Altamira-Pará-Xingu 2015
Altamira-Pará-Xingu
2015
Créditos
Projeto Mulheres da Terra, Águas, Florestas em busca da Sustentabilidade
Movimento de Mulheres Regional da Transamazônica e Xingu
Coletivo de Mulheres
Concepção metodológica e texto
Francilene Parente
Eneida de Melo
Socorro Damaseno
Participação no texto
Antônia Melo
Ignez Wenzel
Mônica Brito
Ilustração e Fotos
Socorro Damaseno
Revisão
Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Parceria
Fundação Tocaia
Faculdade de Etnodiversidade/Universidade Federal do Pará
Apoio Fundação Mama Cash
Apresentação
Mulheres em Luta é uma cartilha que apresenta uma diversidade de
mulheres e suas histórias vividas no Xingu, área impactada pelo
projeto hidrelétrico de Belo Monte, estado do Pará. São mulheres
que estão muito presentes nas lutas de casa e da rua. Agricultoras,
extrativistas, quilombolas, indígenas, pescadoras, educadoras,
artistas, comerciantes, consultoras, autônomas, donas de casa,
ativistas. Aquelas que habitam esse território desde seus ancestrais e
aquelas que migraram para a região ao longo dos diferentes ciclos
econômicos em busca de uma vida melhor. Elas denunciam o abuso
de uma obra que vem mudando para sempre a vida dos povos
indígenas, comunidades tradicionais e, por consequência, de toda a
vida socioambiental. Que vem mudando nossas vidas.
Escrito por várias mãos, o texto reforça a fala dos diferentes coletivos
de sujeitos históricos ou dos diferentes sujeitos e coletivos de direito
sobre seus descontentamentos e faz denúncias de situações de
violência e desrespeito com as pessoas que vivem no Xingu.
Como contraponto esse coletivo de mulheres fala dos seus feitos,
apresenta propostas, sensibiliza, forma e vem levando sua vida com
muita força, graça e garra, como já diz Catirina, no espetáculo Boi-de-
Pau-Meu-Mamulengo1, porque é preciso continuar, por isso não
podemos calar; devemos resistir cotidianamente!
Vida longa às águas!!! Vida longa às mulheres!!! Vida longa ao
Xingu!!!
1 Espetáculo de mamulengo recontando a história do boi num contexto de
sustentabilidade escrito por Socorro Damaseno
Daqui não saio
Daqui ninguém me tira
Onde é que eu vou morar
Laranjeira ou Jatobá
Saúde e educação
ainda não tem pra lá
coletivo muito caro
não temos como pagar
as casas já tão rachadas
logo, logo cairão
e o milhão dessa barragem
na cueca do ladrão.
(paródia que denuncia o descaso do governo com mais de 10 mil
famílias que ficaram sem moradia na cidade de Altamira em
decorrência da construção da hidrelétrica de Belo Monte...)
Refrão
Histórico
O Xingu tem sua história marcada como alvo dos interesses econômicos privados e estatais pelo menos desde o século XVI, segundo os registros escritos feitos pelos viajantes que estiveram na região. Pintada enquanto “eldorado”, há muito chegam pessoas e famílias inteiras em busca de melhoria de vida. De um lado estão os que vêm com o objetivo de crescer com a região e de outro os que intentam única e exclusivamente a exploração de seus recursos naturais e biológicos, o enriquecimento e progresso pessoal e familiar.
Depois de vários grandes empreendimentos, como a exploração dos recursos da flora e fauna e minérios, realizada desde o século XVI; a abertura e asfaltamento da Rodovia Transamazônica (BR 230), desde os anos 70; a UHE Belo Monte e Belo Sun, a partir de 2010, a ideia do progresso ainda é uma constante para a população que vive à margem de políticas públicas básicas, como saúde, educação, saneamento e segurança.
O que talvez não tenha ficado muito evidente para o Estado brasileiro ao longo desse tempo é que o progresso almejado pelos povos e comunidades do Xingu não se traduz em dados econômicos, mas na concepção local de que para desenvolver é preciso respeitar os modos (tradicionais) de vida e garantir a participação desses sujeitos no processo de construção do desenvolvimento local, que tenha a “cara” do povo do Xingu.
“Eu sou Mônica, maranhense, mas paraense do Xingu de alma e luta. Sou
professora da escola pública, militante do movimento sindical - SINTEPP e
popular – ambientalista do Xingu Vivo.
Nossas lutas nos setoriais e coletivos de mulheres da classe trabalhadora e
negra são cheias de bravura e ternura no combate à violência e a
discriminação racial. Sempre presente, nós mulheres do Xingu, acreditamos
na organização e fraternidade entre todas e todos”.
“Eu sou Antônia, sou ribeirinha, meus pais e meu marido também. Nunca saí daqui pra canto
nenhum. Sou papa-chibé. Minha família é de mariscadores, pescadores. Nós vivemos do que o
rio nos dá. E olha que tem muita fartura nesse Xingu... quer dizer, agora a realidade é outra”.
“Eu sou gaúcha. Em 1970 cheguei menina
na Altamira da “terra sem homens para
homens sem terra”. Casei com um
nordestino e tivemos 6 filhos. Gosto desse
lugar e nele quero ficar até o fim dos meus
dias. Só que falta tanto pra melhorar. Agora
sem minha rocinha tive que trabalhar fora
pra aumentar a renda familiar, pois o custo
de vida na cidade está muito alto”.
“Sou Maria, mulher negra, nasci na Bahia e vim nos anos 80. Aqui
tivemos muitas dificuldades, falta de tudo. No começo sofri muito,
depois acostumei. Acreditava que depois de tantas lutas, coisas
boas viessem para o nossa região. Belo Monte veio pra passar por
cima de todas as comunidades sem dó nem piedade. Se eu pudesse
ia embora”.
“Como irmã franciscana, olho com dor tanta
destruição pelas ruas e bairros de Altamira.
Vejo muitas pessoas sofridas, inseguras,
massacradas pela violência do projeto Belo
Monte.
Mas trago em meu coração a força e a
coragem que o Xingu Vivo transmite não
por palavras, mas pela força da ação
corajosa e destemida, reconstruindo a
esperança, lutando para que o povo seja
respeitado em seus direitos”.
“Meu nome é Aparecida, mas o povo me
chama Cidinha.
Meu marido diz que esse nome é perfeito
para mim, porque eu adoro me mostrar,
aparecer. Eu faço parte de um coletivo de
mulheres que luta por saúde, justiça,
sustentabilidade”.
“Participo de reuniões, entrevistas, manifestações, convido as mulheres do bairro onde
moro, faço cartazes, e cantando saímos nas ruas para lutar por direitos negados,
denunciar o abuso de poder, a corrupção, a violência que estamos vivendo no Xingu”.
“Lutamos por saúde, educação, moradia,
qualidade de vida. Precisamos garantir
nossa dignidade numa terra abençoada por
Deus e devastada pela ignorância de
políticos e empresários corruptos e
ecoanalfabetos treinados para enganar o
povo”.
“Somos resistentes mesmo com todas as mazelas.
Precisamos garantir nossos direitos. Direito ao
território saudável”.
Além de vivermos no mesmo lugar e sofrermos todos os impactos da instalação e
operação da UHE Belo Monte, como algo em comum entre nós, queremos dividir
com vocês outro problema que vem nos unindo.
Fomos despejados de nossos lugares de vida. As paisagens urbanas e
rurais foram transformadas. É uma situação-limite!
Muitos dos coletivos estão tentando reconstruir suas relações de
pertença e identidades em outros espaços. Essa mudança brusca nos
adoeceu emocional, psíquica e fisicamente. Estamos sofrendo
profundamente! Depressão, problemas de hipertensão e pânico são
agora “comuns” nas pessoas de nossas comunidades, que estão
dispersas em reassentamentos urbanos e rurais, morando de favor
com outros parentes ou vivendo isolados em áreas longe das áreas do
rio e de seus modos de vida.
O Xingu é a nossa morada e é para ela que queremos voltar, com a
segurança e a sustentabilidade que sempre nos ofereceu e
conservamos de forma tradicional!
Como se não bastasse tanta violência, tudo que é necessário para
nossa permanência e continuidades nos é negado!!! As
Condicionantes prometidas para reduzir tantos impactos não foram
cumpridas.
Situação limite
Por situação limite
compreende-se o
momento em que,
por conta de
alguma coisa
situação
irreversível, limite,
o(s) sujeito(s)
precisa(m)
recompor suas
vidas e
identidades para
continuar a viver,
seja por conta de
doenças, como o
HIV/Aids e outras,
sejam tragédias
provocadas por
construções de
grandes
empreendimentos,
como a UHE Belo
Monte.
Resultado do processo de negação da nossa
identidade e do desrespeito daqueles que chegam,
com os moradores do lugar, principalmente com as
mulheres.
Belo Monte matou nosso rio Xingu, a Volta
Grande do rio morreu ... Suas curvas, seu
brilho, sua cor, sua alegria ... Um dos mais
importantes patrimônios histórico-cultural-
natural da Bacia Amazônica, do Pará e do
Brasil.
Belo Monte tomou conta da nossa cidade, derrubou nossas casas,
sujou nossas ruas, trouxe a discórdia e a violência das grandes
cidades, os sentimentos de competitividade e intolerância do
capital. Destruiu nossas florestas e ilhas, matou animais, plantas e
pessoas. Destruiu muito da nossa diversidade.
Dissolveu importantes relações de amizade
entre os grupos e comunidades do lugar.
Dividiu opiniões, mudou o curso do rio e da
nossa história.
”Nós, POVOS INDÍGENAS DO XINGU, fomos ENGANADOS por BELO MONTE! PROMETERAM
MELHORIAS para nossa vida e RECONHECIMENTO DA DIFERENÇA ÉTNICA frente a uma
história construída pelos não-indígenas, mas o que tivemos foi O AUMENTO de
ENFRENTAMENTOS E CONFLITOS intra e interétnicos, o que trouxe uma série de PREJUÍZOS
PARA NOSSOS POVOS, como a TRIPLICAÇÃO do número de ALDEIAS E ASSOCIAÇÕES
políticas, casos de ALCOOLISMO, USO DE DROGAS e VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SEXUAL contra
nós, mulheres indígenas, e AUMENTO considerável de IDAS E PERMANÊNCIAS NA CIDADE
PARA A GARANTIA DE DIREITOS. Consequentemente, AUMENTOU a nossa
VULNERABILIZAÇÃO AOS DIFERENTES IMPACTOS decorrentes da instalação e operação de
Belo Monte.
Mas tudo isso poderia não ter ocorrido se nós tivéssemos tido acesso à informação e
participado, sido consultados como recomenda a Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT/89), para a implantação de Belo Monte!”
Falas Indígenas extraídas das reuniões do projeto Mulheres da Terra, Águas, Florestas em busca da Sustentabilidade
Por isso questionamos, a que tipo de progresso seus
feitores se referem? E esse progresso beneficia(rá) a
quem?
Sentimo-nos roubadas, violentadas, agredidas
moralmente.
Não temos nada a agradecer à Norte Energia.
As mudanças são OBRIGAÇÃO, ainda assim estão
fazendo mal feito, pela metade, sem considerar a
experiência dos que vivem no lugar.
Queremos vida digna e respeito!
Assim compartilhamos nossas realidades.
Como forma de DENÚNCIA e de ANÚNCIO do quão somos
capazes de continuar a luta por uma comunidade saudável e
sustentável apesar dos tempos difíceis.
Nessa ressignificação do nosso percurso novas conquistas
virão nas questões que afetam nossos direitos enquanto
mulheres, o de nossas famílias e comunidades do Xingu.
E mostramos isso dia após dia nas batalhas
travadas durante as audiências com o
acompanhamento dos defensores públicos, sendo a
participação destes também uma conquista nossa.
Durante os encontros de intercâmbio e formação
para a sustentabilidade da terra, águas e florestas
Do mesmo modo que vimos falando de outra forma de economia como proposta de uma relação
social mais justa e solidária
Continuamos pulsando ...
Porque somos um coletivo de
mulheres em rede da
Transamazônica e Xingu que se
fortalece nesse novo tempo ...
RESISTINDO COTIDIANAMENTE
James Scott (2011) pensa o processo de resistência para além das sublevações, revoltas ou fisicamente estabelecidas em luta, embora também as inclua, mas, acima de tudo, da variedade de estratégias cultural e socialmente constituídas no cotidiano da vida e da luta, que persiste na “. lembrança de resistência e coragem que pode ficar guardada para o futuro. (2011: 218)
Ontem e hoje, uma batalha paraOntem e hoje, uma batalha paraOntem e hoje, uma batalha paraOntem e hoje, uma batalha para sempre!sempre!sempre!sempre!
Sou Antônia Melo- piauiense de nascimento apenas, mas com
muito orgulho Altamirense, Xinguara, Amazonida Paraense e
brasileira. Moro nesta querida terra no Rio Xingu há 61 anos!
Trilhei esta importante caminhada desde a infância na roça com
meu pai, mãe e 13 irmãos. Quando criança tinha que andar 16
km para estudar as primeiras letras, e na adolescência, estudei o
primário e magistério na cidade. Trabalhei como professora 3
anos na área rural, casei vim morarar na cidade. Sou mãe de 5
filhos. Continuei trabalhando como professora principalmente com
jovens e adultos moradores das baixadas aplicando o método
Paulo Freire, época que já militava nas Comunidades Eclesiais de
Base-CEBs da Igreja Católica, espaço que me levou ao
compromisso político da luta pela justiça social, engajamento
nas organizações sociais populares, Movimento de Mulheres de
Altamira, Movimento de Mulheres Campo e Cidade do Pará,
Comitê em Defesa da Vida das Crianças Altamirenses, AMB-
Articulação de Mulheres Brasileiras, Movimento pelo
Desenvolvimento na Transamazônica Xingu, FVPP, Grupo de
Trabalho Amazônico, órgãos de Defesa dos Direitos da criança e
adolescente, Conselho Municipal e Conselho Tutelar, SDDH-
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos humanos, todos estes
espaços, como instrumentos de lutas coletivas, a cada dia
enfrentando desafios que se apresentam de todas as formas,
pela saúde e educação, contra a violência doméstica e todas as
formas de violência e impunidade, pela efetivação das políticas
públicas, contra a construção dos complexos de barragens e
violação dos direitos humanos. Em 2008 todas estas frentes de
lutas se juntaram no MXVPS- Movimento Xingu Vivo Para
Sempre em defesa do rio Xingu, motivo pelo qual o governo do
PT reagiu de forma ditatorial impondo a construção de belo
monte, passando por cima da Constituição federal, dos direitos
dos povos indígenas e comunidades tradicionais, de todas as leis
ambientais culminando com este crime socioambiental no Rio
Xingu.
Hoje na condição de estar coordenadora desta entidade, não
perdemos a dignidade, ética e tão pouco a coragem e
compromisso de continuar firmemente a batalha contra este
monstro destruidor que é belo monte, contra este modelo oficial
neodesenvolvimentista violador dos direitos humanos sociais,
culturais, econômicos e ambientais, que promovem o genocídio,
etnocídio dos povos indígenas e o ecocídio da Mãe Natureza!
Alegro-me de fazer parte do MXVPS além-fronteiras, desta
grande corrente de milhares de milhares de mãos, braços, pernas
pés, cabeças, corações gritos e ações na caminhada de uma luta
planetária contra projetos dos governos e corporações capitalistas
insanos e pela socialização de modelos de projetos que a
população acredita que pode dar certo para promover a vida, o
cuidado com a agua, dignidade, a justiça, a efetivação dos
direitos humanos, responsabilidade com um ambiente saudável
para as presentes e futuras gerações do Planeta.
Comunidades
Comunidades São Francisco de Buiuçu, Sagrado Coração de Jesus e Vila São João
Porto de Moz-Xingu-Pará-Brasil
Comunidades de Agricultoras Familiares
do PDS Esperança Dorothy Stang de Anapu
Comunidades urbanas de Vitória do Xingu e Souzel
Comunidades urbanas e ribeirinhas de Altamira
Para saber mais
Scott, James C. 2011. Exploração normal, resistência normal. Revista Brasileira de Ciência Política (5): 217-243. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522011000100009>. Acesso em 03 jan. 2015.