CHAMADO PARA SERVIREnsaios em Honra ao Dr. Russell Shedd
BIOGRAFIA DE RUSSELL SHEDD
Curtis A. Kregness
Curtis A. Kregness missionrio pela C.B. International, mesma
misso do Dr. Shedd, presidente de Edies Vida Nova e professor de
Comunicaes da Faculdade Teolgica Batista Paulistana, em So
Paulo.
O caminho saltava ao longo da estrada tortuosa na montanha,
gemendo em protesto contra o peso de passageiros e bagagem. O
motorista agarrava a direo, enquanto seus olhos esforavam-se para
perscrutar a escurido. O missionrio Leslie Shedd, sua esposa Della
e seus quatro pequenos filhos logo estariam dizendo adeus Bolvia.
Estavam sendo conduzidos estao ferroviria na primeira etapa de uma
longa viagem por terra para o Chile, de onde embarcariam em um
navio para Nova Iorque.Hudson, Helen e Russell, as trs crianas
maiores dos Shedds, estavam espremidas na parte de trs, junto com a
carga do caminho. Logo o veculo embalou-os, e eles adormeceram.
Sonhavam com as aventuras que teriam durante a licena nos Estados
Unidos.Cansado aps um longo dia de trabalho, o motorista tambm
dormiu. O caminho rapidamente saiu da estrada. No houve tempo para
reagir. Cado na vala e extremamente carregado, o veculo tombou e
parou com as rodas girando no ar frio da noite.Leslie e Della Shedd
imediatamente pensaram o pior: nossos filhos foram esmagados pela
bagagem. O silncio na parte traseira do caminho parecia confirmar
seus temores. Inspecionando mais de perto, contudo, perceberam que
as crianas continuavam dormindo. Nem mesmo o acidente os havia
despertado. Ningum estava machucado.
AS RAZES LATINO-AMERICANASRecordando esses eventos da infncia, o
Dr. Russell Shedd cr que Deus preservou sua vida com um propsito
missionrio. Filho de missionrios, suas razes latino-americanas,
incluindo o nascimento na Bolvia, era a maneira pela qual Deus o
estava preparando para uma vida de servio no Brasil.A linhagem da
famlia Shedd tem uma histria magnfica de servio cristo. Pesquisas
remontam o nome Shedd Inglaterra do sculo XVII.1 Daniel Shed, um
dos ancestrais, esteve entre os 25 mil puritanos ingleses que
decidiram atravessar o Atlntico entre 1630 e 1642 para uma vida
nova na Amrica do Norte.O telogo presbiteriano W. G. T. Shedd,
outro parente distante, era reputado como o "ltimo telogo americano
realmente expressivo a aderir com obstinao [...] doutrina de um
inferno literal com castigo futuro interminvel".2 Ele foi professor
de teologia sistemtica no famoso Union Theological Seminary, em
Nova Iorque, no final do sculo XIX.A me de Russell Shedd foi
educada na mesma pequena denominao presbiteriana (com cerca de 50
igrejas) do evangelista Billy Graham. Comenta-se que este, aos 17
anos, foi igreja rural que ela freqentava, perto de Charlotte, na
Carolina do Norte, para solicitar a ordenao. Esta lhe foi negada
pelos presbteros, que acharam Billy Graham muito jovem e com poucos
conhecimentos.
UMA FAMLIA DE MENTALIDADE MISSIONRIARussell Philip Shedd nasceu
em 10 de novembro de 1929 em Aiquile, na Bolvia, cerca de sete anos
depois de seus pais terem iniciado ali a carreira missionria. Era o
terceiro de quatro filhos. Seus dois irmos mais velhos tambm
buscaram ministrios transculturais. Hudson, o primognito, recebeu
seu nome de Hudson Taylor, missionrio pioneiro na China.
Atualmente, o diretor da Gospel Mission of South America e j pregou
o evangelho na Bolvia, no Chile e no Uruguai. Sua irm Helen e o
marido, David Ekstrom, tm atuado como tradutores e professores da
Bblia na Guatemala durante mais de 40 anos com a Central America
Mission. Phyllis, a irm mais nova de Russell Shedd, casou-se com um
professor da Lexington Christian High School, em Lexington, estado
de Massachussetts, nos Estados Unidos.A educao primria de Russell
Shedd deu-se em uma escola missionria na Bolvia. Ele foi para os
Estados Unidos no incio da adolescncia para completar seus estudos
de 2? grau na Westervelt Home e na Wheaton Academy, na rea
metropolitana de Chicago, numa transio natural para o Wheaton
College, onde, em 1949, recebeu o grau de bacharel. Entre seus
colegas de faculdade estava James Elliot (martirizado pelos ndios
auca do Equador). Ele continuou em Wheaton a fim de obter o grau de
mestre em estudos do Novo Testamento, na Wheaton College Graduate
School.Russell Shedd completou ento seus estudos para receber o
grau de mestre em teologia (M.Div., conhecido na poca como B.D.) no
Faith Seminary, na Filadlfia, em 1953. Quando tinha 25 anos,
recebeu o grau de doutor (Ph.D.) na renomada Universidade de
Edimburgo, na Esccia. Sua tese analisava o uso do apstolo Paulo das
concepes judaicas e do Antigo Testamento acerca da solidariedade da
raa, tema este transformado em livro.3Ao voltar para os Estados
Unidos em 1955, Russell Shedd aceitou o cargo de professor no
Southeastern Bible College, em Birmingham, no estado do Alabama.
Ali conheceu a aluna Patricia Dunn. A amizade entre eles floresceu
at chegar a um compromisso para a vida inteira. Casaram-se em 22 de
junho de 1957 e passaram a lua-de-mel na Guatemala.
COM DESTINO A PORTUGALMisses constituam o centro dos planos dos
recm-casados. Seis meses aps o casamento, foram designados pela
Conservative Baptist Foreign Mission Society (CBFMS) para o servio
missionrio em Portugal. A diretoria da misso tinha apenas 15 anos
naquela poca, mas experimentara um crescimento vertiginoso no auge
da expanso aps a Segunda Guerra Mundial, sendo diretamente
sustentada por centenas de igrejas batistas que acreditavam na
aplicabilidade da Grande Comisso de Cristo nos dias de hoje. Os
jovens Shedds passaram oito meses entre essas igrejas,
compartilhando suas idias para o treinamento de liderana em
Portugal e obtendo compromissos de sustento para seu empreendimento
missionrio. No incio de 1959, eles avanaram na experincia
missionria quando aceitaram um convite para iniciar uma igreja em
Long Island. Ela existe ainda hoje como a prspera Calvary Baptist
Church de Port Jefferson. Os Shedds chegaram em Portugal em agosto
de 1959 para iniciar o ensino no seminrio batista em Leiria.Cada
membro da equipe missionria portuguesa da CBFMS devia lidar com a
responsabilidade ministerial dos outros, alm da nfase em seu
trabalho principal. Russell Shedd recebeu o encargo de acompanhar
um ministrio de literatura em formao, tarefa que ele acolheu com
prazer. Era um complemento natural para seu interesse em educao
teolgica. Esse ministrio foi denominado Edies Vida Nova. Havia sido
fundado com vistas ao fornecimento de textos teolgicos bsicos e de
obras de referncia bblica para estudantes, professores e pastores.
Na poca, os livros teolgicos eram artigo raro em Portugal.Nos trs
anos que se seguiram, Russell Shedd sentiu duas srias limitaes
impostas ao programa de publicaes. Primeira, os altos custos de
impresso reduziam imensamente o nmero de ttulos novos que podiam
ser produzidos. Segunda, os poucos livros eram vendidos muito
lentamente na minscula comunidade evanglica portuguesa.Aps muitas
oraes e deliberaes, ele e seus colegas decidiram que esses
problemas poderiam ser resolvidos olhando-se no sentido sudoeste,
para o outro lado do Atlntico. O Brasil compartilhava a lngua de
Portugal, tinha uma comunidade evanglica grande, que crescia
rapidamente, e oferecia baixos custos de produo editorial. O
primeiro plano do grupo era que Russell Shedd ficaria dois anos no
Brasil tempo suficiente para implantar uma ao editorial em So Paulo
e ento voltaria para ministrar em Portugal. Trs anos depois do dia
em que os Shedds chegaram em Portugal, eles pisaram pela primeira
vez no Brasil. Era agosto de 1962.
PLANTANDO A SEMENTETo logo estabelecido em So Paulo, Russell
Shedd encontrou dois irmos brasileiros interessados em formar uma
sociedade editorial. Aps diversos anos, a Edies Vida Nova (EVN)
brasileira foi reorganizada como empresa sem fins lucrativos. A
misso de Russell Shedd nos Estados Unidos proporcionou grande parte
do investimento financeiro inicial.O ano seguinte foi um marco na
histria de EVN, lembra Russell Shedd, pois foi durante esse perodo
que Deus plantou em seu corao a semente da Bblia Vida Nova. De
forma irnica, a concepo da Bblia de estudo, que tem edificado a
vida de tantos obreiros cristos no Brasil e em todo o mundo,
originou-se em um esquema que visava lucro.Enquanto os scios de
Russell Shedd procuravam maneiras de lucrar no negcio editorial, um
deles teve a idia de adquirir Bblias baratas da Sociedade Bblica do
Brasil e substituir as capas simples por capas de couro luxuosas,
as quais poderiam ser vendidas com uma margem de lucro
substancialmente maior. Os pensamentos de Shedd fluam em outra
direo: "Se vamos negociar Bblias, por que no produzimos uma obra
nossa, com notas explicativas, referncias a outros textos e auxlios
didticos?". No havia nada semelhante no Brasil; portanto, uma Bblia
de estudo seria imensamente til para pastores e obreiros
leigos.Russell Shedd no imaginava que sua idia ficaria em gestao
durante 14 anos, antes do verdadeiro nascimento da Bblia Vida Nova.
importante observar que o projeto da Bblia foi o que talvez mais
pesou na sua deciso de ficar no Brasil, em vez de retornar para o
ministrio em Portugal.
OBRA DO INIMIGOPelo menos alguns problemas que perseguiram o
projeto da Bblia foram sem dvida obra do inimigo, que podia ver o
imensurvel valor de tal livro nas mos de obreiros cristos de lngua
portuguesa. O papel para a impresso da Bblia foi o primeiro
obstculo. Com fundos emprestados da CBFMS, Russell Shedd comprou na
Inglaterra papel bblia tipo "ndia", da melhor qualidade. Naquela
poca, no havia impostos para importar Bblias para o Brasil.
Acreditava-se que o papel bblia tambm passaria livremente nas
alfndegas brasileiras. "Mas no era assim. Foi um terrvel engano",
diz ele. A carga chegou ao Brasil em 1967. Embora oficialmente o
papel tivesse sido importado como doao, foi apreendido em Santos.
Em 1976, ele viu com seus prprios olhos o papel armazenado em um
depsito alfandegrio. Finalmente, foi leiloado e revendido casa
publicadora da Conveno Batista Brasileira, no Rio de Janeiro.O
segundo obstculo foi o processo tcnico de produo dos comentrios e
das notas homilticas da Bblia, escritos por Russell Shedd, colegas
missionrios e lderes de igrejas brasileiras. Depois de compostas
fotograficamente, as notas perdiam a cor, tornando extremamente
difcil a obteno de negativos ntidos para a impresso. Shedd
comentou: "Se Paul Wilder (missionrio americano independente) no
tivesse ajudado, talvez nunca publicssemos a Bblia!". Em 1975,
Wilder levou pessoalmente os originais para El Camino Press, na
Califrnia, onde a Bblia seria impressa. Quando os especialistas
grficos explicaram que no conseguiriam usar originais to apagados,
Wilder decidiu ficar nos Estados Unidos a fim de buscar uma soluo
criativa para o problema. Durante um ano inteiro, ele reforou os
originais descoloridos por meio de um processo fotogrfico,
retocando mo os negativos um por um. Por incrvel que parea, os
filmes usados para a primeira Bblia de formato grande so usados at
hoje!Russell Shedd considera a concluso da Bblia Vida Nova e sua
popularidade entre os cristos brasileiros uma das maiores alegrias
de sua carreira missionria. "Em meus sonhos mais entusisticos,
nunca pude imaginar que (a Bblia) venderia to facilmente", ele diz.
"Eu achava que levaria anos para vender uma nica edio." A Bblia est
agora em sua 17a. edio. Embora outros editores brasileiros tenham
produzido Bblias de estudo semelhantes nos ltimos anos, a Bblia
Vida Nova continua muito procurada. Mais de 200 mil exemplares
foram vendidos. Russell Shedd diz: "As pessoas comentam
constantemente como (a Bblia) tem sido importante para elas".Para
muitos cristos brasileiros, o nome Russell Shedd praticamente
sinnimo de Edies Vida Nova. Desde seu incio humilde em Portugal,
EVN cresceu e tornou-se uma das maiores editoras evanglicas do
Brasil. Atualmente, comercializa mais de 175 livros. Mas Russell
Shedd ainda enxerga muitos campos inexplorados na literatura
evanglica brasileira, e diz: "Ainda temos muito que fazer para
melhorar a qualidade de nossa literatura. A rea de lnguas originais
da Bblia precisa de ajuda. Temos muito pouco sobre os pais da
igreja. Muito mais poderia ser publicado sobre os conceitos da Nova
Era, do universalismo, do pluralismo religioso, sobre hermenutica,
alm de comentrios de alto nvel".
MOLDANDO UMA GERAOEmbora a publicao de livros no Brasil fosse
uma tarefa importante para Russell Shedd, ela no estava no centro
de seu corao. Em 1965, quando recebeu um convite para lecionar na
Faculdade Teolgica Batista de So Paulo (FTBSP), ele reconheceu a
clara orientao de Deus. "Era o que eu queria fazer, para o que
originalmente me preparei", ele diz. Russell Shedd ensina
principalmente nas reas de Novo Testamento e de hermenutica,
atuando tambm no programa de mestrado.Nas dcadas de 60, 70, 80 e
90, os alunos sempre se matricularam animados para suas aulas no
por serem academicamente fceis, mas porque queriam assimilar um
pouco da anlise penetrante das Escrituras feita por ele. Russell
Shedd tornou-se conhecido como o professor que podia apontar a
mensagem central de uma passagem bblica, pois estava ativamente em
contato com seu Autor. Seu esprito humilde sempre lhe permitiu
orientar os alunos na aplicao direta da Palavra de Deus em suas
vidas e ministrios. Suas razes latino-americanas parecem coloc-lo
em vantagem sobre outros professores estrangeiros quanto
identificao das necessidades e dos problemas dos alunos.Ary
Velloso, formado pela FTBSP e pastor da Igreja Batista do Morumbi,
em So Paulo, conta uma histria pungente que revela a comunicao de
Russell Shedd com os alunos e tambm uma faceta de seu carter. Ary
Velloso diz que um dia Russell Shedd recebeu um misterioso depsito
em sua conta bancria. Em vez de apressar-se para gastar o dinheiro,
discutiu o assunto com a esposa. "Fico pensando no propsito de Deus
para esse dinheiro", ele refletiu.Algum tempo depois, em uma noite
no seminrio, aconteceu de ele chegar cedo na sala de aula, onde
havia apenas um aluno, ajoelhado, perto de sua cadeira, chorando.
Ao cumpriment-lo, ele viu que o aluno havia chorado e perguntou:
"Qual o problema?". O aluno explicou que um de seus filhos havia
morrido de leucemia. Agora, seu segundo filho demonstrava sintomas
semelhantes. O mdico havia prescrito determinado exame para o
menino, mas ele no tinha condies de pag-lo.Russell Shedd sorriu.
"Suas oraes j foram atendidas", disse ao aluno. "Deus colocou o
dinheiro em minha conta justamente para sua necessidade."
Sentando-se, preencheu um cheque referente quantia necessria e
entregou-o ao aluno espantado.Outro ex-aluno da FTBSP, Eullia de
Andrade Pacheco Kregness, lembra que ele sempre tinha tempo para
ouvir os alunos. "No corredor, na sala de aula ou em seu escritrio,
ele parava para conversar", ela conta. Muitos compartilhavam
pedidos de orao. Semanas ou meses depois, ele perguntava
especificamente sobre o que havia acontecido. "Voc sabia que ele se
importava e que estivera orando por aquele pedido", diz ela.O
estilo expositivo de ensino e de pregao do Doutor Shedd moldou toda
uma gerao de futuros lderes eclesisticos brasileiros. Ele comenta:
"Os jovens formados de nosso seminrio tm uma perspectiva muito
diferente daquela da gerao mais antiga. Eles so mais abertos,
desejam trabalhar com outros grupos evanglicos, so mais flexveis em
estilos de culto...". Embora no seja o nico responsvel por essa
tendncia, Russell Shedd certamente exerceu um papel fundamental.A
dedicao de Russell Shedd educao teolgica no Brasil tambm provada
por sua rejeio de convites para lecionar em seminrios nos Estados
Unidos. Em 1967, foi convidado a lecionar em um grande seminrio
batista em Denver, no estado do Colorado. Durante as licenas
regularmente programadas nos Estados Unidos, ele decidiu tentar
esse trabalho como experincia. Ensinou ali por dois anos em licenas
separadas. Durante esse perodo, Shedd dizia: "Nunca senti que isso
que Deus quer que faamos". Ele sempre voltava para o Brasil com o
sentimento de que "sou mais til aqui (no Brasil)".Outra escola, a
Trinity Evangelical Divinity School, nos arredores de Chicago,
concedeu-lhe oportunidade de lecionar durante sua licena de um ano.
O Bethel Theological Seminary, em St. Paul, no estado de Minnesota,
tambm queria que o Dr. Shedd se candidatasse para fazer parte da
diretoria da escola, mas ele declinou o convite. Depois teve
oportunidade de lecionar no Wheaton Graduate School, onde atuou
durante um semestre como professor de misses. Ele diz: "Quando
(Patrcia e eu) orvamos sobre isso, os convites de fato reforavam o
chamado de Deus para misses no Brasil".
UM CONFERENCISTA MUITO REQUISITADOLecionando havia dez anos na
FTBSP, Russell Shedd recebeu um convite para falar em uma
conferncia missionria nacional patrocinada pela Aliana Bblica
Universitria (ABU) em Curitiba. Era sua primeira participao em uma
conferncia de mbito nacional, e isso marcou o incio de um ministrio
como orador que o levaria s fronteiras do Brasil e ao
exterior.Depois de falar no congresso Gerao 79, da Mocidade Para
Cristo, "sempre houve mais convites (para pregaes e prelees) do que
eu podia aceitar". Muitos pastores que tentaram agend-lo para seus
plpitos descobriram que necessrio planejar com pelo menos um ano de
antecedncia.A influncia de Russell Shedd muitas vezes estendeu-se
para fora do Brasil. De 1982 a 1988, por exemplo, ele foi membro da
comisso teolgica da World Evangelical Fellowship. Durante esses
anos, escreveu diversos captulos para livros sobre orao,
justificao, culto, igreja e justia social.Em 1986, ele foi ndia
para uma srie de reunies sob o patrocnio da Viso Mundial. Ele tambm
fez muitas prelees em Cingapura e no Hava para o Haggai Institute,
organizao evanglica internacional para treinamento de lderes. No
Brasil, tem prestado servios comisso de traduo da Nova Verso
Internacional baseada na Bblia mais vendida nos Estados Unidos.Suas
aulas e sermes bblicos muitas vezes tornaram-se base para livros.
To Grande Salvao, sua primeira obra em portugus, nasceu de
mensagens sobre o livro de Efsios apresentadas na conferncia da
ABU, em Curitiba. Desde ento, ele produziu nove outros livros e
dezenas de artigos para peridicos.
FILHOS EM DOIS CONTINENTESEmbora muitos comparem o processo de
escrita de um livro com a gravidez e o nascimento, Russell Shedd
tem outros filhos que ele considera mais importantes. "Tem sido uma
grande alegria", ele comenta, "ver nossos cinco filhos andando com
o Senhor e procurando servi-lo".Timothy, o primognito de Shedd, foi
o nico filho nascido nos Estados Unidos, antes de sua chegada em
Portugal. Ele leciona matemtica em uma escola pblica em Englewood,
no estado do Colorado, e tem duas filhas.Nathanael, nascido em
Portugal, casado e programador de dados no Wheaton College, em
Wheaton, estado de Illinois.Peter tambm nasceu em Portugal. casado
e reside na Alemanha.Helen solteira e mora com seus pais em So
Paulo. Ela ministra a lderes que trabalham com crianas de rua e
aluna do curso de mestrado em teologia do Novo Testamento na
FTBSP.Joy estuda enfermagem. casada e mora na Alemanha. Ela serviu
durante dois anos no navio missionrio Doulos, onde conheceu o
marido.
CERTO ENIGMAMais de 30 anos no pas deram a Russell Shedd uma
perspectiva singular da igreja evanglica brasileira. Um dos avanos
emocionantes durante esse perodo tem sido o interesse do pas em
misses mundiais, que vem crescendo intensamente. Ele cita Edison
Queiroz, um de seus ex-alunos na FTBSP, como pioneiro desse
movimento. Edison Queiroz foi presidente do COMIBAM (Comisso
Missionria ibero-americana), organizao formada para promover o
treinamento e o envio de missionrios transculturais
latino-americanos.Outra tendncia que Russell Shedd ressalta um
interesse nacional em reavivamento. Ele percebe "uma expectativa,
uma espera no Senhor, e algumas coisas incomuns acontecendo" em
igrejas onde ministrou.Finalmente, ele identifica uma abertura
maior quanto a grupos carismticos entre as denominaes protestantes
tradicionais. "O muro divisrio est ruindo", ele diz. "Hoje muitas
igrejas esto dispostas a reconsiderar sua postura em relao ao
movimento carismtico."Ele mesmo tem constitudo certo enigma para
batistas brasileiros tradicionais, com quem est associado no nvel
de igrejas locais. Embora seja firme defensor das doutrinas
batistas baseadas na Bblia, ele desafia as tentativas de colocar um
rtulo denominacional em sua teologia. Para ele, a fidelidade s
Escrituras mais importante do que a lealdade a um grupo ou a outro.
H quem fique perplexo com essa abordagem que no se prende a regras,
mas a maioria das pessoas tem profundo respeito por seu carter
cristo. Mesmo alguns que discordam de suas posies teolgicas, sem
dvida ouvem atentamente sua interpretao de passagens bblicas
centrais.Russell Shedd parece ter a rara capacidade de discordar de
maneira gentil. Um bom exemplo dessa qualidade so suas idias acerca
da escatologia. Ao mesmo tempo em que ressalta os perigos da
concepo liberal da histria chamada "escatologia realizada", ele
critica a linha escatolgica de Hal Lindsey, que sugere que "os
eventos do fim no tm realmente nada a ver conosco".4 A verdade, ele
salienta, encontra-se em outro lugar, em uma perspectiva que
despreza uma cronologia detalhada de eventos e enfatiza a
responsabilidade sensata da igreja pela evangelizao mundial diante
da volta de Cristo, aps um perodo de sofrimento e martrio.
CURRICULUM VITAE
ESCOLARIDADEDiploma Wheaton College Academy (1946).Bacharel em
Artes Wheaton College (1949) com especializao em Bblia e em
grego.Mestre em Artes Wheaton Graduate School of Theology (1951)
com especializao em Novo Testamento. Tese: The Origin and
Destination of the Fourth Gospel.Bacharel em Teologia Faith
Theological Seminary (1953).Doutor em Filosofia Universidade de
Edimburgo (1955). Tese: St. Paul's Use of Old Testament and Early
Jewish Conceptions of Human Solidarity.Ordenao Hydewood Park
Baptist Church, em North Plainfield, NJ (1953).
EXPERINCIA1. Southeastern Bible College, em Birmingham, AL
(1955-56).2. Pastor da Hydewood Park Baptist Church, em North
Plainfield, NJ (1956-57).3. Fundador e pastor da Calvary Baptist
Church, em Port Jefferson Station, NY (1959).4. Missionrio pela
Conservative Baptist Foreign Mission Society (1958 em diante).5.
Professor de Novo Testamento no Seminrio Teolgico Baptista de
Leiria e Lisboa (1959-62).6. Professor de Novo Testamento na
Faculdade Teolgica Batista de So Paulo (1965 em diante). Diretor do
Departamento de Novo Testamento e Exegese (1980 em diante).7.
Professor visitante de Novo Testamento no Conservative Baptist
Theological Seminary em Denver, CO (1967-68 e 1977-78).8. Professor
visitante de Novo Testamento e Misses na Trinity Evangelical
Divinity School, em Deerfield, IL (1981-82).9. Professor visitante
de Misses na Wheaton Graduate School of Theology, em Wheaton, IL
(1988).Professor visitante do Seminrio Batista do Grande ABC, em
Santo Andr, SP.Professor assistente do Instituto Haggai para
Treinamento Avanado de Lderes, em Cingapura, no Hava e no Brasil
(1988 em diante).Fundador e pastor da Igreja Batista Jardim das
Oliveiras, em So Paulo, SP, e da Igreja Batista Vida Nova, em So
Paulo, SP. Dirigente da Igreja Batista do Jardim So Luiz, em So
Paulo, SP. Pastor da Metropolitan Chapel, em So Paulo, SP (1971-73
e 1978-81).
SOCIEDADES PROFISSIONAIS E ECLESISTICASInstitute for Biblical
Research (1970-82).Evangelical Theological Society (1953 em
diante).Theology Commission: Faith and Life Study Unit da World
Evangelical Fellowship (1982-88).Fraternidade Teolgica da Amrica
Latina (1970 em diante).Associao Brasileira de Evangelizao
(1983-90).Comisso de Traduo da Nova Verso Internacional da Bblia
(1989 em diante).Fundador e Diretor de Edies Vida Nova no Brasil
(1962-1991). Editor-chefe (1992 em diante).
PUBLICAES: LIVROSMan in Community, Epworth Press (1958) e
Eerdmans (1962).Editor dA Bblia Vida Nova (1977).To Grande Salvao:
uma exposio de Efsios, ABU Editora (1978), Vida Nova (1988).Andai
Nele: uma exposio de Colossenses, ABU Editora (1979), Vida Nova
(1988).Disciplina na Igreja, Vida Nova (1983).Escatologia do Novo
Testamento, Vida Nova (1983).Alegrai-vos no Senhor: uma exposio de
Filipenses, Vida Nova (1984).A Justia Social e a Interpretao da
Bblia, Vida Nova (1984).Adorao Bblica, Vida Nova (1987).Lei, Graa e
Santificao, Vida Nova (1990).O Mundo, a Carne e o Diabo, Vida Nova
(1991).Nos Passos de Jesus: uma exposio de 1 Pedro, Vida Nova
(1993).A Solidariedade da Raa: o homem em Ado e em Cristo, Vida
Nova (1994).O Livro e os Livros, manuscrito solicitado pela ABEC
(Associao Brasileira de Editores Cristos), aguarda publicao.
PUBLICAES: ARTIGOS E ENSAIOS"Multiple Meanings in the Gospel of
John" em Biblical and Patristic Studies, editado por Gerald
Hawthorne, Eerdmans (1975)."O Pecado e a Salvao na Amrica Latina"
em O Presente, o Futuro e a Esperana Crist, editado por Valdir
Steuernagel, ABU Editora (1980)."Social Justice and the
Interpretation of the Bible" em Biblical Interpretation and the
Church: Text and Context, editado por D. A. Carson, Paternoster
(1984)."Biblical Worship in the New Testament" em The Church in the
Bible and the World, editado por D. A. Carson, Thomas Nelson (1985)
e Paternoster (1987)."Prayer and the Preparation of Christian
Leaders" em Teach Us to Pray, editado por D. A. Carson, Baker
(1990) e Paternoster (1990)."Justification and Personal Christian
Living" em Right with God, editado por D. A. Carson, Paternoster
(1992)."An Evangelical Looks at Liberation Theology" em Trinity
World Forum, v. 7, n. 2 (1982)."Riqueza, Conceito Cristo de" em
Enciclopdia HistricoTeolgica da Igreja Crist, editado por Walter E.
Elwell, v. 3, Vida Nova (1990)."F Segundo Tiago" em Revista
Teolgica do Seminrio Teolgico Batista do Sul."Bblia: o Absoluto e o
Relativo" em O Jornal da Bblia (dezembro de 1991)."Unidade: o
Desafio da Igreja Hoje" em Raio de Luz (1990)."O Novo Nascimento"
em Raio de Luz (1993)."Hermenutica Bblica" em Vox Scripturae, v. I,
n. 2 (1991).
PALESTRAS1974Seminrio Teolgico Batista do Sul "Corpo de Cristo
em 1 Corntios".Seminrio Independente Batista de Campinas
"Adorao".1976Congresso Missionrio da ABU Estudos sobre
Efsios.Encontro de Pastores da SEPAL "Ministrio".1979CLADE II "O
Conceito de Pecado na Amrica Latina".Congresso Gerao 79 Estudos
sobre Colossenses.1980Seminrio Teolgico Batista do Sul
"Escatologia".1982Encontro de pastores promovido pela Viso Mundial,
em Belo Horizonte quatro estudos sobre "O Ministrio
Cristo".1983Congresso Brasileiro de Evangelizao
"Santificao".Encontro de pastores promovido pela Viso Mundial, em
Recife "Uma Viso Bblica de Ministrio".1984Retiro de pastores
batistas do Rio de Janeiro "O Ministrio em 2 Corntios 26" e "O
Pastor Mestre".Seminrio Teolgico Batista do Paran "Exposio da
Palavra".Seminrio Mineiro, em Belo Horizonte "Adorao".1985Seminrio
Batista do Oeste, em Campo Grande, MS.Seminrio Betel Brasileiro, em
Joo Pessoa, PB "Estratgias Missionrias Paulinas em Atos".Retiro de
pastores batistas do Mato Grosso do Sul.Retiro de pastores batistas
do Paran "Lei e Graa".Seminrio Batista Filadlfia, em Campinas
"Estratgias Missionrias".Seminrio Teolgico Betel no Rio de Janeiro
"Adorao".1986Retiro da Ordem de Pastores Batistas de Minas Gerais
"Adorao".Seminrio Teolgico Batista de Dourados, MT "Sermo
Expositivo".Seminrio Bblico Batista do Rio de Janeiro.Encontro de
Lderes e de Pastores promovido pela Viso Mundial, em So Luiz, MA "A
Pessoa, Obra e Ao do Esprito Santo".Seminrio Teolgico Batista
Fluminense de Campos, RJ "Adorao" e "Escatologia".Encontro de
pastores no sul da ndia (estado de Kerala) "As Implicaes da
Teologia da Libertao na Evangelizao".1987Seminrio Batista de
Campos, RJ "Tiago", "Lei e Graa".1988Retiro de pastores batistas de
Santa Catarina.Seminrio Bblico Mineiro "Escatologia", "Homiltica
Expositiva".Seminrio Batista Regular de Juazeiro do Norte, CE
"Exposio Bblica".Faculdade Teolgica Batista de Braslia "Os Dons e o
Amor 1 Corntios 12.14".Seminrio Teolgico Batista de Laranjeiras
"Escatologia".Seminrio Teolgico Batista Fluminense de Campos, RJ
"Teologia da Orao".1989Retiro de pastores batistas do estado de So
Paulo.Reunio anual de pastores das igrejas congregacionais do
Brasil, em Mendes, RJ "Exposio de 1 Pedro".Retiro dos missionrios
batistas canadenses, em Natal, RN "Exposio de 1 Pedro".Reunio dos
pastores batistas do Esprito Santo "Hermenutica".Seminrio e
Instituto Bblico Betel Brasileiro "Bases Bblicas da Unidade da
Igreja".Encontro de pastores promovido pela Viso Mundial, em
Fortaleza, CE "Bases Bblicas da Unidade da Igreja".Seminrio
Teolgico Betel do Rio de Janeiro "O Mundo, a Carne e o
Diabo".1990Encontro dos missionrios da British Baptist Mission
"Secularizao, o Mundo, a Carne e o Diabo".Encontro de missionrios
da Unevangelized Fields Mission, em Belm, PA "Sabedoria Celestial
para a Vida Diria em Tiago".Congresso Gerao 90, em Braslia "Os
Heris da F e a Corrida da F em Hebreus 11, 12".Encontro de pastores
da Igreja Crist Evanglica, em Anpolis, GO "A Igreja e o Mundo no
Sculo XXI" e "Os Dons do Esprito".Instituto e Seminrio Bblico de
Londrina, PR "O Pastor Lder" e "O Novo Nascimento".Seminrio
Teolgico Presbiteriano de Belo Horizonte "Exposio da
Palavra".Consulta da Associao de Evangelizao do Brasil, em So
Paulo, SP "Bases Bblicas da Unidade da Igreja".Seminrio Teolgico
Presbiteriano de Campinas "Exposio das Epstolas Pastorais".Seminrio
Teolgico Metodista Livre "Misso da Igreja".1991Seminrio Teolgico
Presbiteriano de Goinia, GO "Solidariedade da Raa Humana".Seminrio
Teolgico Presbiteriano JMC, em So Paulo, SP "Batalha
Espiritual".Encontro de pastores e lderes batistas do Piau "Exposio
da Palavras".Reunio anual das Igrejas Crists Evanglicas do Brasil,
em So Luiz, MA "Ao Social da Igreja" e "Exposio".1992Pastors'
Conference, El Camino Baptist Church, em Tucson, AR "The Supremacy
of God in Missions".Congresso Gerao 92, em Campina Grande, PB
"Exposio de Filipenses".Encontro de pastores da Igreja Missionria,
em Londrina, PR "Escatologia do Novo Testamento".Encontro de
pastores da SEPAL, em Aruj, SP "A Vida Devocional do Pastor no
Pastorado".1993Encontro de lderes e pastores, em Cambuquira, MG
"Exposio de 1 Pedro".Encontro anual dos pastores das igrejas
congregacionais do Brasil, em guas de Lindia, SP "Avivamento e
tica".Seminrio da JUVEP, em Joo Pessoa, PB "A Importncia da
Palavra".Encontro de pastores batistas da Bahia, em Feira de
Santana, BA "Os Dons do Esprito Santo".Encontro de pastores da
SEPAL, em guas de Lindia, SP "O Homem de Deus Segundo o Corao de
Deus".Encontro de pastores promovido pela Associao Missionria
Maranata, em Xerm, RJ "A Unidade da Igreja".Seminrio Teolgico
Batista do Sul "Avivamento Bblico".Congresso Despertar 1993, em
Braslia "Misses e o Discipulado", publicada no guia do
congressista, em Campinas, JUMOC.Encontro nacional da APEC para
pastores e lderes "Paternidade Responsvel".Seminrio Teolgico no
Nordeste, em Recife, PE "Misses no Livro de Efsios".Encontro sobre
tica e avivamento, em Goinia, GO "Avivamento e tica".Encontro para
pastores sobre avivamento, em Vitria, ES.Primeiro encontro nacional
sobre batalha espiritual, em Valinhos, SP "O Mundo e a
Carne".Encontro de pastores e lderes sobre hermenutica, em Manaus,
AM "Hermenutica Bblica".Seminrio Betel do Rio de Janeiro "Os Anjos
e os Dons".Instituto Bblico Palavra da Vida, em Recife, PE "Exposio
de Efsios".Primeiro congresso brasileiro sobre misses
transculturais, em Caxambu, MG "Base Bblica de Misses".Seminrio e
Instituto Bblico do Brasil Central, em Anpolis, GO "Hermenutica
Bblica".Encontro da SEPAL para pastores, em Aruj, SP "Desafio para
uma Vida de Submisso Palavra".1994Retiro da Ordem de Pastores
Batistas do Estado de So Paulo "Implicaes da Cristologia para o Fim
do Sculo" e "Misticismo".Encontro de pastores das igrejas
congregacionais, em Boa Viagem, CE "Os Dons e os Anjos: Exposio de
1 Corntios 1214".
A CRISTOLOGIA DA DIVINDADE EM MARCOS 14.58
Ellis Earle
E. Ellis, Ph.D., professor de teologia no Southwestern Baptist
Theological Seminary, nos Estados Unidos. membro da Society of
Biblical Literature e membro-fundador do Institute for Biblical
Research.A discusso entre Jesus e os telogos e "clrigos" judeus que
finalmente ocasionou sua condenao morte foi uma controvrsia sobre a
interpretao das Escrituras. Isso se revela no apenas nos debates
apresentados nos evangelhos como midrashim yelammadenu, mas tambm
na reao atitude de Jesus de perdoar os pecados e s afirmaes que fez
em seu julgamento, quando acusado de blasfmia (Mc 2.7; 14.64).Ao
perdoar pecados em seu prprio nome, isto , como Filho do homem,
Jesus assume implicitamente uma prerrogativa de Deus e, assim,
incita um intercmbio com os escribas, ou seja, os estudiosos das
Escrituras. Jesus e eles pressupem o ensino bblico de que apenas
Deus pode perdoar pecados. Para essa questo teolgica, ambos tm uma
base comum de argumentao nas Escrituras cannicas recebidas e,
contra a postura da escola da "histria das religies", quaisquer
paralelos anedticos na literatura apcrifa judaica ou pag so provas
duvidosas para o assunto em Marcos.Com seu ato de perdo, Jesus d
uma pista de sua misteriosa auto-designao, "o Filho do homem",
insinuao que os escribas entendem melhor do que os outros. Ao curar
o paraltico, novamente em seu prprio nome, ele intensifica o ato
verbal, visto que todos ali tambm pressupem a concepo bblica que
relaciona morte com pecado e cura com o poder de Deus e, mais
ainda, que atribui somente a Deus a autoridade para dar vida ou
(verdadeiramente) tir-la. Dificilmente Jesus deixa subentendida
apenas uma reivindicao messinica humana, pois parece no haver
nenhuma tradio judaica no sentido de o Messias ou qualquer outra
criatura ter o direito de perdoar pecados sob sua prpria
autoridade. Alm disso, Jesus no fala como um agente, sacerdotal,
proftico ou anglico, assegurando ao homem o perdo de Deus, nem
oferece um perdo provisrio de um tribunal humano a ser ratificado
posteriormente por Deus. Ele faz uma afirmao clara daquilo que ele
e os telogos sabem ser prerrogativa de Deus e passa a ratific-la
por sua prpria palavra de vida ao paraltico.Os estudiosos das
Escrituras, pela primeira vez aqui nos evangelhos, no so
representados como maldosos ou preconceituosos em relao a Jesus.
Eles expressam um juzo refletido com base em seu entendimento
bblico e, se Jesus for apenas um homem, esto plenamente
justificados. Acusam Jesus de blasfmia pelas mesmas razes implcitas
mas pronunciadas explicitamente na nica outra passagem dos
evangelhos (antes do julgamento) em que aparece a acusao de
blasfmia, Joo 10.33:"... te apedrejamos... por causa da blasfmia,
pois sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo".O ataque no
pronunciado dos telogos nos sinpticos reflete a percepo aguda,
embora hostil, da implicao da palavra e do ato de Jesus,
contrastada com a apreenso superficial das multides, em Mateus
12.8. Isso prepara o caminho para a segunda e principal acusao de
blasfmia feita contra Jesus, em seu julgamento.Nos relatos
sinpticos do julgamento, a pergunta do sumo sacerdote e a resposta
de Jesus formaram as questes cristolgicas usuais:"s tu o Cristo, o
Filho do Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do
homem assentado direita do Todo-Poderoso (Sl 110.1)e vindo com as
nuvens do cu" (Dn 7.13)(Mc 14.61c-62)O sumo sacerdote pergunta
sobre a identidade entre Jesus e o Messias real predito, com uma
aluso a Salmos 2.7 e/ou a 2 Samuel 7.13 e s. Jesus responde
afirmativamente, mas passa a definir os ttulos "Messias" e "Filho
de Deus" sob aspectos do "Filho do homem". Ele se sujeita acusao de
blasfmia no ao afirmar que era o Messias, o que no judasmo no
constitua alegao blasfema, mas pela outra definio de seu
messianismo, combinando Daniel 7.13 e s. (o Filho do homem) com
Salmos 110.1 (o Senhor de Davi assentado direita de Deus).Embora os
processos de julgamento sejam bastante sintetizados pela tradio dos
sinpticos, eles refletem um debate bblico sobre a natureza das
reivindicaes messinicas de Jesus. De fato, para um veredicto
teolgico contra Jesus, tiveram de fazer perguntas de interpretao
bblica. Representam o clmax para o qual Marcos (ou melhor, a tradio
sinptica subjacente) havia preparado seus leitores:O "dono da
vinha" enviou seu "filho amado". "O mesmo Davi chama-lhe Senhor;
como, pois, ele seu filho?" "Ento vero o Filho do homem vir nas
nuvens, com grande poder e glria."A acusao de blasfmia no
julgamento totalmente compreensvel se o Sindrio entendeu que Jesus
havia interpretado Daniel 7.9-14 mediante Ezequiel 1.26 e ss. como
uma teofania aplicada a si mesmo e, assim, que havia afirmado sua
posio e seu papel divinos. A acusao implcita anterior (Mc 2) pode
explicar tambm a ordem expressa de vez em quando por Jesus para que
houvesse silncio sobre sua pessoa e obra. Nesse caso, evidentemente
a ordem era dada no porque seu messianismo fosse em certos aspectos
futuro (cf. Schweitzer) ou apoltico (por exemplo, Dunn),
caractersticas bastante incuas, mas pelo fato de envolver
prerrogativas divinas e uma manifestao de divindade que Jesus
revelaria a seu prprio modo em seu julgamento. A ordem na
transfigurao abordava explicitamente tal faceta de seu messianismo.
O mesmo verdade sobre o silenciamento dos demnios nos exorcismos,
conforme Wiliam Wrede corretamente observou:"Os demnios... tm esse
conhecimento [sobre Jesus]; o de seres sobrenaturais. E o objeto de
seu conhecimento igualmente sobrenatural; no o Jesus humano como
tal, mas o Jesus sobrenatural preparado com o pneuma o Filho de
Deus".Todos esses aspectos, vistos num conjunto, afirmam que "o
segredo messinico" da tradio sinptica, incluindo Marcos, no o
segredo de alguma caracterstica humana da pessoa do Messias, mas um
segredo de sua posio como "Filho de Deus", o segredo de sua
divindade.Assim, a acusao de blasfmia uma chave importante para
entender tanto o "segredo messinico" quanto o sentido do termo
Filho do homem, conforme Jesus revela em seu julgamento as conotaes
enigmticas anteriores do termo. Isso sugere que Daniel 7.13 e s.
era afirmado por Jesus e, assim, entendido por seus acusadores como
indicador da figura messinica "admica", aludindo ao salmo 8 e a
Gnesis 1.26 e ss., e a uma manifestao de Jav em Seu trono em
"figura semelhante a um homem", fazendo referncia a Ezequiel 1.26 e
a Gnesis 1.26 e s. Com esse entendimento, a acusao tem um
fundamento lgico na auto-identificao de Jesus com o Filho do homem,
em Daniel 7. Contudo, provavelmente no se baseava apenas nessa
afirmao, mas tambm, e talvez mais significativamente, na alegao de
Jesus de destruir e reconstruir o "santurio em trs dias".A acusao
pelas testemunhas no tribunal expressa em Marcos 15.48 da seguinte
forma:"Ns o ouvimos declarar: Eu destruirei este santurio(edificado
por mos cheiropoietos) e em trs dias construirei outro(no por mos
acheiropoietos)".A frase aparece em Mateus, Marcos e Joo, e
provavelmente pressuposta em Atos. No entanto, os relatos variam de
maneira considervel, sugerindo que cada um deriva (parcialmente) de
uma ou de mais tradies anteriores independentes. Isso se encaixa
perfeitamente com outros aspectos do julgamento, conforme veremos
abaixo, e h bons motivos para ser colocado ali historicamente.Tanto
em Mateus (26.59 e s.) quanto em Marcos (14.57), a acusao
representada como "testemunho falso", e Jesus reage com um silncio
neutro. As testemunhas entendem aquilo como uma referncia construo
do santurio de Jerusalm (naos); contudo, Marcos e talvez Mateus
restringem nitidamente essa compreenso. O texto levanta diversas
questes: qual era a forma original de referncia ao santurio? Em que
sentido o testemunho a esse respeito considerado "falso"? Qual o
significado dos termos "santurio", "construir" e "trs dias"?Nos
evangelhos, o templo de Jerusalm nunca objeto de qualquer ameaa por
parte de Jesus, embora ele o chame de "vossa casa", referindo-se
cidade que o rejeitou, e preveja que outros o destruiro. Ele jamais
expressa qualquer inteno de reconstruir tal santurio. Contra uma
interpretao tradicional desse texto, aqui o santurio (naos) no
alude predio de Jesus sobre o conjunto do templo (hieron), em
Marcos 13.2, conforme Eta Linnemann percebeu corretamente, ou a
qualquer outra afirmao de Jesus sobre o templo de Jerusalm. A
referncia ao santurio em Jerusalm parte da falsidade da alegao das
testemunhas que Marcos contrape com seus qualificadores "edificado
por mos humanas" e "no (construdo) por mos humanas". quase certo
que as expresses "edificado por mos humanas" e "no (construdo) por
mos humanas" no sejam originais do discurso de Jesus ou da acusao:
(1) esto ausentes de Mateus 26.61, que a esse respeito "mais
simples e original", da acusao subseqente em Marcos 15.29 e da
tradio joanina das palavras de Jesus, cuja forma R. Bultmann
considerou "relativamente original"; e (2) no contexto do
julgamento, as expresses no fazem muito sentido na boca das
testemunhas falsas e diminuem a fora da acusao. Muito
provavelmente, constituem um acrscimo editorial de Marcos para
extrair o sentido real da afirmao de Jesus e distinguir entre os
aspectos verdadeiros e os falsos da acusao.Na igreja
neotestamentria, Estvo o primeiro a associar "coisas feitas por mos
humanas" com o templo. Em seu discurso em Atos 7.48, ele inclui o
santurio entre as coisas "feitas por mos humanas". Mas, ao citar
Isaas 66.2, "a minha mo que fez todas estas cousas" (At 7.50), ele
amplia a referncia para aplic-la a toda a criao presente. Estvo
oferece assim o fundamento exegtico para outros empregos da
expresso "feito por mos humanas"/"no feito por mos humanas" nas
misses helensticas, com referncia s realidades de criao presente e
criao ressurreta, era presente e era escatolgica, antiga aliana e
nova aliana, respectivamente. Com esse entendimento, em 2 Corntios
5.1 Paulo pode contrastar "a casa terrestre" (he epigeios oikia)
com "da parte de Deus um edifcio, casa no feita por mos", isto , a
criao presente em Ado com a criao ressurreta incorporada no Cristo
exaltado. Ou, em Efsios e Colossenses, ele pode contrastar a
circunciso da antiga aliana "por mos humanas" com a circunciso "no
por intermdio de mos", explicada como a identificao comunitria do
fiel com a morte e a ressurreio de Cristo. Semelhantemente, Hebreus
(9.11,24) explica a expresso "no feito por mos" como "no desta
criao" e descreve a exaltao do Cristo ressurreto como a entrada nos
lugares santos (hagia), isto , o santurio "no feito por mos", no
cu. Diante desse contexto, as expresses "feito por mos humanas" e
"no feito por mos humanas" tm um emprego muito bem definido dentro
das misses dos helenistas cristos. Eles se referem respectivamente
criao presente e criao da ressurreio, sendo esta ltima s vezes
expressa em termos da ressurreio de Cristo e outras vezes como sua
identificao ou associao com o templo escatolgico.A orao
"construirei outro [santurio]" (Mc 14.58) pode ser uma citao errada
de um discurso de Jesus feita pelas testemunhas. De acordo com
algumas tradies judaicas, o Messias deveria construir um novo
templo; segundo outras, era Deus quem o faria. Entretanto, nas
palavras de Jesus, o mesmo santurio que destrudo e reconstrudo,
como mostram os paralelos:"... tu que destris o santurio e em trs
dias o reedificas!" (Mc 15.29);"Posso destruir o santurio de Deus e
reedific-lo em trs dias" (Mt 26.61); e "Destru este santurio, e em
trs dias o reconstruirei" (Jo 2.19).A identificao do santurio
destrudo com o reedificado exclui outra interpretao tradicional que
associa o templo destrudo com o sistema religioso judaico e o
templo reedificado com a igreja, embora esse ponto de vista
aproxime-se do significado das palavras de Jesus interpretadas por
Marcos.Creio que a pista decisiva para o significado pretendido por
Jesus so as palavras "em trs dias". Segundo o comentrio de Donald
Juel, "parece duvidoso que a expresso seja uma referncia ressurreio
[de Jesus]". Considerando-se o uso de tal expresso ou de seu
equivalente anterior em Marcos, pode-se falar de maneira mais
incisiva: "em trs dias" aponta para a ressurreio de Jesus. Diante
de outros usos de acheiropoietos nas misses helensticas para aludir
nova criao surgida com a ressurreio de Cristo, o santurio "no
[feito] por mos humanas", em Marcos 14.58, confirma esse
entendimento da expresso "em trs dias".Marcos, ento, usa o santurio
destrudo e reedificado em trs dias para referir-se ao corpo de
Jesus. Nesse sentido, concorda com a interpretao mais explcita em
Joo 2.21 e com a referncia mais alusiva encontrada em Mateus, uma
meno de Jesus como "o santurio de Deus". Ele preparou seus leitores
para essa identificao pelo midrash sobre os lavradores maus, em que
Jesus identifica-se com a pedra rejeitada que se torna a pedra
angular do templo escatolgico.Teologicamente mais significativo o
fato de Marcos atribuir a Jesus a alegao de ressuscitar dos mortos
"em trs dias", uma alegao de divindade que dificilmente poderia ser
feita de maneira mais forte. Se o sumo sacerdote tambm suspeitasse
de que tal alegao estava implcita quando Jesus falou do santurio,
compreensvel que ele considerasse essa afirmao, tanto quanto a
alegao de ser o "Filho do homem", como motivo suficiente para a
acusao de blasfmia de que Jesus era culpado. A cristologia da
divindade insinuada no perdo de pecados que Jesus realizou em Seu
prprio nome, em Marcos 2, torna-se explcita no julgamento, ao
identificar-se com o Filho do homem, de Daniel 7, e, talvez mais
ofensivamente, tambm em sua alegao velada de ressuscitar dos
mortos.Marcos alude divindade de Jesus em contextos diferentes de
14.58. Em harmonia com o episdio pr-sinptico de "Jesus e Joo
Batista", ele comea citando Isaas 40.3 (1.2) e termina com menes de
Salmos 2.7 e Isaas 42.1 (1.11). possvel que Marcos 1.2,11 sejam
testimonia selecionadas dos midrashim anteriores em que a
compreenso cristolgica de tais passagens foi elaborada. Ao contrrio
de Mateus e Lucas, Marcos 1.2 une Isaas 40.3 com uma referncia
implcita vinda de Deus "ao seu templo" (Ml 3.1):"Eis a envio diante
da tua face [isto , a do Filho de Deus] o meu mensageiro, o qual
preparar o teu caminho; voz do que clama no deserto: Preparai o
caminho do Senhor (kuriou), endireitai as suas veredas".A aluso de
Marcos vinda do Senhor a seu templo no se refere, afirmo, ao templo
herodiano, mas sua moradia encarnada em Jesus, o Filho do homem, e
prepara o leitor perspicaz para a tipologia do santurio que ser
desenvolvida posteriormente no evangelho. Marcos est bem consciente
de que os textos hebraicos referem-se vinda do Senhor como redentor
(Is 40.3) e juiz (Ml 3.1) de Israel, e nessa percepo ele os expe
para fazer uma identificao cum distino de Iav com Jesus Cristo, o
Filho de Deus (Mc 1.1).O evangelista usa tambm os milagres de Jesus
para apresent-lo como aquele que, por sua palavra soberana,
controla a natureza (4.35-41; 6.45-52), confere vida aos mortos
(5.21-42), cria a matria (6.32-44; 8.1-10) e decreta a morte (11.12
e ss., 20-25). Embora, ao contrrio de Joo, ele no chame tais fatos
de "sinais", fica claro que, no menos que Joo, Marcos os considera
indicadores de Jesus como aquele que por sua prpria autoridade
manifesta poderes exclusivos de Deus.Obviamente, a apresentao que
Marcos faz de Jesus como Deus velada, como a do prprio Senhor, e
representa apenas um aspecto da realidade de mltiplo esplendor da
pessoa singular de nosso Senhor. Est de acordo com a cristologia de
outros escritores neotestamentrios e com o monotesmo impreciso do
Antigo Testamento, em que Deus visto como uma unidade na
pluralidade. Contudo, isso levanta um problema para os que definem
o monotesmo em categorias unitrias (posteriores) e, ento, lem essa
definio dentro do judasmo pr-cristo.A complexidade da doutrina da
pessoa de Jesus Cristo no Novo Testamento fica evidente a partir de
trs sculos de exegese e de discusses patrsticas e, pessoalmente,
com base em meu prprio arianismo durante o perodo universitrio.
Entretanto, no reavivamento do sentimento unitrio em alguma
teologia contempornea, semelhante do sculo XVIII, pode ser
proveitoso recordar alguns textos bblicos e a exposio que desviou a
igreja de tais concluses e levou-a para a afirmao do Deus
trinitrio: Pai, Filho e Esprito Santo.
SER TELOGO NO TERCEIRO MUNDO
Richard J. Sturz
Richard Julius Sturz, Th.M., com vrios estudos doutorais, foi
professor titular da diviso de Teologia Sistemtica da Faculdade
Teolgica Batista de So Paulo, sendo conhecido como autor e
conferencista no Brasil.
INTRODUONem todos so telogos. Poder-se-ia acrescentar tambm,
jocosamente, que nem todos os telogos "profissionais" so
verdadeiramente telogos. Para complicar ainda mais a situao, a
tarefa de fazer teologia em um contexto transcultural bem diferente
de trabalhar dentro do prprio contexto. No pude deixar de sorrir
quando o editor de uma recente compilao de artigos sobre justificao
sentiu-se forado a observar que alguns colaboradores do Terceiro
Mundo no eram to rigorosos quanto os do Primeiro Mundo. Ele poderia
muito bem ter acrescentado, caso lhe tivesse ocorrido, que os
telogos do Primeiro Mundo tendem a ser bem mais paroquianos do que
os do Terceiro Mundo! A diferena que muitas vezes eles no esto
conscientes de seus horizontes limitados.Voltemos primeira afirmao:
"nem todos so telogos". um ponto discutvel, independentemente de
todos ns sermos ou no de alguma forma telogos. Assim como qualquer
pessoa que reflita sobre as peculiaridades da vida um filsofo, do
mesmo modo qualquer indivduo que medite sobre as questes de Deus,
justia e sofrimento , em certo sentido, um telogo. A reflexo sobre
os grandes tpicos da vida faz com que tanto o homem do povo quanto
o catedrtico se tornem telogos. Obviamente, um talvez seja mais
"rigoroso" do que o outro, mas talvez no esteja necessariamente
mais prximo da verdade. Portanto, os que estudam apenas as matrias
"prticas" no seminrio no escapam com isso da teologia nem deixam de
ser telogos.Poucos telogos do Atlntico Norte tm a oportunidade de
refletir sobre essas questes e sobre suas implicaes em aspectos de
uma cultura diferente da sua. E o pastor-telogo de uma pequena
igreja brasileira pode muito bem sofrer limitaes semelhantes. Isso
lamentvel, visto que muitas vezes nem o telogo profissional
consegue distinguir os elementos meramente culturais dos
essenciais. to fcil identificar a verdade com a perspectiva pessoal
em relao vida! esse vnculo com a cultura que faz surgir propostas
to efmeras quanto a do movimento "Deus Est Morto". A Teologia da
Libertao tambm sofre de tal miopia. O papel positivo do contexto
ser discutido abaixo.Ser que sou um telogo? Se o homem do povo um
telogo porque reflete sobre Deus, ento certamente sou um, pois h
muitos anos venho meditando sobre as questes profundas da vida e
sobre as respostas que as Escrituras e a realidade brasileira do
sculo XX apresentam. Isso basta? No, mas um comeo.Mas, ser que sou
um telogo? Morei 42 anos no Brasil, em 24 dos quais tive o
privilgio de ensinar teologia na Faculdade Teolgica Batista de So
Paulo. Desde o final da dcada de 70, a mdia de matrculas na
faculdade tem ultrapassado 400 alunos. Alm de ensinar os dois anos
de Teologia Sistemtica, ministrei cursos de Teologia Bblica e de
Teologia Histrica. Ao longo dos anos, tambm ensinei matrias
complementares de Filosofia e de Histria Eclesistica. Alm disso,
claro, havia os cursos ministrados no programa de mestrado, os
quais permitiam uma anlise e uma discusso mais profundas dos temas
teolgicos.
SER TELOGO EM SO PAULOSo Paulo no Pasadena, muito menos
Cambridge. A cidade bem maior, claro. E o nmero de escolas
teolgicas muito superior. Hoje h outras, mas em 1985 j existiam 20
escolas de teologia protestantes em So Paulo, com um total de
matrculas de aproximadamente 4 mil seminaristas. Contudo, nenhuma
possua os mesmos recursos de bibliotecas da maioria dos seminrios
nos Estados Unidos. Na poca, a biblioteca da faculdade batista, uma
das melhores, contava com cerca de apenas 20 mil volumes, e a
quantidade de revistas religiosas era ainda inferior. Quase nenhuma
instituio tinha mais do que alguns poucos peridicos recebidos
regularmente.Com pouqussimas excees, o seminarista l apenas os
captulos determinados pelos professores. O restante dos livros
permanece simplesmente como um "pano de fundo", devido absoluta
falta de tempo. Quando se forma e inicia o pastorado, com excees
ainda mais raras, o pastor-telogo fica praticamente isolado pelo
tempo e pela distncia do aprendizado acumulado nas bibliotecas
teolgicas.Ento, como se faz teologia no Terceiro Mundo?Em primeiro
lugar, o indivduo monta sua prpria biblioteca nas reas em que
deseja aprofundar-se. Quando conversei acerca desse problema com
minha mentora no Claremont University Center, ela teve dificuldades
para compreender o problema. Quaisquer livros que ela considerasse
necessrios para si mesma ou para o curso eram simplesmente includos
na lista de compras da biblioteca. Ela nem pensaria em adquiri-los
para uso pessoal. No caso do telogo terceiromundista, dificilmente
existe outra alternativa. H quase um vcuo dentro do raio de seu
ministrio. Entretanto, ao comprar os livros para si, o telogo
imediatamente percebe como so caros. E como difcil carreg-los
consigo! Eu tenho alguns amigos missionrios que se mudavam com
freqncia devido s alteraes no ministrio. E, cada vez que viajavam,
eles se desfaziam de mais livros!Conseqentemente, o telogo
terceiromundista tende a depender de livros mais antigos e em menor
quantidade. Ora, bvio que ser mais novo no significa
necessariamente ser mais profundo ou verdadeiro. Mas, ento, o mais
antigo pode muito bem levar o telogo a involuntariamente debater-se
com questes que j no so discutidas e a omitir os pontos cruciais de
seus prprios dias. Descobri que a vantagem dos livros mais antigos
encontra-se na minuciosidade com que discutem os assuntos
teolgicos. Nas ltimas duas dcadas, a economia do Brasil tem sido to
catica que poucas pessoas conseguem escrever livros srios, muito
menos vend-los. Em segundo lugar, percebi que uma forma de
contornar tal impasse era o intercmbio constante com colegas que no
estavam na mesma situao. Em So Paulo, isso significava tornar-se
ntimo dos liberais nas reunies da ASTE (Associao de Seminrios
Teolgicos Evanglicos), lendo suas publicaes e assistindo s
palestras dos telogos que a associao oferecia. Assim, pude ouvir e
interagir com homens como Jurgen Moltmann, Harvey Cox, Hugo Assmann
etc. Antes da mudana de currculo na faculdade (1970), muitas vezes
eu levava minha classe inteira para ouvir as conferncias de tais
telogos. Na aula seguinte, ento, eu analisava as palestras. Mesmo
tendo uma biblioteca apropriada, aquele que deseja refletir
seriamente sobre Deus e sobre Sua Palavra deve trocar idias com os
que tm outras convices. Em terceiro lugar, deve-se pensar no
contexto em que se est trabalhando. Se teologia vida, ento uma vida
vivida em situaes concretas. Os rigores da lgica acadmica e da
exegese tm de ser explicitados por uma compreenso do povo com o
qual o telogo atua. Assim, deve-se ler e repetir a teologia do
Primeiro Mundo, considerando-se a estrutura de pensamento e a
realidade daqueles a quem o telogo se dirige. Certos aspectos da
teologia poltica europia foram cruciais no desenvolvimento da
Teologia da Libertao. Por outro lado, as teologias existencialista
e do processo desapareceram sem deixar vestgios. Nenhuma delas
parecia se pronunciar sobre a situao do Brasil. Por conseguinte, o
candidato a telogo no Terceiro Mundo precisa registrar seu curso
com cuidado entre o Cila de uma teologia aculturada no Atlntico
Norte e o Carbdis do sincretismo originrio de tentativas ingnuas de
contextualizao. S imergindo na cultura anfitri o missionrio
emigrante pode sentir a diferena entre o que verdadeiramente
contextual e o que vai alm, que chega ao sincretismo. Para o
pastor-telogo, o problema muitas vezes idntico. Ele deve peneirar
os elementos culturais estrangeiros na teologia que lhe foi
ensinada, mas no apenas para substitu-los por outros nutridos na
cultura local. Isso no o colocaria mais perto da Verdade; e ele
estaria correndo o grande risco de um evangelho sincretista que
Paulo diz no ser evangelho (Gl 1.69). A lngua o veculo que mais
claramente transmite o contexto. Se no for profundamente
compreendida, a cultura tambm permanecer alm do entendimento.
Devem-se aprender o esprito da lngua e as grias. Estes, junto com
as nuanas verbais presentes no idioma, exibem o carter nacional. At
que o emigrante consiga usar essas chaves lingsticas, ele no obter
acesso aos meios da teologia contextualizada. Nesse ponto, o
pastor-telogo aparentemente possui uma grande vantagem, visto que
fala portugus desde a mais tenra idade. Contudo, poucos do-se ao
trabalho de analisar profundamente as variaes de sua lngua materna.
Alm do idioma, tanto o pastor-telogo quanto o missionrio devem
estudar histria. O Brasil s ser compreendido em suas diferenas da
Amrica Latina hispnica quando for visto sob a tica do bero da
antigidade romana, da influncia afro-muulmana na Idade Mdia, da
conquista portuguesa acompanhada pelo catolicismo anterior Reforma
e do subseqente trfico de escravos africanos. Evidentemente, no
apenas a lngua que separa o Brasil do restante da Amrica Latina.
lamentvel que poucos levem a srio o estudo do passado, pois, sem
compreender nossas origens culturais, no temos como captar o
significado do presente ou a direo do futuro. De qualquer maneira,
sou grato porque ao longo de 17 anos exerci vrios tipos de
ministrio no Brasil, nas regies nordeste e centro-sul, antes de
comear o magistrio na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo.
Durante esses anos, realizei obras evangelsticas no serto, ensinei
em um pequeno instituto bblico e fui secretrio executivo da CLEB
(organizao de editores e livreiros). Alm da oportunidade de
ministrar, esses anos deram-me conhecimento das vrias subculturas
brasileiras. Foi tambm um perodo em que desenvolvi minhas
habilidades lingsticas e, atravs da leitura, o fundamento filosfico
para as aulas que ministraria posteriormente. At onde fui capaz de
assimilar os pontos-chave culturais acima descritos e de adaptar a
eles minha pessoa e a mensagem do evangelho algo que ter de ser
julgado pelos ex-alunos e colegas.
A MENSAGEM DO TELOGOA meu ver, a tarefa compe-se de dois
elementos essenciais: a mensagem e a misso. O primeiro tem que ver
com a comunicao da verdade revelada; o segundo, com a formao do
carter e do pensamento dos seus alunos.Ento, qual a mensagem a ser
transmitida? bvio que no consiste exatamente no que foi aprendido
na igreja ou no seminrio. Sim, seria de esperar que houvesse muito
em comum entre a tradio assimilada e a mensagem a ser transmitida.
Mas elas no so idnticas. Assim, a questo nesse ponto no tanto o
contedo da mensagem em si, mas o processo pelo qual se deve chegar
verdade.Eis um exemplo simples de como o contexto abriu as portas
para novas nfases totalmente ignoradas antes de minha chegada ao
Brasil, em 1949. Naquela poca, "os pobres" representavam para mim
um conceito abstrato que tinha muito pouco ou nada que ver com a
teologia. No me recordo de t-los "visto" alguma vez; e meus estudos
no seminrio no se concentravam, em absoluto, no cuidado de Deus por
eles. Isso, apesar de um estudo minucioso sobre Ams! No Brasil,
porm, os pobres so ubquos. Descobri que a Bblia tem muito a dizer
acerca dos pobres, embora nem sempre seja o que os telogos da
libertao alegam encontrar ali. Em suma, fora possvel fazer teologia
em um contexto do Atlntico Norte, falando-se muito pouco sobre os
pobres.O telogo busca a verdade. De sbito a indagao de Pilatos "que
a verdade?" (Jo 18.38) torna-se muito pertinente para o assunto em
questo. No quero de forma alguma deixar dvidas de que para mim
existe a verdade proposicional. E essa verdade constitui a base do
evangelho. A grande luta com a Teologia da Libertao consiste em
haver ou no a verdade absoluta. Enfatizando-se a prxis da
comunidade (e. g., J. L. Segundo, The Liberation of Theology, e
Alszeghy e Flick, Como se faz teologia), a mensagem bblica passa a
ser secundria e totalmente relativa. O problema que os telogos
modificaram a verdade, ao acrescentar muito do que cultural e
filosfico. Junto com isso, erros bem simples foram inseridos no
ensino das igrejas. O que pior, tudo isso vem a ser apresentado
como evangelho.Logo, em que consiste o processo pelo qual o telogo
deve alcanar a mensagem a ser comunicada? J observamos a
necessidade de estar totalmente imerso no contexto sob aspectos de
cultura, de lngua e de histria. Ao fazer isso, o telogo adquire as
ferramentas com as quais sero desenvolvidas as percepes crticas,
permitindo a avaliao tanto do contexto original de onde o telogo
veio quanto daquele no qual trabalha. Infelizmente, muitos nunca
usam o contexto de maneira crtica. Para desenvolver a mensagem,
precisa-se de trs ferramentas indispensveis: a experincia
transcultural, a autoridade da Bblia e as pressuposies filosficas.A
experincia transcultural ajuda o pastor-telogo a distinguir entre o
perifrico e o essencial na mensagem. Os muitos acrscimos culturais
feitos ao evangelho desde os primeiros sculos cristos foram
incorporados tradio sagrada a tal ponto que apenas a experincia
transcultural alerta o estudioso sobre sua presena. Ao lidar com
isso, ele deve tambm percorrer o caminho rduo entre um sincretismo
inaceitvel e uma contextualizao necessria cultura terceiromundista
em que ministra.Junto com as percepes adquiridas pela experincia
transcultural, h outras que surgem das prprias Escrituras. Aqui, o
problema duplo. Em primeiro lugar, o telogo entende a Bblia como
detentora da ltima palavra ou como apenas secundria prxis
(experincia) da comunidade? A resposta, que deve ser bvia entre os
evanglicos, no fcil. Quantas vezes obrigou-se que a Palavra
dissesse o que nossas tradies nos ensinaram, em vez de ser juiz
sobre elas! O segundo problema emana da prpria natureza das
Escrituras. Com base no fato de que a revelao foi dada em um
contexto cultural especfico, o telogo deve julgar at que ponto,
caso isso tenha acontecido, adaptou-se a revelao ao contexto em que
se manifestou. A questo deve ser analisada com muito cuidado. No se
pode negar que o contexto influenciou a forma da mensagem. Por
outro lado, preciso atentar para o fato de que tal reconhecimento
no leva relativizao de seu contedo.Isso nos leva ao ltimo conjunto
de ferramentas necessrias para fazer teologia no Terceiro Mundo.
Estas tm natureza filosfica e relacionam-se com a anlise crtica da
verdade. Toda teologia comea com pressuposies filosficas. Alguns
telogos da libertao ingenuamente declaram que sua dependncia de um
ponto de partida sociolgico tornou sua teologia "cientfica" e,
assim, libertou-os de pressuposies filosficas. Isso difcil. As
implicaes marxistas de sua anlise demonstram claramente que sua
abordagem filosfica domina seu entendimento tanto da sociedade
quanto das Escrituras. Por outro lado, muitos supostos telogos
evanglicos no se do ao trabalho de compreender seu prprio ponto de
partida filosfico. Fingem no ter nenhum e simplesmente vo direto s
Escrituras para entender e ensinar a mensagem revelada. Na verdade,
eles so to ingnuos quanto os outros.No meu caso, procurei
desfazer-me das pressuposies do Atlntico Norte, desenvolvendo meu
ensino a partir de uma base com quatro ngulos. Os quatro elementos
consistem em: Escrituras, a tradio eclesistica, a filosofia e a
experincia. Cada um deles vai ao encontro dos outros e os
interpreta. O sola scriptura s vlido no sentido derradeiro. Na
verdade, cada um de ns aborda a Palavra com a bagagem que adquiriu
em sua experincia pessoal e eclesistica, e tambm com o entendimento
da realidade que o prprio contexto nos impe. Eis por que, embora
Lutero, Zunglio, Calvino e Menno Simons concordassem em relao ao
conceito da sola scriptura, eles no conseguiram entrar em acordo
sobre a interpretao do texto sagrado.Descobri que a cristologia uma
ferramenta til para superar a atrao gravitacional de cada um dos
elementos da base qudrupla mencionada acima. A tradio eclesistica,
a filosofia, a experincia e at as Escrituras devem permanecer sob o
julgamento de Jesus Cristo, conforme revelado no texto sagrado.
Mais uma vez, s meus alunos podero dizer se usei com eficincia essa
base. Essa abordagem no nova para mim. Lutero e Karl Barth, para
citar dois telogos famosos, desenvolveram seu entendimento da
verdade bblica a partir de pontos de partida cristolgicos.
A MISSO DO TELOGOChegar verdade teolgica contextualizada,
entretanto, somente o primeiro passo para ser um pastor-telogo. A
comunicao dessa verdade e a formao do carter e do pensamento de
seus alunos so necessrias para completar o processo.No Brasil de
hoje, no h lugar para uma teologia puramente acadmica. "Publique ou
perea" um conceito do Primeiro Mundo desconhecido aqui, bem como a
idia de que um mestre pode passar a maior parte do tempo escrevendo
em seu gabinete, vindo a ensinar apenas uma disciplina de vez em
quando. Tambm um sonho impossvel um telogo terceiromundista
dedicar-se elaborao de um sistema teolgico novo. At mesmo a
Teologia da Libertao foi em grande parte criada na Europa por
latinos que estavam fazendo ali seus estudos de doutorado em
teologia. E, conforme Malachi Martin demonstra em The Jesuits
(1987), sua essncia foi formada por telogos polticos europeus.E
ento? A misso do telogo essencialmente produzir duas espcies de
resultado: o tipo de estudante que formar e a qualidade de pessoas
que eles sero. Quanto ao primeiro, ele poder imaginar eruditos
intelectualmente preparados, capazes de escrever e de ensinar nos
mais altos nveis acadmicos.Por fim, tais estudiosos seriam capazes
de substitu-lo como professor, supondo que o Brasil vir a resolver
seus problemas econmicos e as igrejas podero e estaro dispostas a
sustentar acadmicos altamente qualificados. No momento atual, os
seminrios no tm meios de comprometer-se com o sustento de mais do
que um pequeno grupo de professores brasileiros. Apesar dessa grave
limitao, quase 10% dos formados na Faculdade Teolgica Batista de So
Paulo esto ensinando ou administrando instituies teolgicas no
Brasil.O papel do professor de seminrio no Brasil muitas vezes
limita-se preparao de pastores para o nmero de igrejas cada vez
maior. De fato, durante os 24 anos em que ministrei na faculdade,
nunca conseguimos formar homens em quantidade suficiente para
encher os plpitos que os aguardavam. Embora tenhamos formado mais
de 500 ao longo daqueles anos, as igrejas constantemente fundavam
outras em maior nmero do que a quantidade de homens que podamos
formar. Louvado seja o Senhor! Assim, necessrio que o mestre pense
em "pastor" ou "missionrio" quando prepara e entrega seus sermes.
Do contrrio, deixar de proporcionar o mximo de contribuio que pode
dar. Contudo, para o "telogo" no fcil concentrar-se nesse nvel de
estudante e prepar-lo eficazmente para o ministrio. J fui acusado
de dedicar-me particularmente ao pequeno grupo de melhores alunos
de determinada classe e deixar que o restante fosse carregado para
um destino qualquer. Embora essa nunca tivesse sido minha inteno,
receio que subconscientemente essa pode ter sido a direo que tomei.
Observamos o tipo de estudante que o professor de teologia busca
formar. Agora, vejamos a qualidade de pessoa que ele espera criar.
Aqui, o maior perigo encontra-se no conceito de preparar algum
"para assumir meu lugar". Isso resulta em uma imposio inconsciente
de nossa prpria teologia e tambm de nossos planos pessoais. A
conseqncia final pode ser a produo de "clones". Jesus era
totalmente contra esse projeto (Mt 23.15). Receio que alguns de ns,
pertencentes velha escola, tenhamos buscado preparar mais a mente
do que o corao. Temos enfatizado o que o estudante deve conhecer,
em oposio ao que ele deve ser. Alm do "conhecer" e "ser",
obviamente h o "fazer". Cada um de ns diferente na rea visada. Sei
que h alguns que tentam desenvolver o "ser" e o "fazer", mas temo
que ao longo dos anos de magistrio tenha dado mais nfase ao
"conhecer". Durante todo esse tempo, eu sabia que estava resistindo
s tendncias culturais. Mas no lamento esse enfoque no conhecimento
da verdade revelada na Palavra. A abordagem subjetiva do conhecer
(baseada no sentimento, no no contedo) tornava-se cada vez mais a
norma, medida que a mudana de 1964 nas leis educacionais
implementava-se plenamente. Que frustrao! Afinal, o evangelho mais
do que sentimento, f e obedincia; conhecimento dEle e de Sua
revelao. Quanto ao lado do "fazer", meu ensino trazia uma nfase
quase nica na faculdade: insistir para que o estudante aprendesse a
pensar por si mesmo. Essa tambm foi uma batalha penosa, pois
chocava-se com todos os antecedentes educacionais do aluno.
Provavelmente constituiu a tarefa mais difcil na qual me empenhei
e, nos poucos casos em que "funcionou", a mais gratificante. Foi
uma das coisas que os antigos alunos me agradeceram. E qualquer
pessoa que busque formar pensadores cristos deve analisar como
poder transmitir essa ferramenta bsica.
TRS JUSTIFICAES PESSOAISDificilmente pode-se generalizar a
partir da prpria experincia. Minha prtica limitou-se basicamente ao
Brasil, embora eu tenha mantido amplo contato com colegas em todo o
restante da Amrica Latina. Assim, dificilmente eu ousaria falar
sobre o que significa ser um telogo missionrio no sentido geral.
Algumas coisas acabam por ser idnticas; outras, muito diferentes.
Descobri que isso era verdade quando alguns colegas que trabalhavam
na Amrica hispnica tentaram fazer afirmaes genricas com relao
Amrica Latina, incluindo o Brasil. De fato, a "Amrica Latina" uma
abstrao na verdade inexistente. O que existe so argentinos,
bolivianos, cubanos, mexicanos etc. Cada um culturalmente diverso
dos outros, embora todos compartilhem a mesma lngua.Em segundo
lugar, poder-se-ia perguntar se sou um telogo. De que maneira se
define tal indivduo? Normalmente, pensamos nele como uma pessoa que
ocupa a cadeira de teologia em um seminrio. Consideramo-lo uma
autoridade reconhecida no ensino cristo, algum que produziu algo
"novo" na rea da doutrina. Mas, alm disso, um telogo tambm um
indivduo com certos graus e que publicou livros sobre teologia.
Nesses sentidos, eu ainda no sou um deles. Por diversas razes,
irrelevantes aqui, eu no completei meu programa de doutorado. S
agora minha opus magnus est na iminncia de ser escrita. Talvez eu a
faa algum dia.No entanto, como mencionei no incio, qualquer pessoa
que reflita sobre as grandes questes da vida , em certo sentido, um
telogo. Obviamente, alguns esto mais bem equipados que outros. H
quem v direto aos pontos essenciais. Outros certamente so mais
bblicos. Depois, claro, existe o problema de comunicar os
resultados da meditao sobre tais questes.Em terceiro lugar, um
telogo, no sentido tcnico da palavra, precisa de alguma forma ser
original. No basta ter seguido as convices de outros indivduos. Ele
deve torn-las suas e criar, a partir de sua situao, uma abordagem
que se encaixe em seu tempo e lugar na histria. Tal enfoque deve
capacit-lo a comunicar a verdade eterna de modo temporal.
Evidentemente, ningum original em absoluto. Para ser cristo, todo
sistema deve basear-se em dois mil anos de iniciativas teolgicas.No
alego ser original nem em abordagem nem em concluses. Fui
influenciado por inmeros autores, mais por alguns do que por
outros. At a leitura mais superficial de minhas convices revelar a
influncia dominante tanto de Calvino quanto de meus antepassados
batistas. Entre os autores que exerceram a influncia formadora mais
consciente esto os seguintes:De Karl Barth, a insistncia em uma
teologia cristocntrica. Naturalmente, ele a herdou de Lutero e dos
outros reformadores. Dele, tambm, a idia de que a teologia deve ser
eclesistica, isto , escrita dentro de uma tradio eclesistica
especfica e para ela (C. D., I, 1). A teologia deve ao mesmo tempo
afirmar e criticar a igreja qual o telogo se dirige. A teologia
acadmica (no relacionada igreja) est morta. Para viver, deve
pronunciar-se dentro do Corpo e para o Corpo.Assim, a anlise
histrica que sempre determinou minha abordagem das questes
teolgicas pode ter sido assimilada durante meus estudos
universitrios. Qualquer que tenha sido a poca em que isso ocorreu,
tornou-se um elemento essencial em meu enfoque da teologia. Em todo
curso ministrado, eu sempre ressaltei as alternativas histricas.
Estas consistem nas interpretaes viveis adotadas concretamente por
algum grupo de cristos. Isso me afastou de possibilidades abstratas
que podem ou no fazer parte de um sistema de crena possvel. Tambm
impediu que eu buscasse solues subjetivas ou contextualizadas
alheias vida da igreja.A obra How to Read a Book, de Mortimer J.
Adler, foi extremamente til tanto na questo da interpretao
(hermenutica) quanto para ensinar os alunos a pensar por si mesmos.
Na verdade, esse livro foi mais proveitoso ao ensinar-me a pensar
de maneira crtica (publicado em lngua portuguesa em uma edio
revista por Charles Van Doren intitulada Como Ler um Livro, Agir
Editora).O livro The Social Teaching of the Churches ("O Ensino
Social das Igrejas"), de Ernst Troeltsch, capacitou-me a avaliar
por que a teologia americana tende a separar a igreja do estado,
enquanto as europias integram na sociedade as igrejas e sua misso.
A primeira enfatiza a necessidade de uma experincia pessoal com
Cristo; a ltima, a unidade entre cristianismo e cultura. A distino
crucial em qualquer tentativa de entender as diferenas entre os que
do precedncia s implicaes sociais do evangelho e aqueles que fazem
da evangelizao sua prioridade mxima.O realismo crtico moderado de
Auguste Lecerf (An Introduction to Reformed Dogmatics)
proporcionou-me um fundamento filosfico que se conformaria s
pressuposies dos autores bblicos e que seria uma estrutura razovel
para o sculo XX. Isso respondia adequadamente s objees do
relativismo neokantista e do idealismo subjetivo.
CONCLUSOEsta discusso fez-nos divagar. Embora eu tenha procurado
abordar a questo de ser um telogo no Terceiro Mundo a partir de uma
perspectiva genrica, acabei por basear-me principalmente em minha
prpria experincia. Aqui, no final, h diversas idias que precisam
ser relacionadas.Em primeiro lugar e acima de tudo est o conceito
de que em certo sentido todos ns somos telogos. Mesmo havendo os
chamados telogos "profissionais", os quais tm o aprendizado e os
dons para trabalhar nessa rea, qualquer pessoa que reflita sobre
Deus e sobre Sua relao com o homem de alguma forma um telogo.
Naturalmente, alguns faro isso melhor do que outros. Todos ns,
mesmo os profissionais, temos fraquezas e preconceitos. H quem
possua treinamento e bibliotecas melhores; outros tm o dom do
discernimento, o qual permite que apontem o problema com seu dedo
teolgico. Nenhum de ns est totalmente livre dos vnculos de nosso
prprio contexto. Portanto, todos devemos ter conscincia de nossas
fraquezas, aprimorar nossas habilidades e ampliar nosso
conhecimento, de forma que possamos cumprir melhor essa tarefa.Em
segundo lugar, temos de lembrar que no se faz teologia em um
gabinete. Ningum pode comear de um rabisco. Nem possvel ser
original tentando furtar-se ao passado da igreja. Todos ns, mesmo
os mais criativos, dependemos dos que refletiram sobre a f crist e
a pregaram antes de ns. Nenhuma teologia "totalmente nova" consegue
ser muito crist. Nem se pode retornar completamente forma de f do
Novo Testamento, embora devamos buscar constantemente a base bblica
para nossa f.Todavia, tendo afirmado a necessidade de permanecer
dentro da histria, em terceiro lugar o telogo deve aprender a
pensar alm dos casos individuais e a passar para princpios
universais. Na segunda metade do sculo XX, tm-se elaborado muitas
teologias com base em reaes subjetivas a casos individuais. Estes
so vvidos, mas no indicam necessariamente a verdade eterna. O
objetivo deve ser o amplo quadro que abrange o todo da revelao e o
contexto inteiro. Este ltimo mantm a teologia relevante; o primeiro
a capacita a esquivar-se do sincretismo.Em quarto lugar, a misso do
telogo sempre a comunicao. E a proclamao feita no plpito sempre
teologia. Pode ser uma teologia muito pobre! Mas, toda declarao
sobre Deus e sobre o relacionamento do homem com ele teologia! S se
consegue evitar essa tarefa confinando-se no silncio. Deve-se
meditar sobre as grandes questes da vida. Deve-se falar acerca
delas. Na graa de Deus, possamos pensar antes de falar. Possamos
sempre falar para a glria maior de Deus!
A PROFUNDIDADE E OS LIMITES DA EXPERINCIA CRIST
Alan B. Pieratt
Alan B. Pieratt, Ph.D., missionrio da C. B. International, mesma
misso do Dr. Shedd, professor de Teologia Sistemtica na Faculdade
Teolgica Batista de So Paulo.
"Em grande parte, a verdadeira religio consiste em
sentimentos."Jonathan Edwards.
Com essas palavras, Jonathan Edwards, renomado estudioso dos
fenmenos associados aos avivamentos religiosos, desafiou-nos a
ponderar com mais cuidado sobre a natureza e o lugar das emoes na
experincia crist. Entre os telogos cristos, o que tem recebido a
maior parte da ateno a doutrina, no os sentimentos. Em discusses de
temas teolgicos importantes, raramente incluem-se os sentimentos.
Pense, por exemplo, no conceito cristo de Deus. At h bem pouco
tempo, nenhum telogo se referia a Deus como se ele tivesse emoes.
Isso no seria visto com bons olhos, por ser muito antropomrfico. O
mtodo correto era conceber Deus exclusivamente sob aspectos de
atributos como razo, propsito, vontade, poder e personalidade (como
se esses elementos no fossem conceitos antropomrficos), atributos
esses que podem ser racionalizados pelo intelecto, mediante definio
e anlise.O modo certo de pensar recebeu grande parte da ateno tambm
entre pastores. Dignidade, ordem e controle eram as marcas dos
cultos das igrejas protestantes e catlicas. Os sermes
concentravam-se no ensino e na persuaso por meio de uma argumentao
cuidadosa. claro que nem todas as emoes foram excludas do culto. At
igrejas mais formais fazem uso de alguma forma de msica para
incentivar sentimentos de reverncia, de temor e de dependncia de
Deus. Mas, para a maioria, a igreja crist manteve cultos de adorao
de natureza altamente digna e de meditao. Em suma, a principal
pergunta para a maioria dos cristos era "em que voc cr?", em vez de
"o que voc sente?".Isso parece estar mudando na igreja de hoje.
Basta que o leitor observe quantos artigos das publicaes
denominacionais so dedicados discusso de dons espirituais, de
dentes de ouro ou de outras manifestaes de poder espiritual. Uma
nova nfase na experincia religiosa parece remontar virada do sculo,
poca em que o falar em lnguas comeou a ser usado como padro para as
experincias espirituais "superiores". Mais recentemente, ser
"abatido no Esprito", parece ter se tornado a experincia mais
popular, embora outras tambm estejam sendo buscadas e encontradas,
incluindo"... pranto, choro, expresses de louvor longas e efusivas,
tremores, estremecimentos, quietude, contores do corpo, quedas (s
vezes mencionadas como "ser abatido no Esprito"), risos ou saltos.
Outros fenmenos so mais sutis: leves tremores, vibrao das plpebras,
ligeiras transpiraes, brilho no rosto, arrepios e respirao lenta e
profunda".A alta incidncia desses tipos de experincia parece
constituir uma grande transformao no que muitas pessoas esperam
hoje da espiritualidade crist.No pretendo afirmar que a tradio
teolgica do passado estava errada em certo sentido, por no dedicar
mais ateno questo da experincia religiosa. Em cada poca, a teologia
responde s perguntas que lhe so apresentadas. Os protestantes tm
evitado grandemente o assunto da experincia religiosa, porque at h
bem pouco tempo no se tratava de algo urgente. Alm disso, a
experincia religiosa no constitui questo que se preste naturalmente
ao estudo teolgico. Os dados em geral so altamente inverificveis e,
portanto, difceis de avaliar. So como a prpria vida imprevisvel e
ilgica, difcil de encaixar dentro de um tratamento sistemtico.
Contudo, creio que as ferramentas da teologia podem ajudar a
clarear as guas turvas da experincia religiosa, na medida em que os
prprios sentimentos fornecem a motivao para que se continue o
estudo dessas experincias.Antes de apresentar o argumento desse
ensaio, importante observar que os sentimentos, por natureza,
autenticam a si mesmos. Em outras palavras, aqueles que passaram
por experincias espirituais profundas julgam-nas plenamente
convincentes. A menos que sejam interpretadas pela Bblia, as
pessoas que as tm (e deve-se destacar que nem todos os cristos
passam por isso) gozam de liberdade para fazer o que bem entender
com elas. Creio que as Escrituras no so o nico critrio pelo qual o
cristo pode julgar a doutrina e a experincia (h tambm a tradio e a
autoridade eclesisticas), mas so o critrio decisivo. Esse ponto
crucial neste ensaio. Se no basearmos nossas experincias e nossas
doutrinas nas Escrituras, nos tornaremos susceptveis s nossas
experincias, ou falta delas, e/ou alegao de que algum encontrou
alguma coisa nova e superior a perene afirmao das seitas. Portanto,
concordo com Norman Geisler em que "todas as experincias, sejam
elas normais, sejam anormais, precisam ser interpretadas pela
Bblia...". Empregando-se a figura hoje comum de um crculo
hermenutico, as Escrituras situam-se no incio e no fim do crculo
que se move entre a experincia e a Bblia.O argumento deste ensaio
ser edificado em torno de dois princpios opostos entre si, embora
creia eu que um complemente o outro. Na terceira e ltima parte,
chegarei a algumas concluses. Conforme mostra o ttulo deste ensaio,
os dois princpios podem ser resumidos pelo uso das metforas de
"profundidade" e "limites". O primeiro que as emoes e as
experincias associadas f crist no so simplesmente epifenmenos, mas
tm uma dimenso de profundidade arraigada no mundo espiritual
invisvel. Portanto, elas tm sua importncia e no devem ser
condenadas como estranhas vida crist. O segundo princpio que essas
mesmas emoes e experincias tm suas limitaes na capacidade de
produzir f ou de trazer transformaes permanentes vida de quem as
experimenta. Como veremos, at uma visita pessoal do Deus
Todo-Poderoso no traz obrigatoriamente f ou salvao. Portanto, as
experincias espirituais tm importncia limitada e no devem ser
buscadas como a coisa mais importante da vida crist. Consideraremos
cada ponto com mais detalhes.
A PROFUNDIDADE DA EXPERINCIA RELIGIOSA CRISTA locuo "dimenso de
profundidade" empregada h mais de um sculo entre filsofos e telogos
para descrever o elo da vida humana com um reino espiritual
invisvel. s vezes, esse elo torna-se visvel por meio de diferentes
tipos de manifestaes fsicas e emocionais. Entre os exemplos nas
Escrituras esto vises, sonhos, transes e sentimentos extticos de
todo tipo. Essas experincias podem ser classificadas em trs
categorias gerais que diminuem de intensidade e aumentam em
freqncia: a primeira abrange as experincias resultantes de um
contato direto com Deus ou com um de seus mensageiros. Isso pode se
dar na forma de revelao de um "Deus em pessoa", semelhana do que
ocorreu no monte Sinai (x 19). Mas tambm dentro dessa categoria
esto as ocasies em que Deus fala por meio de vises ou de sonhos (Is
6.16). No segundo grupo encontram-se os sentimentos e as emoes que
surgem de uma atuao ou de uma capacitao especial promovida pelo
Esprito. Tal pode acontecer com indivduos ou com grupos inteiros de
pessoas num dado momento. Essas visitaes so menos impressionantes,
mas ainda assim produzem efeitos claramente visveis. Por fim, h
aqueles sentimentos e emoes que surgem em resposta s propriedades
da f crist ou como parte da vida crist. No so muito intensos, mas
comuns a todos os que aceitam essa f como verdade pela qual
viver.Quanto ao primeiro tipo de experincia, a intuio deixa claro,
mesmo antes de se considerarem casos especficos, que o contato
direto com Deus ou com seus mensageiros produz a mais intensa das
experincias religiosas. Seja um anjo enviado por Deus, seja o anjo
do Senhor ou seja "o Senhor", a presena de Deus ou de um de seus
mensageiros sempre causa nos seres humanos reaes fsicas e
emocionais impressionantes. Os efeitos variam um pouco, mas sempre
incluem expresses de temor (x 19.16,17; cf. At 7.32; Hb 12.21).
Muitas vezes o efeito to forte que a pessoa que passa pela
experincia no consegue se mexer ou se levantar, paralisada no lugar
ou esgotada, sem foras (Js 5.14; Jz 6.22; Ez 1.28; 3.23; Dn 8.17;
10.8, 10, 15). A essa incapacitao fsica s vezes soma-se uma sensao
de falta de mrito pessoal to intensa que sente-se como provvel uma
destruio repentina (Is 6.16). Entre os outros efeitos esto confuso
e incerteza (Dn 10.7; At 9.7), nusea e doena (Hc 3.16; Dn 8.27),
silncio atnito (Ez 3.15) e profunda agitao acompanhada de tremores
e estremecimento (J 4.12-17; Is 21.3). Quanto s vises, elas com
freqncia vm por meio de algum transe ou o provocam, semelhana dos
casos de Pedro (At 10.10; 11.5) e de Paulo (At 22.17). H vezes em
que as vises, aparentemente, so recebidas sob condies de conscincia
normal, mas ainda causam completa perda de controle fsico. Parece
ser esse o caso em Apocalipse 1.17, em que Joo v o Cristo
glorificado e diz: "Quando o vi, ca a seus ps como morto". Em todos
os relatos, o padro de completa debilitao fsica acompanhada por uma
sensao de medo esmagador e de indignidade.Tais reaes diante da
presena de um ser divino so compatveis com o conceito bblico da
natureza exaltada de Deus e de seus mensageiros. A Bblia apresenta
o reino do cu e seus habitantes como elementos superiores presente
ordem (Mt 11.11), e o contato com eles faz invariavelmente que os
que passam pela experincia fiquem atnitos. Numa citao que servir
para resumir os efeitos da primeira categoria, Jonathan Edwards
escreve: lgico supor que, se agrada um pouco a Deus remover o vu e
deixar que a luz penetre a alma, oferecendo uma contemplao das
coisas excelentes do outro mundo em sua grandeza infinita e
transcendente, essa natureza humana, como a relva, como a folha que
se agita, como a flor frgil que murcha, deve cambalear diante de
tal cena. Ai de ns, pois somos p e cinza em face da viso da terrvel
ira, da glria infinita e do amor de Deus. No de admirar que esteja
escrito no Antigo Testamento: "... homem nenhum ver a minha face, e
viver" (x 33.20)".Em suma, o contato direto com Deus ou com seus
mensageiros provoca reaes simplesmente esmagadoras na natureza
humana.O segundo tipo de experincia espiritual constitudo por
aquelas emoes e sentimentos associados s capacitaes ou influncias
especiais promovidas pelo Esprito. Nesses casos, a experincia no to
debilitante, embora no sejam incomuns as expresses de temor e
tremor (Sl 2.11; 119.120; Is 21.4; 66.5). s vezes, a presena do
Esprito descrita como de efeito contrrio, isto , traz uma sensao de
fora e de zelo por Deus. Assim foi com Josu (Nm 27.18, 19; 32.12;
Dt 34.9) e com Gideo (Jz 6.34; 7.15). Em outras ocasies, o
sentimento parece ser de embriaguez. Os que se encontram assim
dominados podem se sentir descoordenados, ter dificuldade para se
movimentar e precisar de ajuda para andar, podendo ainda haver
pranto, gemidos ou soluos.A histria do rei Saul um bom exemplo.
Logo depois de ter sido ungido por Samuel como o primeiro rei de
Israel, ele recebeu uma poro especial do Esprito, como testemunho
da legitimidade da uno. Na descrio do texto de 1 Samuel 10,
afirma-se que ele se encontrou com um grupo de profetas, "o Esprito
de Deus se apossou de Saul, e ele profetizou no meio deles" (v.
10). No se identifica o que est implicado no termo profetizar, mas
provavelmente inclua algum tipo de comportamento de xtase, pois a
alterao por ele sofrida foi imediatamente identificada como prpria
dos profetas daquela poca. A transformao foi to perceptvel que as
pessoas comearam a perguntar: "Que isso que sucedeu ao filho de
Quis? Tambm Saul entre os profetas?" (v. 11). Qualquer que tenha
sido a natureza da manifestao, ela foi temporria, e no dia seguinte
Saul continuou seu caminho (v. 13).Em Neemias 8 pode ser encontrado
outro exemplo, descrevendo a reunio que reinstituiu a Festa dos
Tabernculos, depois de vrios anos de negligncia. Enquanto ouvia a
leitura das Escrituras, a multido irrompeu em choro e pranto, de
forma to agitada que alarmou Neemias e Esdras. Estes pediram aos
levitas presentes que ajudassem a acalmar o povo, dizendo que o
regozijo era uma reao mais adequada ao estudo das Escrituras (vv.
9-11). O pedido dos lderes indica que aquele comportamento no se
explicava por alguma manipulao das emoes do povo. No havia nenhum
show nem alguma encenao com o pblico. Pelo contrrio, a reao da
multido tomou-os totalmente de surpresa. Parece razovel concluir
que essas emoes vieram por uma influncia incomum do Esprito,
causando tristeza e arrependimento. provvel que Atos 2 seja a
passagem mais estudada sobre esse tipo de experincia de grupo. A
ateno geralmente concentra-se no fenmeno das lnguas. Contudo,
visando nosso propsito, o comentrio de que os discpulos agiam como
se estivessem bbados mais importante (pode-se encontrar
comportamento semelhante em 1 Sm 1.13-16, em que Ana, me de Samuel,
orava pedindo um filho). A embriaguez caracteriza um tipo de
comportamento imediatamente reconhecvel, pois implica a perda de
controle emocional e fsico. Sob a influncia do lcool as emoes
mostram-se exageradas, e o corpo no reage como deve. Isso bem
diferente do comportamento de uma pessoa que fala numa lngua
estrangeira. Se algum cruza com um homem falando numa lngua
estrangeira, seja com dificuldades, seja com fluncia, no natural
suspeitar que ele esteve bebendo em excesso, simplesmente pelo fato
de que a lngua lhe estranha. Assim, provve