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ANÁLISE COMPARATIVA: CASAS RP E KG
As casas RP (2004-2010) e KG (2012), além de terem sido projetadas pelo mesmo escritório - Arquitetos Associados -, possuem
contextos e relações compositivas similares, o que sugere o desenvolvimento da análise comparativa das mesmas. (Figura 1)
Implantação e Partido formal
As duas casas estão localizadas em condomínios fechados, cujos terrenos de esquina apresentam proporções quadráticas com
divisas regulares na RP e irregulares na KG. Tais características dos terrenos condicionam a definição e as principais similaridades
entre os arranjos formais adotados – volume compacto de proporções quadráticas com uma subtração que configura um pátio
central. A compacidade dos volumes, nos dois casos, é apenas sugerida – alas em “L”, fechadas por um conjunto de passarelas e
rampa que conduz o usuário ao terraço-mirante na RP e alas em “U” fechadas por muro com painéis pivotantes verticais na KG.
CASA RP CASA KG Local: Sete Lagoas, MG Ano: 2004-2010
Local: Nova Lima, MG Ano: 2012
Escritório Arquitetos Associados Escritório Arquitetos Associados
Autoras: Carolina Aubin Ongaratto e Ana Elísia da Costa
Figura 1: Implantação e vista geral das casas: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
acesso
limites terreno
b) a)
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Nesta última, se observa também que a geometria de proporções quadráticas é tensionada junto às fachadas frontais, o que se
justifica a sudoeste, onde busca estabelecer um paralelismo com a geometria do lote. (Figura 2)
O tratamento das características topográficas dos terrenos, contudo, explicitam diferentes estratégias para conferir peso ou leveza
às composições. Na RP, o enfrentamento da topografia acidentada é evitado, erguendo o conjunto edificado do solo através de
pilares. Este alçamento do volume, junto com um pequeno corte na cota mais baixa do terreno, viabilizam a configuração de um
pequeno pilotis. “Suspensa no ar”, a solução busca conferir uma maior leveza visual ao volume de grandes dimensões. Taludes
artificiais omitem parcialmente o pilotis na porção sudoeste do terreno, garantindo-lhe privacidade, sem, contudo, perder a ideia de
“levitação” do volume em relação ao solo. Na KG, ao contrário, a composição parece perseguir o peso visual, sendo a topografia
plana assumida através de um volume térreo que se apoia diretamente no solo. (Figura 3)
Figura 2: Plantas das casas: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
Figura 3: Corte das casas: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
a) b)
a) b)
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O tratamento das fachadas das duas casas corrobora o contraste entre leveza e peso visual das composições – transparências
com plano envidraçados na casa RP, empenas transversais opacas na casa KG. Nesta última, destaca-se ainda elementos que
quebram parcialmente o peso compositivo e que se comportam como mecanismos de expansão visual, como o plano com elementos
vazados e os painéis pivotantes verticais em aço cortem dispostos nas duas fachadas de esquina. (Figura 4)
Estrutura
Grelhas orientam a organização do espaço interno e a estrutura das duas casas. Na RP, 4x4 módulos regulares de 8m, em estrutura
metálica, explicitam a base quadrada do projeto, bem como balanços nos quatro perímetros do volume reforçam a ideia de leveza
visual. Na KG, quatro módulos longitudinais e cinco transversais definem a extensão regular da planta, sendo esta grelha
transgredida na extensão das duas fachadas frontais. O sistema estrutural de vigas e pilares em concreto é arrematado e
complementado pelas empenas laterais quase cegas, também em concreto armado, configurando um volume pesado, solução esta
que pode remeter à arquitetura brutalista. Nas duas casas é possível observar que alguns pilares fogem da malha proposta onde é
preciso adaptar o projeto à topografia e geometria do terreno em que está inserido. (Figura 5)
Figura 4: Perspectivas das casas: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: Desenhos: ONGARATTO, Carolina. 2016. Imagens: site dos arquitetos.
a) b)
a)
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acesso
zona íntima
zona social
zona serviço
a)
b)
Configuração Funcional
As casas possuem um zoneamento claro, marcado por alas de fácil identificação. Na RP, o setor social ocupa uma ala independente
e os setores de serviço e íntimo ocupam uma ala única, disposta em dois pavimentos. Na KG, cada setor ocupa uma ala térrea
específica. Nos dois casos, o setor de serviços faz a conexão entre os setores social e íntimo, evidenciando uma falta de autonomia
entre os setores, o que é remediado pela existência de acessos de serviço independentes – no subsolo na RP, na garagem na KG.
(Figura 6)
Figura 5: Diagrama das malhas e esquema estrutural: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
b)
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Esse zoneamento, juntamente com as imposições topográficas, condiciona diferentes arranjos para as alas e para a rede
circulatória que é mais complexa na RP do que na KG. Na RP, a ala social é disposta em dois níveis – “estar inferior” e “estar
superior-jantar” -, organizados por três eixos de circulação periféricos e longitudinais: a) um externo que conecta os estares ao
pátio e às passarelas que o contornam; b) e dois internos - um que, através de duas escadas, conecta os ambientes entre si; e outro
que conecta horizontalmente o acesso principal à circulação que leva ao jantar. O arranjo da ala serviço-social recorre a uma
circulação centralizada, estando os elementos irregulares de composição disposto na periferia externa da ala ou internalizados na
planta, o que libera a fachada voltada para a varanda e, o pátio para a disposição modular dos quartos. Assim, a rede circulatória
ao redor do pátio, ligada diretamente aos quartos e salas, confere ao mesmo o papel de ponto focal da composição, observando-se
que da sua passarela periférica também deriva a rampa que conduz à cobertura das alas, exploradas como terraços-mirantes. Na
KG, alguns arranjos já testados na RP se repetem, como a disposição de duas circulações longitudinais periféricas na ala social, da
circulação centralizada na ala de serviço, e dos elementos irregulares de composição internalizados na ala íntima. Contudo, aqui
duas estratégias diferentes merecem menção – a) a cozinha se volta para o pátio, ganhando status e perdendo o papel de elemento
irregular de composição; b) os quartos se privam do contato direto com o pátio que passa a ser ladeado pela circulação íntima,
estratégia que pode se justificar por demandas de privacidade. (Figura 7)
Figura 7: Diagrama de circulação das casas: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
Figura 6: Plantas e cortes das casas: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
elementos irregulares
eixos circulação
a) b)
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Espacialidade
Para análise da espacialidade, foi observada a experiência promovida pela casa ao longo do percurso estabelecido entre o hall, sala
de estar, circulação íntima e dormitórios. A transição do espaço externo para o interno, nas duas casas, tem como semelhança a
transposição de um elemento vertical – escada na RP e rampa sobre espelho d´água na KG -, culminando no recuo da porta de
acesso em relação à laje de cobertura, um “abrigo” que promove uma suave compressão espacial ao ingresso das mesmas.
(Figura 8)
Contudo, sem hall, a experiência espacial se dilata novamente ao se adentrar nas salas de estar. O olhar do fruidor, de modo
convergente, se desloca entre os vários ambientes integrados, entre a antecipação visual do pátio ao centro e, mais ao fundo, das
suas outras alas. Tem-se assim, múltiplos pontos focais. Especificamente na RP, a experiência é mais tensionada verticalmente, ao
exigir o deslocamento do olhar para o estar inferior e para a piscina que, sob a escada, o penetra, reforçando a relação entre
interior e exterior. Na KG, destaca-se a tensão horizontal determinada pela parede de elementos vazados que quebra a geometria
regular do ambiente e integra jardim interno ao espelho d´água externo, também tornando ambíguo os limites entre dentro e fora.
(Figura 9)
Figura 8: Acesso das casas: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
a)
b)
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Transposta a sala e as partes correspondentes ao setor de serviço, o ingresso no corredor íntimo promove experiências espaciais
muito distintas entre as casas. Enclausurada, a circulação íntima da RP é puramente funcional, contrapondo-se à circulação da KG
que, aberta ao pátio, configura uma promenade, onde o movimento sugerido ao corpo é tensionado pelo movimento sugerido aos
olhos que vislumbram múltiplos pontos focais. (Figura 10)
Figura 9: Espacialidade do acesso e setor social: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
b)
a)
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O ingresso no hall dos quartos das duas casas contempla uma nova compressão espacial, seguida de uma nova dilatação promovida
pelo ingresso no quarto propriamente dito. A geometria estática destes ambientes se contrapõe às grandes portas-janelas, seus
pontos focais, dilatando os ambientes para o exterior através de espaços de transição – varanda-passarela da RP e “empenas
laterais- beiral” da KG. Contudo, diferentes padrões de privacidade e amplitude visual se impõem. Os quartos da RP, ao usufruir das
visuais do conjunto construído, perdem em privacidade, ao passo que os quartos da KG, voltados para um jardim privado, possuem
uma visual pouco extensa, logo interrompida pelo muro de divisa. (Figura 11)
Figura 10: Espacialidade das circulações íntimas das residências: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
a)
b)
a)
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Considerações Finais
Apesar de partirem de um mesmo princípio tipológico, as residências analisadas configuram composições distintas, evidenciando a
flexibilidade do modo como o tema é tratado por um mesmo escritório. Um mesmo esquema permitiu ser explorado a partir de
contrapontos compositivos de leveza e peso, como observado na relação dos edifícios com o terreno (suspenso ou atarracado no
chão), no tratamento de suas superfícies (transparência ou opacidade), nas suas soluções estrutural (beirais ou arremate por
empenas cegas).
No mesmo sentido, observa-se que, apesar do zoneamento em alas das duas casas reverberar em arranjos muito similares do
sistema circulatório (longitudinal periférico na ala social, centralizado na ala de serviços) e dos elementos irregulares de
composição (internalizados na ala íntima), são admitidas variações nestes arranjos que enfatizam a relação de alguns ambientes
com os pátios, como observado na aproximação dos quartos da RP e da cozinha na KG, demostrando ser a configuração do setor
de serviços a mais flexível para viabilizar a articulação pretendida.
Mesmo com tais variações, a espacialidade do pátio como ponto de interesse focal da experiência espacial se mantém íntegra. A
tensão visual com o pátio é comum no percurso da sala das duas casas, mesmo admitindo em seus interiores tensionamentos
verticais (RP) e horizontais (KG), bem como é comum no percurso da ala íntima, mesmo admitindo diferentes experiências espaciais
junto aos corredores e diferentes graus de privacidade nos quartos.
Contudo, a diferença de níveis na RP, bem como a exploração do terraço-mirante, lhe confere uma experiência espacial mais
dinâmica, pois exige do observador deslocamentos para que o todo espacial possa ser compreendido. A casa desenha uma grande
promenade ao redor do pátio e é a exploração formal do sistema circulatório ao seu redor – passarelas e rampas – que lhe
garantem alguns atributos de transgressão tipológica em relação ao pátio tradicional e moderno.
Figura 11: Espacialidade dos dormitórios nas residências: (a) RP (2004). (b) KG (2012). Arquitetos Associados.
Fonte: ONGARATTO, Carolina. 2016.
b)