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CARTA ENCCLICA* REDEMPTORIS MISSIO DO SUMO PONTFICE
JOO PAULO II SOBRE
A VALIDADE PERMANENTE DO MANDATO MISSIONRIO
Venerveis Irmos e carssimos Filhos saudaes e Bno Apostlica!
INTRODUO
1. A MISSO DE CRISTO REDENTOR, confiada Igreja, est ainda bem
longe do seu pleno cumprimento. No termo do segundo milnio, aps a
Sua vinda, uma viso de conjunto da humanidade mostra que tal misso
est ainda no comeo, e que devemos empenhar-nos com todas as foras
no seu servio. o Esprito que impele a anunciar as grandes obras de
Deus! Porque se anuncio o Evangelho, no tenho de que me gloriar,
pois que me foi imposta esta obrigao: ai de mim se no evangelizar!
(1 Cor 9, 16).
Em nome de toda a Igreja, sinto o dever imperioso de repetir
este grito de S. Paulo. Desde o incio do meu pontificado, decidi
caminhar at aos confins da terra para manifestar esta solicitude
missionria, e este contacto directo com os povos, que ignoram
Cristo, convenceu-me ainda mais da urgncia de tal actividade a que
dedico a presente Encclica.
O Conclio Vaticano II pretendeu renovar a vida e a actividade da
Igreja, de acordo com as necessidades do mundo contemporaneo: assim
sublinhou o seu carcter missionrio, fundamentando-o dinamicamente
na prpria misso trinitria. O impulso missionrio pertence, pois,
natureza ntima da vida crist, e inspira tambm o ecumenismo: que
todos sejam um (...) para que o mundo creia que Tu Me enviaste (Jo
17,21).
2. J so muitos os frutos missionrios do Conclio:
multiplicaram-se as Igrejas locais, dotadas do seu bispo, clero e
agentes apostlicos prprios; verifica-se uma insero mais profunda
das Comunidades crists na vida dos povos; a comunho entre as
Igrejas contribui para um vivo intercambio de bens e dons
espirituais; o empenhamento dos leigos no servio da evangelizao est
a mudar a vida eclesial; as Igrejas particulares abrem-se ao
encontro, ao dilogo e colaborao com os membros de outras Igrejas
crists e outras religies. Sobretudo est-se a afirmar uma nova
conscincia, isto , a de
* Fonte:
http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-
ii_enc_07121990_redemptoris-missio_po.html. Acessado em: 16 de
jun. de 2014.
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que a misso compete a todos os cristos, a todas as dioceses e
parquias, instituies e associaes eclesiais.
No entanto, nesta nova primavera do cristianismo no podemos
ocultar uma tendncia negativa, que, alis, este Documento quer
ajudar a superar: a misso especfica ad gentes parece estar numa
fase de afrouxamento, contra todas as indicaes do Conclio e do
Magistrio posterior. Dificuldades internas e externas enfraqueceram
o dinamismo missionrio da Igreja ao servio dos no-cristos: isto um
facto que deve preocupar todos os que crem em Cristo. Na Histria da
Igreja, com efeito, o impulso missionrio sempre foi um sinal de
vitalidade, tal como a sua diminuio constitui um sinal de crise de
f.1
A distancia de vinte e cinco anos da concluso do Conclio e da
publicao do Decreto sobre a actividade missionria Ad gentes, a
quinze anos da Exortao Apostlica Evangelii Nuntiandi de Paulo VI,
de veneranda memria, desejo convidar a Igreja a um renovado
empenhamento missionrio, dando, neste assunto, continuao ao
Magistrio dos meus predecessores. 2 O presente Documento tem uma
finalidade interna: a renovao da f e da vida crist. De facto, a
misso renova a Igreja, revigora a sua f e identidade, d-lhe novo
entusiasmo e novas motivaes. dando a f que ela se fortalece! A nova
evangelizao dos povos cristos tambm encontrar inspirao e apoio, no
empenho pela misso universal.
Mas o que me anima mais a proclamar a urgncia da evangelizao
missionria que ela constitui o primeiro servio que a Igreja pode
prestar ao homem e humanidade inteira, no mundo de hoje, que,
apesar de conhecer realizaes maravilhosas, parece ter perdido o
sentido ltimo das coisas e da sua prpria existncia. Cristo Redentor
como deixei escrito na primeira Encclica revela plenamente o homem
a si prprio. O homem que a si mesmo se quiser compreender
profundamente (.. ) deve aproximar-se de Cristo (...) A Redeno,
operada na cruz, restituiu definitivamente ao homem a dignidade e o
sentido da sua existncia no mundo . 3
No faltam certamente outros motivos e finalidades: corresponder
a inmeros pedidos de um documento deste gnero; dissipar dvidas e
ambiguidades sobre a misso ad gentes, confirmando no seu
compromisso os benemritos homens e mulheres que se dedicam
actividade missionria e todos quantos os ajudam; promover as vocaes
missionrias; estimular os telogos a aprofundar e expor
sistematicamente os vrios aspectos da misso; relanar a misso, em
sentido especfico, comprometendo as Igrejas particulares,
especialmente as de recente formao, a mandarem e a receberem
missionrios; garantir aos no cristos, e particularmente s
Autoridades dos Pases aos quais se dirige a actividade missionria,
que esta s tem uma finalidade, ou seja, servir o homem,
revelando-lhe o amor de Deus manifestado em Cristo Jesus.
3. Povos todos, abr as portas a Cristo! O Seu Evangelho no tira
nada liberdade do homem, ao devido respeito pelas culturas, a tudo
quanto de bom possui cada religio. Acolhendo Cristo, abris-vos
Palavra definitiva de Deus, quele no qual Deus se deu a conhecer
plenamente e nos indicou o caminho para chegar a Ele.
O nmero daqueles que ignoram Cristo, e no fazem parte da Igreja
est em contnuo aumento; mais ainda: quase duplicou, desde o final
do Conclio. A favor desta imensa humanidade, amada pelo Pai a ponto
de lhe enviar o Seu Filho, evidente a urgncia da misso.
Por outro lado, a poca que vivemos oferece, neste campo, novas
oportunidades Igreja: a queda de ideologias e sistemas polticos
opressivos; o aparecimento de um mundo mais unido, graas ao
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incremento das comunicaes; a afirmao, cada vez mais frequente
entre os povos, daqueles valores evanglicos que Jesus encarnou na
sua vida: paz, justia, fraternidade, dedicao aos mais pequenos; um
tipo de desenvolvimento econmico e tcnico sem alma, que, em
contrapartida, est a criar necessidade da verdade sobre Deus , o
homem e o significa do da vida.
Deus abre, Igreja, os horizontes de uma humanidade mais
preparada para a sementeira evanglica. Sinto chegado o momento de
empenhar todas as foras eclesiais na nova evangelizao e na missoad
gentes. Nenhum crente, nenhuma instituio da Igreja se pode esquivar
deste dever supremo: anunciar Cristo a todos os povos.
CAPTULO I JESUS CRISTO NICO SALVADOR
4. A tarefa fundamental da Igreja de todos os tempos e,
particularmente, do nosso como lembrei, na minha primeira Encclica
programtica a de dirigir o olhar do homem e orientar a conscincia e
experincia da humanidade inteira, para o mistrio de Cristo . 4
A misso universal da Igreja nasce da f em Jesus Cristo, como se
declara no Credo: Creio em um s Senhor, Jesus Cristo, Filho
Unignito de Deus, nascido do Pai antes de todos os sculos (...) E
por ns homens, e para nossa salvao, desceu dos cus. E encarnou pelo
Esprito Santo no seio da Virgem Maria, e Se fez homem . 5 No
acontecimento da Redeno est a salvao de todos, porque todos e cada
um foram compreendidos no mistrio da Redeno, e a todos e cada um se
uniu Cristo para sempre, atravs deste mistrio : 6 somente na f, se
fundamenta e compreende a misso.
No entanto, devido s mudanas dos tempos modernos e difuso de
novas ideias teolgicas, alguns interrogam-se: ainda actual a misso
entre os no cristos? No estar por acaso substituida pelo dilogo
interreligioso? No se dever restringir ao empenho pela promoo
humana? O respeito pela conscincia e pela liberdade no exclui
qualquer proposta de converso? No possvel salvar-se em qualquer
religio? Para qu, pois, a misso?
Ningum vai ao Pai, seno por Mim (Jo 14, 6)
5. Remontando s origens da Igreja, aparece clara a afirmao de
que Cristo o nico salvador de todos, o nico capaz de revelar e de
conduzir a Deus. As autoridades religiosas judaicas, que interrogam
os Apstolos sobre a cura do aleijado, realizada por Pedro, este
responde: em nome de Jesus Nazareno, que vs crucificastes e Deus
ressuscitou dos mortos, por Ele que este homem se apresenta curado
diante de vs (... ) E no h salvao em nenhum outro, pois no h
debaixo do cu qualquer outro nome dado aos homens que nos possa
salvar (At 4, 10.12). Esta afirmao, dirigida ao Sindrio, tem um
valor universal, j que, para todos judeus e gentios , a salvao s
pode vir de Jesus Cristo.
A universalidade desta salvao em Cristo afirmada em todo o Novo
Testamento. S. Paulo reconhece, em Cristo ressuscitado, o
Senhor:
Porque, ainda que haja alguns que so chamados deuses, quer no cu
quer na terra, existindo assim muitos deuses e muitos senhores,
para ns h apenas um nico Deus, o Pai de Quem tudo procede e para
Quem ns existimos; e um nico Senhor, Jesus Cristo, por meio do Qual
todas as coisas existem, e igualmente ns existimos tambm (1 Cor 8,
5-6). O nico Deus e o nico Senhor so afirmados em
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contraste com a multido de deuses e de senhores que o povo
admitia. Paulo reage contra o politeismo do ambiente religioso do
seu tempo, pondo em relevo a caracterstica da f crist: crena num s
Deus e num s Senhor, por Aquele enviado.
No Evangelho de S. Joo, esta universalidade salvfica de Cristo
compreende os aspectos da Sua misso de graa, de verdade e de
revelao: o Verbo a Luz verdadeira que a todo o homem ilumina (Jo 1,
9). E ainda: ningum jamais viu Deus: o Filho nico, que est no seio
do Pai, que O deu a conhocer (Jo 1, 18; cf. Mt 11, 27). A revelao
de Deus tornou-se definitiva e completa, na obra do Seu Filho
Unignito: Tendo Deus falado outrora aos nossos pais, muitas vezes e
de muitas maneiras, pelos profetas, agora falou-nos, nestes ltimos
tempos, pelo Filho, a Quem constituiu herdeiro de tudo, e por Quem
igualmente criou o mundo (Heb 1, 1-2; cf. Jo 14, 6). Nesta Palavra
definitiva da Sua revelao, Deus deu-se a conhecer do modo mais
pleno: Ele disse humanidade Quem . E esta auto-revelao definitiva
de Deus o motivo fundamental pelo qual a Igreja , por sua natureza,
missionria. No pode deixar de proclamar o Evangelho, ou seja, a
plenitude da verdade que Deus nos deu a conhecer de Si mesmo.
Cristo o nico mediador entre Deus e os homens: h um s Deus e um
s mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo Homem, que se deu
em resgate por todos. Tal o testemunho que foi dado no tempo
devido, e do qual eu fui con stit uido p reg ador, ap stolo e
mestre dos gentios na f e na verdade. Digo a verdade, no minto (1
Tim 2, 5-7; cf. Heb 4, 14-16). Os homens, portanto, s podero entrar
em comunho com Deus atravs de Cristo, e sob a aco do Esprito. Esta
Sua mediao nica e universal, longe de ser obstculo no caminho para
Deus, a via estabelecida pelo prprio Deus, e disso, Cristo tem
plena conscincia. Se no se excluem mediaes participadas de diverso
tipo e ordem, todavia elas recebem significado e valor unicamente
da de Cristo, e no podem ser entendidas como paralelas ou
complementares desta.
6. contrrio f crist introduzir qualquer separao entre o Verbo
divino e Jesus Cristo. S. Joo afirma claramente que o Verbo, que no
princpio estava com Deus , o mesmo que se fez carne (Jo 1, 2. 14).
Jesus o Verbo encarnado, pessoa una e indivisa: no se pode separar
Jesus, de Cristo, nem falar de um Jesus da histria que seria
diferente do Cristo da f . A Igreja conhece e confessa Jesus como
Cristo, o Filho de Deus vivo (Mt 16, 16): Cristo no diferente de
Jesus de Nazar; e este o Verbo de Deus feito homem, para a salvao
de todos. Em Cristo, habita corporalmente toda a plenitude da
divindade (Col 2, 9) e da Sua plenitude todos ns recebemos (Jo 1,
16). O Filho Unignito, que est no seio do Pai (Jo 1, 18), o Filho
muito amado, no qual temos a redeno e a remisso dos pecados (...)
Aprouve a Deus que n'Ele residisse toda a plenitude, e por Ele
fossem reconciliadas Consigo todas as coisas, pacificando, pelo
sangue da sua cruz, tanto as criaturas da terra como as do cu (Col
1, 13-14. 19-20). Precisamente esta singularidade nica de Cristo
que Lhe confere um significado absoluto e universal, pelo qual,
enquanto est na Histria, o centro e o fim desta mesma Histria: 7 Eu
sou o Alfa e o mega, o Primeiro e o Ultimo, o Princpio e o Fim (Ap
22, 13).
Se lcito e til, portanto, considerar o mistrio de Cristo sob os
seus vrios aspectos, nunca se deve perder de vista a Sua unidade.
medida que formos descobrindo e valorizando os diversos tipos de
dons, e sobretudo as riquezas espirituais, que Deus distribuiu a
cada povo, no podemos separ-los de Jesus Cristo, o Qual est no
centro da economia salvadora. De facto, como pela encarnao, o Filho
de Deus se uniu de alguma forma a todo o homem , assim devemos
acreditar que o Esprito Santo oferece a todos, de um modo que s
Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao mistrio pascal
, 8 0 plano divino recapitular em Cristo todas as coisas que h no
cu e na terra
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(Ef 1, 10).
A f em Cristo uma proposta liberdade do homem
7. A urgncia da actividade missionria deriva da radical novidade
de vida, trazida por Cristo e vivida pelos Seus discpulos. Esta
nova vida dom de Deus, e, ao homem, -lhe pedido que a acolha e
desenvolva, se quiser realizar integralmente a sua vocao,
conformando-se a Cristo. Todo o Novo Testamento se apresenta como
um hino vida nova, para aquele que cr em Cristo e vive na Sua
Igreja. A salvao em Cristo, testemunhada e anunciada pela Igreja,
auto-comunicao de Deus. O amor no s cria o bem, mas faz participar
tambm na prpria vida de Deus: Pai, Filho e Esprito Santo. Com
efeito, aquele que ama quer dar-se a si mesmo . 9
Deus oferece ao hmem esta novidade de vida. Poder-se- rejeitar
Cristo e tudo aquilo que Ele introduziu na histria do homem?
Certamente que sim; o homem livre: ele pode dizer no, a Deus. O
homem pode dizer no, a Cristo. Mas permanece a pergunta
fundamental: lcito faz-lo? lcito, em nome de qu? . 10
8. No mundo moderno, h tendncia para reduzir o homem unicamente
dimenso horizontal. Mas o que acontece ao homem que no se abre ao
Absoluto? A resposta est na experincia de cada homem, mas est tambm
inscrita, na histria da humanidade, com o sangue derramado em nome
de ideologias e regimes polticos que quiseram construir uma
humanidade nova sem Deus. 11
De resto, a quantos se mostram preocupados em salvar a liberdade
de conscincia, o Conclio Vaticano II responde: a pessoa humana tem
direito liberdade religiosa (...) Todos os homens devem viver
imunes de coaco, em matria religiosa, quer da parte de pessoas
particulares, quer de grupos sociais ou qualquer poder humano, de
tal forma que ningum seja obrigado a agir contra a sua conscincia,
nem impedido de actuar de acordo com ela, privada ou publicamente,
s ou associado . 12
O anncio e o testemunho de Cristo, quando feitos no respeito das
conscincias, no violam a liberdade. A f exige a livre adeso do
homem, mas tem de ser proposta, j que as multides tm o direito de
conhecer as riquezas do mistrio de Cristo, nas quais toda a
humanidade assim o acreditamos ns pode encontrar, numa plenitude
inimaginvel, tudo aquilo que procura, s apalpadelas, a respeito de
Deus, do homem, do seu destino, da vida e da morte, da verdade (...
) por isso que a Igreja conserva bem vivo o seu esprito missionrio,
desejando at que ele se intensifique, neste momento histrico que
nos foi dado viver . 13 No entanto, necessrio acrescentar, citando
ainda o Conclio, que todos os homens, pela sua prpria dignidade, j
que so pessoas, isto , seres dotados de razo e vontade livre, e
consequentemente de responsabilidade pessoal, so impelidos pela sua
natureza, e moralmente obrigados a procurar a verdade, e antes de
tudo a que se refere religio. Tm tambm obrigao de aderir verdade
conhecida, e ordenar toda a sua vida segundo as exigncias da
verdade . 14
A Igreja sinal e instrumento de salvao
9. A primeira beneficiria da salvao a Igreja: Cristo adquiriu-a
com o Seu sangue (cf. At 20, 28) e tornou-a Sua cooperadora na obra
da salvao universal. Com efeito, Cristo vive nela, o seu Esposo,
realiza o seu crescimento, e cumpre a Sua misso atravs dela.
O Conclio deu grande realce ao papel da Igreja, em favor da
salvao da humanidade. Enquanto
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reconhece que Deus ama todos os homens e lhes d a possibilidade
de se salvarem (cf. 1 Tim 2, 4),15 a Igreja professa que Deus
constituiu Cristo como nico mediador e que ela prpria foi posta
como instrumento universal de salvao. 16 Todos os homens, pois, so
chamados a esta catlica unidade do Povo de Deus (...) qual, de
diversos modos, pertencem ou esto ordenados quer os fiis catlicos,
quer os outros crentes em Cristo, quer universalmente todos os
homens, chamados salvao pela graa de Deus . 17 necessrio manter
unidas, estas duas verdades: a real possibilidade de salvao em
Cristo para todos os homens, e a necessidade da Igreja para essa
salvao. Ambas facilitam a compreenso do nico mistrio salvfico,
permitindo experimentar a misericrdia de Deus e a nossa
responsabilidade. A salvao, que sempre um dom do Esprito, exige a
colaborao do homem, para se salvar tanto a si prprio como aos
outros. Assim o quis Deus, e por isso estabeleceu e comprometeu a
Igreja no plano da salvao. Este povo messianico diz o Conclio
estabelecido por Cristo como uma comunho de vida, amor e verdade,
serve tambm, nas mos d'Ele, de instrumento da redeno universal,
sendo enviado a todo o mundo, como luz desse mundo e sal da terra .
18
A salvao oferecida a todos os homens
10. A universalidade da salvao em Cristo no significa que ela se
destina apenas queles que, de maneira explcita, crem em Cristo e
entraram na Igreja. Se destinada a todos, a salvao deve ser posta
concretamente disposio de todos. evidente, porm, que, hoje como no
passado, muitos homens no tm a possibilidade de conhecer ou aceitar
a revelao do Evangelho, e de entrar na Igreja. Vivem em condies
socio-culturais que o no permitem, e frequentemente foram educados
noutras tradies religiosas. Para eles, a salvao de Cristo torna-se
acessvel em virtude de uma graa que, embora dotada de uma
misteriosa relao com a Igreja, todavia no os introduz formalmente
nela, mas ilumina convenientemente a sua situao interior e
ambiental. Esta graa provm de Cristo, fruto do Seu sacrifcio e
comunicada pelo Esprito Santo: ela permite a cada um alcanar a
salvao, com a sua livre colaborao.
Por isso o Conclio, aps afirmar a dimenso central do Mistrio
Pascal, diz: isto no vale apenas para aqueles que crem em Cristo,
mas para todos os homens de boa vontade, no corao dos quais opera
invisivelmente a graa. Na verdade, se Cristo morreu por todos e a
vocao ltima do homem realmente uma s, isto , a divina, ns devemos
acreditar que o Esprito Santo oferece a todos, de um modo que s
Deus conhece, a possibilidade de serem associados ao Mistrio Pascal
.19
No podemos calar-nos (at 4, 20)
11. Que dizer ento das objeces, atrs referidas, relativamente
misso ad gentes? Respeitando todas as crenas e todas as
sensibilidades, devemos afirmar antes de mais, com simplicidade, a
nossa f em Cristo, nico Salvador do homem f que recebemos como um
dom do Alto, sem mrito algum da nossa parte. Dizemos com S. Paulo:
eu no me envergonho do Evangelho, o qual poder de Deus para salvao
de todo o crente (Rm 1, 16). Os mrtires cristos de todos os tempos
tambm do nosso deram e continuam a dar a vida para testemunhar aos
homens esta f, convencidos de que cada homem necessita de Jesus
Cristo, o Qual, destruindo o pecado e a morte, reconciliou os
homens com Deus.
Cristo proclamou-se Filho de Deus, intimamente unido ao Pai e,
como tal, foi reconhecido pelos discpulos, confirmando as suas
palavras com milagres e sobretudo com a ressurreio. A Igreja
oferece aos homens o Evangelho, documento proftico, capaz de
corresponder s exigncias e aspiraes do corao humano: e ser sempre a
Boa Nova . A Igreja no pode deixar de
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proclamar que Jesus veio revelar a face de Deus, e merecer, pela
cruz e ressurreio, a salvao para todos os homens.
pergunta porqu a misso?, respondemos, com a f e a experincia da
Igreja, que abrir-se ao amor de Cristo a verdadeira libertao.
N'Ele, e s n'Ele, somos libertos de toda a alienao e extravio, da
escravido ao poder do pecado e da morte. Cristo verdadeiramente a
nossa paz (Ef 2,14), e o amor de Cristo nos impele (2 Cor 5, 14),
dando sentido e alegria nossa vida. A misso um problema de f, a
medida exacta da nossa f em Cristo e no Seu amor por ns.
A tentao hoje reduzir o cristianismo a uma sabedoria meramente
humana, como se fosse a cincia do bom viver. Num mundo fortemente
secularizado, surgiu uma gradual secularizao da salvao , onde se
procura lutar, sem dvida, pelo homem, mas por um homem dividido a
meio, reduzido unicamente dimenso horizontal. Ora ns sabemos que
Jesus veio trazer a salvao integral, que abrange o homem todo e
todos os homens, abrindo-lhes os horizontes admirveis da filiao
divina.
Porqu a misso? Porque a ns, como a S. Paulo, nos foi dada esta
graa de anunciar aos gentios a insondvel riqueza de Cristo (Ef 3,
8). A novidade de vida n'Ele Boa Nova para o homem de todos os
tempos: a ela todos so chamados e destinados. Todos, de facto, a
buscam, mesmo se s vezes confusamente, e tm o direito de conhecer o
valor de tal dom e aproximar-se dele. A Igreja, e nela cada cristo,
no pode esconder nem guardar para si esta novidade e riqueza,
recebida da bondade divina para ser comunicada a todos os
homens.
Eis por que a misso, para alm do mandato formal do Senhor,
deriva ainda da profunda exigncia da vida de Deus em ns. Aqueles
que esto incorporados na Igreja Catlica devem-se sentir
privilegiados, e, por isso mesmo, mais comprometidos a testemunhar
a f e a vida crist como servio aos irmos e resposta devida a Deus,
lembrados de que a grandeza da sua condio no se deve atribuir aos
prprios mritos, mas a uma graa especial de Cristo; se no
correspondem a essa graa por pensamentos, palavras e obras, em vez
de se salvarem, incorrem num julgamento ainda mais severo . 20
CAPTULO II O REINO DE DEUS
12. Deus, rico em misericrdia, Aquele que Jesus Cristo nos
revelou como Pai. Foi o Seu prprio Filho Quem, em Si mesmo, no-l'O
manifestou e deu a conhecer , 21 Isto escrevi-o eu, no incio da
Encclica Dives in Misericordia, mostrando como Cristo a revelao e a
encarnao da misericrdia do Pai. A salvao consiste em crer e acolher
o mistrio do Pai e do Seu amor, que se manifesta e oferece em
Jesus, por meio do Esprito. Assim se cumpre o Reino de Deus,
preparado j no Antgo Testamento, realizado por Cristo e em Cristo,
anunciado a todos os povos pela Igreja, que actua e reza para que
ele se realize de modo perfeito e definitivo.
Na verdade, o Antigo Testamento atesta que Deus escolheu para Si
e formou um povo, para revelar e cumprir o Seu plano de amor. Mas,
ao mesmo tempo, Deus criador e Pai de todos os homens, atende s
necessidades de cada um, estende a Sua bno a todos (cf. Gn 12, 3) e
com todos selou uma aliana (cf. Gn 9, 1-17). Israel faz a
experincia de um Deus pessoal e salvador (cf. Dt 4, 37; 7, 6-8; Is
43, 1-7), do Qual se torna testemunha e portavoz, no meio das naes.
Ao longo da sua histria, Israel toma conscincia de que a sua eleio
tem um significado universal (cf por ex.: Is 2, 2-5; 25, 6-8;
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60, 1-6; Jer 3, 17; 16, 19).
Cristo torna presente o Reino
13. Jesus de Nazar levou o plano de Deus ao seu pleno
cumprimento. Depois de ter recebido o Esprito Santo no baptismo,
Ele manifesta a sua vocao messianica nestes moldes: percorre a
Galileia, pregando a Boa Nova de Deus: 'Completou-se o tempo, o
Reino de Deus est perto! Arrependei-vos, e acreditai na Boa Nova'
(Mc 1, 14-15; cf. Mt 4, 17; Lc 4, 43). A proclamao e a instaurao do
Reino de Deus so o objectivo da Sua misso: pois foi para isso que
fui enviado (Lc 4, 43). Mais ainda: o prprio Jesus a Boa Nova ,
como afirma logo no incio da misso, na sinagoga da Sua terra natal,
aplicando a Si prprio as palavras de Isaas, sobre o Ungido, enviado
pelo Esprito do Senhor (cf. Lc 4, 14-21). Sendo Ele a Boa Nova ,
ento em Cristo h identidade entre mensagem e mensageiro, entre o
dizer, o fazer e o ser. A fora e o segredo da eficcia da Sua aco
est na total identificao com a mensagem que anuncia: proclama a Boa
Nova no s por aquilo que diz ou faz, mas tambm pelo que .
O ministrio de Jesus descrito no contexto das viagens na Sua
terra. O horizonte da misso antes da Pscoa concentra-se em Israel;
no entanto, Jesus oferece um novo elemento de importancia capital.
A realidade escatolgica no fica adiada para um remoto fim do mundo,
mas est prxima e comea j a cumprir-se. O Reino de Deus aproxima-se
(cf. Mc 1, 15), roga-se que venha (Mt 6, 10), a f j o descobre
operante nos sinais, isto , nos milagres (cf. Mt 11, 4-5), nos
exorcismos (cf.Mt 12, 25-28), na escolha dos Doze (cf. Mc 3,
13-19), no anncio de Boa Nova aos pobres (cf. Lc4, 18). Nos
encontros de Jesus com os pagos, fica claro que o acesso ao Reino
se faz pela f e converso (cf. Mc 1, 15), e no por mera provenincia
tnica.
O Reino, inaugurado por Jesus, o Reino de Deus: o prprio Jesus
revela Quem este Deus, para o Qual usa a expresso familiar Abba ,
Pai (Mc 14, 36). Deus, revelado especialmente nas parbolas (cf. Lc
15, 3-32; Mt 20, 1-16), sensvel s necessidades e aos sofrimentos do
homem: um Pai cheio de amor e compaixo, que perdoa e d
gratuitamente os benefcios que Lhe pedem.
S. Joo diz-nos que Deus amor (1 Jo 4, 8.16). Todo o homem, por
isso, convidado a converter-se e a crer no amor misericordioso de
Deus por ele: o Reino crescer na me dida em que cada homem aprender
a dirigir-se a Deus, na intimidade da orao, como a um Pai (cf. Lc
11, 2;Mt 23, 9), e se esforar por cumprir a Sua vontade (cf. Mt 7,
21).
Caractersticas e exigncias do Reino
14. Jesus revela progressivamente as caractersticas e as
exigncias do Reino, atravs das suas palavras, das suas obras e da
sua pessoa.
O Reino de Deus destina-se a todos os homens, pois todos foram
chamados a pertencer-lhe. Para sublinhar este aspecto, Jesus
aproximou-se sobretudo daqueles que eram marginalizados pela
sociedade, dando-lhes preferncia, ao anunciar a Boa Nova. No incio
do Seu ministrio, proclama: fui enviado a anunciar a Boa Nova aos
pobres (cf. Lc 4, 18). As vtimas da rejeio e do desprezo, declara:
bem-aventurados vs, os pobres (Lc 6, 20), fazendo-lhes, inclusive,
sentir e viver j uma experincia de libertao, estando com eles,
partilhando a mesma mesa (cf. Lc 5, 30; 15, 2), tratando-os como
iguais e amigos (cf. Lc 7, 34), procurando que se sentissem amados
por Deus, e revelando deste modo imensa ternura pelos necessitados
e pecadores (cf. Lc 15, 1-32).
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A libertao e a salvao, oferecidas pelo Reino de Deus, atingem a
pessoa humana tanto nas suas dimenses fsicas como espirituais. Dois
gestos caracterizam a misso de Jesus: curar e perdoar. As mltiplas
curas provam a Sua grande compaixo face s misrias humanas; mas
significam tambm que, no Reino de Deus, no haver doenas nem
sofrimentos, e que a Sua misso, desde o incio, visa libertar as
pessoas daqueles. Na perspectiva de Jesus, as curas so tambm sinal
da salvao espiritual, isto , da libertao do pecado Realizando
gestos de cura, Jesus convida f, converso, ao desejo do perdo (cf.
Lc 5, 24) Recebida a f, a cura impele a ir mais longe: introduz na
salvao (cf. Lc 18, 42-43). Os gestos de libertao da possesso do
demnio, mal supremo e smbolo do pecado e da rebelio contra Deus, so
sinais de que o Reino de Deus chegou at vs (Mt 12, 28).
15. O reino pretende transformar as relaes entre os homens, e
realiza-se progressivamente medida que estes aprendem a amar,
perdoar, a servir-se mutuamente. Jesus retoma toda a Lei,
centrando-a no mandamento do amor (cf. Mt 22, 34-40; Lc 10, 25-28).
Antes de deixar os seus, d-lhes um mandamento novo : amai-vos uns
aos outros como Eu vos amei (Jo 13, 34; cf. 15, 12). 0 amor com que
Jesus amou o mundo tem a sua expresso suprema, no dom da Sua vida
pelos homens (cf. Jo 15, 13), que manifesta o amor que o Pai tem
pelo mundo (cf. Jo 3, 16). Por isso a natureza do Reino a comunho
de todos os seres humanos entre si e com Deus.
O Reino diz respeito a todos: s pessoas, sociedade, ao mundo
inteiro. Trabalhar pelo Reino significa reconhecer e favorecer o
dinamismo divino, que est presente na histria humana e a
transforma. Construir o Reino quer dizer trabalhar para a libertao
do mal, sob todas as suas formas. Em resumo, o Reino de Deus a
manifestao e a actuao do Seu desgnio de salvao, em toda a sua
plenitude.
Em Cristo ressuscitado, o Reino cumpre-se e proclamado
16. Ao ressuscitar Jesus dos mortos, Deus venceu a morte, e
n'Ele inaugurou definitivamente o Seu Reino. Durante a vida
terrena, Jesus o profeta do Reino e, depois da Sua paixo,
ressurreio e ascenso aos cus, participa do poder de Deus, e do Seu
domnio sobre o mundo (cf Mt 28, 18; At2, 36; Ef 1, 18-21). A
ressurreio confere mensagem de Cristo, e a toda a Sua aco e misso,
um alcance universal. Os discpulos constatam que o Reino j est
presente na pessoa de Jesus, e pouco a pouco vai-se instaurando no
homem e no mundo, por uma misteriosa ligao com a Sua pessoa. Assim
depois da ressurreio, eles pregam o Reino, anunciando a morte e a
ressurreio de Jesus; Filipe, na Samaria, anunciava a Boa Nova do
Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo (At 8, 12). Paulo, em Roma,
anunciava o Reino de Deus e ensinava o que diz respeito ao Senhor
Jesus Cristo (At 28, 31). Tambm os primeiros cristos anunciam o
Reino de Cristo e de Deus (Ef 5, 5; cf. Ap 11, 15; 12, 10), ou ento
o Reino eterno de Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo (2 Ped 1,
11). Sobre o anncio de Jesus Cristo, com o Qual o Reino se
identifica, se concentra a pregao da Igreja primitiva. Como
outrora, preciso unir hoje o anncio do Reino de Deus (o contedo do
kerigma de Jesus) e a proclamao da vinda de Jesus Cristo (o kerigma
dos apstolos). Os dois anncios completam-se e iluminam-se
mutuamente.
O Reino em relao a Cristo e Igreja
17. Hoje fala-se muito do Reino, mas nem sempre em consonncia
com o sentir da Igreja. De facto, existem concepes de salvao e
misso que podem ser designadas antropocntricas , no sentido
redutivo da palavra, por se concentrarem nas necessidades terrenas
do homem. Nesta perspectiva, o Reino passa a ser uma realidade
totalmente humanizada e secularizada, onde o que conta so os
programas e as lutas para a libertao socio-econmica, poltica e
cultural, mas sempre num horizonte fechado ao transcendente. Sem
negar que, a este nvel, tambm existem valores a
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promover, todavia estas concepes permanecem nos limites de um
reino do homem, truncado nas suas mais autnticas e profundas
dimenses, espelhando-se facilmente numa das ideologias de progresso
puramente terreno. O Reino de Deus, pelo contrrio, no deste mundo
(...) no daqui debaixo (Jo 18, 36).
Existem tambm concepes que propositadamente colocam o acento no
Reino, autodenominando-se de reino-cntricas , pretendendo com isso
fazer ressaltar a imagem de uma Igreja que no pensa em si, mas
dedica-se totalmente a testemunhar e servir o Reino. E uma Igreja
para os outros dizem como Cristo o homem para os outros. A tarefa
da Igreja orientada num duplo sentido: por um lado promover os
denominados valores do Reino , como a paz, a justia,a liberdade, a
fraternidade, por outro, favorecer o dilogo entre os povos, as
culturas, as religies, para que, num mtuo enriquecimento, ajudem o
mundo a renovar-se e a caminhar cada vez mais na direco do
Reino.
Ao lado de aspectos positivos, essas concepes revelam
frequentemente outros negativos. Antes de mais, silenciam o que se
refere a Cristo: o Reino, de que falam, baseia-se num teocentrismo
, porque como dizem Cristo no pode ser entendido por quem no possui
a f n'Ele, enquanto que povos, culturas e religies se podem
encontrar na mesma e nica realidade divina, qualquer que seja o seu
nome. Pela mesma razo, realam o mistrio da criao, que se reflecte
na variedade de culturas e crenas, mas omitem o mistrio da redeno.
Mais ainda, o Reino, tal como o entendem eles, acaba por
marginalizar ou desvalorizar a Igreja, como reaco a um suposto
eclesiocentrismo do passado, por considerarem a Igreja apenas um
sinal, alis passvel de ambiguidade.
18. Ora este no o Reino de Deus, que conhecemos pela Revelao:
ele no pode ser separado de Cristo nem da Igreja.
Como j se disse, Cristo no s anunciou o Reino, mas, n'Ele, o
prprio Reino se tornou presente e plenamente se realizou. E no
apenas atravs das Suas palavras e obras: o Reino manifesta-se
principalmente na prpria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do
Homem, que veio 'para servir e dar a Sua vida em resgate por
muitos' (Mc 10, 45) . 22 O Reino de Deus no um conceito, uma
doutrina, um programa sujeito a livre elaborao, mas , acima de
tudo, uma Pessoa que tem o nome e o rosto de Jesus de Nazar, imagem
do Deus invisvel. 23 Se separarmos o Reino, de Jesus, ficaremos sem
o Reino de Deus por Ele pregado, acabando por se distorcer quer o
sentido do Reino, que corre o risco de se transformar numa meta
puramente humana ou ideolgica, quer a identidade de Cristo, que
deixa de aparecer como o Senhor, a Quem tudo se deve submeter (cf.
1Cor 15, 27).
De igual modo, no podemos separar o Reino, da Igreja. Com
certeza que esta no fim em si prpria, uma vez que se ordena ao
Reino de Deus, do qual princpio, sinal e instrumento. Mesmo sendo
distinta de Cristo e do Reino, a Igreja todavia est unida
indissoluvelmente a ambos. Cristo dotou a Igreja, Seu Corpo, da
plenitude de bens e de meios da salvao; o Esprito Santo reside
nela, d-lhe a vida com os Seus dons e carismas, santifica, guia e
renova-a continuamente. 24 Nasce da uma relao nica e singular que,
mesmo sem excluir a obra de Cristo e do Esprito fora dos confins
visveis da Igreja, confere a esta um papel especfico e necessrio.
Disto provm a ligao especial da Igreja com o Reino de Deus e de
Cristo, que ela t em a mis s o de anunciar e est ab elecer em todos
os povos . 25
19. Nesta viso de conjunto, que se compreende a realidade do
Reino. verdade que ele exige a promoo dos bens humanos e dos
valores, que podem mesmo ser chamados evanglicos , porque
intimamente ligados Boa Nova. Mas essa promoo, que a Igreja tambm
toma a peito
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realizar, no deve ser separada nem contraposta s outras suas
tarefas fundamentais, como so o anncio de Cristo e Seu Evangelho, a
fundao e desenvolvimento de comunidades que actuem entre os homens
a imagem viva do Reino. Isto no nos deve fazer recear que se possa
cair numa forma de eclesiocentrismo. Paulo VI, que afirmou existir
uma profunda ligao entre Cristo, a Igreja e a evangelizao , 26
disse tambm que a Igreja no fim em si prpria, pelo contrrio, deseja
intensamente ser toda de Cristo, em Cristo e para Cristo, e toda
dos homens, entre os homens e para os homens . 27
A Igreja ao servio do Reino
20. A Igreja est efectiva e concretamente ao servio do Reino. Em
primeiro lugar, serve-o com o anncio que chame converso: este o
primeiro e fundamental servio vinda do Reino para cada pessoa e
para a sociedade humana. A salvao escatolgica comea j agora, na
novidade de vida em Cristo: a todos os que O receberam, aos que
crem n'Ele, deu o poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,
12).
A Igreja serve ainda o Reino, fundando comunidades, constituindo
Igrejas particulares, levando-as ao amadurecimento da f e da
caridade, na abertura aos outros, no servio pessoa e sociedade, na
compreenso e estima das instituies humanas.
A Igreja, alm disso, serve o Reino, difundindo pelo mundo os
valores evanglicos, que so a expresso do Reino, e ajudam os homens
a acolher o desgnio de Deus. verdade que a realidade incipiente do
Reino se pode encontrar tambm fora dos confins da Igreja, em toda a
humanidade na medida em que ela viva os valores evanglicos e se
abra aco do Esprito que sopra onde e como quer (cf. Jo 3, 8); mas
preciso acrescentar, logo a seguir, que esta dimenso temporal do
Reino est incompleta, enquanto no se ordenar ao Reino de Cristo,
presente na Igreja, em constante tenso para a plenitude
escatolgica. 28
As mltiplas perspectivas do Reino de Deus 29 no enfraquecem os
fundamentos e as finalidades missionrias; pelo contrrio, fortificam
e expandem-nas. A Igreja sacramento de salvao para toda a
humanidade; a sua aco no se limita queles que aceitam a sua
mensagem. Ela fora actuante no caminho da humanidade rumo ao Reino
escatolgico, sinal e promotora dos valores evanglicos entre os
homens. 30 Neste itinerrio de converso ao projecto de Deus, a
Igreja contribui com o seu testemunho e actividade, expressa no
dilogo, na promoo humana, no compromisso pela paz e pela justia, na
educao, no cuidado dos doentes, na assistncia aos pobres e mais
pequenos, mantendo sempre firme a prioridade das realidades
transcendentes e espirituais, premissas da salvao escatolgica.
A Igreja serve o Reino tembm com a sua intercesso, uma vez que
aquele, por sua natureza, dom e obra de Deus, como lembram as
parbolas evanglicas e a prpria orao que Jesus nos ensinou. Devemos
suplic-lo, para que seja acolhido e cresa em ns; mas devemos
simultaneamente cooperar a fim de que seja aceite e se consolide
entre os homens, at Cristo entregar o Reino a Deus Pai , altura
essa em que Deus ser tudo em todos (1 Cor 15, 24.28).
CAPTULO III O ESPRITO SANTO PROTAGONISTA DA MISSO
21. No pice da misso messianica de Jesus, o Esprito Santo
aparece-nos, no mistrio pascal, em
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toda a Sua subjectividade divina, como Aquele que deve continuar
agora a obra salvfica, radicada no sacrifcio da cruz. Esta obra,
sem dvida, foi confiada aos homens: aos Apstolos e Igreja. No
entanto, nestes homens e por meio deles, o Esprito Santo permanece
o sujeito protagonista transcendente da realizao dessa obra, no
esprito do homem e na histria do mundo . 31
Verdadeiramente o Esprito Santo o protagonista de toda a misso
eclesial: a Sua obra brilha esplendorosamente na misso ad gentes,
como se v na Igreja primitiva pela converso de Cornlio (cf. At 10),
pelas decises acerca dos problemas surgidos (cf. At 15), e pela
escolha dos territrios e povos (cf. At 16, 6 s). O Esprito Santo
age atravs dos Apstolos, mas, ao mesmo tempo, opera nos ouvintes:
pela Sua aco a Boa Nova ganha corpo nas conscincias e nos coraes
humanos, expandindo-se na histria. Em tudo isto, o Esprito Santo
que d a vida . 32
O envio at aos confins da terra (at 1, 8)
22. Todos os evangelistas, ao narrarem o encontro de Cristo
Ressuscitado com os Apstolos, concluem com o mandato missionrio:
foi-Me dado todo o poder no cu e na terra Ide, pois, ensinai todas
as naes (...) Eu estarei convosco todos os dias, at ao fim do mundo
(Mt 28, 18-20; cf. Mc 16, 15-18; Lc 24, 46-49; Jo 20, 21-23).
Esta misso envio no Esprito, como se v claramente no texto de S.
Joo: Cristo envia os Seus, ao mundo, como o Pai O enviou a Ele; e,
para isso, concede-lhes o Esprito. Lucas pe em estreita relao o
testemunho que os Apstolos devero prestar de Cristo com a aco do
Esprito, que os capacitar para cumprir o mandato recebido.
23. As vrias formas do mandato missionrio contm pontos em comum,
mas tambm acentuaes prprias de cada evangelista; dois elementos ,
de facto , encontram- se em to das as verses. Antes de mais, a
dimenso universal da tarefa confiada aos Apstolos: todas as naes
(Mt 28, 19); pelo mundo inteiro, a toda a criatura (Mc 16, 15);
todos os povos (Lc 24, 47); at aos confins do mundo (At 1, 8). Em
segundo lugar, a garantia, dada pelo Senhor, de que, nesta tarefa,
no ficaro sozinhos, mas recebero a fora e os meios para desenvolver
a sua misso; estes so a presena e a potncia do Esprito e a
assistncia de Jesus: eles, partindo, foram pregar por toda a parte,
e o Senhor cooperava com eles (Mc 16, 20).
Quanto s diferenas de acentuao no mandato, Marcos apresenta a
misso como proclamao ou kerigma: anunciai o Evangelho (Mc 16, 15).
O seu evangelho tem como objectivo levar o leitor a repetir a
confisso de Pedro: Tu s o Cristo (Mc 8, 29) e a dizer como o
centurio romano diante de Jesus morto na cruz: verdadeiramente este
Homem era o Filho de Deus (Mc 15, 39). Em Mateus, o acento
missionrio situa-se na fundao da Igreja e no seu ensinamento (cf.
Mt 28, 19-20; 16, 18); nele, o mandato evidencia a proclamao do
Evangelho, mas enquanto deve ser completada por uma especfica
catequese de ordem eclesial e sacramental. Em Lucas, a misso
apresentada como um testemunho (cf. Lc 24, 48; At 1, 8),
principalmente da ressurreio (At 1, 22); o missionrio convidado a
crer na potncia transformadora do Evangelho e a anunciar a converso
ao amor e misericrdia de Deus que Lucas ilustra muito bem , a
experincia de uma libertao integral at raiz de todo o mal, o
pecado.
Joo o nico que fala explicitamente de mandato palavra
equivalente a misso e une directamente a misso confiada por Jesus
aos seus discpulos, com aquela que Ele mesmo recebeu do Pai: assim
como o Pai me enviou, tambm Eu vos envio a vs (Jo 20, 21). Jesus,
dirigindo-se ao Pai, diz: assim como Tu Me enviaste ao mundo, tambm
Eu os envio ao mundo (Jo 17, 18). Todo o
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sentido missionrio do Evangelho de S. Joo se pode encontrar na
Orao Sacerdotal : a vida eterna que Te conheam a Ti, nico Deus
Verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste (Jo 17, 3). O fim
ltimo da misso fazer participar na comunho que existe entre o Pai e
o Filho: os discpulos devem viver a unidade entre si, permanecendo
no Pai e no Filho, para que o mundo conhea e creia (cf. Jo 17,
21.23). Trata-se de um texto de grande alcance missionrio,
fazendo-nos entender que somos missionrios sobretudo por aquilo que
se , como Igreja que vive profundamente a unidade no amor, e no
tanto por aquilo que se diz ou faz.
Portanto os quatro Evangelhos, na unidade fundamental de mesma
misso, manifestam todavia um pluralismo, que reflecte as diversas
experincias e situaes das primeiras comunidades crists. Tambm esse
pluralismo fruto do impulso dinamico do Esprito, convidando a
prestar ateno aos vrios carismas missionrios e s mltiplas condies
ambientais e humanas. No entanto, todos os evangelistas sublinham
que a misso dos discpulos colaborao com a de Cristo: Eu estarei
convosco todos os dias, at ao fim do mundo (Mt 28, 20). Assim a
misso no se baseia na capacidade humana, mas na fora de Cristo
ressuscitado.
O Esprito guia a misso
24. A misso da Igreja, tal como a de Jesus, obra de Deus, ou,
usando uma expresso frequente em S. Lucas, obra do Esprito Santo.
Depois da ressurreio e asceno de Jesus, os Apstolos viveram uma
intensa experincia que os transformou: o Pentecostes. A vinda do
Esprito Santo fez deles testemunhas e profetas (cf. At 1, 8; 2,
17-18), infundindo uma serena audcia, que os leva a transmitir aos
outros a sua experincia de Jesus e a esperana que os anima. O
Esprito deu-lhes a capacidade de testemunhar Jesus sem medo .
33
Quando os evangelizadores saem de Jerusalm, o Esprito assume
ainda mais a funo de guia na escolha tanto das pessoas como dos
itinerrios da misso. A Sua aco manifesta-se especialmente no
impulso dado misso que, de facto, se estende, segundo as palavras
de Cristo, desde Jerusalm, por toda a Judeia e Samaria, e vai at
aos confins do mundo.
Os Actos dos Apstolos referem seis discursos missionrios , em
miniatura, que foram dirigidos aos judeus, nos primrdios da Igreja
(cf. At 2, 22-39; 3, 12-26; 4, 9-12; 5, 29-32; 10, 34-43; 13,
16-41). Estes discursos-modelo, pronunciados por Pedro e por Paulo,
anunciam Jesus, convidam a converter-se , isto , a acolher Jesus na
f e a deixar-se transformar n'Ele, pelo Esprito.
Paulo e Barnab so impelidos pelo Esprito para a misso entre os
pagos (cf At 13, 46-48), mesmo no meio de tenses e problemas. Como
devem viver os pagos convertidos, a sua f em Jesus? Ficam eles
vinculados tradio do judasmo e lei da circunciso? No primeiro
Conclio, que rene em Jerusalm, volta dos Apstolos, os membros das
diversas Igrejas, tomada uma deciso considerada como emanada do
Esprito Santo: no necessrio que o pago se submeta lei judaica para
ser cristo (cf At 15, 5-11.28) A partir desse momento, a Igreja
abre as suas portas e torna-se a casa onde todos podem entrar e
sentir-se vontade, conservando as prprias tradies e cultura, desde
que no estejam em contraste com o Evangelho.
25. Os missionrios, seguindo esta linha de aco, tiveram presente
os anseios e as esperanas, as aflies e os sofrimentos, a cultura do
povo, para lhe anunciar a salvao em Cristo. Os discursos de Listra
e de Atenas (cf. At 14, 15-17; 17, 22-31) so considerados modelo
para a evangelizao dos pagos: neles, Paulo dialoga com os valores
culturais e religiosos dos diferentes povos. Aos habitantes da
Licania, que praticavam uma religio csmica, Paulo lembra
experincias religiosas
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que se referiam ao cosmos; com os Gregos, discute sobre filo
sofia e cita os seus poetas (cf. At 17, 18.26-28). O Deus que vem
revelar, j est presente nas suas vidas: de facto, foi Ele Quem os
criou, e Ele que misteriosamente conduz os povos e a histria; no
entanto, para reconhecerem o verdadeiro Deus, necessrio que
abandonem os falsos deuses que eles prprios fabricaram, e se abram
quele que Deus enviou para iluminar a sua ignorncia e satisfazer os
anseios dos seus coraes (cf. At 17, 27-30). So discursos que
oferecem exemplos de inculturao do Evangelho.
Sob o impulso do Esprito, a f crist abre-se decididamente s naes
pags, e o testemunho de Cristo expande-se em direco aos centros
mais importantes do Mediterraneo oriental, para chegar depois a
Roma e ao extremo ocidente. o Esprito que impele a ir sempre mais
alm, no s em sentido geogrfico, mas tambm ultrapassando barreiras
tnicas e religiosas, at se chegar a uma misso verdadeiramente
universal.
O Esprito torna missionria toda a Igreja
26. O Esprito impele o grupo dos crentes a constituirem
comunidades , a serem Igreja. Depois do primeiro anncio de Pedro no
dia de Pentecostes e as converses que se seguiram, forma-se a
primeira comunidade (cf. At 2, 42-47; 4, 32-35).
Com efeito, uma das finalidades centrais da misso reunir o povo
de Deus na escuta do Evangelho, na comunho fraterna, na orao e na
Eucaristia. Viver a comunho fraterna (koinona) significa ter um s
corao e uma s alma (At 4, 32), instaurando uma comunho sob os
aspectos humano, espiritual e material. A verdadeira comunidade
crist sente necessidade de distribuir os prprios bens, para que no
haja necessitados, e todos possam ter acesso a esses bens, conforme
as necessidades de cada um (At 2, 45; 4, 35). As primeiras
comunidades, onde reinava a alegria e a simplicidade de corao (At
2, 46), eram dinamicamente abertas e missionrias: gozavam da estima
de todo o povo (At 2, 47). Antes ainda da aco, a misso testemunho e
irradiao. 34
27. Os Actos dos Apstolos mostram que a misso primeiro se
dirigia a Israel, e depois aos pagos. Para a actuao dessa misso,
aparece antes de tudo o grupo dos Doze que, como um corpo guiado
por Pedro, proclama a Boa Nova. Depois temos a comunidade dos
crentes que, com o seu modo de viver e agir, d testemunho do Senhor
e converte os pagos (cf. At 2, 46-47). Existem tambm enviados
especiais, destinados a anunciar o Evangelho. Assim a comunidade
crist de Antioquia envia os seus membros em misso: depois de ter
jejuado, rezado e celebrado a Eucaristia, ela faz notar que o
Esprito escolheu Paulo e Barnab para serem enviados (cf At 13,
1-4). Logo, nas suas origens, a misso foi vista como um compromisso
comunitrio e uma responsabilidade da Igreja local, que necessita de
missionrios para se expandir em direco a novas fronteiras. Ao lado
destes enviados, havia outros que testemunhavam espontaneamente a
novidade que tinha transformado as suas vidas e uniam Igreja
apostlica, as comunidades em formao.
A leitura dos Actos mostra-nos que, no incio da Igreja, a misso
ad gentes, embora contando com missionrios integralmente dedicados
a ela por vocao especial, todavia era considera da como o fruto
normal da vida crist, graas ao compromisso de cada crente actuado
atravs do testemunho pessoal e do anncio explcito, sempre que
possvel.
O Esprito est presente e operante em todo o tempo e lugar
28. O Esprito manifesta-se particularmente na Igreja e nos seus
membros, mas a Sua presena e aco so universais, sem limites de
espao nem de tempo. 35 O Conclio Vaticano II lembra a obra do
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Esprito no corao de cada homem, cuidando e fazendo germinar as
sementes do Verbo , presentes nas iniciativas religiosas e nos
esforos humanos procura da verdade, do bem, e de Deus. 36
O Esprito oferece ao homem luz e foras que lhe permitem
corresponder sua altssima vocao ; graas a Ele, o homem chega, por
meio da f, a contemplar e saborear o mistrio dos planos divinos ;
mais ainda, devemos acreditar que o Esprito Santo oferece a todos,
de um modo que s Deus conhece, a possibilidade de serem associados
ao mistrio pascal . 37 Seja como for, a Igreja sabe que o homem,
solicitado incessantemente pelo Esprito de Deus, nunca poder ser
totalmente indiferente ao problema da religio, mantendo sempre o
desejo de saber, mesmo se confusamente, qual o significado da sua
vida, da sua actividade, e da sua morte. 38 O Esprito est,
portanto, na prpria origem da questo existencial e religiosa do
homem, que surge no s de situaes contingentes, mas sobretudo da
estrutura prpria do seu ser. 39
A presena e aco do Esprito no atingem apenas os indivduos, mas
tambm a sociedade e a histria, os povos, as culturas e as religies.
Com efeito, Ele est na base dos ideais nobres e das iniciativas
benfeitoras da humanidade peregrina: com admirvel providncia, o
Esprito dirige o curso dos tempos e renova a face da terra . 40
Cristo ressuscitado, pela virtude do Seu Esprito, actua j nos
coraes dos homens, no s despertando o desejo da vida futura, mas
tambm alentando, purificando e robustecendo a famlia humana para
tornar mais humana a sua prpria vida e submeter a terra inteira a
este fim , 41 ainda o Esprito que infunde as sementes do Verbo ,
presentes nos ritos e nas culturas, e as faz maturar em Cristo.
42
29. Assim o Esprito que sopra onde quer (Jo 3, 8) e que j estava
a operar no mundo, antes da glorificao do Filho , 43 que enche o
universo, abrangendo tudo e de tudo tem conhecimento (Sab 1, 7),
induz-nos a estender o olhar, para podermos melhor considerar a Sua
aco, presente em todo o tempo e lugar. 44 uma referncia que eu
prprio sigo muitas vezes e que me guiou nos encontros com os mais
diversos povos. As relaes da Igreja com as restantes religies
baseiam-se num duplo aspecto: respeito pelo homem na sua busca de
resposta s questes mais profundas da vida, e respeito pela aco do
Esprito nesse mesmo homem . 45 0 encontro interreligioso de Assis,
excluda toda e qualquer interpretao equvoca, reforou a minha
convico de que toda a orao autntica suscitada pelo Esprito Santo,
que est misteriosamente presente no corao dos homem . 46
Este Esprito o mesmo que agiu na encarnao, vida, morte e
ressurreio de Jesus, e actua na Igreja. No de modo nenhum uma
alternativa a Cristo, nem vem preencher uma espcie de vazio, como
algumas vezes se sugere existir, entre Cristo e o Logos. Tudo
quanto o Esprito opera no corao dos homens e na histria dos povos,
nas culturas e religies, assume um papel de preparao evanglica, 47
e no pode deixar de se referir a Cristo, Verbo feito carne pela aco
do Esprito, a fim de, como Homem perfeito, salvar todos os homens e
recapitular em Si todas as coisas . 48
A aco universal do Esprito, portanto, no poder ser separada da
obra peculiar que Ele desenvolve no Corpo de Cristo, que a
Igreja.
Sempre o Esprito que actua, quer quando d vida Igreja
impelindo-a a anunciar Cristo, quer quando semeia e desenvolve os
seus dons em todos os homens e povos, conduzindo a Igreja
descoberta, promoo e acolhimento desses dons, atravs do dilogo.
Qualquer presena do Esprito
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deve ser acolhida com estima e gratido, mas o discerni-la
compete Igreja, qual Cristo deu o Seu Esprito para a guiar at
verdade total (cf. Jo 16, 13).
A actividade missionria est ainda no incio
30. O nosso tempo, com uma humanidade em movimento e
insatisfeita, exige um renovado impulso na actividade missionria da
Igreja. Os horizontes e as possibilidades da misso alargam-se, e
-nos pedida, a ns cristos, a coragem apostlica, apoiada sobre a
confiana no Esprito. Ele o protagonista da misso!
Na histria da humanidade, h numerosas viragens que estimulam o
dinamismo missionrio, e a Igreja, guiada pelo Esprito, sempre
respondeu com generosidade e clarividncia. Tambm no faltaram os
frutos! Pouco tempo atrs, celebrou-se o milnio da evangelizao da
Rssia e dos povos eslavos, estando para se celebrar o quincentsimo
aniversrio da evangelizao das Amricas; foram entretanto
comemorados, de forma solene, os centenrios das primeiras misses em
vrios Pases da sia, da frica e da Oceania. A Igreja deve hoje
enfrentar outros desafios, lanando-se para novas fronteiras, quer
na primeira misso ad gentes, quer na nova evangelizao dos povos que
j receberam o anncio de Cristo: A todos os cristos, s Igrejas
particulares e Igreja universal, pede-se a mesma coragem que moveu
os missionrios do passado, a mesma disponibilidade para escutar a
voz do Esprito.
CAPTULO IV OS IMENSOS HORIZONTES DA MISSO AD GENTES
31. O Senhor Jesus enviou os Seus Apstolos, a todas as pessoas,
a todos os povos e a todos os lugares da terra. Nos Apstolos, a
Igreja recebeu uma misso universal, sem limites, referindo-se
salvao em toda a sua integridade, segundo aquela plenitude de vida
que Cristo veio trazer (cf. Jo10, 10): ela foi enviada para
manifestar e comunicar a caridade de Deus a todos os homens e povos
. 49
Esta misso nica, sendo a mesma a sua origem e fim; mas na sua
dinmica de realizao, h diversas funes e actividades. Antes de tudo,
est a aco missionria, denominada misso ad gentes pelo Decreto
conciliar: trata-se de uma actividade primria e essencial da
Igreja, jamais concluda. Com efeito, a Igreja no pode eximir-se da
misso permanente de levar o Evangelhoa quantos e so milhes e milhes
de homens e mulheres ainda no conhecem Cristo Redentor do homem.
Esta a tarefa mais especificamente missionria que Jesus confiou e
continua quotidianamente a confiar Sua Igreja . 50
Um quadro religioso complexo e em mutao
32. Encontramo-nos hoje diante de uma situao religiosa bastante
diversificada e mutvel: os povos esto em movimento; certas
realidades sociais e religiosas, que, tempos atrs, eram claras e
definidas, hoje evoluem em situaes complexas. Basta pensar em
fenmenos tais como o urbanismo, as migraes em massa, a movimentao
de refugiados, a descristianizao de pases com antiga tradio crist,
a influncia crescente do Evangelho e dos seus valores em pases de
elevada maioria no crist, o pulular de messianismos e de seitas
religiosas. uma alterao tal de situaes religiosas e sociais, que se
torna difcil aplicar em concreto certas distines e categorias
eclesiais, a que estvamos habituados. J antes do Conclio, era comum
atribuir, a algumas metrpoles ou regies crists, a classificao de
terra de misso , e passados estes anos no se pode dizer que a
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situao melhorou.
Por outro lado, a obra missionria produziu abundantes frutos, em
todas as partes do mundo, como o demonstram as Igrejas implantadas
de uma forma to slida e amadurecida, que j capaz de prover s
necessidades das suas comunidades, a ponto de enviarem at pessoas a
evangelizar outras Igrejas e territrios. Da o contraste com reas de
antiga tradio crist, carecidas de serem re-evangelizadas. Alguns
perguntam-se inclusive se ainda o caso de falar em actividade
missionria especfica, ou dos seus mbitos especficos ou se no
deveramos antes admitir que existe umanica situao missionria,
havendo apenas uma nica misso, igual em todo o lugar. A dificuldade
real, e a prova de quo difcil interpretar esta realidade complexa e
mutvel em ordem ao mandato de evangelizar est patente no vocabulrio
missionrio : por exemplo, h uma certa hesitao em usar os termos
misses e missionrios , porque as consideram superadas por conterem
resqucios histricos negativos; prefere-se usar o substantivo misso
no singular, e o adjectivo missionrio para qualificar toda a
actividade da Igreja.
Estas dificuldades denotam uma mudana real, que contm aspectos
positivos. A integrao das misses na misso da Igreja, o confluir da
missionologia para a eclesiologia, e a insero de ambas no plano
trinitrio da salvao, deu um novo ar prpria actividade missionria,
no concebida j como uma tarefa margem da Igreja, mas antes inserida
no amago da sua vida, como compromisso fundamental de todo o Povo
de Deus. Torna-se necessrio, porm, precaver-se contra o risco de
nivelar situaes muito diferentes, e reduzir ou at fazer desaparecer
a misso e os missionrios ad gentes. A afirmao de que toda a Igreja
missionria no exclui a existncia de uma especfica misso ad gentes,
assim como dizer que todos os catlicos devem ser missionrios no
impede pelo contrrio, exige-o que haja missionrios ad gentes,
dedicados por vocao especfica misso por toda a vida.
A misso ad gentes conserva o seu valor
33. As diferenas de actividade, no mbito da nica misso da
Igreja, nascem no de motivaes intrnsecas prpria misso, mas das
diversas circunstancias onde ela se exerce. 51 Olhando o mundo de
hoje, do ponto de vista da evangelizao, podemos distinguir trs
situaes distintas.
Antes de mais, temos aquela a que se dirige a actividade
missionria da Igreja: povos, grupos humanos, contextos
socio-culturais onde Cristo e o Seu Evangelho no conhecido, onde
faltam comunidades crists suficientemente amadurecidas para poderem
encarnar a f no prprio ambiente e anunci-la a outros grupos. Esta
propriamente a misso ad gentes. 52
Aparecem depois as comunidades crists que possuem slidas e
adequadas estruturas eclesiais, so fermento de f e de vida,
irradiando o testemunho do Evangelho no seu ambiente, e sentindo o
compromisso da misso universal. Nelas se desenvolve a actividade ou
cuidado pastoral da Igreja.
Finalmente, existe a situao intermdia, especialmente nos pases
de antiga tradio crist, mas, por vezes, tambm nas Igrejas mais
jovens, onde grupos inteiros de baptizados perderam o sentido vivo
da f, no se reconhecendo j como membros da Igreja e conduzindo uma
vida distante de Cristo e do Seu Evangelho. Neste caso, torna-se
necessria uma nova evangelizao , ou re-evangelizao .
34. A actividade missionria especfica, ou misso ad gentes, tem
como destinatrios os povos ou grupos que ainda no crem em Cristo ,
aqueles que esto longe de Cristo , entre os quais a Igreja
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no est ainda radicada , 53 e cuja cultura ainda no foi
influenciada pelo Evangelho. 54Distingue-se das outras actividades
eclesiais por se dirigir a grupos e ambientes no cristos,
caracterizados pela ausncia ou insuficincia ao anncio evang*lico e
da presena eclesial. Vem a ser, portanto, a obra do anncio de
Cristo e do seu Evangelho, da edificao da Igreja local, da promoo
dos valores do Reino. A peculiariedade da misso ad gentes deriva do
facto de se orientar para os no cristos . preciso evitar, por isso,
que esta tarefa especificamente missionria, que Jesus confiou e
continua quotidianamente a confiar Sua Igreja , 55 se torne numa
realidade diluda na misso global de todo o Povo de Deus, ficando
desse modo descurada ou esquecida.
De resto, os confins entre o cuidado pastoral dos fieis, a nova
evangelizao e a actividade missionria especfica no so facilmente
identificveis, e no se deve pensar em criar entre esses ambitos
barreiras ou compartimentos estanques. No se pode, no entanto,
perder a tenso para o anncio e para a fundao de novas Igrejas entre
povos ou grupos humanos, onde elas ainda no existem, porque esta a
tarefa primria da Igreja, que enviada a todos os povos, at aos
confins da terra. Sem a misso ad gentes, a propria dimenso
missionria da Igreja ficaria privada do seu significado fundamental
e do seu exemplo de actuao.
Registe-se tambm uma real e crescente interdependncia entre as
diversas actividades salvficas da Igreja: cada uma influi sobre a
outra, estimula e ajuda-a. O dinamismo missionrio permite uma troca
de valores entre as Igrejas, e projecta para o mundo exterior
influncia positiva em todos os sentidos. As Igrejas de antiga
tradio crist, por exemplo, preocupadas com a dramtica tarefa da
nova evangelizao, esto mais conscientes de que no podem ser
missionrias dos no cristos de outros pases e continentes, se no se
preocuparem seriamente comos no cristos da prpria casa: a
actividade missionria ad intra sinal de autenticidade e de estmulo
para realizar a outra ad extra, e vice-versa.
A todos os povos, apesar das dificuldades
35. A misso ad gentes tem sua frente uma tarefa imensa, que est
muito longe de se ver concluda. Pelo contrrio, quer desde o ponto
de vista numrico devido ao aumento demogrfico, quer do ponto de
vista socio-cultural pelo despontar de novas relaes e pela variao
das situaes, aquela misso parece destinada a possuir horizontes
ainda mais vastos. A tarefa de anunciar Jesus Cristo a todos os
povos apresenta-se enorme e desproporcionada relativamente s foras
humanas da Igreja.
As dificuldades parecem insuperveis e poderiam fazer desanimar,
se se tratasse de uma obra puramente humana. Em alguns pases, est
proibida a entrada de missionrios; noutros, proibida tanto a
evangelizao, como a converso e at mesmo o culto cristo. H outros
lugares, onde os obstculos so de natureza cultural: a transmisso da
mensagem evanglica mostra-se irrelevante ou incompreensvel, e a
converso considerada como abandono do prprio povo e cultura.
36. No faltam tambm, ao Povo de Deus, as dificuldades internas,
que so as mais dolorosas.
J o meu predecessor Paulo VI indicava, em primeiro lugar, a
falta de fervor, tanto mais grave por nascer de dentro;
manifesta-se no cansao, na desiluso, no acomodamento e no
desinteresse, e sobretudo na falta de alegria e de esperana . 56
Grandes obstculos aco missionria da Igreja so tambm as divises,
passadas e presentes, entre os cristos, 57 a descristianizao em
pases cristos, a diminuio das vocaes para o apostolado, o
contra-testemunho de fiis e de comunidades crists que no reproduzem
em suas vidas o modelo de Cristo. Mas uma das razes mais graves
para o escasso interesse pelo empenhamento missionrio a mentalidade
do
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indiferentismo, hoje muito difundida, infelizmente tambm entre
os cristos, frequentemente radicada em concepes teolgicas
incorrectas, e geradora de um relativismo religioso, que leva a
pensar que tanto vale uma religio como outra . Podemos, por ltimo,
referir ainda como dizia o mesmo Pontfice a existncia de libis que
podem afastar da evangelizao; os mais insidiosos so certamente
aqueles para os quais se presume encontrar apoio neste ou naquele
ensinamento do Conclio . 58
A este respeito, recomendo vivamente aos telogos e aos
profissionais da imprensa crist que intensifiquem o seu servio em
favor da misso, para encontrarem o sentido profundo do seu
importante trabalho, no verdadeiro caminho do sentire cum
ecclesia.
As dificuldades internas ou externas no nos devem deixar
pessimistas e inactivos. O que deve contar aqui, como nos demais
sectores da vida crist a confiana que provm da f, ou seja, a
certeza de no sermos ns os protagonistas da misso, mas Jesus Cristo
e o Seu Esprito. Somos apenas colaboradores e, depois de termos
feito tudo o que estava ao nosso alcance, devemos dizer: somos
servos inteis, s fizemos o que devamos fazer (Lc 17, 10).
mbitos da misso ad gentes
37. A misso ad gentes, devido ao mandato universal de Cristo, no
tem fronteiras. Apesar disso, possvel identificar vrios ambitos, em
que ela se concretiza, para ficarmos com um quadro real da
situao.
a) Ambitos territoriais. Normalmente a actividade missionria foi
definida em relao a territrios concretos. O Conclio Vaticano II
reconheceu a dimenso territorial da misso ad gentes, 59 que ainda
hoje permanece vlida para determinar responsabilidades, competncias
e limites geogrficos de aco. certo que a uma misso unversal deve
corresponder uma perspectiva universal: a Igreja, com efeito, no
pode aceitar que fronteiras geogrficas e impedimentos polticos
sejam obstculos sua presena missionria. Mas verdade tambm que a
actividade missionria ad gentes, sendo distinta do cui dado
pastoral dos fiis e da nova evangelizao dos no praticantes, se
exerce em territrios e grupos humanos bem delimitados.
O multiplicar-se das Igrejas jovens, nos ltimos tempos, no deve
iludir-nos. Nos territrios confiados a estas Igrejas, especialmente
na sia, mas tambm na frica, Amrica Latina e na Oceania, existem
vrias zonas no evangelizadas: povos inteiros e reas culturais de
grande importancia, em muitas naes, ainda no foram alcanados pelo
anncio evanglico nem pela presena da Igreja local. 60 Inclusive em
pases tradicionalmente cristos, h regies confiadas ao regime
especial da misso ad gentes, com grupos e reas no evangelizadas.
Impe-se, pois, nestes pases, no apenas uma nova evangelizao, mas,
em certos casos, a primeira evangelizao. 61
As situaes, porm, no so homogneas. Mesmo reconhecendo que as
afirmaes sobre a responsabilidade missionria da Igreja no so dignas
de crdito se no forem autenticadas por um srio empenho numa nuova
evangelizao nos Pases de antiga tradio crist, no parece justo
equiparar a situao de um povo que nunca ouviu falar em Jesus
Cristo, com a de um outro que o conheceu e aceitou, mas depois o
rejeitou, embora continuando a viver numa cultura que absorveu em
grande parte os princpios e valores evanglicos. Em relao f, so duas
posies substancialmente diferentes.
Portanto, o critrio geogrfico, mesmo se provisrio e no muito
preciso, serve ainda para indicar as
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fronteiras para as quais se deve dirigir a actividade
missionria. Existem Pases e reas geogrficas e culturais onde faltam
comunidades crists autctones; noutros lugares, estas so to
pequenas, que no possvel reconhecer nelas um sinal claro da presena
crist; ou ento, a estas comunidades, falta o dinamismo para
evangelizar a prpria sociedade, ou pertencem a populaes
minoritrias, no inseridas na cultura dominante. Em particular no
Continente asitico, para onde deveria orientar-se principalmente a
misso ad gentes, os cristos so uma pequena minoria, apesar de s
vezes se verificarem movimentos significativos de converso e
testemunhos exemplares de presena crist.
b) Mundos e fenmenos sociais novos. As rpidas e profundas
tranformaes que caracterizam o mundo de hoje, particularmente no
Hemisfrio Sul, influem decididamente no quadro missionrio: onde
antes as situaes humanas e sociais eram estveis, hoje tudo est em
movimentao. Pensemos, por exemplo, na urbanizao e no massio aumento
das cidades, especialmente onde mais forte a presso demogrfica. Em
muitos Pases, mais de metade da populao vive em algumas megalpoles,
onde os problemas do homem frequentemente pioram, entre outras
razes, por causa do anonimato em que ficam imersas as multides.
Nos tempos modernos, a actividade missionria desenvolveu-se
sobretudo em regies isoladas, longe dos centros civilizados e
inacessveis por dificuldades de comunicao, de lngua e de clima.
Hoje a imagem da misso ad gentes est talvez a mudar: lugares
privilegiados deveriam ser as grandes cidades, onde surgem novos
costumes e modelos de vida, novas formas de cultura e comunicao que
depois influem na populao. verdade que a escolha dos menos
afortunados deve levar a no descuidar os grupos humanos mais
isolados e marginalizados, mas tambm verdade que no possvel
evangelizar as pessoas ou pequenos grupos, descuidando os centros
onde nasce pode-se dizer uma nova humanidade, com novos modelos de
desenvolvimento. O futuro das jovens Naes est-se a formar nas
cidades.
Falando de futuro, no possvel esquecer os jovens que, em
numerosos Pases, constituem mais de metade da populao. Como
proceder para que a mensagem de Cristo atinja esses jovens no
cristos, que so o futuro de inteiros Continentes? Evidentemente j
no bastam os meios tradicionais da pastoral: so necessrias
associaes e instituies, grupos e centros especficos, iniciativas
culturais e sociais para os jovens. Eis um ambito onde os modernos
Movimentos eclesiais tm largo campo de aco.
Entre as grandes transformaes do mundo contemporneo, as migraes
produziram um novo fenmeno: os no cristos chegam em grande nmero
aos Pases de antiga tradio crist, criando novas ocasies para
contactos e intercambios culturais, esperando da Igreja o
acolhimento, o dilogo, a ajuda, numa palavra, a fraternidade. De
entre os emigrantes, os refugiados ocupam um lugar especial e
merecem a mxima ateno. So j muitos milhes no mundo e no cessam de
aumentar: fogem da opresso poltica e da misria desumana, da fome e
da seca que assume dimenses catastrficas. A Igreja deve acolh-los
no mbito da sua solicitude apostlica.
Por fim, lembramos as situaes de pobreza, frequentemente
intolerveis, que se criam em bastantes Pases, e esto muitas vezes
na origem de migraes em massa. Estas situaes desumanas desafiam a
comunidade crist: o anncio de Cristo e do Reino de Deus deve
tornar-se instrumento de redeno humana para estas populaes.
c) reas culturais, ou modernos arepagos. Paulo, depois de ter
pregado em numerosos lugares, chega a Atenas e vai ao arepago, onde
anuncia o Evangelho, usando uma linguagem adaptada e compreensvel
para aquele ambiente (Cf. At 17, 22-31). O arepago representava,
ento, o centro da
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cultura do douto povo ateniense, e hoje pode ser tomado como
smbolo dos novos ambientes onde o Evangelho deve ser
proclamado.
O primeiro arepago dos tempos modernos o mundo das comunicaes,
que est a unificar a humanidade, transformando-a como se costuma
dizer na aldeia global . Os meios de comunicao social alcanaram
tamanha importancia que so para muitos o principal instrumento de
informao e formao, de guia e inspirao dos comportamentos
individuais, familiares e sociais. Principalmente as novas geraes
crescem num mundo condicionado pelos mass-mdia. Talvez se tenha
descuidado um pouco este arepago: deu-se preferncia a outros
instrumentos para o anncio evanglico e para a formao, enquanto os
mass-mdia foram deixados iniciativa de particulares ou de pequenos
grupos, entrando apenas secundariamente na programao pastoral. O
uso dos mass-mdia, no entanto, no tem somente a finalidade de
multiplicar o anncio do Evangelho: trata-se de um facto muito mais
profundo porque a prpria evangelizao da cultura moderna depende, em
grande parte, da sua influncia. No suficiente, portanto, us-los
para difundir a mensagem crist e o Magistrio da Igreja, mas
necessrio integrar a mensagem nesta nova cultura , criada pelas
modernas comunicaes. um problema complexo, pois esta cultura nasce,
menos dos contedos do que do prprio facto de existirem novos modos
de comunicar com novas linguagens, novas tcnicas, novas atitudes
psicolgicas O meu predecessor Paulo VI dizia que a ruptura entre o
Evangelho e a cultura , sem dvida, o drama da nossa poca ; 62 e o
campo da comunicao moderna confirma plenamente este juzo.
Existem muitos outros arepagos do mundo moderno, para os quais
se deve orientar a actividade missionria dos povos. Por exemplo, o
empenhamento pela paz, o desenvolvimento e a libertao dos povos,
sobretudo o das minorias; a promoo da mulher e da criana; a proteco
da natureza, so outros tantos sectores a serem iluminados pela luz
do Evangelho.
preciso lembrar alm disso, o vastssimo arepago da cultura, da
pesquisa cientfica, das relaes internacionais que favorecem o
dilogo e levam a novos projectos de vida. Convm estar atentos e
empenhados nestas exigncias modernas. Os homens sentem-se como que
a navegar no mesmo mar tempestuoso da vida, chamados a uma unidade
e solidariedade cada vez maior: as solues para os problemas
existenciais so estudadas, discutidas e experimentadas com o
concurso de todos. Eis porque os organismos e as convenes
internacionais se apresentam cada vez mais importantes, em muitos
sectores da vida humana, desde a cultura poltica, da economia
pesquisa Os cristos, que vivem e trabalham nesta dimenso
internacional, tenham sempre presente o seu dever de testemunhar o
Evangelho.
38. A poca em que vivemos , ao mesmo tempo, dramtica e
fascinante. Se por um lado, parece que os homens vo no encalo da
prosperidade material, mergulhando cada vez mais no consumismo
materialista, por outro lado, manifesta-se a angustiante procura de
sentido, a necessidade de vida interior, o desejo de aprender novas
formas e meios de concentrao e de orao. No s nas culturas densas de
religiosidade, mas tambm nas sociedades secularizadas, procura-se a
dimenso espiritual da vida como antdoto desumanizao. Este fenmeno,
denominado ressurgimento religioso , no est isento de ambiguidade,
mas traz com ele tambm um convite. A Igreja tem em Cristo, que se
proclamou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6), um imenso
patrimnio espiritual para oferecer humanidade. o caminho cristo que
leva ao encontro de Deus, orao, ascese, descoberta do sentido da
vida. Tambm este um arepago a evangelizar.
Fidelidade a Cristo promoo da liberdade do homem
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39. Todas as formas de actividade missionria se caracterizam
pela conscincia de promover a liberdade do homem, anunciando-lhe
Jesus Cristo. A Igreja deve ser fiel a Cristo, j que o Seu Corpo e
continua a Sua misso. necessrio que ela caminhe pela mesma via de
Cristo, via de pobreza, obedincia, servio e imolao prpria at morte,
da qual Ele saiu vitorioso pela sua ressurreio . 63 A Igreja,
portanto, tem o dever de fazer todo o possvel para cumprir a sua
misso no mundo e alcanar todos os povos; e tem tambm o direito, que
lhe foi dado por Deus, de levar a termo o seu plano. A liberdade
religiosa, por vezes ainda limitada e cerceada, a premissa e a
garantia de todas as liberdades que asseguram o bem comum das
pessoas e dos povos. de se auspiciar que a autntica liberdade
religiosa seja concedida a todos, em qualquer lugar, e para isso a
Igreja se empenha a fim de que tal acontea nos vrios Pases,
especialmente nos de maioria catlica, onde ela alcanou uma maior
influncia. No se trata porm, de um problema de maioria ou de
minoria, mas de um direito inalienvel de toda a pessoa humana.
Por outro lado, a Igreja dirige-se ao homem no pleno respeito da
sua liberdade: 64 a misso no restringe a liberdade, pelo contrrio,
favorece-a. A Igreja prope, no impe nada: respeita as pessoas e as
culturas, detendo-se diante do sacrrio da conscincia Aos que se
opem com os mais diversos pretextos actividade missionria, a Igreja
repete: Abri as portas a Cristo!
Dirijo-me a todas as Igrejas particulares, antigas ou de formao
recente. O mundo vai-se unificando cada vez mais, o esprito
evanglico deve levar supresso de barreiras culturais,
nacionalistas, evitando qualquer isolamento. J Bento XV admoestava
os missionrios do seu tempo a que nunca esquecessem a dignidade
pessoal para no pensarem mais na ptria terrena que na do cu , 65 A
mesma recomendao vale hoje para as Igrejas particulares: abr as
portas aos missionrios, pois toda a Igreja particular que se
separasse voluntariamente da Igreja universal perderia a sua
referncia ao desgnio de Deus e empobrecer-se-ia na sua dimenso
eclesial . 66
Dirigir a ateno para Sul e Oriente
40. A actividade missionria ainda hoje representa o mximo
desafio para a Igreja. medida que se aproxima o fim do segundo
Milnio da Redeno, cada vez mais evidente que os povos que ainda no
receberam o primeiro anncio de Cristo constituem a maioria da
humanidade. Certamente o balano da actividade missionria dos tempos
modernos positivo: a Igreja est estabelecida em todos os
continentes, e a maioria dos fiis e das Igrejas particulares j no
est na velha Europa, mas nos Continentes que os missionrios abriram
f.
Permanece, porm, o facto de que os confins da terra para onde o
Evangelho deve ser levado, alargam-se cada vez mais e a sentena de
Tertuliano, segundo a qual o Evangelho foi anunciado por toda a
terra e a todos os povos, 67 est ainda longe de se concretizar: a
misso ad gentes ainda est no comeo. Novos povos aparecem no cenrio
mundial e tambm eles tm o direito de receber o anncio da salvao. O
crescimento demogrfico no sul e no oriente, em Pases no cristos,
faz aumentar continuamente o nmero das pessoas que ignoram a redeno
de Cristo.
necessrio, portanto, dirigir a ateno missionria para aquelas
reas geogrficas e para aqueles ambientes culturais que permaneceram
margem do influxo evanglico. Todos os crentes em Cristo devem
sentir, como parte integrante da sua f, a solicitude apostlica de a
transmitir aos outros, pela alegria e luz que ela gera. Essa
solicitude deve-se transformar, por assim dizer, em fome e sede de
dar a conhecer o Senhor, quando estendemos o olhar para os
horizontes imensos do mundo no-cristo.
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CAPTULO V OS CAMINHOS DA MISSO
41. A actividade missionria no mais nem menos do que a
manifestao ou epifania, e a realizao do desgnio de Deus no mundo e
na histria: pela misso, Deus realiza claramente a histria de
salvao. 68 Que caminhos segue a Igreja para conseguir este
resultado?
A misso uma realidade unitria, mas complexa; e explica-se de
vrios modos, alguns do quais so de particular importncia, na
presente situao da Igreja e do mundo.
A primeira forma de evangelizao o testemunho
42. O homem contemporneo acredita mais nas testemunhas do que
nos mestres, 69 mais na experincia do que na doutrina, mais na vida
e nos factos do que nas teorias. O testemunho da vida crist a
primeira e insubstituvel forma de misso: Cristo, cuja misso ns
continuamos, a testemunha por excelncia (Ap 1, 5; 3, 14) e o modelo
do testemunho cristo. O Esprito
Santo acompanha o caminho da Igreja, associando-a ao testemunho
que Ele prprio d de Cristo (cf. Jo 15, 26-27 ).
A primeira forma de testemunho a prpria vida do missionrio, da
famlia crist e da comunidade eclesial, que torna visvel um novo
modo de se comportar. O missionrio que, apesar dos seus limites e
defeitos humanos, vive com simplicidade, segundo o modelo de
Cristo, um sinal de Deus e das realidades transcendentes. Mas todos
na Igreja, esforando-se por imitar o divino Mestre, podem e devem
dar o mesmo testemunho, 70 que , em muitos casos, o nico modo
possvel de se ser missionrio.
O testemunho evanglico, a que o mundo mais sensvel, o da ateno s
pessoas e o da caridade a favor dos pobres, dos mais pequenos, e
dos que sofrem. A gratuidade deste relacionamento e destas aces, em
profundo contraste com o egoismo presente no homem, faz nascer
questes precisas, que orientam para Deus e para o Evangelho. Tambm
o compromiso com a paz, a justia, os direitos do homem, a promoo
humana, um testemunho do Evangelho, caso seja um sinal de ateno s
pessoas e esteja ordenado ao desenvolvimento integral do homem.
71
43. O cristo e as comunidades crists vivem profundamente
inseridos na vida dos respectivos povos, e so tambm sinal do
Evangelho pela fidelidade sua ptria, ao seu povo, e sua cultura
nacional, sempre porm na liberdade que Cristo trouxe. O
cristianismo est aberto fraternidade universal, porque todos os
homens so filhos do mesmo Pai e irmos em Cristo.
A Igreja chamada a dar o seu testemunho por Cristo, assumindo
posies corajosas e profticas, face corrupo do poder poltico ou
econmico; no correndo ela prpria atrs da glria e dos bens
materiais; usando os seus bens para o servio dos mais pobres e
imitando a simplicidade de vida de Cristo. A Igreja e os
missionrios devem ainda dar o testemunho da humildade, comeando por
si prprios, ou seja, desenvolvendo a capacidade de exame de
conscincia, a nvel pessoal e comunitrio, a fim de corrigirem nas
suas atitudes aquilo que anti-evanglico e desfigura o rosto de
Cristo.
O primeiro anncio de Cristo Salvador
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44. O anncio tem a prioridade permanente, na misso: a Igreja no
pode esquivar-se ao mandato explcito de Cristo, no pode privar os
homens da Boa Nova de que Deus os ama e salva. A evangelizao conter
sempre como base, centro e, ao mesmo tempo, vrtice do seu dinamismo
uma proclamao clara de que, em Jesus Cristo (...) a salvao of
erecida a cada homem, como dom de graa e de misericrdia do prprio
Deus . 72 Todas as formas de actividade missionria tendem para esta
proclamao que revela e introduz no mistrio, desde sempre escondido
e agora revelado em Cristo (cf. Ef 3, 3-9; Col 1, 25-29), o qual se
encontra no amago da misso e da vida da Igreja, como ponto fulcral
de toda a evangelizao.
Na realidade complexa da misso, o primeiro anncio tem um papel
central e insubstituvel, porque introduz no mistrio do amor de
Deus, que, em Cristo, nos chama a uma estreita relao pessoal com
Ele 73 e predispe a vida para a converso. A f nasce do anncio, e
cada comunidade edesial consolida-se e vive da resposta pessoal de
cada fiel a esse anncio. 74 Como a economia salvfica est centrada
em Cristo, assim a actividade missionria tende para a proclamao do
Seu mistrio.
O anncio tem por objecto Cristo crucificado, morto e
ressuscitado: por meio d'Ele se realiza a plena e autntica libertao
do mal, do pecado e da morte; n'Ele Deus d a vida nova , divina e
eterna. esta a Boa Nova , que muda o homem e a histria da
humanidade, e que todos os povos tm o direito de conhecer. Um tal
anncio tem de se inserir no contexto vital do homem e dos povos que
o recebem. Alm disso ele deve ser feito numa atitude de amor e de
estima a quem o escuta, com uma linguagem concreta e adaptada s
circunstancias. Para isso concorre o Esprito, que instaura uma unio
entre o missionrio e os ouvintes, tornada possvel enquanto um e os
outros, por Cristo, entram em comunho com o Pai. 75
45. Sendo feito em unio com toda a comunidade eclesial, o anncio
nunca um facto pessoal. O missionrio est presente e actuante em
virtude de um mandato recebido, pelo que, mesmo se estiver sozinho,
sempre viver coligado, atravs de laos invisveis mas profundos,
actividade evangelizadora de toda a Igreja. 76 Os ouvintes, mais
cedo ou mais tarde, entrevem, por detrs dele, a comunidade que o
enviou e o apoia.
O anncio animado pela f, que gera entusiasmo e ardor no
missionrio. Como ficou dito, os Actos dos Apstolos definem uma tal
atitude com a palavra parresa, que significa falar com coragem e
desembarao; o mesmo termo aparece em S. Paulo: No nosso Deus,
encontramos coragem para vos anunciar o Evangelho, no meio de
muitos obstculos (1 Tes 2, 2). Rezai tambm por mim, para que,
quando abrir a boca, me seja dado anunciar corajosamente o Mistrio
do Evangelho, do qual, mesmo com as algemas, sou embaixador, e para
que tenha a audcia de falar dele como convm (Ef 6, 19-20) .
Ao anunciar Cristo aos no cristos, o missionrio est convencido
de que existe j, nas pessoas e nos povos, pela aco do Esprito, uma
ansia mesmo se inconsciente de conhecer a verdade acerca de Deus,
do homem, do caminho que conduz libertao do pecado e da morte. O
entusiasmo posto no anncio de Cristo deriva da convico de responder
a tal ansia, pelo que o missionrio no perde a coragem nem desiste
do seu testemunho, mesmo quando chamado a manifestar a sua f num
ambiente hostil ou indiferente. Ele sabe que o Esprito do Pai fala
nele (cf. Mt10, 17-20; Lc 12, 11-12), podendo repetir com os
apstolos: ns somos testemunhas destas coisas, juntamente com o
Esprito Santo (At 5, 32). Est ciente de que no anuncia uma verdade
humana, mas a Palavra de Deus , dotada de intrnseca e misteriosa
fora (cf. Rm 1, 16).
A prova suprema o dom da vida, at ao ponto de aceitar a morte
para testemunhar a f em Jesus
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REDEMPTORIS MISSIO
LEITURA COMPLEMENTAR
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Cristo. Como sempre, na histria crist, os mrtires , isto , as
testemunhas, so numerosas e indispensveis no caminho do Evangelho.
Tambm na nossa poca, h tantos: bispos, sacerdotes, religiosos,
religiosas, leigos, tantas vezes, heris desconhecidos que deram a
vida para testemunhar a f. So esses, os anunciadores e as
testemunhas por excelncia.
Converso e baptismo
46. O anncio da Palavra de Deus visa a converso crist, isto , a
adeso plena e sincera a Cristo e ao seu Evangelho, mediante a f. A
converso dom de Deus, obra da Trindade: o Esprito que abre as
portas dos coraes, para que os homens possam acreditar no Senhor e
confess-l'O (1Cor 12, 3). Jesus, referindo-se a quem se aproxima
d'Ele pela f, diz: ningum pode vir a Mim, se o Pai, que me enviou,
o no atrair (Jo 6, 44).
Desde o incio, a converso exprime-se com uma f total e radical:
no pe limites nem impedimentos ao dom de Deus. Ao mesmo tempo,
porm, determina um processo dinmico e permanente que se prolonga
por toda a existncia, exigindo uma passagem contnua da vida segundo
a carne vida segundo o Esprito (cf. Rm 8, 3-13). Esta significa
aceitar, por deciso pessoal, a soberania salvfica de Cristo,
tornando-se Seu discpulo.
A Igreja chama a todos, a esta converso, a exemplo de Joo
Baptista que preparava o caminho para Cristo, pregando um baptismo
de converso, em ordem ao perdo dos pecados (Mc 1, 4), e a exemplo
do prprio Cristo que, depois de Joo ter sido preso, veio para a
Galileia pregar a Boa Nova de Deus, dizendo: 'Completou-se o tempo,
o Reino de Deus est prximo:arrependei-vos, e acreditai no
Evangelho' (Mc 1, 14-15 ).
Hoje o apelo converso, que os missionrios dirigem aos no
cristos, posto em discusso ou facilmente deixado no silncio. V-se
nele um acto de proselitismo ; diz-se que basta ajudar os homens a
tornarem-se mais homens ou mais fiis prpria religio, que basta
construir comunidades capazes de trabalharem pela justia, pela
liberdade, pela paz, e pela solidariedade. Esquece-se, porm, que
toda a pessoa tem o direito de ouvir a Boa Nova de Deus que se
revela e se d em Cristo, para realizar em plenitude a sua prpria
vocao. A grandeza deste evento ressoa nas palavras de Jesus
samaritana: Se tu conhecesses o