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2
Alexandre Vogler
Angelo Venosa
Anna Bella Geiger
Daisy Xavier
Daniel Senise
Luiz Alphonsus
Luiza Baldan
OPAVIVARÁ!
Paulo Vivacqua
Rosângela Rennó
Suzana Queiroga
Thiago Rocha Pitta
5
A arte contemporânea tem sido tema de várias exposições na CAIXA Cultural; várias
vertentes e ideias novas passaram pelas galerias das unidades espalhadas pelo país.
Dispostos a manter viva esta vocação, apresentamos a exposição Mapas invisíveis, reunindo obras inéditas de 12 grandes nomes da arte contemporânea brasileira.
É de grande pertinência para os tempos atuais a discussão proposta, permeando
temas como arte, espaço, significados, sociedade e cultura, reconhecendo a cidade
como elemento pulsante e campo de diálogo entre as várias questões.
Evocamos, particularmente, como a CAIXA, em parceria com o Governo Federal,
vem reafirmando sua vocação social e sua disposição de democratizar o acesso
a seus espaços e a sua programação, cumprindo seu papel de oferecer condições
concretas para que os artistas possam manifestar e apresentar seus trabalhos, pro-
movendo a aproximação da comunidade aos bens culturais.
Consciente de sua responsabilidade social, a CAIXA reforça sua postura de
fomento à cultura, irradiando e multiplicando as vertentes do pensamento no país,
estimulando a contínua reflexão nos mais diferentes campos do saber e do fazer
artísticos.
CAIXA Econômica Federal
13
Por estas ou outras palavras já aqui foi lembrado
que todos os dias passados foram vésperas e todos
os dias futuros o hão-de-ser. Tornar a ser véspera,
ao menos por uma hora, é o desejo impossível de
cada ontem que passou e de cada hoje que está
passando. Nenhum dia conseguiu ser véspera
durante todo o tempo que sonhava.
José Saramago, A caverna.
14
Cidade submersa
O nosso ponto de partida para construir esta exposição foi o livro
Cidades invisíveis, de Italo Calvino, em que o viajante Marco Polo
descreve para o imperador Kublai Khan os lugares por onde pas-
sou. Depois de narrar cidades muito distintas – elas têm nome e
personalidade de mulher, e podem ser sonhadoras, destrutivas,
tímidas, arrebatadoras –, o navegador italiano chega à conclusão
de que esteve falando o tempo inteiro de Veneza, seu berço e
ponto de partida.
“De uma cidade, não aproveitamos suas sete ou setenta mara-
vilhas, mas as respostas que dá às nossas perguntas”, diz Marco
Polo a certa altura.
Cheios de perguntas, partimos em busca dos Mapas invisíveis tentando dar à experiência urbana a dimensão que ela mere-
ce como semente do processo de criação artística. Hoje, vemos
geógrafos, sociólogos e urbanistas discutindo a possibilidade de
incorporar a experiência de moradores – de usuários de deter-
minado lugar, portanto – para a construção de uma cartografia
mais maleável e eficiente, capaz de ser instrumento de locali-
zação, mas também de planejamento e de prevenção de riscos.
Neste projeto, quisemos promover o encontro da arte com esta
cartografia subjetiva, apostando que os 11 artistas e o coletivo
convidados para esse desafio seriam capazes de localizar tempos,
índices e regiões soterrados pelo lugar-comum, mas de suma im-
portância para um mapa subjetivo e simbólico do Rio.
Escolhemos juntos lugares que passaram por grandes trans-
formações urbanas ou significavam encruzilhadas simbólicas,
sociais ou econômicas para o Rio. Pelas limitações naturais de
qualquer projeto que se torna realidade, tivemos de deixar de
15
fora outras regiões igualmente ricas, caso da Penha, da Tijuca,
da Praça Quinze e do Leblon, este último um antigo reduto de
escravos, que tinham nas camélias seu código secreto. Se um dia
voltarmos aos mapas, nosso desenho poderá ser outro.1
A ideia de visitar essa cartografia escondida veio da percepção
de que a cidade e a arte sempre caminharam juntas. A própria
ideia de cidade – e de cada cidade, especificamente – foi pensa-
da pelos artistas. Foi assim com a Florença renascentista, cuja
construção não pode ser dissociada dos grandes artistas e arqui-
tetos do período; com o Império Turco Otomano, onde os tape-
tes e as gravuras sobrevoavam uma Istambul próspera e criativa
mostrando-a como se estivesse sendo vista pelos olhos de Alá;
como a São Paulo de 1922, redimensionada para todo o Brasil
com a antropofagia de Oswald de Andrade; com o Rio modernis-
ta dos anos 50, traçado por arquitetos como Lúcio Costa, Oscar
Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, mas também pelos artistas
construtivos e pela bossa nova.
Os trabalhos criados para Mapas invisíveis, confrontados com
a malha urbana que abriga todos os cariocas, mostram como o
Rio de Janeiro foi desde sempre uma cidade-projeto, que teve na
cultura um de seus principais motores. Fazem uma espécie de
arqueologia íntima ao confrontar a memória e as impressões de
cada criador em seus lugares “de mapeamento” com as imagens-
-clichê daquelas regiões, perpetuadas por cartões-postais, pela
mídia e pelos projetos urbanos empreendidos pelo poder público.
Esta é uma mostra que fala de desaparecimentos. Como no
samba de Paulinho da Viola, é preciso ser pirata destemido para
navegar nas ruínas e reencontrar esta cidade submersa.
Daniela Name
1 Cildo Meireles e Antonio Dias
sempre tiveram no território uma de
suas questões primordiais. Artistas
mais jovens ligados ao Rio, como Bruno
Miguel, Rosana Ricalde e Pedro Varela
também investigam a cidade, de múltiplas
maneiras. Poderiam estar aqui ou em
futuros encontros.
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Campo de Marte —
Realengo futurista 1, 2010
Guache sobre papel
Alexandre Vogler e Realengo
As relações de poder e a periferia sempre permearam a obra de
Alexandre Vogler. Foi assim com a Operação Olho Grande, em que
ironizava a ação da polícia carioca na coibição do comércio am-
bulante da cidade, ou em Base para unhas fracas, que acaba de ser
transformado em vídeo. Em Mapas invisíveis, o artista mergulhou
em Realengo,1 importante bairro da Zona Oeste do Rio. Trabalhos
de percepção sutil, as pinturas em guache, carvão e aquarela da
série Campo de Marte foram inspiradas no mobiliário urbano que
cerca a Praça do Canhão, o Campo de Marte do bairro, lugar onde
está instalada a Escola Militar do Realengo, criada em 1913.
Em visitas ao bairro, Vogler se deteve nos artefatos de metal
que isolam e interditam o território militar – e que têm a mesma
função dos cavaletes usados pelas companhias de trânsito e as for-
necedoras de luz e gás do Rio. Pintadas de preto e amarelo, essas
peças são uma cruz transpassada por um terceiro eixo de metal.
Transformam áreas públicas em privadas, pertencentes a um único
grupo. O artista enxergou em sua forma, que lembra uma estrela
ou mesmo um feixe de espinhos, uma grande proximidade com
as pinturas, esculturas, desenhos e projetos futuristas de Filippo
Tommaso Marinetti, Giacomo Balla, Carlo Carrà, Luigi Russolo e
Umberto Boccioni.
Realengo tem sua história marcada pela questão bélica e mili-
tar.2 Ocupado pela academia militar desde o início do século XX,
também abrigou uma grande fábrica de pólvora e cartuchos até
1978. Em sua pesquisa, Vogler descobriu que parte do desenho
atual do bairro deriva dessa questão bélica, já que os primeiros
conjuntos habitacionais de Realengo foram construídos para dar
moradia aos trabalhadores da fábrica.
Com a aproximação da iconografia militar com o futurismo, Vo-
gler faz uma operação interessantíssima, destacando os pontos em
comum entre a ideologia do exército brasileiro, fundamentada na
apropriação do positivismo de Comte, e os movimentos de van-
guarda do início do século XX. Em 1889, os militares surpreenderam
Queimemos as gôndolas, estas cadeiras
de balanço dos cretinos, e ergamos aos céus a
imponente geometria das pontes de metal
e dos howitzers empenachados de fumaça,
a fim de abolir as curvas cadentes da
velha arquitetura.
Marinetti, Contra a Veneza passadista.
1 Uma curiosidade: embora a história
oral tenha perpetuado a versão de que
o nome Realengo seja a contração de
Real Engenho, não havia um engenho
sequer nas terras da região. As terras
onde hoje está o bairro foram cedidas
para comerciantes portugueses em 1814
para pastagem bovina, que garantiriam
o abastecimento dos talhos (açougues)
da cidade. É bem provável que o nome
Realengo se refira às “terras realengas”,
termo utilizado para denominar tudo o
que estava distante da Coroa
2 Sobre isso, uma curiosidade: Realengo
aparece na letra de Aquele abraço, música
de Gilberto Gil (“Alô, alô, Realengo, aquele
abraço”) porque ele e Caetano Veloso
foram presos durante a ditadura militar e
foram para celas nas unidades militares
da Zona Oeste. No livro A canção no
tempo, Jairo Severiano e Zuza Homem de
Mello contam que Gil começou a compor
aquela que talvez seja sua canção mais
popular logo depois de ser solto, em
1969, enquanto negociavam sua ida para
o exílio em Londres. Ele manda “aquele
abraço” para Realengo porque era assim
que os soldados o saudavam. A expressão
ficou muito popular na época porque era
um bordão do comediante Lilico em um
programa televisivo.
18
artistas e intelectuais que conspiravam contra a monarquia pro-
clamando a República de repente. A bandeira cultuada pelos pro-
fissionais liberais – a mesma da Inconfidência Mineira, com os
dizeres Libertas quae sera tamen (“Liberdade, ainda que tardia”) –
foi substituída por outra, onde se lê Ordem e Progresso.
E o que isso tem a ver com o futurismo, afinal? Todos os movi-
mentos de vanguarda das décadas de 10, 20 e 30 na Europa traziam
em si um desejo de progresso. A rejeição e a condenação do pas-
sado eram consideradas inevitáveis para se atingir o futuro. Líder
do futurismo, Marinetti acreditava que só seria possível atingir o
futuro na velocidade desejada se a sociedade demolisse, violenta-
mente, qualquer vestígio da “cultura passadista”. Em 1910, ele e
seus companheiros subiram no alto do campanário da Catedral de
São Marcos, em Veneza, e, segundo testemunhas da época, jogaram
um milhão de panfletos Contra a Veneza passadista, que tem um
dos trechos reproduzido na epígrafe deste texto. Além de sugerir
que toda a arquitetura veneziana fosse destruída e substituída por
outra, futurista, Marinetti concluía: “Que venha, enfim, o reino da
Luz Elétrica libertar Veneza de seu luar venal de salas mobiliadas”.
O passo seguinte ao da condenação do “passadismo” era criar
uma arquitetura futurista. Carrà e Boccioni já tinham feito alguns
esboços, mas vai ser um arquiteto de Milão, Antonio Sant’Elia,
quem vai plasmar em seus projetos urbanos todo o pensamento de
Marinetti. Utópicas, suas cidades seguem um plano integrado de
racionalização. São cidades em movimento, que se transformam
constantemente, como queria Marinetti. Em seu Manifesto da ar-quitetura futurista, de 1914, Sant’Elia diz que deveríamos entender
a “cidade futurista como imenso e tumultuoso estaleiro (...) e a
casa futurista deve ser uma máquina gigantesca”. Antecipa, assim,
o conceito da casa como uma “máquina de morar” de Le Corbusier.
De maneira muito sutil, Vogler aproxima dois autoritarismos.
Ainda que as vanguardas artísticas nem sempre tenham sido tota-
litárias intencionalmente – e que de fato fosse preciso uma carga
de violência para romper com séculos de academicismo – parte da
ideologia desses revolucionários do início do século XX acabou
sendo corrompida e utilizada aos pedaços, coada, pelas lideranças
ditatoriais da Europa dos anos 30 e 40.
Ao criar essa rede de significados a partir da cultura militar do
Realengo, Vogler traz à tona parte do passado do bairro, mas tam-
bém aponta para seu presente. Realengo sofre, como boa parte da
Zona Oeste carioca, com outra forma de poder armado – e bas-
tante organizado: as milícias, que, em troca de suposta segurança,
mantêm moradores e comerciantes sob um manto de violência e
subjugação econômica.
Campo de Marte —
Realengo futurista 2, 2010
Carvão sobre papel
22
Angelo Venosa e a Floresta da Tijuca
Nas histórias infantis, a floresta é um lugar traiçoeiro, onde João e
Maria podem ser capturados por uma bruxa má; Chapeuzinho é ata-
cada pelo lobo, e o Pequeno Polegar, abandonado pelos pais. Sinô -
nimo de perigo, lugar das interdições, ela também representa o
fascínio pelo encontro com o desconhecido. Em Mapas invisíveis, a floresta de Angelo Venosa é a da Tijuca e todas as outras possí-
veis. Mas o que fecha a mata e encerra seus mistérios não são as
copas altas, nem a escuridão: a barreira de Venosa é a linguagem.
Tijuca, instalação que o artista criou para a mostra, consiste em
uma espécie de mirante simbólico, em que o visitante é convidado
a olhar para suas paisagens internas em vez de procurar qualquer
sinal de exuberância do lado de fora. De um soundtube transpa-
rente, preso acima de um banquinho neutro preto, saem sons gra-
vados na mata. O som direcionado para a cabeça da única pessoa
que consegue sentar-se no banquinho convida ao recolhimento.
É possível ouvir pássaros, insetos, macacos e o que parece ser os
barulhos de folhas e de água. Aos poucos, essa massa sonora vai
sendo coberta por outros ruídos: uma voz feminina, sintética, de-
clama poemas românticos em línguas que poucos dominam, caso
do alemão e do chinês.
A floresta que antes se oferecia quase atrevida vai ficando mais
distante e inacessível, a não ser que o espectador aumente sua
atenção, desligando-se do que está em volta – imagens vindas dos
trabalhos vizinhos, o barulho de crianças visitando a galeria – e se
concentrando na imagem de árvores, bichos e rios, que consegue
plasmar depois de abrir uma clareira nas palavras. A penumbra em
volta do trabalho procura colaborar com esse esforço, convidando
o visitante-explorador a novas viagens – ou novas miragens, a di-
ferença pouco importa.
E, se o assunto é mirante, à primeira vista Tijuca não parece um
Venosa, poderiam afirmar alguns. Procede, mas apenas nas bor-
das da floresta. Quando se avança na trilha proposta pelo artista,
um dos maiores escultores contemporâneos brasileiros, é possível
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade, Procura da poesia.
23
perceber o imenso parentesco entre este trabalho e as questões
fundamentais que sempre marcaram suas peças. Uma obra de Ve-
nosa exige uma percepção às camadas, é algo como uma tarefa
realizada em etapas ou uma operação matemática que chega ao
resultado depois de contraprovas.
O corpo – humano ou animal – sempre foi uma das matrizes
para o trabalho do artista, que, como um anatomista, destrincha
a forma e coa seus excessos até chegar à estrutura. O curioso, no
entanto, é que nesse exercício de síntese não há a perseguição de
um rigor construtivo, asséptico, o elogio apenas da linha. A obra de
Venosa é cosa mentale, mas é também muito suor, batalha direta
e incessante com as vísceras de cada peça. Logo no início de sua
carreira, numa individual de 1985, no Centro Empresarial Rio, ele
usou madeira e um tecido negro e resistente para criar imensas
estruturas ósseas, como um vestígio de um tempo pré-histórico,
desconhecido e renitente. O “lado de dentro” de um corpo ganhava
nova pele com o tecido escuro e já exigia do olhar uma atenção
especial para as antíteses. Venosa chegou a usar crânios, ossos e
dentes em outros trabalhos seminais e, a partir dos anos 2000, foi
transformando a matéria em algo mais insinuado, mas cada vez
mais potente em sua ausência.
Em 2003 e 2004, o artista criou peças feitas de espelhos e fios
formados por pequenas bolinhas de metal, desses que hoje são
usados para prender crachás e pen drives. Como costelas ou cama-
das geológicas, os fios formavam planos quase virtuais, que ganha-
vam volume à medida que o espectador se dispunha a olhá-los por
outro ângulo, no espelho. Na recente série Turdus,1 com esculturas
feitas de vidro ou acrílico, a relação com Tijuca fica bastante clara.
Há novamente nesses trabalhos um revelar que é feito pouco a
pouco, através das tais camadas, muito evidentes. E só depois de
percorrer cada plano o olhar consegue ter a ideia do todo.
Tijuca é vizinha ainda de Tempo, instalação criada por Venosa
para a mostra “Tempo inoculado”, de 2001.2 Numa sala escura, o
artista instalou duas câmaras e dois projetores que funcionavam
como uma espécie de espelho de quem entrava. Os projetores di-
vidiam a imagem ao meio e tinham entre eles um ligeiro atraso, o
que embaralhava a percepção que o visitante tinha da própria ima-
gem e da noção de duração, de tempo percorrido. Mais uma vez,
dois planos se separavam, criando duas peles cronológicas, com o
objetivo de sintetizar uma ideia apreendida apenas depois de um
mergulho nesse deslocamento proposto pelo artista. Na época da
exposição, em entrevista para a Karen Harley,3 Venosa disse que o
trabalho era apreendido como “se estivesse com defeito [...] um
pouco como se você sentisse o trabalho no estômago, o teor tá
1 Exposição apresentada em 2009, na
Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio de
Janeiro, com curadoria de Ligia Canongia.
2 Exposição apresentada no Centro
Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro,
com curadoria de Marcello Dantas.
3 Vídeo institucional criado para a
exposição.
24
descalibrado [...]”. O ruído e o desequilíbrio levavam à percepção
do tempo como algo impalpável.
Em Tijuca, a capa sonora que fecha a floresta, além de exigir
do visitante-ouvinte um empenho maior para penetrá-la, projeta
a mata para o campo do imaginário, para um lugar platônico. Em
uma exposição que se propunha a dialogar com a cidade, Venosa
criou seu “mapa invisível” a partir de uma região que foi, de fato,
uma projeção. Preocupado com a crise de abastecimento que ame-
açava o Rio de Janeiro – o corte para madeiras nobres, os engenhos
de cana e as fazendas de café haviam desmatado boa parte da
Tijuca –, dom Pedro II mandou que os escravos plantassem cer-
ca de 100 mil mudas em tempo recorde.4 Exuberância inventada
para a cidade-paisagem, a Floresta da Tijuca também foi uma das
primeiras imagens que o mundo teve do Brasil. Foi lá que o pintor
Nicolas Taunay 5 se hospedou, na casa de conterrâneos franceses
que plantavam o café bourbon. Suas telas retratando a Cascatinha
e os arredores da Tijuca sem dúvida fazem parte de uma iconogra-
fia arquetípica e coletiva dos cariocas.
É interessante que, ao se aproximar de um lugar tão exube-
rante e tão retratado, Venosa tenha mais uma vez optado pela
antítese, construindo um trabalho que parte da imagem-zero para
ser percebido. Sem nenhum apoio visual, o visitante é obrigado a
se debruçar no mirante de Tijuca contando apenas com o próprio
acervo, sua floresta mental. O fato de haver poemas românticos
declamados em línguas de difícil compreensão – e por uma voz
sintética, criada em computador – dá a quem experimenta o tra-
balho a sensação de que se é um estrangeiro no campo de imagens
criado pelo estímulo dos outros sons. Um pintor viajante que, di-
ferentemente de Taunay, só conta com a tela da imaginação para
dar cor à sua mata.
4 O plantio das mudas da Floresta da
Tijuca começou em 1861. As primeiras
100 mil mudas foram plantadas em 13
anos e só depois foi feito um trabalho
mais consistente de paisagismo, com
o Barão d´Escragnolle (Gastão Luís
Henrique Roberto d´Escragnolle,
1821-1886) transformando a floresta
em parque com fontes, trilhas e áreas
de lazer para uso público.
5 O pintor francês Nicolas-Antoine
Taunay (1755-1830) integrou a Missão
Artística Francesa que chegou ao Brasil
em 1816. Pintou várias paisagens
importantes do Rio de Janeiro, como o
Outeiro da Glória e o Largo da Carioca e
é uma das principais fontes iconográficas
do Brasil do início do século XIX. Deu
especial atenção à Floresta da Tijuca,
onde comprou um terreno. Gostava do
retiro na região, longe da cidade ainda
bastante insalubre.
Tijuca, 2010
Ambiente sonoro
Banco, caixa de som e trilha de áudio
26
O trabalho de Anna Bella Geiger foi um porto para Mapas invisí-veis. Não só porque a artista escolheu ancorar na Zona Portuária
do Rio, mas também porque sua obra, desde o início da carreira,
navegou pelas muitas possibilidades da cartografia. Sob o olhar de
Geiger, mapa já foi geografia, é claro, mas também corpo, índice,
relevo de similitudes e diferenças.
À medida que ganhava forma, Zona Portuária com águas do mar foi se transformando em uma das âncoras de nossa montagem.
Através de trabalho, este “Rio, que não é rio, é mar”, como cantou
Caetano Veloso,1 norteou com suas águas todo o fluxo do projeto.
As águas precisavam inundar as aproximações de vários artistas
com a cidade, de maneiras muito distintas. Nada melhor do que
seguir seu curso.
Montamos então os trabalhos de Rosângela Rennó, Paulo Viva-
cqua e do grupo OPAVIVARÁ!, que comentaremos a seguir, como
uma espécie de corredor sensorial fora dos limites da Galeria 1.
Eles formaram uma estrada de sensações, uma porta de entrada
desta nossa cidade submersa. O olfato misturou-se com a ideia de
caminhar na Saara de Rennó, a audição norteou Vivacqua em São
Cristóvão, e o paladar e o tato – na verdade contato – foram as
matrizes do OPAVIVARÁ! em Madureira.
Para descobrir esses três “mapas”, o visitante precisou caminhar
pelo foyer da CAIXA Cultural. Fez isso tendo o trabalho de Geiger
como linha do horizonte, imagem-matriz, primeira visão. Zona Por-tuária com águas do mar não fala exclusivamente da Praça Mauá,
porto que redimensionou a cidade junto com a Avenida Central,
hoje Rio Branco. Tampouco viaja no tempo para alcançar a Praça
Quinze e seu Cais Pharoux, primeira porta de entrada da cidade,
ainda nos tempos do Brasil Colônia. Esses lugares estão lá, latejan-
tes, mas isso não é tudo.
Na gravura de mais de quatro metros de largura, a artista funde
dois planos de imagens de várias procedências, mostrando portos do
mundo todo. As várias camadas de águas, pontes e ancoradouros –
Anna Bella Geiger e a Zona Portuária
Abriu o porto ioiô, é porta aberta iaiá
É o comércio, é o progresso da cidade
E a cidade cresceu, o mundo então conheceu
O berço da felicidade
Arlindo Cruz, Maurição, Carlos Sena e Elmo Caetano, O Rio corre para o mar.
Samba-enredo do Império Serrano no Carnaval de 2001.
1 Na canção O nome da cidade.
Zona Portuária com
águas do mar, 2010
Frame do vídeo
30
há desde uma gravura clássica de Hiroshigue sobre a Baía de
Tóquio até uma cena fictícia da Golden Gate, em San Francisco,
sendo invadida por discos voadores – fazem um sobrevoo sobre
narrativas distintas. Como se o presente de qualquer lugar fosse
também um porto, onde podem ancorar o somatório de todos os
tempos vividos e suas muitas possibilidades de futuro.
A artista espalhou inscrições em hebraico no azul das imagens.
Quase à deriva, a palavra nos leva para um mar ancestral, cíclico,
que pode ser gênese, dilúvio, estio. O verbo reforça a ideia da ci-
dade em um pergaminho marcado por múltiplos acontecimentos,
ecoando trabalhos de Geiger de outras épocas. Um livro também
é um mapa, como mostrou a artista em Rrolos-Scrolls com livro de Ester (2002). O caminho inverso é plenamente possível. Assim,
mapas também são livros e arquivos, e a imagem da cartografia de
metal e cera criada dentro de gavetas pela artista, caso de A linha imaginária de Tordesilhas (1995), é aqui incontornável.
Zona Portuária com águas do mar não se restringe ao papel.
Acoplado à gravura está um pequeno aparelho de DVD, por meio
do qual se vê um vídeo em looping. Se na imagem panorâmica
tínhamos porto onírico, quase platônico, agora chegamos mesmo
ao Rio, com sua cartografia, suas águas. A artista conjuga o so-
brevoo metafórico de seu pergaminho com um close absoluto no
traçado da região central carioca, conjugando distâncias/profun-
didades distintas numa mesma ação. Foi assim também em sua
importante série de trabalhos Fronteiriços (2006). A divisão de
uma tela/superfície panorâmica em duas áreas com ações e tem-
pos distintos é recorrente. Aparece em Circumambulatio (1972),
em que ela aproxima uma foto do estádio do Maracanã com a
das ruínas de um anfiteatro grego; nas gravuras da série Local da ação, dos anos 90; e em Brasil 1500-1996 (1996). Neste último
trabalho, Geiger já insinua a estrutura presente em Zona Portuária com águas do mar: uma área que se opõe a uma vizinha, que por
sua vez traz dentro dela outra região, com novas informações.
Zona Portuária com
águas do mar, 2010
Fotografia, desenho e vídeo
(detalhe do vídeo)
31
Na obra apresentada em Mapas invisíveis, o contraponto entre
um e outro e a transposição de fronteiras se dão no campo visual,
mas também na estrutura conceitual. No filme rodado continua-
mente pelo DVD, editado com a colaboração de Alex Topini, Geiger
usou a canção Milonga del moro judio, do uruguaio Jorge Drex-
ler, para lembrar que qualquer porto é o lugar onde a cidade se
abre para as diferenças. É uma fronteira elástica, quase infinita.
Com a canção, ela nos leva até aqueles que chegaram ao Rio
pelas águas: portugueses, invasores franceses, escravos africanos,
judeus fugidos da Inquisição, árabes mascates, colonos italianos,
japoneses, alemães.
A ênfase em nossas diferenças culturais sempre foi um instru-
mento político na obra de Geiger, como nos 18 postais da série
Brasil nativo/Brasil alienígena (1976/1977), em que se autorre-
trata replicando, à sua maneira, gestos simples de índios, como
se olhar no espelho ou varrer a porta da oca. O igual é também o
diferente, mostra a artista.
Seu trabalho para esta exposição recupera essa sua bagagem
e a aproxima da história da cidade. Através dele, lembramos que,
ao se abrir para a presença do Outro, o Porto enriquece a cidade –
literal e simbolicamente. O cais assistiu à primeira grande insur-
reição negra no Brasil – a Revolta da Chibata, comandada pelo
marinheiro João Cândido, em 1910. Como nos conta João do Rio,2
viu ainda a organização de nosso primeiro sindicato, o dos tra-
balhadores da estiva.
Os carregadores do Largo da Prainha, hoje Praça Mauá, não
eram apenas bons de política. Os negros, sobretudo baianos, que
chegam ao Rio para trabalhar como estivadores se reúnem em
torno da Pedra do Sal, que havia sido um mercado de escravos no
século XVII e começou a abrigar negros forros e quilombolas já
nessa época. Entre o fim do século XIX e o início do século XX, os
negros formariam ali um riquíssimo núcleo cultural, com terreiros
de candomblé e rodas musicais. As tias baianas abriam seus quin-
tais para as festas. Uma se destacava: Hilária Batista de Almeida,
a Tia Ciata, filha de santo, quituteira de mão cheia – os tabuleiros
da baiana tinham dupla função, social e religiosa – e grande fes-
teira. Ela já organizava reuniões nas cozinhas e terreiros da Pedra
do Sal, onde começa a se desenvolver um ritmo híbrido, com a
melancolia de Portugal, a batida africana e alguma manemolência
baiana: o samba carioca.
Tia Ciata se mudaria para a Praça Onze, onde a música do Largo
da Prainha se encontraria com a malandragem do mangue. Mas o
samba nasceu no Porto e, portanto, a alma carioca também. Como
a obra de Geiger nos mostrava desde o princípio.
2 “Os trabalhadores da estiva”.
Em A alma encantadora das ruas.
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
32
A rede abarca muitos sentidos no trabalho de Daisy Xavier sobre
Copacabana. Também psicanalista, a artista fez da imagem da
rede um elemento recorrente em seu trabalho como artista visual.
A rede é o que trança e recria significados, mesclando paisagem
e histórias com a memória, atando novos nós para soltar outros,
possibilitando insights e descobertas que só temos no divã ou pro-
vocados pela arte.
Feita de cobre, a rede de Xavier tem esta linha de metal como
fio condutor. Ao trançar sua rede-escultura, a artista usa a pala-
vra para falar das outras redes de Copacabana, aquelas usadas
pelos homens da Colônia de Pescadores do Posto 6. Em Tecendo Copacabana, a rede de cobre é ladeada por um vídeo, que mis-
tura o mar, e os dois trançados: o da artista e o de um pescador.
A rede-obra de arte guarda em suas entranhas um poema sobre
o bairro,1 apresentado aos visitantes da galeria; a outra, “real”,
pesca a memória da artista, herdeira de um pai pescador, um ho-
mem que fez de sua relação com o mar um dos atravessamentos
fundadores da memória da filha.
Tão familiar na vida e na obra de Xavier, a rede também pare-
ce um elemento interessante para um mergulho em Copacabana,
bairro onde a artista reside e trabalha e que mimetiza parte do
repertório de imagens e clichês construídos em torno do Rio de
Janeiro. Imenso tecido de classes sociais e tribos distintas, Co-
pacabana já foi a fronteira a ser conquistada. Antes do Túnel do
Pasmado, que demoliu o Palácio Mourisco e integrou a Praia de
Botafogo ao litoral que hoje é margeado pela Avenida Atlântica,
o bairro era um areal distante, que começou a ser povoado justa-
mente pelo estabelecimento da Colônia de Pescadores na região
onde hoje está o Posto 6.
O relato do historiador Brasil Gerson2 nos conta que, vizinhos da
Praia do Diabo, os pescadores veneravam a imagem de Nossa Se-
nhora de Copacabana, uma manifestação de Maria vinda da Bolívia,
que aqui assumiu também outra identidade: a de Nossa Senhora
Daisy Xavier e Copacabana
Nenhuma rede é maior do que o mar
Nem quando ultrapassa o tamanho da Terra
Nem quando ela acerta, nem quando ela erra
Nem quando ela envolve todo o planeta
Lenine e Lula Queiroga, A rede
1
“Tecendo
uma pescaria
para pegar poucos
talvez um só
eu mesma
o mesmo peixe
da história de um pescador
que um dia içou
numa só rede
tudo que me cabe.”
2 GERSON, Brasil. História das
ruas do Rio. Rio de Janeiro,
Lacerda Editores, 1981.
33
da Candelária. Com este segundo nome, aliás, a santa ganhou a
catedral suntuosa, construída de frente para a Praça Quinze e um
das portas de entrada no Centro antigo do Rio. Hoje, a igreja é
vista pelos fundos por quem transita na Presidente Vargas, já que a
avenida alterou o traçado e o fluxo originais daquela região. Como
Nossa Senhora de Copacabana, a santa ganhou um templo no fim
da Rua da Igrejinha, hoje Francisco Otaviano, destruído pelos mili-
tares na ocasião da construção do Forte.
Copacabana traz em si essa conexão invisível com outra região
do Rio e trança muitos outros pontos de partida para se falar desta
cidade. É um emaranhado de pistas sobre o que é estar no Rio e
ser carioca, que o morador e o visitante precisam desembolar e
Tecendo Copacabana, 2010
Frames do vídeo
Montagem e sonorização:
Célia Freitas
Imagens: Daisy Xavier, Célia
Freitas e Pedro Victor Brandão
34
Paolo Uccello em Copacabana, 2010
Reprodução da pintura A batalha
de São Romão e lupa
trançar, criando novas conexões e redescobrindo direções inutili-
zadas pela falta de uso e de prática.
Ao recuperar a memória fundadora do bairro através de sua
experiência como moradora – e pescadora –, Xavier tenta apre-
sentar trilhas alternativas para um passeio distante dos clichês
que hoje formam um caminho sulcado e recorrente no discurso
sobre Copacabana. Longe do turismo sexual, dos hotéis cinco es-
trelas, das favelas e do formigueiro humano que transita em seu
comércio, Xavier usa a rede para tecer ou esgarçar significantes.
Se por um lado a artista é Penélope, que recostura tempos e sub-
jetividades com linha de pesca, por outro é como Ariadne, que
estende o fio para que cada um de nós encontre seu caminho no
labirinto de uma cidade que maravilha, mas também espanta e
oprime em suas miragens.
Copacabana também inundou os caminhos da artista. O se-
gundo trabalho apresentado para Mapas invisíveis é quase uma
anotação de ateliê, que foi se desenhando ao acaso, durante o
processo da exposição. Obcecada há anos pelo quadro A batalha de São Romano (1432), de Paolo Uccello (1397-1475), Xavier so-
nha em transformar o desenho das lanças que cruza toda a cena
pintada pelo pintor italiano em uma instalação monumental, em
que as armas sejam transformadas em agulhas de tricô. O cruzar
das lanças viraria, então, ponto cruzado e virtual no espaço.
Quando já pensava em Copacabana, ela olhou mais uma vez
para uma reprodução da tela, que fica sempre em seu ateliê. E,
pela primeira vez em anos, enxergou na bandeira empunhada por
um dos soldados de Uccello – a cena mostra a vitória do exército
de Florença em Siena, e foi criada para o palácio dos Médici – o
desenho exato do calçadão da Avenida Atlântica. Separadas por
mais de 500 anos, as ondas de São Romão e as do calçadão, que
ganharam a forma final em um projeto de Burle Marx,3 são rede
e são peixes nesse imenso mar de histórias e de visualidades pos-
síveis para chegar a uma ideia de lugar, de cidade. Mas o des-
lumbramento de enxergar o Rio de Janeiro em uma tela pintada
antes de o Brasil ser descoberto também é como o mar, que só
é generoso com aqueles que mergulham mais fundo para não
serem tragados pela onda.
3 Copacabana tem um dos calçamentos
mais famosos de pedras portuguesas da
cidade. O material, uma das marcas do
Rio, foi trazido para cá pelos portugueses
e usados na Avenida Atlântica em 1906.
Nessa ocasião, o desenho em ondas já
existia, mas não tinha a sensualidade
atual. Também ficavam dispostas na
vertical, no sentido de quem anda, e não
paralelas ao mar. Nos anos 70, quando
assumiu a responsabilidade de desenhar
todos os pavimentos para a orla do bairro,
o paisagista Roberto Burle Marx enfatizou
o volume das curvas e as colocou paralelas
ao mar. É esse desenho, mantido até os
dias de hoje, que se assemelha ao visto na
bandeira da batalha de Uccello.
36
Tecendo Copacabana, 2010
Vídeo e rede de fios de cobre
com placa de metal
Montagem e sonorização: Célia Freitas
Imagens: Daisy Xavier, Célia Freitas
e Pedro Victor Brandão
38
Daniel Senise sempre marcou seu trabalho com os vestígios de
um corpo ausente. Esse fantasma nunca aparece na superfície ou
no resultado final das obras com a integridade que teve em outro
momento do processo artístico, do contrário jamais poderia ser
chamado com esse nome, “fantasma”. Memória de um corpo –
físico ou simbólico – que já teve outra vida e outra envergadura,
este espectro que alumbra e assombra a obra do artista carioca
desde os anos 80 casou-se perfeitamente com o bairro de Bota-
fogo, região da cidade sobre a qual ele se debruçou nestes Mapas invisíveis.
Em Botafogo, projeto site specific criado especialmente para o
lugar da exposição, Senise ocupou o piso da Galeria 1 da CAIXA
Cultural ainda vazia, antes da entrada dos outros trabalhos, com
as folhas caídas das árvores do Cemitério São João Batista em
um único dia: 22 de junho de 2010. O contorno da sala criou um
perímetro no espaço museográfico que foi invadido por um novo
mapa. Traçado orgânico mais que literal, a imagem dessa enorme
quantidade de material vindo do cemitério, um lugar tabu, gerou
uma sensação de avenidas marginais, de outro mundo possível.
Mas também de um enorme bolsão periférico, ostensivo, pesado,
ameaçador.
Depois de desenhado, o mapa de Senise foi fotografado ponto
a ponto, com a sequência de imagens criando em um espaço vir-
tual o mesmo perímetro visto de corpo presente na CAIXA. Uma
pilastra central no centro da sala foi aproveitada para a instalação
de três dessas imagens, montadas intencionalmente sem moldura.
Presas com alfinetes, como um projeto em construção, as fotos se
sobrepunham recuperando parte do traçado, o de um dos lados do
quadrado que dá forma à galeria.
A sobreposição das fotos aponta para outras camadas que co-
brem umas às outras. Botafogo é uma encruzilhada de fantasmas.
Vindas do lugar da morte, as folhas começam a virar pó lenta-
mente depois que se desprendem das árvores. Recolhidas em um
Daniel Senise e Botafogo
Making night hideous; and we fools of nature
So horridly to shake our disposition
With thoughts beyond the reaches of our souls?
Say, why is this? wherefore? what should we do?
William Shakespeare, Hamlet, Ato 1, Cena 4
39
único dia com a ajuda dos coveiros, a leva que foi para a CAIXA
encerra uma ideia de ciclo. As aleias e sepulturas podem ser var-
ridas hoje pela equipe do cemitério, mas, depois de um novo ama-
nhecer, outras folhas estarão ali, ocupando o território que na
véspera foi de outras. Um espelho para o fluxo diário do São João
Batista, que ainda é o mais nobre do Rio de Janeiro.
Os mortos de um dia sucedem os do anterior, com diferenças
apenas no luxo das coroas, no preço do esquife, no tamanho do
cortejo. Essas sutilezas caem por terra, literalmente, depois que o
caixão desce à sepultura: dividindo sua geografia entre mausoléus
suntuosos e uma grande encosta com gavetões ordinários, o ce-
mitério iguala pobres, ricos e remediados do Rio em sua hora final.
Botafogo, o bairro, é também uma espécie de fantasma na his-
tória carioca. A cidade de São Sebastião começa oficialmente na
Urca, com a fortificação erguida por Estácio de Sá para defender
a Baía de Guanabara dos ataques estrangeiros, sobretudo da in-
vasão francesa. Depois de vencido o inimigo, garantidos os do-
mínios da Coroa lusa, a Urca começa a ser desocupada e passa a
ser chamada de Cidade Velha. Os portugueses endinheirados, que
já faziam fortuna com os engenhos de açúcar e outras atividades,
erguem suas residências em bairros como a Glória, o Flamengo e
Botafogo. O Cemitério São João Batista foi inaugurado em 1851 e
demonstra um momento em que a região já tinha mortos suficien-
tes para gerar a necessidade de um território para enterrá-los.
Foi em Botafogo que Carlota Joaquina resolveu morar, depois
que chegou ao Brasil com dom João VI e cerca de 10% da popu-
lação de Lisboa. A praia, dizia ela, fazia bem ao seu humor. E, hoje
se sabe, era também uma boa desculpa para poupá-la da convi-
vência diária com o marido, instalado na Quinta da Boa Vista. Para
encontrá-lo, Carlota empreendia uma pequena viagem. A escolha
da rainha seria a mesma de uma elite comerciante, que ergueria no
bairro casarões suntuosos. Com a migração do eixo de status para
as praias oceânicas – Copacabana e depois Ipanema e Leblon –, as
mansões de Botafogo foram abandonadas.
Em 1951, a demolição do Palácio Mourisco para a construção
do Túnel Novo significou a derrocada dos anos de fausto. Botafogo
virou um bairro de passagem até ser redescoberto recentemente,
primeiro pelos produtores culturais de cinema e casas noturnas,
depois pela especulação imobiliária. No rastro desta nova fronteira
de ocupação, muitos dos palacetes ecléticos que ficaram décadas
desocupados estão sendo demolidos. A lembrança melancólica,
mas riquíssima, dos tempos dos barões está vindo abaixo para dar
lugar a condomínios. Os imóveis que sobrevivem viram pontos de
comércio, sobretudo laboratórios.
40
Botafogo, 2010
Site specific na galeria com folhas
recolhidas no cemitério São João Batista
no dia 22 de junho de 2010
Ampliação fotográfica
42
Cidades que morrem e outras que nascem, é disso que fala esta
exposição. A partir desse pressuposto, é muito rico e plausível o
diálogo entre a obra de Senise, o trabalho que o artista criou para
Mapas invisíveis, o São João Batista e o bairro à sua volta. Uma
lápide que marcou um afresco de Giotto marcaria também a car-
reira de Senise. Ao criar a série de quatro pinturas Ela que não está, de 1994, o artista sintetizou, no título do trabalho, um dos
motores de sua obra, talvez o maior deles. Em vez de pintar as
figuras criadas por aquele que talvez tenha sido o primeiro pintor
reconhecido como tal pela história da arte, Senise deu corpo ao
lugar da falta, ao signo da morte, à não-imagem.
A morte e a ressurreição das imagens continuam muito pre-
sentes no trabalho que o artista vem realizando nos últimos anos.
Botafogo, que ganhou a tridimensionalidade da galeria, ecoa em
Eva,1 instalação criada com tijolos feitos com a reciclagem de
convites de exposição, ou com a sala apresentada por Senise na
última Bienal de São Paulo. Soltos no espaço, seus fantasmas tal-
vez sejam menos evidentes. Mas continuam potentes.
Botafogo, 2010
Site specific na galeria com folhas
recolhidas no cemitério São João Batista
no dia 22 de junho de 2010
Ampliação fotográfica (detalhe)
1 Eva foi um projeto site specific criado
por Senise para o Centro Cultural São
Paulo em novembro de 2009. Os tijolos
feitos de convites de exposição reciclados
que foram cobrindo paulatinamente,
durante o curso da exposição, a escultura
Eva, de Victor Brecheret, uma das
principais peças do acervo da instituição,
até que ela desaparecesse atrás das
paredes. Uma olaria para a produção
dos tijolos foi instalada dentro do
espaço expositivo, para que os visitantes
acompanhassem o processo.
44
Com seu projeto para Mapas invisíveis, Luiz Alphonsus se rea-
proxima de uma série, Paisagens móveis, que acompanha seu
percurso desde os anos 70. Paisagem móvel – Aterro do Flamengo
se relaciona diretamente com a trajetória do artista ao propor o
deslocamento de uma faixa, estendida num domingo de sol em
uma das pistas do Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, conhecido
popularmente como Parque do Flamengo. Ou simplesmente Aterro.
A marca branca, que percorreu boa parte da via expressa, pro-
jetou-se para fora da parede e do plano da imagem para a galeria.
Uma faixa real escorria da tela e tomava o espaço da CAIXA, simu-
lando no espaço museológico um pouco do que é o Aterro desde
sempre. Caminho com visão para os dois maiores ícones cariocas,
o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor –, curiosamente duas mon-
tanhas marcadas por intervenções em seus topos – significou a
transformação de uma cidade de pedestres em outra, que se rendia
ao automóvel e à necessidade de expandir suas fronteiras para as
praias da região oceânica.
Com a ajuda do Parque do Flamengo,1 o Rio cresceria primei-
ro para Copacabana, depois para Ipanema, Leblon, São Conrado,
até chegar aos pântanos da Barra da Tijuca, de onde se expande
atualmente para regiões cada vez mais afastadas da Zona Oeste.
A conquista dessa fronteira rumo ao mar necessitava de um cami-
nho mais rápido entre a Zona Sul, Centro e uma praça Mauá cada
vez mais conectada à Zona Norte pela Perimetral. A perfuração do
túnel Santa Bárbara, realizada praticamente no mesmo período
do Aterro, colaboraria de forma decisiva com essa expansão, esse
redimensionamento da cidade.
A leitura de Alphonsus para o Parque do Flamengo apresenta-o
como uma passarela, por onde é possível ver a cidade desfilar suas
maravilhas. Mas o trabalho o mostra ao mesmo tempo como um
Luiz Alphonsus e o Aterro do Flamengo
Adeus praia do Flamengo
Só a saudade ficou no lugar
Adeus, Flamengo
O Prefeito mandou aterrar
Ai, ai Doutor
O que é que eu vou fazer com meu maiô
Ai, ai Doutor
A praia do Flamengo se acabou, que horror.
Luiz Quirino, em marchinha de carnaval gravada por Linda Batista.
1 O projeto urbanístico do Parque do
Flamengo é do arquiteto Affonso Eduardo
Reidy (1909-1964), mesmo autor do
prédio do Museu de Arte Moderna
do Rio de Janeiro (projeto de 1954) e
dos conjuntos habitacionais Prefeito
Mendes de Moraes (Pedregulho), em
Benfica (1946), e Marquês de São Vicente
(Minhocão), na Gávea (1952). O parque
foi desenhado entre 1954 e 1959, com
projeto paisagístico a cargo de Burle Marx
(1909-1994), mas as obras só começaram
em 1961, sob a coordenação de Lota de
Macedo Soares (1910-1967), gerando
imensa polêmica na opinião pública. O
parque tem sete quilômetros de extensão
e inclui os jardins criados por Burle
Marx para o entorno do MAM, além de
playgrounds, campos esportivos e pistas
para caminhada. O aterro propriamente
dito foi feito com material de desmonte
do morro de Santo Antônio. A obra fez
parte de um conjunto de iniciativas que
visava resolver o problema viário causado
por uma cidade em expansão, com número
crescente de carros.
45
obstáculo. Afinal de contas, ao levar a cabo o maior aterro urbano
do mundo, o Rio afastou seus moradores do mar, transformando
a antiga Avenida Beira-Mar em um nome inadequado para uma
via expressa que passou a ser banhada não por águas, mas por
concreto. A epígrafe deste texto, marchinha de carnaval gravada
por Linda Batista, ícone da Era do Rádio, mostra o grau de contra-
riedade que a obra causou.
As expansões e as contenções da cidade, com suas formas
e organização ambíguas, sempre marcaram a obra do artista.
Alphonsus nasceu em Belo Horizonte, mas ainda criança, em 1955,
veio morar no Rio de Janeiro, que, como conta o crítico Fernando
Cocchiarale em seu texto Entre o cósmico e a cosmos polis,2 era en-
tão cidade hegemônica na construção da identidade cultural bra-
sileira. A invenção de Brasília fez com que a família Guimaraens
se mudasse para a nova capital, e foi lá que o artista se uniu a Cil-
do Meireles, Alfredo Fontes e ao músico Guilherme Vaz em um gru-
po de arte fortemente marcado pela experiência de viver em uma
cidade em construção e, mais tarde, numa capital ilhada do país
em plena ditadura militar. No fim dos anos 60, Alphonsus voltou
ao Rio de forma definitiva, para aqui participar da efervescência do
Museu de Arte Moderna e dos grupos de arte conceitual e de expe-
rimentação que se multiplicavam. Relembrar o histórico do artista,
como bem explica Cocchiarale em seu texto – e volta a se fazer
aqui – tem um sentido. A biografia de Alphonsus mostra como ele
sempre esteve marcado pela experiência urbana e por momentos
cruciais da história das duas cidades, Rio de Janeiro e Brasília.
Em sua obra, o Rio vai ser o que a psicanálise chama de um
“atravessamento”: um acontecimento marcante e fundador, para
onde o olhar e atitudes, orientados pela psique, vão se dirigir, por
toda uma vida. Impossível dissociar sua produção de um pensa-
mento sobre a paisagem, sobretudo a paisagem urbana. Em vá-
rios suportes – fotografia, site specific, performance e também na
pintura, esta última sua manifestação primeira como artista –,
Alphonsus vai criar projetos de expansão e alteração da paisagem
em busca de outro modo de olhar o mundo.
Não por acaso, o artista vem criando, desde os anos 60, uma
relação entre a cidade e o cosmos. Nas fotografias, imagens de
detalhes sobrepostas à imagem principal, como closes invadindo
a panorâmica, marcam uma espécie de visão via satélite, como
se ele tentasse conjugar, no mesmo apanhado visual, o macro
e o microcosmos de cada lugar. Em Projeto para uma nova pai-sagem no planeta Terra, instalação de 1972, recriou caminhos
com pedra de brita e áreas brancas. Usadas quase como um ne-
gativo da superfície – um marco-zero –, as superfícies brancas se
2 COCCHIARALE, Fernando.
Entre o cósmico e a cosmos polis.
Rio de Janeiro: MAM, 2005.
46
Paisagem estrutura móvel, 2010
Aterro
Participaram da realização do trabalho:
Julio Callado e Domingos Guimaraens
apresentam, também, de forma ambígua. Como no trabalho rea-
lizado para Mapas invisíveis, ora são obstáculo, ora são outra
via, algo como uma terceira margem, uma trilha marginal e im-
prevista, um simbólico “caminho do meio”. No trabalho seminal
para todos os outros, 60 white meters (1969), Alphonsus fotogra-
fou uma faixa branca de 60 metros de comprimento percorrendo
praias, ruas de asfalto, campos. Aí ela já se apresentava também
como um vestígio de caminho, um passante, marca de uma pre-
sença que percorreu aquelas paisagens.
A faixa voltaria de inúmeras maneiras, não só no já citado Pro-jeto para uma nova paisagem no planeta Terra, mas também em
Dedicado à paisagem do planeta Terra, instalação criada um ano
antes, em 1971. Marcaria também a pintura do artista, como
em Corte em uma montanha, do mesmo ano. Nesta imagem, a li-
nha branca corta a Pedra da Gávea, separando-a em dois campos,
mas, sobretudo, lhe dando uma profundidade que é ignorada na
maneira usual que a enxergamos, como um paredão que desenha
e abriga a orla da Zona Sul carioca.
O jogo entre negativo e positivo, tanto pela oposição entre
branco e preto quanto pela utilização de espelhos e inversões,
é outra marca do trabalho de Alphonsus. Em Horizonte, outra
obra de 1971, díptico de fotos em preto e branco, água vira céu
e céu vira mar, num simples e interessantíssimo jogo óptico.
Em Negativo-positivo, da série Edições (1970-1984), ele cavava
buracos em forma de paralelepípedo na terra e, depois de fazer
uma fogueira na área interna das cavidades, jogava com a dua-
lidade entre matéria viva e morta, vegetação existente e vegeta-
ção faltosa, terra fértil e terra carbonizada.
O trabalho de Alphonsus sobre o Aterro fez com que ele revi-
sitasse questões que sempre lhe foram preciosas. Como a faixa
branca, o Parque do Flamengo margeia a paisagem carioca como
uma linha que ora expande e ora oprime o que está em volta,
encaixando-se à perfeição na dualidade proposta pelo artista.
O Aterro também foi e é, simbolicamente, uma terceira margem,
caminho visível que aponta para o curso invisível da história ur-
bana do Rio. Como um close que revela os detalhes de uma linda
panorâmica, com direito a visão frontal do Pão de Açúcar.
48
Luiza Baldan e a Barra da Tijuca
De murunduns e fronteiras, trabalho de Luiza Baldan para Mapas invisíveis, destaca e aprofunda questões fundamentais da obra
da artista a partir de um mergulho na Barra da Tijuca, especifi-
camente no conjunto de condomínios de alta renda conhecido
como Península. Baldan começou sua trajetória através da foto-
grafia, embora desde o início taxá-la como fotógrafa significasse
uma redução de seu campo de interesses. Ainda que a fotografia
ainda seja seu suporte mais frequente, a artista não empenha sua
atenção nas questões inerentes à reprodutibilidade das imagens.
A fotografia – assim como o vídeo, que ela experimenta nesta
exposição – é um meio para que ela fale de sua relação cada vez
mais direta com o espaço, não só no que ele tem de escultórico,
mas, sobretudo, como um campo de experimentação de tempos
distintos a partir do confronto com sua memória.
Para realizar De murunduns e fronteiras, a artista morou du-
rante o mês de agosto de 2010 em um apartamento da Península.1
Nesse período, circulou pelas áreas comuns do conjunto de pré-
dios, como jardins e playgrounds, e usou o serviço de transporte
do condomínio. Ao propor essa residência, Baldan pretendia dar
continuidade a uma experiência vivenciada no Conjunto Habi-
tacional Prefeito Mendes de Moraes, o Pedregulho, em Benfica,
onde passou cerca de 30 dias em dezembro de 2009. A partir da
convivência com os moradores desse condomínio extremamente
popular, ela criou a série de fotos Natal no Minhocão, além de
produzir um conjunto de imagens que são indissociáveis de um
texto escrito durante a temporada em Benfica. Parte de sua dis-
sertação de mestrado, “Lugares que habitam lugares”,2 tratava
exatamente da importância que este texto passou a ter na sua
pesquisa. Um discurso não linear e sem compromisso com o re-
lato fidedigno dos acontecimentos, que fundia o confronto com
um novo lar, provisório, nômade, com o repertório das inúmeras
casas onde a artista viveu ao longo dos anos.
O bote ficou fora de alcance, na praia do leste.
O que perco não é muito: saber que não estou preso,
saber que posso partir da ilha; mas alguma vez
pude ir embora?
Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel.
1 Luiza Baldan morou na Península
com o apoio da construtora Carvalho
Hosken, que cedeu um loft para a
artista durante um mês e a auxiliou
em tudo o que foi necessário em sua
pesquisa no condomínio.
2 Dissertação de mestrado defendida
em 2010 na linha de Linguagens
Visuais do Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais da UFRJ, sob a
orientação de Milton Machado.
49
Essa memória da artista em relação ao habitar lista residên-
cias em diversos bairros do Rio e países como os Estados Unidos e
a Espanha. Baldan viveu em mais de 20 casas em seus 30 anos de
vida. Esse é possivelmente um dos motores de seu interesse pelo
registro de lugares que são deslocados de sua identificação usual
e dos clichês com que são percebidos para virar um território sus-
penso, que pode ser em qualquer lugar, mas certamente atende
ao chamado de um “lá”, de um porto para onde a memória – da
artista e de quem está diante das imagens – se dirige.
Não por acaso, ela tem especial interesse pelo tema da fron-
teira. Esse limite pode ser geográfico, surgindo a partir de seu
deslocamento para um lugar que não é o seu, ou simplesmen-
te como a sobreposição de dois “estados” de ambiente. Neste
segundo caso, enquadram-se, por exemplo, inúmeras fotos de
janela, em que o “lado de fora”, com sua paisagem, invade e é
invadido pelos ambientes do “lado de dentro”. Mas a fronteira,
na obra de Baldan, também tem a ver com transições de tempo e
de luz. Na recente exposição “Sobre umbrais e afins”, apresenta-
da em 2010 na Plataforma Revólver, em Lisboa, a artista reuniu
fotos de 2004 a 2010 em que aparecem ambientes/territórios
na penumbra. Eles são atravessados por outra intensidade de luz,
que é registro de outro tempo, tão estrangeiro como ela própria
quando se propõe a uma residência num lugar que não é o seu.
Algumas dessas imagens contêm portas e janelas, que deixam
entrever outro ambiente, outro mundo, território a ser percorrido
depois de ultrapassados os limites do território que se sobressai
em primeiro plano. Na série Entre o sono e a vigília (2006-2010),
une a ideia de um olhar visitante com a de transição de tempo.
Dorme uma noite na casa de alguém, fotografando o anfitrião
assim que ele acorda e sem que faça qualquer outra coisa antes
de posar para ela. Se por um lado este é um projeto que reforça
a característica globe trotter e às vezes fugidia da relação de
De murunduns e
fronteiras, 2010
Vídeo
50
Baldan com a noção de lar, por outro, demonstra com muita cla-
reza a tentativa da artista de alinhavar e perpetuar momentos
efêmeros, transitórios, fazendo deles lampejos de eternidade. Ao
guardar a imagem, ela desloca tempo e espaço para o campo da
não identificação e é justamente esse deslocamento que garante
a sobrevivência do que é retratado.
Em De murunduns e fronteiras, a imagem guardada não é só
imagem. É também texto, ampliando as relações entre campo vi-
sual e palavra iniciadas no trabalho do Pedregulho. A artista cria
um vídeo formado por três projeções, que ora se separam em três
imagens em tempos distintos, ora se unem numa panorâmica.
Esses filmes registram um mapa de fato invisível da Península:
uma ilha no meio da lagoa que separa esse bairro fechado do
terreno do Barra Shopping, para onde os moradores vão atra-
vés de um serviço de balsa. Baldan experimentou a vida na ilha
durante dois dias, registrando-a também em passeios de barco
pelas águas que banham o condomínio. Foi levada a esta viagem
introspectiva pelos barqueiros da Manglares, empresa responsá-
vel pela limpeza do mangue. O texto produzido nesse período,3
que teve um trecho transformado em narração em off do traba-
lho, tem a mesma estrutura fragmentada das imagens. Captura
sensações da artista de maneira entrecortada, fundindo cheiros,
sons e imagens dessa região da Península – o mangue, o piar de
passarinhos, a água invadindo a vegetação e o desenho infantil
de um sol feito no chão do cais onde ela pegava a balsa – com os
cheiros, sons e imagens dos lugares em que Baldan viveu.
Se o texto é escrito em golfadas, transmitindo novidades e
dejà vu em um só tempo, as imagens fazem exatamente a mesma
operação. Os projetores são como um arquipélago de três ilhas,
que têm como única ligação a fluidez das águas. Uma mesma
panorâmica pode ser dividida em três tempos muito próximos e
igualmente muito distantes, com os projetores funcionando des-
compassados até um fio de discurso – visual e poético, já que
ocorre sincrônico ao texto narrado – conseguir transformá-los
em uma só cena.
A sensação de estados transitórios, que se eternizam a partir de
lapsos de memória, volta aqui com um grau altíssimo de potência.
O mergulho na Barra da Tijuca e a descoberta deste mapa invisível
na Península criam novas transitoriedades e transformações para
um único lugar. Bairro de prancheta, planejado pelo arquiteto
e urbanista Lúcio Costa, a Barra sempre esteve culturalmente à
margem do resto da cidade – tentando, inclusive, se emancipar,
em uma campanha de 1988. O desconhecimento dos moradores
de lá do resto da cidade já foi retratado em inúmeras reportagens
3 Trechos do texto de Luiza Baldan
lidos pela artista no trabalho
apresentado na mostra:
Caminho de volta. A sombra é invertida.
Agora já são mais de 60 borboletas.
Parei de contar quando uma estava para
morrer. Não tive coragem de guardá-la.
Estou numa porção de terra cercada
de água por todos os lados, menos um,
ligado ao continente. Quase ilha.
O cheiro de mangue ativa alguma
parte da memória e me joga para
longe. Precisamente dez anos atrás.
A incompatibilidade entre o tempo
corrido, o vivido, o lembrado, o
esquecido, o sonhado. Pessoas e
lugares que não posso resgatar.
Pequenos falecimentos coletivos.
( . . . )
Mangue-vermelho, mangue-preto e
mangue-branco. Rizófora e casuarina.
Rede de contenção de lixo, garrafa
pet 2 litros, alga, gigoga, pneumatóforos,
jacaré, capivara, gambá, frango d’água,
mutuca, jaçanã, garça-branca,
garça-rosa, biguá, biguatinga, socó,
socó-boi, gavião-carrapateiro,
gavião-carcará, martim-pescador,
maçarico.
( . . . )
Pisei no sol. Demora um tempo
para o olho se acostumar e enxergar
através do regurgito. Espinha de peixe,
conchas e formigas se camuflam
pela fuligem e a capa branca e ácida
do vômito dos pássaros. Penas de todos
os tamanhos. Coco verde e coco seco.
O balanço das folhas e galhos lembram
passos, apesar de eu estar sozinha.
51
e pesquisas, que demonstram que a Barra é, de certa maneira,
uma ilha. Por outro lado, o preconceito e o lugar-comum com que
os moradores dos outros bairros tratam a região é uma realidade.
Em De murunduns e fronteiras, Baldan quebra esses clichês,
mas vai muito além ao se reencontrar com a ambiguidade entre
eterno e efêmero, entre perene e nômade, que norteia toda a sua
trajetória. Ao vivenciar essa sensação de naufrágio das imagens
de um modo quase literal, ela mostra que estar à deriva pode ser
uma boa forma de atracar no cais.
De murunduns e
fronteiras, 2010
Fotografia
54
Comer Madureira? Só se for agora! A proposta do OPAVIVARÁ!
soou irresistível. O coletivo começou a visitar o bairro da Zona Nor-
te assim que ficou definido que o “mapa invisível” seria a terra do
jongo da Serrinha, do Império Serrano, da Portela, do baile charme
embaixo do viaduto. Madureira é o maior reduto de cultura popu-
lar de origem africana no Rio de Janeiro.
Madureira também tem seu Mercadão, e foi lá que o OPAVIVA-
RÁ! resolveu fincar suas bases para mergulhar no bairro. Inaugura-
do em 1959, pelo então presidente Juscelino Kubitschek, o Merca-
dão de Madureira começou como um grande ponto da Ceasa para
comercialização de gêneros de hortifrutigranjeiros. Com o passar
dos anos, os comerciantes foram diversificando suas atividades, e
hoje é possível comprar, no mesmo lugar, da couve para a feijoada
às contas para fazer a guia encomendada pelo pai de santo; do
esmalte que virou a última moda nos salões da Zona Sul a todos os
artigos para organizar uma festa de aniversário.
Nas várias visitas ao Mercadão, o OPAVIVARÁ! realizou um en-
saio fotográfico com os vendedores dessas lojas. Os retratos dessa
gente anônima viraram uma exposição, nada tradicional: em vez
de papel ou qualquer mídia digital, o suporte para as imagens eram
os “bolos de foto”, extremamente populares no subúrbio. Na Zona
Norte carioca, é muito comum as famílias comemorarem os ani-
versários de seus filhos aplicando um retrato da criança em papel
de arroz. A imagem é impressa com anilina comestível, e o bolo é
coberto com essa película, ganhando moldura de glacê tingido no
mesmo tom e enfeites variados. O retrato vira o tema do aniver-
sário e frequentemente se espalha pelas lembrancinhas da festa:
convites, ímãs de geladeira, saquinhos com pequenos brinquedos
e guloseimas.Mapas invisíveis teve sua inauguração marcada em data muito
próxima ao aniversário do Mercadão, que fez 51 anos em dezem-
bro. Os artistas fizeram sua homenagem ao lugar com Mercadão de Madureira – parabéns pra você, série de 24 bolos com fotografias
OPAVIVARÁ! e Madureira
A alegria é a prova dos nove.
No matriarcado de Pindorama.
Oswald de Andrade, Manifesto antropofágico.
Mercadão de Madureira,
parabéns pra você!, 2010
Instalação e performance
no hall da CAIXA Cultural
na abertura da exposição
58
dos trabalhadores do lugar. Gente que fica atrás dos balcões para realizar o sonho alheio. Ou chega cedinho com frutas e legumes para abastecer a mesa de inúmeras famílias, além de bares e res-taurantes que são clientes há anos do mesmo lojista. O Mercadão é o motor da cultura negra presente nas veias e nas vias de Madu-reira: é de suas lojas que saem plumas, paetês, isopor e aviamentos, para muitas fantasias do Império Serrano e da Portela. É lá que muitos filhos de santo encontram os animais vivos, o dendê e as ervas necessários para os rituais do candomblé.
Confeitados em uma loja próxima da CAIXA Cultural, os bolos do OPAVIVARÁ! tiveram as fotos impressas em papel de arroz no próprio Mercadão. No dia da abertura da exposição, 22 de novem-bro, uma mesa de cinco metros de extensão expôs os 24 retra-tos comestíveis, montados como um grande mosaico. Os artistas desfilaram no foyer do centro cultural carregando um aparelho de som, que tocava músicas sobre Madureira, enquanto serviam os convidados dessa grande festa.
Comer o inimigo para ganhar um pouco de sua força, de seu poder. Esse era o princípio da antropofagia dos índios canibais que habitavam a costa e as matas brasileiras, caso dos tupinam-bás. Fonte de inspiração do Manifesto antropofágico e de nosso modernismo, a antropofagia é quase inevitável – talvez o único caminho viável e sábio – para um país como o Brasil, soterrado por séculos de dominação econômica e política, portanto também cultural. “Da adversidade vivemos”, voltou a afirmar a 24ª Bienal de São Paulo, assinada por Paulo Herkenhoff,1 em 1998. O pano-rama artístico traçado pelo curador mostrava a aproximação de artistas como Lygia Pape, Adriana Varejão, Tunga e Beatriz Milha-zes desse roubo consentido que a arte brasileira faz de outras artes, para dar a elas sua cara. E ainda do engolir o outro – comendo-o, literal e simbolicamente – para então criar algo como o poema de Mário de Sá-Carneiro, o atormentado contemporâneo de Fernando Pessoa: “Eu não sou eu/ nem sou o outro/ Sou qualquer coisa de in-termédio: / Pilar da ponte de tédio/ Que vai de mim para o Outro”.2
Na esteira do Abaporu, de Tarsila do Amaral, sobretudo da Roda dos sabores, de Lygia Pape, o OPAVIVARÁ! criou, com Parabéns pra você uma nova edição da feijoada de Macunaíma na piscina do Parque Lage. No foyer da CAIXA, comer Madureira foi ser im-pregnado com a alma do bairro que, se não é/era de modo algum um lugar inimigo dos convivas, pode ser uma região estranha e desconhecida para boa parte dos participantes, sobretudo os mo-radores da Zona Sul carioca. Com um amálgama feito com glacê e com a singeleza das festas suburbanas, o OPAVIVARÁ! conseguiu criar um fio invisível, capaz de unir partes muito distantes e parti-das de uma mesma cidade.
1 A 24ª Bienal entrou para a história como a “Bienal da antropofagia” e mostrou que, muito longe de ser um tema, uma imagem ou um estilo, esta era uma questão fundamental para a arte.
2 SÁ-CARNEIRO, Mário de. Indícios de ouro. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995 [1914].
59
A festa e os fluxos, assim como a aproximação da cidade, es-tão na base da proposta poética do grupo desde sua criação, em 2005. O primeiro trabalho a usar a ideia de uma cozinha coletiva foi Associados, criado para a exposição Orlândia (2007), em uma casa na Rua Jornalista Orlando Dantas, no Flamengo. Em 2008, o OPAVIVARÁ! criou Salada mista, piscina plástica cheia de água e frutas tropicais, onde os espectadores, deixando a passividade da contemplação, podiam nadar e comer. No aniversário de 18 anos do CEP 20.000, uma ação realizada no Espaço Cultural Sérgio Porto fundia novamente comida e festa: uma montanha feita com bis-coitos, balas e pirulitos tomou o lugar do bolo, com direito a vela e tudo, enquanto os integrantes do grupo espremiam laranjas e ser-viam o suco para o público. No fim de 2010, os artistas participa-ram de ações na reedição dos Domingos de Criação, do Museu de Arte Moderna. Em uma delas, ocuparam os pilotis do MAM e a área do Parque do Flamengo em frente ao museu com dezenas de redes, enquanto serviam espetinhos de legumes e frutas para os convivas.
A relação do OPAVIVARÁ! com a cidade também guarda essa relação com a festa e a descoberta do outro. Em Pula cerca, que o grupo fez para o Viradão Carioca de 2009, uma escada foi aberta no gradil da Praça Tiradentes, possibilitando que a população ocu-passe a área mesmo quando o portão da praça estivesse fechado, à noite. Em Transporte coletivo, criado para a edição do ano seguinte do mesmo evento, o grupo convidou o público a andar pelo Centro da cidade pedalando sobre bicicletas adaptadas, coletivas, trans-
formadas em centopeias sobre rodas.
60
Na ação Eu amo camelô (2009/2010), os artistas transforma-
vam os vendedores das praias, caminhantes das areias, em paisa-
gem. Sua iconografia e seus sons, em elementos constitutivos da
cidade. As cadeiras de praia triplas criadas para esta exposição,
realizada na Galeria Toulouse, voltariam em Ecológica (2010), no
Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde o público se sentava
para contemplar a paisagem da arte. O mesmo mobiliário criou
uma praça para degustação de um narguilé coletivo na exposição
Liberdade para mim é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome (2010), com curadoria de Bernardo Mosqueira, realizada em uma
casa no Jardim Botânico.
Com um nome que é ao mesmo tempo cumprimento, saudação
e afirmação da alegria de viver, o OPAVIVARÁ! recupera a relação
entre arte e ritual. A festa e a comida são um rito, assim como ocu-
par a cidade significa caminhar sobre ela, descobri-la em trânsito,
como quem participa de uma procissão ou de um desfile de carna-
val. A maior festa carioca é, em sua origem, um ritual de iniciação,
marcação religiosa das passagens de tempo e das transformações.
Pelas mãos de Momo, voltamos facilmente para Madureira. Em-
bora escolas muito importantes para nossa folia fiquem na Tijuca e
seus arredores – Mangueira, Estácio, Salgueiro –, nenhum bairro é
tão importante para a tradição do carnaval carioca quanto Madu-
reira. Juntas, Império Serrano e Portela guardam muito da história
do Carnaval. A velha guarda portelense dispensa comentários e
Mercadão de Madureira,
parabéns pra você!, 2010
Registro da performance
e das visitas ao Mercadão
de Madureira. O grupo
fotografou o local e expôs as
imagens em bolos no dia da
abertura da mostra
61
está na raiz mais nobre do samba do Rio de Janeiro, da qual Mo-
narco e Paulinho da Viola, ainda em atividade, são os descenden-
tes mais evidentes. Já a Serrinha, com o Império e o com o jongo
dançado até hoje por Tia Maria e suas discípulas, é a depositária
da herança cultural que é quase um sinônimo para a palavra ritual.
O Império marca sua bateria com a batida do agogô, instrumen-
to que não deixa dúvidas sobre a cadência africana e religiosa de
seu samba. A devoção por São Jorge, Ogum na tradição afro-brasi-
leira, é outro elemento indissociável da história da escola. Portela
e Império também reafirmam sua tradição através da festa e do
alimento: a feijoada, comida dos pretos velhos nos terreiros de um-
banda, é o momento de congraçamento dos integrantes irmanados
pelas mesmas cores de bandeira. É nas festas que são apresentadas
fantasias, que se escolhe o samba-enredo que vai ser cantado no
próximo desfile, que se ensaia para um carnaval vencedor.
E, já que se chegou à comida de terreiro, bolo com glacê é prato
principal nas giras de criança, os erês, representados por Cosme
e Damião no sincretismo religioso. Ao transformar Madureira em
bolo, o OPAVIVARÁ! conseguiu servir, na mesma fatia, uma série de
simbioses e encruzilhadas.
Comer Madureira é se alimentar da alma de um bairro que é
matriz da cultura carioca. E fazer corinho com Oswald de Andrade
e sua antropofagia: a alegria é mesmo a prova dos nove.
62
O bairro de São Cristóvão é um dos lugares do Rio de Janeiro onde
se percebe mais claramente a sobreposição de camadas históri-
cas, com vários tempos convivendo no presente. Na montagem de
Mapas invisíveis, na CAIXA Cultural, o trabalho de Paulo Vivacqua
feito a partir do encontro com o bairro tirou partido disso ao
transformar parte do foyer da instituição em uma espécie de hall de entrada para a mostra. Mosaico, instalação sonora criada pelo
artista, enfatiza a pluralidade de discursos dessa região da Zona
Norte carioca ao fazer um grande panorama dos sons presentes
ali, mesclados a depoimentos de moradores e frequentadores de
lugares como a Feira Nordestina, que acontece nos fins de sema-
na, no Pavilhão de São Cristóvão.
Montado em uma parede estratégica, com um banco para re-
pouso dos visitantes encostado a ela, Mosaico funcionou ainda
como um cartão de visitas do conceito mais amplo de Mapas invisíveis. Sem nenhum estímulo visual para codificá-las, as ca-
madas de História e histórias de São Cristóvão apresentavam ao
visitante as possibilidades de percepção enviesadas que pretendí-
amos destacar em todos os 12 “mapas” criados para a exposição.
Como vem acontecendo na trajetória de Vivacqua, as peque-
nas caixas de som foram montadas como um circuito, emitindo
informações de maneira escalonada. O efeito é de uma paisagem
sonora, que podia ser percebida pelos visitantes que se sentavam
no banco para repousar, na hora do almoço, apenas como um
estímulo auditivo, mas oferecia outra aproximação, em que se
somava o som à disposição das caixas de som na parede de vidro
opaco. Unidas por fios de cores diferentes, elas criavam uma car-
tografia de fluxos e sentidos muito peculiar para o campo visual.
Paulo Vivacqua e São Cristóvão
Tão longe estamos do mundo que não tarda que
comecemos a não saber quem somos, nem nos
lembramos sequer de dizer-nos como nos chamamos, e
para quê, para que iriam servir- nos os nomes, nenhum
cão reconhece outro cão, ou se lhe dá a conhecer, pelos
nomes que lhes foram postos, é pelo cheiro que identifica
e se dá a identificar, nós aqui somos como uma outra
raça de cães, conhecemo-nos pelo ladrar, pelo falar, o
resto, feições, cor dos olhos, da pele, do cabelo, não conta,
é como se não existisse, eu ainda vejo, mas até quando.
José Saramago, Ensaio sobre a cegueira.
63
Essa união entre os dois sentidos, audição e visão, permeia
toda a obra de Vivacqua e aparece de maneira muito forte em
seu trabalho Ninfeias (2009). Nesta instalação, as caixas de som
formam um grande objeto escultórico junto com a mesa de vidro
sobre a qual estão montadas. Boiando na superfície translúcida,
o circuito sonoro faz alusão às ninfeias de Monet, gigantesca
série de paisagens panorâmicas pintadas pelo impressionista em
Giverny, no fim da vida, quando já estava praticamente cego. Ci-
tar uma obra de um mestre da pintura em um momento em que
ele começava a ser privado da visão foi uma estratégia interes-
sante usada pelo artista, direcionando a atenção do espectador/
experimentador de seu trabalho para a possibilidade sinestésica
vinda de outro(s) sentido(s) além do olhar.
Quando o caminho curatorial de Mapas invisíveis começou a
ser desenhado, surgiu o desejo de chegar a São Cristóvão sem
uma interpretação literal ou meramente ilustrativa de um dos
muitos momentos importantes vividos pelo bairro. Território ori-
ginalmente ocupado pelos índios tamoios, aliados dos invasores
franceses durante o período França Antártica, São Cristóvão as-
sistiu à dizimação violenta da tribo depois que os portugueses
recuperaram o território, vencendo os inimigos. Vieram então os
jesuítas, que chegaram ali com suas escolas de catequese, en-
genhos e fazenda. Mais tarde, no século XIX, ricos comerciantes
construíram suas quintas naquela região aprazível, ainda mui-
to alagada, mas cheia de áreas verdes. Um deles, Elias Antônio
Lopes, acabou cedendo sua propriedade para o príncipe regente
dom João quando este chegou ao Brasil com a corte, em 1808, fu-
gido de Napoleão. “Portugal mudou-se”, brincavam os chargistas
[próximas páginas]
Mosaico, 2010
Alto-falantes, fios,
4 canais de áudio
2 CD players
66
da época, em caricaturas que mostravam uma plaquinha cobrin-
do o mapa do país. E a nova morada da coroa lusa foi justamente
São Cristóvão, com as casas em volta da Quinta da Boa Vista
desapropriadas para dar lugar ao séquito joanino. Os moradores
eram notificados de que perderiam seu pouso com a inscrição
“PR”, de “príncipe regente”, pintada na porta de suas casas. Os
cartunistas não demoraram a fazer chiste das iniciais, transfor-
mando “PR” em “Ponha-se na Rua”.
No século XX, São Cristóvão manteve a enorme colônia por-
tuguesa, que se espalha ainda pela Gamboa, pelo Santo Cristo e
por toda a Zona Portuária. Ao longo dos últimos 100 anos, foi
bairro operário, polo têxtil e também se transformou na meca
dos muitos migrantes nordestinos do Rio de Janeiro, que têm na
Feira de São Cristóvão sua festa semanal e seu ponto de encontro.
A construção da Linha Vermelha cobriu o bairro com uma espécie
de manto de invisibilidade. A alteração radical da paisagem em-
baixo do enorme viaduto, a falta de luz e, sobretudo, o aumento
da poluição e do ruído fizeram com que a região, que já foi uma
das mais nobres da cidade, se transformasse em uma passagem.
São Cristóvão é hoje um lugar em que quase nunca se vai e que
muitas vezes se enxerga apenas de cima, da janela do carro.
Optar por um trabalho que enfatizasse apenas uma dessas
muitas trilhas visuais seria sem dúvida uma opção para a mos-
tra. Mas o Mosaico de Vivacqua vai além, apresentando o bairro
como um desenho gráfico e também sonoro, tirando partido da
balbúrdia de São Cristóvão para destacar as sutilezas que não
vemos: tempos e discursos sobrepostos, sons agradáveis e outros
nem tanto, que têm em comum o fato de que não podem ser per-
cebidos apenas de passagem, como quem vê algo de relance, de
cima do viaduto. Uma paisagem sonora exige silêncio e mirante
para sua contemplação.
67
Paulo Vivacqua na visita
que fez à Feira de São
Cristóvão, onde percorreu
lojas de objetos, livros
de cordel e comidas
típicas recolhendo sons
e depoimentos para
seu Mosaico
68
Chega pelo nariz e não pelo olho o mapa invisível que Rosângela
Rennó traçou da região da Saara. A Sociedade de Amigos das Adja-
cências da Rua da Alfândega administra o maior centro comercial
a céu aberto do mundo, em um perímetro que tem como limites o
Campo de Santana, a Rua dos Andradas, a Avenida Presidente Var-
gas e a Rua da Constituição, abarcando ruas importantíssimas na
história urbana do Rio, caso da Buenos Aires, da Senhor dos Passos
e, é claro, da Alfândega.
Acostumada a encontrar elementos incomuns – mas que são
algo em comum – nas várias imagens de um mesmo acervo fo-
tográfico, em peças de antiquário ou nos discursos de várias mu-
lheres que, como ela, foram batizadas como Rosângela,1 a artista
trabalhou, em Mapas invisíveis, com o patrimônio imaterial de um
dos lugares mais ricos e curiosos da cultura carioca.
No trabalho per fumum (pela física quântica nós só temos o que construímos), Rennó identificou que o incenso é um elemento de
todas as culturas que povoam a Saara. Faz parte da liturgia religio-
sa dos três grupos principais de comerciantes da região – árabes,
judeus e coreanos – e também está presente nas missas católicas
das cinco igrejas2 presentes no território da Saara (seis, se contar-
mos a Igreja do Rosário, que fica às margens da região) e no ritual
umbandista que saúda São Jorge. No sincretismo religioso do Rio,
que é diferente do da Bahia, o santo guerreiro foi fundido ao orixá
Ogum. A festa da alvorada, na madrugada do dia 23 de abril, Dia
de São Jorge, é sem dúvida mais popular e movimentada que a de
São Sebastião, padroeiro da cidade, celebrado no dia 20 de janeiro.
Com o incenso como porto de partida, ela escolheu destacar o
lado ritualístico do material ao fazer uma intervenção urbana no
local. No Dia de Reis, 6 de janeiro, a artista distribuiu as sete es-
sências pelos sete quarteirões da Rua Senhor dos Passos: a metade
do número dos passos da paixão de Cristo, na Via-Crucis. Nesse
grande defumadouro, o incenso teve sua função simbólica recu-
perada, a de limpar o ambiente para fazer a ligação entre corpo
Rosângela Rennó e a Saara
Tai deu um tapinha na narina esquerda de Aadam:
– Sabe o que é isto, nakku? É o lugar onde o mundo
de fora se encontra com o mundo que existe dentro
da gente. Se eles não combinam, você sente aqui [...]
Siga seu nariz e você há de ir longe.
Salman Rushdie, Os filhos da meia-noite.
1 O trabalho em questão é Espelho
diário (2001). Em um vídeo, Rennó
protagoniza as histórias de outras
Rosângelas, colecionadas por ela ao
longo de oito anos a partir de recortes
de jornal.
2 As igrejas eram as construções onde
a população do Brasil colonial ostentava
seu poder econômico, como conta Nireu
Cavalcanti em “Rio capital da colônia”,
um dos artigos do livro Rio de Janeiro –
cinco séculos de transformações urbanas
(Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010).
Isso explica a grande quantidade de
igrejas da Saara, região muito antiga no
traçado urbano do Rio. Algumas delas,
como a de Santo Elesbão, foram erguidas
por irmandades negras, mantidas por
ex-escravos.
69
e espírito, terra e céu, o religare proposto pelo sentido original de todas as religiões, as representadas no Saara e as que não estão lá.
Os Reis Magos do Oriente teriam sido os primeiros a acreditar em Jesus como o Messias, partindo em caravana para visitar e presentear o menino recém-nascido em Belém. Ao realizar sua
ação no dia em homenagem a eles – e na Rua Senhor dos Passos, que recebeu esse nome justamente numa referência à Paixão de
Cristo – Rennó alinhavou de maneira poderosa os significantes de seu diálogo com esta região da cidade, como numa comunhão.
Esses dois elementos – Reis Magos e sua relação com a mirra e
o incenso, somados aos Passos da Paixão – significaram, ainda, um fio invisível com a história da Saara. Antigo caminho das mulas que traziam o ouro vindo das Minas Gerais, a Rua da Alfândega recebeu esse nome por desaguar no prédio que hoje abriga a Casa
França-Brasil – construído para ser, de fato, a Alfândega depois da chegada da Corte ao Rio de Janeiro. A proximidade com o porto ampliou ainda mais a vocação para o comércio da região, onde imigrantes sírios, libaneses e judeus de várias partes da Europa en-contraram abrigo. A Saara sempre foi um lugar de passagem, um caminho a se percorrer, uma descoberta a ser feita a pé.
Além das mulas e do escoamento da mercadoria do porto, foi palco de algumas das primeiras procissões realizadas por dom João VI e seu séquito, muitas em homenagem a São Gonçalo do Amarante, o verdadeiro dono da Igreja de São Jorge, localizada na Alfândega, às margens do Campo de Santana. O passeio de clientes e prostitutas na região contígua à Praça Tiradentes, des-de sempre boêmia, e o bater pernas de milhares de consumidores que percorrem as lojas semanalmente completam essa vocação da Saara como mapa de pedestres. Os Reis Magos viajantes, tro-peiros, e o andor da Paixão agregam a essa história significados mais amplos, que se misturam a outra vocação do Saara: a da tolerância e da congregação de diferenças.
Para transformar a Senhor dos Passos em uma via perfumada,
Rennó usou sete essências puras, vindas de diversas culturas – Mirra, Olíbano, Breu Branco, Mastique, Copal, Benjoim do Sião
e Estoraque – e botou-as em turíbulos de cores diferentes, re-lacionadas às tonalidades das resinas aromáticas. O número 7, além de se relacionar aos 14 passos da Via-Sacra, guarda outras relações espirituais. Para os orientais, representa a quantidade de chacras, pontos energéticos espalhados pelo corpo; para os teólogos, corresponde às “moradas da alma” no “castelo interior”, teoria formulada por Teresa d’Ávila. Para a freira, transformada em santa, a alma humana seria um castelo, com sete moradas a
serem percorridas – do calabouço à torre. A correspondência com os chacras é evidente e impressionante.
[próximas páginas]
Per fumum (pela física
quântica nós só temos o
que construímos), 2010
Instalação na galeria
Turíbulos, incensos, mesas
72
Impressiona também a síntese que Rennó opera com esses in-
censos. Ao misturar os cheiros em uma das ruas mais importantes
da Saara, ela apresenta no ar a mistura feita pelos ocupantes desse
pedaço do coração do Rio, território estrangeiro e ao mesmo tempo
extremamente nativo. A carreira da artista sempre foi marcada por
ações muito simples, mas capazes de abarcar mundos inteiros.
Sempre vizinha da memória, Rennó tem sido capaz de encon-
trar caminhos enviesados para ressignificar arquivos e repertó-
rios. Foi assim, por exemplo, nas séries Vulgo e Cicatriz, em que
percorreu arquivos penitenciários identificando redemoinhos de
cabelo e tatuagens como fatores de reconhecimento de presos
quase sem rosto, agrupados com seus pares no imaginário co-
letivo apenas como um bando com “cara de bandido”. Na série
Vermelha, exposta em 2001 no Rio de Janeiro, apropriou-se de
retratos de militares, cobrindo-os de vermelho até que os retra-
tados quase sumissem, tingidos de sangue. Ao lado dos retratos,
textos com referências bélicas impressos em veludo negro, quase
desaparecendo, e por isso mesmo muito visíveis, como os homens
e garotos uniformizados. No vermelho e no negro, mais uma vez
uma operação simples, mas sofisticadíssima, recriava sentidos em
velhas imagens.
Percebo agora, depois do encontro em Mapas invisíveis, que
há um ritual e até mesmo uma liturgia nessa troca de senti-
dos operada pela artista. Foi assim com A última foto, trabalho
de 2006. Para realizar o grupo de imagens, Rennó convidou 43
fotógrafos profissionais para retratar o Cristo Redentor com as
máquinas antigas de sua coleção. Expostas ao lado dos retratos
desse ícone do Rio, as máquinas apareciam como coautoras das
fotos. As imagens eram ao mesmo tempo réquiem e testamento
de Kodaks, Icarettes, Zorkis, Agfas, Penguins.
A última foto também poderia servir como uma reflexão sobre a
origem das imagens e as escolhas que fazemos ao produzi-las, já
que se trata de um trabalho que destinava o último clique dessas
43 máquinas a uma única paisagem: o Corcovado e seu Cristo. É
um antecessor de per fumum (pela física quântica nós só temos o que construímos) na relação com a cidade, mas, mais do que
isso, evidencia, como os incensos, a capacidade quase alquímica de
Rennó com os arquivos e com o patrimônio, material e imaterial.
Pelo olhar da artista, reencontramos a alma das coisas em outros
corpos – ou em corpo quase nenhum. Como no Espelho diário das
muitas Rosângelas e de qualquer cidade. Como numa foto. Per fumum (pela física
quântica nós só temos o
que construímos), 2010
Registro da performance
Turíbulos, incensos, mesas
74
O encontro entre a obra de Suzana Queiroga e o Complexo de Fave-las da Maré começou muito antes de Mapas invisíveis, na exposição
“Velofluxo”, que a artista realizou no Museu Chácara do Céu no início de 2009. Crianças do projeto REDES, que une arte e educação na favela, foram visitar a mostra, que trazia a interpretação de Su-zana para mapas de cidades como Berlim, Milão, Londres e Brasília. Ao observar o fluxo de cores sugerido pelas ruas, rios, praças e avenidas, as crianças enxergaram a Maré naquele possível espelho.
Um ano depois, elas conheceram Queiroga pessoalmente e vi-raram suas parceiras: junto com a artista, construíram um dos trabalhos da exposição. Mapamaré é uma imensa rede formada pela sobreposição dos trajetos desses meninos e meninas em um território que ora é familiar, ora é estrangeiro.
Dividida entre 16 comunidades distintas, controladas por grupos criminosos rivais –, não por acaso, a via principal tem o apelido de Faixa de Gaza – a Maré impressiona por ter em seus domínios esta “vizinhança distante”. Um morador pode ser muito popular em um dos lados da “faixa”, sobretudo se exercer uma ati-vidade comunitária; e um completo desconhecido no outro lado, mesmo que ele fique a poucos minutos a pé da região onde vive.
As crianças desenharam seus caminhos dentro da favela para chegar até a sala de aula. O mapa comum, pintado em nanquim sobre papel kraft e recortado por Queiroga, significou um reco-nhecimento de território. Ao construir a Maré – a sua Maré, que era somada à do colega morador de outra comunidade –, cada menino tomou posse de seu mapa e conquistou seu lugar. A ex-periência se completou com uma troca de visitas: assim como a artista e sua equipe visitaram o Complexo algumas vezes, os alu-nos e sua professora, Suélen Brito, foram convidados a concluir o trabalho em seu ateliê, em Laranjeiras.
Reconhecer seu próprio mapa e encontrar seu lugar no mundo é uma questão básica para qualquer psique. Pobres ou ricos, todos nós precisamos fundar nossos territórios, físicos e afetivos. Se uma casa tem vizinhos, a fundação psíquica passa, como definiu Freud,
Suzana Queiroga e o Complexo da Maré
Há três espécies de homens: os vivos,
os mortos e os que andam no mar.
Platão
(à direita)
Chroma, 2010
Video
(próximas páginas)
Mapamaré, 2010
Nanquim sobre papel recortado
78
1 Os nomes das comunidades da Maré
formam seus próprios Mapas invisíveis.
Palavra tupi-guarani, Timbau quer
dizer “entre as águas”, uma referência
ao fato de ser uma área seca entre os
manguezais que margeiam a Baía de
Guanabara, como conta Lilian Vaz em
História dos bairros da Maré (UFRJ, 1994).
2 A origem do nome da Baixa do
Sapateiro é controversa. Existem três
versões: que seria uma homenagem
à Baixa do Sapateiro em Salvador,
Bahia, dada a grande quantidade de
nordestinos na Maré; que um sapateiro
teria sido o primeiro morador deste
bairro; que seria uma referência à
Rhizophora mangle (mangue-vermelho),
chamada popularmente de sapateiro.
A planta era usada na fabricação de
tamancos, calçado muito comum no
Rio até os anos 60, graças à influência
portuguesa.
3 O grande aterro que forma este bairro
da Maré recebeu o nome de Nova
Holanda porque, como boa parte do
território holandês, também está abaixo
do nível do mar.
por “atravessamentos”. A constituição de um indivíduo está sujeita às ações e emoções dos mais próximos e à sua experiência de vida.
Construir seu lugar no mundo talvez seja mais difícil quando se vive em um mapa instável como a Maré. A favela começou em 1940, com a formação da comunidade do Timbau,1 em uma área elevada entre os alagadiços do mangue, próxima à praia de Inhaúma. Muito próximo dali, o quartel do 1o Regimento de Carros de Combate do Exército sempre exerceu uma política de controle sobre os moradores, que, nos primeiros anos de ocupação, foram impedidos de construir moradias de caráter permanente. A proibi-ção e a falta de recursos configuraram a Maré como uma favela de casas de palafita, sobretudo depois da ocupação da segunda área mais antiga: a da Baixa do Sapateiro,2 que, como o nome sugere, fica numa região mais plana, frequentemente alagada. Foi ali que começaram os primeiros aterros de toda a extensão do mangue, criados por iniciativa da comunidade. Nas décadas seguintes, o poder público acabaria com canais e restingas e colaboraria com a extinção da flora e da fauna do mangue, prejudicando a pesca, uma das fontes de subsistência dos moradores.
Em 1960, o governo de Carlos Lacerda foi o responsável pela criação de um enorme aterro ao lado da comunidade Parque União, formada na década anterior. Na região que ficaria conhe-cida como Nova Holanda,3 Lacerda despejou os desabrigados de outras favelas desocupadas pelo Estado, como a do Esqueleto, que ficava no terreno do Maracanã, onde hoje existe a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), e a da Praia do Pinto, no Leblon. Sem território, privados de sua geografia íntima e de suas raízes, os novos moradores da Maré precisavam enfrentar outro desafio: não serem vistos como invasores por quem já estava ali.
O trabalho de Queiroga atravessa – para repetir uma palavra emblemática escrita anteriormente – todas essas histórias, sem ilustrar nenhuma delas. Isso ocorre não só porque se trata de uma grande artista, mas talvez porque ela também tenha sido atravessada pela potência das histórias da Maré.
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Seu segundo trabalho apresentado em Mapas invisíveis talvez comprove isso. Chroma é um vídeo que investiga as caracterís-ticas da pintura como um fluxo, sujeito a marés. A violista Rúbia Siqueira criou improvisos musicais a partir das imagens criadas por Queiroga e registradas por Ícaro Lima. Iuri Nicolsky trabalhou na trilha sonora. Juntos, som e imagens convidam à introspecção e se apresentam quase como um testemunho das transformações por que passou a trajetória de Queiroga nos últimos anos.
Pintora formada pela chamada “Geração 80” do Parque Lage, ela vem expandindo a pintura para o espaço. Começou esse pro-cesso de forma mais radical nas telas a óleo da série Stein und Fluss (2004), em que figuras geométricas verdes bailavam em um fundo vermelho graças aos efeitos ópticos criados pelo choque en-tre as duas cores – por sinal, as duas gamas que dominam Chroma.
Tempo e movimento, conceitos tão presentes e importantes na arte contemporânea, começaram a ganhar novo motor na carrei-ra da artista a partir de sua aproximação com a cidade. Ela criou infláveis azuis e vermelhos que eram ao mesmo tempo cidade medieval e arquitetura marinha, nave espacial e útero mater-no... Mas sempre pintura e sempre um lugar. Pesquisou ainda os mapas turísticos de cidades brasileiras, americanas e euro-peias, criando colagens e pinturas em que sobrevoa esses lugares, transformando a cartografia em desenho, movimento e cor.
O auge desta pesquisa foi Voo velofluxo, imenso balão cor de rosa com que Queiroga voou sobre Brasília e sobre o Rio de Ja-neiro, convidando o público a fazer o mesmo. O traçado urbano nunca aparece em seu trabalho de forma literal, mas como um
“retrato de mapa”, e nem como uma insinuação subjetiva, algo como “um mapa para o fluxo da vida”. Queiroga investiga, sobre-tudo, os caminhos possíveis para a arte e para a pintura, como territórios navegáveis nos fluxos da cidade.
Mapa movediço e escorregadio, a Maré foi ao encontro da artista em Mapamaré. Chroma é a resposta de Queiroga, depois de ter se olhado no espelho.
Alunos do projeto REDES,
da Maré, desenham seus
mapas subjetivos na
comunidade, que serviram
de base para Mapamaré
80
O tempo volta a ser motor e ator na obra de Thiago Rocha Pitta.
Nas duas aquarelas batizadas de Mapa temporal para um jardim vertical e possível, o artista traça seu mapa invisível da Rio Bran-
co com um projeto de intervenção urbana em um dos arranha-
-céus da avenida. É um prédio sem localização específica, como
sempre ocorre com a obra do artista. Seus trabalhos são de qual-
quer lugar – ou lugar nenhum.
Para esta Rio Branco fora do mapa, Rocha Pitta imaginou um
jardim suspenso, criado a partir de uma empena instalada no
topo do edifício. Na malha que cobriria parte do terraço e de
uma parede lateral, apenas terra adubada e tratada, pronta para
receber sementes. Elas chegariam ali, vindas de lugares próximos
ou distantes, com a ajuda do vento. A chuva se encarregaria de
fertilizá-las e o tempo faria florescer as mudas híbridas desse
jardim heterodoxo e heterogêneo, banhando com um pouco de
acaso um ponto da geografia carioca que foi um dos maiores
marcos de planejamento e de racionalidade que o Rio de Janeiro
já testemunhou.
Cirurgia haussmaniana1 na malha da cidade, a Rio Branco,
inaugurada em 1905 como Avenida Central pelo prefeito Pereira
Passos, visava unir o mar com o mar, ligando a região da Praça
Mauá com a Praia do Flamengo.2 Vizinha da região dos quatro
morros que marcaram o início do povoamento do Rio – São Ben-
to, Conceição, Santo Antônio e Castelo, pontos estratégicos de
observação de antigos invasores –, a Avenida Rio Branco também
expulsou para um quinto, o Morro da Favela, hoje Providência, a
população pobre que ocupava a região do Centro da cidade.3
É curioso que Rocha Pitta tenha conciliado um elemento re-
corrente em seu trabalho – os projetos de empena na arquitetura,
Thiago Rocha Pitta e a Avenida Rio Branco
Alice abriu a porta e viu que dava para uma
pequena passagem, não muito maior que um
buraco de rato. Ajoelhou-se e entreviu pela
passagem o mais belo jardim que já vira. Como
ela queria sair daquela sala escura e passear entre
os canteiros de flores resplandecentes e as fontes de
água fresca! [...] “Acho que poderia, se eu soubesse
como começar.” Tantas coisas extravagantes tinham
acontecido até então que Alice começava a pensar
que quase nada seria realmente impossível.
Lewis Carroll, Aventuras de Alice no País das Maravilhas.
1 Para o bem e para o mal, Pereira
Passos é frequentemente comparado
a Georges-Eugène Haussmann (1809-
1891), prefeito que recebeu de Napoleão
III a incumbência de criar um novo
traçado urbano para Paris. Taxada de
conservadora, a reforma urbana da capital
francesa (1852-1870) criou complexos
monumentais ao longo do centro histórico,
caso do conjunto dos Inválidos e fez do
eixo formado pelas Tulherias, a Avenida
Champs-Elysées e da Praça D´Étoile uma
grandiosa diretriz urbana.
2 O engenheiro Pereira Passos foi
nomeado prefeito em 1902 pelo
presidente Rodrigues Alves. Sua maior
missão era a remodelagem do Centro
do Rio. Em Geografia carioca do samba
(Casa da Palavra, 2004), Hugo Sukman,
Luiz Fernando Vianna e Aldir Blanc
lembram que a Avenida Central ligou o
Largo da Prainha (hoje Praça Mauá) à
praia de Santa Luzia (aterrada anos mais
tarde); a Avenida Beira-Mar, abrindo
caminho para a Zona Sul; a Avenida
Mem de Sá, ligando o Centro ao norte
da cidade; e a Avenida Rodrigues Alves,
paralela aos armazéns do Cais do Porto.
3 Blanc, Sukman e Vianna (Op. cit.)
lembram ainda que “não havia um
plano de integração da população
mais pobre à nova cidade que se criava”.
Para redesenhar a cidade e transformá-
la em um lugar modelar, o prefeito
82
que impressionam pelas gigantescas telas de lona com materiais
como óxido de ferro ou sal, como uma pintura feita em colabo-
ração com o tempo – com a ideia de uma plantação casual. Com
o peso simbólico de uma Babilônia, com tudo o que isso tem de
bom e de controverso, a Rio Branco ganha, através do projeto
do artista, o seu jardim suspenso. Recebe uma nova elevação,
um novo mirante, de onde pode ser observada e pode observar o
litoral e as redondezas.
A terra levada por Rocha Pitta para o alto do prédio também
alavanca a memória das toneladas de barro que lavaram as ruas
de toda a região na ocasião do desmonte do Morro do Castelo,4
parte do projeto de remodelagem dessa zona central. Fotos de
época mostram a população tentando livrar as ruas da lama por
dias e dias seguidos, usando rodos, baldes e esfregões para tentar
acelerar a retomada da vida normal.
Com este projeto, Rocha Pitta reafirma sua imensa relação
com a paisagem, não só aquela que se apresenta diante de cada
trabalho seu, mas com a que foi registrada em séculos de his-
tória da arte. Abismo (2001), intervenção urbana, que projetou
o artista mineiro no meio de arte carioca, já apresentava essa
característica de maneira fortíssima. Uma plataforma de espelho
foi instalada em Santa Teresa.5 O espelho avançava na direção
do abismo, criando um trampolim – ou cadafalso – de onde era
possível observar o Centro da cidade. Presos à “terra firme” por
equipamento de escalada, os visitantes eram convidados a ca-
minhar sobre o abismo, experimentando a vertigem de ter o céu
projetado no chão, já que o espelho trazia o azul e as nuvens
para a superfície de caminhada. A inversão entre céu e chão vol-
ta nesse jardim suspenso para a Rio Branco, assim como outra
marca ainda mais relevante no percurso de Rocha Pitta: a ideia
de duração.
Nem antes, nem depois: durante. Observar e assimilar o pro-
cesso de transformações de todas as coisas, incorporando-as e
aceitando-as como algo mutante. O movimento e as pequenas
mortes por que passam os objetos e a natureza talvez guardem
a chave da eternidade, daquilo que permanece – como imagem,
como sensação e como memória: é disso que nos lembra a obra
de Rocha Pitta. Em Homenagem a Turner, ele incendiou um barco
na Baía de Guanabara, registrando em vídeo seu lento desapa-
recimento no fogo. Na morte do barco, a ressurreição da ima-
gem, com as batalhas marítimas do pintor inglês William Turner
chegando à memória, trazidas por outras águas.
Em Cinema fóssil, uma performance-instalação de 2009, as cha-
mas reapareciam, ora como fogueira, ora como brasa adormecida.
empreendeu campanhas de higienização
e teve no médico sanitarista Oswaldo
Cruz um grande aliado. Também demoliu
1.300 construções, entre casas, sobrados,
edifícios e cortiços, 700 delas apenas na
região da Avenida Central. O chamado
“bota-abaixo” expulsou os moradores
para os morros, entre eles o da Favela,
que daria origem ao nome das
comunidades criadas nessas regiões.
Os primeiros ocupantes do Morro da
Favela foram os ex-combatentes da
Guerra de Canudos, que tinham recebido
a promessa de moradia do governo depois
que voltaram do Nordeste. Como o acordo
não se cumpria, ocuparam o morro, que
ficava próximo à região portuária. A
história da Avenida Central e de seu
“bota-abaixo” se mistura à do Morro da
Favela porque a expropriação de Pereira
Passos provoca uma grande concentração
de população negra nas imediações da
Praça Onze de Junho, região da Cidade
Nova, inclusive no morro, muito próximo
dali. O Morro da Favela se transforma
em um dos primeiros núcleos do samba
carioca, e, a partir da década de 1920, é
rebatizado por seus moradores de Morro
da Providência – numa alusão a um rio
que passava pela região de Canudos.
4 O desmonte do Morro do Castelo foi
iniciado em 1922. O material do retirado
da elevação serviu para aterrar a Praia de
Santa Luzia e a Enseada da Glória.
5 O trabalho do espelho foi apresentado
em Santa Teresa em 2001, no projeto
Interferências Urbanas, na época,
integrado ao evento Arte de Portas
Abertas.
84
Vindo de um buraco retangular cavado no chão, o fogo era refle-
tido em um espelho instalado sobre a cavidade, em ângulo que
o transformava quase em uma tela de cinema. Assistia-se, ali,
à imagem projetada da transformação, do durante, do processo.
“Pelo fogo tudo se troca”, disse Heráclito, que também afirmou
que ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio. O tempo
é senhor das mudanças. Rocha Pitta sabe bem disso. Em seus
projetos de empena, natureza e tempo formam um binômio que
atua na quase-pintura (ou quase-escultura ou quase-paisagem,
a classificação, aqui, é o que menos importa) de sua tela de lona.
É como um projeto calculado de descontrole, com a perenidade
criada a partir dos acasos e de discretas epifanias.
Em A rocky mist, projeto de 2010 realizado na Alemanha, o
tempo reaparecia ao sabor das marés. Lâminas de vidro transpa-
rente mergulhadas em água salgada ganhavam uma cobertura
branca opaca ao longo da duração da exposição. Reapresentado
em outras dimensões na mostra “Paralela”, no circuito em torno
da Bienal de São Paulo do ano passado, este trabalho cria uma
topografia feita pelo sal no vidro através do qual se enxerga o
ambiente expositivo – e eventualmente a paisagem em volta dele.
Escultura instável, A rocky mist sobrepõe imagens e permite que
se entrevejam experiências a partir de uma ampulheta na qual a
contagem de tempo é elástica.
Aceitar as bifurcações e os acidentes do tempo na paisagem
é uma das chaves possíveis para se aproximar de Rocha Pitta
e também desse mapa invisível sobre a Avenida Rio Branco. O
jardim suspenso é inconcluso, cíclico, lembrando outro barco, o
presente no vídeo Herança, de 2007, em que Rocha Pitta home-
nageia o pai recém-falecido. Carregando duas árvores, o barco
fura as ondas do rio sem ter ninguém que o conduza. Não se sabe
quando vai atracar, se é que vai um dia. Não há cais, há uma ter-
ceira margem, simbólica, como a de Guimarães Rosa. Assim como
não há limites entre uma cidade e outra no tempo. Há cidades
sobrepostas, que duram umas nas outras, modificando-se pela
experiência de quem está nelas e pela obra das chuvas, do vento,
do fogo e das marés.
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referências bibliográficas
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início do século XX. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008.
VAZ, Lilian. História dos bairros da Maré. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994.
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agradecimentos
crianças da Maré que
participaram do trabalho Mapamaré
Bruno dos Santos de Andrade
Caroline Bianca Matos da Silva
Christian Felipe da Silva Correia de Sá
Emelyn Julie Souza da Silva
Enak do Nascimento
Felipe Francisco Tomaz de Andrade
Felipe Gaspar da Silva
Gilson Paulino da Silva Junior
Jade Araújo Lopes da Silva
Juan Pablo da Silva C.
Leandro Jorge do Nascimento
Lucas Bernardo França
Matheus Santos do Nascimento
Mylena Oliveira da Silva
Pedro Henrique dos Santos de Arruda
Rafaela Ribeiro da Cruz
Raphael Veras Silva
Thainara Gama dos Santos
Wellington Alessandro Froes da Silva
William Alessandro Froes da Silva
Yuri Armando Costa de Souza
Alexandre Vogler Adriano Melhem
Angelo VenosaFreesound Project, Achim von Heinitz,
Bia Pimentel
Anna Bella GeigerAugusto Ivan e Pedro Geiger
Instituto Pereira Passos – IPP
Daisy XavierIntegrantes da Colônia dos Pescadores
no Posto 6 da praia de Copacabana,
especialmente César e China.
Daniel SeniseAdministração do Cemitério
São João Batista
Ana Fay, Arthur Chaves,
Manoel Andrade de Souza e
Marianne Giuliano
Luiz AlphonsusDomingos Guimaraens e Júlio Callado
Luiza BaldanFunarte
Anand da Silva Pinho, Ângela Albuquerque
e funcionários do Mandarim
André Brasil, José Antônio Ferreira Barçal
e equipe da Manglares
Carlos Felipe Carvalho, Ricardo Correa,
Alexandre Amaro, Rodrigo França
e equipe Carvalho Hosken
Chico Fernandes, Fernanda Andrade,
Gisele Camargo, João Dória, Mariana
Freitas e Mariana Schincariol Mello,
Rafael Borelli, Shakti Leal, Tainá Diniz
Rezende, Ted Decker e Vinícius Leal
Luiz Figueiredo, Danilo, Margarida,
Lisete, Solange e equipe do stand
FontVieille Marcelo Belache e Alexandre
Flores (construção do FontVieille)
OPAVIVARÁ! Mercadão de Madureira e todos
os seus lojistas, proprietários,
locatários e funcionários
Horácio Afonso
Jerry D’Oxóssi
Ophélia Patrício Arrabal
Todos os mercadores do planeta
e de todos os tempos
Serrinha, Portela, Império e toda a
galera Charmosa de Madureira
Madureira 6 × 2 Operário, na volta
do tricolor suburbano à série C do
campeonato brasileiro.
Paulo VivacquaAna Luísa Chafir, Cláudia Pinheiro
e Cristiano Menezes
Rosângela RennóAndrei Müller, Bruno Caracol,
Caroline Valansi, Daniela Serruya Kohn,
Dilce de Miranda, Luiza Burlamaqui
e Maíra das Neves
Agradecimentos especiais a
Martinho Oliveira Rocha
Suzana QueirogaProjeto Redes de Desenvolvimento da
Maré, Ícaro Lira, Iuri Nicolsky, Marrytsa
Melo, Rúbia Siqueira e Suélen Brito
Daniela NameAline Magalhães, Bruno Castello,
Bruno Miguel, Carvalho Hosken, Casa da
Palavra, Daniel Venosa, Joaquim Ferreira
dos Santos, Leo Name, Marcos Ramos,
Maria Fortuna, Ni da Costa, Rafael Borelli,
Ricardo Penna, Roberta Rangel, Suélen
Brito e Thereza dos Passos Miranda
TisaraMariana Schincariol Mello
Thiago Branco Barboteo
88
presidenta da república
Dilma Rousseff
ministro de estado da fazenda
Guido Mantega
presidenta da caixa econômica federal
Maria Fernanda Ramos Coelho
exposição
curadoria
Daniela Name
realização
Tisara Arte Produções
coordenação geral
Mauro Saraiva
produção executiva
Heloisa Vallone
projeto gráfico
Verbo Arte e Design
Fernando Leite
Julia Sampaio
som e vídeo
Terceriza Som Áudio Visual
iluminação
Rogério Kennedy
montagem
Jorge Pinheiro
cenografia
H.O Silva
administração
Antonio Goes
Loane Malheiros
patrocíniorealização
apoio
catálogo
textos
Daniela Name
realização
Tisara Arte Produções
coordenação geral
Mauro Saraiva
produção executiva
Heloisa Vallone
projeto gráfico
Verbo Arte e Design
Fernando Leite
Julia Sampaio
revisão
Rosalina Gouveia
fotografias
Rubber Seabra p. 27, 28-29, 30
Daniel Venosa p. 25, 40-41, 43
Jaime Acioli p. 17, 19, 21, 35,
37, 47, 81, 83
Ícaro Lira p. 78, 79
Paulo Jabour p. 4, 6-7, 8-9,
10-11, 55, 56-57, 64-65, 70-71
Luiza Baldan p. 51, 52, 53
Suzana Queiroga p. 79
Wilton Montenegro p. 76-77
Pedro Victor Brandão p. 59, 60, 61
Claudia Pinheiro e Cristiano
Menezes p. 63, 67
Matheus Rocha Pitta p. 69, 73
imagem da página 12
Planta de uma parte da cidade do
Rio de Janeiro para compreensão da
nova disposição do Paço Imperial e
seus diversos anexos, de Grandjean de
Montigny (1776-1850): o prédio aparece
em vermelho, voltado para o cais e o mar,
onde hoje está a Praça Quinze
Data desconhecida
Nanquim e aquarela sobre papel
38,7 × 23,2cm
Acervo da Fundação Biblioteca
Nacional – Brasil
Grandjean de MontiGny, 1776-1850
Coleção Thereza Christina Maria