UNIVERSIDADE DE MARÍLIA ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL MARÍLIA 2012
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA
CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL
MARÍLIA
2012
ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA
CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da Prof.(a) Dr.(a) Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
MARÍLIA
2012
OLIVEIRA, Alessandra Celestino de,
Cartão de Crédito e a Responsabilidade Civil Contratual -- Marília: UNIMAR, 2012.
126 f. Dissertação – Mestrado em Direito
1. Operadoras de Cartões de Crédito 2. Relação
Contratual 3. Responsabilidade Civil Contratual.
CDD-- 342.233
ALESSANDRA CELESTINO DE OLIVEIRA
CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília –
UNIMAR como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da
Prof.(a) Dr.(a) Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
Aprovada em: ____/____/____ __________________________________________________________________
Coordenação do Programa de Mestrado em Direito Considerações_______________________________________________________________
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Dedico este trabalho primeiramente A Deus, pela esperança, graça, sabedoria e misericórdia, estas que se renovam a cada manhã, mesmo em tempos conturbados. A razão de minha vida, o bem mais precioso, meus pais, Antônio José de Oliveira e Neuza Celestino de Oliveira, pelo apoio incondicional nessa exitosa caminhada. À minha filha Gabriela Oliveira Guidoni, que utilizará nos anos vindouros a força da tecnologia e a agilidade dos meios de pagamento, para que a esta saiba sempre fazer sobrepor os valores morais e culturais. À minha orientadora e amiga, Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, com o amor sobrenatural que por eles sinto, minha eterna gratidão
pelos preceitos de lealdade, honestidade e amor ensinados durante minha trajetória.
À minha Gabi, presente que Deus entregou em minhas mãos, motivo de incentivo que
me impulsionou para que eu pudesse concluir o presente estudo.
Ao Doutor João Tavares de Lima Pai, ser humano incrível, que, no auge de seus 86
anos, é uma pessoa de caráter ilibado, de um coração sincero, bondoso e, acima de tudo, justo.
Ele me ensinou muito, não somente no que se refere ao seu vasto e notório saber jurídico, mas
também relativamente aos ensinamentos sobre a vida.
Aos queridos amigos, turma indissolúvel, que carinhosamente recebeu o nome de
Dragow Cave, pela união, carinho, pelo tempo dedicado aos estudos e aos momentos de
descontração.
Aos amigos Perla, Ailton, Aroldo e sua esposa Gisele, estes que me fizeram acreditar
que ainda existem amigos verdadeiros.
Ao Pedro Eduardo Ortega por trazer alegria aos meus dias.
Agradeço a todos do quadro de funcionários da Unimar e a todo o corpo docente; em
especial, agradeço à minha orientadora Dra. Jussara, pelo incentivo, ensinamentos e pelo
toque de brilhantismo que deu ao presente trabalho.
CARTÃO DE CRÉDITO E A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA TUAL Resumo: A utilização dos cartões de crédito na economia brasileira é de suma importância, sendo forma de negociação utilizada nas operações comerciais, movimentando cifras incalculáveis de valores, o que o torna de primeira necessidade para os usuários. Neste contexto, pretende-se estudar o instituto, analisando a relação contratual e a responsabilidade civil das administradoras de cartão de crédito no mercado de consumo. Pretende-se demonstrar nesta pesquisa a praticidade de seu uso, os benefícios de segurança em relação aos meios tradicionais de transação bancária e a relação contratual entre consumidor e as operadoras de cartões. Justifica-se o estudo do tema devido às peculiaridades da vida moderna, econômica e social e do modelo capitalista contemporâneo, trazendo a celeridade e modernização às operações financeiras e aos meios de se ofertarem créditos.Como metodologia, será adotado o método indutivo e dialético, com pesquisa documental e bibliográfica. Serão estudados ainda os princípios norteadores do instituto e sua valoração no âmbito doutrinário e jurisprudencial, bem como a dinâmica tripartite da relação existente entre consumidor, fornecedor e o estabelecimento comercial. Palavras-Chave: Operadoras de Cartões de Crédito. Relação Contratual. Responsabilidade Civil Contratual.
CREDIT CARD AND CONTRACTUAL LIABILITY
Abstract: The use of credit cards in the Brazilian economy is of paramount importance, and a form of negotiation used in business operations, dealing with huge amounts of money, making it a priority for the users. In this context, we intend to study the institute, analyzing the relationship and the contractual liability of the credit card companies in the consumer’s market. The present study aims at demonstrating the practicality of its use, the safety benefits compared to traditional means of banking transactions and the contractual relationship between consumers and card operators. It seems timely to study the subject because of the peculiarities of modern life, the economic and social contemporary capitalistic model, bringing the speed and modernization of financial transactions and the means for offering credits. The methodology adopted is the inductive and dialectical method, with bibliographical and documentary research. The study will further the guiding principles of the institute and its evaluation within doctrinal and jurisprudential realm as well as the dynamics of the tripartite relationship between customer, supplier and business establishment. Key Words: Credit Cards Operators. Contractual Relationship. Contractual Liability.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Primeira versão do cartão Diners, em 1950 .......................................................... 63
FIGURA 2: Um restaurante muda os meios de pagamento ..................................................... 63
FIGURA 3: Cartão de Crédito American Express Company ................................................... 64
FIGURA 4: BankAmericard precursor do cartão Visa ............................................................ 64
FIGURA 5: Cartão precursor do MasterCard .......................................................................... 65
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABECS Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços
art. Artigo
BACEN Banco Central do Brasil
CC Código Civil
CDC Código de Defesa do Consumidor
CF Constituição Federal (Constituição Federativa do Brasil de 1988)
CMN Conselho Monetário Nacional
CNC Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
DPDC Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor
EC Emenda Constitucional
MP Medida Provisória
SINDEC Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor
SPC Serviço de Proteção ao Crédito ou Bureau de Crédito
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
2 SOCIEDADE, CARTÃO DE CRÉDITO E PÓS MODERNIDADE .................. 14
2.1 AVANÇOS TECNOLÓGICOS ................................................................................. 15
2.2 O ORDENAMENTO JURÍDICO E A ORDEM CONTRATUAL ........................... 18
2.2.1 A Pós-Modernidade e a Ciência Jurídica ................................................................... 22
2.2.2 O Novo Sistema Contratual ........................................................................................ 27
3 PROCESSO NEGOCIAL: RELAÇÃO CONTRATUAL ........... ......................... 31
3.1 NEGÓCIO JURÍDICO: CARTÃO DE CRÉDITO.................................................... 31
3.2 CONTRATOS ............................................................................................................ 33
3.3 PRINCIPIOLOGIA .................................................................................................... 37
3.3.1 Princípio da Dignidade Humana ................................................................................ 38
3.3.2 Princípio da Autonomia Privada da Vontade ou Consensualismo ............................. 41
3.3.3 Princípio da Função Social ......................................................................................... 46
3.3.4 Princípio da Boa-Fé .................................................................................................... 49
3.3.4.1 Princípio da Boa-Fé Objetiva ..................................................................................... 53
3.3.5 Princípio da Força Obrigatória do Contrato ............................................................... 57
4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO DO CARTÃO DE CRÉDIT O ....... 61
4.1 HISTÓRICO ............................................................................................................... 61
4.2 CONCEITO ................................................................................................................ 66
4.3 FUNÇÃO ECONÔMICA .......................................................................................... 70
4.4 MODALIDADES: DÉBITO, CRÉDITO OU MÚLTIPLO E TIPOS DE
BANDEIRA ............................................................................................................... 72
4.5 RELAÇÕES CORRELATAS AO CARTÃO DE CRÉDITO ................................... 76
4.5.1 Relação entre o Titular e a Administradora Emitente do Cartão de Crédito .............. 77
4.5.2 Obrigações da Administradora de Cartões, Direitos e Deveres ................................. 79
4.5.3 Obrigações entre a Administradora e o Fornecedor dos Bens e Serviços .................. 80
4.5.4 Obrigações do Emissor ............................................................................................... 82
4.5.5 Obrigações do Titular e o Fornecedor dos Bens e Serviços ....................................... 83
4.6 CARTÕES DE CRÉDITO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ........ 84
4.6.1 Vida a Crédito: Consumo, Prazer e Dívidas............................................................... 86
5 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS ADMINISTRADORAS DE
CRÉDITO ................................................................................................................. 89
5.1 RESPONSABILIDADE CIVIL: FUNDAMENTOS, NATUREZA
JURÍDICA E DIREITO ESTRANGEIRO ................................................................ 90
5.1.1 Legislação Específica do Instituto .............................................................................. 97
5.1.2 Divergências sobre a Natureza do Instituto: Conselho Monetário Nacional,
Banco Central e Superior Tribunal de Justiça ............................................................ 99
5.2 DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS BANDEIRAS PELA
RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................... 101
5.3 RESPONSABILIDADE DERIVADA DE CULPA E
RESPONSABILIDADE OBJETIVA (TEORIA DO RISCO) ................................. 102
5.4 RESPONSABILIDADE DERIVADA DO ABUSO DE DIREITO ........................ 104
5.4.1 Aspectos Operacionais: Responsabilidade Decorrente de Negligência:
Furto, Perda, Roubo, Extravio, Clonagem, Emissão sem Anuência do Titular ....... 105
5.4.2 Aspectos Financeiros: Responsabilidade Civil Decorrente de Atos Ilícitos:
Cláusula-Mandato, Cláusula-Preço, Limitação de Juros, Multas e Encargos
Moratórios ................................................................................................................ 110
6 CONCLUSÃO ............................................................... Erro! Indicador não definido.
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 116
11
1 INTRODUÇÃO
O cartão de crédito é uma das formas mais populares de transação de valores
utilizados na economia. Já foi objeto de desejo e ostentação de riqueza entre os consumidores,
entretanto, tomou conta do cotidiano das pessoas que se utilizam do sistema financeiro,
fazendo com que esta modalidade de crédito se torne imprescindível no dia-a-dia,
principalmente nas transações diárias para aquisição de bens e serviços, funcionando como
elemento facilitador entre as partes e gerando um aspecto inovador nas relações de consumo.
A importância deste instituto ocorre em razão do desenvolvimento de novas formas de
consumo no meio capitalista, que em uma economia contemporânea inevitavelmente se
submetem ao aspecto econômico, fazendo com que a necessidade da sociedade se alinhe aos
níveis de desenvolvimento industrial, sempre elevado e de forma cíclica, pelos avanços
científicos, tecnológicos e pelo consumo acentuado de bens e serviços.
A escolha do tema para a pesquisa ocorreu devido à relação contratual estabelecida
entre as operadoras de cartão de crédito e os adquirentes do serviço neste novo cenário
mundial, onde a globalização e suas mudanças irreversíveis influenciam as estruturas
políticas, econômicas e sociais, alterando valores, princípios e responsabilidades no âmbito
negocial.
O presente estudo objetiva, no âmbito contratual, analisar os aspectos dessa operação
financeira no mercado de consumo, feitos pelo uso do instrumento de cartão de crédito, que
atualmente substituiu os demais meios de moeda.
Dadas essas premissas, o problema que se cumpre esclarecer é, sendo cartão de crédito
um contrato cativo de longa duração, quais serão as consequências pela ruptura negocial, no
âmbito civil e consumerista.
As hipóteses partem do pressuposto de que o cartão de crédito é uma evolução
derivada de uma necessidade mercadológica quanto às formas de transações até então
existentes; que não existe uma bilateralidade neste contrato, mas sim uma relação tripartite
(consumidor, credenciados e administradora), baseado na nova principiologia contratual; que
existe em sua essência uma alta carga de adesividade não favorável ao consumidor que,
cumulada com uma translucidez negocial, favorece situações de endividamento; que pela
complexidade do instituto, as administradoras aproveitam para lucrar, face à vulnerabilidade
do sistema legislativo que trata do assunto.
Por questões didáticas, esta pesquisa foi dividida em quatro capítulos. O primeiro
capítulo da pesquisa apresenta os avanços tecnológicos na área de consumo com o advento do
12
cartão de crédito, fazendo uma correlação dessas contemporaneidades com o ordenamento
jurídico e a nova ordem contratual.
No segundo capítulo, inicia-se com a abordagem da relação negocial no ambiente
contratual e os fatores correlato a este negócio, vindo a seguir os princípios formadores do
instituto e sua inclusão no ordenamento jurídico.
O terceiro capítulo trata da historicidade do instrumento, seu conceito, função
econômica e relações jurídicas de operadoras, credenciados e consumidores; apresenta um rol
de direitos e obrigações, demonstrando sua correlação com situações de endividamento
resultante de sua dinâmica contratual.
O quarto capítulo trata da responsabilidade civil, a quem cabe a responsabilidade pelos
danos, sejam estes morais, patrimoniais, ou qualquer outro, nas esferas civil e consumerista,
causados pelas operações com o cartão de crédito.
Metodologicamente, utilizou-se a pesquisa bibliográfica doutrinária e jurisprudencial.
Para a abordagem do tema foi utilizado o método indutivo e dialético, processo mental
pelo qual, partindo de dados particulares, infere-se uma verdade geral ou universal, não
contidas nas partes examinadoras. Indutivo, porque se buscou uma conclusão para o tema em
si, com base na análise das premissas postas durante o trabalho; e dialético, porque foram
utilizadas comparações com outras instituições existentes, confrontando-as e utilizando-as
como esteio para o resultado.
A realização de qualquer trabalho no campo da ciência do direito deve proporcionar
um resultado prático, demonstrando sua contribuição para a evolução do direito, que, como
ciência prática e efetiva, produz efeitos na sociedade e também define os limites no plano
normativo para a vida harmônica das pessoas.
Justifica-se também o tema proposto diante das novas tendências do direito
contemporâneo, levando o interesse de intérpretes de diversas áreas de atuação da dogmática
jurídica, uma vez que será arguida questão de grande importância na consecução e
manutenção do direito das partes, influenciando principalmente na intenção real da
manifestação da vontade e seus efeitos na esfera jurídica.
Diante da presente pesquisa, será demonstrado que o cartão de crédito simboliza as
peculiaridades da vida moderna, econômica e social, do modelo capitalista contemporâneo,
trazendo a celeridade e modernização dos meios de comunicação de maneira definitiva e
dinâmica, como um meio absolutamente prático e ágil, tendo em vista as peculiaridades de
sua forma de uso e a segurança em relação aos meios tradicionais de transação bancária.
Para tanto, o cartão de crédito sedimentou-se entre os costumes sociais e sua utilização
13
não mais denota inovação tecnológica, mas tão somente uma atitude cotidiana; neste sentido,
é que se torna indispensável que se analisem todas as nuances e distorções que a sua
utilização pode causar.
14
2 SOCIEDADE, CARTÃO DE CRÉDITO E PÓS MODERNIDADE
Para uma análise da relação negocial no contexto econômico, se faz necessária uma
contextualização das novas atribuições comerciais originárias dos avanços tecnológicos que
alavancaram o volume de contratos transacionados no âmbito comercial. No fenômeno da
globalização e dos novos padrões de consumo impostos em nossa sociedade, o uso dos cartões
de crédito formatou a relação contratual no âmbito jurídico, fornecendo agilidade e
credibilidade à sistemática capitalista.
A sociedade pelos avanços científicos e tecnológicos, encontra-se em um ritmo de
desenvolvimento industrial elevado, necessitando em contrapartida de um consumo constante
e acentuado dos bens e serviços disponibilizados. Daí, o interesse dos empresários em ampliar
o mercado consumidor, através de um acentuado investimento de capital com oferta de
créditos abundantes, servindo como ferramenta de estímulo (ao consumo) e gerenciador de
capital na economia de mercado.
Este enfrentamento do capital, qual seja, de aumentar a produção e exponencialmente
o mercado consumidor, deu origem a novas e profundas transformações no âmbito social;
uma nova dinâmica mercadológica impôs às relações sociais um horizonte de
superficialidades e efemérides, estabelecendo um novo patamar de valores no seio da
coletividade para abarcar o aumento de produção e de consumo.
As revoluções tecnológicas mudaram de forma significativa os comportamentos do
mercado e as expectativas dos clientes. É perceptível, pela maior disponibilização da
informação através da massiva utilização dos meios de comunicação (televisão, rádio, jornais,
revistas, internet), o crescimento de produtos diversificados e inteligentes, razão de um maior
acesso à personalização em massa, criados pelo marketing agressivo puramente
mercadológico.
O Estado, através de políticas governamentais (monetária, fiscal e comercial),
movimenta-se na busca de uma elevação gradual do desenvolvimento econômico com
aumento substancial da produção e consumo. Para tanto, aproveita-se dos efeitos
globalizatórios nos mercados e no capital, não fugindo da regulação destes mercados e das
condutas dos agentes, como a defesa de direitos dos consumidores (v.g. Código de Defesa do
Consumidor, Agências Reguladoras, Associações de Consumidores), notadamente a parte
hipossuficiente da relação contratual. Tais políticas norteiam o comportamento que o
consumidor irá desenvolver nas relações econômicas e de consumo, estendendo seus efeitos
no âmbito jurídico.
15
O instituto do cartão de crédito,criado nos Estados Unidos em meados do Século XX,
introduzido posteriormente no Brasil, serve atualmente como alavanca e garantia do acesso da
população menos favorecida aos bens de consumo, de maneira rápida e sem burocracia,
todavia com um custo econômico elevado devido às taxas atualmente praticadas no mercado
financeiro.
Com base nas informações da Associação Brasileira das Empresas de Cartão de
Crédito e Serviços (ABECS)1, o cartão de crédito gradativamente vem substituindo outros
institutos utilizados como moeda de troca (dinheiro, cheque, notas promissórias) nas
transações de bens e serviços no país, favorecendo as relações negociais entre as partes.
Aspectos como segurança, comodidade e praticidade para os usuários dos cartões de crédito
para compras e na realização de pagamentos das faturas de crédito, como o rápido e seguro
retorno do capital pelos estabelecimentos comerciais fornecidos pelas Administradoras de
Cartões, serviram para esta mudança de comportamento.
Pode-se citar como exemplo disso que, no ano de 2003, o crescimento de transações
movimentadas com os cartões foi quase quatro vezes maior do que a evolução no mesmo
período em comparação com a utilização do cheque especial. Foi fechado com 47,5 milhões
de número de cartões, 1.285 milhões de número de transações, movimentando R$87,74
bilhões em valor de transações.2
No Brasil, as várias bandeiras que administram os cartões de crédito investem
pesadamente em propaganda, promoções e tecnologia, para aumento de sua carteira de
clientes, ainda defasada em relação aos países desenvolvidos, como será abordado
posteriormente. A implantação de novos tipos de cartão de crédito com maior limite de
armazenagem de informações, atrelado a uma política de parceiros comerciais, de atração e
fidelização de clientes, e com maior diversidade em tipos de equipamentos de captura de
transação para o uso dos estabelecimentos, atua na difusão e solidificação do instituto no
âmbito comercial.
2.1 AVANÇOS TECNOLÓGICOS
A sociedade, em sua plenitude e no contexto de uma realidade social e econômica, é
constituída por pessoas vinculadas por laços de afetividade, confiança e interesses comuns.
1 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Indicadores do mercado de cartões e empresa. Disponível em: <http://www.abecs.com.br/>. Acesso em: 30 nov. 2011. 2 Idem, Ibid.
16
Neste ínterim, as inovações tecnológicas influenciam no cotidiano da coletividade e
trazem profundas mudanças sociais e comportamentais, pela massiva propaganda dos novos
produtos ofertados. Isto amplia substancialmente o leque de oportunidades em todos os
setores da economia, transformando a sociedade nos seus vetores político, econômico e social,
e fornecendo assim novos contornos jurídicos às relações negociais. Maria Stela Gregori
explana sobre a evolução tecnológica no contexto social:
Os avanços obtidos pela Revolução Industrial e, principalmente pelo desenvolvimento tecnológico e cientifico, e o consequente crescimento econômico promoveram profundas alterações na sociedade contemporânea. Tais avanços permitiram o transporte mais rápido de pessoas e produtos, informações e comunicação instantânea, a globalização, a democratização do acesso aos produtos e serviços. Surgiu um novo modelo de produção: fabricação de produtos e oferta de serviços série, de forma padronizada, uniforme em alta escala, a custo reduzidos. Com o crescimento econômico ocorre um grande crescimento populacional e, também, a acentuada urbanização do mundo, que por sua vez tem íntima relação com o boom da Sociedade de Consumo. Na década de 90 assistimos a globalização dos mercados, o desenvolvimento de novas tecnologias de informação, que introduziu novas dimensões de espaço e tempo. [...] A sociedade de consumo nasce após as demandas da Revolução Industrial, mas vai se desenvolver com as características básicas atuais, propriamente, após a Segunda Guerra Mundial e se consolidará somente a partir da década de 70, predominantemente sob o regime capitalista.3
Na precisa observação de Caio Mário da Silva Pereira, todos estão vinculados neste
processo, no contexto de que: “[...] a sociedade vê como o todo, e os indivíduos são as
respectivas parcelas; o todo não existe sem as partes, mas tem a sua própria maneira de ser e
agir e estão envolvidos no mesmo processo dentro do contexto político, econômico ou social e
suas transformações.”4
A figura marcante no tocante às inovações surgidas, faz com que o Estado deixe de
interferir na realização da ordem econômica, passando a colocar em prática novos atos para
atender aos anseios de uma coletividade, identificando instrumentos de conciliação dos
interesses às necessidades de um mercado globalizado que obriga a constantes ajustamentos
frente às novas transformações.
Diante do exposto, abre-se um prognóstico de discussões sob as égides de
pensamentos afins a respeito dos instrumentos utilizados para o giro econômico dentro do
3 GREGORI, Maria Stella. O novo paradigma para um capitalismo de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 75, p. 247-257, 2010, p.248. 4 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Reforma do direito civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1, p.53.
17
mercado,instrumentos esses que atendam às necessidades de uma economia inovadora e
globalizada. Sobre essas mudanças, observa José Tadeu Neves Xavier:
Nos últimos tempos, a sociedade passou por sensíveis mudanças que alteraram profundamente a forma de manifestação do conhecimento dentro da economia globalizada, com projeção em todos os âmbitos sociais. O resultado dessa revolução ainda não pôde ser integralmente apreendido, pois a forma de uma época só se torna visível quando ela desaparece dando espaço para o surgimento de novos fenômenos.5
Podemos elencar, como fator determinante para o surgimento destes novos fenômenos,
o fornecimento de crédito, conforme descrito por Bolson:
Se em temos remotos – como quando os banqueiros venezianos negociavam no Rialto, emprestando dinheiro aos armadores para a descoberta de novas terra e rotas de navegação ou para objetivos menos vantajosos, como fazer corte a uma dama – o crédito constituía-se em fator determinante no êxito ou insucesso dos objetivos de alguns, o mesmo continua a ocorrer hoje. Séculos passaram e o crédito continua a ser um bem imaterial valioso, tendo somente mudado a maneira e a relativa facilidade de concedê-lo.6
Neste contexto, pode-se ter uma melhor compreensão do fenômeno da pós-
modernidade, pois se criam novos parâmetros, como o avanço tecnológico e a globalização,
que trazem grandes inovações e fazem com que o estilo de vida, hábitos e padrões de
comportamento sejam alterados, sendo acompanhados de uma nova ferramenta, que tem
importante papel no mercado econômico da sociedade, que é o instrumento denominado de
cartão de crédito.
No fenômeno consumerista, misto de cheque e dinheiro, enraizado na natureza social e
nas necessidades advindas do quotidiano, o cartão de crédito mostra-se de vital importância
nas transações diárias para a aquisição de bens e serviços, trazendo uma nova concepção de
contrato, contando com novos princípios que se diferem dos tradicionais.
Nas palavras de José Joaquim Gomes Canotilho:
[...] é também o mundo do globalismo e da arbitragem, da desestatização e da privatização da ordem liberal mundial da bolsa e do comércio, poderá ainda a ordem normativo-constitucional e dos seus respeitáveis valores da razão, e da pessoa e do progresso abarcar a desordem, a indeterminação, a
5 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.65. 6 BOLSON, Simone Hegele. O direito de arrependimento nos contratos de crédito ao consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 64, p. 166-202, out./dez. 2007, p.186.
18
globalização e o diferencialismo, surgindo então novos mecanismos, novos meios de circulação de dinheiro dentro do mercado.7
A globalização e o desenvolvimento desenfreado da tecnologia, atrelados à uma
massiva propaganda sobre os benefícios de uma nova modalidade de dinheiro, de pagamento,
contribuíram para o surgimento do cartão de crédito, sendo este eficiente, prático e ágil, tendo
no presente momento sua presença em destaque no mercado econômico.
2.2 O ORDENAMENTO JURÍDICO E A ORDEM CONTRATUAL
No esteio das inovações advindas na economia em consequência das transformações
tecnológicas e industriais, as relações negociais e o trato jurídico foram se modificando,
visando estarem aptos à contemporaneidade das relações desenvolvidas no ambiente
contratual.
No segmento de cartões de crédito, com o processo de estabilização ocorrido pelo
Plano Real, o mercado expandiu-se, possibilitando liberdade de ação e dinamismo no trato
comercial, como explifica Arnaldo Rizzardo em sua obra:
[...] A sua função primordial está em ser um meio de expandir o crédito. Participa da dinâmica da vida comercial, confere ao titular liberdade de ação, permitindo-lhe usar de financiamento nas compras de bens e utilização de serviços. Enquanto na venda à prestação o comprador só pode adquirir mercadorias no estabelecimento que a promove, no sistema de cartão pode negociar em qualquer casa comercial vinculada ao sistema. Titular do cartão, devidamente selecionado pela empresa que levanta o se cadastro pessoal e lhe fixa o crédito, movimenta valores consistentes em bens e serviços, certos de que, comprando-os ou usando-os agora, poderá pagar mais tarde.8
Diante de tal quadro, é necessário que o ordenamento jurídico também avance no
sentido de dar maior proteção aos usuários de cartões, garantindo a segurança jurídica nas
transações realizadas nessa modalidade de crédito, tanto para os usuários como para os
fornecedores, tendo o Estado um importante papel na regulação dessas relações econômicas
sociais. Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira e Maria Arleth Pereira assim ensina sobre o
assunto:
7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do direito constitucional ou constitucionalização do direito civil?: a eficácia dos direitos fundamentais na ordem jurídico-civil no contexto do direito pós-moderno. In: GRAU, Eros Roberto (Org.); GUERRA FILHO, Willis Santiago (Org.). Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p.114. 8 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.1389.
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A sociedade e a ordem contratual impulsionada pela explosão de informações e intensificação de comunicações em nível mundial contemplam a modificação do valor econômico e do poder do estado que fortalecem o consumo priorizando a estetização da realidade, sendo a economia contemporânea mera concepção de integração econômica, levando à necessidade da autonomia que se aloja na vida social, envolvendo elementos como política, cultura e trabalho, bem como os processos de produção e consumo.9
No âmbito social, observa-se, na esfera onde são firmadas as relações negociais, os
alicerces na manifestação de vontade, liberdade e igualdade das partes, formando um vínculo
jurídico a que se prendem, firmado pelo instrumento contratual, peça fundamental para a
circulação de riquezas de uma nação, figuras estas das mais importantes no direito civil, é o
instrumento que proporciona a justa medida dos interesses contrapostos, podendo-se afirmar
que o contrato é reflexo da matiz ideológica imposta à época e à conjuntura social em que é
celebrado.Assim observa Rogério Zuel Gomes em seu artigo:
Com efeito, o contrato é a principal forma de circulação de riquezas no Estado, daí ser necessário analisar, sob a ótica coletiva, a forma como este instrumento faz circular a riqueza no país. A partir desta constatação, passa-se a questionar o indivíduo-centrismo que influenciou o direito privado nos dois últimos séculos tendo no núcleo do direito a referência um sujeito de direito.[...]Neste mister, cumpre ao hermeneuta, referenciado por uma conexão axiológica entre a legislação de direito privado e os princípios contidos na Constituição da República, buscar soluções atentando para uma nova perspectiva do direito atual. Não se pode descurar das dificuldades surgidas da necessidade de concretização dos preceitos constitucionais, todavia tal dificuldade não deve servir como pretexto a impedir a concretização destes princípios.10
Com efeito, a interpretação do direito no novo milênio passa fundamentalmente pelo
conteúdo constitucional. Neste passo, a interpretação contratual há de ser filtrada por
princípios de curvatura constitucional, que funcionam como vetores hermenêuticos a guiar a
interpretação dos dispositivos legais aplicáveis ao instituto, conforme afirma Caio Mário da
Silva Pereira:
O fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentem então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os
9 SIQUEIRA, Holgonsi Soares Gonçalves; PEREIRA, Maria Arleth. O sentido da autonomia no processo de globalização. Revista Educação - Centro de Educação-Universidade Federal de Santa Maria-RS, Santa Maria, v. 22, n. 2, 1998. Disponível em: <http://www.angelfire.com/sk/holgonsi/index.autonomia1.html>. Acesso em: 03 nov. 2011. 10 GOMES, Rogério Zuel. A nova ordem contratual: pós-modernidade, contratos de adesão, condições gerais de contratação, contratos relacionais e redes contratuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 58, p. 180-222, abr./jun. 2006, p.185.
20
preceitos ditados pela norma legal, e acrescenta a relevância do papel da vontade na etiologia do negócio jurídico que se procura identificar a sua própria idéia conceitual com a declaração da vontade, constituindo-se, dessa forma, a sua definição.11
Dos preceitos constitucionais que garantem a defesa dos interesses difusos e coletivos,
repassando uma função social aos efeitos contratuais, criou-se toda uma estrutura legal para
amparar a coletividade dos desmandos do capital na busca do lucro, fornecendo freios e
contrapesos às partes, resgatando princípios relevados em outras legislações patrimonialistas.
Nesse contexto, observa-se que a vontade é o pressuposoto do negócio jurídico, sendo
imprescindível que ela se exteriorize e se torne conhecida ao mundo exterior; vinculando-se,
dessa forma, à existência de um direito, podendo, por efeito, criar uma nova relação jurídica,
rompendo com o paradigma liberal-individualista-normativista, como ensinaJussara Suzi
Assis Borges Nasser Ferreira:
O instituto do negócio jurídico na pós-modernidade, considerando a crise do contrato, a ruptura do paradigma do modelo liberal-individualista-normativista, em relação à teoria crítica do direito, é significante de descobrir o significado do contrato na dimensão espaço temporal do instituto de conformidade com a metodologia constitucional. A análise do contexto negocial, influenciado pela constitucionalização do negócio jurídico, revela dois ambientes de realização de pactos, de acordo com as previsões das codificações ou de acordo com o estatuído pelo texto constitucional, considerando as dimensões individuais e pluriindividuais dos pactos, na medida em que são socializados nas expectativas de efeitos, igualmente de espectro social.12
No campo das relações negociais, essa visão do contrato acabou por ganhar um relevo
ainda maior, pois a troca econômica representa uma necessidade da vida em sociedade, que
não pode ser descartada, principalmente porque vem dar maior agilidade e comodidade às
relações negociais. Em uma perspectiva civil-constitucional do contrato, Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho prelecionam que:
[...] o contrato, sendo a espécie mais importante do negócio jurídico, se afirma socialmente, se entendido como um instrumento de conciliação de interesses contrapostos, manjando com vistas à pacificação social e ao desenvolvimento econômico, não podendo considerar o contrato como um instrumento de opressão, mas, sim, de realização.13
11 SILVA, Caio Mario Pereira da. Instituições de direito civil. 5. ed. São Paulo: Forense, 1980. v. 1, p.413. 12 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria crítica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, v. 2, n. 1, 2009. Disponível em: <www.uel.br/revistas/direitoprivado>. Acesso em: 12 nov. 2010, p.5. 13 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.39-41.
21
As definições de negócio jurídico são amplas e variadas, tendo praticamente cada
jurista a sua; porém, a grande maioria refere-se à gênese do negócio jurídico, ou seja, à
vontade, definindo o negócio jurídico como a manifestação da vontade individual que resulta
em efeitos jurídicos.
Em tese, o negócio jurídico tem como finalidade, ou é admitido pela ordem jurídica,
ou, ainda, tem a sua estrutura voltada para a constituição de efeitos jurídicos. Neste sentido,
ensina Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira:
O giro metodológico reorganiza a unidade do sistema, considerando as generalidades legislativas e abstrações formais, tomando, por contraponto, a pluralidade sistêmica aberta, especificidades reais, e as mudanças sociais fundadas nas complexidades negociais. Tais movimentos provocam a reconstrução da teoria negocial, embasada na constitucionalização dos pactos, adoção de pautas axiológicas, consideradas as reais exigências do conteúdo sócio-jurídico e econômico.14
A teoria crítica do negócio jurídico propicia a recepção das pautas axiológicas
constitucionais, o giro hermenêutico, determinado pela metodologia constitucional, ampliando
a dimensão do instituto para o contexto pluri-individual e socializante.
A declaração de vontade, destinada a produzir seus efeitos legais, se processa quando
se atenta aos conteúdos. Normalmente, o elemento interno (vontade) e o elemento externo da
declaração negocial (declaração propriamente dita) coincidirão.
Pode, contudo, verificar-se, por causas diversas, uma divergência entre esses dois
elementos da declaração negocial. A normal relação de concordância entre a vontade e a
declaração (sentido objetivo) é afastada, por diferentes razões, em certos casos anômalos. À
relação normal de concordância substitui-se uma relação patológica. Existe aí um vício da
formulação da vontade.
Por sua vez, a divergência não intencional pode consistir, ainda conforme lembra
Octávio Manuel Gomes Alberto, em três situações:
• Erro-obstáculo ou na declaração: quando o declarante emite a declaração divergente da vontade, sem ter consciência dessa falta de coincidência;
• Na falta de consciência da declaração: o declarante emite uma declaração sem sequer ter consciência (a vontade) de fazer uma declaração negocial, podendo até faltar completamente a vontade de agir;
• Coação física ou violência absoluta: o declarante é transformado num autômato, sendo forçado a dizer ou escrever o que não quer, não através
14 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria crítica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, v. 2, n. 1, 2009. Disponível em: <www.uel.br/revistas/direitoprivado>. Acesso em: 12 nov. 2010, p.14.
22
de uma mera ameaça, mas pelo emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliza e o leva a adotar o comportamento.15
Sendo assim, a categoria do negócio jurídico opera em um nível de acentuada
abstração e a sua formação pode implicar em atividades de complexidade muito variável. Em
concreto, um negócio pode formar-se por inteiro através de um simples assentimento ou, pelo
contrário, implicar em complexas atividades preparatórias.
Antônio Menezes de Cordeiro aduz que a interpretação do negócio jurídico visa a
determinar o seu sentido juridicamente relevante, criando estruturas jurídicas que preencham
lacunas contratuais além da declaração negocial:
Que o código civil português dispôs, de modo expresso, sobre a integração da declaração negocial, foi mais longe que seus congêneres que apenas tratam da interpretação, obrigam, desse modo, a doutrina a construir sozinha, os esquemas destinados a preencher eventuais lacunas contratuais.16
Da legislação alemã adveio a ideia do interprete ater-se à vontade real em detrimento
do sentido literal, seguindo os ditames da boa-fé. Assim anota Custódio da Piedade Ulbaldino
Miranda, verbis:
A integração dos negócios jurídicos, no Código Civil Alemão, contém dois dispositivos fundamentais em matéria de interpretação dos negócios jurídicos. No que se refere à interpretação de uma declaração de vontade, deve-se averiguar a vontade real, e não ater-se ao sentido literal da expressão, e também que os contratos devem ser interpretados como exige a boa fé.17
Outrossim, os princípios clássicos e pós-modernos acrescentam um nova base para a
interpretação valorativa dos negócios, saindo do viés patrimonialista para uma busca da
função social destas relações, tema a ser abordado no próximo capítulo.
2.2.1 A Pós-Modernidade e a Ciência Jurídica
Inicialmente vista apenas como uma nova fase do sistema econômico capitalista, a
15 ALBERTO, Octávio Manuel Gomes. A divergência entre a vontade e a declaração: formas possíveis de divergência. Disponível em: <http://octalberto.no.sapo.pt/a_divergencia_entre_a_vontade_e_a_ declacarcao.htm>. Acesso em: 06 fev. 2012. 16 CORDEIRO. Antonio Menezes. Tratado de direito civil português: parte geral. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2000. tomo 1, p.535, 561. 17 MIRANDA. Custódio da Piedade Ulbaldino. Interpretação e integração dos negócios jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p.124.
23
globalização acabou por consagrar-se como um fenômeno de grandes proporções, atingindo a
vida em sociedade, no seu sentido mais amplo.
Como enfatiza José Eduardo Faria, “[...] tema corrente na agenda contemporânea, a
globalização é um fenômeno complexo e multifacetado, com profundas modificações nas
mais variadas áreas do conhecimento e nos mais diversos setores da vida social.”18
Com isso, os desafios recrudescem, longe de ser um fenômeno linear, monolítico e
inequívoco, a globalização não é tampouco automática e espontânea, advinda do resultado das
tecnologias de informação, de decisões políticas e econômicas, vindas das poderosas
economias mundiais, a exemplo da capacidade das empresas multinacionais, como assevera
Boaventura de Souza Santos:
Nesta visão, triunfalista, a globalização produziria um impacto uniforme em todas as regiões do mundo e em todas as atividades e que seus arquitetos, as empresas multinacionais, são infinitamente inovadores e têm capacidade organizativa suficiente para transformar a nova economia global em uma oportunidade sem precedentes.19
Do ponto de vista social e político, a globalização, que no viés capitalista é tida como
grande triunfo da racionalidade, da inovação, da liberdade potencializadora do progresso
infinito e da abundância, atinge um número cada vez menor de privilegiados.
Os efeitos danosos de um mercado globalizado no contexto social trouxeram a lume,
por parte do Estado, uma nova visão social, buscando preceitos principiológicos que atuam na
igualdade formal, mas objetivada em uma função social dos negócios, repassando para o
contexto econômico os ideais de isonomia social, além das fronteiras impostas pelo capital.
A igualdade, expressada no tratamento massificado, passou a ser a tônica do convívio
em sociedade. Entretanto, a globalização é ambivalente, uma vez que ela tanto divide como
une, e divide enquanto une, pois as causas das divisas são idênticas às que promovem a
uniformidade do globo.20
O processo globalizante, em especial no plano econômico, resultou como fruto do
capitalismo desenfreado, que tomou conta dos valores da modernidade, levando às últimas
consequências os ideais do modelo liberal, fazendo-se necessário reinventar novos valores,
porém, sem mudanças profundas, firmando-se ao neoliberalismo.
18 FARIA, José Eduardo. Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p.7. 19 SANTOS, Boaventura de Souza. Os processos da globalização. In: ______ (Org.). A globalização e as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005, p.51. 20 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.76.
24
A liberdade continua exercendo o seu papel na espinha dorsal do sistema econômico-
social, mas precisa passar a ser vigiada, para que o sistema não venha a apresentar falhas que
denotem a sua originária fragilidade.
Essa crise de identidade, constatada após o assentamento da poeira da euforia
ocasionada pela globalização, fez com que a humanidade experimentasse uma espécie de
frustração com relação aos valores vazios, que recebeu de braços abertos.
Desta frustação com a deterioração dos valores floresce o conceito pós-moderno, que
advém do desenvolvimento da economia livre para uma economia dirigida com base em
valores e princípios constitucionais.
Rogério Zuel Gomes21 explica que a sociedade evolui no sentido da travessia de uma
economia livre para uma economia dirigida. A questão envolvendo o conceito de pós-
modernidade, ou do paradigma da pós-modernidade, tem ocupado relevante espaço dentro de
todos os ramos da ciência. Ao Estado compete a função de traçar normas e impor limites à
atividade econômica na busca de uma utilização social ao capital empregado na esfera
produtiva.
A atualidade contemporânea, no que tange a intervenção do Estado, tem por fim traçar
as normas e limites inerentes à atividade econômica. Quando, porém,o próprio Estado, que
toma em si o desempenho de tais atividades, surgem problemas de outra natureza que afetam
o interesse geral e põem em crise sob o instrumento designados de contratos. Sobre o
conceito pós-moderno, assim destaca Cláudia Lima Marques:
A pós-modernidade revela o fenômeno das relações virtuais, desmaterializadas, cada vez mais fluídas e instáveis, a sociedade de informação, a globalização niveladora de culturas, a riqueza especulativa e o renascimento da identidade. Estas características podem acrescentar ainda o desprestígio do Estado, a valoração da imagem acima do conteúdo onde o efêmero parece derrotar o essencial fazendo prevalecer a aparência sobre a técnica, a prática e a eficiência.22
Sendo assim, a sensação de impotência, especialmente diante da dinamicidade da
sociedade denominada pós-moderna, deixa os cientistas, em especial aqueles envolvidos com
as ciências sociais, angustiados, ao mesmo tempo em que fomenta a produção teórica na
identificação do problema e na busca de alternativas que mitiguem os efeitos deste.
21 GOMES, Rogério Zuel. A nova ordem contratual: pós-modernidade, contratos de adesão, condições gerais de contratação, contratos relacionais e redes contratuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 58, p. 180-222, abr./jun. 2006, p.186. 22 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.158.
25
O mercado não poderá manter em suas mãos o futuro da sociedade. A aceitação do
mercado como princípio diretivo da ordem jurídica é uma ideia inadmissível. Não o mercado,
mas a pessoa é o valor de vértice do sistema jurídico. Como expressão de uma lógica
econômica e patrimonial, o mercado deve ficar em posição subordinada e funcionalizada ao
respeito pela dignidade da pessoa humana e pelas situações não patrimoniais. José Tadeu
Neves Xavier salienta:
Concomitante à mudança de técnica produtiva, o mercado que circunda essa produção passa a ganhar outro perfil. Ao lado da tradicional economia de produção de bens, ganham espaço e, com o mesmo fôlego, as prestações de serviços, criando novos paradigmas no convívio social, em especial quanto aos contratos, que passam a ser mais duradouros e de trato sucessivo. Como garantia de sucesso dessa nova técnica, passa a ser considerada a existência de um mercado segmentado, que permite uma falsa modelação dos contratos a cada indivíduo, de acordo com o grupo a que pertença.23
Essa nova fase do pensamento humano, por muitos chamada de “pós-modernidade”,
acaba por se concretizar como uma etapa irreversível da humanidade, trazendo mudanças de
rumo ao pensamento social que só encontram precedentes nas trocas de Eras experimentadas
na evolução histórica da sociedade.
Nas ponderações de Cláudia Lima Marques, os tempos pós-modernos são um desafio
para o Direito na medida em que se abrem “[...] tempos de ceticismo quanto à capacidade da
ciência do Direito de dar respostas adequadas e gerais aos problemas que perturbam a
sociedade atual e se modificam com uma velocidade assustadora.”24
O ponto de encontro entre a cultura pós-moderna e o Direito são os valores que têm
em comum, estando composta por quatro fenômenos, a saber: o pluralismo, a comunicação, a
narratividade e o retorno aos sentimentos, tendo este o papel primordial dos direitos humanos,
orientados pela dignidade da pessoa humana.
A narrativa pós-moderna, reflete a aptidão dos ordenamentos jurídicos de criarem uma
nova forma de comunicação, por meio do sistema normativo, com o superamento do método
tradicional de estabelecer condutas específicas.
As normas narrativas trazem valores, estabelecendo orientações. Forma-se um Direito
líquido, fluido, apto à flexibilização, e capaz de ocupar, suavemente, todo o Direito
23 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.80 24 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.168.
26
disponível.No plano constitucional, a lição sobre a ampliação desta nova tabula de valores
abarcando todas as esferas políticas, econômicas e sociais, é fornecida por José Tadeu Neves
Xavier:
No plano constitucional, o constitucionalismo social mostra-se pluralista, comprometido com uma plêiade de valores até então afastados dos textos das Cartas Constitucionais tradicionais. A axiologia constitucional não se preocupa apenas com a preservação da estrutura estatal e com as garantias individuais. Novos direitos são reconhecidos nos textos constitucionais, com a consagração de ideais políticos, econômicos e sociais. A Constituição amplia-se e abre espaço para a proteção do cidadão, do eleitor, do consumidor, do agente de produção, do trabalhador, dente outras facetas do sujeito moderno. Ao mesmo tempo, são abertos flancos para as tutelas coletivas, como a do meio ambiente, do sistema econômico e previdenciário, entre outros.25
No âmbito das relações privadas, agora impulsionado pela oxigenação propiciada pela
nova legislação, o direito pátrio passa a consolidar novos valores, de maneira abrangente e
dúctil, de forma a proporcionar uma efetiva mudança em dogmas tradicionais, que passam a
ser dotados de um claro comprometimento que os coloca dentro de um modelo instrumental, a
serviço de valores sociais.
Assim, encontram-se as noções de função social da propriedade, da empresa e dos
contratos, além da absorção de novos modelos parentais, marcados de forma indelével pela
tolerância à diversidade. Para Cláudia Lima Marques26, tais mudanças são devidas, por certo,
às alterações no estilo de vida social.
Estas manifestações da crise do Direito, na realidade, representam nítidas formas de
manifestação do enfrentamento deste com a nova realidade imposta pelo fenômeno da
globalização, hábil a derrubar as fronteiras tradicionais, quer sejam reais ou simbólicas.
Sintetizando as principais mudanças experimentadas pelo Direito pós-moderno, em
comparação ao modelo jurídico da modernidade, Maria Celina Bodinde Moraes27 aponta que
o mundo da segurança do século XVIII deu lugar ao mundo de insegurança e incerteza.
Inerentes à sociedade de massa, os problemas advindos, de inúmeros matizes,
transformaram-se no atual desafio das ciências. A lógica racional, com seus critérios de
25 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.91. 26 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.168. 27 MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e direito civil: tendências. Revista dos Tribunais, v. 89, n. 779, set. 2000, p.89.
27
validade absoluta e universal, é posta em dúvida. Tais dúvidas transitam sob o fio condutor do
relativismo, tendo em vista a hipercomplexidade das fontes de direito, seja no plano material
como no formal, como destaca Antonio Junqueira de Azevedo:
O paradigma da pós-modernidade, especialmente em função da sua hipercomplexidade, revela a multiplicidade de fontes do direito, na defesa de inúmeros grupos sociais (característica material), e a vasta quantidade de leis, decretos, códigos deontológicos, etc. (característica formal).28
O Estado liberal, voltado para a política econômica, causa inúmeras transformações no
mundo jurídico, constituindo, desta forma, uma disciplina da ação estatal sobre as estruturas
do sistema econômico, representando um estímulo constante ao aperfeiçoamento das
instituições jurídicas em função de seus objetivos concretos.
Para Fabio Konder Comparato:
A economia, mais do que qualquer outra atividade tradicionalmente civil, transformou-se sob a ação do novo fenômeno bélico, demonstrando que a guerra não se ganha somente nas frentes de combate, mas também e, sobretudo, nos campos, nas usinas, nas fábricas e nos laboratórios, [...] daí o surgimento de uma regulamentação abundante, estrita e minuciosa das atividades econômicas, que transpõe, pouco a pouco, o panorama clássico do direito patrimonial, abolindo princípios, deformando institutos e confundindo fronteiras.29
Em suma, com o processo globalizante da economia e a prevalência do capital sobre
os anseios sociais, adveio pelo Estado uma nova dinâmica fenomenológica nas relações
jurídicas contratuais, com o conceito ético da autonomia e da liberdade contratual substituída
por conceitos éticos de responsabilidade e solidariedade, tendo como consequênciaa
relativização da tutela da liberdade contratual pelos ideais de proteção Estatal à dignidade da
pessoa humana.
2.2.2 O Novo Sistema Contratual
A complexidade que marca a sociedade pós-moderna se faz refletir também na forma
da abordagem das figuras jurídicas de maior destaque, que se mostram receptivas às
influências desse modelo de pensamento. José Tadeu Neves Xavier acentua:
28 COMPARATO, Fabio Konder. Contratos. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 6, p.55-56. 29 Idem, Ibid., p.73.
28
No campo da teoria dos contratos, a situação não é diversa. A conceitualização do contrato no ambiente no ambiente pós-moderno não pode mais ser obtida de forma unidimensional, exigindo do observador uma visão multifocal, que, ao mesmo tempo, possa ver as várias faces da figura negocial que, de forma articulada, irá compor o seu todo, superando as diferenças, contradições e ambiguidades.30
Com efeito, o contrato é a principal forma de circulação de riquezas no Estado, daí ser
necessário analisar, sob a ótica coletiva, a forma como este instrumento faz circular a riqueza
no país. No caso dos cartões de crédito, estes substituíram a necessidade de transporte físico
da moeda e é garantidor das operações comerciais, conforme caracteriza Arnaldo Rizzardo:
Sem dúvida, os inconvenientes e os riscos inerentes ao transporte físico da moeda de um local para o outro constituíram uma das causas que deram aos cartões de crédito. Este instrumento de contrato representa um meio de segurança na condução de dinheiro, uma garantia nos casos de premente necessidade e um fator de crédito, na sua acepção lata [...] democratizando o uso do crédito, a curto ou médio prazo, evitando o desembolso imediato do dinheiro, por parte do adquirente, para o pagamento dos bens ou serviços.31
Portanto, o pensamento pós-moderno exige do contrato a coexistência de um plano
interno de comunicação entre as partes em sintonia com os planos externos de ordem
institucional e social. Dessa forma, o vínculo pessoal, estabelecido entre os contratantes,
ganha novas tonalidades que lhe são atribuídas pela inserção de um determinado campo de
atuação.Neste passo, observa Luiz Edson Fachin sobre as nuances advindas neste renovado
saber:
O direito civil deve, com efeito, ser concebido como ‘serviço da vida’ a partir de sua raiz antropocêntrica, não para repor em cena o individualismo do século XVIII, nem para retomar a biografia do sujeito jurídico, mas sim para se afastar do tecnicismo e do neutralismo. Não sucumbir, enfim, ao saber virtual.32
Reafirma Cláudia Lima Marques o valor do contrato como principal instrumento para
circulação de riquezas, todavia com a responsabilidade social atuando como fonte de
realização dos ideais constitucionais:
30 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.129. 31 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.1389. 32 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 18.
29
Hoje, o contrato é somente instrumento de circulação das riquezas da sociedade; hoje, é também instrumento de proteção dos direitos fundamentais, realização dos paradigmas de qualidade, de segurança, de adequação dos serviços e produtos no mercado.33
Neste mister, cumpre ao hermeneuta, referenciado por uma conexão axiológica entre a
legislação de direito privado e os princípios contidos na Constituição da República, buscar
soluções atentando para uma nova perspectiva do direito atual. Não se pode descurar das
dificuldades surgidas da necessidade de concretização dos preceitos constitucionais.
Todavia, tal dificuldade não deve servir como pretexto a impedir a concretização
destes princípios.A complexidade crescente nas relações sociais, criadas pela explosão
demográfica, pelo aumento da participação ativa da população no mercado econômico, o
consumo desenfreado com a correspondente ebulição da produção em série, propiciaram a
busca de soluções que se manifestassem de forma mais abrangente.
Cláudia Lima Marques afirma que:
Com o efeito da pós-modernidade, a interpretação do direito do novo milênio passa, fundamentalmente, pelo conteúdo constitucional. Neste passo, a interpretação do contrato é de ser filtrada por princípios de estatura constitucional que funcionarão como vetores hermenêuticos a guiar a interpretação dos dispositivos legais aplicáveis ao instituto.34
No atual sistema contratual brasileiro, embora existam vários modelos de contratos
representativos da pós-modernidade, o exemplo mais emblemático da pós-modernidade é
encontrado na autotutela coletiva, por meio de convenções coletivas de consumo, firmadas
entre associações representativas dos interesses envolvidos.
É preciso assim, cada vez mais, buscar a harmonização entre as partes contratantes e
interessadas na efetivação de uma negociação que traga segurança jurídica e bem estar
econômico e social às pessoas, sendo que a mão forte e imparcial do Estado deve estar
presente nessas relações, garantindo o sucesso dos interesses coletivos de consumo.
Em síntese conclusiva do presente capítulo, pode-se constatar a importância da
existência de uma normatização jurídica capaz de apaziguar os interesses das partes
contratantes, normas essas que sempre devem espelhar a evolução dos tempos e adequar a
modernidade da evolução tecnológica-econômica-social da humanidade, garantindo o
equilíbrio que deve prevalecer entre as relações econômicas.
33 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.180. 34 Idem, Contratos no código de defesa do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.165.
30
Como resultante do avanço tecnológico no trânsito de dinheiro e crédito nas relações
negociais, constata-se que o instituto de cartão de crédito é o resultado direto do processo de
mudança imposta pelos novos vetores comerciais do capitalismo, fornecendo agilidade,
praticidade e segurança para o enorme fluxo de consumo existente.
31
3 PROCESSO NEGOCIAL: RELAÇÃO CONTRATUAL
O processo negocial e a relação contratual dentro da sociedade têm presença marcante
nas relações comerciais, encontrando-se presentes antes do surgimento de uma legislação
específica e do aparecimento da moeda.
A relação obrigacional atual não é diferente: busca a satisfação de interesses dos
contratantes; para tanto, serão estudados alguns pontos importantes e imprescindíveis para a
compreensão da presente pesquisa, como o conceito de negócio jurídico, contratos e a
abordagem dos principais princípios contratuais inerentes ao instituto de cartões de crédito.
Importante vislumbrar que a presente investigação, ao anunciar a relação negocial
existente e seus sujeitos, demonstra o embate de ideias para a formulação de um instrumento
contratual equilibrado e socialmente funcional para o mercado, que visa a ampliação da
dinâmica negocial de modo responsável, prevalecendo a vontade dos contratantes em
detrimento dos seus interesses individuais.
3.1 NEGÓCIO JURÍDICO: CARTÃO DE CRÉDITO
A compreensão do conceito de negócio jurídico e a produção de seus efeitos são
imprescindíveis para a compreensão do tema exposto, pois os negócios jurídicos realizados
entre as instituições financeiras e os consumidores se formalizam meramente por uma simples
aceitação, decorrente de um acordo de vontades.
O negócio jurídico, ato presente dentro de um acordo de vontades, tem por fim a
aquisição, transmissão e a extinção de direitos, é a sucessão de atos jurídicos coordenados
entre si, que pode decorrer do consensualismo das partes, ou da aceitação posterior à extinção
do sujeito do direito e do ato jurídico praticado.
A relação obrigacional adquirida com o negócio jurídico objetiva fins de caráter
econômico e social consonantes com os ditames constitucionais, albergando direitos e deveres
jurídicos entre as partes.
Francisco Amaral entende que: “[...] o negócio jurídico constrói-se no século XIX,
com princípios e normas referentes aos requisitos do ato, positivando o interesse dos sujeitos,
pactuados através da formalização de um contrato.”35
Desta forma, entende-se que o negócio jurídico é um acordo de vontades que tem por
fim a aquisição, transmissão e a extinção de direitos decorrerentes do consensualismo das
35 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.499.
32
partes, ou da aceitação posterior ao ato jurídico praticado.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pampolha Filho entendem que é imprescindível para
o entendimento da existência de um negócio jurídico que tenha ocorrido uma declaração de
vontade, e é preciso analisá-lo sob três planos:
a- Existência: um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos;
b- Validade: o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer que ele seja considerado perfeito, ou seja, com aptidão legal para produzir efeitos;
c- Eficácia: ainda que um negócio jurídico existente seja considerado valido, ou seja, perfeito para o sistema que o concebeu, isto não importa em produção imediata de efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais da declaração.36
Os planos citados, portanto, servem como pilar para análise de um instrumento
contratual, uma vez que permitem a dissecação de seus elementos de constituição, analisando
os pressupostos de validade e os fatores que eventualmente inferem na sua eficácia jurídica.
Todavia, se o negócio jurídico enquanto manifestação humana destina-se a produzir
efeitos tutelados por lei, é fruto de um processo cognitivo que se inicia pela formação da
declaração da vontades, pois, sem querer humano não há negócio jurídico, e, não havendo
negócio jurídico, não há que se falar em contrato.
Segundo Orlando Gomes:
O negócio jurídico é a mencionada declaração de vontade dirigida aprovocação de determinados efeitos jurídicos, a ação da vontade que se dirige de acordo com a lei, a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.37
Nesta linha de raciocínio, entende-se que o negócio jurídico é um acordo de vontades
que tem por fim a aquisição, a transmissão e a extinção de direitos; é a sucessão de atos
jurídicos coordenados entre si, que pode decorrer do consensualismo das partes, ou da
aceitação posterior à extinção do sujeito do direito e do ato jurídico praticado formalizado por
um instrumento contratual.
36 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.54. 37 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.280.
33
3.2 CONTRATOS
O instrumento contratual é um dos fenômenos mais antigos no cotidiano das pessoas,
pois, na sociedade atual, o cidadão ingressa em relações negociais, consciente ou
inconscientemente, para a satisfação de suas necessidades e desejos, para utilizar os bens e
serviços que necessita, sendo o contrato um fenômeno onipresente, principalmente no que
tange às ofertas trazidas pelo mercado de consumo.
Entretanto, a relação contratual no âmbito dos cartões de crédito trata de um negócio
jurídico, na modalidade de relação jurídica, onde o instrumento é a principal categoria, mais
precisamente o vínculo constítuido entre duas partes em função de um objeto a ser transmitido
total ou parcialmente, mediante a operação realizada, já esta se insere na categoria dos fatos
jurídicos e dos acontecimentos suscetíveis de regulamentação pelo direito.
Outro contraponto é a importância dos contratos oriundos dessa relaçao negocial, pois
implica na prática permanente de valores, através da ponderação útil, necessária e concreta
para a realização do Direito.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho trazem a relação do conceito e da
historicidade no que se refere aos contratos:
O surgimento do fenômeno contratual se dá dentro de cada sociedade, juridicamente producente, a cada escola doutrinária, desde os canonistas, passando pelos positivistas e jusnaturalistas, todas contribuíram a seu modo para o aperfeiçoamento do conceito jurídico de contrato, mas sem dúvida, contribuição inegável seria dada pelo movimento iluminista francês, o qual, segundo uma escancarada vocação antropocêntrica, firmara a vontade racional do homem como o centro do universo, determinando assim uma superforça valorativa do contrato levada às últimas consequências pela consagração fervorosa da pacta sun servanda.38
Contudo, os contratos são acordos de vontades entre duas pessoas em igualdade de
condições, livres para contratar perante o direito e a sociedade, passando a assumir todas as
obrigações convencionadas segundo a vontade dos contraentes.
Caio Mario da Silva Pereira trata contrato como:
Um negócio jurídico bilateral, exige o consentimento, pressupõe de outro lado a conformidade com a ordem legal, sendo ato negocial de acordo entre vontades com a finalidade de resguardar, adquirir, tranferir, conservar ou modificar ou extinguir direitos.39
38 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.39-41 39 SILVA, Caio Mario Pereira da. Instituições de direito civil. 5. ed. São Paulo: Forense, 1980. v. 1, p.45.
34
Conforme entendimento clássico, o contrato é uma espécie de negócio jurídico. Nesta
perspectiva, seria um meio concedido pelo ordenamento jurídico para a produção de efeitos
jurídicos, concedido mediante concessão das partes para a satisfação de seus interesses
jurídicos; possui inúmeras finalidades, sendo considerado um dos principais instrumentos de
circulação de riquezas.
O sistema de cartões de crédito, compreendido por Waldo Fazzio Júnior, repousa
sobre três pilares contratuais, todos direcionados à credibilidade, celeridade e segurança de
seu funcionamento:
a- contrato de prestação de serviços de emissão, administração e utilização, estipulado por uma instuiuição financeira emissora/administradora com adesão do usuário ou titular, perfazendo uma relação de consumo;
b- contrato de aquisição de bens/ou serviços, pelo titular junto a estabelecimento fornecedor, mediado pelo uso do cartão de crédito, também compreendido entre as relações de consumo;
c- contrato de prestação de serviços de entidades credenciadas com o estabelecimento fornecedor que adere ao sistema, para que possa aceitar cartões como instrumentos de suas transações com os titulares consumidores.40
Parafraseando Fazzio Junior, os três pilares elencados demonstram a praticidade do
uso do instrumento cartão de crédito na prática, a relação do consumidor com a instituição
financeira e com a empresa credenciada para o recebimento desta modalidade de moeda.
Luiz Edson Fachin disciplina que:
O contrato desenvolve uma expressão de autonomia da pessoa no espaço de uma certa liberdade. Essa é a concepção que se propôs a superar o dogma da vontade na concretização de personalismo ético. A questão está no limite contundente dessa configuração jurídica, que se reconhece incompleta e imperfeita. Os contratos pressupõem 'vontades' e, por isso mesmo, pressupõem a existência de alguém que manifeste essa vontade; daí ser imprescindível a relação de sujeito: o sujeito em si mesmo não é suficiente, sendo necessário colocá-lo em relação com o outro, donde surge a relação jurídica. Essa ideia vai vincular sobre o que recaem poderes e deveres, portanto, nesse sentido, emerge também a noção de objeto, que passa a ser, do mesmo modo que as demais, uma expressão dos pilares que compõem a base do Direito Privado.41
Pode-se afirmar que o contrato é o mais comum dos negócios jurídicos de dualidades e
se constitui com a validade e eficácia, sendo aplicado em um instrumento natural, posto à
disposição das partes para constituição, modificação ou desfalização da relação negocial
40 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p.13. 41 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.140-142.
35
jurídica envolvida entre as partes.
Ruy Rosado de Aguiar Junior registra o seguinte:
[...] aplaudo o Projeto no que representa de inovador na visão geral do contrato como um ato que deve atingir finalidade social, regulado pelos princípios da boa fé, da moralidade, da lealdade, dos bons costumes, da ordem pública. Para o juiz civil forneceu os instrumentos necessários para a realização da justiça material. Aplaudo-o também no que tem de apuro técnico. Apenas observo que, nesse propósito de atender àqueles princípios gerais antes enunciados, ao elaborar as normas de conduta, deixou de lhes dar plena aplicação ou lhes deu em extensão aquém da possível e desejada. De qualquer forma, na Teoria Geral do Direito e na matéria obrigacional, constitui um avanço do qual não podemos mais retroceder.42
O contrato surge por força das necessidades atuais, dentro do próprio direito privado,
trazendo novas figuras contratuais que se diferenciam daquela postura básica, ideológica,
anteriormente adotada. Antes, só restava ao contratado o direito de dizer sim ou não, sem
nenhuma possibilidade de negociar condições.
No entanto, com as modernas tendências advindas da codificação do Código Civil de
2002 (CC), que conjuga os contratos para o ordenamento jurídico brasileiro, traz um acordo
voluntário de ambas as partes interessadas na relação, tendo respaldo na escolha, na forma de
nortear a contratação, na sua liberdade em firmar um instrumento, procurando meios para
atender melhor os interesses dos contratantes.
Na concepção pós-moderna, a massificação das relações contratuais enseja a balança
econômica do contrato, convertendo-se em um negócio jurídico, documentado expressamente
entre duas partes, tendo a bilateralidade negocial, onde uma opta por aderir ou não à vontade
da outra.
Luis Edson Fachin43 entende que um dos pilares básicos para a noção de contrato se
resume primeiramente em um conjunto de princípios e regras que se compõemà luz do
conceito de relação jurídica, a teoria desse sistema, codificada sob o nome de parte geral e
interpretada pelo negócio jurídico.
Por isso, houve a necessidade de repensar a tendência individualista e egoísta que
tomava conta dos negócios e, na busca do equilíbrio das partes, o estado avançou doutrinária e
jurisprudencialmente sobre a função social do contrato civil, focalizando a justiça social com
o intuito de abordar de forma clara e objetiva os problemas enfrentados.
42 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Projeto do código civil: as obrigações e os contratos. Revista CJF, Brasília, n. 9, dez. 1999. Disponível em: <www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo6.htm.>. Acesso em: 16 nov. 2011. 43 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.141.
36
Ricardo Luis Lorenzetti :
El contrato fue concebido com um comienzo a través del consentimento y um fin, por efecto de alguna coisa de extinción: su estúdio se parecióentonces a uma fotografia estática. Hoy em dia se comienzan com contractossociales, tratativas, ofertas, consentimento, ejecución extensa, deberesposcontractuales, todo enla que resulta difícil separar etapas, laduracion de lãs relaciones jurídicas es um fenômeno difundido em laactualidade.44
Neste sentido, o contrato é tratado como um acordo de vontades, derivado de uma
relação negocial celebrada entre duas pessoas, sendo uma espécie dentro do negócio jurídico,
necessitando da existência de duas pessoas.
Cumpre investigar qual seria a natureza jurídica do contrato. Indiscutivelmente, se
traduz na declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de existência,
validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo ordenamento jurídico,
pretendidos pelo agente.
Pablo Stolze Gangliano e Rodolfo Planpona Filho45 asseveram que, como o contrato é
uma espécie do gênero do negócio jurídico, é forçoso convir que algum aspecto o
particulariza dos outros negócios jurídicos.
O contrato, sem dúvida, é um das mais importantes categorias dentre os negócios
jurídicos, como de comum acordo com as vontades, pois possui por finalidade a constituição,
modificação ou extinção de direitos, trazendo um conjunto de obrigações a serem cumpridas
pelas partes.
Na declaração constituída a partir da declaração unilateral, vincula-se a pessoa pela
sua pura e simples manifestação de expressão da vontade, como ocorre, por exemplo, com a
emissão de título de crédito, quando não se faz necessária a vontade da outra parte para que
sobrevenha a eficácia da declaração, vinculando-se o declarante ao seu conteúdo.
A negociação contratual entre as partes na esfera das administradoras de cartões temse
valido de técnicas precisas para atingir a grande massa de consumidores, num crescimento
exponencial de suas atividades.
É notório utilizar meios pouco convencionais para se tirar vantagem de um
consumidor, sem prestar-lhe as devidas informações ou ao menos garantir-lhe o conhecimento
44 LORENZETTI, Ricardo Luis. Esquema de uma teoria sistêmica del contrato. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1, p.494. 45 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.53
37
do que foi estipulado na relação negocial, posteriormente prevista nas condições tácitas de um
contrato.
Entende-se que o contrato é uma ferramenta indispensável no que tange as relações
negociais auferidas, passando a vislumbrá-lo de acordo com a realidade e as necessidades
exigidas dentro do contexto social, tendo a vontade pessoal uma fonte de obrigação, a partir
de sua declaração livre e séria, que pode ser uma declaração unilateral, vinculada ao
declarante desde a manifestação, ou uma declaração bilateral, gerando efeitos jurídicos a
partir da convergência ou do acordo de vontades sobre a esfera de cada declarante.
Ademais, fica evidente a importância de uma relação contratual demonstrada na figura
do titular de cartões de crédito e das operadoras prestadoras de serviços, neste caso, mediante
a formailização de um contrato de adesão pautados pela inobservância dos princípios
norteadores do direito, que será analisado no contexto a seguir.
3.3 PRINCIPIOLOGIA
O presente capítulo trata da análise dos princípios relevantes para o enfrentamento do
estudo, considerando apenas os informativos que norteiam a pesquisa e que se encontram
inseridos no contexto jurídico e social, correlatos com a relação contratual junto às operadoras
de cartões de crédito.
Os princípios constitucionais se inserem na Constituição Federal de 1988 (CF), como
garantias fundamentais. Nesse contexto, precisam ser bem compreendidos para que tenham
eficácia quanto à sua aplicabilidade e possam alcançar sua importância no ordenamento
jurídico.
José Joaquim Gomes Canotilho ressalta que: “[...] os princípios constitucionais
explicam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte.”46
Os princípios apresentados no presente estudo são: o princípio da dignidade humana, o
princípio da autonomia da vontade, ou consensualismo, o princípio da função social, o
princípio da boa-fé, o princípio da boa-fé objetiva, e o princípio da força obrigatória do
contrato.
Entende-se que os princípios relacionados aos contratos de cartão de crédito
desempenham importante função na formação dos contratos, servindo tanto de base à
liberdade de contratar, como trazendo a segurança jurídica necessária às negociações.
46 CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.1166.
38
Tais princípios são parâmetros de inspiração da regulação legislativa, doutrinária e
jurisprudencial, dando-lhe uma dimensão constitucional, apontando-se a extrema importância
de averiguar os parâmetros que delineiam seu conteúdo.
Luiz Carlos Freghieri Guimarães compreende:
Os princípios constitucionais servem de guia parao intérprete interpretar as regras, isto é, indicam uma direção a seguir; vale dizer que são vetores que conduzem a melhor aplicação do direito objetivando a correta interpretação de suas regras, uma vez que têm o fio de orientar, condicionar e ser fonte de luz às interpretações das normas jurídicas.47
Na modernidade e principalmente na facilidade de acesso aos cartões de crédito, a
tendência hodierna é clara no sentido de que deve haver um regramento mais principiológico
para proteção das relações consumeristas, e, nesse contexto, é que surgem os princípios
constitucionais como forma célere e eficiente para guiar as soluções adequadas à proteção da
relação entre as partes envolvidas.
A aplicação dos princípios no âmbito contratual demonstra a importância que os
contratos atingiram para a sociedade, definindo a socialização do direito contratual na
modernidade.
Robert Alexy, caracteriza os princípios como “mandados de otimização que se
caracterizam porque podem ser cumpridos em diversos graus e porque a medida ordenada de
seu cumprimento não apenas depende das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas.”48
Logo, primordial se torna a criação e desenvolvimento do instrumento contratual, que
vigora e orienta desde a sua criação até a sua extinção, fazendo com que os princípios que o
norteiam sejam aplicados de acordo com as situações concretas que permitem a prevalência
do equilíbrio entre os contratantes, tornando-se de fundamental importância diante da
primazia da dignidade humana, conforme preceito constitucional.
3.3.1 Princípio da Dignidade Humana
A dignidade da pessoa humana sempre foi postulada pelo homem na relação Estado-
47 GUIMARÃES, Luiz Carlos Forghieri. Direitos fundamentais e relações desiguais nos contratos bancários. São Paulo: Letras Jurídicas: 2009. 48 ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón prática. Revista Doxa - Cuadernos de Filosofía del Derecho, Alicante, n. 5, p. 139-151, 1988. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/portal/ DOXA/cuadernos.shtml>. Acesso em: 19 nov. 2011, p.143.
39
Indivíduo. Tal pretensão, como mostra o constitucionalismo, serviu de base para o surgimento
da formação de Estados com uma constituição escrita a fim de se assegurar os direitos do
homem, o que culminou com o estabelecimento dos direitos fundamentais.
Esse princípio traduz uma diretriz inegável de solidarismo, imprescindível para a
implantação efetiva do Estado Democrático de Direito; por isso a Constituição Federal, em
seu artigo primeiro, III, dispõe que: “a República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III- a dignidade da pessoa humana”.49
Luiz Antônio Rizzato entende que:
A dignidade da pessoa humana constitui-se em uma conquista que o ser humano realizou no decorrer dos tempos, derivada de uma razão ético-jurídica contra a crueldade e as atrocidades praticadas pelos próprios humanos, uns contra os outros, em sua trajetória histórica.50
De modo geral, é a dignidade humana um atributo da pessoa, não podendo ser medida
por um único fator, pois nela intervém a combinação de aspectos morais, econômicos, sociais
e políticos, entre outros.
Como princípio fundamental do Estado Democrático brasileiro, a dignidade da pessoa
humana, juntamente com o direito à vida e à liberdade, são garantias individuais asseguradas
pela Constituição Federal e servem como fundamento e princípios informadores que
legitimam as manipulações sobre a vida humana, objeto desta pesquisa.
O princípio da dignidade da pessoa humana, não obstante a sua inclusão no texto
constitucional, é, tanto por sua origem quanto pela sua concretização, um instituto basilar do
direito privado.
Assevera Antônio Junqueira de Azevedo que: “[...] o uso da expressão dignidade da
pessoa humana pressupõe o imperativo categórico da intangibilidade da vida humana e da
origem em sequência hierárquica, deve ser tratado em toda interpretação, aplicação ou criação
de normas jurídicas.”51
Esse princípio traduz uma diretriz inegável de solidarismo, imprescindível para a
implantação efetiva do Estado Democrático de Direito, por isso a Constituição Federal, em
49 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 50 NUNES, Luiz Antônio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 40. 51 AZEVEDO, Antonio Junqueira. A caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista Trimestral de Direito Civil, n. 9, p.3-24, jan./mar. 2002, p.03-24.
40
seu artigo 1º, inciso III, foi enfática em ressaltar a importância da dignidade da pessoa
humana.
Gustavo Tepedino ensina que:
Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objeto fundamental da erradicação da pobreza e da marginalização, e da redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do §2.º do artigo 5.º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que não decorrentes dos princípios adotados pelo Texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.52
A dignidade humana constitui um valor unificado de todos os direitos fundamentais e
tem ainda função legitimatória do reconhecimento de direitos fundamentais implícitos.
O princípio em tese é base da própria existência do Estado Brasileiro e, ao mesmo
tempo, fim permanente de todas as suas atividades; é a criação e a manutenção das condições
para que as pessoas sejam respeitadas, resguardadas e tuteladas, em sua integridade física e
moral, assegurados o desenvolvimento e a possibilidade da plena concretização de suas
potencialidades e aptidões.
Não se pode deixar de citar o julgado da Primeira Turma Recursal dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, quando o v. acórdão assim se expressou:
CIVIL. CDC. CARTÃO DE CRÉDITO. OPERAÇÃO FRAUDULENTA. INDEVIDAS COBRANÇAS E INCLUSÃO DO NOME EM REGISTROS CADASTRAIS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. FATO DE TERCEIRO NÃO CARACTERIZADO. VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA. DEVIDA REPARAÇÃO PELOS DANOS IMATERIAIS. MONTANTE FIXADO. OBSERVÂNCIA CRITÉRIOS RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. FINS PEDAGÓGICOS, PUNITIVOS E PREVENTIVOS ATENDIDOS. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS RESTRIÇÕES. PERÍODO DE MANUTENÇÃO. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA FRENTE OPERAÇÃO COMBATIDA. SENTENÇA REFORMADA PARA SUPRIR O PLEITO EM QUESTÃO, MANTIDOS INCENSURÁVEIS DEMAIS COMANDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível n. 2007.01.1. 071464-3, Juizado Especial Civil e Criminal DF).53
52 TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.25. 53 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível no Juizado Especial nº 20070110714643 DF, da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal, relator Donizeti Aparecido, Brasília, 23 de setembro de 2008. Diário da Justiça da União, Brasília, p. 280, 02 dez. 2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2400218/apelacao-civel-no-juizado-especial-acj-20070110714643-df-tjdf>. Acesso em: 21 jul. 2012.
41
A decisão supramencionada apreciou um caso de extrema violação da dignidade da
pessoa humana, quando o nome da pessoa foi negativado nos órgãos de restrições sem
qualquer conhecimento e sem ter cometido violação contratual.
Nesse caso, o julgador reconheceu o direito do lesado em ser indenizado
pecuniariamente pela violação do direito maior, que é a dignidade da pessoa humana, vez que
o fato de ter seu nome depreciado nos órgãos de proteção ao crédito, indevidamente, é mais
do que suficiente para ter reconhecida a presença do dano moral, figura indenizável.
Conclui-se que o princípio da dignidade da pessoa humana possui dimensão social e
jurídica importantíssima, pois garante o direito de se viver plenamente sem intervenções
ilegítimas do Estado ou do particular.
3.3.2 Princípio da Autonomia Privada da Vontade ou Consensualismo
O Princípio da Autonomia Privada, acompanhando essa evolução, consiste na
liberdade que cada indivíduo tem de contratar ou deixar de contratar. Cada um é livre para
declarar sua vontade de produzir efeitos jurídicos através de um contrato.
A autonomia privada é o poder que os particulares têm de regular o exercício de sua
própria vontade, definindo as relações que participam, estabelecendo-lhes o conteúdo de uma
relação negocial.
Não se pode falar em contrato sem autonomia da vontade. Este instituto, tratado como
liberdade de contratar, manifesta-se no plano pessoal, ou seja, na liberdade de escolher a
pessoa com a qual quer contratar dentro dos ditames da lei.
Roberto Senise Lisboa ressalta que:
Historicamente, o princípio do consensualismo, por si, sem observância da forma, não acarretava a exigibilidade da obrigação por meio de um actio, já que apenas o acordo entre as vontades que se revista de formalidades pertinentes que se designa como contrato.54
Desta forma, o contrato sem vontade não é contrato, ou seja, o indivíduo tem a
faculdade de contratar, se desejar contratar, de escolher o tipo de contrato que quiser, fixando
seu conteúdo e estipulando o que interessa para ambas as partes, destacando-se sempre a
expressão de liberdade individual.
Rizzato Nunes entende por este princípio que:
54 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.101.
42
Os contratos são decididos unilateralmente e postos à disposição do consumidor, que só tem como alternativa, caso queira ou precise adquirir o produto ou o serviço oferecido, aderir às disposições pré-estipuladas. Daí não ter qualquer sentido falar em pacta sunt servanda. Esta pressupõe autonomia da vontade no contratar e no discutir o conteúdo das cláusulas contratuais.55
Na sua essência, a autonomia da vontade significa que o contrato é o acordo de
vontades livres e soberanas, não passível de modificações. Os contratantes podem escolher
em celebrar ou não o contrato e definir os seus contornos e características conferindo ao
titular do título o correspondente direito relativo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, em recente julgado sobre o tema, assim se
posicionou:
CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO - Ação de revisão de cláusulas contratuais com pedido de repetição de indébito - Administradora incorporada pelo Banco Real e depois pelo ABN AMRO Real S/A - Cláusula mandato para eventual captação de recursos no mercado financeiro - Encargos contratuais - Composto pelo custo do financiamento, pela remuneração de serviços de administração e pela remuneração de garantia - Confusão na cobrança de juros e encargos contratuais, sem qualquer distinção - Necessidade de demonstração pormenorizada de todos os fatores que compõem tais encargos mais os juros contratados – Não comprovação - Juros contratados - Não demonstração prévia - Inadmissibilidade - Cobrança de juros limitada a 12% ao ano de forma linear e sem capitalização - Aplicabilidade - Repetição de indébito em dobro - Impossibilidade - Dano moral - Inocorrência –Recurso provido em parte.56
No presente caso, trata-se de uma evidente relação consumerista, que se aplica ao
Código de Defesa do Consumidor (CDC). O contrato é de adesão e, como houve supressão do
princípio do consensualismo, violou-se também o princípio da boa-fé.
Em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto na Constituição
Federal (inciso XXXV do artigo 5º), é possível a intervenção do Poder Judiciário nos
contratos de consumo se foram estipuladas cláusulas desproporcionais, arbitrárias ou abusivas
para assegurar a igualdade, o equilíbrio e a proporção entre as prestações, evitando-se, assim,
que a vulnerabilidade do consumidor possibilite a obtenção de vantagem exagerada pelo
fornecedor, em detrimento dos legítimos interesses daquele.
55 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material (arts. 1º ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p.541. 56 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 9185074-38. 2004.8.26.0000, da 16ª. Câmara de Direito Privado, relator Cândido Alem, 8 de fevereiro de 2011. Disponível em: <www.tjsp.gov.br>. Acesso em: 21 jul. 2012.
43
O contrato deve ser interpretado a fim de proteger o usuário consumidor,
hipossuficiente na relação jurídica-contratual estabelecida com instituições financeiras. Não
pode o usuário do cartão de crédito prejudicar-se por cláusulas contratuais de adesão no que
tange às taxas de juros remuneratórios ou de correntes de eventual inadimplemento da
obrigação.
Em relação às cláusulas abusivas do contrato celebrado entre instituições financeiras e
consumidores, deve-se frisar que a proteção contra cláusulas abusivas é um dos mais
importantes instrumentos de defesa do consumidor, importância que se avulta em razão da
multiplicação dos contratos de adesão, concluídos com base nas cláusulas contratuais gerais.
Além dessa circunstância, a impossibilidade de o aderente discutir as bases do contrato
faz com que, no que respeita às relações de consumo, deva haver a necessária proteção contra
cláusulas abusivas, que se originam amiúde das cláusulas gerais do contrato.57
Conforme se depreende da análise da ementa e v. acórdão mencionado anteriormente,
os valores das taxas, dos encargos e dos juros cobrados, apesar de mencionados no
contrato,não foram previamente informados ao consumidor, usuário do cartão de crédito.
A Administradora deveria ter informado ao usuário-consumidor do cartão de crédito o
valor certo e determinado dos juros e dos encargos em homenagem ao direito de informação.
Nota-se, a partir do presente contrato de cartão de crédito, que não foi definida
expressa e previamente a taxa de juros que será cobrada, sendo certo que não se pode admitir
surpresa oriunda de juros flutuantes, em detrimento ao princípio da ‘pacta sunt servanda’.
As cláusulas abusivas e onerosas referentes aos juros podem ser declaradas nulas
conforme preceitos normativos previstos no Código de Defesa do Consumidor.
É imperiosa a ciência prévia e expressa do usuário-consumidor dos juros que devem
ser pagos.Não tendo sido estipulada a taxa de juros remuneratórios, deve permanecer a taxa
de juros de 12% ao ano, conforme reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, porque paga espontaneamente a dívida, não cabe a pretendida repetição de
alegado indébito.Dispõe a segunda parte do artigo 1.093 do Código Civil o que segue: “Mas a
quitação vale, qualquer que seja a sua forma.” E o artigo 965: “Ao que voluntariamente pagou
o indevido incumbe a prova de tê-lo feito por erro.”
As quitações feitas através de depósitos, bem como a novação, o foram
espontaneamente. Nem se cogitou alegar tivessem sido feitas com defeito dos atos jurídicos.
Ademais, o consumidor que reclamou não se mostrou incauto e nãoafeito a negócios. Agiu
57 NERY JUNIOR, Nelson. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.548.
44
espontaneamente e sem erro.
A devolução em dobro também se pode deferir ao reclamo quando nãohá
demonstração inequívoca de má-fé da instituição financeira. Da mesma forma, também não
ocorreu dano moral indenizável (incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal), pois a
mera cobrança de dívida não enseja dano moral; o que se proíbe é que essa cobrança seja feita
de modo vexatório, abusivo ou constrangedor (artigo 42, ‘caput’, do Código de Defesa do
Consumidor).
Assim, tendo-se em vista que não foram prévia e expressamente indicados no contrato
os índices de juros que seriam cobrados, sua fixação deve obedecer ao percentual de 12% ao
ano, juros estes que devem ser cobrados de forma linear, excluindo-se qualquer forma de
capitalização.
Este princípio ganhou um impulso para que as partes, desde logo, pudessem vir a
pleitear judicialmente o cumprimento da obrigação contraída.
Gilissen assevera que, com este princípio, consagrou-se: “[...] o ‘pacta sunt servanda’,
princípio basilar do direito natural. Esse princípio ficou conhecido como a era do
individualismo jurídico, época em que o interesse individual prevalecia.”58
Nancy de Paula Salles ressalta que: “[...] o princípio da autonomia consiste na
prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se
submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral ou não o
contradigam.”59
Conforme tal entendimento, conclui-se que as pessoas têm a liberdade de contratar, ou
não. Se deliberarem contratar, podem estabelecer normas superiores de ordem pública e bons
costumes, o que melhor lhes aprouver.
Essa autonomia de vontade aqui referida é vista no plano da bilateralidade do contrato,
pode ser expressa pelo denominado consensualismo, peça fundamental no negócio jurídico.
Verifica-se também que a limitação da manifestação de vontade dos contratantes, imposta por
normas de ordem pública, dirigismo contratual, tornou-se necessária para que a liberdade
volitiva, sem contenção, não se convertesse em abuso.60
A autonomia da vontade assegura às partes total liberdade para concluir os seus
58 GILISSSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1982. 59 SALLES, Nancy de Paula.Caráter normativo do negócio jurídico. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1, p.1334. 60 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.70-72.
45
contratos. Funda-se na vontade livre, sob dois aspectos: o prisma da liberdade propriamente
dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato e a pessoa com quem
contratar; e o da liberdade de escolha das partes quanto à modalidade contratual a ser adotada,
denominada também de poder de autodeterminação da pessoa de autorregular seus interesses.
O ordenamento jurídico confere às pessoas esse poder de provocar efeitos jurídicos
por meio da prática dos negócios jurídicos em cujo universo inserem-se os contratos. Desse
modo, por sua vontade, os contratantes criam relações jurídicas concretas, admitidas e
reguladas, in abstrato, na lei, prevendo efeitos em função dos quais estabelecem
voluntariamente cláusulas a que subordinam o seu próprio comportamento.
A liberdade contratual implica escolher entre contratar ou não contratar, com quem
contratar e como contratar, na possibilidade de determinar o conteúdo e as cláusulas do
contrato.
Para Claudia de Lima Marques:
A ideia de autonomia de vontade está estreitamente ligada à ideia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito.61
Nesse contexto, vê-se que a importância da liberdade da vontade de contratar dos
indivíduos é um direito inalienável e irrenunciável, e, uma vez violado esse princípio da
vontade livre, o negócio contratual fica marcado por nulidades, perdendo a sua validade.
A ideia de liberdade contratual implica em escolher entre contratar e não contratar,
com quem contratar e como contratar, e suas limitações por preceitos de ordem pública. Três
modalidades distintas podem ser didaticamente compreendidas da seguinte forma, conforme
ensina Pablo Stolze Gangliano e Rodolfo Pamplona Filho:
[...] a própria liberdade de contratar: em regra ninguém pode ser forçado a celebrar um negócio jurídico, pois essa importaria em um vício de consentimento a macular a validade da avença. Numa evidente flexibilização de tal regra o que já mostra que nenhum principio pode ser encarado seriamente como uma verdade absoluta para toda e qualquer situação, mas sim somente como uma verdade socialmente aceita.62
61 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.45. 62 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.73.
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A autonomia da vontade possui duplo propósito, sendo o primeiro na formação do
contrato, em que o contratante possui a faculdade de optar ou não se adere ao contrato; e o
segundo se dá no desenvolvimento a aplicabilidade dessa conduta, ou seja, sua eficácia, onde
o resultado discutido em questão é gerado sempre na dimensão de vínculo criada entre as
partes.
Desta forma, nota-se que este princípio constituiu prioridade para atingir o equilíbrio
da relação contratual e da igualdade real que se almeja para ambas as partes.
Justifica-se tal delimitação, ainda, como meio idôneo para a proteção dos interesses de
terceiros determinados ou indeterminados, que, porventura, vierem a sofrer os efeitos do
contrato ajustado pelas partes; sendo assim, visa o aperfeiçoamento da tentativa de conceder o
equilíbrio as relações contratuais.
3.3.3 Princípio da Função Social
Este princípio é de ordem pública e se trata de uma norma geral do ordenamento
jurídico. A partir dele o contrato deve ser visualizado e interpretado de acordo com o contexto
social em que se insere, sendo este não a razão, mas sim o limite contratual.
Na realidade, o Código Civil não funcionaliza o contrato, mas a liberdade contratual,
pondo em nível de condicionante o exercício da liberdade de contratar, ao que o Código
denomina de razão e limites da função social.
O Artigo 421 do Código Civil traz expresso que: “A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”63
Com a evolução histórica e consequente alteração do panorama das sociedades, o
Estado passou a adotar uma postura cabalmente intervencionista, principalmente na seara das
relações econômicas.
Por conta de tal fenômeno, a função social do contrato moldou-se com contornos mais
específicos, haja vista integrar uma doutrina maior, intitulada doutrina da função social.
A partir do momento em que o Estado passou a adotar uma postura mais
intervencionista, abandonando o ultrapassado papel de mero expectador da ambiência
econômica, a função social do contrato ganhou contornos mais específicos.
José Carlos Fortes entende que a função social do contrato se dá:
63 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011.
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[...] no fundamentado, na existência da dignidade da pessoa humana, este princípio surgiu pela primeira vez com São Tomás de Aquino, quando este por sua vez, afirmou que os bens apropriados individualmente teriam um destino comum, que o homem deveria respeitar. No entanto, este ideal somente ganhou força muito posteriormente a isso, mais precisamente no século XIX, graças às profundas mudanças que ocorreram tanto no meio econômico, quanto no social, em virtude da revolução industrial. Nos dias de hoje, compreendemos que os contratos não partem somente da pura e simples autonomia de vontades; este já não vigora mais livremente como em outros tempos encontrando fortes e expressos limites.64
Dessa forma, podemos compreender que é por meio deste princípio que o contrato
passa a não ser mais entendido como uma relação jurídica existente apenas para sanar os
interesses exclusivos das partes a quem o contrato se vincula, mas sim ligando estes
instrumentos aos aspectos sociais imperativos de ordem do cenário contemporâneo, que têm
por força influenciar e alterar as relações jurídicas entre as aprtes quando estas desrespeitarem
o interesse maior, o social.
O acordo de vontades ainda possui importância fundamental para a celebração deste
ato jurídico, sendo inclusive o elemento subjetivo essencial ao contrato, já que este somente
se origina perante a declaração de vontades.
A liberdade individual e de iniciativa pessoal continua sendo a razão existencial dos
contratos; contudo, diante do Estado Democrático de Direito e sua visão mais humanista das
relações jurídicas, nos foi imposta, por parte do Estado, certa intervenção, pela qual a simples
autonomia não possui mais a mesma plenitude de outrora.
A função social assevera-se em dois níveis: um dele é intrínseco, no qual o contrato é
visto como relação jurídica entre as partes negociais, impondo-se respeito à lealdade negocial
e à boa-fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre os contratantes; e o
extrínseco, o contrato em face da coletividade, ou seja, visto sob o aspecto de seu impacto de
eficácia na sociedade em que fora celebrado. De fato, é perfeitamente adequada a
sistematização e o trato ideológico da função social do contrato.
José Reinaldo de Lima Lopes afirma que a autonomia da vontade:
[...] é uma marca registrada da Teoria Contratual do século XIX, gera ou é gerada por uma concepção de direito como expressão de faculdades
64 FORTES, José Carlos. Princípios fundamentais na formação dos contratos. Artigos Fastjob, 19 out. 2006. Disponível em: <http://www.fastjob.com.br/consultoria/artigos_visualizar_ok_todos.asp?cd_artigo=466>. Acesso em: 25 fev. 2011.
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individuais, entre elas a vontade de um soberano e a noção do poder como capacidade de imposição da própria vontade, vontade que obriga.65
Desta forma, considera-se que o Princípio da Função Social do Contrato foi inserido
na legislação civil como uma cláusula geral.
Assim, pode-se compreender que, através da função social, o contrato está inserido em
um contexto social que pode até modificar este pacto, que não é mais entendido como uma
relação jurídica que serve restritamente para satisfazer interesse relativo às partes.
Miguel Reale registra que:
Um dos motivos determinantes desse mandamento resulta da Constituição de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade. Essa colocação das avenças em um plano transindividual tem levado alguns intérpretes a temer que, com isso, haja uma diminuição de garantia para os que firmam contratos baseados na convicção de que os direitos e deveres neles ajustados serão respeitados por ambas as partes.66
A função contratual colabora para o desenvolvimento do ser humano, porém, sob o
aspecto funcional, não pode ser elencada como um direito da personalidade, mas sendo o
contrato um instrumento para auxiliar e promover a concretude dos direitos da personalidade,
denominado também como um princípio geral de ordem pública, pela qual o contrato deve ser
necessariamente visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade.
Nossos Tribunais assim têm-se posicionado a respeito do tema:
APELAÇAO CÍVEL. REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. APLICAÇAO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS. TEORIA SOCIAL DO CONTRATO. RELATIVIZAÇÃO DO PACTA SUNT SERVANDA E DO ATO JURÍDICO PERFEITO. PERCENTUAL DOS JUROS APLICADO. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO. PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE DE JUSTIÇA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. POSSIBILIDADE DA REVISÃO DOS CONTRATOS. O código consumerista é aplicável às administradoras de cartões de crédito, consideradas instituições financeiras, por força do que preconiza as Súmulas 283 e 297 do STJ. A observância aos princípios da
65 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.400. 66 REALE, Miguel. A função social do contrato. 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/ artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 28 fev. 2011.
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função social do contrato e do equilíbrio contratual, mitiga a aplicação do dogma pacta sunt servanda aos contratos regidos por normas de direito público. TAXA DE JUROS. A taxa de juros aplicada deve ser medida de acordo com a taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil. Correta a sentença monocrática. CAPITALIZAÇAO MENSAL DE JUROS. Afastada, nos termos da Súmula 121 do STF.67
Esse acórdão demonstra a importância da função social dos contratos porque nem
sempre o que as partes mutuamente acordaram tornam-se imutáveis, principalmente quando é
verificado que houve um desequilíbrio contratual e que não foram preservados os princípios
norteadores da contratação licita, amparados pelos ditames legais vigentes.
Também demonstra que, quando há desequilíbrio dos encargos impostos por uma das
partes, é possível a revisão daquilo que foi contratado através do princípio jurisprudencial da
relativização do pactuado.
A função social não é a razão que motiva a realização de um contrato, mas sim
restringe a liberdade contratual, na medida em que o contrato deve ser realizado nos limites e
em consonância com sua função social, e não em razão desta.
Em síntese, a transformação da teoria geral dos contratos resultou no surgimento de
novos preceitos, visando equilíbrio e harmonia na relação contratual, por meio da observância
de princípios como a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, norteados na dignidade
da pessoa humana e no intervencionismo estatal.
O presente estudo analisa a função social dos contratos, com enfoque nos direitos da
personalidade, abordando natureza jurídica e fundamentos, suas principais características e a
eventual restrição ao princípio da liberdade contratual, estes que se encontram presentes nas
relações contratuais oriundas de cartão de crédito.
3.3.4 Princípio da Boa-Fé
A boa-fé é vista, inicialmente, como um elemento linguístico e sua representação
jurídica foi obra do direito romano. Pode-se dizer que este princípio traduz-se como uma
convicção interior que o sujeito possui acerca da justiça de seu direito, ou seja, pela sua boa-fé
objetiva.
Roberto Senise Lisboa emprega a boa-fé dando-lhe três sentidos:
67 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe. Apelação Cível n. 2011204357 SE, da 2ª Câmara Cível do Tribunal da Justiça do Estado do Sergipe, relator Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, 18 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18798290/apelacao-civel-ac-2011204357-se-tjse>. Acesso em: 21 jul. 2012.
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A- A fides-sacra, prevista na lei das XII Tábuas, quando o patrão defraudasse a fides do cliente. Trata-se da boa-fé ligada às conotações religiosas e morais;
B- A fides-fato, desprovida de conotações religiosas e morais, associada à noção de garantia. É o resultado da abstração do trabalho filológico;
C- A fides-ética, pois a garantia expressa pela fides passou a residir na qualidade de uma pessoa e no sentido de dever.68
O sentido da boa-fé evolui para a noção do poder, como a posição jurídica do patrão e
a promessa. Nesse período, a submissão da pessoa não era um ato contratual, mas a
consequência da fides-poder. Diferente da fides-promessa, que foi a exteriorização formal da
sujeição, a fides-poder era o ato promissório de garantia e sujeição, a partir do formalismo
exterior da promessa. Possuía eficácia obrigacional que estabelecia a responsabilidade pessoal
do devedor por meio de sua venda como escravo, além de sua eventual morte. A boa-fé
tornou-se um conceito diluído e repentinamente usado para traduzir as mais diferentes
situações jurídicas, abrangendo todas as figuras jurídicas existentes.
Jussara Suzy Assis Borges Nasser Ferreira destaca que:
A teoria negocial contemporânea limita vontades individuais e plurais, interesses particulares e coletivos, presentes nas contratações privadas e de massa, assegurando a dignidade das partes. A igualdade formal é desmistificada, reconhecida como produto de ficção do formalismo positivista. A desconstrução promove a visibilidade da igualdade material, real entre as partes, vital ao equilíbrio negocial e justiça dos pactos. A pós-modernidade resgata as cláusulas gerais da boa fé e da função social do contrato para efetivá-las na base do negocio jurídico contemporâneo.69
O direito privado, regulado pelo Código Civil e por outros estatutos legais, dentre os
quais se destaca o Código de Defesa do Consumidor, não pode permanecer alheio ao
conteúdo constitucional; por isso, acreditamos que princípios de direito privado, tais como o
da função social do contrato e o da boa-fé objetiva, haverão de auxiliar o hermeneuta na
construção de uma teoria contratual afinada com as práticas contratuais contemporâneas.
Alinne Arquette Leite Novais, cita que: “[...] a boa-fé objetiva é o principio normativo
que se exprime por meio de cláusulas gerais, cuja importância crescente traduz a superação do
positivismo científico e legalista, com o seu modelo de sistema fechado.”70
Conforme o entendimento de Ricardo Luis Lorenzetti:
68 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.96. 69 FERREIRA, Jussara Suzy Assis Borges Nasser. Teoria crítica do negócio jurídico. Revista de Direito Privado da UEL, v. 2, n. 1, 2009. Disponível em: <www.uel.br/revistas/direitoprivado>. Acesso em: 12 nov. 2010, p.14. 70 NOVAIS, Allinne Arquette Leite. O principio da boa fé e a execução contratual. In: TEPEDINO, Gustavo (Org.); FACHIN, Luis Edson (Org.). Obrigações e contratos: estrutura e dogmática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 3, p.564.
51
La economia delbienstar y su política intervencionista provocaron uma reaccion importantíssima em lãs ultimas três décadas delsiglo XX. Se afirmó que habia demasiadas regulaciones, exceso de intervencion, y que ello era ineficiente, habia que retornar al liberalismo com sus banderastradicionales, libertad e iniciativa privada, com ello iniciou-se um amplio processo de desregulacion, desmontando todo l ocreado por intervencionismo. El modelo teórico era o seguinte, se posutlóel retorno a la autonomia privada irrestricta para que cada individuo tuvieracontrol sobre sua vida.71
A função social dos contratos ganha fôlego especial, proporcionado pela sua
normatização no artigo 421 do Código Civil, determinando que a liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
De outro lado, e até como forma de complementação da noção de função social, em
uma espécie de justaposição simbiótica, José Tadeu Neves Xavier aponta para o princípio da
“[...] boa-fé objetiva, que trata de princípio-valor, derivado do ativismo jurisprudencial que,
nas últimas décadas, acabou por consolidar-se no nosso sistema contratual, ganhando um
lugar cativo neste ambiente jurídico.”72 (grifo do autor).
Cláudia Lima Marques entende que: “[...] a nova concepção do contrato é no sentido
de potencializar o caráter social deste instrumento jurídico, para o qual não só o momento de
manifestação da vontade surta efeito no contrato celebrado.”73
A incidência do princípio da boa-fé específico no sistema contratual de cartão de
crédito é vista como um limitador da autonomia da vontade, porém, um dogma construído a
partir da ideia de que os indivíduos podem decidir sobre a própria vida, autorregulamentando
suas relações privadas no contexto social, tendo como fundamento o modelo de um sujeito
responsável que desenvolva em suas relações intersubjetivas a lealdade, fazendo com que se
torne justa e ponderável a negociação estipulada entre as partes.
A incidência do princípio da boa-fé, agora positivado de forma inescusável no Código
de Defesa do Consumidor, tem o papel de evitar a excessiva transferência de riscos gerada
pela normatização da administradora de cartões quando, em um primeiro momento, surgem
novos deveres e direitos ao titular, e em um segundo momento, a nulidade das cláusulas
contratuais construídas em desacordo com a comutatividade do contrato.
Esses novos deveres impostos pelo principio da boa-fé é que darão a unidade
71 LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de las contratos. Buenos Aires: Generak-Rubinzal-Culzoni, [20--], p.27. 72 XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. 2006. 339 p. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, p.169. 73 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
52
necessária àquele instituto jurídico, fornecendo os subsídios normativos suficientes para a
resolução de problemas.
Os postulados da função social dos contratos e da boa-fé devem atuar como
amálgamas sistematizadoras da principiologia das relações negociais, garantindo a unidade na
diferença e evitando que a tópica inseparável da realidade negocial venha a se tornar elemento
de difusão e desacerto dos postulados que dão sustento à teoria dos contratos.
Jungidos aos diversos princípios que dão vida à reprodução jurídica da realidade
negocial e servindo como o seu fio condutor, os onipresentes postulados da função social e da
boa-fé lhes proporcionarão a efetividade que há muito acalenta o ideário da doutrina
contratual. Nesse sentido se mostra a jurisprudência mais recente:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CHEQUE ESPECIAL, EMPRÉSTIMO E CARTÃO DE CRÉDITO. Princípio da boa-fé. O ajuizamento de ação revisional não implica quebra do princípio da boa-fé, pois o acesso ao Judiciário não pode ser negado à pessoa que, crendo estar sendo tolhida em seus direitos, busca, por meio da ação, o respeito e a aplicação deles. Outrossim, admitir a ação de revisão apenas mediante o adimplemento contratual seria impor condição ao direito de acesso à Justiça, previsto pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Juros remuneratórios. Cheque especial. Não havendo demonstração acerca das taxas pactuadas, é imperativa a limitação à taxa média bancária, apurada e publicada pelo Banco Central, para cada espécie de contratação. Empréstimos. Constatada a abusividade das taxas pactuadas, devem ser limitadas à taxa média bancária, apurada e publicada pelo Banco Central para crédito pessoal, na data de cada contratação. Cartão de crédito. Mantidos os juros contratados, face à ausência de abusividade da taxa pactuada. Capitalização mensal. Cheque especial e empréstimos. Vedação. Contratos não trazidos aos autos. Impossibilidade de verificar a expressa pactuação, nos termos dos artigos 46 e 54, §3º, CDC. Cartão de crédito. Impossibilidade. Ausência de cláusula expressa. Afronta ao direito de informação. Comissão de permanência. Cheque especial e empréstimo. Afastamento do encargo. Contratos não trazidos aos autos. Impossibilidade de verificar a expressa pactuação, nos termos dos artigos 46 e 54, §3º, CDC. Cartão de crédito. Impossibilidade de cobrança. Ausência de cláusula expressa. Afronta ao direito de informação. Correção monetária. Em inexistindo pactuação expressa sobre o índice de correção monetária, deve ser adotado o IGPM. Compensação e repetição de indébito. Pagamento indevido. Devolução de modo simples, sob pena de enriquecimento injustificado do credor. Prequestionamento. O julgador não está adstrito a enfrentar todos os dispositivos constitucionais/legais invocados pelas partes, desde que expresse seu convencimento acerca da matéria em decisão devidamente fundamentada. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.74
74 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70040998411 RS, da 2ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, relator Lúcia de Fátima Cerveira, 29 de jun. de 2011. Diário da Justiça, 8 jul. 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 20045879/apelacao-civel-ac-70040998411-rs-tjrs>. Acesso em: 21 jul. 2012.
53
Claramente se percebe que toda violação existente nas diversas espécies de
contratação com as instituições financeiras não estão imunes ao crivo do judiciário, este que
tem autonomia e competência para revisionar todo e qualquer abuso de direito cometido nos
contratos financeiros, resguardando os direitos do consumidor frente à abusividade cometida
pela outra parte.
Afinal, não se pode exigir a regularidade do adimplemento de qualquer contrato para
poder exercer o direito consagrado da busca da manifestação judicial a respeito do tema,
direito esse consagrado constitucionalmente.
3.3.4.1 Princípio da Boa-Fé Objetiva
A boa-fé objetiva consiste em uma imprescindível regra de comportamento,
umbilicalmente ligada à eticidade que se espera que seja observada em nossa ordem social, se
dando nas relações jurídicas onde deve obrigatoriamente haver entre as partes lealdade e
respeito. A boa-fé objetiva é a norma reguladora desses direitos, normatiza os fatos
mantendo-os com eficácia negocial
Entende Max Kaser que: “[...] a noção de boa fé bona fides, ao que consta, foi cunhada
primeiramente no Direito Romano, embora a conotação que lhe foi dada pelos juristas
alemães, receptores da cultura romanista, não fosse exatamente a mesma.”75
No corpo constitucional, o princípio foi implicitamente reconhecido a partir do artigo
3º da Constituição Federal, que diz: “constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.”76
Seguindo o dispositivo consumerista, todos os princípios específicos das relações de
consumo, no caso em questão a boa-fé, são meios de atingir o idealizado em nossa
Constituição:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os
75 KASER, Max. Direito privado romano: (romisches privatrcht). Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999. p.154. 76 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011.
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princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.77
Sobre o tema, também é relevante a contribuição de Karl Larenz, apud Marcio Melo
Casado:
El princípio de la ‘buena fe’ significa que cada uno debe guardar ‘fidelidad’ a la palabra dada y no defraudar la confianza o abusar de ella, ya que esta forma la base indispensable de todas las relaciones humanas; supone el conducirse como cabía esperar de cuantos con pensamiento honrado intervienen en el tráfico como contratantes o participando en él en virtud de outros vínculos jurídicos. Se trata, por lo tanto, de um módulo ‘necesitado de concreción’ que únicamente nos indica la dirección en que hemos de buscar la contestación a la cuestión de cuál sea la conducta exigible en determinadas circunstancias. No nos da una regla apta para ser simplemente ‘aplicada’ a cada caso particular y para leer en la solución del caso cuando concurran determinados presupuestos.78
Assim, este princípio tem que ser sólido no sentido literal da palavra em benefício de
uma relação contratual segura, na qual as partes irão agir de forma recíproca, respeitando a
lealdade e a ética.
Deste modo, a atuação da boa-fé é dirigida a repercutir na esfera jurídica alheia,
atingindo interesses de terceiros, o que demonstra seu caráter social, tendo por fundamento o
respeito à dignidade da pessoa humana e a função social do contrato.
Pontifica Judith Martins Costa que:
Já no Direito Alemão, a noção de boa fé traduzia-se na fórmula TreuundGlauben (lealdade e confiança), regra objetiva, que deveria ser observada nas relações jurídicas em geral. A fórmula treuundglauben demarca o universo da boa-fé obrigacional proveniente da cultura germânica, traduzindo conotações totalmente diversas daquelas que a marcaram no direito romano. Ao invés de denotar a ideia de fidelidade ao pactuado, como uma das acepções de fides romanas, a cultura germânica inseriu, na fórmula, novas ideias de lealdade e crença, as quais se reportam a qualidades ou estados humanos objetivados.79
Não é de surpreender que o desenvolvimento teórico e dogmático deste instituto tenha-
77 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 78 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, t. 1, p. 142-143. In: CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p.51. 79 COSTA, Judith Martins. A Boa Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 200, p.124.
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se dado entre os germânicos, ressurgindo no direito contemporâneo, não apenas como real
intenção das partes em contratar, de tal sorte que passou a ser vislumbrado como a norma de
conduta a ser seguida pelos contraentes, durante a execução do negócio jurídico, até a sua
conclusão.
A mais célere das clausulas gerais é exatamente a da boa-fé objetiva nos contratos. O
homem de boa-fé tanto diz o que acredita, mesmo que seja enganado, assim como acredita no
que diz. É por isso que a boa-fé é uma fé, no duplo sentido do termo, ou seja, é uma crença ao
mesmo tempo em que é uma fidelidade, é a crença fiel, e fidelidade no que se crê, é também o
que se chama de sinceridade, ou veracidade, ou franqueza; é o contrário da mentira, da
hipocrisia, da duplicidade, em suma, de todas as formas privadas ou públicas, da má-fé. Esta é
a interessante visão da boa-fé pela sua angulação subjetiva, enquanto princípio informador de
validade e eficácia contratual.
A principiologia deve orientar-se pelo viés objetivo do conceito da boa-fé, pois visa
garantir a estabilidade e a segurança dos negócios jurídicos, tutelando a justa expectativa do
contraente que acredita e espera que a outra parte haja em conformidade com o avençado,
cumprindo as obrigações assumidas.
O princípio da boa-fé evoluiu de forma exacerbada, passou a importar o aspecto moral
da obrigação contratual, impondo-se à parte uma conduta leal e proba para o cumprimento das
obrigações no tempo, modo e local convencionados, assumindo um conteúdo de juramento de
honra como forma de reforçar a responsabilidade pessoal do indivíduo, garantindo a
manutenção e cumprimento da palavra dada.
A boa-fé encontra respaldo no artigo 422 do Código Civil que prevê: “os contratantes
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé.”80
Nota-se que o legislador tratou a observância dos princípios de probidade e boa-fé
como verdadeira obrigação dos contraentes, incidindo em todo andamento do contrato, isto é,
nas fases pré e pós-contratuais.
Esta ligação ao voluntarismo e ao individualismo que informa o nosso Código Civil é
insuficiente perante as novas exigências criadas pela sociedade moderna. Para além da análise
de uma possível má-fé subjetiva no agir, investigação eivada de dificuldades e incertezas, faz-
se necessária a consideração de um patamar geral de atuação, atribuível ao homem médio,
que pode ser resumido no seguinte questionamento: de que maneira agiria o bônus pater
80 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011.
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familiae, ao deparar-se com a situação em apreço, ou quais seriam as suas expectativas e as
suas atitudes, tendo em vista a valoração jurídica, histórica e cultural do seu tempo e de sua
comunidade? A resposta encontra-se na definição da boa-fé objetiva.
Pablo e Rodolfo destacam as funções da boa-fé, sendo a primeira, como função
interpretativa e de colmatação; a segunda, como função criadora de deveres jurídicos ou de
proteção; e por fim a terceira, como função delimitadora do exercício do direito subjetivo.81
Com tamanha importância, seriedade e completude, a aplicação dos princípios
contratuais inseridos com base na Constituição será primordial para nortear a fundamentação
e interpretação desses princípios, em atendimento ao processo de constitucionalização que o
Direito Civil enfrenta como consequência do paradigma deste Estado Democrático de Direito.
As relações negociais sempre foram marcadas por conflitos de interesses e, para
superá-los, foi necessária a criação de normas legais que pudessem apaziguar as desavenças e,
por fim, a controvérsia instalada.
Essas normas legais, além de serem de lentas evoluções, eram codificadas e
apresentavam-se em formas fechadas de interpretações, onde prevalecia a norma existente
sobre o caso concreto. Somente elas disciplinavam os meios e formas de conduzir os
conflitos, sem qualquer possibilidade de liberdade de aplicação de um novo pensamento.
O Direito Contratual moderno não se pauta mais no formalismo que vigorava no
Direito Romano até o século passado, em que as partes para contratar deveriam obedecer
todas as exigências formais, sob pena de nulidade.
Ficou para trás também a principiologia tradicional, balizada por valores liberais, que
valorizavam em demasia o indivíduo e a igualdade formal, igualdade essa que apenas supõe
que as partes estejam em condições iguais no contrato, o que não mais é condizente com o
modelo atual de contratar, que valoriza o que interessa para a sociedade.
E a jurisprudência assim se posiciona sobre o tema:
EMENTA: CÍVEL - DECISÃO MONOCRÁTICA INDENIZATÓRIA - CARTÃO DE CRÉDITO - FALTA DE REGISTRO DE PONTOS - IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO DE PASSAGEM PELO PROGRAMA DE MILHAGEM VÁRIAS TENTATIVAS DE SOLUÇÃO RECLAMOS DO CONSUMIDOR IGNORADOS - INCIDÊNCIA DO CDC VÍCIO DO SERVIÇO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - DESCASO E DESRESPEITO COM O CONSUMIDOR - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 3.000,00) DE ACORDO COM AS PECULIARIDADES DO CASO
81 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.15.
57
CONCRETO - MATÉRIA JÁ DECIDIDA PELO COLEGIADO - NEGADO SEGUIMENTO (ART. 557, CAPUT, CPC) - AGRAVO INTERNO - JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA SOBRE A MATÉRIA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO: Acordam os integrantes da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, à unanimidade, em conhecer e negar provimento ao agravo interno.82
Em síntese, o princípio da boa-fé nos contratos de cartão de crédito tem papel
fundamental, pois se baseia em novos direitos e deveres que significam que as partes
envolvidas na relação devem agir de forma íntegra em direção à finalidade que é o
adimplemento das prestações estipulas em comum acordo.
Portanto, os contratos devem ser regidos pelo princípio da boa-fé, demonstrando de
forma clara e objetiva o conteúdo estipulado para sua adesão, fornecendo a ambas as partes
deveres e obrigações.
3.3.5 Princípio da Força Obrigatória do Contrato
Este princípio de força obrigatória é denominado de pacta sun servanda, traduzido por
natural congência de emanar do contrato, a fim de que se lhe possa reconhecer a utilidade
econômica e social. De nada valeria aos contraentes se não existisse a força obrigatória; seria
apenas um protocolo de intenções sem validade jurídica.
Roberto Senise Lisboa discorre:
Que o conceito deste princípio cabe aos contratantes o cumprimento do conteúdo completo pelo negócio jurídico, importando em autêntica restrição a liberdade, que se tornou delimitada para os contraentes a partir do momento, em que dotados de vontade autônoma, vieram a consensualmente formar um contrato, caso cada uma das partes venha frustrar os interesses contratuais, tendo os contraentes, a partir da formação do vínculo, a segurança de que os termos da avença. serão respeitados reciprocamente, sob a pena de resolução de negócio.83
O princípio da força obrigatória dos contratos é um dos princípios fundamentais das
relações contratuais, que recebem, desde os tempos antigos, denominações diversas, tais
como: Pacta Sunt Servanda, princípio da força obrigatória ou vinculante dos contratos em
82 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Agravo Interno nº 2011.0011409-1/1, do 7º Juizado Especial Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, Paraná, relator Horácio Ribas Teixeira, Curitiba, 27 de outubro de 2011. Diário da Justiça do Estado do Paraná, p. 21, 3 nov. 2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/31952718/djpr-03-11-2011-pg-21>. Acesso em: 21 jul. 2012. 83 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: contratos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123.
58
relação aos contratantes.
Segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona:
O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes, celebrado que seja, com a observância de todos os pressupostos e requisitos necessários a sua validade, deve ser executado pelas partes como se as cláusulas fossem preceitos legais imperativos.84
No entanto, em regra, os contratos fazem lei entre as partes e essa manifestação
acontece a partir do momento em que o contrato, uma vez celebrado, necessariamente deverá,
além de preencher todos os seus requisitos de validade e eficácia, as partes de comum acordo,
estipular e aceitar o acordo negociado, tornando-se o instrumento fielmente cumprido sob
pena de sanções ora estabelecidas.
O Professor César Fiúza entende que:
Uma vez celebrados pelas partes, na expressão de sua vontade livre e autônoma, os contratos não podem mais ser modificados, a não ser por mútuo acordo. Devem ser cumpridos como se fossem lei. Costuma-se traduzir esse princípio em latim por “pacta sunt servanda”. Evidentemente, só se aplica este princípio aos contratos realizados de acordo com a Lei. Os contratos, bem como as cláusulas contrárias ao Direito reputam-se ilegítimos, saindo da esfera do princípio da obrigatoriedade contratual. Modernamente, a obrigatoriedade contratual encontra seus fundamentos na Teoria Preceptiva, segundo a qual as obrigações oriundas dos contratos obrigam, não apenas porque as partes as assumiram, mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas consequências econômicas e sociais.85 (grifo do autor).
Este princípio reflete a força que tem o contrato na vinculação das partes que são
obrigadas ao cumprimento do pacto. Embora o princípio da autonomia da vontade estabeleça
que ninguém é obrigado a contratar, uma vez, entretanto, efetivado o acordo de vontades e
sendo o contrato válido e eficaz, as partes são obrigadas a cumpri-lo.
Anivaldo João da Silva Cardoso entende que:
O princípio acima também é chamado de Princípio da Intangibilidade dos contratos, representa a força vinculante das convenções. Intangível é aquilo que não se pode tocar, não se pode alterar. Daí porque também é
84 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2, p.74 85 FIUZA, César. Para uma releitura da principiologia contratual. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br/ Virtuajus/ano2_2/Para%20uma%20releitura%20da%20principiologia%20contratual.pdf>. Acesso em: 09 mar. 2011.
59
denominado de Princípio da Força Vinculante dos Contratos. Esse princípio é denominado classicamente de pacta sunt servanda, traduz a natural cogência que deve emanar do contrato, a fim de que se lhe possa reconhecer utilidade econômica e social. De nada valeria o negócio, se o acordo firmado entre os contratantes não tivesse força obrigatória.86
A suavização do princípio da obrigatoriedade, no entanto, não significa o seu
desaparecimento; o que não se tolera mais é a obrigatoriedade quando as partes se encontram
em patamares diversos e dessa disparidade ocorra proveito injustificado.
Desta forma, a obrigatoriedade acaba por acarretar a confiança das partes na
estabilidade do ajuste, o que proporciona credibilidade à futura satisfação dos interesses que
se pretende alcançar.
Conclui-se que, com este princípio, uma vez o contrato celebrado pelas partes, na
expressão de sua vontade livre e autônoma, não pode mais ser modificado, a não ser por
mútuo acordo, devendo ser cumprido como se fosse lei.
Costuma-se traduzir esse princípio em latim por “pacta sunt servanda”.
Evidentemente, só se aplica este princípio aos contratos realizados de acordo com a Lei. Os
contratos, bem como as cláusulas contrárias ao Direito, reputam-se ilegítimos, saindo da
esfera do princípio da obrigatoriedade contratual.
Por fim, modernamente, a obrigatoriedade contratual encontra seus fundamentos nas
obrigações oriundas dos contratos que obrigam a cumprir o acordo celebrado e não apenas
porque as partes as assumiram.
Interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por suas
consequências econômicas e sociais, evitando que conflitos sejam desencadeados.
O entendimento jurisprudencial é demonstrado nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. CARTÃO DE CRÉDITO. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MANUTENÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. EXCLUSÃO. ADMITIDA, ENTRETANTO, A INCIDÊNCIA DA NORMA DO ART. 354 DO CÓDIGO CIVIL. NECESSIDADE DE CÁLCULOS PARALELOS DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E DO VALOR PRINCIPAL DEVIDOS, A FIM DE IMPEDIR A CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, JUROS MORATÓRIOS E MULTA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO. LIMITAÇÃO EM 12% (DOZE POR CENTO) AO ANO. TR. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO.
86 CARDOSO, Anivaldo João da Silva. Teoria geral dos contratos. El Archivo de Robert.com, 2007. Disponível em: <http://www.robertexto.com/archivo2/geral_dos_contratos.htm>. Acessado em: 09 mar. 2011.
60
SUBSTITUIÇÃO PELO INPC. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO EM PARTE E PARCIALMENTE PROVIDO.87
O acórdão transmite a certeza de que há uma força vinculante aos termos pactuados
contratualmente, principalmente quando o contrato é regido sob as normas legais vigentes,
que não infringem a lei. É uma forma de fazer cumprir aquilo que foi pactuado mutuamente e
de livre manifestação de vontade das partes.
Se assim não fosse, haveria insegurança jurídica nas relações contratuais que colocaria
em cheque o cumprimento dos pactos contratuais. Bastasse a vontade de uma das partes em
descumprir uma avença, sem qualquer consequência, o que o direito não admite, porque é
diretamente de interesse social a inexistência de conflitos econômicos e sociais, para que haja
uma convivência harmônica e livre pela sociedade.
O presente capítulo demonstra a importância da relação negocial oriunda aos cartões
de crédito,traz os princípios formadores do instituto, demonstrando sua aplicabilidade no
ordenamento jurídico e informações as partes envolvidas, garantindo a prestação do serviço
ofertado, propicia satisfação e ajustando as relações comerciais dentro de padrões éticos,
justos e racionais.
87 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível n. 4767591 PR 0476759-1, da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, relator Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira, Curitiba, 9 de julho de 2008. Diário da Justiça, n. 7674. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 6163177/apelacao-civel-ac-4767591-pr-0476759-1-tjpr>. Acesso em: 21 jul. 2012.
61
4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITO DO CARTÃO DE CRÉDITO
Para se proceder à análise descritiva da evolução histórica da presente pesquisa,
obviamente é necessário fazer uma breve retrospectiva sobre a evolução histórica dos cartões
de crédito, apontando os argumentos pertinentes ao tema e, partindo desse contexto, construir
de forma consistente e esclarecedora o papel dessa ferramenta na sociedade e no sistema
econômico.
Este instituto está intimamente ligado à evolução social e tecnológicas das sociedades,
observando-se os fatores motivacionais detentores do poder de dissimular esse instituto dentro
do contexto contratual.
Hodiernamente, sob este prisma, o cartão de crédito é um instrumento indispensável à
modernidade em termos de viabilização dos negócios, pois fornece subsídios para compras,
vendas de mercadorias, serviços e operações financeiras, com praticidade, comodidade e
segurança.
4.1 HISTÓRICO
É possível afirmar que não há comprovação documental consistente para corroborar a
assertiva de que os cartões de crédito tenham surgido em fins do século XIX, sendo este
instrumento caracterizado por um processo de fidelização e identificação, acompanhado e
amparado pelas instituições sociais, políticas, jurídicas.
A novela Loking Backward (1888), cuja tradução seria olhando para trás e cujo título
em português ficou sendo O ano 2000, de autoria de Edward Bellamy, demonstrou a primeira
visão do cartão de crédito.
No decorrer de uma discussão entre dois personagens centrais da novela acima citada,
surge a primeira denominação do cartão de crédito. Fausto Pereira Lacerda Filho88 explica
que cada cidadão recebe, anualmente, uma parcela correspondente à sua participação no
produto interno bruto da nação, que lhe é creditada em livros de contabilidade pública, no
início de cada exercício, recebendo, ao mesmo tempo, um cartão de crédito.
A partir do entendimento acima exposto, o cartão de crédito passa de ficção a
realidade, e nasce, então, a ideia talentosa e inteligente de criar um documento de
identificação e crédito, que, comprovada a idoneidade do portador, garantisse,
simultaneamente, a sua solvabilidade, demonstrada com uma totalidade de crédito, dessa
88 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p.42.
62
forma atendendo às necessidades da realidade econômica moderna e iniciando as
operacionalizações de forma eletrônica.
Neste momento, desenvolve-se uma nova economia, tendo como fundamental
participante o instrumento de cartão de crédito, que, a partir de então, teve um crescimento
acentuado que perdura até os dias atuais, devido às tecnologias presentes no mercado. Waldo
Fazzio Junior assevera que:
O cartão de crédito nasceu com a índole de identificação, com efeito, sua instituição remota ao começo do século XX, com os chamados, cartões de credenciamentos, (ratailcards) emitidos por alguns hotéis europeus, para identificar e conferir tratamento diferenciado a seus clientes. Estes recebiam um cartão que tanto servia para identificá-los em futuras hospedagens, bem como para lhes assegurar o privilégio de pendurar seus débitos, protraindo sua solução para estadias futuras.89
Entende-se que a complexidade do cartão de crédito e seu cenário se tratam da prática
comercial no âmbito da formação sócio-econômica, que até neste momento permaneciam sem
afinidade exclusiva de espécie contratual, tratando-se, de fato, de um complexo contratual
interativo composto de diversas sub modalidades contratuais, envolvendo a intermediação
financeira e o início da relação que irá em um breve momento caracterizar uma relação
firmada. Esta se dará de forma trilateral, a saber, através da operadora de cartão de crédito, do
consumidor e do estabelecimento comercial credenciado.
A literatura também aponta que os primeiros cartões de crédito surgiram em 1920,
quando a Esso e a Texaco, distribuidoras de combustíveis, ofereceram aos seus clientes um
cartão que permitia que o pagamento dos bens adquiridos e dos serviços utilizados fosse
diferido em época posterior à da aquisição.
Porém, pela falta de repercussão comercial desse tipo de cartão e de sua aparência
desconhecida, conforme demonstra ilustração abaixo, sua circulação se torna restrita aos
estabelecimentos e aquisições de bens pré-determinados. O atual molde foi delineado em
meados de 1950 e 1951, em Nova York.90
89 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p.23. 90 HISTÓRIA e características dos cartões de crédito: breve história dos cartões de crédito. Monitor de Fraudes. Disponível em: <http://www.fraudes.org/showpage1.asp?pg=106>. Acesso em: 18 nov. 2011.
63
FIGURA 1: Primeira versão do cartão Diners, em 1950
FONTE: HISTÓRIA... (2011, p. 01).
Em 1950, o marco teórico se concretiza quando três executivos financeiros americanos
saem para jantar; porém, percebem que estão sem dinheiro ou talão de cheques somente no
ato do pagamento. Após breve discussão, fica acordado que pagarão a conta em outro dia, por
meio da assinatura na nota de despesas.91
Começa a partir desta fase o desenvolvimento do instituto cartão de crédito e os
benefícios ofertados ao titular através das operadoras financeiras de cartões.
A partir de então, o instituto já prossegue de forma desenfreada. Cria-se o primeiro
cartão de crédito denominado Diners Club Card, conforme demonstração ilustrativa, que foi
distribuído a um grupo seleto de 200 indivíduos, em sua maioria amigos dos idealizadores.
FIGURA 2: Um restaurante muda os meios de pagamento
FONTE: Camilo (2011, p. 01).
A finalidade do Diners Club Card era custear somente despesas de hotéis e
restaurantes para seus sócios, através do pagamento à vista para esses estabelecimentos
fornecendo, assim, um período maior para quitação da dívida.
Nesse período, o cartão de crédito tornou-se moeda de pagamento em 27 restaurantes;
em 1954, o cartão de crédito já estava sendo usando por mais de 42 mil pessoas em 330
restaurantes e hotéis; sendo que, em 1952, ganhara validade internacional, utilizando a
91 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Histórico. Disponível em: <http://www.abecs.org.br>. Acessado em: 30 set. 2011.
64
nomenclatura de American Express Company, conforme ilustração em destaque. Em meados
de 1960, chegara ao número aproximado de aceitação em mais de 50 países.92
FIGURA 3: Cartão de Crédito American Express Company
FONTE: HISTÓRIA... (2011, p. 01).
Diante disso, surge a necessidade de se criarem novos instrumentos, com novas
finalidades de crédito, facilitando a utilização de uma nova moeda, atendendo às necessidades
do consumidor e proporcionando comodidade, celeridade e segurança. Edgar Lacerda
Teixeira comenta sobre a chegada dos cartões de crédito ao Brasil:
Iniciou-se primeiramente com a troca, denominada por escambo, posteriormente a mercadoria da época que se denominava pela produção de gados, chá, sal, tabaco, etc., e finalmente a moeda propriamente dita e adotada como intermediária das trocas e denominador comum de valores econômicos[...] substituindo instrumento cheque ou papel pelo plástico denominado cartão de crédito.93
A partir deste momento, a ferramenta foi tomando seu espaço dentro do mercado e seu
crescimento foi se tornando de forma desenfreada, se instalando dentro das instituições
financeiras e na vida dos consumidores.
FIGURA 4: BankAmericard precursor do cartão Visa FONTE: Camilo (2011, p. 01).
92 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Cartão de crédito: questões controvertidas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 15 93 TEIXEIRA. Edgard Lacerda. Os cartões de crédito bancário. São Paulo: Revista de Direito Mercantil. 2009. p.8.
65
A Associação Brasileira de Cartões de Crédito (ABCS) traz informações de que o
primeiro cartão de crédito surgiu em 1956, pelas mãos do empresário Habus Tauber, que
havia adquirido, nos Estados Unidos, a franquia do Diners.94 Conforme o autor Fausto Pereira
de Lacerda:
O Brasil foi o primeiro a introduzir o sistema de cartão de crédito na América do Sul. Esse fato ocorreu por volta dos anos 50, quando o Diner’s Club se associou à família Klabin para implantar o seu sistema. Durante muito tempo, o cartão Diner’s reinou absoluto no mercado brasileiro. Com a saída da família Klabin da sociedade formada com Diner’s, o cartão Diner’s perdeu a aura de cartão de elite. Posteriormente, formou-se uma nova sociedade com a entrada do Banco Sul Brasileiro S/A. Mais tarde, o cartão Diner’s teve seu título negociado com a Credicard, associada ao gigante Mastercard, que já explorava um cartão com seu nome.95
O instrumento cartão de crédito pode ser considerado um produto da vida moderna,
devendo-se sublinhar a forma como se radicou, granjeando uma inquestionável popularidade,
sedimentando-se no cotidiano, vindo a substituir a utilização do dinheiro na maioria das
transações comerciais, sendo comum na atualidade e hoje sendo de uso comum na carteira das
pessoas, na qual, em geral, se encontram vários cartões e pouco dinheiro.
FIGURA 5: Cartão precursor do MasterCard
FONTE: Camilo (2011, p. 01).
A partir deste momento, observa-se que este instrumento se torna um dos personagens
mais significativos para a modificação de um consumo promissor na sociedade
contemporânea, viabilizando o aumento das operações comerciais e a procura por diversos
produtos ofertados no mercado.
94 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÕES DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Histórico. Disponível em: <http://www.abecs.org.br>. Acessado em: 30 set. 2011. 95 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. Curitiba: Juruá, 1990, p.40.
66
4.2 CONCEITO
Para conceituar o cartão de crédito, é preciso reunir uma significação semântica
comum, de forma sintética, tendo um conjunto de codificações que sejam necessárias e
suficientes. Não basta considerar alguns elementos, mas é necessário estabelecer um
parâmetro central, ou seja, o núcleo do elemento a ser conceituado.
Nelson Abrão96 traz a ideia de que os cartões de crédito são relações jurídicas que se
estabelecem em modalidades de créditos existentes no mercado.
Na sociedade moderna, em que vivemos hoje, o cartão de crédito é uma forma de
democratização de crédito em curto e médio prazo, que evita os riscos e incômodos do
transporte de dinheiro, bem como propicia a compra de bens e serviços a prazo. É
caracterizado como um advento da vida moderna.
Vilson Rodrigues Alves traz o conceito de cartões de crédito:
É expressão sugestiva do instrumento físico com que se dão operações de crédito aberto pelos estabelecimentos emissores a favor do usuário-consumidor, que, preenchendo os requisitos estabelecidos, pode exercer o consumo com pagamento diferido.97
Pode-se afirmar que o cartão de crédito é um documento comprobatório de que seu
titular goza de um crédito determinado perante certa instituição financeira, com um limite
estabelecido, o qual o credencia a efetuar compras de bens e serviços a prazo e saques de
dinheiro a título de mútuo, que posteriormente são cobrados em forma de fatura mensal ou
débito em conta corrente. Para Celso Marcelo de Oliveira, o cartão de crédito define-se em:
Um documento pessoal e intransmissível, emitido por uma entidade bancária, por uma instituição financeira ou administradora de cartões de crédito ou outro estabelecimento comercial a favor de um determinado titular cuja posse confere a este a possibilidade de adquirir bens ou serviços junto a estabelecimentos comerciais previamente definidos sem necessidade de pagamento imediato.98
Ou seja, é uma modalidade do dinheiro que permite ao seu titular realizar as despesas
que lhe aprouver até o montante de crédito concedido pela empresa que o promove e que se
compromete perante terceiros a realizar aqueles pagamentos. Gerson Luiz Carlos Branco cita:
96 ABRÃO. Nelson. Direito bancário. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.147. 97 ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários. 2. ed. Campinas: Bookseller, 1999, p.379. 98 OLIVEIRA. Celso Marcelo de. Cartão de Crédito de acordo com o novo código civil. Campinas: LZN, 2003, p.52.
67
[...] que uma das primeiras tentativas de sistematização foi conceituar o cartão como título de crédito, sendo um documento para realizar determinada operação, uma posição que centra a questão sobre o cartão como instrumento e não como relação jurídica, havendo uma obrigação do emitente em relação ao titular e a terceiros, pela faculdade de o portador vincular no pagamento a administradora perante o fornecedor associado e pela possibilidade de aquela obter a restituição do titulo.99
Diante dos conceitos acima expostos, não se pode deixar de mencionar o formato deste
objeto: um cartão de plástico brilhante, colorido e retangular, padronizado, com tarja
magnética e identificação do usuário, sendo emitido por uma administradora ou instituição
financeira ao usuário do cartão.
Fran Martins trabalha com a ideia de sistema, afirmando que o cartão de crédito é “o
conjunto de todas as relações jurídicas, compõe o que chama de uma sistemática de
obrigações e não é especifico de título de crédito.”100
Desta forma, o cartão de crédito não pode ter sua natureza jurídica baseada em um
título de crédito, pois não possui dois dos requisitos essenciais à sua configuração, quais
sejam: a abstração e a autonomia, uma vez que não há circulação do documento.
Ademais, o cartão de crédito não representa um crédito pré-definido, pois, apesar de
haver um limite de crédito concedido previamente ao titular quando da aquisição do cartão
pela entidade emissora, não existe a obrigação de pagar enquanto o cartão não for utilizado e
no montante em que ele for utilizado. Fausto Pereira Lacerda Filho, define-o como:
Um contrato plurilateral, acentuando que há uma composição ou coordenação dessas mesmas partes no objeto de atingir a finalidade própria e comum do instituto, afirma ainda que, a pluralidade não pode, por outro lado, ser entendida apenas do ponto de vista contratual, subjetivo entre as partes, mas também do ponto de vista objetivo, de interesses distintos, porém convergentes e coordenados, o que determina que o contrato necessariamente deva ser múltiplo, configurando-se em si um sistema operativo, constituído por diversas relações jurídicas, cuja unidade se alcança e se consuma na finalidade comum do instituto.101
O autor acima se preocupa em construir um conceito mais próximo dos aspectos
econômicos e funcionais do sistema, sustenta que o instituto de cartão de crédito deverá ser
entendido como um negócio jurídico complexo, conformado em uma unidade de relações
jurídicas originalmente diversas entre os seus intervenientes, onde cada qual possui uma
99 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.40. 100 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.67. 101 OLIVEIRA. Celso Marcelo de. Cartão de Crédito de acordo com o novo código civil. Campinas: LZN, 2003, p.55.
68
regulamentação e uma natureza jurídica própria, independente e autônoma.
A relação negocial se operacionaliza quando se inicia o contato da administradora ou
instituição financeira, fornecendo o direito de uso do cartão ao usuário do cartão. Dessa
forma, há então um fluxograma de ações, no qual o consumidor apresenta o cartão para
efetuar pagamentos a um estabelecimento cadastrado; o estabelecimento, então, emite um
documento de venda, através de leitora magnética ou por notas de venda, e envia o documento
para a administradora, recebendo o valor da transação; cabe à administradora enviar a fatura
do cartão ao usuário para quitação do débito, “à vista ou rotativo.”102
O sistema operacional do cartão de crédito esta relacionado a três sujeitos, onde as
relações jurídicas se convergem: o consumidor (usuário do cartão), a administradora do
cartão, o lojista do estabelecimento e, no caso de cartões bancários, os bancos ou financeiras
que sustentam as operações.
Dessa forma, há diversas tentativas para contextualizar a natureza jurídica do sistema
contratual do cartão de crédito, já que o mesmo exige que se enquadrem todas as relações
jurídicas, de forma unitária e com um único objetivo comum. Nesse sentido, discorre Maria
Helena Diniz:
Não se trata de título de crédito, por ser desprovido de caracteres de abstração e livre circulação e por não ter um valor por si mesmo. Seria um documento de identificação e não título de crédito, por ser incompleto e insuficiente, apesar de incorporar um direito do consumidor. Constituiria um mero instrumento de identificação, que permite a utilização do serviço e a aquisição dos bens. Daí ser nominativo, pessoal e intransferível.103
Desta forma, o cartão de crédito constitui um negócio jurídico, posto que se trata de
instituto formado por uma série de relações de caracteres diversos, que participam de tipos
contratuais distintos e que convergem coordenadamente a uma finalidade ou objeto comum,
que se resume entre prestar serviços de oferecimento de crédito feitos pelas operadoras de
crédito e a utilização feita pelo detentor do crédito.
Alcio Manoel de Sousa Figueiredo aponta diversas denominações contratuais cabíveis
ao tema:
Contrato plurilateral, eis que conta com a intervenção de partes distintas, com obrigações diversas, porém com interesses e finalidade em comum. É contrato atípico, pois não se encontra regulamentado pelo legislador,
102 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Cartão de crédito: questões controvertidas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 20 103 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1993. v. 3, p.78
69
regendo-se pelos costumes, pela doutrina, pela jurisprudência e pelas cláusulas contratuais fixadas em contrato. É contrato de crédito, uma vez que coloca à disposição do titular crédito representado em moeda corrente. É contrato de adesão, pois o titular aceita em bloco as cláusulas contratuais formuladas nos contratos previamente formalizados pela administradora de cartões de crédito. É contrato de consumo, eis que a administradora de cartões de crédito é uma fornecedora e prestadora de serviços e os titulares dos cartões de créditos são destinatários finais. É contrato de prestações de serviços, pois a relação em apreço nada mais é do que um ajuste para a cobrança do preço ou do serviço. É contrato de garantia, haja vista que a administradora, na qualidade de avalista, garante o pagamento.104
Oportuno se torna dizer que a parte da doutrina inclina-se a qualificar o cartão como
uma delegação de pagamento, busca entender o aspecto passivo de melhor forma, parte buscar
o melhor ângulo ativo do sistema, a partir do entendimento de que o elemento preponderante
no cartão é uma cessão de crédito, a administradora substitui o titular no pagamento do débito
ao fornecedor, e, posteriormente, faz a cobrança ao titular do cartão. Em outras palavras
Gerson Luiz Carlos Branco ressalta:
Apesar de ser distintos os contratos particulares entre as três partes, é um contrato de cessão que os une, algumas cláusulas regulamentares garantem a ligação entre os contratos, resultando na possibilidade do direito de exceção do titular em face das administradoras, todavia outras cláusulas, opostamente, têm como objeto a renúncia do titular do direito de se opor a administradora as exceções derivadas da relação mercantil, rompendo a unidade funcional do cartão de crédito no momento do reembolso das despesas.105
O efeito de substituição de posições pela cessão é a administradora assumir a posição
do titular como se este fosse; assim, se ela ficar insolvente, não deverá o fornecedor procurar
o titular, mas sim a administradora do cartão. Para Rosana Grinberg:
O cartão de crédito é um negócio jurídico novo, complexo, atípico e não legislado, por isso, diante da ausência de normatização específica, a questão deve ser interpretada pelos princípios gerais do direito, da teoria geral dos contratos e das obrigações e, mais recentemente, pelos princípios gerais sistematizados na lei especial que tutela os direitos dos consumidores.106
Observa-se que o cartão de crédito designa-se, sendo a um documento de identificação
que representa uma relação contratual triangular, firmada entre a entidade emissora, o titular e
104 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Sousa. Cartão de crédito: questões controvertidas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 24 105 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.45. 106 GRINBERG, Rosana. O Ministério Público e a questão dos Cartões de Crédito. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, n. 109, p. 47-67, 2008, p.50.
70
estabelecimentos, sendo os fornecedores ou prestadores de serviço credenciados.
Em síntese, este instrumento é de grande relevância na economia contemporânea, pois
substitui o papel moeda na aquisição de bens e serviços, sendo possível acelerar as operações
financeiras, obter créditos e adquirir bens e serviços sem maiores complicações, incentiva a
circulação de moeda e impulsiona o comércio e o desenvolvimento econômico; além disso,
não exige provisão de fundos, o financiamento é facilitado e dispensa a necessidade de prévia
habilitação do cliente perante uma instituição financeira antes de cada compra.
4.3 FUNÇÃO ECONÔMICA
O cartão de crédito incide na flexibilização do comércio, sendo reconhecido como um
elemento incentivador de consumo, além de ser de extrema importância para a dinamização
da economia com incremento contínuo e constante no consumo de massa.
De todas as denominações vigentes e correlatas ao cartão de crédito, o mesmo não
passa de um “facilitador na efetivação de um pagamento,”107 pois o consumidor paga o preço
da mercadoria à vista, haja vista a Portaria nº 02 da Superintendência Nacional de
Abastecimento (SUNAB), bem como do inciso XX, do art. 13 do Decreto nº 2.181/97, que
traz a substituição do cartão de crédito pelo dinheiro.
Dessa forma, o consumidor, ao aderir um cartão de crédito, tem a possibilidade de
fazer a compra e posteriormente pagar o valor efetivo na apresentação da fatura, obtendo a
vantagem do fornecedor não poder praticar valores diferentes dos à vista ou tendo o valor da
fatura descontado em sua conta corrente na data de vencimento.
Uma série de itens benéficos e positivos é ofertada tanto para o consumidor como para
o fornecedor, haja vista que o valor do pagamento e do recebimento é sempre à vista e há
também um barateamento dos custos internos e a simplificação da burocracia bancária,
fazendo com que as bases econômicas do cartão de crédito tenham um aumento desenfreado
do desenvolvimento da produção, do crédito e do consumo.
O instituto do cartão de crédito permite ao comerciante e aos empresários de um modo
em geral uma ampliação do mercado consumidor; constitui fato inconteste a súbita ampliação
do faturamento das empresas, a partir do momento em que se filiaram ao sistema de cartões
de crédito.
107 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Indicadores do mercado de cartões e empresa. Disponível em: <http://www.abecs.com.br/>. Acesso em: 30 nov. 2011.
71
O cartão incrementa o volume de vendas e permite uma redução de custos
operacionais por parte das empresas associadas, que passam a prescindir de departamentos de
créditos próprios. Já sobre a função de crédito, Lacerda Filho discorre:
O instituto atribui ao usuário do cartão, de modo direto e imediato, um crédito, que pode limitado ou ilimitado, para a aquisição de bens e serviços em todos os estabelecimentos associados ao sistema, que funciona automaticamente dentro das condições contratualmente fixadas. A função creditícia, por outro lado, se manifesta de maneira dupla. O usuário, efetivamente, desfruta de um crédito aberto em seu benefício, nos estabelecimentos associados, por meio do qual adquire a mercadoria ou o serviço pelo preço equivalente ao do pagamento à vista, diferindo-o, em termos reais, para um momento posterior, que coincide, mais ou menos, a trinta dias após a consumação da compra. O empresário ou comerciante, por sua vez, pode mobilizar os seus estoques e ampliar a prestação de seus serviços sem depender na manutenção de um sistema de crediário próprio ou um departamento de controle e cobrança, inclusive com informações cadastrais.108
Nota-se que, além de liberar os comerciantes da necessidade de fazer a triagem e as
avaliações para a concessão de crédito, diminuindo-lhes sensivelmente os custos, o cartão de
crédito lhes retira, também, os riscos inerentes à falta de pagamento das mercadorias vendidas
ou dos serviços prestados, na medida em que é a operadora dos cartões que assume,
contratualmente, a responsabilidade pela referida liquidação.
No momento de efetivação da compra ou da prestação do serviço, o empresário, dessa
forma, encontra-se respaldado pela assunção da dívida por parte da operadora do sistema de
cartão, que garante, de modo genérico e amplo, o pagamento da operação realizada em prol
do usuário do cartão.
E, por fim, tem-se a função de meio de pagamento que o instituto do cartão
desempenha para seu usuário, já que a aquisição dos bens ou serviços realizada por esse
sistema implica, para ele, comprador, no cumprimento da obrigação de pagar ou contra
prestar frente ao vendedor ou fornecedor. O pagamento efetivo, a partir da utilização do
cartão, passa a configurar obrigação da empresa operadora ou eminente, poupando-se ao
usuário o trabalho e o risco de portar grandes somas em moeda sonante.
Pode-se dizer que o cartão assemelha-se ao cheque, distinguindo-se deste pelo fato de
deslocar o pólo de responsabilidade pelo efetivo pagamento dos bens ou serviços para a órbita
da operadora ou administradora do sistema.
No contexto jurídico-econômico atual, este instrumento de crédito deixa de ser apenas
108 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. Curitiba: Juruá, 1990, p.42.
72
uma autonomia privada para se transformar numa estrutura de conteúdo complexo e híbrido,
com disposições voluntárias e compulsórias, na composição de interesses em comum; reflete-
se o antagonismo social entre os contratantes, representando a atuação da liberdade do
indivíduo de acordo com o contrato promovido ao principal propulsor da economia no que
tange as relações interpessoais, na maneira em que todas são reguladas por contratos verbais
ou escritas; desta forma, a função econômica do contrato está sediada, segundo a recente
corrente doutrinária, na sua própria causa, que no caso de cartão de crédito é a concessão de
crédito.
Sendo assim, para o contrato enquanto fato econômico é de extrema relevância que a
sua disciplina jurídica constitua a subordinação do regime a que se subordina e se refere à
economia dentro da sociedade, restando ao Direito do Consumidor, no que tange o cartão de
crédito, tutelar a validade do contrato no todo ou em parte, resguardando o interesse do
particular, ao não ser prejudicado, do emissor, que tem sua própria existência na relação
contratual, e chegando-se ao objeto principal que é a circulação de riquezas.
4.4 MODALIDADES: DÉBITO, CRÉDITO OU MÚLTIPLO E TIPOS DE BANDEIRA
O instituto cartão de crédito com suas inovações trouxe o aprimoramento dos
procedimentos operacionais que comandam as transações bancárias, alimentado por
frequências notáveis e inovações tecnológicas que determinam a eclosão de produtos que se
prestam até mesmo para tornar obsoleto o uso de senha e introduzir esquemas deflagrados por
assinatura digital, chip ou leitura ótica.
Desta forma, nos negócios, as transações podem ser operacionalizadas mesmo à
distância, que é o caso das compras feitas pela internet, modalidade esta denominada de
comércio eletrônico, que tem cartão de crédito como ferramenta nessa transação.
As principais vantagens de uso dos cartões de crédito em relação a outros
instrumentos de pagamento são a celeridade operacional, a redução de custos e a relativização
das margens de segurança. Sem embargo de elevar a propensão de seus titulares ao consumo
nem sempre consciente, em contraposição às oportunidades de poupança, são exitosos
indutores da expansão dos negócios no mercado de varejo. Observa Maria Helena Diniz:
A utilização de cartões de crédito veio auxiliar a realização de operações comerciais, como a compra e venda e a prestação de serviços, por representar um meio seguro de condução da moeda, uma garantia nos casos de necessidade e um fator de crédito, simplificando muito as transações, facilitando a aquisição de bens ou serviços por parte de seu titular,
73
democratizando o uso do crédito, a curto ou médio prazo, evitando o imediato desembolso de dinheiro por permitir a utilização de financiamento.109
No que tange à celeridade na conclusão dos negócios e ao incremento da participação
dos bancos como implementadores de crédito, foi elevada a posição do cartão de crédito como
o instrumento de pagamento mais utilizado no mercado de consumo, intermediando as
relações de compra, venda e de prestação de serviços.
Simplificando os complexos processos de concessão de crédito e uso dos instrumentos
de pagamento e, portanto, implementando a aquisição de bens e serviços, os cartões de
pagamento e crédito são, hoje, praticamente indispensáveis no quotidiano das operações
econômicas, sobretudo no varejo, com efeito, quando focalizamos seus aspectos positivos.
Os cartões ensejam aos consumidores realizar operações mercantis diretas, evitando
transtornos de abertura de créditos, de comprovação de rendas outras tantas, proporcionando-
lhe disponibilidade de recursos, tendo apenas como custo uma taxa de anuidade, quase sempre
dispensada pelo banco emissor. Desta forma, o cartão de crédito revela-se o menos oneroso
para todos, ou seja, afirma a sua positividade na relação custo-benefício.
Outro aspecto interessantíssimo diz respeito à segurança que sustenta todo o sistema
de cartões de pagamento e crédito. Há uma certa unanimidade no sentido de que os cartões de
pagamento conferem maior segurança as relações de consumo, tanto para o titular quanto para
os empresários fornecedores e prestadores de serviços, reduzindo riscos decorrentes da
utilização do papel moeda e de falsificação de cheques.
O instrumento cartão de crédito objeto do presente estudo é analisado nas modalidades
de crédito, débito ou múltiplo, sendo de uso nacional ou internacional, optando o emissor pela
maneira que melhor favorecer a suas relações financeiras.
A operadora irá analisar o cadastro do adquirente, estabelecendo-lhe a concessão e um
limite de valor pré-fixado, de acordo com seu rendimento mensal.
A modalidade de crédito oferece ao titular a possibilidade de efetuar suas compras, de
adquirir produtos e não dispor da quantia paga no momento da compra, mas sim ter a opção
de ganhar alguns dias para liquidar o valor devido, tendo sua forma de cobrança em faturas
encaminhadas via correio a serem pagas na data de vencimento estipulada entre as partes.
No que tange à modalidade de crédito, a financeira fará uma análise da situação
financeira, com dados baseados no banco de origem. Após aprovação, é concedido um valor
109 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações contratuais e extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3, p.95-96.
74
de limite para utilização do cartão e o pagamento será pela forma de boleto mensal, sendo esta
modalidade a mais usada, conforme pesquisa feita pela ABECS.110
O nobre Carlos Barutel Manaut111 classifica a modalidade de crédito como um
complexo instrumento de pagamento nascido nas necessidades da sociedade de consumo
atual, desenvolvido em todas as nações industrializadas, difundido e utilizado em
praticamente todo o comércio credenciado.
A perspectiva da administradora da oferta de crédito sem custo, a possibilidade de
compras parceladas, a retribuição da fidelidade, bem como a disponibilidade de uma linha de
crédito rotativo, dificultam a substituição de cartões de crédito por cartões de débito. Não
menos importante é a questão do acesso, na medida em que o cartão de débito está disponível
para o cliente bancário que tem uma conta corrente, ao passo que o cartão de crédito e o valor
do crédito contratado requerem análise de risco por parte da emissora, o que, obviamente,
contribui para restringir o número de titulares na modalidade crédito.
Já no que trata a modalidade de débito, pode ser de uso tanto nacional quanto
internacional. Além de habilitação para uso permanente, habilita o titular a diversas
praticidades, sem contar a modalidade de segurança que lhe confere, reduzindo os riscos
decorrentes do papel moeda e de falsificação de cheques.
O pagamento por bens e serviços nesta modalidade ocorre por intermédio de débito,
ou seja, junto ao banco emissor do cartão; portanto, se trata de um documento ligado à conta
corrente e de depósito à ordem, de modo que, quando utilizada aquela conta, é debitado o
valor correspondente de suas despesas, isto é, tem saldo disponível no momento da utilização.
Seu uso é semelhante ao cheque, na medida em que também significa uma ordem de débito
sobre os fundos disponíveis na conta do titular. Entende Waldo Fazzio Junior que:
O cartão de débito de uso nacional ou internacional, além da habilitação pertinente ao cartão de crédito, habilita ao titular e adicionais a solicitar saldo e extrato, realizar transferências bancárias, movimentar conta poupança e investimento, efetuar saques em dinheiro disponível em conta-corrente, inclusive limites de crédito disponíveis e ainda realizar essas operações, em bancos conveniados e nos caixas automáticos das redes afiliadas.112
É necessário ter em mente que o uso do cartão na função de débito está sujeito à
110 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE CARTÃO DE CRÉDITO E SERVIÇOS – ABECS. Indicadores do mercado de cartões e empresa. Disponível em: <http://www.abecs.com.br/>. Acesso em: 30 nov. 2011. 111 MANAUT, Carlos Barutel. Lãs Tarjetas de pago y crédito. Barcelona: Boch. 1997, p.7. 112 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Cartão de credito, cheque e direito do consumidor. São Paulo: Atlas. 2011, p. 37.
75
cobrança de uma tarifa mensal de manutenção do cartão. O valor é previsto na tabela de
tarifas disponíveis nas agências dos bancos, na internet e nas centrais de atendimentos das
operadoras.
E, por fim, o cartão múltiplo, tendo dupla finalidade, utilizado tanto na modalidade de
débito quanto de crédito, sendo que nesta modalidade o titular obrigatoriamente deve se
correntista da rede bancária, podendo optar pela que melhor lhe convier e atender às suas
necessidades.
Importante ressaltar que, em troca de um cartão de crédito, sendo de qualquer
modalidade, o adquirente obrigatoriamente paga uma anuidade pela utilização do instrumento.
Nelson Abrão, afirma que:
[...] em troca da retribuição anual que lhe paga o titular, o emissor lhe fornece o cartão, mantém à sua disposição um serviço de caixa, a fim de pagar as despesas tidas com o uso do cartão, eventualmente pode habilitá-lo a saques em dinheiro em suas agências, além de credenciá-lo à aquisição de bens e serviços junto a fornecedores determinados.113
Observa-se que a taxa de anuidade é cobrada pela inclusão e permanência do titular no
sistema de cartão de crédito, esta normalmente preestabelecida no contrato de adesão e
correspondente à retribuição dada à administradora pelo pagamento das despesas efetuadas
pelo titular, e por outros benefícios concedidos pelo sistema.
Diante de toda praticidade, os cartões de crédito vêm sendo utilizados por
praticamente toda a população do mundo. O interessante é que poucos sabem as
peculiaridades que envolvem tal instituto.
Importante ressaltar que, por trás de um cartão de uma operadora responsável existe
uma bandeira responsável, que nos dias atuais se denomina como Visa, Mastercard, Aura,
American Express, Elo, Hipercard, Dinnersclub e BNDS,114 que se diferenciam pelo fator de
anuidades, tarifas e juros.
Em definição legal, a bandeira é quem patenteia uma empresa a fornecer liberação
para que estabelecimentos utilizem o sistema de pagamentos de seu cartão de crédito, ou seja,
é a marca identificadora do cartão. Também é a bandeira que define as regras do cartão e a
rede de liberação.
113 ABRÃO. Nelson. Direito bancário. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.32. 114 PRINCIPAIS operadoras e bandeiras de cartões de crédito. Educação financeira. Disponível em: <http://www.educacao.cc/financeira/principais-operadoras-e-bandeiras-de-cartoes-de-credito/>. Acesso em: 08 mar. 2012. .
76
As bandeiras possuem um acquirer,115 que é um órgão financeiro responsável pela
união, gerenciamento e também pelo relacionamento entre os estabelecimentos comerciais
que possuem autorização para a utilização de determinadas bandeiras.
Neste viés, considera-se bandeira como sendo a “marca” do cartão; é a representação
da empresa que fornece a licença para que os estabelecimentos comerciais utilizem o sistema
de pagamentos do seu cartão de crédito.
No que tange à concentração de bandeiras mais utilizadas na estrutura de mercado do
Brasil, replica aquela observada em outros países, sendo a utilização das bandeiras Visa,
Mastercard e American Express116 que juntas respondem por mais de 90% do volume e do
valor de transações.
Conclui-se que a bandeira atua como uma espécie de franqueadora da marca,
independente da modalidade de crédito utilizada, sendo também responsável por estabelecer
normas, fornecer infraestrutura básica e realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento
para o aperfeiçoamento do sistema, utilizando-se do marketing para aumentar em números
seus usuários.
4.5 RELAÇÕES CORRELATAS AO CARTÃO DE CRÉDITO
O contrato de cartão de crédito envolve uma relação jurídica, já que coexistem três
contratos distintos, “mas interdependentes e simultâneos, entre o banco emissor e o titular,
entre o emissor e o fornecedor, e entre o titular do cartão e o fornecedor de produtos.”117
É necessário estabelecer primeiramente a relação jurídica que se forma e também a
correspondente estrutura do negócio jurídico a fim de outorgar tratamento apropriado ao
instituto e inseri-lo adequadamente no ordenamento jurídico, atentando-se para a existência de
um complexo de disposições legais que o reconhecem como um fato, capaz de gerar efeitos e
consequências no mundo jurídico, observando a expressão clara e precisa da vontade do
agente no que se relaciona com as obrigações firmadas.
Desta forma, remete-se à análise da situação de cada uma das pessoas envolvidas na
115 PRINCIPAIS operadoras e bandeiras de cartões de crédito. Educação financeira. Disponível em: <http://www.educacao.cc/financeira/principais-operadoras-e-bandeiras-de-cartoes-de-credito/>. Acesso em: 08 mar. 2012. 116 FREITAS, Paulo Springer de. Mercado de cartões de crédito no Brasil: problemas de regulação e oportunidades de aperfeiçoamento da legislação. Textos para Discussão, Brasília, n. 37, dez. 2007. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD37-PauloSpringer.pdf>. Acesso em: 25 fev. 2011. 117 OLIVEIRA. Celso Marcelo de. Cartão de Crédito de acordo com o novo código civil. Campinas: LZN, 2003, p.60.
77
relação negocial de cartão de crédito com ênfase nos pressupostos jurídicos, especialmente no
momento em que o torna capaz de gerir direitos e deveres.
4.5.1 Relação entre o Titular e a Administradora Emitente do Cartão de Crédito
O titular pode ser uma pessoa natural ou jurídica. No caso de pessoa jurídica, por ser o
cartão um típico instrumento para aquisição de bens e consumo, a sua emissão é feita em
favor dessa pessoa jurídica, mas nominalmente a um individuo em especial.
A empresa administradora é um intermediário, de quem depende toda existência do
sistema, que realiza o empreendimento, seleciona os titulares do cartão, credencia sociedades
mercantis, comerciantes, prestadores de serviços, que serão os fornecedores do bem,
dominando economicamente todas as posições; além disso, sustenta normativamente o
sistema, estabelecendo as regras de funcionamento do cartão tanto para os fornecedores como
para os titulares, fixando os deveres contratuais e as possibilidades de negociação através de
condições gerais dos negócios e de instrumentos de adesão. Gerson Luis Cardoso Branco
ressalta:
A relação estabelecida entre o titular e a administradora constitui um contrato atípico, em que há uma abertura de crédito em favor do titular, o estabelecimento de uma prestação de serviços de caixa pela administradora, um mandato outorgado pelo titular para o financiamento e seu credenciamento no sistema, pelo que recebe um cartão de identificação, com o qual poderá utilizar-se dos benefícios estabelecidos contratualmente. [...] Os custos para o titular são o pagamento de taxa anual para despesas administrativas, em alguns casos, uma taxa para que a administradora seja fiadora perante a instituição financeira e juros aos bancos no caso de financiamento, este contrato é celebrado por adesão, submetido a condições gerais, estandartizado, com uma variação somente entre os titulares que têm acesso a diversas modalidades de cartões.118
Sendo assim, a relação jurídica entre o titular e a administradora de cartão de crédito
consiste na obrigação contratual gerada entre ambos, que obriga a administradora, de acordo
com o contrato, a garantir e pagar os débitos efetuados pelo titular; dessa forma, a
administradora adquire o direito de ser reembolsada por esse pagamento, e, se aplicável,
acrescido de juros ou moras quando houver atraso no pagamento.
Esse acordo contratual pactuado entre as partes provém de um contrato de adesão, que
fornece o direito do titular utilizar o cartão em compras em estabelecimentos filiados à
118 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.87.
78
administradora emitente e efetuar o pagamento à própria administradora.
Sendo assim, as principais obrigações e direitos do titular de um cartão de crédito,
segundo Fran Martins, são:
É necessário que o titular pague ao emissor uma taxa que visa cobrir as despesas de emissão do cartão. Nada mais é que uma taxa para utilização dentro do sistema, variável entre as administradoras. A depender da administradora, há uma taxa de renovação, paga anualmente, que visa manter o crédito e a habilitação junto à administradora. Assinar o cartão no lugar indicado, responsabilizando-se pelos prejuízos decorrentes da falta de assinatura. No entanto, o método mais utilizado atualmente para identificação é a senha eletrônica. Comunicar imediatamente ao emissor a perda ou roubo do cartão, sob a pena de responder pelo uso abusivo do cartão por outrem. O cartão de crédito é de uso pessoal e intransferível, dessa forma, a responsabilidade da guarda do mesmo é do titular, o qual responderá pelos prejuízos caso haja negligência dessa responsabilidade.119
Contudo, estas relações jurídicas são vistas hoje de forma sistematizada. O conjunto de
todas essas relações jurídicas compõe o que se chama de sistema de cartões crédito, sendo que
este sistema compreende não apenas as pessoas que o integram, mas o emissor, titular do
cartão e fornecedor, bem como as relações jurídicas existentes entre essas pessoas e as
modalidades próprias da utilização dos cartões, gerando obrigações e contraindo direitos para
ambas as partes.
Essa regra vem sendo cada vez mais questionada e atenuada quanto à responsabilidade
do titular frente ao uso indevido do cartão por terceiros. Nesse sentido, a jurisprudência e
doutrina começaram a entender que cessaria a responsabilidade do usuário a partir da
comunicação da perda, extravia ou furto à administradora.
No entanto, há um consenso sobre o fato de averiguar não somente a responsabilidade
do titular do cartão, mas, também, as eventuais responsabilidades do emissor e do fornecedor.
É passível de responsabilidade exclusiva da administradora, quando essa é comunicada pelo
titular sobre o extravio ou furto do cartão de crédito e não realiza a comunicação ao setor
responsável ou retarda a informação. O fato de falsificação da assinatura do titular de maneira
grosseira também o isenta da responsabilidade, assim como a administradora, sendo o
responsável o fornecedor de serviços ou bens. Atualmente, por evolução por meio da
tecnologia e segurança, as administradoras de cartões de créditos utilizam de senhas
eletrônicas como meio comprobatório e legitimação do titular.
Em casos onde a assinatura do titular é implicada como fator de segurança, é válido
119 MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.79.
79
acrescentar que a administradora e também o fornecedor possuem papel importante. Haja
vista que, se a administradora fiscalizasse com mais rigor as contas de seus associados, que
são cobradas pelos fornecedores, havendo pagamento somente de contas onde as assinaturas
são legítimas, os fornecedores também agiriam com maior rigor quanto às vendas.
Essas contas referenciam despesas realizadas pelo titular, através do uso do cartão de
crédito, para aquisição de bens ou serviços. Nesse ato, não é vinculada qualquer obrigação do
titular efetuar qualquer pagamento diretamente ao fornecedor. O ato do titular assinar a nota
de venda ou a inserção de sua senha eletrônica equivale para a administradora como
reconhecimento da dívida.
Em contrapartida, dentre os direitos e obrigações do titular existe a possibilidade do
titular solicitar cartões adicionais para seus beneficiários, sob sua responsabilidade.
Entende-se que é direito do titular adquirir bens ou serviços nos estabelecimentos
filiados. Caso não haja aceitação, é possível acionar a administradora e informar o ocorrido,
sendo passível de indenização por dano moral, dado o constrangimento e a vergonha.
Embora o uso do cartão de crédito seja realizado pelos beneficiários do titular, a
responsabilidade continua sendo deste, pois é o único possuidor de contrato com a
administradora. Salienta-se ainda que as despesas são de responsabilidade do titular,
independentemente do número de beneficiários.
4.5.2 Obrigações da Administradora de Cartões, Direitos e Deveres
Por força dos interesses representados pelas administradoras de cartões, o
ordenamento jurídico lhes confere direitos, vantagens, prerrogativas, deveres e obrigações,
para a realização de seu objetivo único, a saber, a satisfação em obter êxito em um contrato
firmado, havendo harmonia entre as partes contraentes que são: pagar as despesas feitas por
meio do cartão, suspender o cartão, mesmo sem motivo plausível, e cancelar o cartão pelo
nãocumprimento da obrigação de pagar no prazo convencionado.
No que tange ao pagamento das despesas feitas por meio do cartão, é a essência do
Sistema do Cartão de Crédito que a administradora seja a responsável pelas dívidas efetuadas
pelo titular; dessa forma, a não citação dessa cláusula no contrato do titular não prejudica sua
relação com a administradora. Porém, em caso de necessidade dessa cláusula para qualquer
que seja o motivo, a menção de que essa obrigação está no contrato entre a administradora e o
fornecedor torna-se suficiente porque, como já citado, o contratos estão interligados. Gerson
Luiz Carlos Branco pondera:
80
Os deveres da administradora perante o titular são a liquidação das despesas que o consumidor realiza, a entrega do cartão de identificação, lista dos fornecedores do sistema, informação atualizada destes, remessa periódica da liquidação dos gastos e fornecimento de meios necessários contra práticas desleais dos fornecedores, bem como manter atualizada a lista de cartões furtados e inutilizados, para evitar transtornos ao consumidor. Salienta-se que, em razão da confiança depositada pelo titular na administradora, incide o principio da boa-fé, pois todas essas atividades implicam um agir por outrem, notadamente na liquidação dos créditos e débitos, gerando o dever de prestar contas.120
Já no caso de suspensão de uso do cartão sem motivo plausível, basta à administradora
notificar o titular a suspensão, antecipadamente. Esse ato objetiva evitar que o titular tenha
seu cartão recusado em qualquer estabelecimento conveniado com a administradora, evitando,
assim, o constrangimento. A jurisprudência aconselha que o titular exija reparação pelo
constrangimento.
Na esfera de cancelamento, algumas vezes o titular quita o débito obtido através do
cartão de crédito, porém, por falha, a entidade arrecadadora (instituições financeiras) não
repassa o valor à administradora.
O resultado dessa falha, por vezes, acaba prejudicando o titular, que tem a restrição de
crédito e cancelamento do cartão.
Isso tem sido motivo de ações contra dano moral por parte do titular, sendo os
tribunais favoráveis a essas ações. Se, por negligência, a entidade arrecadadora não repassa os
valores devidos, não cabe ao titular arcar com tal fato e sim a própria administradora.
Cancela-se o cartão de crédito automaticamente após a solicitação do titular à administradora,
sendo esta a responsável pela notificação aos estabelecimentos filiados sobre o ocorrido.
Sendo assim, a administradora de cartões é quem controla economicamente todo o
sistema, pois compete a ela selecionar seus titulares, credenciar fornecedores e estabelecer as
regras contratuais entre as partes.
4.5.3 Obrigações entre a Administradora e o Fornecedor dos Bens e Serviços
Limita-se a um contrato previamente estabelecido entre eles e um valor ou montante,
valor esse garantido através de consulta à administradora no ato na compra do bem ou serviço
ao mesmo tempo em que o titular é identificado, eletronicamente, através do porte do seu
cartão via, geralmente, senha eletrônica. A administradora, portanto, se encarrega de efetuar o
120 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.95.
81
pagamento em nome do titular. Esse contrato, dentre suas peculiaridades, visa,
resumidamente, a inclusão do fornecedor no hall de estabelecimentos conveniados ao sistema
de cartão de crédito.
Neste ato, o fornecedor recebe da empresa administradora uma máquina, chamada de
‘estação’ que interligada a rede “online”, expedirá comprovantes de venda e depósito
eletrônico. Neste caso, algumas empresas cobram um aluguel pela obtenção e utilização
destas máquinas.
Gerson Luiz Carlos Branco entende que:
Fornecedor é qualquer pessoa que preste serviços ou tenha produtos à venda e que esteja cadastrado, filiado ao sistema; é quem prestará os serviços ou mercadorias ao titular, tornando-se credor da administradora das importâncias equivalentes ao valor dos bens consumidos, pagos por meio do cartão de crédito.121
Diante do posto acima, entende-se que as obrigações do fornecedor são, atendendo ao
portador do cartão de crédito, não acrescer o preço das mercadorias ou dos serviços, quitar as
compras feitas pelos usuários, verificar a legitimidade do cartão e do seu uso, pagar uma
remuneração ao emissor, tendo essa premissa como primeira obrigação do fornecedor, tendo
também como obrigação de que modo será o preço praticado pelo fornecedor de bens ou
serviços, podendo variar sobre o objeto de compra, seja desconto ou acréscimo.
Destaca-se que é próprio do sistema de cartões de créditos que a administradora cobre
do fornecedor uma porcentagem sobre as vendas realizadas através do cartão de crédito. Por
esse motivo, há fornecedores que acrescem os preços com o fim de sanar essa diferença.
Devido à cláusula contratual onde a administradora garante a compra na condição à
vista, se o fornecedor se recusa a vender com o preço à vista no cartão de crédito, o titular
possui o direito de acionar a administradora para resolução do problema. Frente a isso no art.
84 caput e seu parágrafo §1º do Código de Defesa do Consumidor: a execução específica, e na
sua impossibilidade, a imposição da obrigação de indenizar. Alcio Manoel de Souza
demonstra:
No ato de vender mercadorias ou prestar serviços aos portadores de seus cartões, nas mesmas condições do consumidor que compra à vista. Por sua vez, deve a administradora pagar ao fornecedor os bens ou serviços pagos através dos cartões.122
121 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1998, p.95. 122 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. Curitiba: Juruá, 2001, p.89.
82
Por razão da sistemática do cartão de crédito, no ato da venda, quando o titular assina
a nota de venda, a dívida é automaticamente transferida para a administradora. Dessa forma, o
fornecedor obriga-se a dar a “quitação das despesas efetuadas pelo usuário.”
Essa legitimidade refere-se, principalmente, ao seu prazo de validade e às assinaturas
constantes no próprio cartão e na nota de venda.
Ao se comparar as assinaturas, nos casos aplicáveis, e as mesmas serem diferentes, o
cartão de crédito pode ser recusado; porém, se a assinatura tiver sido falsificada e, por
negligência, o fornecedor aceitá-la, o mesmo encontrar-se-á desprotegido perante o sistema.
Cabe ao fornecedor consultar se o cartão não foi cancelado ou suspenso.
Essa remuneração configura-se através da prestação de serviços, como o agenciamento
de clientes. Essa remuneração será descontada do valor total de vendas do fornecedor com o
cartão de crédito e o valor líquido será depositado na conta do fornecedor, sendo que a
remuneração é pré-fixada em contrato.
Conclui-se que a relação entre administradora de cartões de crédito e o fornecedor se
consuma com o contrato firmado entre eles, denominado de contrato de filiação, pelo qual a
operadora se obriga a pagar todas as despesas efetuadas pelo titular, tendo este contrato de
duração determinado, podendo ser renovado.
4.5.4 Obrigações do Emissor
Pagar as despesas do usuário, responder pelos riscos do nãopagamento, da insolvência,
falência ou concordata do comprador, comunicar ao fornecedor extravio ou cancelamento do
cartão.
Vincula-se a um contrato de prestação de serviços, tratando-se de um negócio típico
regulado pelas normas do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor.
Marilia Benevides Santos123 demonstra em princípio que se trata de um contrato de
compra e venda ou prestação de serviços, figurando o titular do cartão como comprador-
credor, e o fornecedor como vendedor-credor.
Não se pode deixar de destacar a obrigação da administradora em quitar o débito
realizado pelo titular do cartão junto ao fornecedor, com exceção de vendas com
irregularidades. Sendo assim, devido ao contrato, o devedor principal é a administradora e não
o titular, haja vista que, na efetuação da venda (assinatura escrita ou eletrônica), a dívida é
123 SANTOS, Marilia Benevides. Cartão de crédito nos dias atuais. Rio de janeiro: Lumen Juris, 1997, p.77.
83
transferida à administradora.
Para tanto, o emissor fica sub-rogado em todos os direitos do fornecedor para agir
contra o titular do cartão.
O fornecedor não tem prejuízo algum, caso o titular declare falência ou insolvência, já
que o credor é a administradora. Porém, no caso do fornecedor vender ao titular após a
declaração da falência ou insolvência, já que esse perde a capacidade contratar, a
administradora pode, justificadamente, não pagar. Sendo assim, o fornecedor pode “habilitar-
se na falência ou no processo de insolvência do titular do cartão.
Geralmente, quando o fornecedor aceita uma venda acima do limite permitido pela
administradora, a administradora isenta-se de responsabilidade, conforme o citado acima,
assim como quando o cartão foi utilizado por outra pessoa autorizada pelo titular ou quando o
fornecedor aceita cartões de créditos irregulares, como com validade excedida.
O contrato de filiação poderá extinguir-se por incapacidade de uma das partes ou pela
prática de atos, por parte do fornecedor, que prejudiquem o sistema, como, por exemplo, a
nãoaceitação do cartão específico.
4.5.5 Obrigações do Titular e o Fornecedor dos Bens e Serviços
A presente relação trata de um mero vínculo comercial, que existe por simples pacto
de compra e venda, sem gerar, no entanto, qualquer obrigação de pagamento, porque a
obrigação de pagar é assumida pela administradora do cartão. O titular não pode transferir a
posse do cartão a outras pessoas, deve responder pela guarda e conservação do cartão,
responsabilizando-se, no caso de perda ou extravio deste, pelo mau uso, assinar a nota de
venda que lhe é apresentada pelo fornecedor, e pagar diretamente ao fornecedor no caso de
transgressão de norma contratual.
O titular se baseia nas obrigações, criando-se desta forma normas e regras para a
funcionalidade do instrumento, como exibir o cartão de crédito para adquirir bens e serviços
junto ao fornecedor e a utilização do crédito apenas no limite fixado pela administradora,
sendo requisitos obrigatórios para que a venda se realize.
Ao ultrapassar o limite de crédito do titular, obtido no ato da emissão do cartão pela
administradora, a mesma não possui responsabilidade pelas dívidas adquiridas através do
cartão de crédito, sendo que esse fato somente é possível quando o fornecedor aceita o cartão
irregular.
O recebimento do fornecedor diretamente do titular é movido por ação por meio das
84
notas de vendas que a administradora se isenta de pagar e as devolve ao fornecedor.
4.6 CARTÕES DE CRÉDITO E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O modelo tradicional de contrato, que se denomina um acordo entre duas pessoas em
igualdade de condições, sendo este utilizado para os acordos celebrados entre o adquirente e
as operadoras de cartões de crédito pelo contrato denominado de adesão, é disciplinado no
artigo 54 da Lei 8078/90, denominado Código de Defesa do Consumidor.
Esse diploma legal traz em seu contexto cláusulas que, aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos e serviços, sem que
o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo, protege o
hipossuficiente na relação que se denominado como consumidor.
Consagra o princípio da exilegibilidade das cláusulas contratuais, objetivando levar o
consumidor ao conhecimento do conteúdo do contrato pela simples leitura, determinando
ainda que as cláusulas que limitam o direito do consumidor devam ser destacadas no corpo do
contrato e também que ocorra a aceitação deste por parte do adquirente, baseados no princípio
da boa-fé e no equilíbrio contratual.
Cláudia Lima Marques sustenta que o contrato de adesão “é aquele cujas cláusulas são
preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte
(fornecedor), isto é, sem que o outro pólo (consumidor) possa discutir ou modificar
substancialmente o conteúdo do contrato escrito.”124
Desse modo, como já elencado no segundo capítulo do presente trabalho, o contrato de
adesão se caracteriza pela desigualdade econômica, pela oferta ao público em geral, pelas
cláusulas pré-estabelecidas e sua elaboração unilateral, cuja aceitação se opera no momento
em que o consumidor adere ao esquema contratual.
O contrato pré-elaborado não passa de uma folha de papel, não produz qualquer efeito
jurídico; assim, o contrato de adesão se consuma através da aceitação formal de um esquema
contratual que, muitas vezes, o adquirente aceita sem mesmo ter a consciência do que lhe está
sendo proposto, tendo-o aceito apenas com o simples fato de recebimento ou pelo desbloqueio
do instrumento, ocasionando mais uma vez transtornos e prejuízos ao consumidor.
A questão hoje é pacífica na doutrina e na jurisprudência no sentido de que a atividade
bancária, financeira de crédito e securitária presta serviços ao consumidor (hipossuficiente) e
124 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
85
sua natureza encerra típica relação de consumo, que ocorre pela simples da entrega do
contrato em sua residência
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no REsp n.º 57974-0-RS, rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, da 4ª Turma, assim decidiu:
O recorrente, como instituição bancária, está submetido às disposições do Código de Defesa do Consumidor, não porque seja fornecedor de um produto, mas porque presta um serviço consumido pelo cliente, que é o consumidor final desses serviços, e seus direitos devem ser igualmente protegidos como o de qualquer outro, especialmente porque nas relações bancárias que envolvem cartão de crédito há difusa utilização de contratos de massa e onde, com mais evidência, surge a desigualdade de forças e a vulnerabilidade do usuário.125
O Código de Defesa do Consumidor não permite contratações desproporcionais,
injustas e que venham a desequilibrar a relação contratual consumerista, acarretando em
qualquer das hipóteses a possibilidade de modificação ou revisão do contrato, mesmo não
sendo considerada relação de consumo.
Os contratos de adesão avençados nos Sistemas de Cartões de Crédito devem ser
interpretados considerando a garantia constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a
direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário.
O artigo 5º, XXXV, da CF, concomitantemente com o dispositivo no artigo 5º da Lei
de Introdução ao Código Civil, que indica ao juiz o critério do fim social e do bem comum,
assim como os princípios já citados, como o da boa-fé e da equidade, isto é, do equilíbrio
entre as prestações contratuais, com o CDC, o contrato nas relações existentes entre
consumidor e fornecedor, passou a ter um tratamento mais justo e equânime.
Nesse sentido, Rogério Ferraz Donnini diz que:
O CDC alterou a visão clássica do direito privado que está embasado no liberalismo do século passado. O CDC alterou sobremaneira os princípios da autonomia da vontade, da força obrigatória e da relatividade dos contratos, criando uma verdadeira revolução doutrinária, diante da modificação de verdadeiros dogmas do direito civil, arraigados no pensamento dos estudiosos do direito. Pode-se asseverar que com a criação do mecanismo de proteção ao consumidor ocorreu a maior transformação nas relações contratuais desde a revolução industrial, embora essa revolução ainda prossiga. O pensamento liberal de que o contrato, a declaração unilateral da vontade e do ato ilícito representam as únicas fontes das obrigações não mais
125 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material (arts. 1º ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000, p.98.
86
coincide com a concepção atual; desta forma, as partes podem acordar sobre determinados direitos e deveres.126
Neste prisma, observa-se a modificação de cláusulas contratuais em decorrência da
excessiva onerosidade exposta pelo Código de Defesa do Consumidor, em outras palavras, o
CDC prevê tanto a modificação quanto a revisão de cláusulas abusivas, sempre protegendo o
hipossuficiente na relação.
Em síntese, o Código de Defesa do Consumidor, ao inovar a visão clássica, liberal e
individualista do direito clássico na esfera do direito das obrigações, impõe limites ao dogma
da autonomia da vontade.
Diante disso, enumerou um rol meramente exemplificativo de cláusulas abusivas. Isto
quer dizer que, toda vez que se verificar a existência do desequilíbrio entre as partes ou
contrárias ao princípio da boa-fé objetiva, terá o consumidor respaldo na lei 8078/90, sendo a
única ferramenta de proteção jurídica declarada em diploma legal.
4.6.1 Vida a Crédito: Consumo, Prazer e Dívidas
No mundo consumerista atual, não há quem queira abrir mão da oferta de um cartão de
crédito; seria não estar apto à modernidade no que se refere à viabilização dos negócios, de
poder de compra e venda de mercadorias e estar apto a utilizar serviços e operações
financeiras, com praticidade e comodidade.
No entanto, a ferramenta designada como cartão de crédito, se não utilizada da
maneira correta, se torna uma armadilha financeira para os clientes.
Muitos consumidores são incentivados pelo simples fato de terem em mãos um
documento de fácil acesso a produtos e serviços. Pode ocorrer-lhes um endividamento em
virtude do uso inapropriado dos cartões de crédito, que lhes possibilitou o consumo
desenfreado.
Os motivos de endividamento se resumem nos juros e de taxas exorbitantes, criando
um acúmulo mês a mês, e se deparando o titular do cartão com um montante muitas vezes
acima de seu orçamento mensal.
Conforme pesquisa recente relizada pelo Serviço Central de Proteção ao Crédito
(SCPC),127 entre os inadimplentes no Brasil, 64,1% têm dívidas com cartão de crédito, e os
126 DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no código civil. São Paulo: Saraiva, 1999, p.53. 127 CARTÃO de crédito é principal causa de endividamento, diz pesquisa. Terra, Economia, 19 dez. 2011. Disponível em: <http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201112192223_TRR_80627476>. Acesso em: 27
87
endividados têm em média 2,4 contas em atraso.
As causas de endividamento se resumem nos produtos ofertados pelo mercado
financeiro, incompatibilidade do limite de crédito, ocorrendo a falta de aderência em relação
ao rendimento salarial, entre outros.
Hodiernamente, a utilização dos cartões se tornou rotineira. Há usuários que
conseguem administrar com rigor os seus gastos e investimentos em conformidade com a
capacidade de pagamento. Todavia, há aqueles, menos cuidadosos, que se endividam,
sobretudo porque não conseguem liquidar todo o valor financiado mensalmente.
Como a utilização é facilitada, muitas vezes o usuário alcança o limite, postergando o
pagamento e, com isto, acumulam mais dispêndios financeiros com taxas elevadas quando
comparadas a outras operações.
Para o usuário que planeja as compras e pagamentos, o cartão de crédito é um ótimo
instrumento de controle financeiro, pois, oferece vantagens, tais como, dispensa
dinheiro e cheque na hora da compra, há prazos para pagamento da aquisição dos bens ou dos
serviços, em alguns casos não há a necessidade de pagamento de anuidade, as operações de
débito evitam filas e a emissão de papéis e os valores das compras podem ser parcelados.
Do total de famílias brasileiras que, no mês de maio, estavam endividadas, 74,8%
disseram estar devendo no cartão de crédito, motivo pelo qual essa modalidade de pagamento
foi apontada como a principal dívida das famílias no período pela Pesquisa de Endividamento
e Inadimplência do Consumidor, divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC).128
Importante se torna conhecer os dois lados deste instrumento denominado cartão de
crédito, sendo um lado, o de muitas pessoas que usam os cartões de crédito sabiamente,
pagando a fatura todo mês para que não haja juros, e o outro, o impacto multiplicador na vida
financeira dos juros devastadores cobrados sobre o saldo devedor dos cartões de crédito,
transformando o futuro financeiro do titular do cartão em uma hipoteca.
O presente capítulo abordou primeiramente o instituto cartão de crédito, tratando
desde sua evolução histórica, seu surgimento e sua evolução até os dias atuais.
Posteriormente, delimitou o conceito do instituto e sua atuação dentro do mercado de
jul. 2012. 128 CAMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS – CDL São Luís - MA. Cartão de crédito concentra 74,8% das dívidas de famílias, diz CNC. CDL São Luís. Disponível em: <http://www.cdlsaoluis.com.br/exibirNoticia. php?cat=2& idnoticia=45>. Acesso em: 29 jul. 2102.
88
consumo, abordando sua função econômica nas relações capitalistas, que gera as relações de
consumo.
As modalidades ofertadas pelas instituições financeiras são: débito, múltiplo e também
linhas de crédito, acompanhadas de uma bandeira. O cartão tem como função principal
garantir ao adquirente praticidade,celeridade e segurança em suas compras, deixando ele de
utilizar papel moeda e cheques, optando somente pela utilização desta ferramenta. Os cartões
tornaram-se indispensáveis dentro do setor econômico,movimentando bilhões de reais no
mercado, tendo como consequência a satisfação das necessidades de consumo e a
sobrevivência do próprio modelo econômico brasileiro.
Com a utilização do cartão de crédito, o portador possui crédito disponível na hora e
prazo para liquidez deste valor, requisito importante e valorizado pelos consumidores que
decidem onde, como e o que comprar, criando uma relação de direitos e obrigações tanto por
parte das operadoras, dos consumidores e dos estabelecimentos comerciais conveniados.
Com a oferta de crédito simples e rápida, o consumidor é impulsionado a utilizar o
cartão de crédito. Diante do anseio em consumir bens e produtos e não atentando para o
instrumento contratual pactuado, o consumidor firma uma relação contratual sem ter
conhecimento do conteúdo imposto, se submetendo a obscuridades e imposições unilaterais.
Por fim, o respaldo legal trazido neste estudo trata do Código de Defesa do
Consumidor, que protege o hipossuficiente nas relações consumeristas, amparando o
consumidor e garantindo-lhe segurança nas relações contratuais.
89
5 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS ADMINISTRADORAS DE CRÉDI TO
Como já anteriormente comentado, o cartão de crédito não se reduz apenas a um
contrato, mas é um sistema contratual constituído de contratos conexos.129 Basicamente
representado por um triângulo (administradora - titular – fornecedor), teve seu raio de atuação
ampliado. Com a evolução da economia de mercado e fluxo de mercadorias, as inovações
tecnológicas e mercadológicas desenvolveram-se na mesma proporção, visando o aumento da
base de captação e volume de negócios, ocorrendo um desdobramento das funções
contratuais, número de contratos e pessoas adstritas às operações existentes no mercado,
como elencado por Flávio Maia Fernandes dos Santos:
Com o passar dos anos, a evolução do mercado e as inovações tecnológicas fizeram como o vértice que poderia ser ocupado por uma só pessoa, com as funções de administradora, emissão do cartão e credenciadora dos estabelecimentos, fosse desdobrado em vários outros, com cada função podendo ser desempenhada por pessoas diferentes, com contratos celebrados entre elas: (a) bandeira; (b) emissora (administradora não financeira ou instituição financeira); (c) instituição financeira para emprestar ao titular de cartão quando necessário para quitar fatura; (d) credenciadora de estabelecimentos fornecedores de bens/serviços; (e) prestação de serviços de rede (captura e processamento de operações e aluguel de terminais); (f) compensação e liquidação das obrigações financeiras com os estabelecimentos credenciados.130
Analisa o autor que, apesar da importância que o instrumento assumiu no mercado,
seu sistema contratual ainda não foi objeto de regulação específica na ordem legislativa
brasileira, sendo necessário recorrer a princípios gerais de direito, teoria geral de contratos e
princípios gerais que tutelam os direitos dos consumidores. Outra sistemática que favorece
abusos do direito é o vazio regulatório que o instituto recebe pelo Conselho Monetário
Nacional (CMN) e Banco Central do Brasil (BACEN), por não considerarem a administração
de cartão de crédito como atividade de sua competência.
Neste ínterim, analisaremos a dimensão da responsabilidade das administradoras
(instituições financeiras) pelas condutas e danos causados no trato como o consumidor final
no seu tripé conceitual, face complexidade do tema e a falta de enfrentamento por parte do
legislador no assunto.
129 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1998, p.02. 130 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-393, jan./mar. 2011, p.380.
90
5.1 RESPONSABILIDADE CIVIL: FUNDAMENTOS, NATUREZA JURÍDICA E
DIREITO ESTRANGEIRO
O significado etimológico131 da palavra “responsabilidade” deriva do verbo
“ respondere” que, entre outras acepções, tem a de “dar o equivalente, satisfazer a, pagar”. O
verbo é formado de outro “spondere”, que se traduz por “obrigar-se a, responder por alguém,
dar garantia”, sendo prefixado pela partícula “re” que fornece uma condição de
reciprocidade, resposta.
Nos primórdios, o homem sempre se voltou contra o dano, não aceitando arcar com os
prejuízos frutos do acaso, da fatalidade. O conceito de responsabilidade era atrelado à
reposição do dano originário da culpa; tal culpa obrigava o devedor ao pagamento de pecúnia
ou membros do corpo como exemplifica IHERING, apud Jacinto A. G. Baia:
O lesado renunciava a exigir a pena do talião mediante o pagamento duma composição considerável; a sua sede de vingança ficava tão apaziguada quando o seu adversário era obrigado a ceder-lhe o que tinha de mais precioso no mundo, como quando lhe tivesse infligido algumas feridas graves. Não é mais espantoso o ver prosseguir contra a pessoa a satisfação duma lesão pecuniária do que ver a fortuna do adversário pagar a pena duma lesão pessoal. Em vez de dinheiro, os membros do corpo (in partes secare); em vez dos membros do corpo, o dinheiro.132
Com o desenvolvimento das relações sociais, e destas, o direito como formalizador das
complexidades da vida, no final do século XIX começaram a surgir ideários da
responsabilidade sem culpa, panorama originário da Revolução Industrial e do seu
desenvolvimento industrial, da análise da culpa pelos acidentes ocorridos nas máquinas e os
primeiros incidentes consumeristas, por exemplo.
No Brasil, o conceito legislativo da responsabilidade civil no âmbito contratual
colima-se com a adequação do nosso Código Civil de 1916 ao Código Francês, pelos artigos
1146 e 1155, sobre os efeitos da inexecução das obrigações, baseada no Direito Romano
Clássico e na Lei Aquilia, como anota José Rubens Costa:
No campo processual a lei Aquilia, à época clássica do Direito romano, dava ação na ocorrência de delitos entre pessoas não ligadas pelo vínculo contratual. Havia uma certa dificuldade ou mesmo impossibilidade, em caso de inexecução de contratos, de propiciar a ação , porque a lei Aquilia só se
131 BAIA, Jacinto Américo Guimarães. A evolução da responsabilidade civil e a reparação do dano nuclear. In: Estudos sobre a responsabilidade civil: cadernos de pós-graduação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1977, p.11. 132 Idem, Ibid., p.13.
91
aplicava aos fatos positivos e a inexecução contratual geralmente consiste na abstenção do devedor em cumprir positivamente o pactuado; deu-se pois, a ação nascida do contrato. Isso levou a uma distinção entre responsabilidade originada “exdelictu” e “excontratu”, mas somente quanto a seus efeitos.133
No contexto financeiro atual, inegável é a gama de conexões contratuais que se
efetivam quando da utilização do cartão de crédito. Estas conexões ou redes de negócios
ganham dimensão jurídica quando proporcionam surgimento de novas relações de consumo e
de demandas sociais, originárias de uma conduta agressiva de marketing e desinformação do
consumo sobre o produto adquirido, conforme denota Wilson do Prado:
A organização e a agressividade das administradoras, em parceria com o sistema bancário nacional, além da propaganda veiculada nos meios de comunicação, levam os consumidores a adquirir o cartão de crédito fundamentados na premissa de que o portador ou titular de um cartão eleva-se a uma categoria social privilegiada, cuja conduta resulta em implicações obrigacionais inerentes ao instituto. É necessário que no ato da adesão o cliente tenha informações precisas sobre o serviço oferecido e as funções decorrentes do seu uso, bem como dos deveres a ele impostos por ocasião da adesão. Mas, via de regra, os titulares de cartão não são suficientemente esclarecidos sobre a funcionalidade do sistema, bem como sobre implicações jurídicas pertinentes e, por vezes, não são informados sobre a sua multifuncionalidade.134
Antonio Carlos Efing esclarece que, no contexto das relações de consumo, os
questionamentos foram recepcionados pelo CDC através de um tratamento diferenciado para
regular e equilibrar estes contratos:
[...] todas as questões que dizem respeito a relações de consumo (ou relações jurídicas equiparadas às relações de consumo) receberam, com a edição do CDC, tratamento inovador, justamente por seu objetivo ser o de regulamentar a relação de consumo, criando mecanismos para que se torne equilibrada, evitando a prevalência de um sujeito em detrimento do outro, assumindo o papel de equalizador da situação vulnerável dos consumidores em relação ao formatado poderio dos fornecedores.135
Destarte, é concreto afirmar que o CDC agregou no contexto do código várias formas
de consumidor, não se contentando apenas com o art. 2º, mas ampliando seu raio de ação para
equiparar todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas,
133 COSTA, José Rubens Costa. Da responsabilidade civil contratual e delitual. In: Estudos sobre a responsabilidade civil: cadernos de pós-graduação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1977, p.47-52. 134 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.131. 135 EFING, Antonio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba:Juruá, 2001. v. 1, p.31.
92
conforme anotado em seus artigos 17 e 29.
Assim, situações de controle de publicidade, regulação de cláusulas contratuais e
responsabilidade civil foram abarcadas em seu conteúdo legislativo, salienta Antonio Herman
Benjamim:
Em face da complexidade das matérias de que cuida, o Código não se contentou com um único conceito de consumidor. Há um geral (art. 2º, caput) e três outros por equiparação (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29). Tal se dá porque alguns dos fenômenos de mercado regrados pelo Código poderiam, se tal fosse a opção do legislador, ser objeto de leis específicas, aliás, como é normal na Europa e Estados Unidos. Teríamos, então, uma lei de controle de publicidade, outra para a regulação das cláusulas contratuais abusivas, outra para a responsabilidade civil pelos acidentes de consumo, uma outra para os crimes de consumo e assim sucessivamente.136
Todas as mudanças neste corpo legislativo, como comentado, são reflexos das
características advindas de conceitos pós-modernos, mudanças essas já salientadas nos
capítulos anteriores. Daí a preocupação do Estado e do legislador pelo contexto proposto na
atividade econômica do art. 170 da Constituição Federal137 em trabalhar no equilíbrio dos
conteúdos contratuais massificados dentro da econômica de mercado, incluindo a
responsabilidade civil nessas relações altamente contratualizadas, com vistas ao incremento
da economia e desenvolvimento econômico da nação.
Na formação de redes contratuais que fornecem produtos e serviços ocorre uma
constante busca pela diluição dos riscos da atividade econômica desenvolvida que, pela
divisão de riscos e vicissitudes da negociação, acaba por desaguar em algum momento no
consumidor, parte hipossuficiente dessa relação em cadeia, causando danos e
consequentemente responsabilidades.
Andreza Cristina Baggio Torres, em sua obra, relata que tais redes estão
intrinsecamente vinculadas aos consumidores, havendo vinculação diretamente com um
componente da rede e indiretamente com os demais, surgindo o questionamento se ao
consumidor assiste ações de reparação de danos face os outros componentes da cadeia, razão
da rede de segurança que, por um lado dilui os riscos empresarias, mas, por outro, possibilita
o aumento exponencial dos abusos:
136 BENJAMIN, Antonio Herman. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p.147. 137 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV - livre concorrência;V - defesa do consumidor; [...] VII - redução das desigualdades regionais e sociais.
93
O fenômeno da responsabilidade dos integrantes do grupo de contratos deve ser analisado a partir dos consumidores em relação às novas formas de contratação na sociedade de massas, pois a imagem clássica da empresa vem sendo alternada, e a empresa moderna, ou pós-moderna, tende a organizar-se através de grupos ou redes de sociedades comerciais, a fim de fragmentar, diluir e delimitar os riscos empresariais, criando então verdadeiros mantos protetores favoráveis ao consumidor.138
É notório que uma conduta causadora de um descompasso e desequilíbrio a outrem,
por violação à tábua principiológica da boa-fé, justifica a busca pela reparação compensatória.
Nesta hipótese, concorre a necessidade de nexo causal da conduta nos termos do ensinamento
de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, verbis:
[...] a responsabilidade civil, vista genericamente, está na ocorrência de um nexo causal entre duas circunstâncias no mínimo: a) a conduta de alguém, que se afigurará como ofensiva; b) o aparecimento de um dano resultante da conduta.139
A legislação brasileira trata dos atos ilícitos e estabelece em seu artigo 186 do Código
Civil que “[...] aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Acrescenta o disposto no artigo seguinte as situações de abuso do direito como aquele ligado
ao titular “[...] de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Assim disposto, percebe-se que a combinação desses artigos com o art. 927 constitui
os elementos que compõem o dever de indenizar; elementos estes integrantes da conduta das
partes e liame integrativo da causalidade: voluntariedade, culpabilidade, violação de direito,
ação ou omissão.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A Lei 8078/90140, que trata das relações de consumo, serviu como parâmetro para o
138 TORRES, Andreza Cristina Baggio. Teoria contratual pós-moderna: as redes contratuais na sociedade de consumo. 2005. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005, p.108-109. 139 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p.39. 140 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
94
Código Civil, uma vez que evidenciou nos artigos 12 a 17 as responsabilidades do fornecedor
de produtos e serviços, pelo risco da consecução do negócio, como salienta Castro do
Nascimento:
[...] o Código de Defesa do Consumidor evidenciou, com a máxima clareza e indicando uma única exceção, que houve o afastamento da responsabilidade subjetiva.[...] Tanto no art. 12 como no art. 14, é dito que a responsabilidade nas relações de consumo se afigura independentemente da existência de culpa.141
Destes dispositivos, a natureza jurídica da responsabilidade civil das administradoras
de cartões de crédito no Brasil encontra respaldo e fundamentos na Teoria do Risco, qual seja,
da Responsabilidade Objetiva das empresas que gerenciam este produto no país:
A natureza jurídica da responsabilidade civil das administradoras encontra ressonância na obrigação de resultado oriunda de um sistema contratual que permite a prestação de serviços de emissão, gerenciamento de pagamento, fomento da atividade econômica e outras funções pertinentes ao instituto, cujo fundamento está assentado na teoria do risco, ou seja, na teoria da responsabilidade objetiva.142
Como no Brasil, a responsabilidade civil das administradoras de crédito não é assunto
pacificado em legislação e jurisprudência estrangeira. Na França,143 o conceito contratual de
decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. [...]. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 09 mar. 2011. 141 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade civil no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p.47. 142 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.189. 143 Idem, Ibid., p.71-84.
95
cartão de crédito utilizado é o de múltiplas funções, como o cartão múltiplo nacional. A
questão da responsabilidade civil é analisada nos tribunais no aspecto da culpa, caso a caso, e
através da teoria do risco do empreendimento, responsabilizando objetivamente a
administradora pelos prejuízos decorrentes.
Sua natureza jurídica, por ser de caráter complexo, possui uma peculiaridade de
inversão de posição a cada operação realizada, conforme anota Patrick GrayllChabrier, apud
Wilson do Prado:
A natureza jurídica do cartão de crédito na França define-se pelo sistema contratual de caráter complexo, porque, ao pagar o fornecedor de bens e serviços, assegura também ao usuário um duplo serviço, o de caixa e de domicilização, este último entendido como contabilização das despesas efetuadas pelo titular, reunidas numa fatura que lhe é entregue para pagamento numa determinada data do mês. Assume, assim, obrigações suplementares àquelas oriundas da abertura de crédito puro e simples, em que a obrigação tem elementos certos como o credor, devedor e objeto, o que não acontece nos cartões de crédito, em que o credor e devedor mudam de posição a cada operação realizada.144
A evolução como instituto jurídico praticamente não ocorre em razão da “[...]
irrevogabilidade da ordem de pagamento dada pelo cartão, prevista pelo artigo 22 da Lei nº
85-695, de 11 de julho de 1985”,145 repassando para a Corte Francesa o ônus pela resolução
dos conflitos e base para os fundamentos da responsabilidade civil. A tendência é na adoção
dos fundamentos da responsabilidade objetiva, uma vez que a administração, gerenciamento
do crédito, autorização para pagamentos de bens e serviços, originária do próprio emissor do
cartão, que outorga a concessão no momento da consulta eletrônica.
Na Itália,146 a questão dos cartões de crédito é classificada pela trilateralidade e
definida como serviços emitidos por empresas que exclusivamente oferecem serviços de
intermediação de pagamento. Conceitualmente, os cartões podem ser definidos por uma
função complexa da fattispécie, como ensina Wilson do Prado:
Assim, o conceito de cartão de crédito na Itália pode ser definido como uma função complexa da fattispecie, constituindo-se de vários contratos e fundamentado no fato de concentrar o pagamento mediante uma dúplice substituição por uma administradora, o que se exterioriza por meio da emissão de um documento, o qual recebe o nome de documento auto-
144 CHABRIER, Patric Grayll. Les cartes de crédit. Paris: Dalloz, 1968, p.254. In: PRADO, op. cit., p.83. 145 PRADO, op. cit., p.73. 146 Idem, Ibid., p.85-101.
96
suficiente, documento não nominativo e não transferível, documento de identificação e documento de legitimação.147
Em sua natureza jurídica, o instituto na Itália é herança da letra de câmbio, pela
natureza das convenções que concorrem entre emitente e portador. Outorga a ideia de
delegação de valores com intuito de adimplemento em tempo futuro, sendo o ressarcimento
ao mercado efetuado pelos estabelecimentos bancários conveniados com a administradora. A
operação é muita parecida com o cheque bancário, utilizado como meio de substituição ao
pagamento em moeda:
O fenômeno apresenta-se pelas notáveis afinidades emergentes com características similares àquelas presentes na chamada convenção de cheques. Certamente esta aproximação do instituto, por muitos aspectos justificados e por numerosas analogias entre a convenção de emissão do cartão e do cheque, apresenta um indubitável interesse quando se deseja aprofundar o exame das características presentes nos tipos de convenções consideradas. Levando-se em conta que a emissão de cartão, na maioria pelos bancos, parece de fato ter em comum o aspecto de um serviço pelo qual se realiza uma rápida circulação monetária com base nos meios adotados, respectivamente, cartão de crédito e cheque bancário, conduzida no âmbito dos instrumentos de pagamento substitutivos da moeda legal.148
Como nos ordenamentos brasileiro e francês, o problema de carência legislativa se
perfaz também na legislação italiana. Neste caso, fundamenta-se na doutrina para construção
de uma disciplina jurídica que protege aquele que se utiliza do instituto contra os desmandos e
abusos do poder inerente às instituições.
A teoria mais utilizada na doutrina italiana é a apuração da culpa como fundamento,
na busca pela parte que estabeleceu a violação do direito da outra, produzindo o nexo de
causalidade, finalizando a culpa. Fundamentam-se na diligência do Emissor em promover
todos os atos que satisfaçam o Consumidor, e este, que cumpra com as obrigações e cuidados
no manuseio do cartão esperados pelo Emissor.
Todavia, de modo pragmático, a jurisprudência segue instruções oriundas do Direito
Comunitário. Em face da hipossuficiência dos consumidores, aplica-se a teoria da
responsabilidade objetiva, invertendo-se o ônus da prova.
Pode-se constatar que, apesar das divergências doutrinárias, a dinâmica jurisprudencial
é uníssona na adoção da responsabilidade objetiva como parâmetro dos julgados desses
147 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.87. 148 Idem, Ibid., p.87.
97
países, os postulados protetivos aos consumidores, confirmando a aplicação do equilíbrio
econômico e função social dessa relação contratual em consonância com o dinamismo pós-
moderno da principiologia contratual atualmente praticada.
5.1.1 Legislação Específica do Instituto
Quanto à legislação específica dos Cartões de Crédito em terras brasileiras, como nos
outros países, é quase inexistente, limitando-se a poucas Resoluções, notadamente após
grandes embates entre órgãos de controles do conteúdo contratual. Ademais, pode-se notar
que os conteúdos se misturam entre uma Sistemática Financeira de análise dos casos e o
Códex Civilista.
Com isso, o legislador levou a regulação do instituto para o âmbito do judiciário,
campo que comumente os brasileiros não têm o hábito de utilizar e que, com a notória
conduta do brasileiro em honrar os compromissos assumidos, constitui uma barreira para o
desenvolvimento efetivo de controle do conteúdo contratual, como ensina Marcos Lyra:
As barreiras psicológicas constituem um fator de restrição do acesso à Justiça. São frutos da desconfiança das pessoas não habituadas a litigar em relação aos operadores do direito e do constrangimento que representa o ambiente formal do fórum. Estes aspectos (operadores do direito e ambiente do fórum) têm significado simbólico opressor que desestimula muitas vezes a defesa de direitos. [...] O princípio clássico do pacta sunt servanda tem, junto às pessoas, um caráter moral bastante arraigado, o que torna difícil a admissão por parte delas sobre a possibilidade de deixar de realizar um compromisso assumido em instrumento contratual (‘preto no branco’), principalmente quando este tem aparência de legalidade.149
Assim sendo, toda uma gama de abusos de direito ocorre com aqueles que se utilizam
do sistema, sendo relegado aos poucos clientes que utilizam do Poder Judiciário ver o
equilíbrio contratual.
Até 2010, pouquíssimas foram as intervenções legislativas nessa seara, esclarece João
Torres Albuquerque150, quase não existindo legislação específica, sendo que esta é composta
em grande maioria de Circulares e Resoluções, procurada desde o momento em que, no país,
começaram a ser usadas as normas do Sistema Financeiro: Lei 4.595/64, que trata da Reforma
do Sistema Financeiro;
149 LYRA, Marcos Mendes. Controle das cláusulas abusivas nos contratos de consumo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p.24-25. 150 ALBURQUERQUE, João Batista Torres. Prática processual bancária: contra banco. Leme: Edijur, 2008, p.537-649.
98
a) Projeto de Lei do Senado nº 148/97, que institui a obrigatoriedade de as
empresas operadoras de cartões de crédito oferecerem uma versão de
cartão de crédito com foto digitalizada;
b) Circular nº 2.683/96 do Bacen, que esclarece sobre os prazos de
financiamento a seus usuários;
c) Circular nº 2.690/96 do Bacen, que dispõe sobre o financiamento do
saldo de suas faturas e revoga dispositivos das circulares que menciona;
d) Decreto nº 2.181/97, que dispõe sobre a organização do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor, o SNDC, estabelece normas gerais
de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei 8.078/90,
revoga o decreto 861/93 e dá outras providências;
e) Resolução 3517/07 do Banco Central, que dispõe sobre a divulgação do
Custo Efetivo Total de todos os encargos e despesas de crédito ofertados
a pessoas físicas.
Em abril de 2010, foi elaborado relatório sobre os Cartões de Crédito pelo Ministério
da Justiça através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC - Sindec),
no qual foi conclusivo o aspecto de que o déficit de informação pela falta de padronização e
“profusão de tarifas” cobradas pelas Administradoras inviabiliza uma noção sobre o real valor
pago pelo consumidor, a exemplo da utilização do crédito rotativo, que incrementa uma
aplicação de elevada taxa de juros sobre o saldo devedor.
Sobre o relatório do DPDC, conclui Clarissa Lima, que essas situações enfrentadas
pelo usuário dos cartões é reflexo direito da carência de regulamentação e informação
deficiente:
A conclusão constante no relatório é de que as cobranças indevidas são apenas o reflexo, manifestação de problemas que ocorrem em etapas anteriores à celebração do contrato, relativas à carência de regulamentação e informação deficiente, pois o consumidor não compreende os termos e condições daquilo que contrata nem a extensão de suas obrigações. O consumidor muitas vezes desconhece que, efetuando somente o pagamento do valor mínimo da fatura, estará financiando o restante com elevados juros.151
Destes relatórios, advieram pelo Banco Central duas resoluções: a Resolução 3919/10,
que altera e consolida as normas sobre cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte
das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central
151 LIMA, Clarissa Costa de. O cartão de crédito e o risco de superendividamento: uma análise da recente regulamentação da indústria de crédito no Brasil e nos Estados Unidos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 21, v. 81, jan./mar. 2012, p.247.
99
do Brasil e dá outras providências, e a Circular 3512/10, que dispôs sobre o pagamento do
valor mínimo da fatura de cartão de crédito, buscando uma diminuição e unificação dos
níveis de endividamento que os consumidores do instituto detinham sem um limite mínimo
estipulado pelo legislador neste quesito.
Pode-se verificar que a vacância legislativa sobre esse instituto facilitou a
disseminação do produto mercadológico “cartão de crédito” sem uma atuação dos poderes
Estatais no controle de conteúdo e das suas condutas; por outro lado, do consumidor,
acarretou um aumento do nível de endividamento, principalmente das classes menos
esclarecidas que, de repente, adquiriram algo que lhes possibilitaria a compra de uma gama de
produtos sem uma análise criteriosa do seu crédito.
5.1.2 Divergências sobre a Natureza do Instituto: Conselho Monetário Nacional, Banco
Central e Superior Tribunal de Justiça
Apesar do CMN e BACEN entenderem que as administradoras não fazem parte do rol
dos conglomerados financeiros por ele geridos, o Relatório sobre a Indústria de Cartões de
Pagamento,152 frutos de cooperação técnica entre o BACEN, Ministério da Fazenda e
Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, vem de modo conclusivo de
encontro a esta responsabilidade na regulação que administrativamente negam, levando a
indagação de Flavio Maia:
Dessa forma, em vez de exercer poder regulatório amplo sobre a atividade de cartão de crédito, o CMN, que, sem dúvida alguma, tem poder regulatório sobre as instituições financeiras, optou por regular uma parte das atividades que podem ser por estas exercidas. Resta a questão: partindo-se da premissa de que a autoridade monetária reconhece a atividade do cartão de crédito como fora de sua área de atuação, poderia ela regular essa atividade pelo simples fato de ser exercida por instituição financeira? O Bacen entende que sim: “Se a atividade de administração de cartões de crédito, quando realizada por instituições financeiras, pode interferir nos demais negócios de empresa bancária, resta claro que a regulamentação pelo Conselho Monetário Nacional mostra-se necessária” (Petição da Procuradoria-Geral do Bacen n. 11518/2008).153
Essa indefinição, por conta desse aspecto, contribui para a não utilização para fins de
revisão contratual da aplicação da taxa média de mercado, conforme disposto no REsp
152 BRASIL. Banco Central. Portal. Disponível em: <www.bcb.gov.br>. Acesso em: 08 jul. 2012. 153 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-393, jan./mar. 2011, p.382.
100
1.061.530/RS, caso julgado no regime dos recursos repetitivos previsto no artigo 543-C do
CPC. Entende a Ministra Nancy Andrighi, relatora, que os valores das taxas praticadas devem
ser fornecidos pelas instituições financeiras, devendo ser disponibilizadas pelo Banco
Central154 em seu site.
Entretanto, analisando as informações do endereço eletrônico, o que se pode
visualizar é a INEXISTÊNCIA de qualquer parâmetro para aplicação desta metodologia pelo
Banco Central. Pelo entendimento diverso do STJ sobre as Administradoras de Crédito, o
órgão responsável pelo Sistema Financeiro “limou” tal situação da tabela de comparação de
taxas médias de mercado.
Já ocorreu o questionamento no Judiciário se, uma vez que a administradora não é
considerada instituição financeira pelo CMN e BACEN, ela deveria se submeter aos juros
legais estabelecidos. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça se posiciona no sentido de que as
Administradoras de Cartão de Crédito, por serem instituições financeiras, não sofreriam os
limites estabelecidos pela usura, continuando a celeuma em benefício das instituições,
conforme analisa Flavio Maia Fernandes dos Santos em seu artigo:
Quanto à possibilidade de cobrança de juros acima dos limites da usura, questionou-se muito na Justiça se a administradora, não sendo instituição financeira, poderia cobrar juros acima daqueles limites, faculdade apenas conferida às instituições financeiras de acordo com o entendimento da Súmula 596 do STF. O STJ, em vez de simplesmente reconhecer a legalidade da cobrança em virtude da intermediação de instituição financeira, foi muito além e afirmou, in verbis, na Súmula 283: “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da lei da usura.” Como visto acima, este entendimento tem respaldo em parte da doutrina, mas não é o adotado pelas autoridades monetárias.155
Conclui-se, assim, que esta situação – ou estratégia – entre Administradora de Cartões
de Crédito, Sistema Financeiro e Banco Central do Brasil, somente desfavorece um lado da
relação, o consumidor do produto final, que necessita das taxas nos casos de financiamento,
sendo que uma grande massa se utiliza dessa sistemática para refinanciamento de dívidas dos
crediários fornecidos pelas bandeiras.
Sem uma regulação legislativa que aprove medidas protetoras a esse tipo de
consumidor, tal situação tende a se perpetuar, contribuindo para uma elevação exponencial
dos lucros dessas instituições.
154 BRASIL. Banco Central. Taxas. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES>. Acesso em: 08 jul. 2012. 155 SANTOS, op. cit., p.382.
101
5.2 DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS BANDEIRAS PELA RESPONSABILIDADE
CIVIL
No Brasil, apesar de o legislador ter avançado muito em relação a leis e órgãos de
controle dos conteúdos contratuais, traduzindo em uma melhora substancial na prestação de
serviços, e, na via judiciária,haver um crescente enquadramento constitucional da nova
principiologia contratual focada no equilíbrio econômico e boa-fé, cumulados com uma
socialização das funções contratuais, essa responsabilidade não se estende às “Bandeiras”,
razão pela qual não existe nas demandas jurídicas o nexo de relação jurídica bandeira-cliente:
Assim, fiel a critérios jurídico-processuais e observando o efetivo alcance e natureza dos contratos, Brasil afora a jurisprudência tem sido pródiga em reconhecer a ilegitimidade passiva das bandeiras quanto à demandas oriundas de relações jurídicas entre usuários de cartões de crédito e os bancos emissores, administradoras de cartões ou vendedores.156
Nesse sentido, colabora o seguinte arresto:
Cautelar de Exibição de Documento. Contrato de Cartão de Crédito. Ilegitimidade Passiva da Ré. A Empresa Visa do Brasil Empreendimentos Ltda., apenas concede licença para o uso da marca. Quem oferece serviço de Cartão de Crédito com a Bandeira da marca Visa, entre outras, são as Instituições Financeiras Administradoras de Cartão de Crédito. Logo, no caso em tela, a contratação se operou entre a autora e o Banco Citibank (emissora e administradora de crédito). Gratuidade processual deferida. Suspensão dos efeitos da condenação. Inteligência do art. 12 da Lei 1.060/1950. Recurso conhecido e provido parcialmente.157
O que as Bandeiras demonstram para pesquisa é o entendimento que sua
responsabilidade objetiva se perfaz em razão da natureza do nexo alcançado entre marketing e
consumo,158tendo em vista que tal estímulo, cumulado a uma facilidade ao crédito, gera várias
modalidades de abusos praticados pelos seus licenciados.
156 IBRAHIM, Marco Antonio. Cartão de crédito: ações propostas contra as empresas titulares das marcas (bandeiras): ilegitimidade passiva. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 12, n. 45, p. 337-343, jul./set. 2009. 157 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Apelação Cível n. 0397/2007, grupo II, da 2ª Câmara Cível, relator desembargador Cezário Siqueira Neto, 09 de setembro de 2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4886981/apelacao-civel-ac-2007201311/inteiro-teor>. Acesso em: 05 jul. 2012. 158 “Porque a vida é agora” e “Certas coisas não tem preço, para outras existem Mastercard”.
102
5.3 RESPONSABILIDADE DERIVADA DE CULPA E RESPONSABILIDADE
OBJETIVA (TEORIA DO RISCO)
A responsabilidade objetiva do fornecedor tem como norte fundamental a teoria do
risco do negócio, qual seja, que o empresário possui liberdade para explorar o mercado;
contudo, o risco desse empreendimento não pode ser delegado ao consumidor. Seu foco
independe da noção de culpa, alicerçando-se no ato ilícito como propulsor da teoria, sendo
assim, adentra um viés prático dentro da práxis comercial:
Sob o foco da teoria do risco, o que se tem em evidência é a configuração da responsabilidade civil independentemente da culpa, que é o cerne da construção da teoria objetiva com fundamento da responsabilidade civil. A teoria objetiva contrapõe a subjetiva no seu ponto fundamental, a culpa, que se alicerça no ato ilícito como mola propulsora. Deve-se, entretanto, extrair da teoria objetiva seus pressupostos para que a fundamentação sobre o instituto seja cientificamente aplicável e exerça influência na solução dos casos práticos que se instauram, principalmente nas relações jurídicas advindas da práxis comercial e, especialmente, da administração de cartão de crédito.159
A doutrina alemã forneceu os princípios inspiradores da Teoria do Risco, conforme
apresentou Aguiar Dias citado por Nelson Luiz Guedes Ferreira Pinto:
a) Princípio do interesse ativo: “Quem desenvolve em seu próprio interesse uma atividade qualquer deve sofrer as consequências dela provenientes”;
b) Principio da prevenção: “Não se admite a exoneração da pessoa a quem se atribui a responsabilidade, enquanto não provar que o fato, aparentemente imputável a si, é, na realidade, resultado de uma causa exterior e estranha à sua atividade e impossível de ser por ela afastado”;
c) Principio da equidade: “Se a pessoa que causa o dano é economicamente forte, alarga-se o campo em que se enquadra a responsabilidade, mormente se o lesado é pouco afortunado; na situação oposta, restringe-se e se exclui, até, a ação de indenização, desde que o autor do dano tenha agido sem malícia ou culpa grave”;
d) Princípio da repartição do dano: “Tem seu germe na ideia de BENTHAM, que propôs a indenização do dano pelo seguro ou, caso contrário, a reparação a cargo do Estado”;
e) Princípio do caráter perigoso do ato: “Baseia-se na concepção de que o homem cria para o seu próximo um perigo particular”.160
O artigo 14, § 1º, II, do CDC, legisla sobre o que pode ser risco no negócio:
159 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.178. 160 PINTO, Nelson Luiz Guedes Ferreira. A responsabilidade civil do estado por atos jurisdicionais. Estudos sobre a responsabilidade civil: cadernos de pós-graduação. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1977, p. 152.
103
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: [...] II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
Fica evidente que o consumidor, optando por mobilizar ou usufruir dos serviços da
instituição financeira, assumiu os riscos originários no caso de infortúnios casuísticos, não
podendo pretender transferi-los para o banco, quando se depara com fraudadores do sistema
financeiro, situação em que ambas as partes concorrem com o prejuízo.161
Logicamente, o banco deverá ressarcir o consumidor por prejuízos originários de uma
conduta fraudulenta, levando em conta a gravidade da culpa, e, provado que é vitima da
fraude, assim como a instituição financeira.
Em sentido oposto, havendo uma conduta negligente do consumidor no trato dos
serviços bancários, fica determinada a ausência de culpa da instituição financeira. Neste
sentido, a jurisprudência já se posicionou:
Responsabilidade civil. Cartão magnético. Negligência do titular do cartão. Saques efetivados por terceiro. Ausência de culpa do banco. Compete ao correntista a guarda do cartão magnético, impedindo a sua utilização por terceiros. Também é sua obrigação manter o sigilo da senha correspondente. Constatada a negligência quanto à guarda do cartão e sua utilização por estranhos, o correntista é o único responsável pelos saques efetivados mediante utilização da sua senha pessoal. Recurso improvido. Unânime.162
O Poder Judiciário, no momento do julgamento do caso concreto, tem o dever de
buscar a primazia da realidade, e não o texto literal dos conteúdos protetivos ao
consumidor,sob risco de alterar valores constitucionais em detrimento de “industrias” de
responsabilidade frente ao desenvolvimento econômico. O quesito hipossuficiência não pode
retirar a responsabilidade do consumidor de informar a instituição financeira sobre a
ocorrência de um problema com seu cartão, ou outras questões relacionadas à dinâmica do
contrato, devendo tal relação ser pautada pelo princípio da boa-fé, principalmente nos casos
de fraude.
161 SADDI, Jairo; BOTANI, Rodrigo. Dano moral e as instituições financeiras. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 10, n. 38, p. 60-66, out./dez. 2007, p.65. 162 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível 2002.06.1.007.451-0, 1. Turma Recursal do JEC, relator desembargador Maria de Fátima Rafael de Aguiar Ramos. Diário da Justiça da União, 03 dez. 2003, p. 91.
104
O fundamento da responsabilidade civil das administradoras de cartão de crédito está pautado na teoria da responsabilidade objetiva, que tem sua gênese no abuso do direito como elemento indissociável capaz de gerar prejuízo e, consequentemente, sua reparação. Fundamentalmente, o abuso do direito necessita de elucidação a fim de cumprir o propósito da construção proposta, devendo, para tanto, tratar das noções fundamentais por meio do estudo de seu conceito, natureza, evolução, caracterização e sua disciplina legal.163
Nas situações de fraude ao sistema financeiro, a responsabilidade objetiva das
instituições, também prejudicadas, se completará, no caso de ausência de culpa exclusiva ou
concorrente do consumidor, pois o valor contratado para as operações financeiras, na maioria
dos casos, não abarca uma análise pericial por profissionais credenciados.
5.4 RESPONSABILIDADE DERIVADA DO ABUSO DE DIREITO
Neste novo olhar principiológico de que participam todos os agentes da economia
envolvidos no processo econômico e, neste universo, as questões que envolvam o contrato, o
abuso de direito uma vez auferido deve ser repreendido, sendo um fenômeno social das
relações e da responsabilidade objetiva.
É a própria teoria objetiva que qualifica o abuso do direito e, em decorrência do aspecto objetivo do ato, patenteia-se a sua anti-sociabilidade: se existe abuso, cabe repressão. É evidente que a intenção de prejudicar outrem prova de maneira irrefragável a existência de abuso do direito, uma vez verificado o dano efetivo.164
No país, a falta de um sistema formalizado de falência dos consumidores pessoas
físicas não possibilita verificar que os cartões de crédito tiveram um papel importante no
desenvolvimento da dívida dos consumidores. Todavia, em abril de 2010, o Ministério de
Justiça elaborou um relatório através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor
(DPDC), através de seu sistema de informações no período de 01.01.2007 a 31.12.2009.
De posse desses dados, Clarissa Costa de Lima, em seu artigo,165 chega às seguintes
163 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.181. 164 PRADO, Wilson. Responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito. São Paulo: Pillares, 2005, p.182-183. 165 LIMA, Clarissa Costa de. O cartão de crédito e o risco de superendividamento: uma análise da recente regulamentação da indústria de crédito no Brasil e nos Estados Unidos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, ano 21, v. 81, jan./mar. 2012, p.239.
105
conclusões:
- Que o cartão de crédito respondeu por 12,09% do total das demandas levadas aos Procons do período; - Que representou 1/3 (33,92%) das demandas relativas ao setor financeiro; - Cobranças indevidas (44,71%) e Contrato (16,34%) correspondem a 61,05% das demandas registradas em cartão de crédito.
Para serem estudadas as condutas/cláusulas que oneram a grande massa de
consumidores, didaticamente convém a análise nos seus aspectos operacionais e nos aspectos
financeiros da operação que envolve este instituto com base no abuso do direito,
estabelecendo-se as responsabilidades dessas partes no contexto contratual.
5.4.1 Aspectos Operacionais: Responsabilidade Decorrente de Negligência: Furto, Perda,
Roubo, Extravio, Clonagem, Emissão sem Anuência do Titular
Não existe diferença interpretativa nas situações de perda, furto, roubo, extravio e
clonagem de cartões de crédito, diferenças estas somente utilizadas nas situações de uso
indevido do produto por terceiros, nestas hipóteses nos contratos de adesão com cláusulas de
transferência de riscos166, transferindo para o cliente, os riscos do empreendimento.
Gerson Luiz Branco analisa que tal cláusula fere os princípios da boa-fé e da
autonomia da vontade, como violenta a própria teoria contratual, por onerar o titular de uma
obrigação sem ter causa conexa.
O risco deve ser de quem tem o dever de identificar o titular, assim com a administradora deve ser responsável pelo fornecimento de informações e condições necessárias à identificação do titular. Da loja vendedora é risco de aceitar o cartão sem conferi-lo e sem exigir a comprovação devida, como a cautela recomenda, devendo, em tal hipótese, arcar com os prejuízos.167
O posicionamento dos agentes econômicos no contexto contratual atual nestes casos
reflete nada mais do que o risco ou “teoria do risco do empreendimento”, como salienta
Rosélia Pereira de Moraes:
Este posicionamento reflete a teoria do risco do empreendimento, pela qual o empreendedor responde pelos riscos gerados por seus atos.
166 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. Curitiba: Juruá, 2001, p.100. 167 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1998, p.152.
106
Independentemente de culpa, a administradora deverá, neste caso, sofrer os riscos decorrentes de sua operação. Além disso, o ônus de provar a culpa exclusiva do consumidor, para se exonerar da responsabilidade civil, deve ser transferida para a entidade emissora ou para o fornecedor.168
O CDC faculta, em seu art. 51,169 que o MP interfira na nulidade de cláusulas
consideradas abusivas ou desfavoráveis ao consumidor. A situação abusiva começa a ser
revista pelos órgãos de controle dos conteúdos contratuais a despeito de recente Ação Civil
Pública proposta pelo Ministério Público em Minas Gerais:
Agravo de Instrumento: Ação Civil Pública. Cartão de crédito. Seguro de proteção perda e roubo. Ilegitimidade passiva do banco. Inocorrência – Litisconsórcio passivo necessário – Inocorrência – Antecipação de tutela – Limites territoriais da coisa julgada – Art. 16 da LACP – Proporcionalidade e razoabilidade na interpretação – Incoerência e falta de lógica na aplicação literal. [...] Não se trata de discutir a desoneração do dever do consumidor de realizar a comunicação à instituição financeira sobre perda, o roubo, o furto, o extravio ou situações afins, mas sim da transferência da responsabilidade da instituição financeira de arcar com os riscos advindos do contrato de utilização de cartão de crédito por meio de cláusula de seguro de proteção contra furto e roubo. [...], consubstanciados na transferência da responsabilidade da instituição financeira ao consumidor, bem como no valor arcada (sic) pelo consumidor inerente ao serviço. 170
Foi muito feliz o aparte proferido pelo Desembargador, analisando a relação contratual
e rebatendo os argumentos aduzidos pela instituição financeira:
Data vênia, este argumento não merece prosperar. Entendo que não se configura nem uma coisa nem outra. A ação foi proposta contra a empresa que tem atuação perante o consumidor e que o submete a aceitação de um serviço que se discute a abusividade. Talvez eventual “solidariedade” configure melhor a hipótese de denunciação da lide para o polo passivo, já que o serviço pretende o tempo todo segurar apenas a atividade bancária e não a relação de consumo ou o consumidor.171
168 MORAES, Rosélia Pereira. Cartão de crédito e alguns aspectos polêmicos. 81 f. (Monografia) Centro de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil, Gravataí, 2004, p.61.
169 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]§ 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio. 170 BRASIL – TJMG. AgIn 1.0024.10.028735-8/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante: Unicard Banco Multiplo S/A – Agravado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – 10ª. Câm. Civ. do TJMG. Relator: Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade. DJ 03.05.2011. in Jurisprudência Geral Anotada. Ano 100. Vol. 914. Dezembro/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.894-910.
171BRASIL – TJMG. AgIn 1.0024.10.028735-8/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante: Unicard Banco Multiplo S/A – Agravado: Ministério Público do Estado de Minas Gerais – 10ª. Câm. Civ. do TJMG. Relator: Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade. DJ 03.05.2011. in Jurisprudência Geral Anotada. Ano 100. Vol. 914.Dezembro/2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.897.
107
Outro aspecto que chama atenção é o envio dos cartões de crédito sem autorização dos
clientes. Esta falha ou falta de conexão do CMN com o mercado encontra-se na regulação da
Responsabilidade das Administradoras pelo BACEN no caput do art. 10 da CMN 3919/10,
que assim estabelece sobre o envio de cartões de crédito: “Art. 10. As instituições
mencionadas no art. 1º que emitam cartão de crédito ficam obrigadas a ofertar às pessoas
naturais cartão de crédito básico, nacional e/ou internacional.”
Analisando o dispositivo, em simplória interpretação, visualiza-se uma
incompatibilidade com os pressupostos da atividade financeira, em vista da falta de análise de
crédito, ferindo a técnica bancária já cristalizada nas normas do BACEN. Como anota Flavio
Maia:
Por fim, mas de maior importância, uma indiscriminada obrigação de contratar com pretendentes a titulares de cartão de crédito, sem uma adequada análise de crédito de cada um deles, feriria a boa técnica bancária, princípio básico que rege a atuação das instituições financeiras e que está cristalizado em inúmeros dispositivos do CMN e BACEN.172
Desta maneira, a obrigatoriedade de fornecer cartões à pessoas naturais atende a
necessidade de emitir papel-moeda pelo Banco Central; todavia, abre precedentes aos
problemas de negligência no fornecimento do dinheiro-cartão aos consumidores.
O envio de Cartão sem Prévia Autorização do Titular, nos termos do artigo 39, III, do
CDC, constitui prática abusiva. Não se pode enviar ao consumidor, sem solicitação prévia,
qualquer produto ou fornecer-lhe qualquer serviço. Conforme têm reconhecido nossos
Tribunais, a responsabilidade nesta hipótese é objetiva, de tal forma que se inverte o ônus da
prova, cabendo ao réu provar que sua prática não causou dano ao cliente. Nada obstante, tal
prática ilegal e abusiva, até pouco tempo, foi bastante executada. Todavia, a flagrante
ilegalidade exigiu da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça ação mais
enérgica com aplicação de sanções mais severas. Se não bastasse o bom senso indicar que tal
prática por si só seja abusiva e, em face disso, deva ser punida a infratora, impressionam os
casos, que não são poucos, de indenização por dano moral de Administradoras que, além do
envio ilegal do cartão, encaminham o nome do destinatário do cartão ao SPC e até ao
SERASA, pelo não pagamento das anuidades.
O dever de informar assegura ao consumidor o direito de informação verdadeira e
clara, este, substanciado, acompanhado com a boa-fé, objetivando garantir a igualdade entre o
172 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-
108
titular (consumidor) e a administradora (fornecedora) de cartões de crédito, bem como
assegurar informação precisa acerca dos objetos dos contratos e da publicidade não enganosa,
com carga vinculante que garanta ao aderente ao sistema a informação exata sobre as
condições gerais estabelecidas no instrumento.
O ilustre professor Gerson Luiz Branco aponta as principais informações a serem
prestadas pelas administradoras de cartões de crédito ao titular (consumidor):
Na conclusão do contrato entre administradora e titular, devem-se calcular o custo anual, com as taxas reais cobradas, as consequências para o descumprimento ou mora no pagamento dos extratos, os deveres de uso do cartão, o conteúdo do contrato em geral,sua duração, renovação, validade, abrangência territorial, a responsabilidade no caso de extravio, perda e uso por terceiros, a participação da instituição financeira, os juros e as formas de extinção da relação contratual.173
Como consequência ao direito a informação, o Estado intervém na relação contratual
para garantir aos consumidores seus direitos básicos. Esta intervenção poderá ser
administrativa pelos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ou
pelo Poder Judiciário, podendo o Juiz modificar, revisar as cláusulas contratuais, além de
determinar o cumprimento da oferta e publicidade, da reparação dos danos, alterar valores e
rescindir o contrato.
Tratando-se da relação de consumo, os contratos avençados entre consumidores e
agentes financeiros deverão ser interpretados à luz dos dispositivos constitucionais,
concomitantemente com a aplicação subsidiária do Código do Consumidor, abandonando os
conceitos do direito civil e firmando-se especificadamente na Lei 8079/90.
Entre esses problemas, o envio sem a anuência do titular corrobora de forma positiva
para o aumento do endividamento do consumidor ou sua negativação, em vista da prática
reiterada de se enviarem cartões à pessoas cadastradas em seu banco de dados, sem que haja
pedido efetuado pelos destinatários ou conferência dos dados do receptor, situações que
podem colocar um cartão de crédito em poder de terceiros, ocasionando inúmeros transtornos
ao cliente-titular, conforme o exemplo citado por Waldírio Bulgarelli:
393, jan./mar. 2011, p.386. 173 BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual de cartão de crédito. São Paulo: Saraiva, 1988, p.87.
109
Pode-se assim imaginar a situação daquele que, bom cliente do banco, recebe, como presente, um cartão de crédito, e assim o formulário impresso que o acompanha. Mal sabe ele que desse pretenso obséquio resultará, preliminarmente, que terá que pagar uma taxa de manutenção pelo cartão, anualmente; que se entrega totalmente em mão da empresa emissora, que na qualidade de sua procuradora poderá sacar notas promissórias a favor do grupo bancário e contra o próprio titular.174
Nestes casos, as administradoras entendem que, com o recebimento e assinatura do
cartão, ocorre a aceitação tácita do destinatário. Tal situação não é compatível com doutrina e
jurisprudência, uma vez que podem ocorrer situações de extravio, podem os cartões ser
utilizados por terceiro, acarretando responsabilidade à Administradora, como diz a ementa de
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REMESSA A CLIENTE DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO . DEVOLUÇÃO. EXTRAVIO. UTILIZAÇÃO POR TERCEIROS . INSCRIÇÃO RESTRITA EM ÓRGÃOS CADASTRAIS DE CRÉDITO. DANO MORAL. LEGITIMIDADE PASSIVA E RESPONSABILIDADE DO BANCO PELO ILÍCITO. INFRIGÊNCIA DO ART. 39, III, DO CDC. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIRMADA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NÃO CONFIGURADA. JUROS DE MORA. CONDENAÇÃO EM SENTENÇA. PRECLUSÃO. CPC, ART. 530. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO. I. O banco é parte legitimada passivamente e comete ato ilícito, previsto no art. 39, inciso III, da Lei n. 8.078/90, quando, fornecendo ao cliente cartão de crédito por ele não solicitado, dá-se ulterior extravio e indevida utilização por terceiros, gerando inadimplência fictícia e inscrição do nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito, causadora de dano moral indenizável.175 (grifo nosso).
A utilização dos cartões de débito e crédito é situação que a dinâmica das relações
contratuais impõe ao consumidor de produtos, razão da diminuição do trânsito de dinheiro,
em vista da insegurança, ou pela necessidade de romper com conceitos estáticos inerentes às
negociações existentes até seu advento. Assim preconizou Nelson Abrão, na década de 90:
A pulverização dos cartões, como uma onda massificadora, está a exigir maior cautela, quer do usuário, quer do empresário que aceita sua penetração, na modalidade de pagamento, uma vez que é preciso romper o conceito estático e buscar o dinâmico, compatível com as operações que se sucedem no moderno Direito dos Negócios.176
174 BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 670. 175 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 514.358/MG, 4ª. Turma. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. Diário da Justiça, 16 mar. 2004. p. 172. 176 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 12. ed. atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2009,
110
Finalizando, a jurisprudência já solidificou a responsabilidade civil para aspectos
operacionais na dinâmica utilizada pelos cartões de crédito, como nos casos abaixo
mencionados:
a) Cartão de Crédito Extraviado:
Indenização. Responsabilidade Civil. Dano moral. Cartão de Crédito. Extravio. Comunicação quando do recebimento da fatura. Quantia faturada somando quase o dobro do limite do crédito. Assinatura falsa constante do documento de compra. Art. 51 do CDC. Aplicação. Cancelamento das Comunicações Restritivas do Crédito. Ação procedente.177
b) Cartão de Crédito Furtado:
Responsabilidade Civil. Cartão de credito furtado. Compras efetuadas antes da comunicação do furto. Fato do serviço. Riscos do empreendimento. Falta de cautela do estabelecimento vendedor. Inexistência de culpa exclusiva do titular do cartão. Responsabilidade da empresa exploradora do negócio.178
c) Cartão de Crédito Clonado
Cartão de crédito. Reparação de danos. Utilização de cartão clonado. Os cartões de crédito são oferecidos ao público por intermédio da administradora, que, como emitente do veículo de pagamento utilizado perante o estabelecimento vendedor, se responsabiliza pela apresentação do cartão “clonado”, eis que a venda somente se concretiza após prévia consulta de higidez do cartão exibido perante a administradora, sendo, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo da ação indenizatória, visando a reparação dos prejuízos advindos de tal conduta.179
A responsabilidade civil decorrente de furto, perda, roubo ou extravio e clonagem
tornou-se de grande relevância no ordenamento jurídico, pois existem grandes discussões
sobre o assunto devido ao notório aumento da criminalidade; isto contribuiu para que a
discussão acerca da responsabilidade civil se tornasse mais exacerbada, sobretudo no tocante
à validade da limitação contratual imposta pelas administradoras relativamente à sua
responsabilidade pelas despesas incorridas por terceiros até a comunicação do fato pelo
consumidor.
5.4.2 Aspectos Financeiros: Responsabilidade Civil Decorrente de Atos Ilícitos: Cláusula-
p.201. 177 BRASIL. TJSP. 8ª C. Dir. Privado – Rel. Ricardo Brancato. J. 24.08.98. – JTJ-LEX 210/99. 178 BRASIL. TJPR. Ap. 6.255/96. 2ª C. Rel Sergio Cavalieri Filho.
111
Mandato, Cláusula-Preço, Limitação de Juros, Multas e Encargos Moratórios
A utilização da cláusula-mandato nos contratos de adesão das Administradoras de
Cartão de Crédito, parafraseando Alcio Manoel de Souza Figueiredo,180 consiste na outorga
de poderes pelo proprietário do cartão de crédito à Administradora para gerenciar os débitos
resultantes do não pagamento da fatura, perante qualquer instituição financeira, habilitada
para, em nome do titular do cartão, negociar, acertar condições, contratar custos e encargos da
dívida cobrada, para efetivação do financiamento para cobrir os valores do saldo devedor do
cartão.
Moema Augusta Soares de Castro demonstra o modus operanti da cláusula-mandato
no contexto contratual:
[...] a cláusula inserta em contrato, em meio a outras, de forma disfarçada e na face oposta a que é lançada a assinatura do mandante, não induz e nem configura a constituição do mandato, eis que não está revestida dos requisitos de mútua confiança entre mandante e mandatário, pressuposto indispensável para a validade de tal avença. Porém, mesmo se considerada existente tal cláusula, nulo seria o mandato por manifestação leonina, por conferir poderes ilimitados e incontroláveis ao mandatário.181
Em uma análise sobre a nulidade das cláusulas contratuais, face à impossibilidade de
representação do consumidor em assuntos creditícios, no caso da cláusula-mandato, assim
salienta Flavio Maia Fernandes dos Santos, em seu artigo:
No que tange à legalidade da cláusula-mandato, a questão foi posta em face do inc. VIII do art. 51 do CDC,182 que prevê serem nulas as cláusulas contratuais que “imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor.” Depois de inúmeras discussões, firmou-se o entendimento de que o representante, no caso a administradora, agiria
179 BRASIL, TJSP. 1ª TACSP –AI 991.883-8. 6ª Cam. Rel. OscarlinoMoeller. j. 20.02.2001. – RT 791/262. 180 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Cartão de crédito questões controvertidas. Curitiba: Juruá, 2001, p.83-84. 181 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito: a monética, o cartão de crédito e o documento eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.115. 182 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;
112
em benefício do titular do cartão e, destarte, a cláusula-mandato não seria nula.183
Sendo assim, no entendimento do autor, a cláusula-mandato não seria considerada
abusiva, em vista do aspecto de trazer um “benefício” ao consumidor pelo gerenciamento de
dívida pelo cliente. A esse respeito, ensina Eduardo Salomão Neto:
A administradora não se obriga, entretanto, a empenhar necessariamente seus próprios fundos para tanto, porque pode se valer de empréstimos obtidos junto a instituições financeiras, o que no máximo garante. Mais importante, ainda, tais empréstimos não são contraídos em seu próprio nome, mas no nome do usuário, que para tanto constitui a administradora do cartão sua mandatária.184
Verifica-se que a abusividade do instituto, conforme preconiza o art. 51 do CDC, está
na falta de prévia informação, ao consumidor, na contratação do crédito, somente sendo
informado posteriormente das taxas de juros contratadas, ferindo assim o artigo 52 do Códex
Consumerista.185 Neste sentido, segue o entendimento do STJ:
Processo civil. Recurso especial. Ação de prestação de contas. Contrato de cartão de crédito. Credito rotativo. Empréstimo bancário. Cláusula-mandato. Repasse dos encargos ao titular do cartão de crédito. Exigência de prestação de contas contra a Administradora. Possibilidade. - A administradora de cartões de crédito está sujeita a prestar contas ao titular do cartão, a fim de demonstrar, de forma discriminada, os encargos, as condições e a origem do empréstimo bancário tomado por meio de cláusula–mandato pactuada em contrato de cartão de crédito. Recurso especial a que se dá provimento.186
A utilização da cláusula-preço é inerente aos contratos de consumos e necessária nos
contratos que administram o cartão de crédito. Ela é conceituada como a remuneração pelo
investimento de capital pela Administradora do Cartão, servindo de parâmetro para aquisição
de produtos, como define Paulo R. Roque Khouri:
Por meio dela é que o capitalista aufere uma maior ou menor vantagem
183 SANTOS, Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 14, n. 51, p. 379-393, jan./mar. 2011, p.382. 184 SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito bancário. São Paulo: Atlas, 2005, p. 301-302. 185 Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;III - acréscimos legalmente previstos;IV - número e periodicidade das prestações;V - soma total a pagar, com e sem financiamento. 186 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp2001/0192381-7, DJe10.03.2003. p. 188.
113
econômica na contratação, o chamado lucro; na outra ponta, o consumidor, na concorrência de mercado vai buscar no preço maior ou menor, o critério fundamental para decidir quanto à aquisição ou não do bem ou serviço.187
Cláusula-preço é o informativo das taxas que serão praticadas pela Administradora no
próximo período, qual seja: o valor da anuidade, o valor correspondente aos produtos e
serviços adquiridos com o cartão e, no caso de inadimplência, a somatória da multa contratual
moratória, mais o valor dos juros.188
A parte abusiva – ou perniciosa – da cláusula é a possibilidade do pagamento ser feito
entre a sua totalidade e um valor mínimo, antes estipulado pela administradora e atualmente
pela Circular 3512/10, repassando o parcelamento para o período seguinte. Todavia, a falta de
informação acaba por desencadear um efeito cascata na conta do consumidor, acarretando
uma situação de endividamento, que invariavelmente deságua em futura restrição ao crédito.
É prática comum entre as emissoras, no entendimento de Alcio Manoel de Souza
Figueiredo,189 o oferecimento de pagamento parcelado dos produtos e serviços no cartão. Tal
parcelamento se dá pelo pagamento mínimo correspondente a vinte por cento do valor da
fatura, e o saldo remanescente cobrado na fatura do mês seguinte. Isto constitui oferta das
emissoras de cartão de crédito, não podendo em nenhuma hipótese ser confundido com o
inadimplemento do consumidor.
Quando tratamos dos limites impostos pela usura e os limites de juros praticados pelas
Administradoras de Cartões de Crédito, do ponto de vista constitucional, a norma do § 3º,art.
192 da CF, que limitava a taxa de juros reais a 12% a.a., encontra-se revogada pela EC
40/2003, ressaltando-se que a Súmula Vinculante 7estabelece que, mesmo antes de revogada,
sua aplicabilidade era condicionada à edição de lei complementar, in verbis: “Súmula
Vinculante 7: a norma do § 3º do 192 da CF/1988, revogada pela EC 40/2003, que limitava a
taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de Lei
Complementar.”
Os Tribunais Superiores demonstram que as taxas de juros praticadas pelas entidades
que compõem o Sistema Financeiro Nacional sejam abusivas, expressando tal entendimento
através do Verbete do Enunciado 296 das Súmulas do STJ:
187 KHOURI, Paulo R. Roque. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.130. 188 CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito: a monética, o cartão de crédito e o documento eletrônico. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.69. 189 FIGUEIREDO, Alcio Manoel de Souza. Administradora de cartão de crédito: instituição financeira?. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.104.
114
Súmula Nº 296 - Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.
Este entendimento, apesar de se encontrar pacificado nos Tribunais, continua sendo
rebatido em razão de que os índices do Banco Central são fornecidos pelos próprios
componentes do sistema que, de modo cartelizado, aumentam a taxa média praticada, como é
o caso dos cartões de crédito, como expresso no voto vencido do Ministro Ruy Rosado, já em
2003:
No Brasil, adotou-se a política de que os juros são livremente pactuados. Na medida que nenhum limite é estabelecido na lei ou pelas agências públicas incumbidas de regular e fiscalizar o mercado, é possível que existam abusos. Pergunto, então, pode o juiz interferir nessa relação, para eliminar o abuso?190
Mesmo assim, a jurisprudência dominante trabalha somente com hipóteses de abusos
que destoam da taxa média de mercado:
Contrato bancário – Taxa de Juros – Limitação – Abusividade – Não ocorrência – Capitalização – Cabimento – Comissão de Permanência – Cobrança – Admissibilidade – Cadastro de inadimplentes – Inscrição – Possibilidade. I – Embora incidente o diploma consumerista nos contratos bancários, os juros pactuados em limite superior a 12% ao ano não são considerados abusivos, exceto quando comprovado que discrepantes em relação à taxa de mercado, após vencida a obrigação.191
Sem uma intervenção estatal na via legislativa com vistas a adequar essa “taxa de
mercado”, a utilização de taxas de juros não compatíveis com o atual estágio de nossa
economia continuará beneficiando somente um lado dessa relação.
No caso do cartão de crédito, por se tratar de um negócio jurídico novo, complexo,
atípico e não legislado, as teorias tradicionais não respondem a questões que fogem das regras
convencionais, bastando citar as controvérsias a respeito dos produtos e serviços disciplinados
em legislação especial consumerista.
É justamente pelo fato de não ter sido regulamentada a matéria que ainda existem
tantas discussões sobre o tema; entretanto, tem-se verificado que, na medida do crescimento
190 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.REsp nº 271.214-RS. 3ª.Turma. Rel. Min. Ruy Rosado.Julgado em 28 jun. 2007. Diário da Justiça da União, Brasília, 04 ago. 2003. 191BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 979176/RS. 3ª. Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti. J. 01.04.2008.
115
da utilização do cartão como forma de pagamento aceita pelo comércio, o entendimento dos
tribunais está sendo pacificado e uniformizado em relação a algumas questões num primeiro
momento polêmicas.
Não há legislação específica sobre a matéria restando a aplicação das cláusulas gerais
do Código Civil, Código do Consumidor e demais normas de ampla aplicabilidade.
Em síntese, o presente capítulo tratou da responsabilidade civil das administradoras de
cartões de crédito, demonstrando a evolução da economia e as funções contratuais
relacionadas ao instituto, dando ênfase ao direito comparado, definindo a responsabilidade
civil e a sua aplicabilidade em outros países.
O estudo demonstra a responsabilidade do fornecedor de bens e produtos e a natureza
jurídica à luz da responsabilidade civil frente às administradoras, tendo o respaldo na Teoria
do Risco.
No Brasil, a responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito não é
assunto pacífico entre os doutrinadores. Na legislação e jurisprudência, encontra-se
embasamento nas resoluções no Conselho Monetário Nacional, Banco Central, Sistema
Financeiro Nacional e STJ.
No que se refere ao consumidor, considerado o hipossuficiente na relação contratual,
entende-se que é lesionado desde o momento que recebe o contrato de adesão em sua
residência, ofertando-lhe o instrumento cartão de crédito, além de se submeter a cláusulas
onerosas e abusivas.
Quanto às taxas de juros aplicadas, posiciona-se o Judiciário dizendo que a
administradora de cartão de crédito não é considerada com instituição financeira pelo CMN e
BACEN; portanto, deveria se submeter a juros legais. Todavia, o STJ se posiciona no sentido
contrário, permitindo que a aplicação de juros diferenciais no que tange os contratos de
cartões de crédito, possibilitando o abuso do direito.
Diante disto, conclui-se que não há legislação específica que corrobore com o tema em
questão. Para a solução de litígios, procura-se respaldo nas legislações,resoluções e no Código
de Defesa do Consumidor, buscando favorecer o adquirente, o consumidor
116
CONCLUSÃO
Pode-se visualizar no corpo do trabalho apresentado que o instituto do cartão de
crédito é fruto de uma evolução do sistema financeiro em adequar a modernidade da evolução
tecnológica-econômica-social da humanidade, garantindo o equilíbrio que deve prevalecer
entre as relações econômicas.
No primeiro capítulo foi abordado o avanço tecnológico no trânsito de dinheiro e
crédito nas relações negociais, constata-se que o instituto de cartão de crédito é o resultado
direto do processo de mudança imposta pelos novos vetores comerciais do capitalismo,
fornecendo agilidade, praticidade e segurança para o enorme fluxo de consumo existente.
O segundo capítulo demonstrou a relação negocial oriunda do presente estudo, sendo
uma relação tripartite entre adquirente, operadoras de cartões de crédito e estabelecimento
comercial credenciado, proporcionando harmonia, garantindo segurança e informações às
partes envolvidas no que se refere à prestação do serviço ofertado, propiciando a satisfação e
ajuste às relações comerciais dentro de padrões éticos, justos e racionais.
O terceiro capítulo possibilitou concluir da imprescindibilidade do cartão dentro da
economia como substituto virtual ao papel moeda, para os clientes que se utilizam deste
instrumento.
Chegou-se a entendimento que, com a oferta de crédito simples e rápido, o
consumidor é impulsionado a utilizar o cartão de crédito. Diante do anseio em consumir bens
e produtos e não antenado para o instrumento contratual pactuado altamente adesivo, o
consumidor firma uma relação contratual sem ter conhecimento do conteúdo imposto, se
submetendo a obscuridades e imposições unilaterais, favorecendo inúmeras situações de
endividamento em toda cadeia consumidora.
Todavia, em busca da satisfação das necessidades de consumo e do mercado que
oferece um universo de produtos, o portador não possui informações precisas sobre as
responsabilidades e riscos da utilização sem critério deste instituto, criando uma relação de
direitos e obrigações tanto por parte das operadoras, dos consumidores e estabelecimentos
comerciais conveniados.
O quarto capítulo apresentou a responsabilidade civil das administradoras de cartões
de crédito, fazendo a correlação com o direito comparado, demonstrando que não se trata de
um assunto pacífico entre os doutrinadores. Não existe legislação específica que regule os
contratos deste instituto, forçando a jurisprudência a se embasar resoluções do CMN e Banco
Central, órgãos parciais ao Sistema Financeiro Nacional.
117
O consumidor, hipossuficiente nesta modalidade de relação contratual por seu caráter
altamente adesivo, é lesionado desde o momento que recebe o contrato em sua residência,
submetendo-se a cláusulas onerosas e abusivas em todo período contratual, através de modo
de operacionalização que por falta de informação é responsável por situações de
inadimplência e endividamento.
A falta de controle do conteúdo contratual por uma legislação protetiva específica ao
instituto ou por um órgão de controle das administradoras, contribui para a indefinição do
Judiciário em questões chave entre consumidores e instituições qual seja as taxas de juros
praticadas e a relação administradora-instituição financeira, o que favorece o abuso do direito
e a alta lucratividade do setor.
Buscou-se, através do trabalho apresentado, demonstrara importância do instituto
cartão de crédito dentro do contexto mercadológico-contratual, como fenômeno de fomento às
relações de consumo com forte repercussão nos sistemas econômico, financeiro, jurídico e
social.
118
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