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Hou Hsiao-Hsien e o cinema de memórias fragmentadas
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Oct 14, 2015

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William Salgado
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    Hou Hsiao-Hsien e o cinema de memrias fragmentadas

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    CCBB So Paulo a dez Rio de Janeiro dez a jan Braslia a jan

    Hou Hsiao-Hsien

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    Figura central do novo cinema taiwans, Hou Hsiao--Hsien, nascido na China e criado em Taiwan, iniciou suacarreira como diretor em . Dos primeiros filmes, mais

    comerciais, passou para os de memrias pessoais e outrossobre a memria de seu pas de adoo, consolidandoatualmente um estilo visual e narrativo dos mais sofistica-dos da histria do cinema. Tais filmes conferiram a HouHsiao-Hsien o reconhecimento da crtica e das curadoriasde importantes festivais e vm, desta forma, consagrando ocineasta como um dos maiores mestres da cinematografiamundial contempornea.

    Ao realizar Hou Hsiao-Hsien e o cinema de memriasfragmentadas, o Centro Cultural Banco do Brasil reconhecea importncia deste cineasta e proporciona ao pblico deSo Paulo, do Rio de Janeiro e de Braslia a oportunidadede conferir toda a sua filmografia, em retrospectiva queabarca filmes em longa-metragem todos inditos nocircuito comercial brasileiro , alm do curta-metragemO boneco do filhinho(Sons Big Doll/Er zi de da wanou),que integra O homem-sanduche(Te Sandwich Man/Er zide da wanou, ), um dos filmes-chave na renovao docinema taiwans.

    A mostra constitui uma valiosa oportunidade para osque procuram acompanhar o desenvolvimento do audio-visual contemporneo e conferir propostas instigantes e degrande apuro esttico.

    Centro Cultural Banco do Brasil

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    Memrias fragmentadas de Hou Hsiao-Hsien

    No fao questo de ter absoluta certeza quanto a crono-logia das minhas memrias sobre o cinema de Hou Hsiao--Hsien. Assim como em sua obra, as lembranas se mes-

    clam, formando um mosaico de imagens em cores vivas, comos tempos distintos indispensveis para a compreenso epara a descrio de ambincia, de poca. Experincia sen-sorial que poucos cineastas proporcionam.

    O primeiro contato foi especial e marcante, por meiode uma cpia em VCD de Adeus ao sul(Goodbye South,Goodbye/Zaijian, nanguo, zaijian, ), em companhiade dois colaboradores deste catlogo, numa tev de ou polegadas. Inesquecvel impacto da narrativa, da mon-

    tagem e dos deslocamentos espao-temporais atenuadopelo colega que nos apresentava aquela preciosidade. Toforte que talvez ainda permanea como um favorito pessoal,nas diversas revises.

    Depois acontece a inusitada e fortuita ida a Taiwan em, para participar do jri do Golden Lion InternationalStudent Film Program, seo do Taipei Film Festival.

    J estava feliz em ter a chance de conhecer a cultura orien-tal e aquela cidade industrial interessantssima por suascontradies, num ambiente de festival estudantil que me

    to caro. S no contava com o convite para jantar com oprefeito e, nesse jantar, de ter a chance de ser apresentadoa... Hou Hsiao-Hsien. Simples aperto de mo, um meiosorriso e admirao vindoura.

    Essa viagem tambm propiciou a visita ao ChineseTaipei Film Archive, pela pura curiosidade de estudante decinema e cinfilo. L conheci a sra . Teresa Huang, coorde-nadora internacional do arquivo, e expressei minha vontade

    em realizar uma retrospectiva de Hou Hsiao-Hsien no meupas. Papo despretensioso de quem ainda comeava em suasprimeiras programaes de cinema, mas valoroso com a

    confirmao da lembrana na retomada dos contatos maisde oito anos depois. A sra. Huang sem dvida a maiorcolaboradora deste evento, e nossos sinceros agradecimentosespeciais so para ela.

    A partir desse episdio, passei a acompanhar a obra deHou com mais afinco, a seguir notcias das estreias de seusfilmes nos palcos dos mais renomados festivais de cinema, ede no perder suas raras exibies no Brasil ou no exterior.Nos ltimos anos, o acesso a partir da grande rede possi-

    bilitou um conhecimento pleno de sua filmografia, aindaque em condies precrias. Felicidade maior veio duranteo Festival de Roterd em , quando recebi a notcia deque o projeto da mostra tinha sido aprovado pelo Bancodo Brasil. Por acaso, naquele dia, estavam exibindo Meninabonita(Cute Girl/Jiu shi liuliu de ta, ), o primeiro longadele, a que assisti de corpo presente, mas j imaginando arealizao de um sonho antigo.

    nesse esprito que apresentamos Hou Hsiao-Hsiene o cinema de memrias fragmentadas, primeira retrospec-

    tiva integral do mestre da nova onda taiwanesa por essasbandas. O trabalho e o esforo de proporcionar essa revisona melhor condio possvel tm vis quase pessoal, pelosimples prazer do desfrute na absoro de imagens e desons carregados de significados nicos. Convido-os a estebanquete cinematogrfico, para conjunto deleite de tal finacoleo de sentimentos delicados.

    Eduardo CerveiraCurador

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    Hou Hsiao-Hsien e equipe em set do Caf Lumire.

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    Apresentao

    Biografia de Hou Hsiao-Hsien

    Ensaios, anlises, crticas e entrevista

    Hou Hsiao-Hsien, chefe da experincia, por Ruy Gardnier

    Em busca de novos gneros e direes para o cinema asitico,

    por Hou Hsiao-Hsien (introduo de Lin Wenchi)

    Sobre Hou Hsiao-Hsien, por Olivier Assayas

    Nosso reprter na Repblica da China, por Olivier Assayas

    A fora em si Os filmes de Hou Hsiao-Hsien,

    por Jonathan Rosenbaum

    Mister Hou e a experincia do olhar, por Antoine de Baecque

    Sobre quatro frmulas prosaicas que podem resumir a

    potica de Hou, por Fergus Daly

    Encenao alegre: os primeiros filmes de Hou Hsiao-Hsien,por David Bordwell

    A conteno e a busca, por Olivier Joyard

    Elogio dos entorpecentes (entrevista com Hou Hsiao-Hsien

    realizada por Antoine de Baecque e Jean-Marc Lalanne)

    A chegada do trem na estao, por Ruy Gardnier

    A escrita grita, por Emmanuel Burdeau

    A viagem do balo vermelho, por Luiz Carlos Oliveira Jr.

    Filmografia de Hou Hsiao-Hsien

    Os filmes de Hou Hsiao-Hsien

    Menina bonita, por Keiji Kunigami

    Vento gracioso, por Cssio Starling Carlos

    A grama verde de casa, por Calac Nogueira

    O homem-sanduche, por Daniel Caetano

    Os garotos de Fengkuei, por Rodrigo de Oliveira

    Um vero na casa do vov, por Tatiana Monassa

    Tempo de viver e tempo de morrrer, por Francis Vogner

    Poeira ao vento, por Bruno Andrade

    A filha do Nilo, por Fernando Verissimo

    Cidade das tristezas, por Lus Alberto Rocha Melo

    O mestre das marionetes, por Juliana Fausto

    Bons homens, boas mulheres, por Ruy Gardnier

    Adeus ao sul, por Srgio Alpendre

    Flores de Xangai, por Carlos Hel de Almeida

    Millennium Mambo, por Luiz Carlos Oliveira Jr.

    Caf Lumire, por Raphael Mesquita

    Trs tempos, por Eduardo Valente

    A viagem do balo vermelho, por Eduardo Nunes

    Ficha tcnica

    Agradecimentos

    Sumrio

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    Apresentao

    Por Luisa Marques

    Pesquisar requer tempo, pacincia, paixo prvia pelo tema

    ou apaixonar-se no processo. Requer, ainda, sede pelas fontesde pesquisa (coisas palpveis, materiais, portanto perecveis)e fascinao pelo momento mgico em que esses documen-tos se transformam em informao e conhecimento, coisasde ordem abstrata que podem perpetuar-se infinitamente.

    O que me parece mais importante nesse processo, en-tretanto, o desapego de si mesmo. preciso estar abertos fontes de pesquisa e encar-las todas igualmente comofontes de informaes, praticando o exerccio de uma aten-o a prioriaos documentos aos quais se tem acesso. difcil

    no cair na armadilha de privilegiar a leitura de textos e dedocumentos com os quais existe uma identificao imediata,uma espcie de autoprojeo. Tenho a impresso de quepara isso necessrio afastar-se da vaidade intelectual eentregar-se curiosidade genuna.

    O que existe de registro escrito ou falado sobre HouHsiao-Hsien, pelo menos mais acessvel cultura ocidental,no tanto assim quanto se imaginava. Ou digamos queessa produo realizada constantemente pelas mesmas

    pessoas, os interessados pelo tema, pelos filmes, pelo artistaem si. Ao mesmo tempo, para ns foi impossvel, dada umacerta limitao de tempo e de acesso a algumas fontes, darconta de tudo.

    Nessa pesquisa, nesse confronto com os textos, a ques-to do orientalismo um dado, algo de que no se podefugir e de que no se pode esconder sob mscaras univer-salistas. A universalidade existe e conecta os indivduos de

    uma forma muito misteriosa, mas a Cultura (com c mais-

    culo) e a Histria (com h maisculo) so coisas inegveis,que se colocam e se fazem presentes.Tomando como exemplo duas importantes publica-

    es ocidentais dedicadas a Hou Hsiao-Hsien (Hou Hsiao--Hsien, organizada por Jean-Michel Frodon, e No Man anIsland: Te Cinema of Hou Hsiao-Hsien, de James Udden),ambas tm seus captulos iniciais dedicados questo geo-grfica-histrica-cultural, ou seja, ao fato de o cineasta serum homem nascido em na China continental queaps um ano de vida migrou com sua famlia para a recm-

    -reconquistada colnia Taiwan, antes sob domnio japons.A primeira parte da publicao francesa, que conta comtextos gerais sobre Hou, intitula-se Chinois et moderne(Chins e moderno) e inicia-se com escritos de Frodon quesituam o cineasta sino-taiwans no tempo e no espao fac-tuais, ou seja, na Histria (o texto possui subdivises comoUn enfant de lHistoire e Un rapport intime l histoire).Em um trecho, Frodon afirma:

    O cinema de Hou Hsiao-Hsien compe uma relao com

    o mundo muito diferente da que produzida pela civilizaoheleno-judaico-crist. Hou por excelncia o cineasta de umaoutra relao com a realidade e o simblico, desenvolvida pelacivilizao chinesa por meio de sua filosofia, literatura, pinturae msica, mas que at ento no havia encontrado sua forma nocinema, mesmo que provavelmente o cinema seja a arte que me-lhor oferea possibilidades de exprimir esta relao. De formaexemplar, o cinema de Hou Hsiao-Hsien implementa um

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    conjunto de relaes entre o todo e suas partes, o espao e otempo, o real e suas representaes, o interior e o exterior,que uma relao com o mundo com uma filosofia, umacosmogonia, uma tica e uma esttica totalmente diferente daque se d no ocidente. A no separao entre imagem e texto

    introduzida pelos ideogramas, que so ao mesmo tempo escritae desenho, fundou uma relao entre a realidade, o significadoe a figurao radicalmente diferente daquela concebida poruma civilizao na qual um dos princpios a separao entreo discurso e a imagem.

    J o livro de Udden dedica um captulo introdutrio,intitulado O problema de Hou Hsiao-Hsien, questocultural chinesa/oriental indissocivel do cinema de Hou:

    (...) Pegue, por exemplo, o que diversos crticos disserama respeito do cineasta taiwans Hou Hsiao-Hsien. GodfreyCheshire explica o distanciamento de Hou da trama e dopersonagem, concentrando-se mais em objetos e ambientes,como um retorno a uma longa e antiga tradio da arte e dacultura chinesas. Jean-Michel Frodon afirma que Hou provade que no h montagem chinesa, que aqui est um modelode cinema que questiona o sistema de Griffith e de Eisenstein,em vez de basear-se em uma viso de mundo alternativa quelide com oposies (ou seja, espao/tempo, realidade/repre-

    sentao) de uma maneira completamente diferente. JacquesPimpaneau diz que Hou enfrenta o velho problema de todocineasta chins: usar uma mdia que baseada no realismoocidental ao passo que as tradies dramticas na China so

    praticamente o oposto do realismo. Pimpaneau diz que Houno o primeiro a lidar com este assunto, mas poucos mani-

    festaram no cinema uma viso cultural chinesa do mundo toprofundamente como ele fez.

    Os textos que compem a primeira parte deste cat-logo tampouco fogem questo da cultura chinesa e doorientalismo em geral ou da situao taiwanesa. So textosdiversos, com diferentes abordagens: uns escolhidos pelaimportncia como registro, documento de um momento,

    de uma percepo, de uma descoberta ou de um relato; unspela abordagem mais panormica da obra de Hou; outrospelo apuro crtico/literrio no que concerne a tica e a es-ttica do cineasta; outros de ordem mais aproximada daanlise flmica, como o texto de David Bordwell que abordaos primeiros filmes de Hou do ponto de vista da tcnicaaliada s possibilidades de encenao. Sua importncia sed, inclusive, por analisar de forma no debochada nemsuperficial filmes que, ao menos no ocidente, so suprimi-dos ou menosprezados pela literatura que se produziu arespeito do cineasta.

    Nesta presente publicao, a voz de Hou se faz pre-sente em dois documentos bem distintos. Um deles umaentrevista a respeito de Flores de Xangai (Flowers of Shangai/Hai shang hua, ) seu filme mais radical no que serefere utilizao (ou negao) da montagem na lingua-gem cinematogrfica, alm de marco importantssimo paranovas configuraes de encenao do cinema que entosurgiam (assim como o anterior, Adeus ao sul[Goodbye

    South, Goodbye/Zaijian, nanguo, zaijian, ]). De formabem distinta, tambm lemos as palavras do prprio Houem uma compilao de palestras sobre a viso do cinemanacional de Taiwan e da sia-Pacfico em geral. um regis-tro em que o cineasta se mostra preocupado com a polticacultural de seu pas. Hou tem vises abrangentes e poucoelitistas, por meio das quais procura articular uma poss-vel indstria cinematogrfica taiwanesa aliada da regio

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    pacfico-asitica, despindo-se de preconceitos contra filmesdiferentes dos que ele faz ao preocupar-se essencialmenteem no deixar o cinema de seu pas morrer como atividadecultural e econmica. De alguma forma, atualmente no possvel rearranjar a configurao que l se deu em meados

    dos anos e que permitira o surgimento de cineastascomo Hou Hsiao-Hsien e Edward Yang. Ambos foramfruto de um momento especfico de efervescncia artsticanacionalista, documentado pela primeira vez na imprensaocidental quando, em , Olivier Assayas foi a Taipeicomo reprter da Cahiers du cinmae viu as coisas aconte-cerem bem sua frente, destacando, inclusive, os filmes deHou Hsiao-Hsien e de Edward Yang.

    Os textos integrantes deste catlogo no seguem aordem cronolgica, portanto pode ser bastante til ler asnotas editoriais informando data e fonte original. Assim,pode-se ligar as informaes umas s outras e construir,cada mente por si, uma teia relacionada a Hou: seja sobre asua personalidade, sobre as questes estticas de seus filmes,sobre o contexto histrico no qual esteve inserido ou sobrecomo se tornou um cineasta to importante.

    Por meio dos textos possvel tambm vislumbrar al-guns diferentes momentos pelos quais o cinema de Taiwanpassou e como Hou os cruzou de forma muito significativa;

    seja pelo sucesso de pblico com seus primeiros filmes, sejasendo o pioneiro em seu pas tanto na utilizao do somdireto como na abordagem de temas histricos ento con-siderados tabus pela sociedade e pelo governo taiwaneses.

    No se pde abarcar tudo o que se falou sobre Hou.Mas uma coisa foi possvel: ter uma ideia do quanto se es-creveu sobre ele do incio de sua carreira at hoje e perceberquais foram os filmes mais e menos abordados. Nota-se

    pelos textos (alguns que esto aqui e outros que por ummotivo ou outro no puderam estar) que especialmenteaps Flores de Xangai, no final da dcada de , houveuma maior descoberta do cinema de Hou, ou ao menosuma maior ateno dada ao diretor por parte da mdia e

    da curadoria de centros culturais nos Estados Unidos e naFrana (por exemplo: uma retrospectiva em Nova York, emsetembro de , qual Jonathan Rosenbaum se refere emseu texto "A fora em si", alm das exibies das mesmascpias no Film Center, em Chicago, entre e ; aretrospectiva de Hou Hsiao-Hsien na Cinemateca Francesaem dezembro de ; o livro organizado por Frodon, pu-blicado em ).

    Tendo esse pequeno leque, esse pequeno mapeamentodo que se escreveu sobre o cineasta, foi possvel disponibi-lizar alguns desses textos para, seno uma reflexo abran-gente sobre a obra do diretor, pelo menos uma tentativa dereavivar a ateno que se deu a Hou pela crtica alternativae independente brasileira no incio dos anos , forne-cendo mais informaes sobre o diretor e estimulando odebate esttico acerca de sua obra.

    Alm de trazer luz textos antigos sobre Hou, acuradoria da mostra considerou essencial que o catlogotrouxesse uma abordagem filme a filme, pedindo a crti-

    cos e a estudiosos de cinema que se detivessem cada umem um filme especfico. Assim, a inteno foi viabilizaruma produo de textos locais que pudesse refletir a atualposio de Hou Hsiao-Hsien na cinematografia mundiala partir de uma reviso e reavaliao de toda a sua obra,que certamente merece ser percebida com mentes e olhosaguados e generosos.

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    Udden tambm autor do texto Hou HsiaoHsien and theQuestion of a Chinese Style Publicado em Asian Cinema vol n (outonoinverno de p Cf En haut du manguier de Fengshan immerg dans lespace etle temps In: Frodon JeanMichel (org Hou HsiaoHsien Paris:ditions Cahiers du Cinma p Traduo nossa Cf The Problem of Hou HsiaoHsien In: Udden James NoMan an Island: The Cinema of Hou HsiaoHsien HK: Hong KongUP p Traduo nossa Ver p A revista eletrnica Contracampofez um pequeno dossi sobrea obra de Hou em sua edio n em agosto de Tratasede uma das raras abordagens sobre a obra do cineasta publicadas

    no Brasil

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    Biografia de Hou Hsiao-Hsien

    Realizador taiwans consagrado e premiado em diversosfestivais ao redor do mundo, Hou Hsiao-Hsien se esta-beleceu como figura-chave do novo cinema de Taiwan nas

    trs ltimas dcadas.Nascido na China em , mudou-se para o sul de

    Taiwan em , onde passou toda a sua infncia. Depoisde completar o servio militar em , Hou decide estudarcinema na Academia Nacional de Artes de Taiwan, gra-duando-se em e fazendo os mais diversos bicos antesde trabalhar com cinema de fato. Foi assistente de direode cineastas veteranos como Li Hsing e Lai Cheng-Ying.Posteriormente, formou parceria com o fotgrafo ChenKun-Hou e passou a dirigir os prprios filmes.

    Sua estreia como diretor aconteceu em , comMenina bonita(Cute Girl/Jiu shi liuliu de ta). Com seuterceiro filme, A grama verde de casa(Green, Green Grassof Home/Zai na hepan qigcao qing, ), foi indicado aoGolden Horse Award, considerado o Oscar taiwans.Desde ento, o cineasta tem contribudo para a formaode uma nova conscincia acerca do cinema em Taiwan.

    Hou obteve reconhecimento internacional comOs Garotos de Fengkuei(Te Boys from Fengkuei/Fenggui

    lai de ren, ) e Um vero na casa do vov (A Summerat Grandpas/Dongdong de jiaqi, ), ambos vencedo-res do Festival dos Trs Continentes, em Nantes, Frana.Seu filme autobiogrfico,empo de viver e tempo de morrer(A ime to Live, A ime to Die/ongnian wangshi, ),levou o prmio internacional da crtica no Festival deBerlim em e foi indicado a melhor filme no Festivalde Roterd. Hou continuou a fazer filmes aclamados pela

    crtica, como Poeira ao vento (Dust in the wind/Lianlianfengchen, ) e A filha do Nilo (Daughter of Nile/Niluohener, ), e foi gradualmente reconhecido como um dos

    cineastas mais inovadores do mundo. Em , seu Cidadedas tristezas (A City of Sadness/Beiqing chengshi) ganhouo cobiado Leo de Ouro, no Festival de Veneza. Em ,a obra-prima O mestre das marionetes (Te Puppetmaster/Ximeng Chengsheng) recebeu o prmio do jri em Cannes.Seus filmes seguintes, Bons homens, boas mulheres(GoodMen, Good Women /Haonan haon, ),Adeus ao sul(Goodbye South, Goodbye/Zaijian, nanguo, zaijian, ),Flores de Xangai(Flowers of Shangai/Hai Shang Hua, ),Millennium Mambo(Qian xi man po, ), Caf Lumire(Kh jik, ), rs tempos(Tree imes/Zui hao deshi guang, ) e A viagem do balo vermelho (Flight ofthe Red Balloon/Le Voyage du ballon rouge, ), foramaclamados por crticos e circularam por festivais como osde Cannes e de Veneza.

    Como produtor, Hou tem ajudado a realizar clssicoscomo aipei Story (Qing mei zhu ma, ), de Edward Yang;Lanternas vermelhas(Raise the Red Lantern/Da hong denglong gao gao gua, ), de Zhang Yimou; Dust of Angels

    (Shao nian ye, an la!, ) e Heartbreak Island (Qu niandong tian, ), de Hsu Hsiao-Ming; A Borrowed Life (Duosang, ), de Wu Nien-Jen; e reasure Island (Zhi yao weini huo yi tian, ), de Chen Kuo-Fu. Hou tambm oprotagonista de aipei Story.

    Texto cedido por H ProductionsTraduo cedida pela produo (NO)

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    Ensaios, anlises, crticas e entrevista

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    Hou Hsiao-Hsien, chefe da experincia*Por Ruy Gardnier

    Eu no desejo contar histrias, meu desejo antes criar climas,

    ambincias. Hou Hsiao-Hsien

    Cada vez que se v uma das grandes cenas de Hou Hsiao--Hsien, tem-se a impresso de que seu cinema semprealarga e ultrapassa a viso tradicional de linguagem cine-matogrfica. Em filmes como Cidade das tristezas (A Cityof Sadness/Beiqing chengshi, ), O mestre das marionetes(Te Puppetmaster/Ximeng Chengsheng, ), Adeus ao sul(Goodbye South, Goodbye/Zaijian, nanguo, zaijian,)ou Flores de Xangai (Flowers of Shanghai/Hai Shang Hua,

    ), o relato passa a assumir mltiplas dimenses, todaselas jamais experimentadas anteriormente no cinema, ea prpria lgica narrativa parece estar em xeque. Ora amontagem que nos coloca em enrascadas (Flores de Xangai),ora a sequncia cronolgica (Cidade das tristezas), ora aprofundidade de campo que leva a histria para segundoplano e coloca frente da tela coisas que aparentementepouco tm a ver com o filme (em toda a sua carreira). Todofilme de Hou Hsiao-Hsien estabelece uma outra relao

    com o espectador, inaudita, inesperada. Mas sua tticamais famosa, que desconcerta todo espectador rigoroso decinema, sua noo de quadro cinematogrfico, certamen-te evoluda de seus primeiros filmes e O homem-sanduche(Te Sandwich Man/Er zi de da wanou, ), at Cidadedas tristezase O mestre das marionetes, mas que est presentedesde o incio. Num filme de Hou, o quadro cinematogr-fico sempre maior do que o enquadramento, e todas asformas de off so utilizadas para violentar o quadro: aesque acontecem fora da vigilncia da cmera, barulhos mil

    que no fazemos ideia do que sejam, entrada e sada de

    personagens no plano... E, paradoxo dos paradoxos, isso no feito para colocar em questo a narrativa, mas justamentepara fortalec-la! Todo filme de Hou inteiramente baseadoem uma histria, e mesmo uma histria bastante simples.A revoluo, a funo-Hou, reside justamente na formade cont-la. E essa reflexo sobre a narrativa ganha umaamplitude maior quando sabemos que ele tem uma trilogiaambiciosa, que tenta dar conta de toda a memria coletivada ilha de Taiwan desde , data do incio do domnio

    japons, at os dias de hoje, a partir da democratizao e do

    comeo de uma era de liberdade individual e de expresso.Desde que ganhou ateno internacional a partir da

    premiao principal em Veneza por Cidade das tristezasem (infelizmente, at hoje nenhum filme seu foi exibidocomercialmente no Brasil), a imprensa internacional vemreconhecendo em Hou um dos principais renovadores docinema. E, de fato, dentro do cenrio dos anos , ele certamente um dos cinco realizadores mais importantes.Um filme de Hou Hsiao-Hsien de primeira impressionar

    pelo olhar distanciado que apresenta diante de seus perso-nagens. a caracterstica mais recorrente e que primeirosalta aos olhos. Ele evoca dois lemas de Confcio a partirde sua prpria obra: olhar e no intervir e observar e no

    julgar. E seu ideal de cinema, ele o manifesta desta forma: intil e vo julgar. O que eu quero estar no meio, e sim-plesmente ver o que se passa no interior de cada ambiente,sem procurar trazer nenhum julgamento.

    O mtodo de filmar de Hou Hsiao-Hsien tambm lhegarante muitos mritos. Adepto do plano-sequncia, que

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    ele vem evoluindo ( planos para Poeira ao vento [Dust inthe Wind/Lianlian fengchen, ], minutos; paraCidade das tristezas, ; para Flores de Xangai, ), seu

    jeito de filmar facilita o trabalho dos atores (muitos delesno-profissionais) e o resultado na tela impressionante:

    todos os atores, at os coadjuvantes, encontram uma natu-ralidade inacreditvel. Outra coisa que garante naturalidade encenao de Hou o jeito como ele faz movimentar ospersonagens em cada cena. Seu cinema corta todo o tipode ligao com a teatralidade (luz principal no ator, nin-gum passa na frente de quem fala) e com a lgica clssicado plano (o ator no poder sair do quadro, o protagonistamovimentar-se para o fundo do quadro). A mistura dodistanciamento e do plano-sequncia cria um efeito de rea-lidade absurdo. Tanto maior quando lida com atores que

    no podem ser ensinados (cachorros em Adeus ao sul, umbeb em Cidade das tristezas).

    Hou Hsiao-Hsien nasceu em em Canto, Chinacontinental. Sua famlia, de origem pobre, mudou-separa Taiwan a fim de fugir da guerra civil entre o PartidoNacionalista (Kuomintang) e o Comunista. Menino rebel-de, quase envolvido em trambiques como os anti-heris deAdeus ao sul, Hou foi fazer escola de cinema atividadeconsiderada baixa e vergonhosa em seu seio familiar e se

    formou em . No era um dos melhores alunos. Com anos, ele realiza Menina bonita(Cute Girl/Jiu shi liuliude ta, ), seu primeiro filme. Ele far mais dois filmesno estilo do primeiro: musicais com cantores de sucesso,muito populares em Taiwan e pouco ousados formalmente,sem nenhuma aparente semelhana com a obra de Houconhecida no ocidente (seus trs primeiros filmes at hoje

    jamais conheceram lanamento comercial fora do oriente).Em , vem a grande mudana. Uma companhia es-

    tatal de cinema, recm-formada, a Central Motion Picture

    Corporation, quer renovar o cinema do pas e escolhe comodiretores artsticos alguns dos famosos escritores de ShantuWenshi [a literatura da terra], um movimento literrio quetentava refletir os problemas sociais e existenciais do povo deTaiwan a partir da vida cotidiana de seus habitantes. Hou

    conheceu, assim, seus dois maiores colaboradores at hoje:Wu Nien-Jen (mais conhecido agora como o protagonis-ta de As coisas simples da vida[Yi Yi, ], de EdwardYang) e Chu Tien-Wen, at hoje sua roteirista. Com WuNien-Jen, Hou Hsiao-Hsien e mais dois realizadores fize-ram O homem-sanduche, o primeiro filme do chamado novocinema taiwans (os outros realizadores so Tseng Chuang--Hsieng e Wan Ren). O boneco do filhinho (Sons Big Doll/Er zi de da wanou), o episdio de Hou, j revela a tendnciasocial que abundar no restante de sua obra, e um certo

    gosto pela poesia do cotidiano que ele jamais abandonar.O homem-sanduche uma espcie de Rio Graus(), deRoma Cidade Aberta (Roma, citt aperta, ) de Taiwan.

    A fase seguinte de sua carreira explora todas as con-dies do realismo. Ancorada na fora da realidade, emmuitas filmagens externas retratando as relaes familiares edeixando transparecer (sempre a partir do filtro da vivnciacotidiana) a tradio de intolerncia da China nacionalista.Seus filmes dessa poca j deixam ver um cineasta completo.

    J dominando de forma absoluta o ritmo interno de cadaplano e ciente de que o cinema no uma questo de copiara realidade, faz as suas primeiras obras-primas (Os garotosde Fengkuei [Te Boys from Fengkuei/Fenggui lai de ren,], considerado por ele seu melhor filme, empo de vivere tempo de morrer[A ime to Live, A ime to Die/ongnianwangshi, ], Poeira ao vento). dipo Rei, de Pasolini,que mostra a ele que o cinema no precisa ser naturalista:O cinema ocidental me ensinou que podemos nos desem-baraar da opresso da lgica, das obrigaes da montagem,

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    que podemos nos desfazer dos planos inteis. Com Poeiraao vento, Hou comea a ser exibido no ocidente.

    Porm, com Cidade das tristezas que vem sua consa-grao internacional. Em , o filme concorre no Festivalde Veneza e ganha o Leo de Ouro. Em suas duas horas e

    meia, Hou Hsiao-Hsien consegue fazer mais do que umfilme sobre os quatro anos mais sinistros da histria de seupas (-): conseguiu fazer a Histria transformar-seem memria nacional, contando o perodo atribulado entrea derrota japonesa e o controle de Chiang Kai-Shek e seupartido nacionalista. A partir da, o cinema de Hou flutuaentre o relato impessoal de um povo (memria) e o relatopessoal do artista (narrativa), sempre conseguindo bestificaro espectador que acredita ter encontrado uma frmula-Hou.

    No final da dcada, Hou realiza duas proezas fabulosas,

    to antagnicas quanto inovadoras: Adeus ao sule Flores deXangai. Nesses dois filmes, ora explorando a luz natural(Adeus) ou a artificial dos bordis do sculo XIX (Flores),Hou alcana uma mise en scneque combina perfeiocom a escolha dos temas, misturando realismo extremadocom o mais profundo artificialismo, criando duas obrasmpares na histria do cinema, sem precedentes ou at mes-mo parentes. Em , em Cannes, foi exibido MillenniumMambo (Qian xi man po, ), o filme seguinte a Flores de

    Xangai. Ainda sem exibio comercial em qualquer partedo mundo, suas resenhas levam a crer que o filme persegueo mesmo caminho esttico das duas obras.

    Eu no procuro copiar a realidade, mas recriar algumacoisa a partir de uma ideia e pelo trabalho da imaginao.O cinema de Hou antes de tudo um cinema que refletiuprofundamente sobre o realismo, logo cedo em sua carreira,e que percebeu que o cinema, como qualquer arte, lida comum coeficiente de fico que pe em xeque um cinema deinspirao mais verista. Como contrapartida, concebeu que

    a nica coisa que ele poderia de fato documentar com ocinema era o momento, aquilo que escapa mestria tcnicamas que pode, entretanto, em momentos, ser capturado.Todo o cinema de Hou Hsiao-Hsien pode ser encarado doponto de vista de documentrios sobre o momento. Cada

    plano no responde a nada alm de seu ritmo interno, amontagem assume seu papel no mais de normalizadoraentre dois planos, mas os junta de modo a manter uma fis-sura irremovvel entre eles. O que remete frmula de Klee,comumente repetida por Godard, segundo a qual a arteno reflete a realidade, mas que a realidade de um reflexo.

    O cinema de Hou Hsiao-Hsien entretm com o espec-tador um jogo que s pode fazer sentido aps o trmino decada filme. Pois o bom funcionamento de cada plano de Houobriga que o espectador s possa construir alguma relao de

    causa-consequncia, de temporalidade, depois de terminadacada sequncia, cada plano. Um cinema da inteligncia, por-que o espectador que tem que construir a histria na suacabea. Mas um cinema tambm da beleza, do gozo do olho,da mestria no uso da cmera, da seduo. Hou entende osmecanismos do cinema: extrai uma beleza profunda (porqueexige um feedback do espectador) ao mesmo tempo em queoferece a ele um banquete visual primoroso. Godard dizia:lutar em duas frentes. Hou pode-se dizer adepto.

    * Originalmente publicado na revista eletrnica Contracamponem agosto de Direitos cedidos pelo autor NO) At hoje nove anos aps a publicao deste texto nenhum filmede Hou teve exibio comercial no Brasil (NO Considerase O homemsanduche de um filmechave donovo cinema taiwans junto a In Our Time de que por seranterior de fato o filmematriz do movimento cinematogrficoque se configurava na ilha poca (NO

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    Introduo, edio e traduo para o ingls de Lin Wenchi.

    Nos ltimos anos, Hou Hsiao-Hsien assumiu, relutante masresolutamente, um papel mais ativo para ajudar a promovera indstria cinematogrfica de aiwan. Ele fundou um site,SinoMovie, para oferecer informaes sobre o cinema taiwa-ns. Criou e deu aulas em um programa para treinar jovenscineastas. Iniciou um festival anual para encorajar as pessoasa pegar suas mini-DVs e filmar. Ele tambm construiu um

    pequeno local chamado Lar aipei com o intuito de servir debase para exibir filmes de arte e prover um espao para alimen-

    tar a paixo pelo cinema. Ele desistiu de seu prprio projetode filme em para devotar seu tempo exclusivamente

    promoo do cinema taiwans (mais recentemente, comeoua trabalhar em um projeto pensado como uma homenagem aOzu).Num momento em que Hou pode facilmente fazer seus

    filmes do jeito que bem entende, no se pode deixar de admiraressa generosidade em se colocar na linha de tiro tanto como umlutador quanto como uma presena simblica para conduzira indstria cinematogrfica taiwanesa para fora de sua atual

    estagnao, se no extino.Este texto, com a permisso de Hou, foi editado a partirde vrias contribuies verbais e comentrios feitos em umseminrio no Lar aipei em de dezembro de . Os outrosparticipantes do seminrio foram o produtor japons ShozoIchiyama, o produtor e distribuidor coreano aesung Jeong,o diretor e produtor de Hong Kong Peter Chan Ho-Sun e o

    produtor tailands Duangkamol Limcharoen. A preocupaourgente de Hou em encontrar novas direes para a indstria

    de cinema de aiwan capturada vividamente aqui. Como

    pode o cinema de aiwan tornar-se mais orientado por gneros,a fim de abrir-se ao mercado da sia-Pacfico sem perder suacor local? Muitas de suas colocaes focalizam esse tpicodifcil porm inevitvel. Ele no fala de teorias abstratas, mas deaspectos mais prticos da cooperao transnacional, da necessi-dade de produtores criativos e de uma boa estrutura industrial

    para sustentar os roteiristas e diretores.

    ***Assisti a tantos filmes, taiwaneses e asiticos, que no pode-

    ria deixar de notar uma tendncia, uma direo. Sinto queisso de tremenda importncia para o futuro de Taiwane de toda a rea da sia-Pacfico. Sei que a Coreia do Sulest seguindo essa tendncia muito de perto, ao mesmotempo em que busca ativamente novas direes e possi-bilidades. Gostaria de dividir algumas de minhas expe-rincias realizadas nessa direo. Entre os filmes que vi,sinto que Somewhere Over the Dreamland(Meng huan buluo, ), de Cheng Wen-Tang, um filme relativamente

    pesado. Por pesado, quero dizer que parece muito umfilme dos anos ou . O filme sobre os anos e o diretor nasceu nessa dcada. De modo que relativa-mente pesado. O que esse peso? menos uma questo deemoes do que de forma. Por outro lado, h filmes comoO fabuloso destino de Amlie Poulain(Le Fabuleux destindAmlie Poulain, Jean-Pierre Jeunet, ), da Frana, e MySassy Girl(Yeopgijeogin geunyeo, Kwak Jae-Young, ),da Coreia: suas formas so relativamente leves. Um tema

    Em busca de novos gneros e direes para o cinema asitico*Por Hou Hsiao-Hsien

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    importante deve ser trazido aqui, que diz respeito menta-lidade da gerao jovem, assim como mudana de ritmo eforma no mundo contemporneo. No tem nada a ver comcontedo, porque o contedo permanece o mesmo.

    claro que a sociedade est mudando o tempo todo.

    Percebemos essa transformao quando sentimos a pres-so do mundo ou a modificao de formas e tambm umamudana nas abordagens. No passado, podemos ter vividoa chegada de uma nova poca, com suas revolues e supres-ses, todas as coisas habituais sob um regime totalitrio.Abrigava-se um sentimento revolucionrio ou abraava-seo socialismo. Mas agora tudo est completamente mudado.Agora, nesta era, que absolutamente moderna e individua-lista, h essa chamada insustentvel leveza do ser. Mas,essencialmente, ainda uma era bastante pesada. Essa leve-

    za do amor e dos sentimentos de um indivduo, entretanto,tem que lidar com um mundo que duro como uma pedra.O gnero drasticamente novo do cinema contemporneo basicamente uma tentativa de encontrar uma forma delidar com esse pesado fardo dos sentimentos e do amor doindivduo, ou simplesmente o fardo de sua existncia. Nossaexistncia no uma marcha infinita sob represso? issoque chamo de fardo da existncia.

    Assim, filmes como Amlie, Corra, Lola, corra(Lola

    rennt, Tom Tykwer, ) e My Sassy Girlesto no ladooposto a esse peso. Tambm podemos adicionar filmescomoJogos, trapaas e dois canos fumegantes(Lock, Stockand wo Smoking Barrels , Guy Ritchie, ), que lida como mesmo tpico com uma atitude ainda mais jocosa e commais glamour cinematogrfico (o que requer uma poderosaindstria de filmes). So exemplos de um tipo de filme queTaiwan no tem. Eu os menciono porque penso que Amlie realista, no estilo dos mangs japoneses. Como se sabe,

    o mang basicamente composto por signos. Cada quadro um signo exagerado. Por exemplo, uma expresso facialcom diversas estrelas dentro das quais h palavras inscritas,como uma grande estrela com Ay Yo! (Maldio!), oualguma expresso verbal similar. E h ainda vrios bales

    com palavras, que tambm podem aparecer nas margens.So todas formas de linguagem de sinais no papel. Os per-sonagens de Amlieso assim, com certos tipos de expressofacial. Desse modo, o filme retrata personagens e as tramascomplexas das quais fazem parte de uma forma muito bem--sucedida. No entanto, apesar da multiplicidade de eventos,o filme lida com apenas uma questo no fim: como Amlievai encarar seu prprio amor e seus sentimentos, como elavai transpor sua antiga personalidade? Ela tmida e notem sucesso nos encontros com rapazes. Ela tem muita

    paixo, mas no consegue deixar para trs sua antiga perso-nalidade. Ela recorre a diversos mtodos para lidar com seusproblemas. So mtodos leves, no pesados. Ainda quevivamos em um mundo real e tenhamos total conscinciade que nenhum problema pode ser resolvido desse modo,o filme ainda sugere uma motivao para seu pblico. Eleconsidera Amlie aceitvel e tocante. Isso a modernidadepara mim. a atmosfera e o ritmo da modernidade e dasociedade moderna que produzem filmes como Amlie.

    Filmes taiwaneses, de Somewhere Over the Dreamlanda Mirror Image(), de Hsiao Ya-Chuan, tentaram retercertos aspectos da vida seguindo esse ritmo e reunindo frag-mentos. O que transmitido por meio dessa colagem umaviso subjetiva sobre destino, vida e as limitaes impostassobre os seres humanos. Cheng e Hsiao so para mim muitoparecidos no sentido de que no enxergam o mundo daperspectiva de como ele comumente sentido. Nesse cam-po podemos incluir Chang Tso-Chi (Te Best of imes/

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    Mei li shi guang, ), que tambm nasceu nos anos .wenty Something aipei(oi bak man chiu , ), deDai Li-Ren, mais visual e cintico. Dai interpreta umpapel no filme, de modo que ele tem uma boa ideia de comoretratar os personagens e imprimir o ritmo.

    Podemos perceber qual o ritmo cinematogrfico maisdesejado em Taiwan e na rea da sia-Pacfico? TomemosMy Sassy Girlcomo exemplo. O filme vendeu cerca de milhes de ingressos na Coreia e tambm fez muito sucessoaqui em Taiwan e em Hong Kong. Por outro lado, outrofilme coreano, Friend(Chingoo, Kwak Kyung-Taek, ),vendeu cerca de milhes de ingressos na Coreia, mas nofoi igualmente bem em Taiwan e Hong Kong. A questoaqui so os elementos locais de um filme. Outro bom exem-plo a popular srie de tev Liu Xing Hua Yuan(Garden of

    Shooting Stars), que baseada em um mang japons. Essesfilmes merecem absolutamente nossa ateno e discusso.

    Peter Chan Ho-Sun fez a boa sugesto de que ou de um cinema nacional asitico deveria tentar incor-porar elementos transnacionais. Essa exatamente a minhaopinio: um cinema no pode ser meramente local em umaregio de lngua chinesa. Ele precisa ser da sia-Pacfico.Todos sofremos com a regresso econmica. Os melhoresmercados de cinema hoje so a Coreia e a Tailndia. Se eles

    podem se tornar mais internacionais ou mais integrados sia-Pacfico isto , se eles levarem toda a regio em con-siderao suas indstrias cinematogrficas duraro maistempo. Por qu? No se pode simplesmente permanecer emseu espao local e filmar sem fazer alguma bilheteria. Logo,o pblico local gradualmente perde o interesse e vai embora.Aconteceu em Taiwan e consequentemente em Hong Kong,porque este mercado dependia fortemente do investimentotaiwans. Comeou com Chow Yun-Fat e depois Stephen

    Chiau e Andy Lau. Sempre que tinham um sucesso, Taiwanmandava dinheiro para que filmes similares fossem feitosto rapidamente quanto possvel. Esse frenesi levou HongKong a repetir os mesmos filmes em grande quantidade,com pagamento vista. H cinco ou seis anos, no havia

    tantos taiwaneses interessados em ver filmes de Hong Kong.Por qu? Porque todos pareciam o mesmo filme, com suashistrias previsveis. Frequentemente, havia trs filmes emcartaz, todos estrelados por Andy Lau, alm de outros trscom Stephen Chiau.

    O que quero dizer que, enquanto filmes diversos depases diferentes, sobre temas diferentes, forem despejadosna Coreia e na Tailndia e h tambm filmes locais que fa-zem sucesso , esse tipo de cooperao ir beneficiar os doislados. Com mais filmes fazendo sucesso em outros pases,

    o pblico local poderia ver uma maior variedade de filmes.E diretores coreanos e tailandeses teriam mais inspiraovinda de todos esses filmes. por isso que de importnciavital ter indstrias cinematogrficas transnacionais. Umavez que todo diretor est enfrentando situaes diferentes,ele tem que encontrar sua prpria maneira de romper abarreira das restries locais, tanto em termos de cinemaquanto de cultura, e encontrar o delicado equilbrio entregnero e viso pessoal.

    Wong Kar-Wai um bom exemplo. Ele sem dvida otipo de diretor que pode fazer o melhor com o material quetem em mos. Seu Anjos cados(Fallen Angels/Duo luo tianshi, ) um filme do gnero matador de aluguel. Mas eletem sua abordagem singular. claro que pode haver confli-tos entre gnero e autorismo, i.e., fazer os filmes do modoque se quer. Tomemos meu prprio Adeus ao sul(GoodbyeSouth, Goodbye/Zaijian, nanguo, zaijian,) como ou-tro exemplo. Fiz esse filme sobre gngsteres, sociedades de

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    gangues e prias sociais porque tinha muita familiaridadecom eles. Conhecia-os muito bem pessoalmente. Mas no exatamente um filme de gnero e mesmo assim no gosteido resultado. Quero dizer que, assim como o exemplo deWong demonstra, o que se est fazendo buscar novas di-

    rees. claro que preciso comear de sua prpria posio,de sua singularidade. Mas necessrio enxergar com clarezaa situao de toda a regio da sia-Pacfico.

    Deixe-me dar sequncia questo colocada por Jeongsobre o papel positivo que um governo pode exercer naindstria cinematogrfica. Pode-se ver claramente que Shiri(Swiri, Kang Je-Gyu, ) foi o ponto de virada para aindstria de cinema coreana. Antes disso, o pas vivia umacrise financeira. Desde , o governo coreano vem promo-vendo o cinema ativamente. Com esse tipo de entusiasmo

    e essas condies, uma atmosfera foi criada. Taiwan esttendo resultados muito melhores este ano do que no anoanterior e os nmeros aqui apresentados mostram que hum pblico para o cinema. Se pudermos estender e expan-dir essa atmosfera por meio da mdia de massa e de todosos canais possveis para atrair um pblico, e se o governoajudar tambm, possvel que atraiamos um pblico aindamais amplo. Ento vir um filme para explodir a bombae marcar o ponto de virada. Mais oportunidades ficaro

    disponveis, porque mais dinheiro ser investido no cinema.A indstria de cinema de Taiwan no tem uma boa estrutu-ra industrial para distribuio, investimento e diviso de lu-cro. Essa estrutura necessria para que os lucros cheguemaos roteiristas e aos diretores. Caso contrrio, escreve-se pordias e dias apenas para ser criticado por sua esposa, porquevoc nada ganha mesmo que seus filmes recebam prmiosem festivais ou se tornem sucessos. Por que novos talentosdesejariam entrar nessa profisso? Vou dizer a vocs como

    o lucro era dividido no passado. Basicamente, voc tinhauma lista dos custos totais do filme. Recebia-se o que acha-vam que deveria ser dado a voc e simplesmente no haviamodo algum de questionar. Sempre foi desse jeito. Por isso muito importante que criemos um atmosfera para fazer

    acontecer esse ponto de virada e armar um bom mecanismode diviso de lucros.Agora podemos abordar essa questo de outro lugar,

    depois do sucesso do filme japons Ring O chamado(Ringu, Hideo Nakata, ), que foi o ponto de igniopara a exploso de filmes de fantasma. Assim como Shirifoi o ponto de ignio do cinema coreano, Ringdeu incioao frenesi asitico de fazer filmes de fantasmas. O elementocrucial do sucesso desses filmes o uso de elementos locais.Os filmes esto firmemente enraizados na cultura local.

    Going Home in Tree(Saam gaang, ), de Peter ChanHo-Sun, tambm tinha seu elemento local forte, isto , omodo como ervas medicinais tradicionais so usadas parapreservar um cadver humano e reviv-lo. Vocs podemficar surpresos ao descobrir que o pblico japons no temqualquer problema em aceitar uma histria como essa. Defato, eles conhecem muito sobre a medicina tradicionalchinesa e sobre ervas medicinais. Elas se tornaram muitocomuns na Europa, como leos essenciais, mas a ideia

    a mesma.No temos qualquer elemento local em Taiwan? Temosmuitos. Por exemplo, frequentemente rezamos ao deus dasfundaes das casas. Se pensarmos sobre esse deus, ele de fato muito assustador, porque ele protege voc ao ficarem sua casa, observando l do alto. Ele tem sua prpriabiografia. Se voc quiser contar uma histria sobre ele,haver muitas. Eis onde quero chegar: um diretor podeter certas boas ideias ou vises, mas preciso um bom

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    produtor, com sensibilidade aguda, para transform-lasem um filme de sucesso. Como um produtor consegueisso? Ele coloca o filme no caminho certo. Seu filme podeser apenas mais um entre outros tantos, mas ele pode sertransformado em um filme nico. Tomemos como exemplo

    Fluffy Rhapsody(Qi mao qiu le, ), filme de uma horade durao de Wu Mi-Sen. Ele pode ser transformado emuma histria de fantasmas. O filme j aponta para essadireo (h um homem morto, mesmo que uma alma),ento tudo depende de quo assustador voc quer que eleseja. um ajuste de percurso.

    No acho que h quaisquer regras fixas. Todo mundo diferente. Um produtor tem sua prpria perspectiva. Se eleentende bem seu diretor e vice-versa, haver boa coopera-o. Todos trabalhamos de formas diferentes. Assistimos a

    todos os tipos de filmes, hollywoodianos e europeus, e po-demos tentar coisas diferentes. Mas elementos locais so afundao indispensvel sobre a qual cada um deveria tentarencontrar seu ponto de ignio. Vimos Hollywood pegarMy Sassy Girle fazer suas prprias verses. um imprioe sempre ir atrs de filmes com potencial, como fez comNikita(), de Luc Besson. No deveramos pensar quenossos filmes no so bons. Chan Ho-Sun me contou queele tambm sente que h uma singular conscincia criativataiwanesa, que est intimamente relacionada a esta terra emque crescemos e a toda nossa formao cultural. E a Coreiatambm tem um prspero mercado de publicaes de prosae de poesia, alm do cinema. Por outro lado, a indstriade Hong Kong dominou as tcnicas e especializada nogerenciamento de capital. Apenas trabalhando podemosverdadeiramente ser muito, muito bem-sucedidos.

    Uma boa indstria cinematogrfica deveria ter duasreas: a mainstreame a alternativa. O setor alternativo deve-

    ria ser sempre experimental e independente, no se renden-do a nada que no seja sua prpria fora criativa. Entretanto,como se posicionar e tentar alcanar um territrio maisamplo partindo desse lugar? Todo diretor diferente nessesentido. Alguns s podem ficar no lado alternativo. Alguns

    nunca descobrem que pertencem ao mainstreame se pos-tam do lado errado desde o incio. Para estar certo de quese est fazendo as escolhas certas, no se pode dependersimplesmente de si mesmo. preciso ser bem informadoe ter relaes de trabalho de longo prazo com bons pro-dutores e produtores executivos. No estou dizendo quese deve encontrar um parceiro nico. Estou dizendo que necessrio abrir sua viso, caso contrrio vai se trabalhar avida inteira sem qualquer esperana de sucesso.

    No meu prprio caso, fiquei surpreso ao receber meu

    primeiro prmio. Meus filmes anteriores ao prmio erammuito bem-sucedidos nas bilheterias. Nunca pensei sobrea natureza do cinema. Apenas fiz os filmes que gostava defazer, e eles foram extremamente populares. por isso quetive acesso a muitos recursos e a investimento contnuo nosmeus filmes. Mas depois de Os garotos de Fengkuei (Te Boys

    from Fengkuei/Fenggui lai de ren, ), meus filmes deixa-ram de ser populares. No entanto, como meus primeirosfilmes o foram, ainda conseguia encontrar investimento.Ento veio o primeiro prmio, uma surpresa. Tudo o querepresentava para mim era que tinha uma longa viagempara aceit-lo. Depois do prmio veio Cidade das tristezas(A City of Sadness/Beiqing chengshi, ), um filme singularporque tinha uma temtica muito local. Fui fortementeinfluenciado pelos romances de Chen Ying-Chen por muitotempo e estava pronto para fazer um filme sobre temas queeram proibidos na era da lei marcial. Quando esta lei foisuspensa e Taiwan comeou a mudar, o momento parecia

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    certo, ento fui em frente e fiz esse filme. Ele no apenasganhou um prmio importante, como tambm foi tambmextremamente popular em Taiwan.

    No havia a menor possibilidade de que o filme fizesseboa carreira comercial fora de Taiwan, em funo de seu

    fundo histrico complicado, ento isso foi o melhor quepude fazer. Levei em considerao o mercado internacional?Falando francamente, no. Eu ainda tinha muitos temasque poderia filmar e sempre escolhi o que pensava ser me-lhor no momento. Quando fiz Flores de Xangai (Flowers ofShanghai/Hai Shang Hua, ), no dei qualquer atenoao mercado externo. Apenas fiz o filme. No estava nosmeus planos. Por acaso, eu lera o romance e decidi film-lo.Fiquei positivamente surpreso ao v-lo ser to bem recebi-do na Frana. Diferentemente do Japo, eu no conhecia

    ningum na Europa bem o bastante para trabalhar em con-junto. Meus filmes eram muito populares no Japo, entotrabalhei prximo ao Japo. Agora tenho tido mais e maisoportunidades de trabalhar com os franceses. Mas alm dodinheiro de que preciso, meus filmes ainda so sobre estaterra e sobre como me sinto em relao a ela. No estoudizendo que no se deve cruzar fronteiras nacionais. Paramim apenas uma questo tcnica, nem um pouco difcil.

    como quando Tony Leung quer ser um ator entoele tem que ser, de fato, um ator. Ele sabia muito bem queCidade das tristezastinha que render dinheiro e que eletinha que ser pago quando terminasse seu trabalho. Masele tambm sabia que lutara para conquistar seu papel,porque o trabalho o ajudaria a se aperfeioar, a interpretarainda melhor. Quando ele foi fazer Dias selvagens (Days ofBeing Wild/A Fei zheng chuan, ), estava atuando emoutros dois filmes. Ele chegou ao set de Wong Kar-Wai noite. Depois que a maquiagem foi aplicada, Tony dormiu

    e no comeou a filmar at que se passasse uma semana.Mas deixe-me falar sobre o esforo que ele empregou emsua pesquisa para o papel de jogador. Ele conversou comum jogador e percebeu que este tinha dedos bonitos. Eleperguntou por que o jogador mantinha seus dedos e unhas

    em to bom estado. O jogador lhe disse que as mos so aspartes mais importantes do corpo em sua profisso. Tonyvoltou e fez com que a manicure de Carina Lau fizesse suasunhas todos os dias. Ele observou atentamente como sefazia e aprendeu rapidamente a fazer as unhas ele mesmo.Quando estava no set, fazia as unhas antes de interpretar.Esse um processo vital para um ator. Ele descobrira ummodo de entrar no papel. No foi por meio de conjecturasabstratas. Ele se concentrava no papel ao examinar suasmos e a partir da os sentimentos necessrios surgiam. Ele

    podia entrar por inteiro no papel de um jogador graas smos, e podia ento ser to realista quanto possvel.

    preciso encontrar a maneira correta de abordar otema certo para voc. Ningum pode faz-lo por voc.Pode-se no estar consciente de seu grande potencial. No necessrio fazer filmes que se julga apropriados ou sentir--se compelido a fazer certos tipos de filmes porque foramelogiados ou reconhecidos. Nunca se deixe amarrar poresses pensamentos. Seja criativo e imprevisvel em todos osfilmes que fizer. Isso o melhor. tudo o que quero dizer.

    * Originalmente publicado na revista eletrnica Rouge n em Direitos cedidos por Adrian Martin Lin Wenchi e HouHsiaoHsien Traduo de Fernando Verissimo (NO O que seria no futuro o Caf Lumire(Kh jik (NO

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    Sobre Hou Hsiao-Hsien*Por Olivier Assayas

    Lembro-me de quando, j faz mais de dez anos, escrevia

    na Cahierse recebi uma carta de um colaborador de outrarevista que me criticava a respeito de um texto que eu haviapublicado sobre um cineasta pouco conhecido, por noter mencionado que foi na revista dele que este cineastahavia, em outra ocasio, sido incensado primeiramente.Respondi-lhe propondo de criarmos juntos uma Sociedadedos Autores de um novo tipo, na qual em vez de registrar-mos os textos, registraramos os cineastas, atribuindo, destaforma, a si todos os gneros de vantagens e privilgios deri-vados das fortunas e dos prestgios vindouros dos artistas

    assim descobertosSorrio agora pela forma com a qual minha ironia se

    volta contra mim. Pois afinal de contas, se, observandoretrospectivamente minha carreira na Cahiers, posso meorgulhar de ter descoberto um cineasta, trata-se justa-mente de Hou Hsiao-Hsien, sobre o qual fui o primeirojornalista ocidental a falar, num texto do final de ; eprolonguei este texto recomendando muito entusiasmada-mente seu filme a Alain e Philippe Jalladeau, que o sele-cionaram para o Festival dos Trs Continentes em Nantes,no qual Os garotos de Fengkuei(Te Boys From Fengkuei/Fenggui lai de ren, ) obteve o Grande Prmio em ,abrindo a seu autor as portas da carreira internacional queconhecemos.

    Esta modesta contribuio sua notoriedade, que, seno tivesse se iniciado assim, poderia ter se iniciado de miloutras formas, teria sido, portanto, uma chance sobretudo

    para mim, j que em retorno ela me valeu a amizade de

    Hou Hsiao-Hsien, renovada e mantida desde ento, mastambm a ateno e o reconhecimento do pequeno meiocinematogrfico taiwans (foi em Taipei que aconteceu aprimeira retrospectiva dos meus filmes, em ).

    Minha primeira viagem a Taiwan se deu em .Eu estava em Hong Kong na companhia de Charles Tesson,para preparar um nmero especial da Cahiers, e, a convite deChen Kuo-Fu (crtico poca, e agora cineasta), fui a Taipei(dormia no cho na casa dele). Ele organizou um jantar noqual fui apresentado a Edward Yang, Hou Hsiao-Hsien e

    Christopher Doyle, cmera australiano que tinha acabadode fotografar o primeiro filme de Edward e que mais tardetraria a fasca determinante ao estilo de Wong Kar-Wai, dequem fotografou todos os filmes.

    Mantive ligaes slidas com cada um deles, e, semdvida, mais facilmente com Edward e Christopher, comquem posso falar ingls, ao passo que Hou Hsiao-Hsienno fala nada de ingls e a conversao com ele necessita daintercesso de um intrprete. De uma intrprete, neste caso,porque normalmente trata-se de Peggy Chiao, jornalistado grande jornal local, o China Times, e que muito fariapelo reconhecimento de seus filmes, primeiramente emTaiwan, depois no exterior, acompanhando-o em todasas suas viagens quando ele comeou a viajar em elenunca havia colocado os ps fora de sua ilha.

    No entanto, foi sobretudo a personalidade e o cinemade Hou Hsiao-Hsien que me seduziram naquele momento:

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    desde o primeiro filme dele que vi, fiquei impressionado

    com a verdade spera de sua inspirao, com a autentici-dade de suas imagens, nas quais encontrei eco daquilo queadmiro em Pialat. E, sem dvida, estava ainda mais sensi-bilizado por esta histria de malandros do sul que sobempara a capital ter um aspecto autobiogrfico muito potente,que sublinhava a natureza profunda do cinema de Hou, umautodidata que chegou progressivamente ao cinema maismoderno e mais ambicioso pelas vias da espontaneidade ede uma relao direta e sincera com a reproduo de suapercepo do mundo.

    E devo dizer que acompanhar a evoluo de seu traba-lho, ano aps ano, filme aps filme, ter sido um dos meusgrandes prazeres de espectador, combinado satisfao dever se estabelecer seu reconhecimento internacional comoum dos cineastas mais importantes de seu tempo parti-cularmente aps o Leo de Ouro concedido em Veneza sua obra-prima, Cidade das tristezas(A City of Sadness/Beiqing chengshi, ).

    E, mais recentemente ainda, fiquei novamente im-pressionado pela virada que ele empreendeu em seus doisltimos filmes, Bons homens, boas mulheres(Good Men,Good Women/Haonan haon, ) e, mais ainda, Adeusao sul(Goodbye South, Goodbye/Zaijian, nanguo, zaijian,), em direo a uma abstrao ou seja, uma verdadeinvisvel das coisas to de acordo com seu tempo, plenoem seu corao, quanto Antonioni teria sido no incio dosanos sessenta.

    * Originalmente publicado sob o ttulo HHH portrait de HouHsiaoHsien na revista Cahiers du cinma n em abril de Traduzido a partir de verso reduzida publicada em folhetoda Cinemateca Francesa ocasio de uma retrospectiva de HouHsiaoHsien em dezembro de H uma verso revisadamodificada e ampliada em: Assayas Olivier Hou HsiaoHsien: enChine et ailleurs In: Prsences: crits sur le cinma Paris: ditionsGallimard Direitos cedidos pelo autor Traduo de TatianaMonassa (NO

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    Nosso reprter na Repblica da China*Por Olivier Assayas

    Taiwan a prpria burocracia. Seja passando a fronteira,seja trocando dinheiro, ou, ainda, tendo qualquer tipo derelao com as autoridades, estamos no reino da papelada,da revista minuciosa, da lentido institucionalizada. bemverdade que Taiwan um pas que se considera em guerra,que vive na poca de e que se imagina, de bom grado,como uma espcie de Jerry frente a seu vizinho, o imensoTom, que, no entanto, multiplica os gestos de boa vonta-de, mais ou menos hipcritas. Contrariamente a HongKong, muitos militares nas ruas e, como com frequnciana sia, estudantes de uniforme. Taipei no tem muita

    coisa marcante a no ser um hotel monumental em formade pagode e a maravilhosa coleo imperial chinesa queo Kuomintang no poderia deixar de trazer em suas ba-gagens ao abandonar o continente. A cidade plana, semmuita originalidade, mesmo se, chegando da Manhattan--na-sia, somos impressionados pelo espao, pela ausn-cia de arranha-cus, pelas grandes avenidas propcias aosdesfiles e pelos monumentos herdados da longa ocupaopelos japoneses.

    Na rua, nenhum ou quase nenhum ocidental. Nenhumainscrio em ingls para ajudar o viajante. No se fala ingls,fala-se chins. Taipei tem um ritmo interiorano, longe dosneons e do brilho artificial de Hong Kong. A cidade fe-chada em si mesma, desacelerada, e, evidentemente, no sepode deixar de pensar que, mais do que nas ruas profundasde Kowloon, nos velhos bairros de Taipei que se escondealguma coisa desta verdadeira China, da qual os viajantesdo sudoeste asitico saem em busca. Mas, ser um santurio a prpria vocao de Taiwan.

    Chen Kuo-Fu, que encontrei no Festival de HongKong, um jovem crtico taiwans bastante respeitado.Ele me convidou a ir a Taipei, e na casa dele que eu fiqueialojado, num interior tradicional moda japonesa, um pou-co monacal: dorme-se no cho sobre esteiras. Chen Kuo-Fugere, com pacincia e eficincia, toda a minha estada. Eleorganiza as projees, articula as entrevistas e os jantares.No terei, literalmente, nenhum instante livre.

    preciso dizer que esta programao frentica est altura da minha ignorncia e da minha curiosidade.Efetivamente, Taiwan tem como caracterstica pouco co-

    nhecida o fato de ser um dos mais importantes produtorescinematogrficos do planeta, em torno de duzentos filmespor ano; e se orgulha, igualmente, de uma taxa de frequen-tao de cair de costas. O que significa, sobretudo, que seupblico ao mesmo tempo fiel, conservador e sensivelmentemais velho do que aquele dos outros pases da regio. Assim,muitos diretores e atores de Hong Kong puderam prolongarsuas carreiras em Taipei quando tendiam a ser esquecidosem seu prprio pas.

    H tambm fatores econmicos nas relaes entreesses dois cinemas que so, em primeiro lugar, antinmi-cos. Com efeito, o NTD (New Taiwan Dollar), o novodlar de Taiwan no pode ser exportado e as companhiasde Hong Kong sempre tiveram que gastar seus lucroslocalmente, filmando, alis de muito bom grado, nos es-plndidos cenrios naturais que a ilha oferece. Assim foicom a companhia de Chang Cheh, que entre e escoou o capital bloqueado da Shaw Brothers. Igualmente,o Cinema City, que produziu no ano passado um filme de

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    autor, Tat Day, on the Beach (Hai tan de yi tian, ), deEdward Yang. No entanto, tudo separa essas duas inds-trias. A da colnia britnica produz um cinema rpido,violento, sem lei, enquanto a de Taipei, dependente de umacensura muito estrita e de subsdios governamentais, obriga--se a ser responsvel e se baseia em valores, antes de tudo,literrios. Os gneros privilegiados no cinema de Taiwan soos tradicionais, melodrama e realismo potico, destinadosao uso local e pouco apreciados fora dos limites da ilha.Eles produziram o pior com cineastas como Pai Ching-Jui,modelo de continuidade na mediocridade pretensiosa eartstica. Mas eles produziram tambm o melhor com LiHsing e Sung Tsu-Chou, cuja obra pouco conhecida mereceseriamente sair da obscuridade.

    Por razes diplomticas, o cinema de Taiwan quase

    nunca tem as honrarias dos festivais internacionais. Assim,quando ouch of Zen(Xia nu, ) foi apresentado noFestival de Cannes, esta produo da Repblica da Chinacarregava a bandeira de Hong Kong. E quando houve umaretrospectiva de cinema chins em Turim, os filmes deTaiwan foram excludos da mostra, assim como o so siste-maticamente no Festival de Hong Kong. Chen Kuo-Fu, queest longe de ser um defensor do regime do Kuomintang,ressente-se amargamente da condio de pria diplomticoatribuda aos egressos de Formosa. As formalidades dovisto para quase todos os pases do mundo so intolerveisde to complexas e a ausncia de representao legal deTaiwan na maioria das capitais um entrave especialmente liberdade de movimento, pois todo deslocamento implicaem uma passagem obrigatria por Taipei. Entretanto, aausncia de leis verdadeiras sobre a propriedade artstica o copyrightno existe por assim dizer encoraja umaverdadeira bulimia cultural. Em Formosa, tradues sofeitas em propores recordes, fitas de vdeo ou de msica

    circulam massivamente e as tiragens da imprensa so im-pressionantes. Todas as caractersticas insulares so multi-plicadas pelo sentimento de claustrofobia que o habitantede Taipei no pode deixar de sentir.

    Este frenesi encontrado na produo cinematogr-fica, que atravessa hoje um perodo de profunda mutao.

    J fazem alguns anos que os filmes taiwaneses so despreza-dos pelo pblico chins do exlio em benefcio dos de HongKong. Um relativo desinteresse de seu pblico nacional,que conduz a uma queda de frequentao e de produo, um fenmeno recente, que provocou, em consequncia, aemergncia de uma nova gerao de cineastas: algo comouma nova onda de Taiwan.

    Trs semanas antes da equipe da Cahiers desembarcarem Hong Kong, o Arts Center e a revista Film Bi-Weekly

    haviam organizado um ciclo do novo cinema de Taiwanque causou uma forte impresso. Os jovens diretores e cr-ticos foram unnimes: hoje em Taipei que as coisas estoacontecendo. Ann Hui, Tsui Hark e Allen Fong nos disse-ram: a nova onda de Hong Kong era coisa do passado; emTaiwan, os novos cineastas formam um verdadeiro grupo epraticam um cinema muito mais independente e audaciosoque o deles. Alis, a Film Bi-Weekly tinha publicado no seunmero de abril uma mesa-redonda reunindo a delegaode Taiwan e os jovens cineastas de Hong Kong: inegavel-mente, um mini-evento estava sacudindo o cinema chins.

    Em Taiwan, foi aos escritrios da Central MotionPictures Corporation(CMPC) que me dirigi para assis-tir a uma srie de projees numa espcie de minissalade onde s sa j de noite. A CMPC o maior produtorda ilha: o Estado. O imvel com uma arquitetura dosanos , mobilirio fora de moda, de aspecto negligen-ciado, um pouco acinzentado, so mostras suficientesdisso. Hiao Yeh nos recebe. Este personagem-chave da

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    renovao do cinema local o mais improvvel dos pro-dutores possveis. Um pouco como a Antenne , a CMPC dividida em unidades de produo que se beneficiam deuma certa autonomia. Hiao Yeh dirige desde o final de uma destas miniestruturas. Ele tem o posto bizarrode master plannere responsvel por uma equipe decinco planners. Eles se renem uma vez a cada diaspara discutir ao mesmo tempo projetos em curso e ideiasou propostas novas. Eles tm entre oito e nove filmes paraproduzir a cada ano. Mas difcil trabalhar na CMPC,porque os diretores no ligam de fazer bons filmes ou no.Tudo o que os preocupa fazer propaganda do governo. E,alm disso, eles no gostam muito de dar uma chance aos

    jovens diretores. Preferem trabalhar com nomes conheci-dos. Alis, no gosto desta expresso, dar uma chance aos

    jovens cineastas; na verdade, somos ns que precisamos de-les. Tmido, discreto, apagando-se por atrs dos cineastasque ajudou, Hsiao Yeh seguiu, no entanto, uma trajetriabastante original. Professor de medicina na Universidadede Taipei, ele chegou literatura j numa idade avanadae o sucesso de seus livros o levou a ser roteirista para o queele chama de a velha gerao dos cineastas de Taiwan. Euno tenho vontade de falar disso, foi uma experincia muitoruim.Decepcionado, ele foi estudar biologia molecular nosEstados Unidos. S quando volta que aceita a oferta daCMPC, que lhe permitiu produzir j em In Our ime(Guang yin de gu shi), o filme-matriz do novo cinema deTaiwan e cuja ambio era provocar uma corrente de arfresco. Este filme constitudo de quatro esquetes deveria,na verdade, oferecer a quatro cineastas a possibilidade deprovar seus talentos. Hiao Yeh e sua equipe escolheram,entre os diplomados de escolas de cinema ocidentais, dire-tores de curta-metragem e desertores da televiso, quatronomes: Edward Yang, Jim Tao, Ke Yi-Chen e Chang Yi.

    O tema prescrito foi contar um episdio inspirado em suaprpria infncia ou adolescncia.

    Promissor, In Our imeno deu muito certo. Mas sebeneficiou de um verdadeiro efeito-surpresa e obteve umsucesso de pblico considervel devido a razes sociolgicasevidentes. A Nouvelle Vague de Taiwan aparece no mesmocontexto que a de Hong Kong: ela a expresso da primeiragerao nascida e educada em Taiwan aps a guerra civilchinesa. Sucedendo a cineastas exilados que nunca renun-ciaram sua identidade continental e eternamente procurade um passado perdido, foi necessrio que ele impusesseuma sensibilidade taiwanesa voltada para a realidade, para oconcreto em vez do sonho ou do passado. Pode-se dizer queIn Our imepermanecer um ponto de referncia marcan-do o primeiro olhar lanado pelo cinema sobre a natureza

    de Formosa, vista como pas e no como bastio ou museu.Entre os quatro episdios, dois subsistem; o primeiro, assi-nado por Jim Tao, descreve de maneira original a fascinaode uma criana pelos animais pr-histricos, e o segundo,o de Edward Yang, que conta a amizade de um meninode culos e de uma menina mais velha. Infelizmente, JimTao fracassaria em sua passagem para o longa-metragem,realizando um filme bastante morno intitulado Te Bikeand I, enquanto Edward Yang se imps com Tat Day, onthe Beach, rodado no ano seguinte, como uma das melhorespromessas do cinema de Taiwan.

    O sucesso de In Our imeencorajou Hsiao Yeh a re-novar a experincia com O homem-sanduche (Te SandwichMan/Er zi de da wanou, ), cujo projeto sensivelmentediferente, pois desta vez se tratava da adaptao de trsnovelas de um grande romancista taiwans contempor-neo, Huan Chun-Ming. Por diferentes razes, cada umdos episdios bem-sucedido, tanto o de Hou Hsiao--Hsien, quanto o de Wan Jen e o de Tsang Jong-Cheung.

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    Hou Hsiao-Hsien, autor do episdio-ttulo, no pro-priamente um iniciante. Ele no cursou nenhuma escolade cinema americana e parece que nunca saiu de Taiwan:trabalhou ainda muito jovem como tcnico e fez algunsfilmes seriados. Insatisfeito, aceitou a oferta de Hsiao Yehde realizar uma virada radical: seu curta-metragem omais rico e o mais audacioso dos trs e ele rodou, depois,Os garotos de Fengkuei(Te Boys From Fengkuei/Feng gui laide ren, ), certamente a obra mais completa que a novagerao de Taiwan produziu. Wan Jen, diretor de um esque-te lade Sica, que teve grandes problemas com a censura,pois ridiculariza os colaboradores militares americanos,passou tambm com sucesso para o longa-metragem, comAh Fei(You ma cai zi, ), um melodrama muito bonitoque foi bem recebido pelo pblico. Tsang Jong-Cheung, que

    conta a histria de dois caixeiros viajantes vendendo panelasde presso japonesas que acabam por estourar na cara deles,realizou depois Nature is Quite Beautiful() e se preparapara rodar um novo filme produzido pela companhia deHsu Feng, a estrela dos filmes de King Hu.

    Na sada daprojection-marathon, os trs coautores deO homem-sanducheesto l e vou jantar na companhiadeles num restaurante inde Taipei, o DDS. O DDS incrvel, parece que estamos num episdio de Dallas. umrestaurante francs com lookBeverly Hills onde se comeem pratos de porcelana, com garfos e facas, uma pardiada alimentao francesa, tudo isso com tempo disponvelpara apreciar, como entendido, as reprodues de desenhosde Aslan que ornam as paredes. A luz tamisada, os JR eas Sue-Ellen chineses so indescritveis. evidente que achegada de um jornalista de cinema francs uma espciede acontecimento em Taiwan, onde o animal no tinhamais sido avistado desde a ltima visita de Pierre Rissient.Acrescente-se a isso o prestgio da Cahiers du cinmajunto

    a um grupo de cineastas que aprovam tudo o que o cinemaeuropeu faz.

    Os jovens cineastas de Taipei tm dois contraexem-plos: Hollywood, que eles execram, e Hong Kong, que,em sntese, parece representar um empreendimento deemburrecimento coletivo. Mesmo que esses julgamentossejam excessivos, podemos compreend-los sem esforos. o imperialismo cultural de uns e de outros que os suscitae no h nada de espantoso em os cineastas de Taiwan sesentirem mais prximos das diferentes vanguardas euro-peias mesmo que elas tenham vinte anos ou de diretoresda China Popular, como Xie Jin apesar de suas restries.Em todo caso, eles suprimiram de sua palheta o cinemascopeobrigatrio do cinema honcongus em benefcio do : etodos sonham com o som direto, ainda que nenhum dentre

    eles tenha podido realmente utiliz-lo: em Taiwan isso umluxo no limite da extravagncia. este o eixo comum doscinemas novos: a tbula rasa dos acessrios narrativos dopassado, dos maneirismos envelhecidos, dos gneros e doscdigos. O nico valor que subsiste a sensao. somentea partir do que se sabe com certeza ser verdadeiro ou perti-nente que se reconstri um universo de cinema.

    Em Os garotos de Fengkuei, Hou Hsiao-Hsien oferece omelhor exemplo disso. Esta narrativa semiautobiogrfica laPasolini em sua primeira fase, sobre uma adolescncia vio-lenta em uma aldeia de pescadores, uma tentativa de poe-sia realista nica em todo o cinema asitico. H a uma forabruta, um instinto de cineasta, um olhar sobre os lugares eas pessoas e uma lucidez que indicam efetivamente que al-guma coisa est em mutao. Eu no me interesso mais pelanarrao. Eu tento simplesmente tornar um ponto de vistaobjetivo. Eu gosto dos planos-sequncias. como quandona rua voc assiste a um acidente ou a uma briga, h ums ponto de vista, o seu, em continuidade. a partir disso

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    que voc se lembra da experincia. tambm assim que euescolhi filmar.O nico a no falar ingls, Hou Hsiao-Hsien a personalidade mais marcante do grupo. Atarracado, umrosto redondo, sorridente, ele se exprime com uma misturade convico inflamada e de preciso metdica. Cineastanatural, seu discurso autodidata uma mistura de intui-es fulgurantes e de tomadas de posio autoristas quesaindo de sua boca parecem novas. Eu tentei restituir osmedos de minha adolescncia. Nesta idade, eu vivi muitosanos na confuso. Eu fazia muitas coisas e no chegava aofim de nada. Todas as cenas de briga so autobiogrficas.Aquela na qual a me lana uma faca em direo ao seu filhotambm. A maior parte das sequncias foram rodadas demaneira muito espontnea. Quando escolhi meus atores,fiz questo que eles fossem um verdadeiro grupo de amigos

    na vida real. Todos os ensaios foram feitos em cenrios na-turais do filme e eu dei poucas indicaes a eles. Para mim,o realismo no reconstituir um evento. , de preferncia,restituir uma experincia por meio de sua prpria percepo.Deste ponto de vista, o cinema europeu me ajudou muito.Ele me ensinou, graas a filmes como Acossado( bout desouffle, ) de Godard ou Loulou() de Pialat, a medesfazer da presso da lgica e das obrigaes da montagem.Eu aprendi a me livrar dos planos inteis.

    A fora dos novos cineastas de Taiwan est no fato deque eles formam um grupo unido, de que eles colaboramuns com os outros e aparecem ocasionalmente nos filmesdos amigos. Deste ponto de vista, o aspecto interiorano deTaipei um trunfo. Eles se encontram sem parar e cons-tituem uma frente unida face a uma indstria ao mesmotempo interessada (seus filmes so rentveis) e desconfiada(suas ideias e seus mtodos de trabalho no so os dela).Wan Jen, Edward Yang, Hou Hsiao-Hsien, Tsang Jong--Cheung e seus amigos no fazem somente uma aliana

    ttica. Alm de sua sensibilidade prpria, que , eviden-temente, diversificada, eles compartilham uma verdadeiraconcepo do cinema, ideias que eles trocam entre si e, so-bretudo, uma abordagem ao mesmo tempo tica e moralda imagem, o que os separa radicalmente da gerao queos precede e que eles rejeitam em bloco, exceo deSung Tsun-Chou, que geralmente considerado, se nocomo o seu modelo, em todo o caso como o seu precursor.De toda forma, ele faz parte da famlia e, no dia seguinte,quando pedi para projetar seu filme Te Dawn (Po qiao shi

    fen, ), na CMPC, em sua presena, a Nouvelle Vaguede Taiwan estava presente em peso.

    * Trecho de reportagem originalmente publicada sob o ttulo Du

    nouveau dans le cinema de Taiwan Notre rporter en Republiquede Chine na revista Cahiers du cinma n em dezembro de Foi traduzida a pedido do autor a partir da verso final revisada e republicada em: Assayas Olivier Asie horizons retrouvsIn: Prsences: crits sur le cinmaParis: ditions Gallimard p - Direitos cedidos pelo autor e pela editora Traduode Telma H M Monassa (NO Quando escrevi esse texto em ningum havia pensadoainda no problema da transcrio do nome de Hou HsiaoHsiencujos filmes nunca tinham sado do pas Eu havia escolhido osistema pinyin tanto para o seu nome como para o de cineastastaiwaneses de tradio Hou tornouse Hou Xiaoxian; Sung TsuChou tornouse Sung Cunsho; Li Hsing Li Xing; e Pai ChingJuiBai Jingrui Eu ignorava que Taiwan (Repblica da China recusao pinyin imposto pela China Popular e mantm o sistema clssicoo WadeGiles Uniformizei portanto neste sistema todos os nomes citados Os garotos de Fengkuei nunca projetado no ocidentechamavase ainda All the Youthful Days Fiz tambm a retificao Dirigido por King Hu (.

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    Somos o que fingimos ser, por isso devemos ter cuidado com oque fingimos ser. Kurt Vonnegut Jr., Mother Night

    Quo significativo o fato de nenhum dos dois maioresrealizadores do cinema narrativo serem fluentes em in-gls? No muito. Mas existe uma lgica. Afinal, a maioriadas pessoas do mundo, incluindo aquelas que vivem noIr e em Taiwan, no falam ingls, ainda que, sob o olharamericano, isso as coloque margem, parte inclusive dacultura online global.

    Se estar margem significa fazer parte da maioria, en-

    to lgico que Abbas Kiarostami e Hou Hsiao-Hsien,como verdadeiros cronistas de acontecimentos mundiaisatuais, deveriam ser poetas laureados apesar de no teremmuito em comum alm do gosto por filmar longos planos,o pioneirismo na captao de som direto no cinema de seusrespectivos pases (nos dois casos para honrar o padro defala de atores no-profissionais), e um senso geral de desa-pego filosfico. No surpreendente que eles respondamto bem aos filmes um do outro, embora publicaes comoVanity Faire Te New Yorkerfaam de conta que eles noexistem. Ambos vm de culturas que atualmente atravessammudanas cataclsmicas, para o melhor, que talvez faamparte do que vem sendo reconhecido nos recentes prmiosconcedidos pelo Festival de Cannes: o grande prmio do jrioferecido para um longa-metragem da China continental, oprmio de melhor ator para um intrprete de Hong Kong,o prmio de melhor diretor para Edward Yang (o nicoparceiro de Hou em Taiwan), o prmio do jri divididocom Samira Makhmalbaf, e o prmio Cmera de Ouro

    concedido a outros dois diretores iranianos. Como sempre,jornalistas americanos entraram em pnico ao perceberemque os estdios de Hollywood no mandavam mais umsinal definitivo de que o cinema mundial est mais do quevivo: pssima notcia para Jack Valenti [durante anospresidente da Motion Picture Association of America], umatima notcia, no entanto, para cidados do mundo es-pecialmente para aqueles que entendem que as reformasdemocrticas de Taiwan e do Ir no precisam seguir omodelo americano.

    Um dos motivos pelo qual a retrospectiva de Robert

    Bresson foi to instigante exibida para salas lotadas aoredor do mundo entre e , logo antes de sua morte foi a maneira como reverteu quarenta anos de conheci-mento adquirido sobre a sua obra, descartada terminante-mente como esotrica e pretensiosa. Pauline Kael, DwightMacdonald, John Simon e vrios outros crticos do main-streamj haviam rejeitado seu trabalho desdeO batedor decarteiras(Pickpocket, ), como uma prova de que as no-es gaulesas da arte eram perversas e de negao da vida, eOrson Welles que aparentava estar temperamentalmenteincapaz de suportar qualquer diretor de cinema que in-sultasse atores, por qualquer razo que fosse liderou ocontingente de realizadores que viam a obra de Bresson comdesprezo. Mas a premissa de que Bresson era rarefeito emdemasia caiu por terra assim que o pblico teve a verdadeiraoportunidade de assistir aos seus filmes em boas cpias.

    Algo semelhante tem acontecido a Hou Hsiao-Hsiendesde que uma retrospectiva itinerante de sua obra estreouem Nova York setembro passado. O sucesso da mostra foi

    A fora em si Os filmes de Hou Hsiao-Hsien*Por Jonathan Rosenbaum

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    ainda mais dramtico considerando que praticamente ne-nhum dos longas-metragens de Hou havia sido exibido nocircuito comercial dos Estados Unidos, todos considera-dos muito difceis pelos distribuidores at que o CinemaWinStar, numa investida repentina, adquiriu os direitos dedistribuio de metade dos seus filmes. Durante os prxi-mos trs anos o Film Centerir exibir sete dessas prolas,cpias em mm novas, e tambm apresentar a nica c-pia em mm de Um vero na casa do vov(A Summer atGrandpas/Dongdong de jiaqi, ).

    Isto certamente uma regalia inesperada. Pelo menosmeia dzia dos filmes de Hou Hsiao-Hsien, quase todosmenores, esto desaparecidos dos circuitos os cincoprimeiros, realizados entre e , e o nono, A filhado Nilo (Daughter of the Nile/Niluohe nuer, ) por

    problemas com os direitos de exibio. (A mesma questoimpediu a exibio do documentrio de Olivier Assayassobre Hou, intitulado HHH um portrait de Hou Hsiao--Hsien.) Ironicamente, o pouco caracterstico A filha do Nilofoi o nico filme de Hou que entrou no circuito comercialamericano, embora tenha ficado to pouco tempo em cartazque praticamente no conta.

    Assisti ao terceiro e ao quarto filme de Hou, e gostariade discuti-los de forma breve, pois elucidam o resto de suaobra. A grama verde de casa(Green Green Grass of Home/Zai na hepan qigcao qing,) assim como os anteriores,Menina bonita (Cute Girl/Jiu shi liuliu de ta, ) e Vento

    gracioso (Cheerful Wind/Fenger titacai, ) um longa--metragem leve, tecnicamente confiante, em formato scope,comercialmente bem-sucedido e estrelado pela estrela popKenny Bee (dessa vez como um professor substituto). Comanimados interldios musicais, muito zoom e planos pano-rmicos, parece ter sido escrito e dirigido por algum queno se considera um artista. O elemento mais srio da obra

    um discurso ecolgico contra eletrocutar peixes no rio davila, e ela faz lembrar das ltimas obras de Hou, especial-mente no que concerne o gracioso tratamento dispensado scrianas, a habilidade de filmar longos planos e o gosto porrepeties musicais nos ttulos (gosto tambm aparente emempo de viver e tempo de morrer [A ime to Live, A imeto Die/ongnian wangshi,];Bons homens, boas mulheres[Good Men, Good Women/Haonan haonu, ];Adeusao sul [Goodbye South, Goodbye/Zaijian, nanguo, zaijian,] e at em Poeira ao vento [Dust in the Wind/Lianlian

    fengchen, ], cujo ttulo original seria melhor traduzidocomo Love, Love, Wind, Dust[Amor, amor, vento, poeira]).

    Paradoxalmente, Hou se tornou um artista quandocomeou a contratar roteiristas, quase que exclusivamentea romancista Chu Tien-Wen, mas tambm o ator (e re-

    centemente diretor) Wu Nien-Jen. Wu adaptou o contoutilizado no filme O boneco do filhinho(Sons Big Doll/Er zi de da wanou), o perfeito segmento de minutos deHou para O homem-sanduche(Te Sandwich Man/Er zide da wanou, ), um longa-metragem composto de trsesquetes, tido como o primeiro filme do chamado cinemanovo de Taiwan.

    A diferena de estilos entre o Hou que entretm e oHou realizador de filmes de arte mesmo num pas ondeos filmes de arte foram em parte financiados por gngs-

    teres radical. No entanto, como ponte entre os doisestilos esto atitudes populistas que complicam seu elitismoartstico, produzindo uma mistura cultural ambgua quefaz com que os ocidentais tenham dificuldade de pontuar.( importante acrescentar que Hou sonhava em se tornarum cantor pop e um ator de cinema antes de comear adirigir, abandonando sua ambio inicial aps um surto demedo de palco, e sua segunda aspirao ao decidir que suaestatura era baixa demais.) Apesar de todas as diferenas

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    entre a narrativa relativamente convencional de Poeira aoventoe a explorao dos estados de esprito cotidianos deAdeus ao sul, os dois filmes possuem praticamente o mesmoincio, com estimulantes planos subjetivos de trens cru-zando paisagens verdes, seguidos de planos de passageirosapertados em seus interiores com uma pictrica variaode luz que modela as silhuetas dos corpos ali presentes medida que os trens entram e saem dos tneis. Tambmvale ressaltar que Cidade das tristezas (A City of Sadness/Beiqing chengshi, ), um dos filmes mais complicadospara ocidentais em termos de enredo, foi seu maior sucessoem Taiwan; abordando questes histricas e culturais queno podiam ser discutidas enquanto a ilha encontrava-sesob lei marcial ou seja, durante todo o sculo XX at e causando grande sensao.

    Assayas descreve muito bem a personalidade paradoxalde Hou no prefcio de uma coleo francesa produzidarecentemente a seu respeito. Assayas narra um encontro seu,como crtico, com Hou em Taipei, em , e um encontroseguinte organizado para o documentrio que realizou arespeito do diretor taiwans: Sua maneira de deslizar entrea racionalidade adulta e o sorriso infantil inclume, assimcomo o seu modo de se movimentar entre intelectuais epequenos mafiosos com uma certa incerteza estudada, en-torpecido de maconha, de lcool, ou de bin-lan (uma planta

    com efeitos semelhantes aos da anfetamina). Mas nestelugar onde apenas os instintos importam, teoria e filosofiaganham crescente importncia; e no uma simples noosobre a percepo que em geral de interesse apenas paradiretores , mas tambm h a tradio chinesa clssica,com a gravidade e a intensidade peculiar aos autodidatas.

    A mudana de Hou do entretenimento para a artetambm sugere uma ambiguidade em sua identidade cul-tural, simbolicamente traada no heri tchekhoviano da sua

    esquete para o filme O homem-sanduche. Um pai jovem erecm-casado se pinta de palhao e veste um cartaz paraanunciar a sala de cinema local. Ao perceberem que suahumilhante fantasia no atraa pblico algum, ele autori-zado a pedalar pela cidade promovendo os novos filmes emcartaz, mas aos poucos ele descobre que seu filho beb nomais o reconhece sem a maquiagem de palhao.

    Em retrospecto, essa histria poderia ser lida comouma parbola sobre o dilema existencial do taiwans. Hounasceu na provncia de Canto (China) em de abril de logo aps o fim da ocupao japonesa, no meio daguerra civil entre comunistas e nacionalistas e acabou emTaiwan com sua famlia no ano seguinte. Eles, como muitosoutros, esperavam que a mudana fosse temporria. (Essahistria contada em empo de viver e tempo de morrer,

    seu filme mais autobiogrfico.) Esses erros de clculo, eas profundas confuses de identidade engendradas nessasdvidas, esto na raiz da maturidade de direo de Hou junto com incertezas sobre qual parcela de Taiwan chi-nesa, aborgine, japonesa e americana. Essas preocupaestambm imburam as memrias de infncia dos roteiristasde Hou (em Um vero na casa do vove Poeira ao vento),assim como a histria de Taiwan no sculo XX (que temada magistral trilogia de Hou Cidade das tristezas,O mestredas marionetes [Te Puppetmaster/Ximeng Chengsheng,

    ], eBons homens, boas mulheres e de sua tentativa delidar com o presente utilizando a figura de um malandroinsignificante e seu squito em Adeus ao sul).

    O nico ttulo da retrospectiva que ainda no pontueifoi Flores de Xangai (Flowers of Shangai/Hai Shang Hua,), o ltimo filme de Hou, baseado num romance pu-blicado em e situado exclusivamente nos bordis deXangai um trabalho notvel que alguns crticos conside-ram como sua melhor obra. Mas embora admire bastante

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    o filme, tambm o considero um tanto intratvel talvezto somente por no conseguir encaix-lo nas estruturascrticas descritas acima.

    De vrias maneiras Hou se tornou o realizador asi-tico contemporneo mais experimental, pelo menos desdeCidade das tristezas, e parte do que faz seu trabalho to

    impressionante o fato de ele nunca repetir a mesma coisa.Nesse aspecto, ele comparvel a William Faulkner nosanos e outro inovador lidando com a histriae os dilemas indgenas existenciais de sua prpria regioremota do planeta. Adeus ao sul, com sua viso amarga damodernidade, faz-me recordar de certa maneira o roman-ce Santurio (Sanctuary, ), enquanto o contrapontualBons homens, boas mulheresrelembra elementos de Palmeirasselvagens (Wild Palms, ); e at o meu filme favorito de

    Hou, O mestre das marionetes, faz lembrar o meu livro favo-rito de Faulkner,Luz em agosto (Light in August, ), comouma histria sobre procura e aceitao de identidade. (Meusoutros filmes favoritos so O boneco do filhinho,empode viver e tempo de morrere Cidade das tristezas. Aindano assisti ao filme favorito do prprio Hou,Os garotos deFengkuei [Te Boys from Fengkuei/Fenggui lai de ren, ] outro item ausente na retrospectiva.)

    Aqui no fiz nada alm de apenas arranhar a superfciedesses filmes. No mencionei, por exemplo, nada a respeito

    da oposio entre cidade e campo aparente em tantos filmesde Hou; a cidade invariavelmente vista como um condutorde vrus culturais do qual os personagens devem escapar como a me da cidade em Um vero na casa do vov, que ficaliteralmente doente quando seus filhos vo para o interior.Tambm no comentei nada sobre o virtuoso uso que Houfaz de planos longos (como o estonteante primeiro planode Flores de Xangai), suas cores, luzes, a profundidade decampo, e seu profundo senso de espao. Ou da cuidadosa

    e lenta exposio de O mestre das marionetes baseado nasmemrias do falecido Li Tien-Lu, cuja presena inesque-cvel, como ator em Poeira ao ventoe Cidade das tristezas, ecomo ele mesmo em O mestre das marionetes, colocando-sedialeticamente em oposio aos seus personagens ficcionais.Ou como ele capaz de estender o movimento aerado eacelerado dos trens, motos e carros que se alternam entreremendos imagticos de movimento sem direo no filmeAdeus ao sul. Ou como o requintado uso de um fotgrafosurdo-mudo em Cidade das tristezas(incluindo interttuloscom suas mensagens escritas) e de uma atendente de bar semaquiando numa penteadeira em Bons homens, boas mulhe-restornam-se portais para o alcance sem limite do cosmos,repleto de infinitas possibilidades. Pois os filmes de Houso sobre a glria e o terror de se realizar, e existem poucos

    assuntos mais potentes do que este.

    * Originalmente publicado no jornal Chicago Reader em dejunho de . Direitos cedidos por Jonathan Rosenbaum e peloChicago Reader Traduo de Fabiana Comparato (NO Ver a nota de rodap nmero na p (NO

  • 7/13/2019 Catalogo Hhh Virtual

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    Mister Hou e a experincia