Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP José Cavalhero Simon Junior Cartografias para uma educação inventiva Mestrado em Psicologia Clínica São Paulo-SP 2017 Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Clínica, sob a orientação da Profa. Doutora Suely B. Rolnik.
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
José Cavalhero Simon Junior
Cartografias para uma educação inventiva
Mestrado em Psicologia Clínica
São Paulo-SP 2017
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Clínica,
sob a orientação da Profa. Doutora Suely B. Rolnik.
No caminho do meu ateliê, deparei-me com essa imagem-ruído. Capturei-a com o olhar desvencilhado de alinhamento e ao mesmo tempo atribuí sentido ao estranhamento (o título da foto é “o aluno”).
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Ensina-se e avalia-se nessa comunidade a formação de
indivíduos disciplinados desde a infância, partindo de
categorias representativas de um modelo de adulto,
classificando as crianças como deficitárias pela suposta
inexistência de “pensamento”, de função simbólica, de
capacidade de estabilizar-se em determinadas formas
(irreversibilidade das formas), inteligência pré-cognitiva,
pré-operatória, pré-lógica, etc. São identificadas por suas
“faltas” e conduzidas por um adulto pelo caminho da
superação evolutiva 2 para que, na vida adulta,
especializem-se em uma determinada área do
conhecimento, visando sua inserção num mundo que se
configura por uma ordenação neoliberal, no caso da
atualidade.
Esse tipo de educação se esforça e prima pelo exercício da “igualdade” como um
mecanismo de regulagem que, ao mesmo tempo em que agrega indivíduos para que se
sintam semelhantes, aumenta a distância entre diferentes agregações (grupos, tribos, guetos
etc.). Há um fortalecimento das estereotipias que são arquitetadas por um ideal de poder
hierárquico e que prefiguram imagens de sujeitos e as suas devidas relações comunitárias, de
modo que essas relações sejam simpáticas (enãoempáticas) – comunidade que se forma, e
passa a formar sujeitos, para a conservação de uma determinada ordem.
Para que se tenha uma ideia de como a educação formal corrobora para a manutenção de
tal sistema, muitos municípios brasileiros implantaram nas escolas públicas programas de
empreendedorismo desde a Educação Infantil, como se vê em São José dos Campos (SP),
Patrocínio (MG), Maringá (PR), Lucas do Rio Verde (MT), Rio do Sul (SC), Três Passos (RS),
“Na construção da criança como um reprodutor de conhecimento, identidade e cultura, a criança pequena é entendida como iniciando a vida sem nada e a partir de nada (...) O desafio é fazer com que ela fique “pronta para aprender” e “pronta para a escola” na idade do ensino obrigatório. Por isso, durante a primeira infância a criança precisa ser equipada com os conhecimentos, com as habilidades e com os valores culturais dominantes que já estão determinados, socialmente sancionados e prontos para serem administrados – um processo de reprodução ou transmissão – e tem também de ser treinada para se adaptar às demandas estabelecidas pelo ensino obrigatório.”
DAHLBERG,Gunilla;MOSS,Peter;PENCE,Alan.2003.p.65
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Nessa perspectiva, só cabe a uma educação
arborescente exercer o ensino colonizador que
garanta a constituição de uma aprendizagem
instituída para o confinamento. Quer dizer, cria-se
uma forma determinante para se “viver bem” em
sociedade e, assim, todo o tronco que estrutura o
pensamento pedagógico se ergue para que aprendizes sejam ajustados a essas formas de
existência pré-determinadas e habitem no mundo previsível dos sujeitos assujeitados à
sombra dessa árvore, “com as habilidades e com os valores culturais dominantes que já estão
determinados, socialmente sancionados e prontos para serem administrados”4.
Uma típica educação colonizadora quer que “seu”
sujeito-aprendiz, ou melhor, seu aprendiz-de-sujeito,
sobreviva no mundo, e não que habite o mundo. Por outro
lado, a aprendizagem inventiva deseja a emancipação do
sujeito: que ele não se deixe capturar pelo confinamento do
sobreviva no mundo e experimente a aprendizagem de
liberação das forças para produzir as condições de habitar
o mundo, assim como criar outros mundos partindo do que
nele pede passagem. Em outras palavras, a escola colonizadora produz uma força reativa às
forças liberadoras para confinar o sujeito-aprendiz permanentemente em uma determinada
forma, segundo uma modelização de aluno. Desse modo, evita-se que esse aluno perceba a
força ativa como potência para a produção de aprendizagem inventiva, que se dá fora da
condição de aprendiz-de-sujeito.
A comunidade de aprendizagem inventiva exige um outro modo de estar e agir
socialmente em nome da formação de um coletivo. Ela empreende um sentido de pensar o
ambiente escolar de modo que coletivizar seja em si um ato de empatia (enãodesimpatia),
uma atitude que potencializa a reunião de corpos-indivíduos no convívio e no valor da
“equidade”. Isso, porque considera os saberes de um corpo que não se ensina/não se
disciplina, mas se emancipa a partir das experiências de si, as quais associo às aprendizagens
singulares – ou aprendizagens inventivas, termo que tomo emprestado de Virgínia Kastrup5.
4 DAHLBERG, MOSS e PENCE, 2003, p. 655 KASTRUP,Virgínia.2007
“A transmissão de informação reproduz a antiga ideia de instrução e de transmissão de saber. Não há nada a ser experimentado, criado ou inventado. A aprendizagem é uma questão de processamento de informações e de conservação na memória. Na melhor das hipóteses, trata-se de aprendizagem inteligente, com vistas à solução de problemas.”
sentido de reatividade, de embate entre forças, ao invés de entender as tensões como
oportunidade para atualização e, portanto, invenção de uma outra escola, interpreta-se a
força da desconstrução como destruidora, como aniquiladora de uma vez por todas da
instituição escolar, porque para a força da manutenção não cabe outro modo de se praticar o
ensino formal que não seja arborescente e molar. Porém, desconstruir é dar passagem para a
reinvenção, para rearranjos e novas composições para que a escola se torne lugar da
aprendizagem molecular e rizomática.
Tempos atrás, recusei-me a trabalhar como formador em uma escola diante da
incompatibilidade de concepções, o que impedia que a diferença pudesse ser produzida.
Cheguei a estipular a condição de que a formação só poderia se realizar quando a instituição
eliminasse a priori os problemas, identificados por mim como forças reativas que impediam o
alcance dos resultados que havia planejado no atendimento de minhas convicções
pedagógicas. É claro que isso não aconteceu, e essa experiência levou-me a indagar porque
eu, no lugar de confrontar-me como formador diante de tal desafio, escolhi convencer o
outro que eu saberia o que seria melhor para todos. Ou seja, a minha tentativa em querer
convencer o outro foi uma atitude de força reativa, e não de força ativa – um legado de
minha formação básica.
A experiência educativa que produz diferença não é resultado de uma “técnica” ou
“metodologia” que se aprende fora da experiência para depois exercitá-la. Tampouco
acontece fixando-se na nostalgia por uma educação idealizada. Também não se cria tal
movimento em oposição a tudo isso. Cria-se a partir da relação que se quer estabelecer entre
o desejo por diferença e o desejo de conservação no território em que, nós, educadores,
habitamos e estamos habituados a permanecer. É preciso investigar e problematizar a
constituição das paisagens educativas e os modos de suas ocupações.
As aprendizagens instituída e inventiva, ou molar/arborescente e molecular/rizomática,
foram vividas, e ainda as vivo em meu corpo, em diferentes tempos, situações e
acoplamentos, envolvendo memórias, lembranças, anotações e imagens ligadas diretamente
ao encontro entre vários “eus” - aluno, artista, professor, pesquisador. O esforço desse
encontro se dá no movimento que quer unir e ao mesmo tempo dissolver esses sujeitos, para
que um devir-outro possa surgir da imersão-emergência de si (equilibrar-se na estranha
gravidade), e liberar-se de um simples agrupamento de representações que define um
itinerário de chegada a uma suposta estabilidade, ou identidade composta (no lugar de
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divisas, deseja desvios), para implicar-se não mais com aprendizagens mutiladas, mas com
aprendizagens-agenciamentos que colocam em conexão os processos heterogêneos e
comunicantes surgidos no encontro entre esses sujeitos. Para que isso se efetue, lanço mão do
confronto como dispositivo.
Atribuo ao confronto o sentido de dispositivo, por considerá-lo um modo de estabelecer
encontros heterogêneos entre singularidades, movimentando-se em direção às tensões
geradas pela busca do equilíbrio, sem que isso signifique o alinhamento de desejos para se
chegar a uma estabilidade unificadora. Tampouco se espera um resultado parcial, ou mesmo
consensual, nem se estipulam pontos de convergência ou um índice para conivências
apaziguantes. Não confrontar, não se ocupar de espaços intermediados resultantes de
fricções, bem como eximir-se de debates por vezes contundentes, impede que novas
paisagens educativas emerjam com toda a diversidade que nelas possa haver e, ao mesmo
tempo, que sejam constituídas por suas próprias ecologias.
Contextualizo aqui o confronto como território para os agenciamentos maquínicos e de
enunciação, onde cada “confrontado” seja capaz de
distinguir em si e no outro o conteúdo que constitui o
sistema pragmático no qual suas ações e paixões se
manifestam, assim como a expressão que segue um regime
de signos e que por sua vez condiz com um determinado
sistema semiótico. Então, o que proponho é promover
situações de confronto no campo da educação para
problematizar e avaliar as pressuposições recíprocas que
possam surgir no encontro entre distintas estruturas de
pensamento e suas respectivas ações, sob a perspectiva da
dupla articulação pedagógica que se dá por meio do ensino e da aprendizagem. Quer dizer,
tornar evidenciável se o que se diz é o que se faz na escola, para além de um juízo de valor.
A dupla articulação pedagógica não é aquela de ordem binária, que quer verificar se foi
aprendido aquilo que se quis ensinar. Senão, seria apenas um jogo de comparações para
verificar a eficácia de uma certa didática. Em contrapartida, construo uma teoria, mesmo que
ainda provisória, de que o ato voluntário de ensinar tem em si seu próprio conteúdo e
expressão, assim como aprender também tem o seu. O confronto entre esses distintos
conteúdos e expressões, quer dizer, de quem ensina e de quem aprende, é que irá estabelecer
“…a proposta interdisciplinar, em todos seus matizes, aponta para uma tentativa de globalização,este cânonedo neoliberalismo, remetendo ao Uno, ao Mesmo, tentando costurar o incosturável de uma fragmentação histórica dos saberes. A transversalidade rizomática, por sua vez, aponta para o reconhecimento da pulverização, da multiplicação, para a atenção às diferenças, construindo possíveis trânsitos pela multiplicidade dos saberes, sem procurar integrá-los artificialmente, mas estabelecendo policompreensões infinitas.”
GALLO,Silvio.2008,p.79
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uma unidade composta por distintas subjetividades12 e “tipos de organização formal e
modos de desenvolvimento substancial.” Essa unidade-educação, que a princípio é
heterogênea em sua formação, constitui-se estrato. E é desse estrato que advém território
para possíveis agenciamentos.13
Ao ocupar-me nessa e dessa paisagem educacional, sendo por ela habitado e habitando-a
de modo afetivo, tenho a hipótese de que isso possibilitará a ocorrência de “agenciamentos
promovendo o cruzamento entre múltiplas instâncias da memória. Tais instâncias compõem
então duas dimensões do ato coletivo de agenciar: agenciamento coletivo de enunciação,
posto que se trata de expressar-se apropriando-se de regimes semióticos ou de produção de
signos, e agenciamento maquínico de desejo, posto que se trata não de reproduzir, mas de
criar tanto as subjetividades quanto os meios nos quais elas passam a existir como efeitos,
efeitos de agenciamento.14”
O que há sob a perspectiva das comunidades em aprendizagens inventivas é que, por
serem moleculares e rizomáticas, a educação torna-se ela mesma espaço vibracional de
expansão da vida, e não de sua mera conservação. Ela é pulsão de vida. Uma virtualidade
que se atualiza no frágil (ou nenhum) contorno entre a utopia e o factível, o ordinário e o
extraordinário, porque a vida “não pode ser conceitualizada, porque sempre escapa a
qualquer determinação, porque é, nela mesma, um excesso, um transbordamento, porque é
nela mesma possibilidade, criação, invenção, acontecimento.”15
Esse estado, por vezes assombroso, caótico e incerto,
encontrando-se ainda informe e embrionário (como nos
agenciamentos), permite aos educadores e educandos
viverem juntos a imprevisível processualidade de uma
experiência em coconstrução, simultaneamente
autopoiética, singular e comum. Singular, porque se quer
valorizar o que surge do confronto resultante da
heterogeneidade na vivência das relações. E comum,
porque as forças que atravessam cada um são as mesmas, embora as experiências e os
enunciados que possam vir a produzir para torná-las sensíveis sejam singulares.
“A escuta é um processo permanente que alimenta reflexão, acolhimento e abertura em direção a si e em direção ao outro; é condição indispensável para o diálogo e a mudança. O comportamento da escuta eleva a atenção e sensibilidade com relação aos cenários culturais, de valores e políticos de contemporaneidade.”
“Para a cartografia, o método não se define por metas traçadas anteriormente, tampouco se delimita a partir desta ou daquela ferramenta de pesquisa, mas sobretudo por um caminho e uma direção ético-política. Possibilita que no pesquisar os instrumentos sejam forjados, (re)situando-os sempre a partir do plano de relações que produz a pesquisa, não a partir de si mesmos.”
PASSOS,E.,KASTRUP,V.;TEDESCO,S.2014,p.155
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O conceito de cartografia, apresentado por Gilles
Deleuze e Félix Guattari na introdução de Mil Platôs,
define-se por um movimento de construir caminhos ao se
caminhar, fazendo do caminho e do caminhante-
cartógrafo, deles e neles mesmos, o próprio traçado de
possíveis percursos. Desse modo, processos de produção
cartográfica acontecem por sua característica rizomática,
que se faz em múltiplas direções, provocando
deslocamentos e cruzamentos de raízes em conexão de
redes. Diante disso, cartografar uma nova paisagem
educativa gera um movimento socioconstrucionista que advém da ética do encontro. E que,
por sua vez, advém de um ato investigativo, cocriador e coinventivo.
Na perspectiva investigativa, o confronto promove transformações sob linhas de
desterritorialização, possibilitando outras linhas de composições para criar-se outras formas
e forças educativas em agenciamentos. Trazer a educação paraocampo do confronto é por si
produção de diferença: tempo de inseminar outras experiências. É desse modo que trago a
abordagem educativa de Reggio Emilia como inspiração para minha pesquisa, e não apenas
como referência de eficiência pedagógica.
“...a investigação educativa não aspira a ter ideias ou conhecimentos, nem tornar-nos conscientes através de certa tomada de consciência, mas é, antes, um mundo de investigação que abre um espaço existencial e-ducativo: um espaço concreto de liberdade prática. Em outras palavras, a investigação e-ducativa cria um espaço de possível transformação do eu que implica uma liberação (uma dupla ‘e-ducação’) do olhar, e que, nesse sentido, é também esclarecedora. Nessa investigação, o saber não está dirigido a compreender (melhor). Mas a esculpir, isto é, a fazer uma incisão ou uma inscrição concreta no corpo que transforme o que somos e como vivemos. Essa investigação diferencia-se por sua preocupação com o presente, e com a nossa relação com ele; uma preocupação em estar presente no presente, que é outra maneira de dizer que sua principal preocupação é prestar atenção. Estar atento é uma atitude-limite cujo objetivo não é delimitar o presente (mediante julgamento), mas expor as próprias limitações e expor-se a elas.”
“O trabalho com a ética de um encontro na pedagogia da escuta requer que o educador pense o Outro como alguém que ele não pode aprisionar, e que desafia todo o cenário da pedagogia. Pois a pedagogia do escutar representa ouvir pensamento – ideias e teoria, questões e respostas de crianças e adultos; significa tratar o pensamento de forma séria e respeitosa; significa esforçar-se para extrair sentido daquilo que é dito, sem noções preconcebidas sobre o que é certo e apropriado.”
“A catástrofe consiste em que a sociedade de irmãos ou de amigos passou por uma tal prova que eles não podem mais se olhar um ao outro, ou cada um a si mesmo, sem uma ‘fadiga’, talvez uma desconfiança, que se tornam movimentos infinitos do pensamento, que não suprimem a amizade, mas lhe dão sua cor moderna, e substituem a simples ‘rivalidade’ dos gregos”.DELEUZE;GUATTARI.2010.p.129
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Nessa perspectiva, não cabe o exercício ético da
educação arborescente/molar e hegemônica destinada
àquela criança genérica e adultocêntrica, por se tratar de
uma ética que tem sua medida avaliativa constituída por
crivos morais. Será necessária uma ética que deseja estar à
altura da experiência do fazer e do pensar educação por
implicações cruzadas, inventando-se em sua própria
processualidade relacional em busca de “manter o
equilíbrio entre os direitos e as responsabilidades de três
componentes e protagonistas da escola – crianças,
professores e família.20” Nessa proposta é importante a
reunião de pessoalidades que estão dentro e fora da escola
para, juntas, criarem inúmeros e possíveis modos de
coparticipação em diálogo com questões educacionais,
criando um estado democrático por meio de uma ética do
encontro21 que não considera a diferença um obstáculo. Ao
contrário, o outro é considerado como igual, mas só pode
sê-lo na confirmação de não ser o mesmo, já que se trata de
um encontro entre composições singulares de mundos,
singularidades em processo.22
Todo esse saber construído é fruto de uma atividade que se atualiza constantemente e se
inventa, seja pelas discussões sobre as novas concepções de infância trazidas por intelectuais
da psicologia e da pedagogia nos anos 1950, seja pelo atendimento da reinvindicação de
mulheres nos anos 1960 por creches para que pudessem ocupar seus lugares no mercado de
trabalho, e assim por diante.
O que os educadores de Reggio Emilia aprendem a fazer, e fazem muito bem, é colocar
em diálogo com o mundo seus pontos de vista ético-estético-políticos de educação e
sociedade, numa atitude crítica que possibilita cartografarem o encontro entre o mundo
adulto e a cultura da infância em sua potência comunitária, para além de suas fronteiras
citadinas. Essa atitude se exerce por meio de uma micropolítica estabelecida em cada escola,
20 VECCHI,2013,p.121(traduçãominha)21 No capítulo 2, pp. 56-61, do livro “Qualidade na educação infantil”, os autores fazem uma interessante síntese de váriospensadoresa respeitodeumaéticadeumencontro.Mas,écoma leiturasobreEmmanuelLevinasquenosaproximadarelaçãoentreadultosecriançasquesedáaescutadediferentes“si”deumaexperiênciacomum.22 DAHLBERG,MOSS,PENCE,2003
que considera a educação “como uma atividade comunitária e como forma de compartilhar a
cultura por meio da exploração conjunta entre crianças e adultos que abrem tópicos em
conjunto para investigação e discussão.”23
Portanto, a comunidade reggiana de pais e educadores,
principalmente de crianças de 0 à 6 anos, parte do princípio
de que a escola é lugar público de uma comunidade aberta,
híbrida e transitória, o que leva ao entendimento de que o
planeta é um território constituído por comunidades
singulares e também constituinte de território comum.
Todos somos corresponsáveis. E esse foi o chamamento que
atendi para que meu desejo me levasse até lá, e procurasse
naquele jardim público a localização da Escola Infantil
Diana, situada dentro do parque.
A escola Diana tornou-se uma referência mundial e principalmente de interesse dos
americanos, quando em 1991 a Revista Newsweek a nomeou como lugar de excelência da
educação infantil. Desde então, o cuidado com os princípios e valores que pautam a vida nas
escolas de Reggio Emilia duplicou. Não para que garantissem um certo “purismo” e nem
proteção contra possíveis invasores. Ao contrário, queriam que outras aproximações os
provocassem, que os atualizassem em seus processos. Desse modo, a filosofia e as práticas da
abordagem educativa de Reggio Emilia seguem em constante construção, porque fundem
educação, política e cultura sob o desejo de estabelecer possíveis diálogos com o mundo em
sua contemporaneidade.
Esse movimento de relacionar-se com o que se faz urgente e “interessante” no cenário
local e mundial em nada ameaça sua potência molecular/rizomática de singularização.
Também não deixa esvair sua memória, a ponto de sucumbir aos encantos de alguma
efemeridade que possa banalizar as relações que primam pela educação ou se deixar
encantar por uma “novidade” qualquer lançada no mercado de produtos simbólicos.
Encontrei a escola, com sua entrada escondida em meio das árvores. É possível acessá-la
por uma rua que fica à margem do parque. Lá permaneci por um outro tempo sem medida.
Sabia que, por ser um fim de semana, a escola estaria fechada e inabitada. Mesmo assim,
intuía que essa visita seria uma experiência para mim, um certo rito de iniciação para o que 23 EDWARD;GANDINI;FORMAN(orgs.),2016,p.25
osseteargumentosimportantesnaabordagemreggiana:
1- foco de atenção na criança e não no que se quer ensinar
2- a transversalidade cultural e não a setorização do saber
3- o projeto e não a programação
4- o processo e não só o produto final
5- a observação e a documentação dos processos individuais e de grupo
6- o confronto e a discussão como estratégias para a formação
7- autoformação dos professores
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estava por vir na semana seguinte: participar do primeiro encontro com os educadores
reggianos organizado para países de Língua Portuguesa que, posteriormente, tornou-se anual
e voltado para educadores do continente latinoamericano com palestras, oficinas e visitas às
escolas.
A princípio, a busca por aquela experiência não era nada
simples de se realizar. Afinal de contas, foi preciso um
grande investimento emocional e financeiro para deslocar-
me entre continentes. Ao mesmo tempo, naquele parque, me
vi num ato que, de tão simples que era, de estar diante da tal
escola, permitiu-me tê-la como território para entrar em contato com a memória de tantas
leituras que fiz sobre a vida que ali pulsava e, de repente, todo aquele complexo estado fez
transbordar no lusco-fusco da tarde a dimensão cheia do vazio. Um vazio de tamanha
plenitude que nele me fiz noite serena para que pudesse viver um despertar revigorante.
Em uma das páginas dos diários de Paul Klee, há uma passagem em que o artista se
depara com o vazio infinito de uma tela em branco e se dá conta da impossibilidade de ter,
de antemão, uma “orientação adequada” para aventurar-se no extremo e vasto campo da
pintura. A tela, mesmo sendo-lhe objeto conhecido, apresentava-se como uma “terra
incógnita [e] suficientemente misteriosa”. Foi preciso que ele vivesse, naquele momento, um
ato de suspensão de tudo que lhe era sabido no campo da arte. Mas, de modo algum, tal
suspensão o retirou de cena. Ao contrário – “É preciso avançar, porque há muito tempo há
indícios de que esse passo adiante vem sendo preparado.”
O branco-vazio da tela aos poucos transbordava os limites do chassi para fundir-se com o
esvaziamento do “eu” que delimitava Klee. Houve um desmanchamento de limites, houve
um encontro entre o esvaziamento do eu-artista e o transbordamento do vazio da tela. A
expansão dos dois vazios se confrontou e isso pôde compor um único vazio pleno de
potência. Criou-se um plano de imanência, que se fez devir pintura.
Não havia mais como negar a necessidade de me colocar
em suspensão diante daquele contexto em Reggio Emilia.
Também era preciso avançar, porque havia indícios
suficientes de que eu estava lá pronto para dar o passo
adiante nas minhas investidas em Educação, passo que a
tanto tempo vem sendo preparado. Foi, então, que se deu a
“...o vazio é uma sensação, toda sensação se compõe com o vazio, compondo-se consigo, tudo se mantém sobre a terra e no ar, e conserva o vazio, se conserva no vazio conservando-se a si mesmo.”
DELEUZE;GUATTARI.2010.p.195-96
“Em cada acontecimento, há muitos componentes heterogêneos, sempre simultâneos, já que são cada um um entre-tempo, todos no entre-tempo que os fazem comunicar por zonas de indiscernibilidade: são variações, modulações, intermezzi, singularidades de uma nova ordem infinita.”
DELEUZE;GUATTARI,2010,p.188
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iniciação do meu outono para que pudesse viver o “entre-tempo” dos processos, dedicando-
me à colheita-semeadura. Ou quando a memória se encontra e confronta com novas
experiências. Ou, nas palavras de Guattari: “O nada caótico patina e faz transitar a
complexidade, coloca-a em relação com ela mesma e com que lhe é outro, com o que a altera”
(GUATTARI.2012.p.130).
Estava numa dimensão entre saber e não saber, como se estivesse preparando uma paleta
de cores contrastantes para produzir pintura que, enquanto a preparava, o branco-vazio da
tela nunca deixou de convocar a pincelada suspensa no ar. O que ainda interessa é o devir
que se faz entre o pincel e a tela, entre o que nem é começo e nem fim, ou o devir que se faz
entre ensinamentos e aprendizagens - tensões que possam
movimentar o pensamento como experimentação de si.
Nas palavras de Deleuze e Guattari, “...a experimentação é
sempre o que se está fazendo – o novo, o notável, o
interessante, que substituem a aparência de verdade e que
são mais exigentes que ela. O que se está fazendo não é o
que se acaba, mas menos ainda o que começa.”24
Talvez hoje possa compreender melhor que o encontro que tive com a abordagem
reggiana em 2002, quando foi realizada na cidade de São Paulo a exposição As Cem
Linguagens da Criança25, foi muito mais uma oportunidade para que eu pudesse iniciar
“outra” experimentação do pensamento, do que simplesmente conhecer uma nova proposta
para se fazer e pensar educação.
Aquela mostra nos colocava diante de complexos diálogos interdimensionais, abrindo
para nós, adultos, indagações, inquietações, problematizações que possibilitavam o encontro
com a infância para além das costumeiras interpretações pedagógicas e psicológicas. A
metáfora “Cem Linguagens” é inspirada na poesia De jeito nenhum. As cem estão lá de Loris
Malaguzzi:
24 DELEUZE;GUATTARI.2010.p.13325 DAHLBERG,Gunilla;MOSS,PeterinRINALDI,Carla.2003.p.43- “A mostra foi idealizada pelo pedagogista Loris Malaguzzi e seus colaboradores com o desejo de trazer à público as experiências e os diferentes pontos de vista dos educadores, das crianças e pais em suas protagonizações nas instituições educativas. Para socializar essa história em toda sua complexidade, adotou-se uma pluralidade de recursos e meios com a finalidade de melhor evidenciar a imagem de criança e os indicadores de pesquisa educativa desenvolvidas e em constante desenvolvimento nas creches e escolas de Reggio Emilia. Esta mostra é a história de uma aventura educativa - digamos de vida - que tem entrelaçado durante longos anos experiências, pensamentos, discussões, pesquisas teóricas, ideais éticos e sociais de muitas gerações de crianças, educadores e pais. De amigos italianos e do mundo todo também. Uma história nunca acabada, que quer falar de si mesma procurando espaços mais amplos para a reflexão e o confronto.”
“O vazio é o despojamento dos hábitos e dos rituais de existência, o desnudado dos modos habituais de significação e de experiência. O que está povoado, em suma, pelos hábitos da história pessoal e coletiva. E, por isso, é a plena disponibilidade, a possibilidade, a possibilidade absoluta.”
LARROSA, 2006. p. 58
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Voltei várias vezes à exposição que ocupava todo espaço
social da escola e algumas salas do térreo com vídeos,
painéis e trabalhos das crianças. Tudo muito bem
contextualizado, de estética impecável em que o olhar do
adulto não se sobrepunha ao da criança, ao contrário, era
uma mostra da processualidade que envolvia a relação
entre adultos e crianças onde ambos estavam em estado de
aprendizagem.
A organizadora da mostra, Anna Maria Barrucci, cidadã
reggiana que vive em São Paulo, na época participava da
comissão de pais da escola ítalo-brasileira Eugenio Montale
(local onde a mostra foi sediada) e criou um grupo de estudos que teve início logo após o
término da temporada expositiva. Nesse grupo, permaneci os quatro anos de sua existência e
tive a oportunidade de ser o responsável pela disseminação de nossas pesquisas em
congressos e seminários pelo território brasileiro.
Em meio a esse tempo, conheci várias pedagogistas e atelieristas26 de Reggio Emilia que
passaram pelo Brasil em conferências e trabalhos de assessoria. Eram esses italianos que se
aproximavam de nós, com curiosidade sobre nossos pensamentos e olhares, porque não se
dispunham à relação pura e simplesmente cordial ou de boa vizinhança entre estrangeiros,
“A translação de uma linguagem a outra ajuda-nos a nos libertarmos das gaiolas da repetição e a descobrirmos mais facilmente que podemos encontrar sempre novos pontos de exploração e de partida. Na realidade, essa metáfora traz também uma ideia de conhecimento com múltiplos pontos de vista subjetivos e intersubjetivos, portanto, que faz da participação uma estratégia, uma estrutura. A cultura das cem linguagens não é só uma abordagem expressiva ou disciplinar, mas uma ética da necessidade da pluralidade dos pontos de vista e das culturas na construção do conhecimento”.
mas de uma relação que sempre transpirou ética por vivência macrocomunitária – quero
dizer que se tratava da acolhida generosa de uma comunidade nômade que quer fazer
educação no mundo, para o mundo e com o mundo, estabelecendo relações heterogêneas e
complexas entre todos os envolvidos com questões educacionais na contemporaneidade em
diferentes realidades, rompendo fronteiras culturais ou geográficas.
Enquanto isso, em muitos de nós, integrantes do grupo de estudos ou não, prevalecia o
desejo de recepcioná-los com o nosso imaginário de prática educativa perfeita.
Recepcionávamos com as interpretações dadas pelos livros editados no Brasil, Itália e
Estados Unidos sobre suas experiências, com a nossa atenta escuta desenvolvida em seus
colóquios e com os indícios que estudávamos nas documentações de suas escolas. O que
menos estava presente nesses encontros éramos nós com a nossa realidade. Talvez, tudo isso
fosse um exercício da força reativa do inconsciente colonial, dificultando e até mesmo
impossibilitando o estabelecimento de um produtivo e verdadeiro confronto.
Apesar da nossa possível postura de colonizados, tudo florescia vigorosamente nos
primeiros anos do Grupo de Estudos e nos pedia atenção cuidadosa diante de toda
ansiedade despertada pela diferença que se anunciava e a ânsia de disseminá-la. Era preciso
que desenvolvêssemos uma escuta para discernir entre o choro de um povo colonizado que
busca aliviar-se à sombra de um comando vindo do exterior, certificando-se do caminho
certo a ser seguido, e do pulsar inquietante que se deixa ser afetado pelo campo das
diferenças processuais de uma invenção – como Virgínia Kastrup nos elucida, “se houvesse
uma teoria da invenção, ou mesmo leis da invenção, seus resultados seriam passíveis de
previsão, o que trairia o caráter de novidade e imprevisibilidade que toda invenção
comporta” 27 . Para produzir a diferença, no entanto, entende-se ser preciso criar um
movimento de desterritorialização que tem início na investigação do exercício vigente de
educação e seu mecanismo de subjetivação.
Nada poderia ser mais contraditório ao desejar para a
Educação um modelo definitivo para se fazer diferença. A
diferença não se representa, mas se produz e se apresenta
em sua própria produção. Quer dizer, essa experiência
educativa que queremos só se faz na processualidade da
desterritorialização e reterritorialização dela mesma. Não
27 KASTRUP,2005, p. 127
“A desterritorialização e a reterritorialização se cruzam no duplo devir. Não se pode mais distinguir o autóctone e o estrangeiro, porque o estrangeiro se torna autóctone no outro que não o é, ao mesmo tempo que o autóctone se torna estrangeiro a si mesmo, a sua própria língua: nós falamos a mesma língua, e todavia eu não entendo você...”
DELEUZE;GUATTARI.2010.p.132
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cabe seguir modelos, tampouco produzi-los para inferir em substituições. A experiência
educativa da diferença inventa-se, por isso se apresenta em todo seu indeterminismo e
incompletude, para que surja dela e nela mesma um campo de imanência. A única coisa que
o desejo por produzir diferença pode antecipar é que “algo” será produzido em uma incerta
e difusa paisagem circunscrita a partir de um determinado território. No nosso caso, essa
circunscrição territorial chama-se Educação.
Infelizmente, a grande maioria dos educadores brasileiros interpretava (ou ainda
interpreta) a abordagem italiana como um modelo que definitivamente representa a
diferença. Mas, o que isso significa? Que subjetividade estaria em jogo quando se evidencia a
necessidade de ter uma representação da diferença? Me arrisco dizer que ainda prevalece o
desejo de reproduzir “aquilo que dá certo” para que se possa evitar a angústia de correr
riscos de permanecer no caos, no lugar de viver os riscos de poder criar a partir do caos,28 ou
viver o que não se valida pelo crivo da previsibilidade. Seria um pensamento de idealismo
romântico, uma utopia querer esse lugar para um educador?
Em uma breve apresentação no “Grupo de estudos
Latino América - 2015”, Carla Rinaldi disse que a
abordagem de Reggio Emilia é uma utopia concreta, e isso
é perceptível em cada fala, gesto e espaço construído por
adultos e crianças daquela cidade. Em Reggio Emilia,
produz-se uma pedagogia da diferença na prática. Para
isso, criaram uma abordagem que acontece em sua
processualidade – que envolve virtualidades atualizando-
se constantemente em suas teorias.
O território escola, para aquela cidade, torna-se lugar da invenção educativa, aliando a
bagagem de conhecimentos da humanidade com aquilo que ainda há de se conhecer, que se
opõe à necessidade de buscar o que ainda não se sabe. Essa abordagem propicia inaugurar
um percurso formativo com (e não para) educadores e crianças, tornando a formação viva e
necessariamente coconstruída na experiência. Portanto, trata-se de um movimento político
de corresponsabilidade socioconstrucionista da educação e da cultura da infância.
Se considerarmos a educação reggiana de direito e de fato29, na perspectiva de uma
micropolítica que pensa a escola como lugar de uma coletividade constituída pela
“A utopia não aspira a um ponto no futuro, um ideal a ser alcançado, um sonho a ser atingido, mas designa o encontro entre um movimento infinito e o que há de real aqui e agora (não é isto precisamente o desejo?), entre o conceito e as forças do presente que o estado de coisas atual não deixou vir à tona.” PELBART, P. Peter. Deleuze e a Pós-modernidade.originalmentepublicadoem:PELBART, Peter Pál. Vida Capital: Ensaiosdebiopolítica.SãoPaulo:Iluminuras,2000.https://territoriosdefilosofia.wordpress.com/2015/06/13/deleuze-e-a-pos-modernidade-peter-pal-pelbart/
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heterogenia e pela alteridade, no lugar de concebermos a criança como um projeto de vir a
ser adulto, partimos da premissa de que a escola é o lugar de viver a pluralidade, onde cada
sujeito em sua singularidade encontra-se com o outro e, desse encontro, inventa-se um modo
de viver em coletividade no patamar da equidade. Quer dizer, cada adulto e cada criança
afirmando-se mutuamente como legítimo outro no convívio escolar, capazes de juntos e
separadamente produzirem significados em encontros com pessoas e com o mundo.
(MATURANA,2002)
Os direitos das crianças
Consta no regimento das escolas e creches de Reggio Emilia a atitude que se espera de
uma comunidade de aprendizagem que promove o encontro e valoriza a coparticipação
como estratégia educativa “construída e vivida no encontro e na relação dia após dia (...) e se
articula em uma multiplicidade de ocasiões e iniciativas para construir o diálogo e o senso de
pertencimento a uma comunidade.30”
O que faz acontecer essa política educativa para crianças de 0 a 6 anos tem a ver
diretamente com a constituição de uma rede colaborativa e de gestão comunitária em
estâncias local e mundial, que considera a educação direito das crianças, dos pais, dos
educadores. A gestão desses direitos não é apenas da responsabilidade dos atores da escola,
mas da comunidade toda sob o princípio de que “Educação e/é Política”31, valorizando o
O direito das crianças de serem reconhecidas como sujeitos de direitos individuais, jurídicos, civis, sociais: portadores e construtores das próprias culturas e para tanto participantes ativos da organização das suas identidades, autonomias e competências através de relações e interações com os coetâneos, os adultos, as ideias, as coisas, os acontecimentos verdadeiros e imaginários de mundos comunicantes. Isso, enquanto confirma as premissas fundamentais para uma maior condição de cidadania do indivíduo e das suas relações inter-humanas, credita às crianças, e a cada criança, dotes e potencialidades natos de extraordinária riqueza, força, criatividade, que não podem ser renegados e desprezados, senão provocando sofrimentos e empobrecimentos frequentemente irreversíveis. Daí surge o direito das crianças de realizar e expandir todas as suas potencialidades, valorizando as capacidades de socializar, recolhendo afeto e confiança e satisfazendo as suas necessidades e desejos de aprender: mais ainda se assegurados por uma eficaz aliança dos adultos prontos a oferecer ajuda, a qual privilegie mais a pesquisa das estratégias construtivas do pensamento e do agir que a transmissão do saber e das habilidades. O último aspecto é o que possibilita a formação de inteligências criativas, conhecimentos livres e individualidades reflexivas e sensíveis através de ininterruptos processos de diferenciação e integração com o outro e com outras culturas. Que os direitos das crianças sejam os direitos das outras crianças é a dimensão de valor de uma humanidade mais compacta.
Loris Malaguzzi – Reggio Emilia – Janeiro/1993
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aprender junto e em relação para que todos procurem saber escutar as diferentes vidas e
criarem um constante movimento coparticipativo para novos modos de vida escolar.
Portanto, uma educação que se constitui de direito e de fato – dupla articulação do que se faz
e do que se diz.
Uma escola que quer aprender nas e com as conexões e as interconexões de mundos se
predispõe a colocar as áreas de conhecimentos e cotidiano em relação. Isso implica não
apenas saber fazer conexões com as mais diversas fontes e experiências com sentido, mas
principalmente saber pensar sobre como fazê-las e o sentido de fazê-las. Esse movimento
tem seu próprio ritmo e possibilita para uma comunidade de aprendizagem estar à altura de
uma experiência educativa inventiva que se constrói coparticipativa e singularmente por
uma rede que se faz em conectividade.
Compartilho aqui o olhar de Virgínia Kastrup sobre construção desse tipo de rede, que se
desenha como tal por ser “variável e flexível, sem extensão ou forma fixa, (...) faz-se e refaz-
se pelas conexões que cada nó estabelece com sua vizinhança. Sua estrutura é
multidimensional no sentido de que existem diversas séries heterogêneas encaixadas. Dito
de outra forma, existem redes dentro da rede, ou ainda, cada nó pode abrir e constituir ele
próprio uma rede. Enfim, a rede define-se durante seu funcionamento, definindo posições
que não são localizáveis nem previamente dadas. Por sua vez, o funcionamento não é linear
e as conexões propagam-se por vizinhança em diversas direções, de maneira divergente ou
bifurcante, atravessando diferentes dimensões por caminhos imprevisíveis”32.
Portanto, para que a rede em seu rizoma aconteça nos processos de nossa mútua formação
(formador e formandos) é imprescindível nos depararmos com aquilo que possa emergir das
relações entre todos nós, para confrontarmo-nos com o que não sabemos e sofrermos
afecções diante das incertezas e imprevisibilidades do que está por vir. Há que se desprover
do ilusório controle sobre o conhecido, para, em seu lugar, tomarmos emprestado o
conhecido apenas como uma pré-forma para o que ainda não se formou, como um estágio
ainda embrionário em sua potencialidade plástica para criar diferenças.
Aproximar minha experiência profissional com a de pesquisador da abordagem educativa
de Reggio Emilia, ao longo dos anos, abriu um campo para a ocorrência de confrontos
pedagógicos. Campo no qual buscarei posicionar-me criticamente por meio de um processo
cartográfico, perpassando pela pesquisa e necessidade de criar teorias sobre no que e como
duas perspectivas de aprendizagens que se contradizem distinguem-se na produção de
subjetividade na formação de sujeitos.
32 KASTRUP,2007,p.140
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Pedaços de tempo que, de fato, se acham em mim, desde
quando os vivi, à espera de outro tempo, que até poderia não
ter vindo como veio, em que aqueles se alongassem na
composição da trama maior.
Às vezes, nós é que não percebemos o “parentesco” entre os
tempos vividos e perdemos assim a possibilidade de
“soldar” conhecimentos desligados e, ao fazê-lo, iluminar
com os segundos a precária claridade dos primeiros.
Paulo Freire
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Memória e Documentação
conservar para a reprodutibilidade e renovar em produtividade
A memória que tenho de
tua ausência está entre a
quente luz incidente e o reflexo
no azulejo. Uma memória que
me aproxima da nossa
distância. Ao revisitar o antigo
slide, percebo que ainda posso
sentir os cômodos da nossa
casa preenchidos por nossos
vazios. Suspendo-nos na
imagem pausada, mas os
fungos insistem em se
proliferar, transpassando o
corredor em seus planos de
intensidades. Quero espreitar
com tinta e pincel a duração
dos olhares de quem capturou
aquela imagem e daquele eu
que se deixou capturar. Aos
poucos, a captura da imagem
faz com que (um) eu se
desloque para outro lugar.
Onde realmente essa captura
se dá? O que eu, agora, e eles,
outrora, o que nós buscávamos
espreitar separadamente juntos? É possível que haja aí uma multiplicidade em jogo? Uma dobra?
Talvez seja apenas um desejo de estabelecer o encontro entre as ausências. Mas, nunca as
considerei como se fossem ausências quaisquer. São significativamente ausências presentes –
estavam lá, se entreolhando na interrupção do tempo do corredor, e agora se entreolham por uma
fresta da memória entre fungos.
slide 03 – Só me lembro da tua ausência 100cmx0,64cm Acrílica e pastel oleoso, sobre cartão
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“Não se escreve com lembranças de infância, mas por blocos de infância, que são devires-criança no presente.” (DELEUZE;GUATTARI.2010)
A arte e a educação não habitaram comigo ao mesmo tempo e o tempo todo um mesmo
território, mas sempre se avizinharam e constituem um dos estratos da minha memória,
lembranças significativas sobre a experiência de aprendizagem.
Desde muito pequeno, antes de ocupar a escola como aluno, lembro-me de ficar horas
observando coloridas ilustrações de revistas, de livros e de toda sorte de embalagens que
estivessem diante de meus olhos. Como toda criança, me aventurei nas explorações gráficas
(que não foram poucas), descobrindo as possibilidades da linha ao conduzir o lápis com todo
o cuidado sobre o papel, passando por experimentos com o intenso e luminoso colorido das
canetas hidrocor, com a delicadeza opaca do lápis de cor, ou qualquer outro material
“riscante” que produzisse linha, forma, cor, textura para os meus pensamentos.
Certa vez meu pai retirou do bolso de sua camisa uma
caneta esferográfica para me dar. Caneta desse tipo era
coisa de adulto, nunca havia utilizado tal material, o que
me fez imediatamente experimentá-lo sobre a folha de
papel manilha amassada que minha mãe retirou de uma
gaveta da cozinha. Antes de dormir, guardei a caneta em
meu quarto, junto com meus brinquedos. Na manhã
seguinte, ao acordar, decidi usar a caneta sobre a fronha
branca de meu travesseiro para desenhar um cavalo azul.
Ao revisitar na memória a imagem daquele desenho, seria
essa imagem que se imprimiu em mim, a mesma que
expressei na fronha? Acho que isso não é tão relevante,
porque o que me afeta da experiência que vivi não está na imagem, mas no acontecimento
que não cessa de se atualizar.
Passado algum tempo, e ainda menino, ao término de um dia de jornada escolar, minha
professora foi comigo até o portão da escola para conversar com minha mãe. Queria
aconselhá-la a me matricular numa escola de pintura para que eu desenvolvesse meus
“dons”. Dias depois, fui à casa de dona Ester, uma sorridente senhora de cabelos brancos
com quem simpatizei logo de cara.
O presente configura-se em meio a paisagens que por vezes se tornam transitórias e sazonais, ou por sítios que preservam preciosas ruínas e outros que se encontram em plena construção planificada em contemporaneidade. Um verdadeiro estado onde devires e memória transitam livremente em movimento de atualizações. E o que se atualiza “não é o que somos, mas aquilo em que vamos nos tornando, o que chegamos a ser, quer dizer, o outro, nossa diferente evolução. (...) aquilo que somos em devir: a parte da história e a parte do atual. (...). Sendo que a história e o arquivo são o que nos separa ainda de nós próprios, e o atual é esse outro com o qual já coincidimos.”
DELEUZE,Gilles.1990,pp.155-161.
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Não conseguia entender o que aquela mulher e minha mãe tanto conversavam sentadas
naquele sofá, mas também não fiz muito esforço para acompanhá-las. O que eu queria
mesmo era continuar com meu olhar absorto no avental todo manchado de tinta que dona
Ester vestia e nos tantos quadros que disputavam lugar nas paredes da pequena sala.
“É isso que você quer?” – perguntou minha mãe, e, com toda convicção, acenei a cabeça
positivamente. A única coisa que sabia é que queria pertencer àquele mundo.
Ao revisitar a minha trajetória educativa, percebo os
distintos caminhos traçados que ora se entrecruzavam e
ora se bifurcavam. Por um lado, uma professora se deixa
afetar pelas minhas habilidades artísticas e entendeu-as
como “dom”, uma competência que eu deveria aprimorar e
melhor desenvolver aprendendo arte fora da escola –
afinal, não havia lugar para aquela especialização técnica
dentro do currículo programático no ensino formal. Por
outro lado, deveria eu frequentar, como aluno regular, as
aulas de educação artística que se concentravam na
aprendizagem funcional, preparavam-nos para a execução
de trabalhos manuais. Esse tipo de ensino referendado no
saber instituído e tecnicista faz a escola funcionar como
uma máquina normativa, ignorando toda e qualquer possibilidade de viver a aprendizagem
inventiva.
Naquele mesmo dia, ao sair da casa de dona Ester, minha mãe e eu estávamos numa loja
de materiais artísticos, o que foi para mim (e confesso que ainda é) entrar acordado num
sonho. Por detrás do balcão, um homem alto e magro andava de um lado para o outro
consultando a lista que lhe foi entregue para retirar de pequenas gavetas tubos metálicos de
tinta óleo das mais variadas cores com nomes estranhos: Verde Veronése, Terra de Siena
Queimada, Amarelo Cromo... Por fim, tínhamos sobre o balcão, além das tintas, pincéis
chatos e redondos, algumas espátulas, duas pequenas telas, três tipos de vidrinhos com
líquidos misteriosos, e uma maleta de madeira envernizada em que o homem da loja
distribuiu organizadamente todos os materiais. Tudo aquilo ali era para mim. Foi difícil
acreditar.
“No início dos anos 70, concomitante ao enraizamento da pedagogia tecnicista no Brasil, é assinada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5692/71, que introduz a Educação Artística no currículo escolar de 1º e 2º graus (...). Desde a sua implantação, observa-se que a Educação Artística é tratada de modo indefinido, o que fica patente na redação de um dos documentos explicativos da lei, ou seja, (no) Parecer nº 540/77 (...) fala-se na importância do ‘processo’ de trabalho e estimulação da livre expressão. Contraditoriamente a essa diretriz um tanto escolanovista, os professores de Educação Artística, assim como os das demais disciplinas, deveriam explicitar os planejamentos de suas aulas com planos de cursos onde objetivos, conteúdos, métodos e avaliações deveriam estar bem claros e organizados.”
FUSARI,M.,FERRAZ,T.2000,p.37.
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Primeira aula no ateliê de dona Ester:
_ Que cor é o céu nessa pintura? – perguntava-me a professora, apontando para a
reprodução de uma pintura realista impressa no formato postal.
_ Azul.
_ Será mesmo, menino? Olha bem.
_ Hmmm... Tem um pouco de branco misturado também.
_ Então experimenta o azul e o branco. Vamos ver o que vai dar.
Branco titânio + azul cobalto. Pincelada da cor no canto superior esquerdo da pequena tela. Olhos
do aprendiz passeando entre a estampa da pintura no postal e a mancha azul desmaiado que
foi produzida.
_ Dona Ester, não ficou igual.
_ Igual não vai ficar mesmo, porque esse quadro é seu... Quando você copia, não significa
que vai fazer igualzinho ao modelo. Deixa eu ver o que você fez.
Silêncio. Olhos da mestra passeando entre o modelo e o resultado da minha tentativa de
reproduzir cor. E eu aguardava o veredicto ao acompanhar aquele grandioso e quieto
movimento do olhar carregado por um saber instituído. Um olhar que verifica aproximações
estabelecidas com a referência.
_ Olha menino, presta atenção. Vou te contar um segredo: o céu sempre tem uma
corzinha a mais do que o azul e o branco. Mistura um pouco, só um pouquinho, de Amarelo
Nápoles nessa cor que você fez. E também, um fiozinho de pincel do Vermelhão Francês. Ah!
Você usou o Azul Cobalto, não foi? Então, use agora o Ultramar. Depois, me chama para eu
ver.
Assim fui iniciado na arte da pintura com referência acadêmica, baseada numa estética
mimética, sob a tutoria daquela mestra – uma funcionária pública aposentada que recebia
em sua casa, nas manhãs de sábado, pessoas que queriam produzir pintura aprendendo por
meio das regras instituídas pela Academia de Belas Artes. Essa minha passagem se deu dos
10 aos 13 anos de idade.
Vivencio e participo dessas memórias como duração de experienciar ser aprendiz de
artista e de educador que agora sou – como educadorartistaprendiz.
Cada vez que voltava à casa de minha professora, iniciava um verdadeiro ritual
preparatório que envolvia o reposicionamento da tela sobre o cavalete, reconhecer o que já
havia pintado, observar a paleta de tinta para redescobrir as cores que até então havia
conseguido produzir, separar os pincéis adequados, acondicionar por perto o solvente e o
paninho de limpeza, me certificar dos procedimentos que iria adotar, e então “avançar”
como aprendiz-dependente dos saberes instituídos para PINTAR.
54
Mas, sábado não era apenas o dia que
eu iria me reencontrar com os
procedimentos de pintura. Também se
tratava de um reencontro com o meu
processo de fazer e aprender arte e isso,
para mim, era sinônimo de prazer, de
possibilitar o entendimento do percurso
que a experiência estava delineando.
Tudo isso trazia uma deliciosa sensação
de autoria. Não era possível, pelo menos
aos olhos verificantes de Dona Ester, perceber o que estava ocorrendo para além de seus
ensinamentos. Havia um movimento singular que se fazia na própria experiência que, por
sua vez, me fez aprender a “transcender os materiais e as técnicas.” Hoje, entendo que foi
naquele lugar de experiência-criança-arte que pude inaugurar processos de empatia e de
intensas relações com as coisas – um estado de germinação de minha prática-ateliê. Prática
flexível e inventiva, que não pode ser antecipada, mas que antevê situações potentes para
intervir na produção de acontecimentos.
minhaprimeirapinturaaóleo–0,27x0,35,1974
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páginadocadernodeanotações–ReggioEmilia,2004
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57
ateliêondeproduzomeustrabalhosartísticos
"E vou seguindo uma estrela, que brilha no céu escuro, mais bela
e resplandecente que quantas viu Palinuro. Eu não sei aonde me
guia, e a navegar me costumo, mirando-a com alma atenta,
cuidoso, mas não do rumo."
Miguel de Cervantes – Dom Quixote de la Mancha
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A prática-ateliê
entre potencialidades expressivas e intencionalidades pedagógicas
Há uma cultura de ateliê nas escolas de educação infantil de Reggio Emilia que permite à
comunidade abrir processos de subjetivação no diálogo entre as potencialidades expressivas
das linguagens artísticas e as intencionalidades pedagógicas da educação, justamente porque
essa cultura valoriza o aspecto educativo que se constitui nas experiências emotivas e
cognitivas. Essa concepção é resultado do aprendizado de que a “racionalidade, sem
sensibilidade e empatia, e a imaginação, sem cognição ou racionalidade, gera um
conhecimento humano parcial e incompleto.” (VECCHI,2013,p.60.)
As práticas-ateliê possibilitam a criação de contextos para que todos vivam o inédito na
escola, por considerarem como valor o ato de transcender os materiais e as técnicas do fazer
arte, assim como os equipamentos e metodologias do fazer educação. Isso requer um
movimento coletivo que propõe o “descentramento estético dos pontos de vista”, como
sugere Félix Guattari em seu livro Caosmose.
Para que isso ocorra, faz-se necessário, primeiro, evidenciar o que se quer transcender, ou
seja, a ordem, as estruturas e os códigos vigentes que fazem da escola e seus protagonistas
serem o que são. Diante dessas evidências, inicia-se um processo de desconstrução, como se
fosse o pré-requisito para que todos, coparticipativamente, possam recompor e recriar a
realidade para que a escola se torne lugar de “proliferação não apenas de formas, mas das
modalidades de ser.”33 A polissensorialidade e a plurilinguagem experienciadas no ateliê
fazem dele um lugar difuso que possibilita tanto alternar distintos meios e modos
expressivos para se fazer educação como estabelecer diversas conectividades entre
aprendizagens inventivas e ensinamentos de uma cultura instituída.
O ateliê é como um prisma das cem linguagens e ocupa um lugar na escola como
metáfora da construção de conhecimento, por ser ele fronteiriço ao dar passagem à arte em
toda sua inventividade e à pedagogia em seu caráter instituidor, para que possam encontrar-
se e confrontar-se uma com a outra. Desse modo, atribui-se ao ateliê especificidades
diferenciadas das escolas convencionais em relação ao tempo, ao espaço e ao sentido na
educação de meninos e meninas, por não comportar o costumeiro planejamento voltado para
o ensino teórico e contemplativo da arte, e nem propostas de sequências didáticas ou
sequências de atividades para experimentações estéticas. A arte deixa de habitar as escolas
33 GUATTARI,Félix.2012
60
afirmando-se como portadora de um saber artístico a ser mediado e transmitido de forma a
assegurar a correta execução e o bom comportamento contemplativo.
As escolas infantis reggianas contam com a presença de um educador com formação
artístico-expressiva responsável pelas práticas-ateliê, e que recebe o nome de atelierista. Esse
profissional não tem formação em pedagogia ou magistério, mas conhecimentos teórico-
práticos em uma ou mais linguagens artísticas que o habilitam a ocupar o lugar da oposição
diante de conhecidas normas constituintes de escola e criar contextos provocativos que
convidam à curiosidade.
A criação de tais contextos no ambiente escolar
pressupõe uma concepção, entre tantas outras, de criança
capaz de aprender a organizar, a relacionar e dar
visibilidade aos seus pensamentos por meio de diversas
linguagens. Isso quer dizer que para a prática ateliê o saber
fazer é saber pensar como fazer, e que, para a criança, a
transdisciplinaridade é o modo de alcançar a compreensão
mais significativa de mundo. Talvez nós, adultos,
tenhamos esquecido dessa estratégia natural do
pensamento que nos constitui desde a infância, e com isso
desaprendemos a entrar em contato com a simultaneidade
do mundo. Mas se ainda houver o desejo em cada um de
nós, educadores, de restabelecer nosso contato com a
complexidade do conhecimento, certamente isso
potencializará nossa percepção sobre a dimensão estética
na qual a criança “encontra uma expressão significativa e
tangível por meio dos olhos, ouvidos e mãos que são
capazes simultaneamente de construir e emocionar-se 34”.
Essa é a conectividade que a prática ateliê quer evidenciar,
e assim ampliar possibilidades de se fazer educação,
garantindo que a criança em seu dizer aconteça
cotidianamente por meio das “cem linguagens”.
34 VECCHI,2013,p.66
“Cada linguagem tem sua própria gramática, sua especificidade, mas também possui uma estrutura disposta para a comunicação e relação (...). Quanto mais rica e complexa for uma linguagem, mais será capaz de acolher e estabelecer sinergias com outras. No entanto, isto implica que nós, adultos, devemos tratar cada linguagem com as crianças por sua rica estrutura e suas possibilidades expressivas. Naturalmente, isso não é tão simples de ocorrer, pelo fato de que são poucas as linguagens que cada um de nós conhece profundamente e em muitas delas somos praticamente semianalfabetos, o que limita nossa capacidade de escutar os processos das crianças. (...) Basta escutar as crianças para entender que a transdisciplinaridade, o modo em que o pensamento humano conecta diferentes disciplinas (linguagens) com propósito de alcançar uma compreensão mais profunda de algo, não é uma teoria completamente independente da realidade e nem um mandato docente; é uma estratégia natural do pensamento, respaldada por nossa hipótese inicial de que as oportunidades de combinação e criatividade em uma pluralidade de linguagens enriquece as percepções das crianças e intensifica suas relações com a realidade e a imaginação.”
VECCHI,V.2013,p.72/73/75
61
A linguagem escrita sempre teve seu lugar assegurado dentro da escola, e isso não teria
nenhum problema se a linguagem passasse a ser um dispositivo emancipatório do sujeito,
abrindo um campo para a transformação. Mas, se é tratada como conhecimento científico e
tecnológico, “algo universal e objetivo, de alguma forma impessoal” 35 , torna-se um
instrumento pura e simplesmente pragmático para construir enunciados que garantam a
reprodutibilidade de uma ordem hegemônica, de um sentido instituído que está fora da
experiência, mas preso ao sujeito. Portanto, “a linguagem não é apenas algo que temos e sim
quase tudo o que somos, que determina a forma e a substância não só do mundo mas
também de nós mesmos (...). E aí o problema não é só o que é aquilo que dizemos e o que é
que podemos dizer, mas também, e sobretudo, como dizemos: o modo como diferentes
maneiras de dizer nos colocam em diferentes relações com o mundo, com nós mesmos e com
os outros.”36
Dessa perspectiva, as regras pressupunham uma ordem pré-estabelecida para o proceder
de dona Ester – uma ordem “explicadora”, como nomeia Jacques Rancière, em seu livro O
mestre ignorante, ao estudar o pensamento e as ações de Joseph Jacotot, um transgressor da
pedagogia no século XIX. Em sua época, Jacotot criticou o pragmatismo da linguagem nas
escolas, que se dá por uma ordenação explicadora e por um juízo da falta, segundo regras
determinantes do que deve ser conhecido para garantir a boa formação do sujeito,
aproximando-o, o mais precisamente possível, de sua condição de aprendiz-dependente dos
saberes consolidados 37.
Ao considerarmos as crianças pequenas em escolas que não estão preocupadas em
alfabetizá-las previamente, é preciso entender a linguagem sob um outro ponto de vista para
além da oral e escrita. É preciso se relacionar com as “Cem Linguagens”. Mas de nada
adiantará ter o compromisso com a diversidade de linguagens se a escola tratar, por
exemplo, a linguagem visual de modo pragmático, instituído, arborescente/molar. É como
está dito no poema de Malaguzzi, ainda que as crianças saibam se relacionar com as “cem
linguagens”, a escola lhes roubará noventa e nove.
Segundo Jacotot, nas palavras de Rancière, o ensino que adota o livro para instruir
crianças, por exemplo, pressupõe um professor que tomará a palavra para explicar ao aluno
o que se espera que ele compreenda sobre a matéria, reafirmando o raciocínio que já está
“Numa educação participativa, um comportamento ativo de escuta entre adultos, crianças e ambiente é premissa e contexto de toda relação educativa. A escuta é um processo permanente que alimenta a reflexão, o acolhimento e a abertura em direção a si e em direção ao outro; é condição indispensável para o diálogo e a mudança. O comportamento da escuta eleva a atenção e a sensibilidade com relação aos cenários culturais, de valores e políticos da contemporaneidade.”
“...há uma regra e uma exceção. Cultura é a regra. E arte a exceção. Todos falam a regra: cigarro, computador, camisetas, TV, turismo, guerra. Ninguém fala a exceção. Ela não é dita, é escrita: Flaubert, Dostoievski. É composta: Gershwin, Mozart. É pintada: Cézanne, Vermeer. É filmada: Antonioni, Vigo. Ou é vivida, e se torna a arte de viver: Srebenica, Mostar, Sarajevo. A regra quer a morte da exceção. Então a regra para a Europa Cultural é organizar a morte da arte de viver, que ainda floresce.
Quando for hora de fechar o livro, eu não terei arrependimentos. Eu vi tantos viverem tão mal, e tantos morrerem tão bem.”
66
O processo, que teve um longa duração, envolveu uma dinâmica de pesquisa simultânea
entre crianças e educadores (professor, atelierista e pedagogista), e gerou muitos
conhecimentos para os adultos sobre a abordagem dos alunos em relação aos fenômenos
Entre 2012 e 2013, eu e Vanessa fizemos parte de um grupo de educadores latino-
americanos na primeira edição do curso “o papel do coordenador pedagógico”, promovido
pela RedSolare Argentina e realizado em Buenos Aires e em Reggio Emilia, tendo a formação
ministrada por pedagogistas e atelieristas reggianos. No grupo havia, além de outras
brasileiras, duas coordenadoras da OSCIP.
Durante o curso, uma das coordenadoras trouxe a notícia de que um município de Minas
Gerais iria renovar o contrato com a OSCIP para dar continuidade ao projeto de formação de
seus educadores das escolas de educação infantil. Era Vanessa que estava à frente desse
projeto como formadora e em parceria com a mesma coordenadora durante os quatro anos
anteriores. Foi então que recebi o convite para ser formador no projeto junto com elas.
O projeto foi redesenhado, apresentado para a Secretária de Educação do tal município,
discutido em detalhes todas as instâncias que o envolvia e a dinâmica pela qual se efetivaria.
Tudo certo, tudo combinado, contrato assinado. E lá fomos nós para a prática, sabendo que o
projeto duraria quatro anos e teríamos muitas viagens, muitos planejamentos e muitos
confrontos pela frente.
Depois de alguns meses, apresentamos a nossa proposta em andamento na sede da
OSCIP, em São Paulo, para toda a equipe de formadores de todas as áreas. A reação de todos
mesclava um certo encantamento com estranhamento diante do novo, do que parecia ser
muito inusitado dentro do habitual. Essa inquietude despertou a curiosidade e o desejo em
alguns para aprofundar as teorias e práticas que apresentávamos, o que fez com que
77
iniciássemos um grupo de estudos aberto para os membros da OSCIP. Foi nessa ocasião que
nos aproximamos mais de Helena Freire e demos início a uma relação que geraria o grupo
“em busca do sujeito da experiência na escola.”
Mas, depois de um ano e meio de trabalho naquele município de Minas Gerais, quando
havíamos atingido um perigoso grau de proximidade da zona da desestabilização do sistema
molar/arborescente, imediatamente, e com a mesma potência que vinha se constituindo, o
projeto foi aniquilado em uma reunião com a direção da OSCIP e a coordenadora
responsável pelo mesmo – aquela que até então se estampava como parceira.
Eu tinha acabado de desembarcar da Itália. Todos sabiam o motivo de minha viagem:
apresentar o projeto para uma equipe de pedagogistas em Reggio Emilia. O mesmo projeto
que, enquanto interessava às pedagogistas, estava rápida e bombasticamente sendo
dizimado. Trazia em minha bagagem as anotações das conversas com as italianas para
compartilhar com Vanessa e, certamente, serviriam de orientação para darmos continuidade
aos processos. Isso nem chegou a se efetivar, não houve tempo suficiente entre o retorno de
minha viagem e a data que a OSCIP havia marcado para uma reunião em caráter de
urgência.
A reunião durou apenas 15 minutos. A presidente da OSCIP foi a porta voz, trazendo a
notícia imediata e absoluta de que não haveria, em hipótese alguma, a possibilidade de
tomar outra decisão que não a de interromper definitivamente o fluxo daquela “negativa”
experiência, que tanto prejudicava o bom andamento das escolas (inclusive as do Ensino
Fundamental, segmento com que não tínhamos nenhuma relação). E seguiu a pauta, que
continha uma lista de agressividade inimaginável, chegando a nos responsabilizar pelo
“baixo rendimento” no processo de alfabetização das crianças (outro absurdo, já que
estávamos atuando somente com a Educação Infantil) etc., etc., etc. Os fatos que
apressadamente eram trazidos estavam interpretados segundo uma lógica instituída,
controladora e perversa. Nenhuma, absolutamente nenhuma daquelas justificativas faziam
sentido para mim e Vanessa. Mas sabíamos exatamente o que disparou todo aquele ódio e
que se converteu naquela reatividade voraz.
Meses antes, um dos atelieristas em formação no projeto apresentou sua documentação
em uma reunião de coordenadoras de escola. A documentação dava visibilidade à relação
dele com um menino de quatro anos que – sob o ponto de vista das professoras,
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coordenadora e diretora da escola – era indisciplinado e hiperativo e precisava ser retirado
da sala de aula por não conseguir ficar sentado enquanto a professora tentava ensinar algum
conteúdo aos seus alunos. Mas, para que o menino não ficasse sozinho “aprontando” pelos
espaços da escola, a diretora e a coordenadora decidiram que ele deveria ficar sob tutela do
atelierista.
O pior estava por vir, pois o atelierista fez o registo de todo o processo de transformação
do menino enquanto estava sendo medicado com Metilfenidato, componente da conhecida
Ritalina. Foi esse o caminho escolhido pela escola, e com consentimento dos pais, para
resolver o problema. Dias depois do início de sua medicação, a criança, sentindo-se sem
energia, pede ao atelierista: “me ajuda a tirar isso de mim?”
Ao término da apresentação, um silêncio tomou lugar na sala. Um silêncio que nos
expunha ao constrangimento. Não podíamos ter outra saída, senão encarar e compartilhar
nossos afetos diante de tal fato. Era impossível conceber que naquele momento alguém
optasse por se omitir, isentar-se do compromisso ético e da cumplicidade que estávamos
vivendo até então.
Decidi por manifestar energicamente toda a minha perplexidade, que foi recebida com
agressividade desrespeitosa. As coordenadoras começaram a se pronunciar em tom de
lamento e queixas, na tentativa de argumentar, justificar, e principalmente amenizar, o
problema. Mas não me lembro de nenhuma delas ter dado abertura para problematizarmos
as incoerências entre a escolha dos adultos perante aquela criança e os princípios e valores
que estávamos trabalhando no processo de formação, por exemplo.
Naquela situação claustrofóbica, vivíamos um agenciamento coletivo de enunciação para
a manutenção do confinamento do sujeito-educador e do sujeito-aluno no território da
educação molar/arboresceste. O projeto de formação que havíamos desenhado não se
expressava pelo mesmo sistema de signos, tampouco atuava pelos mesmos dispositivos
maquínicos para produção de subjetividade. Tudo indicava, cada vez mais, que o projeto se
desenvolvia, mas a força reativa ganhava potência. Era o momento de saber que não haveria
mais condições de nos encontrarmos em confronto para se produzir diferença. Não haveria
espaço para dar passagem aos processos heterogêneos.
Então, estas são minhas hipóteses sobre o real motivo que engendrou o término do
projeto, já que as justificativas não condiziam com as documentações, registros de reuniões,
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vídeos e fotografias que havíamos reunido e compartilhado com todos que participavam
direta e indiretamente na formação durante aquele um ano e meio. Foi preciso despender
um enorme esforço para expulsar o mais rapidamente tudo que poderia “ameaçar” o
controle e a ordem estabelecida naquele território. Naqueles 15 minutos não cabia exercer o
nosso direito de minimamente argumentar sob nosso ponto de vista. Muito menos
compartilhar as contribuições das pedagogistas. Nada disso interessava. Na verdade, tudo
isso ameaçava.
Saímos da reunião sob os mais “insinceros” votos de
sucesso, que eram absolutamente condizentes com toda
aquela representatividade do instituído. Era impossível, a
partir daquele momento, não me ressentir diante da
situação. E mais uma vez, precisei entrar em contato com
os meus afetos e procurar desprende-los do ressentimento.
Porém, algo inusitado se procedeu durante esse
movimento – aqueles 15 minutos que ficamos expostos
diante de tamanha força reativa me deram a dimensão do
tamanho da força ativa que tínhamos gerado. Não
tínhamos como nos paralisar, mesmo porque estávamos nos libertando de uma condição
aprisionante. Tudo foi se transformando e ganhando maior potência para a passagem da
pulsão, para que o fio de continuidade da experiência pudesse compor tessituras e nos
desocupar do lugar de sujeito da experiência para nos ocupar e interagir com os afetos da
experiência.
À procura de um desvio para que pudéssemos dar continuidade à nossa cartografia de
formadores, eu e Vanessa no juntamos com Helena e iniciamos um processo de
desterritorialização das nossas experiências. Os encontros com o grupo “em busca do sujeito
da experiência na escola” se iniciaram ainda com o projeto em andamento e teve
continuidade por mais dois anos.
Apesar de nossas diferentes formações, respectivamente eu em Artes Plásticas, Helena em
História e Vanessa em Pedagogia, conseguíamos estabelecer interessantes aproximações
dialógicas. Cada um de nós sentia a necessidade de transdisciplinarizar as nossas próprias
atuações, e isso nos avizinhava por princípio. Mas, o que mais significativamente ainda nos
“O sujeito da experiência é um sujeito ‘ex-posto’. Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a ‘oposição’(nossa maneira de opormos), nem a ‘imposição’ (nossa maneira de impormos), mas a ‘ex-posição’, nossa maneira de ‘ex-pormos’, com tudo que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de experiência (...) a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre.”
LARROSA,2014,p.26
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une e ainda nos convida para trabalharmos juntos é a nossa postura analítica e crítica perante
os sistemas formativos.
Parece-nos que, de um modo geral, há um certo adiamento por parte dos projetos de
formação para que o confronto pedagógico entre as concepções educativas instituídas e
inventivas aconteça. Minha hipótese, que compartilho com Helena e Vanessa, está no fato de
que os profissionais da educação não procuram situar onde estão localizados seus problemas
dentro da dupla articulação educativa. Ao mesmo tempo, exercem uma resistência para não
se deslocarem até a real localização dos problemas.
O sujeito educador, quando é reconhecido e se reconhece como professor profeta ou
indivíduo especialista disciplinar, ou ainda transmissor de conteúdos pré-programáticos,
executa seu papel de reprodutor da educação instituída sem nada implicar-se singularmente,
esquivando-se do exercício da alteridade ou de se abrir para o devir-outro diante da
experiência de ensino e de aprendizagem. Desse modo, esquece-se que há sempre a presença
de si e do outro. Esquece-se que sempre há confronto de subjetividades.
Só entrando em contato com aquilo que emerge do encontro consigo mesmo e com o
outro, numa atitude de alteridade, é que se conseguirá reconhecer o outro em sua
singularidade. O caminho que se cartografa a partir desse contato é da aprendizagem
inventiva que ultrapassa a pessoalidade de professor e de aluno, produzindo uma
subjetivação de experiência comum e indisciplinar.
Na época em que divulgamos a nossa proposta, tivemos o cuidado de enunciar que os
nossos encontros envolveriam a construção processual e conjunta de uma documentação da
experiência que aconteceria em grupo. Explicitamos também que nosso interesse por essa
coautoria documental, com inspiração na abordagem educativa de Reggio Emilia – Itália,
procuraria dar visibilidade ao diálogo que estabeleceríamos entre as experiências dos
participantes em seus contextos educativos.
Queríamos, com essa decisão, nos relacionarmos com o professor e cartografar com ele:
como ele se apresenta, como ele se vê em sua singularidade e como reconhece seu papel na
comunidade educativa em que atua. O desejo de nos encontrarmos com esse sujeito não
tinha a finalidade da constatação identitária. Ao buscá-lo, por meio de sua própria narrativa
e da narrativa de suas ações educativas, procurávamos estabelecer uma maior aproximação
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com a imagem que reflete esse sujeito no mundo e com a que o sujeito projeta para se tornar
visível ao mundo.
Quanto a nós, propositores dessa cartografia, também nos buscávamos nos encontros com
esses sujeitos, inaugurando, em primeira instância, uma relação-escuta flutuante e atenta (e
por que não uma metaescuta) sobre como a proposta seria “percebida” pelos professores e,
consequentemente, o que poderíamos escutar dos afetos que disso tudo resultasse. Para isso,
criamos várias situações de confronto com o grupo.
Os confrontos oportunizaram observar e mapear o modo de produção e de transformação
da subjetividade do sujeito-educador. As intervenções que fazíamos durante os confrontos
tinham a intenção de promover situações relacionais para que pudéssemos criar em
colaboração um campo de imanência para a produção da diferença. Esse movimento fez
parte de um plano coletivo de forças que requereu uma atitude de militância-compositiva
para que a coautoria de processos ocorresse.
Os encontros iniciados com o primeiro grupo geraram momentos intensos de investigação
e interpretação que, na maioria das vezes, propiciaram-nos rever com toda acuidade a
importância da experiência educativa em seus processos de reprodução e produção de
subjetividade.
No início, as professoras narravam suas experiências por um discurso ressentido,
transbordando impotência diante das sombras das representações institucionalizadas da
educação. Essa exposição nos permitiu confrontarmos, nos âmbitos individual e coletivo, os
distintos modos de produção de subjetividade: aquela que valoriza a singularidade do
individuo – que considera a narrativa de si como ato criador e que passa a se conhecer na
produção de sua própria diferença; e a que valoriza a igualdade – narrativa sobre si como ato
identificador de sujeito que se reconhece por sua representação.
O percurso investigativo que trilhamos evidenciou a importância de criarmos espaço-
tempo para que cada educadora pudesse indagar-se sobre a sua prática educativa. Por
“indagação da prática” referimo-nos a entrar em contato com os afetos gerados na
experiência, e não tentar perceber se na experiência é possível se reconhecer como sujeito
professor idealizado. Ao narrar-se pelos afetos da experiência, individualmente, em grupo e
com o grupo, as educadoras estabeleciam relações com a sua própria subjetividade, e
também conexões entre elas que, por fim, constituíram um plano comum de investigação.
Aumentar o grau de abertura comunicacional intragrupos e intergrupos, transversalizando os grupos ao liberar diferenças que estão fechadas em seus lugares próprios [...] traçar e acessar o plano comum e coletivo ampliando as relações intra e intergrupais. Esse procedimento produz coletivos não identitários por meio dos quais podemos criar condições para o acesso do sujeito ao seu plano de subjetivação. KastrupePassos.2014,p.26
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Este processo possibilitou “dar sentido ao acontecer que nos acontece”47 por intermédio de
dois movimentos distintos e complementares: a contração e a expansão do que nos afeta.
O movimento de contração ocorre quando nos relacionamos com a memória-do-corpo,
que possibilita entrarmos em contato com a fala interior48 e nos relacionarmos com as marcas
advindas da experiência. O de expansão, quando reunimos e organizamos os registros da
experiência-fora-do-corpo. Esse processo envolve escolhas de linguagens e seus modos de
expressão para compor uma documentação que seja narrada pela voz dos afetos.
Para algumas das participantes, esse processo provocou incômodos e tensões, porque se
percebiam habitando o território conhecido e instituído e queriam deslocar-se de lá, mas só
se permitiriam tal aventura se alguém lhes indicassem o caminho para se chegar ao território
desconhecido da inventividade e criação. Outras, mais aventureiras, se lançavam para o
desconhecido e experimentavam traçar seus próprios caminhos.
Esta atitude nos possibilitou trazer à superfície as diferenças e as divergências, as
similitudes e as discrepâncias, as incongruências e as incoerências, para que tudo isso se
relacionasse entre si e com todos nós. Esta implicação com as singulares narrativas da
experiência abriu espaço para que a aprendizagem de liberação das forças criasse
deslocamentos do sujeito a partir de cada um de nós.
Com a liberação das forças que deveio do movimento de contração e expansão,
dedicamos um tempo para criar uma forma comum que melhor expressasse o acontecimento
de grupo. Essa busca implicou diretamente, e ao mesmo tempo, a perspectiva das linguagens
em sua potência expressiva e do pensamento na elaboração conceitual da experiência. A
linguagem escrita aliada à gráfica foi o meio escolhido para que palavras-conceitos e
imagens-símbolos49 advindos da experiência se tornassem forma-força.
O mapa construído pelo grupo foi de uma complexa e contínua elipse que, em
movimento, apresenta as palavras-conceito em constante interação, como se vê ao lado. A
Documentação Pedagógica, embora esteja citada apenas abaixo no mapa, é a força motriz
que liga a forma e o movimento. Ao redor das elipses está o espaço do educador, ocupando o
campo de forças que possibilita o processo de subjetivação. Esse foi um trabalho construído
47 LARROSA, Jorge. 201448 Zero Project, 201449 “Nãoexiste,portanto,umaformaparadescrevercorretamenteascoisas.Cadadescrição,cadadesenhoqueconfiguraomundo(internoeexterno),éfeitadesímbolosquesãodistintosdoprópriomundo.Asdescriçõesgráficasrepresentamcertomododerepresentaromundo,eofazemusandosímbolos.Sãoimagensquecriamosmundos(quesãosimbolizadosnasimagens),maisqueseroresultadodeumabuscaquerepresentaomundoatravésdesímbolos.”STACCIOLI,Gianfranco.IN:Infânciasesuaslinguagens.2014.p.115.
Falar (ou escrever) com as próprias palavras significa se colocar na língua a partir de dentro, sentir que as palavras que usamos tem a ver conosco, que a podemos sentir como próprias quando a dizemos, que são palavras que de alguma maneira nos dizem, embora não seja de nós quem falam. Falar (ou escrever) na primeira pessoa não significa falar de si mesmo, colocar a si mesmo como tema ou conteúdo do que se diz, mas significa, de preferência, falar ou escrever a partir de si mesmo, colocar a si mesmo em jogo no que se diz ou pensa, expor-se no que se diz e no que se pensa. Além disso, trata-se de falar (ou escrever), talvez de pensar, em direção a alguém. Larossa,2014
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a quinze vozes de afetos que convocou cada um de nós a se relacionar com o papel de
educador, desde um outro ponto de vista – o comum.
A construção de sentido em grupo não
diluiu os processos singulares de cada
educadora. Ao invés disso, evidenciou a
heterogeneidade como um valor no processo
investigativo. Como vemos no registro da
educadora Isabel Valli Espindola, integrante do
grupo:
E como resposta à Isabel...
Confesso que o último encontro foi bastante confuso!! E acho que isso é bom!! Estava escrevendo algumas coisas sobre isso de "confusão" que já foi levantado em alguns encontros por algumas de nós.
Con- fusão,
Fusão: “é o nome dado ao processo de passagem de uma substância do estado sólido para o estado líquido.”
Fluidificar ou liquidificar, sair do estado sólido e passar para o estado líquido. Acompanhar os processos. Parece-me um movimento interessante.
E foi exatamente na confusão que conseguimos dar forma ou OUTRA forma (mesmo que temporária) ao que estávamos vivendo. A tentativa de desenho parecia ser a estética se fazendo no grupo. E foi nesse esforço que fomos conseguindo falar do que vivemos e "entendemos" sobre documentação pedagógica e tudo que atravesse isso...
Enfim, foi confuso e foi bom!!
Adorei sua colocação "co-fundida" e acho que podemos adentrar mais líquida ou solidamente por esse seu pensamento com o grupo. Eu mesmo tenho me dedicado a desenvolver uma ideia sobre o olhar que se faz pela captura da precisão difusa da imagem. Precisaria explicar essa ideia com um pouco mais de tempo, o que não caberia aqui. Mas, se te interessar, podemos conversar mais "confusamente" sobre o assunto. Acho que tem muito a ver com a sua escrita.
Como vc diz, a tentativa de buscar uma forma estética (desenho) para nossas investigações é que possibilitou dar consistência e força (visibilidade) para os nossos pensamentos, mesmo ainda embrionários. Acho que se permitir estar nesse lugar "confuso e bom" é que nos desterritorializa daquela velha e sabida paisagem educativa, para então podermos criar "uma" diferença. Digo “uma” por sua singularidade. E isso tem a ver com o "deslocamento do educador”.
Posso garantir que isso só pôde acontecer em mim por eu estar junto com Vanessa, Helena e todas vocês, criando uma experiência inovadora plural e singular ao mesmo tempo, e a experiência não se aloca num terreno fixo, mas no terreno dos afetos que é geograficamente estabelecido por conexões entre diferentes realidades. É o território do "ENTRE".
Bel, querida.
Criou-se uma grande con-fusão??? Que bom!
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“O extraordinário na mente humana é não apenas a capacidade de passar de
uma linguagem para outra, de uma “inteligência” para outra, mas também a
habilidade de uma escuta recíproca, que é o que torna possível o diálogo e a
comunicação. As crianças são os ouvintes mais extraordinários de todos; elas
codificam e decodificam, interpretando dados com incrível criatividade: as
crianças “ouvem” a vida em todas as suas facetas, ouvem os outros com boa
vontade, percebendo rapidamente como o ato da escuta é essencial para a
comunicação. (...) Criamos, então, aquilo que chamamos de “audiência
competente”, que são sujeitos capazes de ouvir, de ouvir reciprocamente e de
se tornar sensíveis às ideias dos outros, para enriquecer as próprias e gerar
ideias de grupo. Essa é, portanto, a revolução que precisamos fazer:
desenvolver a sensibilidade natural das crianças para apreciar e expandir as
ideias dos outros, compartilhando-as em conjunto.”
Carla Rinaldi
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Escuta Nômade e Escuta Sedentária
escutar a indeterminação e o determinado
Busco aproximar o significado de “escuta competente”
na educação, trazida por Carla Rinaldi, ao de “escuta-
agenciamento” que estou desenvolvendo nesta pesquisa,
por entender que a competência está na disposição de ser
flutuante e ao mesmo tempo atenta à indeterminação dos
contextos da experiência educativa, ou àquilo que possa
emergir das relações de aprendizagens singulares. Trata-se
de um exercício que se compõe com ética e nomadismo,
capaz de escutar a “vida em todas as suas facetas” e de
suspender a necessidade de reconhecer o que se escuta, ou suspender o juízo que torna a
escuta sedentária, que espera escutar o que já está determinado.
Em 2015 tive a oportunidade, mais uma vez, de visitar outra escola reggiana que me
chamou muito a atenção para a forma como se deu a preparação de uma das seções situada
no segundo andar do pequeno prédio. Além da costumeira e cuidadosa visibilidade que dão
para as documentações pedagógicas, assim como para os trabalhos elaborados pelas
crianças, ouvia-se por todo ambiente uma delicada voz infantil que facilmente se dispersava
na pouca atenção de meus ouvidos por causa dos meus olhos demasiadamente atentos.
Precisei aquietar o olhar para ocupar-me com a narrativa entoada pela voz de um menino de
três anos.
Mais tarde soube que essa narrativa se deu por intervenção das educadoras, que
anunciaram para as crianças que um grupo de adultos estrangeiros iria visitar a escola no
período em que estariam ausentes. Todos na escola estavam procurando a melhor maneira
de tornar as crianças presentes não só por meio de suas marcas deixadas pelo espaço. Então,
os adultos perguntaram para elas: O que vocês acham que seria importante para esses
visitantes conhecerem da escola? A partir dessa pergunta, o ponto de vista da criança
tornou-se voz e potência para relacionar-se com o outro que estava por vir. Uma experiência
que se iniciou na virtualidade de recepcionar o outro que não se conhece, mas que já o
percebe e o acolhe como desconhecido e em relação.
“Numa educação participativa, um comportamento ativo de escuta entre adultos, crianças e ambiente é premissa e contexto de toda relação educativa. A escuta é um processo permanente que alimenta reflexão, acolhimento e abertura em direção a si e em direção ao outro; é condição indispensável para o diálogo e a mudança. O comportamento da escuta eleva a atenção e sensibilidade com relação aos cenários culturais, de valores e políticos de contemporaneidade.”
Voltando ao dizer que escutei daquela criança, a voz flutuante elegia alguns locais e
objetos que constituem a escola, atribuindo-lhes sentido sob seu singular ponto de vista – “a
escada que nos faz descer e subir quando precisamos; a pia para lavar as mãos com sabonete
perfumado; o galho pendurado no teto que faz sombra no chão; a cozinha que cheira bem”;
etc.
Lá permaneci, naquela voz, de olhos fechados, por um tempo que talvez ainda perdure
por detrás de minhas pálpebras. Deixei-me ser acolhido por uma cegueira plena de
sonoridade, que trouxe para o meu corpo a vibração de texturas, luminosidades, sabores e
cheiros. Me fiz ritmo daquela experiência que se compassava entre desterritorializar e
reterritorializar – desejei compor uma outra solução a partir da dissolução de saberes,
considerando-os como substâncias solutas a se tornarem dispersantes naquela experiência
solvente50.
Queria dar passagem à construção de uma paisagem de precisão em seu dizer pulsional e
de difusão molecular em seu fazer expressivo. Em outras palavras, a “precisão em seu dizer
pulsional” daquele menino só foi possível expressar-se pela sua capacidade polimorfa de
transformar a linguagem verbal numa potente difusão molecular de afetos, que nos
transporta a um espaço liso que adveio na relação singular com um espaço estriado e comum
– a escola.
Toda essa involução da criança permitiu-me ouvi-la em sua narrativa, seguindo
atentamente a direção daquele dizer que brincava entre os espaços lisos e estriados,
misturando-os à medida que as espacialidades formais da escola não eram trazidas como
localizadores geográficos ou identificadores de lugares. Esses espaços convertiam-se em
linhas, acontecimentos ou hecceidades que não nos confinavam enquanto sujeitos dentro de
um cenário determinado, “nem em apêndices que segurariam as coisas e as pessoas no
chão”51, tampouco ocupava-se em identificar coisas formadas e percebidas, mas eram/são
“um espaço de afetos, mais do que de propriedades”52. Era todo o agenciamento em seu
50 Meemprestodofenômenofísico-químicoquedefine“solução”comoresultadodaagregaçãodeduasoumaissubstânciascompropriedadesvariantesentresoluto(dispersor,quesedistribuinointeriordeoutrasubstância)esolvente(dispersante,quepermitequeosoluto distribua-se em seu interior). Existem diferentes tipos de soluções, mas a qual me refiro é a solução concentrada quecaracteriza-sedessemodoquandoaquantidadedesolutoseencontranaquantidademáximaqueosolventepodedissolver.Jáosentidodedifusãomolecularéumfenômenofísico,ondeumsolutoétransportadopelomovimentodasmoléculasaoredor.Estemovimentosedánadireçãodaáreamaisconcentradaparaamenosconcentrada,procurandoencontrarumequilíbrio.Aprecisão,nestesentido,éadispersãodoconjuntodevaloresqueseobtémapartirdasmediçõesrepetidasdeumamagnitudeougrandeza.51 DELEUZE,Gilles;GUATTARI,Félix.Milplatôs,vol.4.2012.p.5252 DELEUZE,Gilles;GUATTARI,Félix.Milplatôs,vol.5.2012.p.198
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conjunto individuado “comandando a metamorfose das coisas e dos sujeitos”53, sem ter
“começo e nem fim, nem origem e nem destinação; está sempre no meio. Não é feita de
pontos, mas apenas de linhas. Ela é rizoma.”54 Ou seja, havia uma correlação entre os
espaços, “retomando um ao outro, este atravessando aquele e, no entanto, persistindo uma
diferença complexa”55. Estava eu imerso na imprevisibilidade da experiência.
Mais tarde, para poder criar minhas próprias hipóteses e
teorias e cartografar a experiência, passei a ter uma escuta
de um dizer composto, que resultava da fusão eu e menino,
numa solução concentrada – Escutava a minha voz que por
vezes era a mesma do menino. E a voz do menino, ao escolher o que dizer, dizia o que ele
escutava de si mesmo desejando a escuta do outro.
Ele nunca soube quem seria esse outro ouvinte, mas
conviveu com o outro desejando-lhe presença no momento
de seu dizer. E eu não sabia quem ele era, mas desejei
escutá-lo para me encontrar com ele. Então o nós, ou o que
parecia ser eu e o menino, se dissolvia precisamente no
encontro de forças difusas do acontecer daquela
experiência. Tudo se desmanchava em nova experiência.
Não era mais a minha experiência e nem a do menino que
estavam se relacionando, em jogo.
Ali, no acontecimento, o desmanchamento daquilo que nos separava se fez por uma
urgência de dizer-ouvir, de uma escuta-encontro. Um encontro que só ocorreria se ele, o
menino, tivesse dito. E eu, o seu interlocutor, tivesse escutado. O narrador-menino e o eu-
ouvinte só puderam se desmanchar porque se distanciaram de suas representações, o que
possibilitou encontrarem-se como narrador-menino-eu-ouvinte, agenciando palavras e as
diferentes atribuições de sentido na produção de uma intensidade dada pela experiência de
um contexto aberto.
Contexto aberto é um interessante recurso, que se materializa em ambientação e se
expressa nas ações do professor, para se inaugurar processos diversificados de
“Os indivíduos devem se tornar a um só ponto solidários e cada vez mais diferentes – o mesmo se passa com a ressingularização das escolas, das prefeituras, do urbanismo etc. ”.
As3ecologias(p.55)
“As relações se compõem e decompõem segundo suas próprias leis. E são essas leis que determinam a passagem à existência e o término da existência dos modos. As partes componentes de um modo existente estão sempre se renovando. Pouco importa. Um modo existe enquanto suas partes extensivas estão submetidas a uma determinada relação característica pela qual elas pertencem ou correspondem a uma essência de modo.”
MACHADO,2010.p.72
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aprendizagens investigativas para crianças e adultos. Trata-se de uma situação interventiva
em que o educador prepara um ambiente e escolhe materiais propícios a uma experiência de
aprendizagem investigativa, onde meninos e meninas possam levantar suas hipóteses diante
do novo e as confrontarem com objetos, adultos e entre colegas a partir de suas teorias
provisórias, formulando perguntas e não apenas produzindo respostas.
Para que um contexto aberto seja constituído é preciso lançar mão de um planejamento
que esteja sob rigor da pedagogia da escuta porque, ao mesmo tempo em que precisa contar
com a presença de um adulto atento para acompanhar o aprofundamento do foco da
investigação, também é preciso que ele seja flexível para perceber o quanto os desvios que
surgem durante a experiência podem se tornar interessantes oportunidades para se criar
outras e/ou complementares situações indagativas.
Esse estado flutuante e atento, constituinte de experiência, possibilita para o adulto
“ouvir” com todos os seus sentidos, desempenhando assim uma escuta polissensorial,
nômade e suficientemente aberta para as emissões de ícones, símbolos e códigos presentes
nas interações comunicantes, não necessariamente ditas.
Para constituir esse contexto, o educador precisa partir de uma indagação que se conecte
com os valores da escola e que surja no interior de uma ou mais experiências vividas pelas
crianças, em grupo ou individualmente. O que realmente importa é a qualidade da pergunta,
que deve gerar problematizações e provocar movimentação rumo a um processo
investigativo – por exemplo, as crianças de um determinado grupo da escola passaram por
uma experiência que despertou a curiosidade em saber como nascem as plantas. A questão
para o educador não é formular perguntas já prevendo as respostas em que crianças
chegarão, mas viver uma experiência indagadora durante a processualidade investigativa,
quer dizer, uma experiência que cria seu próprio modo de existir e não se configura por
antecipações representacionais, mas pelo florescimento das relações possíveis e estabelecidas
em lugares nunca antes cultivados.
O território de uma experiência determinante, e não determinada, acontece por uma
abertura para o por vir. E se, ao contrário, a proposta é viver num território de experiência
determinada, o mapa já está dado, não havendo muitas possibilidades de exploração de
novas aprendizagens, de invenção de novos caminhos, ou do que pode advir para além do
lugar de chegada previsível. Por isso o território das experiências determinantes precisa
90
ainda ser cartografado – e são os diferentes pontos de vista que o cartografam enquanto
vivem o fluxo da experiência.
Se dentro dos valores e procedimentos de uma escola
está a coconstrução de processos para a aprendizagem
inventiva, então o educador não estará promovendo
experiências para se relacionar com crianças
respondedoras de suas perguntas ou dos saberes
instituídos. Tampouco dirigirá a cena, encaminhando o
grupo pelo “caminho suave” de uma sequência didática
que artificializa a coconstrução.
Numa situação que se dá no território de experiência determinante, torna-se
imprescindível a participação do educador intervindo para que, juntos – ele e as crianças –,
inventem modos para que a processualidade da aprendizagem inventiva se realize. Mas a
presença do adulto está muito distante daquele que se coloca no mesmo lugar das crianças.
A ideia é interrogar-se sobre que tipo de agenciamentos se estabelecem no encontro entre o
ponto de vista do adulto e o ponto de vista da criança numa mesma experiência, sem que
ninguém abra mão de sua singularidade. É dar espaço para que o ponto de vista do outro
ganhe visibilidade e possibilite estabelecer intercessões, gerando multiplicidades em
conectividades56.
Essa postura de educador requer disposição para lidar com a imprevisibilidade e a
incerteza que podem emergir do próprio movimento relacional, comprometendo-se com a
sua investigação na intenção de realizar uma autoformação, além de contribuir com seus
pares na coconstrução da experiência educativa, que se faz por intercessões e conectividade,
implicada pedagogicamente com a aprendizagem que ultrapassa o sujeito no devir criança e
no devir educador. É a experiência em si: ela, vida. É dar passagem para o movimento
paisagisante dentro do território da educação.
56DELEUZE,2013
“Um devir não é uma correspondência de relações. Mas tampouco é ele uma semelhança, uma imitação e, em última instância, uma identificação (...) O devir não produz outra coisa senão ele próprio. É uma falsa alternativa que nos faz dizer: ou imitamos, ou somos. O que é real é o próprio devir, o bloco devir, e não os termos supostamente fixos pelos quais passaria aquele que devém.”
DeleuzeeGuattari–MilPlatôs4-p.19
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Projeto educativo paisagístico e projetação educativa paisagisante
duas perspectivas no território da educação
Cara Madá
A cada encontro com você me sentia convidado a desencontrar-me. E esses deliciosos desencontros me provocaram deslocamentos em busca de novos posicionamentos diante da velha e sabida paisagem da educação. Foi nesse jogo de encontros-desencontros-posicionamentos que pude me relacionar com essa mesma paisagem desde outros pontos de vista, por um olhar que se constitui pelas tramas de valores conhecidos e, ao mesmo tempo, por tantas outras que surgem diante de novos e possíveis movimentos do pensamento. A questão é que, com esse olhar, criou-se em mim uma imagem de precisão difusa da paisagem educativa, reunindo diferentes concepções que compõem plasticamente um quadro de singularidades... Trecho da carta que escrevi em 2013, ao término de uma série de encontros organizada porMadalena Freire para umgrupodeeducadores.
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Ao deixar-me deslocar pelo movimento de novos
pensamentos que constelam o universo da educação, sei
que nunca parto de um lugar qualquer, mas sempre de
um lugar do qual me ocupo e o qual me ocupa. Quando
me proponho cartografar essa pré-ocupação e o modo
em que se circunscreve a situação em que me encontro, o
itinerário do deslocamento do pensamento passa a ser
construído e ganha sentido à medida em que cada
“passo” é dado. É preciso estar atento aos traçados que
surgem e às indicações de rumos a serem percorridos
durante o processo de deslocamento, procedimentos da
pedagogia da escuta.
O meu desejo por esses deslocamentos e sua
cartografia não está em me tornar um desbravador de
caminhos, a nos levar para terras que ainda nem foram
descobertas em território educacional. Tampouco quero
me colocar na missão de ser o revelador de algum
segredo, ou do portal que pronuncie o que ainda se faz
inédito em educação. Seria possível dizer que a
prometida “Shangri-La” existe, mas o acesso a ela nunca
nos é revelado?
O que movimenta atualmente minhas investigações
cartográficas é o desejo de continuar, seja qual for o
ponto de partida, a composição de uma transdisciplinar
paisagem educativa, que se pauta por uma ética-estética
de precisão difusa – onde tudo se inicia no tempo
impreciso da aprendizagem, mas que me faz perceber
sua duração em encontros como os que se deram com
Madalena Freire.
A expressão precisão difusa da paisagem educativa foi o modo que encontrei para dar
sentido à cartografia das minhas experiências. O termo precisão quer dizer que sempre
houve um rigor que orientava e ainda orienta as escolhas que faço. Há um ethos estabelecido
“O fazer estético, entendido e experienciado como um filtro para interpretar o mundo, uma atitude ética, um modo de pensar que requer cuidado, graça, atenção, sutileza e humor, uma abordagem mental que vai para além da simples aparência das coisas para destacar aspectos e qualidades inesperados (...) é um sistema de valores e a poética é um projeto de valores (...) onde a criatividade e o rigor caminham juntos.”
Vea Vecchi - Arte y Criatividade enReggioEmilia–p65
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que “conecta” os dizeres pronunciados por teóricos que fortalecem o movimento do meu
pensamento e as práticas de minha atuação profissional que dão corpo às experiências. E
difusão, como aquilo que ocorre entre solução e solvente, a dispersão e o espalhamento, o
desmanchamento e o sfumatto de traços que impedem a produção da diferença.
A virtualidade da memória em constante atualização é um movimento constituinte de
minha trajetória educativa, porque o que se atualiza é aquilo que perpassa entre pontos de
referências teóricos, lembranças de criança aprendiz e impressões de um fazer artístico. É
essa passagem que se dá nos encontros/confrontos entre distintas experiências que
verdadeiramente me compõe e compõe a paisagem na qual insisto em habitar.
Por isso, o que me é de interesse cartografar são essas
atualizações-passagens que se inscrevem no caminhar de
minhas experiências. Não é, de modo algum, catalogar as
experiências vividas e transformá-las em referências
determinadas para que delas se extraia os “pontos” que
poderão ser identificados como assertivos ou equivocados
para prescrever uma “boa” ação formativa. Escolher traçar
uma trajetória que não se faça por meio de linhas-pontes
homogeneizadoras das experiências vividas é se permitir
traçar linhas-derivantes enquanto se vive a experiência.
Não estamos mais falando do sujeito da experiência, mas
da experiência em si em seu potencial de operar com
vetores de campo ampliado na produção dos afetos.
Nesse processo a precisão opera de forma difusa justamente porque produz uma
composição a partir do entrecruzamento de experiências teóricas e práticas elaboradas por
linhas de devir, por linhas de fuga que surgem na errância de um singular ato de desenhar
cartograficamente, porque o desenho cartográfico não é um traçado para servir de
cumprimento a uma tarefa, mas para fazer do ato de desenhar uma trajetória em si.
Trata-se de traçar um desenho cartográfico elaborado por um tipo de linha que “não se
define nem por pontos que ela liga e nem por pontos que a compõem: ao contrário, ela passa
entre os pontos, ela só cresce pelo meio, e corre em direção perpendicular aos pontos que
distinguimos primeiro, transversal à relação localizável entre pontos contíguos ou
“Produzir arte hoje é operar com vetores de um campo ampliado. Um campo que se abre ao entrecruzamento das diversas áreas do conhecimento, num panorama transdisciplinar, sem prejuízo de sua autonomia e especificidade enquanto prática de visibilidade. A cultura como paisagem não natural configura o território onde se move o artista: sua ação transforma-se em intervenção precisa ao mobilizar instabilidades no campo cultural (regiões que permitem problematizações, conflitos, paradoxos), por meio de uma inteligência plástica que torna visível uma rede de relações entre múltiplos pontos de oposições, onde trabalho de arte é um dispositivo de processamento simultâneo e ininterrupto, e nunca uma representação destas relações.”
BASBAUM,2013-P.27
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distantes”57. O que se mescla das experiências que vivo é o que possa haver entre os pontos
de partida de um fazer artístico, de teorizações sobre a infância e de experiências em práticas
educativas. Parece-me que, desse modo, estou em direção ao exercício de uma prática
defendida por Paulo Freire: a do educador aventureiro responsável, predispondo-me às
mudanças e à aceitação daquilo que possa emergir da transdisciplinaridade.
Minha hipótese é que isso envolve a intensidade da minha implicação na pesquisa
qualitativa, “que compreende tanto o envolvente quanto o envolvido, a profundidade e a
distância. Quando uma intensidade envolvente exprime claramente tais relações diferenciais
(precisão/difusão) e tais pontos notáveis (aqueles que saltam ao olhar deslocado), ela não deixa de
exprimir confusamente todas as outras relações, todas as variações e seus pontos”58.
Uma das inspirações-traços que trago de Reggio Emilia para riscar minha cartografia é
que ao se defender a educação como direito da criança, por exemplo, pressupõe-se que essa
defesa esteja baseada em princípios que, por sua vez, dão visibilidade aos valores de
infância, de comunidade, de sociedade e de cultura. Então, antes mesmo de falar em direito,
vejo a importância de trazer para o debate “qual seria a imagem de criança que se projeta” e
de que modo essa imagem determina os valores em relação ao ensino e à aprendizagem de
meninos e meninas.
Se a criança é considerada como um ser unívoco, uma identidade de sujeito, uma criança
molar, ou então considerada por sua singularidade e potência auto-organizativa, portanto
uma criança molecular, isso indica que há distintos caminhos para as práticas educativas
serem exercidas. Mas independente disso, toda instituição escolar defende os direitos à
educação da criança, o que poderá diferenciá-las são seus pontos de vista ou jogo de forças
que fundamenta uma ética e uma estética institucional representadas pelas expressões
territorializantes e funções territorializadas.
Para um projeto que procura pensar como se constituem as expectativas sociais para a
educação e debatê-las publicamente sob a luz dos valores implicados à infância e à
contemporaneidade, não caberia estipular a priori um consenso a fim de eliminar
divergências que poderiam surgir entre pontos de vista sobre concepções de ensino formal e
aprendizagem informal, família e escola, direitos e deveres, público e privado etc. Explicitar
expectativas de uma comunidade é também um modo de explicitá-la em sua subjetividade.
“É a desterritorialização que faz “manterem-se” juntos os componentes moleculares. Opõe-se desse ponto de vista um bloco de infância, ou um devir-criança, à lembrança de infância: ‘uma criança molecular é produzida... ‘uma’ criança coexiste conosco, numa zona de vizinhança ou num bloco de devir, numa linha de desterritorialização que nos arrasta a ambos – contrariamente à criança que fomos, da qual nos lembramos ou que fantasmamos, a criança molar da qual o adulto é o futuro.”
MilPlatôs.vol.4,p.97
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criar possibilidades de renovação. Nas palavras de Carla Rinaldi, “essa ‘atitude de
investigação’ é a única abordagem ético-existencial factível numa realidade cultural, social e
política como a nossa, sujeita a mudanças, colapsos e formações híbridas de raças e culturas,
que são positivas e potencialmente arriscadas. É o valor da pesquisa, mas também a busca de
valores”61.
Gosto de pensar em projetos pedagógicos como se fossem paisagísticos. Digo isso porque
parto do pressuposto de que não há nada de natural no processo do fazer educação. Os
programas educativos, dos mais alternativos aos mais conservadores, não estão isentos de
suas inserções nos contextos sociais e culturais. Esses programas são pensados e organizados
para que uma possível escola configure sua identidade de educação formal no agenciamento
espaço-tempo para o ensino e para a aprendizagem de sujeitos.
O território para que tal agenciamento ocorra não se reduz a uma ou outra demarcação
espacial e nem ao usufruto de equipamentos específicos que garantam o melhor ou mais
adequado “funcionamento” de uma escola. A constituição da artificialidade territoralizante
do projeto educativo, quer dizer, do projeto de dupla articulação, como dito antes, pautado
no que se diz – expressão de um dizer pedagógico – e no que se faz – conteúdo de um fazer
procedimental técnico – está entrelaçado por um conjunto de valores que estruturam uma
determinada concepção de educação. Esses valores estão presentes desde a prospecção,
concretização e manutenção de tal projeto, e por esse motivo necessita de artifícios
planejados para criarem uma situação educativa cotidiana. Portanto, projeto tem a ver com
funções territorializadas, por ser arborescente e molar e dizer respeito ao educador e à escola
que têm por plano de ação educar o aluno no cumprimento de tarefa funcional.
Uma paisagem educativa não se constitui naturalmente. Cada paisagem,
independentemente do território em que se encontra, possui sua volumetria, que possibilita
organizar as horizontalidades, as verticalidades, os fluxos e, consequentemente, formar um
espaço-ambiente a ser ocupado por determinados sujeitos ou indivíduos determinantes.
Um possível projeto paisagístico educacional poderá se alicerçar em valores regidos pela
essência62, num movimento reterritorializado que busca o equilíbrio na função de reproduzir-
se no instituído; e uma projetação paisagisante parte de valores regidos pela construção de
um campo de imanência63, movimento desterritorializante em busca de uma expressão para
produzir diferença. A partir dessas distintas regências, também são estabelecidos distintos
parâmetros para que se decida o que deverá compor a identidade de educação formal.
Os projetos educativos pautados em valores advindos
da crença moral divergem daqueles que se originam a
partir da confiança ética, e ambos são determinantes para
que a paisagem educativa se estruture como projeção
paisagística ou como projetação paisagisante, por
definirem distintos conteúdos (intencionalidades para o
ensino e aprendizagem) e formas (práticas metodológicas)
que poderão se dar por uma ordem hierárquica ou por uma atitude que instaura processos
para produção da diferença.
Ao conhecer algumas escolas no Brasil que, por um
esforço espetacular, anunciam o movimento em direção à
realização de uma diferenciação pedagógica, deparei-me
com o fato de que muitas delas se perdem no caminho ao
buscarem “o” modelo de diferenciação sem se autorizarem
a produzir diferença. Quer dizer, são escolas ou sistemas
que nada alteram suas bases estruturantes de pensamento,
que não efetivam uma ação analítica e crítica de suas
produções para se colocarem à altura de um agenciamento
maquínico de desejo no alcance de mudança. Uma força
acaba por ser exercida, a mesma força que extinguiu
aquele projeto criado para o município de Minas Gerais,
para inviabilizar o processo de ressignificação do conjunto
de valores que fundamenta as comunidades de
aprendizagem instituídas.
Dentro desse panorama, não há garantia alguma de
constituir outras formas de educar se a força de um projeto educativo estiver sustentada em
valores essenciais que operam por mecanismos da organização dentro de um sistema
regulador, com expectativas específicas de ensino e aprendizagem, no esforço de alcançar
resultados que garantam um ambiente harmonioso, segundo uma estética da 63 Contrapondo-seà“essência”encontra-seomovimentoquedesejaaconstruçãodeum“campodeimanência”.Essemovimentoédinamizadopelaconfiança-éticaeseconectacomoindeterminadoqueemergedofora,dadivergência
O problema da qualidade pode ser entendido em termos da localização do “discurso da qualidade” no projeto da modernidade, e que a pós-modernidade sugere maneiras alternativas de se entender e avaliar o trabalho pedagógico que acomoda a diversidade e as perspectivas múltiplas em um “discurso de construção de significado”.
DAHLBERG,Gunilla;MOSS,Peter;PENCE,Alan.2003.p.60
A crítica não avalia o presente a partir do horizonte da terra prometida. É, antes, uma atitude, uma ex-posição ao presente, que implica tanto a suspensão do julgamento como um embarcar fisicamente em algo que possa nos des-atar, e também possa nos liberar no sentido de permitir-nos outras experiências.
MASSCHELEIN,Jan;SIMONS,Maarten,2014,p.46
As sociedades disciplinares têm dois polos: a assinatura que indica o indivíduo, e o número de matrícula que indica sua posição numa massa. É que as disciplinas nunca viram incompatibilidade entre os dois, e é ao mesmo tempo que o poder é massificante e individuante, isto é, constitui num corpo único aqueles sobre os quais se exerce, e molda a individualidade de cada membro do corpo.
DELEUZE,Gilles–Conversações.p.226
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homogeneização regida pelo binômio poder-disciplina, tema tão bem explorado por
Foucault.
Dá-se, assim, uma paisagem de superfície acrílica com
cores chapadas, onde nada adere e nada se conecta, a não ser
ela nela mesma, onde objetos e pessoas são representações e
representam-se nessa geografia asséptica que substitui o real
para dar lugar à artificialidade da vida. Um terreno infértil,
aplainado e com calçamentos que definem uma constância
rítmica e balizadora para o caminhar, livrando-nos de
qualquer acidente, desvios ou deslizes – um exemplo dessa
insípida paisagem é a clássica ilustração de capa criada nos
anos 1970 para a cartilha Caminho Suave.
A pre-ocupação do projeto educativo paisagístico é erigir-se como reterritorialização
equilibrante que interrompe quaisquer forças e funções desestratificadas que poderiam
gerar uma territorialidade ainda por vir. Quer dizer, há necessidade de reafirmar-se numa
desterritorialização negativa que se dá pela reprodutibilidade do mesmo regime de signos,
ainda que possa ocorrer de forma “diferenciada” e “criativa”.
Os projetos da educação paisagística convocam como partícipe “o professor-profeta” que
“é o legislador, que enxerga um mundo novo e constrói leis, planos e diretrizes, para fazê-lo
acontecer.”64. Em contraponto, as projetações paisagisantes acolhem “o professor militante”
que está “na sua sala, agindo nas microrrelações cotidianas, construindo um mundo dentro
do mundo, cavando trincheiras de desejo.”65
64 GALLO,2008,p.6565 idem
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"Um pobre e oprimido coração de estudante confessou-se comigo. Algo
impelia-o para junto da janela, longe de seus cadernos, longe de sua pena
mergulhada no tinteiro. Seus olhos queriam sair para passear lá fora,
atravessar a vidraça, contra a qual batia levemente a testa. Crianças
felizes brincando lá embaixo. A risada feliz de Irene, aquela garotinha
adorável. Felizes olhos dele por a estarem seguindo. Feliz o seu pobre
coração de estudante, pobre coração oprimido.
Mas as árvores, invejosas, ocultam o único prazer que seus olhos têm
sobre a Terra. Por quanto tempo ainda manterão Irene prisioneira? O
tempo escoa no tique-taque do relógio, e a pena já está bem molhada de
tinta."
Paul Klee
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Renovação de votos de obediência e responsabilidades para o sucesso
ou comprometimento com a cartografia paisagisante
Muitas instituições de ensino público e privado
investem na terceirização da formação de seus educadores
em busca de solucionar os problemas em seu sistema
regulador. Então, busca-se “especialistas” que prometem a
“melhor” formação dos sujeitos para torná-los mais
capazes e mais competentes de aprimorar a paisagem
instituída. Geralmente, para atender essa demanda, são
criadas projeções paisagísticas do tipo “Caminho Suave”–
como aqueles da OSCIP que comentei anteriormente –, que
muitas vezes se dão através de iniciativas do setor
empresarial em parceria com as políticas públicas.
Essas parcerias se mostram extremamente bem
intencionadas ao desejarem contribuir para o “aumento”
da qualidade da educação em nosso país, idealizando e
implantando sistemas educacionais nas dimensões
formais, substanciais, conteudísticas e expressivas em
âmbito nacional para suprir as demandas de uma
escolarização deficitária das “minorias”(diagnóstico feito
por uma medida avaliativa mercadológica).
Como negar o poder benevolente dessa iniciativa que quer erradicar o déficit de
qualidade educativa em âmbito nacional? Mas, isso tudo tem seu preço, porque o poder
hegemônico passa a assumir o controle da formação de indivíduos para transformá-los em
sujeitos-mão-de-obra, treinando-os para ocuparem seus lugares no mercado. Isso ocorre
graças ao esforço de induzir diversas comunidades a renovarem seus votos de obediência em
nome de se responsabilizarem por um ensino melhor.
Todo esse mecanismo gera um falso problema relacionado à baixa qualidade do ensino,
porque se localiza o problema sob a perspectiva da “subjetividade coletiva territorializada”66
que, ao mesmo tempo em que aponta para uma suposta “falta” na formação dos educadores,
66 GUATTARI,Félix.2012,p.117
“A média brasileira de gastos com treinamentos é de R$ 518 por funcionário. Seria ótimo se os donos de grandes empresas pudessem economizar esse dinheiro, que significa aproximadamente R$ 1,38 milhão anuais por empresa escoando das companhias com mais de 500 funcionários. Já para a Ambev, de Jorge Paulo Lemann — que também está à frente da Fundação Lemann — significaria uma economia de aproximadamente R$ 20 milhões ao ano, afinal são mais de 40 mil empregados. Se, ao menos, no ensino técnico ou médio já fossem ministrados alguns dos treinamentos necessários aos futuros empregados, empresários como Lemann não precisariam gastar tanto com RH.”
estipes, colmos, trepadeiras etc.) folhas, flores e frutos.
Aquilo que resultará dessa composição viva e diversificada, transformadora e
autopoiética, é que vai encontrar a forma de expressão para o seu dizer na própria potência
desse dizer. Isso implica proceder no interesse de inaugurar um processo avaliativo de
transvaloração que identifique quais são os valores irrevogáveis, negociáveis e transitórios 67 idem68 ZOURABICHVILI,François,2016.P.7869 Masschelein e Simons, 2014
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que povoam tal projeto, no sentido de poder ratificar a realidade por um processo de
desterritorialização.
A iniciativa de querer ratificar a realidade envolve escolhas e tomadas de decisões que
ultrapassam a cultura para se pensar com as categorias da vida, elevando o projeto à altura
da experiência humana de modo extrapessoal e extramoral. São tensões que ocorrem entre
direitos e deveres como tensões necessárias para a experiência da comunidade educativa
acontecer.
Não podemos dizer que tais tensões são necessariamente resultantes de um conflito de
interesses (desejos?) entre as instituições família e escola, tampouco entre seus sujeitos. Há
comunidades em que tudo e todos estão unidos e em relação pela comunhão de valores
(sejam morais ou éticos), produzindo modos de viver e subjetivação na experiência de
constituir um certo tipo de coletividade onde todos possam estar à altura daquilo que
acontece. Quer dizer, a comunhão de valores determina se a comunidade será constituída
por projeção paisagística ou por projetação paisagisante.
O que irá diferenciar uma comunidade da outra é que
enquanto a projeção planeja uma determinada paisagem
educativa, a projetação deseja o acontecimento de uma
paisagem educativa. Quer dizer, a projetação é uma ação
educativa paisagisante, molecular e rizomática,
cartográfica por se fazer paisagem enquanto se está em
processo, enquanto se está em aprendizagem no processo, e
“o ponto de partida da avaliação está na diferença sentida
entre maneiras de avaliar (ponto de vista, problemas), de
modo que a crítica decorre de um primeiro ato positivo”70.
Para uma escola que se propõe a produzir diferença, poderíamos pressupor que “ela”
queira problematizar a educação formal e seu sistema na atualidade, colocando em avaliação
os discursos dominantes que regem a sua própria institucionalização e indagando a respeito
da cultura e da sociedade que “espera” reconhecer a escola como lugar da
representatividade qualitativa da formação intelectual humana.
Foi preciso dar muitos giros em minha jornada profissional para encontrar pessoas tão
dispostas e disponíveis a viverem os processos paisagisantes da educação quanto a 70 ZOURABICHVILI,François,2016.P.78
“A ação educativa toma forma através da projetação, da didática, dos ambientes, da participação, da formação do pessoal, e não através da aplicação de programas predefinidos. A projetação é uma estratégia do pensamento e da ação respeitosa e solidária com os processos de aprendizado das crianças e dos adultos, que aceita a dúvida, a incerteza e o erro como recursos e é capaz de modificar-se de acordo com os contextos. É feita através dos processos de observação, da documentação e da interpretação em uma relação recursiva. A projetação é realizada através de uma estreita sinergia entre a organização do trabalho e a pesquisa educativa.”
“... o caminho da pesquisa cartográfica é constituído de passos que se sucedem sem se separar. Como o próprio ato de caminhar, onde um passo segue o outro num movimento contínuo, cada momento da pesquisa traz consigo o anterior e se prolonga nos momentos seguintes. O objeto-processo requer uma pesquisa igualmente processual e a processualidade está presente em todos os momentos – na coleta, na análise, na discussão dos dados e também, como veremos, na escrita dos textos.”
A projetação educativa paisagisante se move a partir da
processualidade do seu acontecer, uma subjetivação a ser
vivida pela “multiplicidade”73 de agenciamentos. Trata-se
de um devir-minoritário de uma micropolítica ativa que se
implica e é implicada em processos participativos em que
todos se constituem na desterritorialização e
reterritorialização educativa. Tudo e todos se agenciam no
acontecimento da paisagem.
“Projetação paisagisante” tem a ver com expressões
territorializantes e diz respeito ao educador, à criança e à
escola constituindo-se mutuamente enquanto território que
emerge dos componentes de seus meios exterior, interior,
intermediário e anexado. Paisagisante se define pela
expressão de um ritmo que se dá pela “passagem
transcodificada de um para outro meio, comunicação de
meios, coordenação de espaços-tempos heterogêneos” 74 .
Portanto, a experiência que se vive atualmente na EIVC
reverbera devir-expressivo da rítmica de suas qualidades
próprias que a faz território, e “as funções que nele se
exercem são produtos da territorialização”75.
Na implementação de um sistema de projetação
paisagisante, não caberia constituir uma comunidade de
aprendizagem inventiva a priori, tampouco ir em busca de
modelos para pré-elaborar futuros planos de ação. É a
própria ética da projetação que, ao exercer sua potência nas
atitudes e nos contextos educativos conhecidos e não
conhecidos, produz diferença. E isso tem a ver com a
postura de um professor que, ao se colocar como sujeito da
73 A “multiplicidade” tem dois objetivos: 1. sublinhar os processos demovimento e de devir, em vez das noções estáticas deessência e de “ser”, já-e-para-sempre constituído; 2. permitir pensar a diversidade e a variedade do mundo sem recorrer às noçõestradicionaisdeunoemúltiplo.Ummundoconstituídodemultiplicidadeséummundoemmovimentocontínuo,ummundodecriações.VeraesterespeitoTomazTadeu(2002).74 DELEUZE,GilleseGUATTARI,Félix.2013,p.12775 DELEUZE,GilleseGUATTARI,Félix.2013,p.127
Beth: (...) Outro pensamento que fiquei da nossa última reunião é que não pode existir moralização na relação educativa. A ética pede a consciência dos valores em jogo nas percepções e a transparência bruta do que está sendo desconstruído e construído. Não tem lugar pra gerúndio no valor. Ou ele é ou não é ... Ou eu vejo ou não vejo... É preciso ter coragem para escutar os gerúndios moralizantes!
José: Sim, concordo com tudo o que diz, e justamente por estar em consonância com suas palavras, proponho um "desmanchamento das fronteiras gerundianas", fronteiras que nos asseguram dentro das muralhas de uma pedagogia vertical e certeira. Ao ler o que você escreve aqui, me leva diretamente para a imagem da "América Invertida" de Torres García que se compõe perfeitamente com a frase que a Stela Barbieri nos trouxe do Godard - "a cultura é a regra, a arte exceção". Propor uma exceção à regra é querer conhecer a regra como tal e desejar o que dela nos é desconhecido. Por isso, como a arte deseja fazer-se no desconhecido, ela nos mobiliza para a construção de um outro ponto de vista - "um novo olhar” que ultrapasse a percepção do familiar, que não permite apagamento da diferença e nem a amenização do estranhamento, como se desconhecido e incerteza fosse algo a ser urgentemente eliminado para nunca ser vivido.
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experiência em trânsito, acolhe a imprevisibilidade como oportunidade para se criar um
campo de imanência.
Uma dupla de professores de Educação Infantil da
Escola Vera Cruz havia iniciado um trabalho com crianças
de quatro anos, convidando-as a viverem experiências
coparticipativas por diferentes configurações de
agrupamentos (duplas, trios, quartetos; dentro e fora da
sala), para que pudessem experienciar empaticamente
encontros entre desejos, interesses e pontos de vista, num
exercício de alteridade. A intenção era investigar, por parte
dos adultos, as situações que melhor demonstravam ser
uma oportunidade para iniciar um projeto comum.
O que mobilizou os professores nessa investigação era o fato de que as crianças estavam
com dificuldade de se comporem como grupo, o que dificultava aprofundar os vínculos e
estabelecer uma maior interatividade. Havia o desejo dos adultos de colocar as crianças
numa relação que lhes propiciasse “curiosiar” juntas, de maneira a confrontar pontos de
vista para a realização de investigações coletivas.
Depois de várias tentativas, nenhum contexto foi capaz o suficiente de gerar potência
agenciadora. Até que, então, surge na área externa da sala uma calopsita. Lá estava ela,
debatendo-se com suas asas, presa a uma árvore do jardim. E, diante da surpresa de todos, o
professor se aproxima da calopsita e consegue trazê-la para dentro da sala, já que estava no
fim do dia e se tratava de um pássaro de cativeiro. Seria um grande risco deixá-lo ao relento.
Na sala, a ave fez um curto voo e se alojou sobre uma das vigas que sustenta o teto. Com a
chegada dos pais, as crianças os convidavam para ver o inusitado visitante, e todos, adultos e
crianças, começaram a interagir, levantando hipóteses, colocando-se com suas teorias e, aos
poucos, faziam das incertezas que pairavam no ar um campo de consistência promissor. O
que ocorrerá a partir de agora? E amanhã? O que fazer com a presença desse estranho
visitante? Para os professores, as perguntas que surgiam ultrapassavam a condição de busca
para solucionar o problema, elas foram acolhidas como indagações que gerariam uma
significativa e prazerosa investigação coletiva das crianças e dos adultos.
A presença do pássaro possibilitou a criação de um contexto inaugural de pesquisa
coletiva, uma vez que a ave deu passagem ao fluxo da processualidade do convívio. Os
[...] uma vez que as crianças sejam auxiliadas a perceber a si mesmas como autoras ou inventoras, uma vez que sejam ajudadas a descobrir o prazer da investigação, sua motivação e interesse explodem. Elas começam a esperar discrepâncias e surpresas. Como educadores, precisamos reconhecer sua tensão, em parte porque, com um mínimo de introspecção, descobrimos o mesmo dentro de nós mesmos (a menos que o apelo vital da novidade e da curiosidade tenha diminuído ou morrido).
alguma, se isenta de planejar suas ações, de trazer suas
contribuições para o grupo e se corresponsabilizar, como
sugere Freire, aventureiramente por aquilo que possa
emergir das experiências coletivas e individuais. Ou seja,
praticar esse tipo de pedagogia requer um professor
circunscrito por intencionalidades educativas e em
constante processo avaliativo, como supostamente se espera em qualquer prática
pedagógica. A diferença se dá pela presença de um professor investigador, que abre mão da
posição de detentor do saber, de ensinador, tal qual o pensamento de Jacotot mencionado
anteriormente: um professor que não se deixa guiar por uma ordenação explicadora.
Todo esse cuidado do professor não deixa que a experiência seja carregada pelos fluxos
da normatividade escolar, porque ele não separa objeto de conhecimento do sujeito e
desenha a rede de forças à qual o objeto, sujeito ou fenômeno em questão se encontram
conectados sem que se perca o caráter de heterogeneidade; uma prática que se aprende em
seu fazer e que não pode ser planejada, mas intencionada.
Esse é um modo de resistência que propicia a cocriação do campo de imanência para as
aprendizagens inventivas a partir das relações que se estabelecem entre adultos, entre
crianças, entre adultos e crianças, e entre todos com a cognição e a emoção, já que a
“cognição passa a ser entendida como uma prática e não como uma representação. Como
prática, seu trabalho é o de pôr em relação elementos heterogêneos”82. Em outras palavras,
ao considerarmos que o conhecimento se faz em situação relacional, ele resulta numa
experiência comum, mas é ao mesmo tempo singular e nunca igual, por ser de uma prática
socialmente construída.
Eis aqui uma medida importante que dá sentido à avaliação das práticas educativas de
um projeto de projetação paisagisante: garantir a construção do campo de imanência. Porém,
se a avaliação de tais práticas estiver sob o crivo de um juízo de valor, corre-se o risco de
qualificar a imanência no projeto não por sua potência criadora, mas, muito provavelmente,
pela representação de um estado de permanência laissez-faire, que se perde no caótico
espontaneísmo justamente por se tratar de uma educação que não se pré-configura e não
determina previamente os objetivos que se pretende alcançar.
82 KASTRUP,2007
Também no âmbito de uma educação menor corremos o risco de reterritorialização, de reconstrução da educação maior.(...) A permanência do potencial de uma educação menor, a manutenção de seu caráter minoritário, está relacionada com sua capacidade de não se render aos mecanismos de controle; é necessário, uma vez mais, resistir.
Gallo,p.70
115
Quando ainda era assessor de arte na Escola Viva, em São Paulo, organizei um encontro
com os professores para juntos avaliarmos o percurso que construímos e trilhamos durante o
ano de 2015. Um dos professores disse sentir falta de indicações de textos teóricos. Segundo
seu argumento, se eu tivesse essa iniciativa o ajudaria a validar conceitualmente o
planejamento de aula antes mesmo de colocá-lo em prática. Imediatamente, um outro
professor se opôs à solicitação do colega, dizendo: “Para mim se dá o contrário, foi
justamente por não ter referências teóricas a priori que tive de fazer a leitura teórica e
conceitual da minha prática durante todo o percurso. Isso me instigou a investigar dentro e
fora do meu saber, isso me deslocou, e quero sempre brincar desse tal ir e vir. Agora me
sinto instigado a ler os teóricos, aqueles que já conheço e os que ainda não conheço, porque
sei que vou lê-los desde a minha experiência....”
A partir da expressão dos dois pontos de vista, uma discussão-confronto sobre
singularidade dos processos tomou grande parte da nossa avaliação, o que me levou a
entender as escolhas que faço para desenhar o meu percurso de formador. Foi nele que se fez
clara a minha intencionalidade formativa. Os dois educadores, ao dialogarem com o coletivo
a partir do confronto de suas distintas experiências, trouxeram questões relevantes e que
movimentaram as subjetividades singulares e a de grupo. O mais importante do que acabo
de relatar é que isso só pôde acontecer por estarmos juntos criando uma experiência
inovadora, plural e singular ao mesmo tempo. Mais uma vez, o que me interessa é o que
estava por emergir.
Talvez a interpretação de que a projetação paisagisante possa significar descompromisso
com a objetividade ocorra pela ignorância de que “as qualidades expressivas são auto-
objetivas, isto é, encontram uma objetividade no território que elas traçam”83. Então, avaliar
as qualidades expressivas de uma comunidade educativa paisagisante envolve analisar a
sucessão de repetições que faz a rotina escolar acontecer na dupla articulação pedagógica, na
expressão e função, no ensino e aprendizagem. É a partir dessa análise avaliativa que o
projeto político-pedagógico (PPP) e o método exercido são atualizados. Com isso, a escola
inevitavelmente se repete e se faz na repetição “em busca de um centro estável no caos”84,
mas talvez seja preciso entender o quanto essa busca por estabilidade é mantenedora ou
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