos, em busca de marcas
e de tecnologia. um processo que se soma a outros, alimentados
internamente, e contribui para a ascenso do pas nas cadeias globais
de valor.
visvel a participao crescente de produtos de maior valor
agregado nas vendas externas chinesas. A exportao de produtos e
servios de alta tecnologia, como o so os equipamentos de
telecomunicaes e a construo de ferrovias que operam trens de alta
velocidade, um dos principais vetores que tm entre seus alvos a
modernizao da infraestrutura de pases em desenvolvimento, na sia,
na frica e na Amrica Latina. O Banco Asitico de Investimento em
Infraestrutura, recm-lanado, inclusive com a participao do Brasil
como um dos membros fundadores, no deixar de ser um elemento a mais
nessa dinmica, no por conferir privilgios China, mas porque
agilizar o lanamento de novos projetos em uma regio em que a
competitividade chinesa desfruta de vantagem natural.
Em 2014, a partir das decises tomadas pela Terceira Plenria do
Comit Central do Partido Comunista, a China deu incio a um profundo
processo de reforma. O partido reconheceu que seu modelo de
crescimento, calcado em investimentos macios (infraestrutura,
capital xo e incorporao imobiliria), era insustentvel. A
desacelerao da economia global e o encolhimento dos mercados
externos colocaram em evidncia vulnerabilidades que h muito vinham
sendo apontadas: decises de investimento sem adequada anlise
custo-benefcio, ameaa de uma bolha imobiliria de propores
gigantescas, endividamento generalizado dos governos locais por
meio de ttulos de dvida pblica de lastro duvidoso e um passivo
ambiental preocupante.
As reformas que passaram a ser implementadas visam a uma mudana
radical: a transio de uma economia articulada em torno do binmio
investimento-exportaes para um modelo que ter de encontrar sua fora
motriz no crescimento da renda, no consumo privado, nos servios e
na recuperao do meio ambiente. As metas de crescimento anual de
dois dgitos cedero lugar a taxas em torno de 7%. o que vem sendo
chamado de o novo normal chins. O governo almeja, para o nal desta
dcada, uma sociedade moderadamente prspera (nas palavras do
presidente Xi Jinping) e uma economia mais sintonizada com as foras
de mercado. Qualitativamente, a China ter, no novo gurino, uma
produo menos movida pelo uso extensivo dos fatores de produo e mais
pelo uso intensivo da inovao.
Essa metamorfose, que no seria trivial em nenhuma economia,
encontrar obstculos de escala comparvel s dimenses do pas. Entre
tantos outros,
Livro_ChinaemTransformacao.indb 10 16/09/2015 11:06:05
-
11Prefcio
destaca-se a difcil calibragem que o governo ter de fazer para
conciliar, de um lado, ajustes na produo, saneamento nanceiro e
queda na taxa de crescimento e, de outro, a imperiosa necessidade
de criar 10 milhes de postos de trabalho por ano nas cidades. este
o nmero de migrantes chineses que anualmente deixa a zona rural
para somar-se populao urbana. A China se lana em um projeto de
autorreinveno semelhante ao que foi deagrado por Deng Xiaoping em
1978, que gerou o gigante que a est.
O Brasil sentiu, de forma benigna, os efeitos do avassalador
crescimento chins. Desde 1974, quando estabelecidas as relaes
diplomticas entre os dois pases, foi sendo construdo um vasto
conjunto de arranjos e acordos de cooperao em diversas reas,
inclusive em cincia e tecnologia, em que o exemplo mais eloquente o
programa espacial sino-brasileiro, responsvel pelo lanamento de trs
satlites de observao de recursos terrestres (China-Brazil Earth
Resources Satellite CBERS). A relao comercial mostrou-se, de longe,
a mais dinmica. As exportaes brasileiras para a China saltaram de
US$ 1 bilho em 2000 para US$40,6 bilhes em 2014, ao mesmo tempo que
as importaes de produtos chineses pelo Brasil passaram de US$ 1,2
bilho para US$ 37,3 bilhes. Em 2009, a China tornou-se nosso
principal parceiro comercial. Em 2014, quando se celebrou o
quadragsimo aniversrio do estabelecimento de relaes diplomticas, o
presidente Xi Jinping realizou uma visita de Estado ao Brasil, e os
dois governos rearmaram a vontade de seguir expandindo,
quantitativa e qualitativamente, esse relacionamento.
Embora inegveis os benefcios que ambas as economias tm auferido
do intercmbio comercial, o Brasil tem reiterado seu objetivo de
desenvolver com a China uma relao comercial menos assimtrica. Os
nmeros revelam com clareza a assimetria. As exportaes brasileiras
de produtos bsicos, especialmente soja, minrio de ferro e petrleo,
compem, dependendo do ano, algo entre 75% e 80% da pauta, ao passo
que as importaes brasileiras consistem, aproximadamente, em 95% de
produtos industrializados chineses, que vo desde os mais variados
bens de consumo at mquinas e equipamentos de alto valor. A venda de
avies da Embraer China, com cifras expressivas tanto no segmento de
jatos regionais como no de jatos executivos, uma das pouqussimas
excees regra. Corrigir esse padro de comrcio no depende apenas da
vontade dos governos. Ser preciso que outros atores do setor
produtivo brasileiro encontrem o caminho que lhes permita alcanar o
mercado chins com a competitividade necessria.
Na vertente dos investimentos diretos, mesmo sem exibir o
dinamismo do comrcio bilateral, chama ateno o ritmo de crescimento
da presena da China no mercado brasileiro. Neste caso, os nmeros no
so precisos porque muitas das operaes de investimento direto
realizam-se de forma triangular, ou seja, capitais chineses
ingressam no Brasil mas se originam de praas nanceiras fora da
Livro_ChinaemTransformacao.indb 11 16/09/2015 11:06:05
-
12 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
China e acabam sendo registrados como investimentos de outros
pases. As cifras referentes a capitais diretamente originrios da
China representam apenas parte de um conjunto maior.
O Censo de Capitais Estrangeiros, levado a cabo pelo Banco
Central do Brasil (BCB) para o perodo 2010-2012, tem procurado
minimizar a distoro causada por parasos scais e centros nanceiros
no registro desses investimentos, estabelecendo distino entre
investidor imediato e investidor nal. O critrio de investidor nal
considera o pas de origem do investimento a partir da cadeia de
controle do grupo econmico. Por essa metodologia, os investidores
chineses acumulavam, em 2012, estoque de US$ 10,2 bilhes sob a
forma de participao no capital de empresas (dos quais US$ 8,4
bilhes em indstrias extrativas e US$ 137 milhes na indstria de
transformao) e US$ 1,5 bilho em emprstimos intercompanhias.
O Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) tambm realizou esforo
de coleta e sistematizao das informaes e chegou a nmeros bastante
superiores. Entre janeiro de 2007 e junho de 2012, as empresas
chinesas anunciaram sessenta projetos de investimento no pas,
somando US$ 68,5 bilhes. Cotejando essas cifras com informaes
colhidas com as prprias empresas, o CEBC estimou que US$ 24,4
bilhes foram efetivamente investidos. O volume aplicado em 2013,
ltimo dado disponvel, teria sido de US$ 3,6 bilhes, totalizando,
portanto, US$28 bilhes nos ltimos sete anos. O nmero inferior ao
que publica o American Enterprise Institute (China Global
Investment Tracker), que calcula o total em US$ 33,2 bilhes. O que
importa notar, de todo modo, que embora o estoque de investimento
chins ainda se situe abaixo daqueles de investidores tradicionais,
acumulados ao longo de dcadas, o uxo anual de capitais da China vem
se acelerando e atualmente j coloca o pas entre os dez principais
investidores no Brasil. Mantido esse ritmo, a posio chinesa no
ranking deve continuar a subir, sobretudo se houver investimentos
em infraestrutura.
Na outra ponta, so ainda modestos os investimentos brasileiros
na China, no chegando a alcanar US$ 400 milhes, de acordo com o
Censo do BCB (Capitais Brasileiros no Exterior) para o perodo
2007-2013. O caso mais emblemtico , mais uma vez, o da Embraer, que
produz jatos executivos em joint venture com empresa chinesa.
preciso, contudo, lembrar que o investimento estrangeiro enfrenta
restries impostas pela legislao local, sendo-lhe proibido ou
limitado o acesso em nmero signicativo de setores. Em certos casos,
a autorizao para investir impe que o investidor estabelea parcerias
com empresas chinesas. No se trata, claro, de uma discriminao
contra o capital brasileiro, visto que o arcabouo regulatrio
aplica-se a capital de qualquer origem. No entanto, a regulamentao
brasileira bem mais aberta que a chinesa, com reduzidssimo nmero de
setores sujeitos a restries, como seria de se esperar em um pas que
deseja manter-se como
Livro_ChinaemTransformacao.indb 12 16/09/2015 11:06:05
-
13Prefcio
um dos mais importantes centros de atrao de capital. Maior
isonomia entre as duas regulamentaes chinesa e brasileira somente
seria possvel no mbito de um acordo bilateral de investimentos, nos
moldes do que a China celebrou com a Austrlia ou daquele que vem
negociando com os Estados Unidos. No quadro das reformas em curso,
o governo chins est empenhado em ampliar a gama de setores de
acesso desimpedido ao investidor estrangeiro, inclusive aqueles em
que o capital externo incentivado.
As reformas que a China comea a empreender suscitam indagaes
sobre seus desdobramentos na interao econmica com o Brasil. O que
valeu para o passado pode assumir contornos diferentes no futuro.
Mas os efeitos de uma China movida por novo padro de crescimento so
um ponto de interrogao no apenas para a economia brasileira, mas
tambm para a economia global. A acentuada queda dos preos das
commodities na segunda metade de 2014, que persiste nos primeiros
meses de 2015, pode ser um sinal das reacomodaes que esto por
vir.
Este livro, concebido pela equipe do Ipea, somente foi possvel
devido contribuio de acadmicos de diversas universidades
brasileiras. Ao discutir caractersticas do modelo de
desenvolvimento chins e as rpidas transformaes ocorridas no
socialismo de mercado, a obra se prope a estimular o debate entre
todos os que se interessam pelo projeto de desenvolvimento do
Brasil, naquilo que decorre de nossa incontornvel interao com o
mundo alm-fronteiras, em particular com pases da dimenso e peso
especco da China.
Pequim, abril de 2015.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 13 16/09/2015 11:06:05
-
Livro_ChinaemTransformacao.indb 14 16/09/2015 11:06:05
-
INTRODUOMarcos Antonio Macedo Cintra1
Edison Benedito da Silva Filho2
Eduardo Costa Pinto3
Uma economia nacional um espao poltico transformado pelo Estado;
em virtude das necessidades e inovaes da vida material, num espao
econmico coerente, unicado, cujas atividades podem encaminhar-se em
conjunto numa mesma direo.
Fernand Braudel (1985, p. 65).
Aps dcadas de rpido crescimento e desenvolvimento econmico, o
produto interno bruto (PIB) da China, em termos de paridade do
poder de compra, alcanou US$ 18,9 trilhes (US$ 11,2 trilhes a preos
correntes) em 2014. Com isso, superou o dos Estados Unidos, de US$
18,1 trilhes (em termos de paridade do poder de compra e a preos
correntes), segundo o Fundo Monetrio Internacional (FMI, 2015).
Naturalmente, como a populao chinesa mais de quatro vezes maior,
seu PIB per capita atingiu US$ 11,9 mil, em termos de paridade do
poder de compra (US$ 6,9 mil a preos correntes), menos de um quarto
do registrado pelos Estados Unidos (US$ 53 mil). De todo modo, a
clere trajetria de desenvolvimento entendido como um processo
contnuo de mudana estrutural promovida pela interconexo entre
acumulao de capital, progresso tcnico e evoluo institucional da
China no tem paralelo histrico (Medeiros, 2013). Compreender e
dimensionar as transformaes desta sociedade de mais de 1,4 bilho de
habitantes, que se percebe a si mesma como uma civilizao superior,
homognea e com pelo menos 2.300 anos de existncia, no constitui uma
tarefatrivial.
A estratgia militar, de aproximao com os Estados Unidos e de
afastamento da Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), e a
estratgia econmica, consolidada no programa das quatro modernizaes
agricultura, indstria, tecnologia e exrcito , implementadas por
Deng Xiaoping, a partir de 1978, fortaleceram o Estado unitrio e
centralizado chins. Este recuperou sua
1. Tcnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e
Polticas Macroeconmicas (Dimac) do Ipea. E-mail:
[email protected]. Tcnico de planejamento e pesquisa da
Diretoria de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas Internacionais
(Dinte) do Ipea. E-mail: [email protected]. Professor
de economia poltica do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e pesquisador do Programa de
Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Dinte do Ipea.
E-mail: [email protected].
Livro_ChinaemTransformacao.indb 15 16/09/2015 11:06:05
-
16 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
condio milenar e imperial (Imprio do Meio) de guardio da unidade
e do interesse universal do territrio e da civilizao chinesa. Para
Deng Xiaoping, o desenvolvimento do pas deveria estar sempre a
servio da sua poltica de defesa.
Nesse movimento, o Partido Comunista Chins (PCC), composto por
84 milhes de membros, com o controle absoluto sobre o sistema
poltico, restaurou a legitimidade anteriormente personicada no
imperador. O PCC prolongou e radicalizou uma tradio milenar, ao
criar uma espcie de dinastia mandarim, que segue governando a China
segundo os mesmos preceitos morais confucianos do perodo imperial
(Fiori, 2013a).4 Isto requer um alinhamento dos interesses das
burocracias sobre o bem pblico comum, ou seja, a estabilidade
poltica e a garantia de uma renda real crescente e de melhores
condies de vida para a populao. O Estado deve dispor de uma
estratgia e ter por objetivo o desenvolvimento. A autoridade
poltica deve gerir a economia de forma a produzir mais riqueza, de
maneira cada vez mais ecaz, para construir um pas moderno, rico e
poderoso. As polticas macroeconmica, industrial, comercial, de
cincia e tecnologia, e de defesa devem estar a servio da grande
estratgia social e nacional, e da luta pela conquista ou
reconquista de uma posio internacional autnoma e preeminente. A
planicao estratgica visa harmonia, vale dizer, ao equilbrio de
foras. Nesse sentido, os interesses privados (ou capitalistas) no
devem ser poderosos o suciente para ameaar a supremacia
incontestvel do Estado, que mantm um amplo conjunto de empresas
pblicas e regula rigorosamente diversas esferas econmicas e as
relaes com o exterior. Por conseguinte, os mecanismos de mercado a
taxa de juros, a taxa de cmbio, a tributao, os preos so um
instrumento e no um m em si mesmo; e a abertura econmica assume a
condio de eccia que conduz a uma diretriz operacional, qual seja,
alcanar e ultrapassar os concorrentes estrangeiros (Li, 2015a;
Aglietta e Bai, 2012, p. 17; Kroeber, 2011, p. 2).
As reformas promoveram e continuam a promover a transformao
conjunta das estruturas socioeconmicas e das instituies. Em um
processo recorrente, elas se retroalimentam de seus prprios xitos e
contradies, transmutando-se ao longo do percurso. Nesse sentido, o
signicado das reformas no teleolgico, deve ser compreendido como
imanente prtica histrica (Aglietta e Bai, 2012, p. 18). Graas
permanncia da autoridade poltica personicada no PCC , as reformas
so graduais, orientadas por uma viso de longo prazo, avaliadas de
forma pragmtica e implementadas de modo experimental, o que
pressupe um processo de aprendizado com avanos e recuos contnuo. E,
exatamente, porque se retroalimentam de seus prprios xitos e
contradies, as crises representam
4. Kissinger (2011) mostra que o imprio chins foi gerido,
durante sculos, por um mandarinato meritocrtico e homogneo, que se
consolidou durante a dinastia Ming (1368-1644), e que sempre se
pautou pela filosofia moral de Confcio (551 a.C.-479 a.C.), com sua
concepo da virtude e do compromisso tico dos governantes com o
interesse universal do povo e da civilizao chinesa. Ver tambm
Aglietta e Bai (2012), Sinedino (2012) e Britto e Silva Filho
(2014).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 16 16/09/2015 11:06:06
-
17Introduo
momentos de transies de uma fase para outra, contribuindo para o
surgimento de novas formas ou novos modelos de organizao e de
gesto. Em um perodo de crescimento mais lento, estas contradies se
explicitam em desequilbrios e tensespolticas e sociais que ameaam a
harmonia. At que um novo compromisso poltico-social seja
conformado, o poder eventualmente passa de um grupo de interesse
para outro. Os grupos, no entanto, permanecem unidos aos objetivos
gerais: a legitimidade poltica, a integridade do Estado unitrio e o
crescimento da renda da populao. Em suma, o Estado chins e, por
conseguinte, o PCC tem se mostrado altamente exvel e inovador, com
uma extraordinria capacidade de se autocorrigir e de se reinventar
(Fiori, 2013a).
No momento atual, apreende-se que as contradies do regime de
crescimento desencadeiam um novo perodo de transio interna. A
despeito da desacelerao, a economia chinesa permanece uma das mais
dinmicas do mundo taxa de crescimento de 7,4% em 2014 e continua a
criar de 12 milhes a 13 milhes de postos de trabalho urbanos ao
ano. Porm, com o avano da taxa de investimento de 40% do PIB para
47% do PIB, o crescimento ca desequilibrado gera capacidade ociosa
em inmeros setores produtivos e dependente da construo de
gigantescas obras de infraestrutura, da expanso do mercado
imobilirio, do endividamento das provncias e dos governos locais,
bem como da elevada alavancagem de alguns segmentos do setor
bancrio e no bancrio. Busca-se, ento, um novo regime de crescimento
sustentvel, ancorado em um crescimento menos intensivo em capital e
em energia, bem como um novo contrato social para a reduo das
desigualdades sociais e regionais, e a implementao de uma maior
cobertura nos sistemas de sade pblica e de previdncia. A proviso de
bens pblicos universais, o desenvolvimento de uma urbanizao e de
uma industrializao com menor impacto sobre o meio ambiente, e a
ampliao da renda e do consumo da populao so os pilares do
planejamento estratgico que visam transformar ou seja, reformar o
regime de crescimento nos prximos anos.5 Evidentemente, em um
processo de transio emergem conitos de interesses e geram-se
repercusses polticas para a estrutura do governo. Nas palavras do
presidente Xi Jinping, em entrevista (Safatle e Rittner, 2014,
grifo nosso):
provado pelos fatos que, sem reforma e abertura, no teramos a
China de hoje, para j no dizer do seu futuro. Por meio de reformas,
temos resolvido uma srie de problemas importantes. Daqui para
frente, insistiremos em usar o mesmo instrumento para superar as
diculdades e desaos no nosso caminho. Temos denido a meta de dois
centenrios. Isto , duplicar at 2020 [quando o Congresso Nacional do
Povo celebra seu centenrio] o PIB e a renda per capita na base de
2010 e consumar a construo integral de uma sociedade modestamente
prspera, e culminar em meados do presente sculo [2049, quando a
Repblica Popular da China comemora
5. Ver, entre outros, WB, DRC e PRC (2012).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 17 16/09/2015 11:06:06
-
18 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
seu centenrio] a transformao do nosso pas num pas socialista
moderno, prspero, poderoso, democrtico, civilizado e harmonioso,
concretizando o sonho chins de grande rejuvenescimento da nao
chinesa.6 Estamos no processo de aprofundar de maneira integral as
reformas, aprimorar e desenvolver o sistema socialista com
peculiaridades chinesas e promover a modernizao do sistema e
capacidade da governana do pas. Vamos implementar de modo
coordenado as reformas dos sistemas econmico, poltico, cultural,
social, de civilizao ecolgica e construo do partido.
Simultaneamente a este vertiginoso dinamismo interno, a China
expande sua capacidade de projetar poder econmico, nanceiro,
poltico, diplomtico e militar. Assim, ocupa posies cada vez mais
relevantes no tabuleiro geoeconmico e geopoltico asitico e global.
As relaes da China com o resto do mundo so redenidas, o que
desencadeia um processo de transio internacional ou uma recongurao
da ordem mundial.7 Pequim permanece um ator relevante e busca
ampliar sua inuncia nas instituies internacionais existentes, mas
tambm promove e nancia estruturas paralelas its own trade deal, its
own development bank and its own regional-security grouping,
conforme a revista The Economist (Bridge..., 2014). O objetivo
deste esforo ampliar sua autonomia para sustentar a capacidade de
defesa interna perante as ameaas estrangeiras e expandir sua esfera
de inuncia para alm da sia. Assim, participa das organizaes
internacionais e regimes multilaterais existentes e constri
estruturas suplementares em parte complementares, em parte
competitivas , procurando reorganizar a ordem internacional, a
partir de suas perspectivas e de seus interesses estratgicos
(Heilmann et al., 2014, p. 1). Simultaneamente, consolida mudanas
estruturais de longo prazo. Primeiro, amplia o comrcio com os pases
em desenvolvimento da sia e do resto do mundo, e inversamente,
reduz relativamente o comrcio com o Japo e com o Ocidente. Segundo,
neste movimento de aprofundamento dos vnculos comerciais e de
investimento com os pases em desenvolvimento, moderniza o contedo
tecnolgico das suas exportaes e de suas empresas.
6. No contexto da poltica externa, o Chinese dream the great
rejuvenation of the Chinese people codifica a restaurao de uma
posio histrica dominante da China na sia (Miller, 2014, p. 3).
Fiori (2013b) argumenta que o Imprio Han (...) estendeu sua
influncia a Coreia, Monglia, Vietn e sia Central, chegou ao Mar
Cspio e inaugurou a famosa rota da seda. Foi neste perodo que o
imprio chins concebeu o seu sistema hierrquico-tributrio de
relacionamento com os povos vizinhos que aceitassem manter sua
autonomia em troca do reconhecimento da superioridade da civilizao
chinesa. Um modelo de relacionamento que se transformou em uma
rotina milenar, dentro do mundo sinocntrico, at meados do sculo
XIX. Argumenta ainda que, atualmente, a China estaria reconstruindo
o seu antigo sistema hierrquico-tributrio, dentro e fora do antigo
mundo sinocntrico. Segundo a revista The Economist (Bridge, 2014,
grifo nosso): In China even a handshake is an expression of power.
When Xi Jinping met Barack Obama in Beijing this week at the
Asia-Pacific Economic Co-operation (APEC) summit, Mr Xi stood on
the right, his body open towards the cameras in an attitude of
confident strength. The visitor was required to approach him, as if
paying tribute, from the left, shoulder defensively towards the
photographers. Ver tambm Kissinger (2011).7. Para um panorama da
participao brasileira no reordenamento global, ver Hirst (2014).
Evidentemente, as crises na Ucrnia e no Oriente Mdio requerem uma
concentrao de esforos dos Estados Unidos e favorecem os movimentos
geopolticos da China. No se deve esquecer que a crise na Ucrnia
reaproximou Moscou de Pequim. Em maio de 2014, as estatais Gazprom
e China National Petroleum Corporation assinaram um acordo de US$
400 bilhes para o fornecimento de energia (38 bilhes de metros
cbicos de gs para a China por ano) por trinta anos. A parceria
estratgica China-Rssia estende-se para alm do campo da energia,
envolvendo as finanas (corporaes de energia e bancos estatais
russos operando em Hong Kong) e a tecnologia militar.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 18 16/09/2015 11:06:06
-
19Introduo
As nanas so, claramente, um instrumento do poder poltico que a
China utiliza para impulsionar e proteger sua economia, garantir o
suprimento de commodities agrcolas, minerais e energticas e
adquirir tecnologias cruciais para seu desenvolvimento econmico e
militar. A moeda e o sistema nanceiro chins permanecem
relativamente imunes instabilidade do mercado monetrio e nanceiro
internacional. Todavia, delineia-se um movimento de ampliao do uso
de sua moeda o renminbi (RMB)8 em operaes de comrcio e de
investimento externo. Segundo a plataforma de pagamento global,
Sociedade para Telecomunicaes Financeiras Interbancrias Mundiais
(Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication
Swift), o renminbi se tornou a quinta moeda mais utilizada em
dezembro de 2014. A moeda chinesa respondeu por 2,17% das operaes
de pagamento internacionais; antecedida pelo iene japons, que foi
usado em 2,69% das transaes; pela libra esterlina, em 7,92%; pelo
euro, em 28,30%; e pelo dlar, em 44,64% (Noble, 2015).9 Entre
outras aes de cooperao nanceira em favor da internacionalizao do
renminbi, destaca-se o que segue.
1) Acordos de troca direta de renminbi por dez outras
moedas.
2) Tratados de compensao de operaes internacionais de renminbi
com onze centros nanceiros Londres, Frankfurt, Paris, Luxemburgo,
Toronto, Doha, Sydney, Seul, Macau, Taiwan e Cingapura.
3) Autorizao de sete cotas especcas de Investidor Institucional
Estrangeiro Qualicado em Renminbi (RMB Qualied Foreign
Institutional Investor RQFII), que permite investidores
institucionais estrangeiros utilizar os fundos offshore de renminbi
para investir no mercado de capitais chins e no mercado
interbancrio de ttulos.
4) Acordos de troca (swap) de moedas com 26 bancos centrais.
5) Um sistema de pagamento independente para as operaes em
renminbi China International Payment System (Cips) , uma
alternativa plataforma Swift. Por este sistema, bancos fora da
China podero realizar compensao em renminbi diretamente com o Banco
Central da China (Peoples Bank of China PBC).10
8. RMB a abreviao da moeda chinesa renminbi moeda do povo , cuja
unidade bsica o iuane. CNY o cdigo monetrio oficial da moeda
chinesa negociada no mercado nacional, oficialmente lanada em 1949
pela Repblica Popular da China. Em 2009, comeou a funcionar um
mercado de renminbi em Hong Kong, com o cdigo monetrio CNH.9.
Enfatiza-se que as empresas chinesas esto fortemente expostas ao
dlar: mais de 80% da dvida externa registrada esto denominados em
dlares ou dlares de Hong Kong; apenas 10%, em euros ou ienes. Ao
mesmo tempo, 75% das operaes de pagamentos relacionadas ao comrcio
exterior ocorrem em dlares ou dlares de Hong Kong; 22% em renminbi;
e apenas 3% em euros ou ienes (Long, 2015b, p. 2). Para mais
detalhes sobre as polticas de internacionalizao do renminbi ver BIS
(2013), Cintra e Martins (2013), Valle (2012), Cohen (2012),
Eichengreen (2011), Subacchi (2010).10. Para outras informaes sobre
o tema, ver Hooley (2013, p. 309).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 19 16/09/2015 11:06:06
-
20 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
Alm disso, procura-se transformar a praa nanceira de Xangai em
um centro nanceiro global. Alm do mercado de aes, j esto em operao
mercados futuros de petrleo, gs natural e produtos petroqumicos, e
uma plataforma de negociao de ouro. Desde novembro de 2014, comeou
a funcionar a conexo entre a Bolsa de Valores de Xangai e a de Hong
Kong (cross-border share trading scheme). Com isso, os investidores
estrangeiros podem transacionar aes de 560 companhias chinesas
aquelas que compem os ndices SSE 180 e SSE 380, da Bolsa de Valores
de Xangai por meio de corretoras de Hong Kong. Por seu turno, os
investidores chineses podem transacionar aes em Hong Kong de
empresas componentes dos ndices Hang Seng Composite Large Cap (78)
e Small Cap (163) por meio de corretoras domsticas. O volume
agregado das operaes foi denido em RMB 300 bilhes ou US$ 48 bilhes,
calculado no nal do dia. Trata-se de mais uma etapa da abertura da
conta de capital e da internacionalizao do sistema nanceiro chins.
Como sugere Howie (2014, p.3): the biggest change is for foreign
investors in domestic Chinese stocks, who will face a radically
simpler and more open regime than they do now. Consolida-se tambm
um sistema de pagamento nacional e internacional o carto de crdito
e dbito bancrio UnionPay ou China UnionPay , j aceito em 141 pases
(inclusive no Brasil, dada a associao com o Banco Ita) e emitido em
trinta pases. Desde 2002, a empresa j emitiu mais de 4,5 bilhes de
cartes (Ninio, 2015).
A partir de junho de 2013, comeou a funcionar uma agncia de
classicao de risco de crdito Universal Credit Rating Group ,
projeto desenvolvido por trs agncias (Dagong Global Credit,
RusRating e Egan-Jones Rating). Sediada em Hong Kong, a nova agncia
tem o objetivo de solidificar um sistema de classicao de risco
asitico. Os pases-membros do BRICS Brasil, Rssia, ndia, China e
frica do Sul negociaram tambm um Arranjo Contingente de Reserva, no
valor de US$ 100 bilhes, para o qual a China contribui com US$ 41
bilhes; Brasil, Rssia e ndia, com US$ 18 bilhes cada um; e frica do
Sul, com US$ 5 bilhes.11 O acordo similar Iniciativa Chiang Mai de
troca de moedas entre os pases asiticos (Asean+3),12 no montante de
US$ 240 bilhes. Para esta iniciativa, a contribuio da China
equivale a 32% do total, fatia idntica do Japo. A Coreia do Sul
responde por 16% das contribuies, e os pases da Asean, pelos 20%
restantes. O acordo do BRICS, assim como a iniciativa asitica,
possui
11. O acesso aos recursos est sujeito a limites mximos iguais a
um mltiplo do compromisso individual de cada pas, estipulado da
seguinte forma: i) a China ter um multiplicador de 0,5; ii) o
Brasil, a Rssia e a ndia tero um multiplicador de 1; e iii) a frica
do Sul ter um multiplicador de 2. O acesso a 30% do mximo para cada
pas est sujeito apenas concordncia dos pases-membros. O acesso aos
70% restantes do mximo est sujeito a evidncias da existncia de um
acordo em curso entre o FMI e o pas demandante, que envolva um
compromisso do FMI em prover financiamento para a Parte Requerente
com base em condicionalidades, bem como o cumprimento pela parte
requerente dos termos e condies do acordo (Brasil, 2014a). Para
outras informaes, ver Griffith-Jones, Fritz e Cintra (2014a).12. A
Associao das Naes do Sudeste Asitico (Association of Southeast
Asian Nations Asean) formada por Tailndia, Filipinas, Malsia,
Cingapura, Indonsia, Brunei, Vietn, Mianmar, Laos e Camboja.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 20 16/09/2015 11:06:06
-
21Introduo
dispositivos que regulam o acesso aos recursos pelos
demandantes: at determinada quantia, o acesso livre, bastando haver
a solicitao; acima deste valor, torna-se necessrio fornecer algum
tipo de garantia vale dizer, um acordo com o FMI.
A China promove tambm a transformao de um histrico centro
nanceiro internacional, Hong Kong, para projetar o seu poder
monetrio e nanceiro ao restante do mundo. Como a moeda chinesa no
plenamente conversvel, o governo utiliza Hong Kong com a criao de
um mercado offshore de renminbi para no residentes a m de permitir
que bancos, corporaes e investidores institucionais estrangeiros
detenham depsitos, tomem emprstimos (comerciais e emisso de bnus) e
liquidem transaes comerciais em renminbi, sobretudo entre os pases
do entorno asiticos. O mercado de renminbi em Hong Kong (CNH) ainda
bastante incipiente e sujeito a uma variao considervel da liquidez;
portanto, apresenta alta volatilidade.13 De todo modo, o governo
chins est determinado a expandir o uso do renminbi no exterior,
enquanto exibiliza o mercado de cmbio domstico. A mudana no regime
de gesto da taxa de cmbio crucial. A partir de abril de 2014, o PBC
passa a orquestrar uma banda diria de utuao de 2% para cima e para
baixo, com a preocupao de evitar novas desvalorizaes acentuadas do
renminbi, pois Chinas regional and global geostrategic goals
require it to maintain a strong currency (Long, 2015b, p. 1),
estvel e que opere como ncora para as moedas regionais. Finalmente,
o governo chins pleiteia a introduo do renminbi na cesta de moedas
que compem os Direitos Especiais de Saque (Special Drawing Rights
SDRs), um ativo de reserva cambial complementar mantido pelo FMI. A
incluso representaria um reconhecimento simblico de que o renminbi
seria verdadeiramente uma moeda-reserva internacional (Zhang e Shi,
2015, p. 2).14
A conversibilidade do renminbi pressupe o aprofundamento do
mercado domstico de ttulos de dvida; a capacidade de grandes
investidores institucionais nacionais gerirem a poupana das famlias
em carteiras diversicadas de ativos; e a acomodao de investidores
estrangeiros nos mercados de ativos nanceiros domsticos em condies
de riscos gerenciveis. Poder pressupor tambm a vontade poltica dos
pases do Leste Asitico de lanar uma iniciativa mais ambiciosa que a
Chiang Mai e criar uma rea de cooperao monetria que apoie a
internacionalizao das moedas nacionais da regio. Uma
internacionalizao das moedas e uma cooperao regional a m de
preservar a paridade das taxas de
13. Alm do centro offshore de renminbi em Hong Kong que
concentrava 55% dos depsitos em dezembro de 2014, prosperaram
outros, tais como Macau, Taiwan, Cingapura e Coreia do Sul. Todos
estes centros acumulavam RMB 1,8 trilho em depsitos, o equivalente
a 1,5% dos depsitos na China. Provinham de uma sada lquida de
renminbi dados os pagamentos das importaes realizadas pelas
companhias chinesas (Long, 2015a). Ver tambm Funke et al.
(2015).14. Na hiptese de entrada do renminbi na composio dos SDRs,
provavelmente, a moeda chinesa deixar de estar indexada (pegged
exchange rate) ao dlar, ficando mais voltil, dada a maior
determinao da taxa de cmbio pelo mercado e a menor interveno do
banco central. Uma reviso sobre moedas componentes dos SDRs pode
ocorrer aps 30 de setembro de 2016. Na reviso de 2010, a participao
das moedas era: dlar (41,9%), euro (37,4%), libra esterlina (11,3%)
e iene (9,4%).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 21 16/09/2015 11:06:06
-
22 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
cmbio cruzadas (cross-exchange rates) reduziriam
substancialmente a possibilidade de desvalorizaes competitivas. Alm
disso, facilitariam a integrao dos pases vizinhos em sua economia
domstica e promoveriam a disseminao do renminbi pela regio mais
dinmica do mundo (Aglietta e Bai, 2012, p. 211).
Fiel ao mtodo gradualista, o governo vem aprofundando as conexes
do sistema nanceiro domstico com o internacional passo a passo, com
mudanas incrementais graduais e cumulativas. Hong Kong e Xangai se
transformam em reas de experimentao sobre os impactos da
progressiva liberalizao do renminbi e da abertura da conta de
capital. Simultaneamente, fortalece-se a posio do PBC, que busca
acelerar a reforma do sistema nanceiro domstico, sobretudo a
precicao dos instrumentos nanceiros e a gesto de riscos, uma vez
que as instituies chinesas, ao serem confrontadas por prticas
internacionais, podem mudar seu comportamento e tornarem-se mais
competitivas. Isto permitiria tambm aos investidores institucionais
chineses gerir portflios diversicados, sendo capazes de exportar
capitais e conter as presses por acumulao de reservas em dlar.
Assim, as reformas dos mercados nanceiros nacionais e a abertura da
conta de capital so mudanas estruturais das nanas chinesas, que
procuram adapt-las para a nova fase econmica do pas e do mundo.
Salienta-se, no entanto, que o aprofundamento da internacionalizao
de um sistema nanceiro em uma economia com elevada taxa de
investimento baseada em crdito bancrio e em processo de desacelerao
dever requerer um monitoramento ainda mais no das variveis
macroeconmicas juros, cmbio e sco , e dos instrumentos
macroprudenciais requerimentos de capital das instituies nanceiras,
grau de alavancagem dos agentes nanceiros e no nanceiros, grau de
liquidez dos mercados etc. , levando a reavaliaes e revises
renitentes na forma e na velocidade da liberalizao da conta de
capital pelas autoridades econmicas.
No se pode deixar de mencionar ainda a criao do Novo Banco de
Desenvolvimento do BRICS, com sede em Xangai e capital total de US$
100 bilhes, em julho de 2014. Inicialmente, sero subscritos US$ 50
bilhes, de forma paritria entre os cinco scios. O banco ter foco no
nanciamento da infraestrutura (estradas, eletricidade, ferrovias
etc.) dos pases em desenvolvimento (nos dois primeiros anos, os
nanciamentos sero limitados aos cinco pases-membros).15 Em outubro
de 2014, ocorreu o lanamento do Banco Asitico de Investimento em
Infraestrutura (Asian Infrastructure Investment Bank). Sediado em
Pequim, o banco intergovernamental tambm ter capital de US$ 100
bilhes, dos quais US$ 29,8 bilhes sero subscritos pela China, US$
8,4 bilhes pela ndia e US$ 6,5 bilhes
15. O primeiro escritrio regional ser estabelecido na frica do
Sul. A ordem de rotatividade na presidncia da nova instituio ser:
ndia, Brasil, Rssia, frica do Sul e China, com permanncia de cinco
anos para cada pas no cargo (Brasil, 2014b). Para outras informaes,
ver Griffith-Jones (2014) e Griffith-Jones, Fritz e Cintra
(2014b).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 22 16/09/2015 11:06:06
-
23Introduo
pela Rssia.16 Com 57 pases-membros, ter como objetivo nanciar
projetos de infraestrutura na regio.17 O banco intergovernamental
procura dissipar os temores dos pases fronteirios de uma excessiva
dependncia nanceira da China. Os projetos nanciados pelas
instituies de desenvolvimento plurilaterais ampliam a conana nos
contratos celebrados pelas empresas chinesas mais que as operaes de
emprstimos bilaterais.18 O nanciamento de projetos de
infraestrutura por meio do novo banco dotar a integrao asitica de
novo impulso, e a China gozar de acesso privilegiado a recursos
naturais estratgicos, alm de potenciais mercados consumidores.
Estas novas instituies multilaterais de crdito as primeiras no
campo nanceiro internacional que escapam inteiramente aos desgnios
das nanas pblica e privada anglo-americanas, mesmo sem confront-las
ampliam o poder nanceiro chins.19 Elas permitem, por exemplo, o
estabelecimento de novas prioridades, princpios e procedimentos
para a assistncia ao desenvolvimento nacional, regional e
multilateral. Enm, Pequim vai tecendo uma rede multilateral de
nanciamento e de pagamento em renminbi, uma estrutura internacional
paralela, formada por uma srie de organizaes e de mecanismos
nanceiros.
Na esfera de comrcio e investimentos, a China assinou onze
acordos bilaterais de livre comrcio (com Paquisto, Chile, Nova
Zelndia, Cingapura, Peru, Hong Kong, Macau, Costa Rica, Islndia,
Sua e os pases da Asean). Com Sri Lanka, Austrlia e Coreia do Sul,
as negociaes esto em fases nais. Tambm negocia a Parceria Econmica
Regional Abrangente (Regional Comprehensive Economic Partnership
RCEP) um acordo de livre comrcio trilateral entre China, Japo e
Coreia do Sul, que envolve tambm os dez pases da Asean, alm de
Austrlia, ndia e Nova Zelndia. Planejado para ser concludo at o nal
de 2015, englobar
16. Os 37 pases-membros regionais Arbia Saudita, Austrlia,
Azerbaijo, Bangladesh, Brunei, Camboja, Catar, Cazaquisto, China,
Coreia do Sul, Emirados rabes, Filipinas, Gergia, ndia, Indonsia,
Ir, Israel, Jordnia, Kuwait, Laos, Malsia, Maldivas, Mianmar,
Monglia, Nepal, Nova Zelndia, Om, Paquisto, Quirguisto, Rssia,
Cingapura, Sri Lanka, Tailndia, Tajiquisto, Turquia, Uzbequisto e
Vietn subscrevero US$ 75 bilhes. Os US$ 25 bilhes restantes sero
subscritos por vinte pases de fora da regio: frica do Sul, Alemanha
(US$ 4,5 bilhes), ustria, Brasil (US$ 3,2 bilhes), Dinamarca,
Espanha, Egito, Finlndia, Frana (US$ 3,4 bilhes), Holanda, Islndia,
Itlia, Luxemburgo, Malta, Noruega, Polnia, Portugal, Sucia, Sua e
Reino Unido (US$ 3,1 bilhes). O Japo cedeu s presses dos Estados
Unidos e permaneceu fora do projeto.17. O Banco de Desenvolvimento
da sia estimou que a escassez de financiamento para infraestrutura
na regio monta a US$ 8 trilhes.18. Algumas experincias bilaterais
de implantao de projetos transfronteirios de infraestrutura
financiados por bancos de desenvolvimento chineses, com taxa de
juros relativamente baixas, e construdos com equipamento e por
empresas chinesas desencadearam reaes, diante dos pequenos impactos
dinmicos internos, problemas ambientais etc. Mianmar constitui um
exemplo desta tendncia, o que tornou os pases mais cautelosos
(Batson, 2015; Alves, 2013). In many cases, the money goes straight
to Chinese contractors and does not enter the host government
(Sanderson e Forsythe, 2013, p. xiii). A reao dos pases sinaliza
para a necessidade de maior cooperao das empresas e dos bancos
chineses com os parceiros locais, bem como a definio de uma nova
estratgia, qual seja, operar por meio de instituies
multilaterais.19. Segundo Jos Lus Fiori, em entrevista (Fiori,
2015): Esta deciso no muda de forma imediata e radical a velha
ordem monetrio-financeira do planeta, que foi liderada em um
primeiro momento pela moeda inglesa e que hoje segue sendo liderada
pela moeda americana. Mas, o mais importante a forma em que foi
dado este passo, assumido como um gesto simblico e poltico, e como
parte de uma estratgia de construo de circuitos monetrios e
financeiros paralelos e de conteno, mas no necessariamente
contraditrios com a ordem monetria e financeira anglo-saxnica.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 23 16/09/2015 11:06:06
-
24 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
3 bilhes de pessoas e 40% do comrcio mundial.20 Negocia ainda um
tratado bilateral de investimento China-Estados Unidos, desde maio
de 2013, bem como um acordo China-Unio Europeia, desde janeiro de
2014, destinados a cobrir todos os setores e acesso ao mercado
(Heilmann et al., 2014, p. 6-7).
Outra dimenso em que a poltica chinesa se sobressai expanso
externa do seu poder e de sua inuncia civilizatria no mbito dos
megaprojetos de infraestrutura transnacional. Estima-se que as
empresas chinesas incluindo Hong Kong investiro no exterior US$
1,25 trilho durante a prxima dcada. Em dezembro de 2014, uma
empreiteira privada de Hong Kong, em colaborao com as companhias
estatais chinesas, desencadeou a construo do Canal Interocenico da
Nicargua, estimado em US$ 50 bilhes, com 278 km de extenso, maior e
mais complexo que o Canal do Panam. Em novembro de 2013, foi
anunciado pelo presidente Xi Jinping o Cinturo Econmico da Rota da
Seda (Silk Road Economic Belt), que objetiva estabelecer uma
infraestrutura de grande escala, mediante uma malha ampliada de
trens de alta velocidade, estradas, redes eltricas, cabos de bra
ptica e sistemas de telecomunicaes, oleodutos, gasodutos etc. Tais
estruturas abriro novos corredores comerciais por terra e por mar
formando a Rota da Seda Martima (Maritime Silk Road) por toda a
Eursia (gura 1). Trata-se de articular, sobretudo, trs cintures
(rodovirio, ferrovirio e martimo) que ligaro a China Europa,
passando por 21 pases e ampliando as conexes com as economias do
Leste da sia, do Sul da sia, da sia Central e do Golfo Prsico.21 Os
portos construdos no Leste da sia e no Oceano ndico (Bangladesh,
Sri Lanka, Mianmar e Paquisto) serviriam para impulsionar o comrcio
por mar, bem como desenvolver rotas alternativas ao estreito de
Malaca e ao conitivo Mardo Sul da China.22 As articulaes entre os
diferentes pontos da rota terrestre e martima tambm seriam
planejadas. A China institui, portanto, iniciativas que alavancam o
papel do pas no comrcio e nas nanas mundiais.
20. Claramente, trata-se de um movimento contrrio tentativa de
reconfigurao do comrcio internacional promovida pelos Estados
Unidos por meio do Acordo de Parceria Econmica Estratgica
Trans-Pacfico (Trans-Pacific Strategic Economic Partnership
Agreement TPSEP) e do Acordo de Parceria Transatlntica de Comrcio e
Investimento (Transatlantic Trade and Investment Partnership
TTIP).21. Em 15 de dezembro de 2014 foi dado, em Istambul, na
Turquia, o primeiro passo da obra do sculo 21. A ferrovia incluir
as seguintes naes: China, Bangladesh, Malsia, Camboja, Laos,
Monglia, Mianmar, Cazaquisto, Paquisto, Azerbaijo, ndia, Ir,
Iraque, Nairbi, Egito, Grcia, Turquia, Rssia, Alemanha, ustria e
Itlia (figura 1). A construo da infraestrutura ser apoiada por um
Fundo da Rota da Seda de US$ 40 bilhes patrocinados pela China; o
restante dos investimentos ser financiado pelo Banco Asitico de
Investimento em Infraestrutura e pelos bancos de desenvolvimento
chineses, sobretudo o Banco de Desenvolvimento da China (China
Development Bank CDB) e o Banco de Exportao e Importao da China
(China Export-Import Bank). Ver Minghao (2014).22. Evidentemente, a
ndia busca se expandir nas mesmas reas, ampliando a competio
geopoltica.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 24 16/09/2015 11:06:07
-
25Introduo
FIG
URA
1N
ova
Rota
da
Seda
t
erre
stre
e m
art
ima
O
ne B
elt,
One
Roa
d
Font
e: M
iller
(201
4, p
. 6).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 25 16/09/2015 11:06:08
-
26 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
Outros megaprojetos tambm esto em andamento ou concludos.
Primeiro, uma nova autoestrada, estimada em US$ 4 bilhes, ligar
Kunming, capital da provncia de Yunnan, capital da Tailndia,
Bangkok, passando pelo Laos. Aprovncia de Yunnan percebida como a
ponta de lana para reforar a inuncia do pas na bacia do Grande
Mekong, onde as empresas chinesas constroem estradas, barragens e
redes de energia eltrica; e investem em minas, imveis e
agricultura. Segundo, o corredor econmico
China-Mianmar-Bangladesh-ndia, composto por uma autoestrada e
outras infraestruturas, ligar Kunming a Calcut, na ndia. Terceiro,
um oleoduto e um gasoduto j ligam Kunming a Kyaukphyu, no litoral
de Mianmar (baa de Bengala), permitindo China alargar sua esfera de
inuncia para o Oceano ndico.
Pequim delineia claramente uma racionalidade por trs desses
megaprojetos de infraestrutura. Primeiro, o aprofundamento da
integrao fsica com os pases fronteirios, relativamente
subdesenvolvidos, pode viabilizar novas redes de comrcio, abrir
novas rotas de trnsito para suas exportaes de bens e servios,
sobretudo, para as empresas estatais de cimento, ao, navios,
guindastes e equipamento pesado de construo, as quais enfrentam
elevada capacidade produtiva ociosa.23 Segundo, auxiliam na conteno
dos conitos tnicos na regio instvel de Xinjiang e, simultaneamente,
fomentam o desenvolvimento dos pases vizinhos, possibilitando que
se beneciem de sua ascenso e reforando a diplomacia ganha-ganha.
Isto marca uma mudana com o passado recente, quando Pequim
cultivava estreitas relaes diplomticas apenas com Coreia do Norte e
Mianmar. Terceiro, o nanciamento e a construo de infraestrutura em
regies fronteirias relativamente subdesenvolvidas da sia cortejam e
envolvem os pases vizinhos, procurando ganhar sua conana, no
projeto de prosperidade recproca e de destino comum, tornando sua
ascenso mais aceitvel.24 Caso contrrio, corre-se o risco de criar
uma coalizo liderada pelos Estados Unidos que buscar restringir
suas ambies. Quarto, o foco da Rota da Seda Martima comercial, mas
o pas est construindo uma forte Marinha para proteger suas rotas de
abastecimento independentemente da Marinha americana. O objetivo de
longo prazo exercer controle sobre os mares da China e empurrar a
Marinha americana para o Pacco Ocidental. Quinto, o nanciamento de
megaprojetos de infraestrutura, mesmo com taxas de retorno
relativamente baixas, constitui uma forma mais atraente de aplicar
as reservas internacionais que
23. No se deve esquecer que estes megaprojetos de infraestrutura
transfronteiras podem no impulsionar as exportaes chinesas de bens
de capital. Como argumenta Batson (2015, p. 6): for China to
successfully continue its shift into capital goods exports, there
needs to be a pickup in global demand for those goods. And that
ultimately depends not on Chinese foreign policy, but on stronger
growth in the rich countries that are still at the core of the
world economy.24. Os emprstimos realizados com taxas de juros
relativamente baixas para governos com limitados acessos a recursos
financeiros devero ser pagos com o fluxo de caixa gerado aps a
finalizao dos projetos (Miller e Gatley, 2015).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 26 16/09/2015 11:06:08
-
27Introduo
mant-las em ttulos do governo americano com baixssimas taxas de
juros.25 Sexto, a construo de infraestrutura ao longo das
fronteiras e a modernizao dos portos na sia representam a tentativa
de restaurao da posio da civilizao chinesa na sia, projetando as
bases de um imprio econmico (Miller, 2014).
Na esfera das telecomunicaes, por sua vez, a poltica industrial
chinesa procura estabelecer os padres de tecnologia ao restante do
mundo em importantes setores de alta tecnologia. Inicialmente, os
principais setores e empresas (incluindo a Huawei e a Alibaba)26 so
protegidos da competio dos gigantes estrangeiros. Em seguida, a
denio de padres nacionais de codicao para comunicao digital e mvel
serve para tornar as empresas locais menos dependentes de patentes
e licenciamento estrangeiros. Posteriormente, a nova tecnologia e a
escala produtiva das corporaes possibilitam que enfrentem e ganhem
a concorrncia externa, promovendo a internacionalizao das
atividades e a ampliao das exportaes. Na frica, por exemplo, as
empresas chinesas Huawei e ZTE construram a infraestrutura de
telecomunicaes nacionais de diversos pases. Alm disso, a denio de
padres tecnolgicos endgenos visa tornar o pas menos dependente da
infraestrutura ciberntica americana, proteger indstrias locais, e
conter sabotagem e espionagem; para isso, desenvolve o sistema de
navegao por satlite (BeiDou). Da mesma forma, operando com a Rssia,
a China conseguiu a expanso do mandato da International
Telecommunications Union entidade especial da Organizao das Naes
Unidas (ONU) responsvel por telecomunicaes internacionais , a m de
incluir a governana da internet, em 2012 (Heilmann et al., 2014, p.
8). Em suma, na busca de um crescimento sustentvel, o pas planeja
tornar-se um dos lderes mundiais nas indstrias estratgicas
emergentes, tais como tecnologia de informao, telefonia mvel,
circuitos integrados, novas energias, novos materiais e
biomedicina.27 Conforme o primeiro-ministro Li Keqiang, em discurso
no Frum Econmico Mundial de Davos, em 21 de janeiro de 2015 (Li,
2015b, parte 5, traduo e grifo nosso):
trens de alta velocidade, energia nuclear, aviao, telecomunicaes
e outras capacidades produtivas sosticadas esto gradualmente sendo
introduzidos em outros pases. Eles atendem demanda do pas benecirio
e passam pelo teste da concorrncia no mercado internacional. As
exportaes tambm auxiliam na abertura de mercados para as empresas
em terceiros pases, uma vez que muitos destes investimentos so
realizados por meio de joint-ventures entre a China e um pas
estrangeiro.
25. Segundo Maria da Conceio Tavares, em entrevista (Duro,
2009): os ttulos americanos que ela [China] detm servem de lastro s
reservas. Ela no tem como vend-los no mercado. Est com um mico na
mo. um patrimnio morto. Ver tambm Helleiner (2014) e Wray e Liu
(2014).26. No final de 2014, as aes da Alibaba gigante companhia de
comrcio eletrnico foram lanadas na Bolsa de Valores de Nova York
(New York Stock Exchange Nyse), consolidando-a como a 17a maior
empresa de capital aberto do mundo, com capitalizao de US$ 230
bilhes, superior da Amazon, da eBay e do Facebook.27. Para atingir
a meta de lder mundial na produo de semicondutores at 2030, o
Conselho de Estado assegura US$ 22,6 bilhes em subsdios para
empresas de propriedade chinesa e contratos exclusivos, excluindo
os concorrentes estrangeiros (Atkinson e Hofheinz, 2015).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 27 16/09/2015 11:06:08
-
28 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
Na dimenso da segurana, o pas se empenha em expandir mecanismos
de cooperao para enfrentar os desaos que se colocam segurana
regional, em especial, terrorismo, separatismo e extremismo.
Durante a Cpula de Xangai, que se realizou em 20 e 21 de maio de
2014, da Conference on Interaction and Condence-Building Measures
in Asia (Cica) um frum de segurana originalmente iniciado pelo
Cazaquisto (1999) o presidente russo Vladimir Putin e o chins Xi
Jinping exortaram o estabelecimento de uma nova arquitetura de
segurana regional. Por sua vez, na Cpula da Organizao para Cooperao
de Xangai (Shanghai Cooperation Organisation SCO) uma organizao
internacional (estabelecida em 2001), da qual participam China,
Rssia, Cazaquisto, Quirguisto, Tadjiquisto e Uzbequisto com foco em
segurana em 11 e 12 de setembro de 2014, o presidente Xi Jinping
anunciou sua inteno de reforar a entidade e expandir a coordenao
com a Cica. Aps esta cpula, ndia, Ir e Paquisto solicitaram adeso
organizao. A despeito das trocas de informaes e de manobras
militares, a coordenao e a integrao dos pases-membros da SCO se
mantm relativamente lassas. No mdio prazo, o desenvolvimento da SCO
pode ser afetado por tenses entre China e Rssia, uma vez que a
expanso das atividades e dos investimentos chineses na sia Central
pode ser apreendida como uma ameaa ao histrico papel hegemnico
russo.
No curto prazo, os desaos maiores se apresentam no enfrentamento
de questes territoriais no Mar do Sul da China. O aumento da
insegurana provocada por aes chinesas desde 2009 proporciona a
oportunidade para os Estados Unidos rearmarem sua presena militar e
ampliar suas aes no tabuleiro geopoltico asitico: fortalecimento
contnuo do Comando Pacco, seu comando regional mais poderoso, e da
Doutrina Obama de conteno da China (a sia e a disputa pela
hegemonia do Pacco Sul seriam as prioridades da poltica externa
americana).28 Todavia, pelo menos por ora, os pases vizinhos Vietn,
Filipinas, Malsia, Taiwan e Brunei no parecem sinalizar que desejam
escolher entre os laos econmicos com a China uma vez que lhes
proporcionam prosperidade e a necessidade de segurana, que se
inclina no sentido de manter uma presena militar dos Estados Unidos
na regio. Como a integrao econmica se aprofunda mediante
28. A secretria de Estado americana, Hillary Clinton, declarou
no Vietn, em 2010, que o Mar do Sul da China faz parte do interesse
nacional dos Estados Unidos, e que os Estados Unidos se sentem no
direito e no dever de participar de qualquer conflito e negociao
regional (Fiori, 2011). Ver tambm Oliveira (2013). Segundo a
Estratgia Nacional de Segurana divulgada pela Casa Branca (United
States, 2015, p. 24, traduo nossa): Os Estados Unidos tm sido e
continuaro a ser uma potncia do Pacfico. Ao longo dos prximos cinco
anos, quase metade do crescimento fora dos Estados Unidos dever se
originar na sia. (...) Os Estados Unidos congratulam-se com a
ascenso estvel, pacfica e prspera da China. Procuramos desenvolver
uma relao construtiva com a China que oferea benefcios para os
nossos povos e promova a segurana e a prosperidade na sia e em todo
o mundo. (...) insistindo que a China respeite as regras
internacionais e as normas sobre segurana martima, comrcio e
direitos humanos. Vamos monitorar de perto a modernizao militar da
China e sua presena crescente na sia (...). Sobre segurana
ciberntica, vamos tomar as aes necessrias para proteger nossos
negcios e defender nossas redes contra roubo ciberntico de segredos
comerciais que possam ser comercializados por agentes privados ou
pelo governo chins.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 28 16/09/2015 11:06:08
-
29Introduo
cadeias produtivas regionais e globais e se torna mais
emaranhada, o dilema se metamorfoseia em algo ainda mais complexo,
dado o crescimento da dependncia econmica da regio, com relao ao
dinamismo chins. A forma antevista de obter ambos os objetivos
seria alcanar um acordo que possibilite relaes paccas e duradouras
entre os Estados Unidos e a China (Aglietta e Bai, 2012). H fortes
laos de complementaridade entre as duas economias, intimamente
interligadas em diversos segmentos produtivos e nanceiros (US$ 3,8
trilhes de reservas recicladas pelo sistema nanceiro americano).
Por isso, este acordo no pode ser descartado, a despeito de um
acirramento crescente da concorrncia entre ambos, seja no mbito da
inuncia econmica regional, tecnolgica e diplomtica, seja no mbito
do arsenal militar.
No mbito da diplomacia, a China est cada vez mais usando fruns
multilaterais para expandir sua inuncia, especialmente nas relaes
com pases emergentes e em desenvolvimento. Sobressaem-se, em
primeiro lugar, os arranjos bilaterais e multilaterais asiticos
(Asean+3, Asean Regional Forum e East Asian Summit). Em segundo
lugar, cite-se a coalizo entre os pases-membros do BRICS (desde
2008), que governam cerca de 3 bilhes de habitantes, quase metade
da populao mundial, e cujo PIB supera US$ 29 trilhes, ou seja, 25%
do PIB mundial, pela paridade do poder de compra. Em terceiro
lugar, h a articulao de diversos fruns regionais com foco em
comrcio internacional e infraestrutura, tais como o Frum de
Cooperao China-Estados rabes, o Frum de Cooperao China-frica, o
Frum China-Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos
(Celac)29 e o Asia Cooperation Dialogue. Mencione-se ainda o Boao
Forum for Asia (BFA), um frum anual fundado em 2001, para os
formuladores de polticas, empresrios e acadmicos, com um enfoque
regional asitico, semelhante ao Frum Econmico Mundial de Davos.
Usando o arcabouo do Grupo dos Vinte (G20), a China busca ampliar a
representao das economias emergentes, principalmente nas instituies
nanceiras internacionais (FMI, Banco Mundial, Banco de
Desenvolvimento da sia).30
De forma contraditria, a diplomacia chinesa soft power possui
como objetivo precpuo o estabelecimento de relaes estveis entre os
pases asiticos, as economias emergentes e os pases em
desenvolvimento. Procura implementar medidas que possibilitem a
criao de conana, seja buscando equacionar conitos
29. Durante a abertura do I Frum China-Celac, realizado em 8 e 9
de janeiro de 2015, em Pequim, o presidente Xi Jinping anunciou
investimentos de US$ 250 bilhes nos prximos dez anos na regio.
Afirmou tambm que o pas pretende ampliar o comrcio bilateral com a
regio, atingindo em uma dcada o volume de US$ 500 bilhes anuais,
quase o dobro do montante atual (US$ 260 bilhes). No encontro, foi
assinada a Declarao de Pequim, que delineia as linhas da cooperao
China-Celac em diversos setores, tais como segurana pblica,
comrcio, investimento, finanas, infraestruturas, energia, recursos
estratgicos, energia, agricultura, cincia e tecnologia, indstria e
agricultura. Ademais, foi definido o plano de cooperao para o
perodo 2015-2019, no qual a China se comprometeu a realizar aporte
de US$ 35 bilhes, por meio de vrios fundos para o financiamento de
projetos de infraestrutura na regio.30. Em 2016, a reunio do G20
ser liderada pela China e l realizada.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 29 16/09/2015 11:06:09
-
30 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
de fronteiras, seja intensicando os laos comerciais, seja
realizando investimentos que explicitem um envolvimento pacco. Uma
diplomacia mais ofensiva se ancora na cooperao para o
desenvolvimento, sem condicionalidades; na expanso da
infraestrutura nacional ou regional; em facilidades de comrcio; e
na realizao de elevados montantes de investimentos nos pases
vizinhos, sobretudo, Vietn, Laos, Camboja, Mianmar, Tailndia e
Filipinas.
Nas palavras do presidente Xi Jinping (Safatle e Rittner, 2014,
grifo nosso):
O propsito da diplomacia chinesa salvaguardar a paz mundial,
promover o desenvolvimento comum e criar um bom ambiente externo
para o aprofundamento das reformas e a realizao da meta de dois
centenrios. Sendo um povo que ama a paz, os chineses no tm gene de
invaso nem de hegemonismo no seu sangue. A China no concorda com a
lgica antiquada de pas forte sempre hegemnico. Vamos persistir
inabalavelmente no caminho do desenvolvimento pacfico, tanto para
criar ativamente um ambiente internacional pacco em prol do
nossodesenvolvimento, quanto para contribuir para a paz mundial com
o nosso prprio desenvolvimento;tanto para aproveitar melhor as
oportunidades do mundo, quanto para compartilhar nossas
oportunidades com o mundo, promovendo assim a interao virtuosa, o
benefcio mtuo e ganhos compartilhados entre a China e outros pases
do mundo. Com o nosso desenvolvimento, vamos desempenhar melhor o
papel de um grande pas responsvel. Iremos salvaguardar a paz
mundial de modo mais proativo, preconizar a viso de segurana comum,
integral, cooperativa e sustentvel e nos dedicar soluo pacca dos
conitos por meio de negociaes.31 Vamos defender com toda a firmeza
a ordem internacional ps-Guerra, que tem a ONU como o seu centro, e
participar ativamente das aes de manuteno da paz da ONU e dos
dilogos e cooperaes regionais de segurana. Vamos participar de modo
mais proativo dos assuntos internacionais, dedicarmo-nos em
promover o aprimoramento do sistema de governana global, sobretudo
o aumento da representatividade e o direito voz dos pases em
desenvolvimento. (...) Vamos promover o dilogo Norte-Sul e a
cooperao Sul-Sul, com especial ateno em ajudar os pases em
desenvolvimento a concretizar seu desenvolvimento autnomo e
sustentvel. Vamos trabalhar juntos para construir um mundo
harmonioso, onde todos alcanam seus prprios valores e se ajudam
mutuamente para a consecuo dos outros.
Em suma, aps uma dcada em que a China se expandiu
vertiginosamente e ocupou posies cada vez mais importantes no
tabuleiro geoeconmico e geopoltico asitico e global, o sistema
interestatal capitalista atravessa uma transformao tectnica. Neste
movimento, parece cada vez mais claro que a China planeja forjar
uma nova fase da globalizao, em que suas empresas tornam-se atores
(players)
31. O carter proativo da diplomacia chinesa, liderada pelo
presidente Xi Jinping, assume a forma de porretes e incentivos
(sticks and carrots) para salvaguardar a paz e a estabilidade,
sobretudo, no seu entorno. Pequim calcula que pode executar uma
poltica externa regional, simultaneamente, coercitiva e amigvel,
dado o poder gravitacional exercido por sua economia. Por um lado,
no deixa margem a dvida, est preparada para transformar em inimigos
aqueles que no cooperarem com seus objetivos (Miller, 2014); por
outro lado, Australia, India and others in the region [are dancing]
a ballet of hedging and balancing against China (A strenuous...,
2014).
Livro_ChinaemTransformacao.indb 30 16/09/2015 11:06:09
-
31Introduo
globais, capazes de denir os padres e as marcas internacionais
de propriedade Owned by China propriedade das corporaes chinesas
(Diegues, 2015) e condicionar a dinmica da economia internacional.
Enquanto se torna o parceiro comercial predominante de muitos
pases, a China amplia seus investimentos no exterior e expande seu
poder econmico, que ancora a formatao das regras e das instituies
internacionais. Como sugere Braudel (1985, p. 45, grifo nosso):
os nrdicos nada inventaram, nem na tcnica, nem na conduo dos
negcios. Amsterdam copiou Veneza, tal como Londres copiar
Amsterdam, tal como Nova Iorque copiar Londres. O que est em jogo,
de cada vez, o deslocamento do centro de gravidade da economia
mundial por razes econmicas, e que no envolvem a natureza prpria ou
secreta do capitalismo.
Da mesma forma, h sinais de transbordamento do seu capital
monetrio e bancrio para alm de suas fronteiras. A moeda e as nanas
vo ocupando novas posies no cenrio mundial, dada a poltica de
internacionalizao do renminbi, da praa nanceira de Xangai, de um
mercado offshore em Hong Kong e a poltica de expanso das operaes de
emprstimos dos grandes bancos estatais. O Banco de Desenvolvimento
da China e o Banco de Exportao e Importao da China, sobretudo,
nanciam projetos de infraestrutura e investimentos das corporaes
chinesas nos pases em desenvolvimento, impulsionando suas taxas de
crescimento e o aumento do comrcio bilateral, que aprofundam os
laos com o Imprio do Meio. O Banco de Desenvolvimento da China que
possui agncias em 141 pases, incluindo vrios da Amrica do Sul
participa do nanciamento de gasodutos da Rssia, do Cazaquisto e de
Mianmar. O Banco de Exportao e Importao da China, usando minerais
inexplorados como cauo, nancia por US$ 7,2 bilhes a construo de uma
linha frrea de alta velocidade de Jinhong, na provncia de Yunnan,
atravessando o Laos, at Vientiane, na fronteira com a Tailndia.
Suas polticas de emprstimos auxiliam tambm a estratgia de
internacionalizao na moeda chinesa at 2020. Todavia, o sistema
nanceiro domstico, operando em condies muito especiais, deve passar
ainda por grandes transformaes para enfrentar a concorrncia
internacional, em p de igualdade.
Reitera-se que o objetivo estratgico de longo prazo est claro:
restaurar a posio histrica da China na sia. Como armou o presidente
Xi Jinping: isto para o povo da sia (...) para defender a segurana
da sia (Bridge..., 2014).32 O historiador Fernand Braudel inicia
seu livro sobre O modelo italiano com o seguinte pargrafo.
De 1450 a 1650, durante dois sculos particularmente
movimentados, a Itlia de cores variadas, todas deslumbrantes,
irradiou-se para alm de seus prprios limites, sua luz derramando-se
atravs do mundo. Essa luz, essa difuso de bens culturais
32. It is for the people of Asia to () uphold the security of
Asia.
Livro_ChinaemTransformacao.indb 31 16/09/2015 11:06:09
-
32 China em Transformao: dimenses econmicas e geopolticas do
desenvolvimento
oriundos de casa, apresenta-se como a marca de um destino
excepcional, como um testemunho que, por sua amplitude, d
verdadeiro peso a uma histria mltipla, cujo detalhe, visto no
prprio lugar, na Itlia mesmo, no se percebe facilmente, to diverso
ele foi. Ver a Itlia, as Itlias, de longe, reunir num nico feixe
uma histria fragmentada entre muitos relatos, entre muitos Estados
e cidades-estados. Finalmente, fazer um balano inslito, que uma
espcie de operao de verdade, em todo caso um modo particular de
compreender a grandeza italiana e assim fazer-lhe mais justia
(Braudel, 1986, p. 1).
Guardadas as devidas propores do tempo histrico, a China emite
sinais de irradiar sua grandeza. Este livro, seguindo as orientaes
de Braudel, busca reunir num nico feixe uma histria fragmentada.
Este feixe que procura condensar uma histria multifacetada e ainda
em construo claramente a articulao de um projeto de desenvolvimento
nacional, inserido regional e globalmente. Todos os temas
abordados, pelos diferentes autores, convergem para a consolidao
dos interesses nacionais poltica de industrializao, de insero nas
cadeias produtivas regionais e globais, de suprimento de energia,
de gesto da moeda e do crdito, de cincia e tecnologia, de defesa da
soberania, de modernizao do aparato militar