UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS II - ALAGOINHAS COLEGIADO DO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA CARLOS VINICIUS DE SOUSA DA CRUZ A FILOSOFIA DO JIU-JITSU NA FORMAÇAO MORAL DOS JOVENS: UM ESTUDO DE CASO ALAGOINHAS 2010
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS II - ALAGOINHAS
COLEGIADO DO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
CARLOS VINICIUS DE SOUSA DA CRUZ
A FILOSOFIA DO JIU-JITSU NA FORMAÇAO MORAL DOS JOVENS: UM ESTUDO DE CASO
ALAGOINHAS
2010
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CARLOS VINICIUS DE SOUSA DA CRUZ
A FILOSOFIA DO JIU-JITSU NA FORMAÇAO MORAL DOS JOVENS: UM ESTUDO DE CASO
ALAGOINHAS
2010
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de licenciado em Educação Física pela Universidade do Estado da Bahia – Campus II. Orientadora: Profª. Ms. Martha Benevides da Costa.
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Dedico este trabalho a minha MÃE, que me deu total apoio durante todo o tempo da minha graduação, e mais ainda, por toda minha vida. Auxiliando-me financeiramente, emocionalmente, e acima de tudo moralmente. Sendo meu instrumento de orientação e minha base de sustentação de maneira geral. Vida longa para ti, Célia Cruz!
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AGRADECIMENTOS
Ao amado mestre Jesus, por estar sempre olhando por mim. Aos espíritos
guardiães, guias e protetores que desde o início da minha vida me guardam,
me guiam e me protegem pelos caminhos que escolho seguir.
A toda minha família, irmãos, sobrinhos (Thierry, que sempre queria assistir os
Backyardigans nos meus momentos de estresse monográfico), primos, primas,
tios e tias, sempre demonstrando sua preocupação com os rumos da minha
vida.
Aos meus pais por terem me dado a chance de reencarnar como seu filho, e
por terem me dado a oportunidade de evoluir um pouco mais.
Aos amigos que fiz e que pretendo manter por toda vida, aos companheiros de
casa (irmãos emprestados), aos meus colegas de sala pela convivência e
também aqueles outros que passaram pela minha vida ou me acolheram de
alguma forma, em algum momento desses anos.
Ao sensei Ricardo Carvalho por se mostrar sempre disponível nas minhas
visitas a academia Edson Carvalho e aos seus alunos pelas entrevistas
concedidas.
Aos professores que me ajudaram a construir mais alguns andares no exercício
da busca de conhecimento.
A minha orientadora Martha Benevides, pelos toques, puxões de orelhas, por
me permitir construir e por me segurar quando viajava demais e também pelos
seus elogios.
A “diretoria” (Anderson, Nilton, Pedro Mineiro, Reinaldo, Thiago Ipirá), que
desde o primeiro semestre esteve junta, e só fez crescer, quando no meio do
caminho alguns pediram para subir neste ônibus de alegria e amizade! Ótimas
lembranças sempre!
Não posso deixar de agradecer a VANS - Vinícius, Anderson, Nilton e Sena
(Ramon), por todos os trabalhos escritos e apresentados juntos.
Camila, por realizar minhas matrículas, a Leo e Deivid por me auxiliar nos
problemas com a informática e pela amizade de todos.
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Aos “azulinos”, por todas as vitórias nas quadras e principalmente nos campos,
pela união de todos e pelas mesas redondas pós-jogos.
Especialmente a minha namorada, Nathalie Malhado, por agüentar dois anos
de namoro a distância, pelas cobranças, paciência, companheirismo, carinho.
Pelo auxilio na correção da monografia quando nem mais eu agüentava e por
todo amor a mim dedicado.
Paz e vibrações positivas sempre, a todos um maiúsculo MUITO OBRIGADO!
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“Quem planta preconceito, racismo, impunidade e indiferença, não pode
reclamar da violência”
Alexandre Carlo Cruz, Natiruts
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LISTA DE SIGLAS
CBJJ – Confederação Brasileira de Jiu-jitsu
FBI – Federal Bureau of Investigation
FBJJ – Federação Baiana de Jiu-jitsu
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MMA - Mixed Martial Arts
PCN‟S - Parâmetros Curriculares Nacionais
SUS - Sistema Único de Saúde
SWAT – Special Weapons and Tactics
TIC - Tecnologias de Informação e Comunicação
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1- Freqüência Temática da entrevista com o professor da
Edson Carvalho
p.37
QUADRO 2- Freqüência Temática da entrevista com o presidente da
FBJJ
p.43
QUADRO 3 - Freqüência Temática da entrevista com alunos da Edson
Carvalho
p.45
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RESUMO
Esta pesquisa aborda a participação da filosofia do jiu-jitsu na formação moral dos jovens. Sua fundamentação deu-se a partir da questão geradora: quais as implicações da filosofia do jiu-jitsu na formação moral dos jovens praticantes? Dentro dessa abordagem como fundamentação para a pesquisa, também se discute: como se dá a formação moral dos seres humanos a partir da infância; a juventude como categoria social e sua relação com a moral; a história do jiu-jitsu, seus valores filosóficos e a suposta ligação com a violência; A mídia de massa e os sentidos atribuídos ao jiu-jítsu. Realizou-se então, estudo de caso com caráter qualitativo, utilizando como técnicas de coleta de dados entrevistas semi-estruturadas com o presidente da Federação Baiana de Jiu-jítsu, mestre da instituição onde a pesquisa foi realizada e com os alunos da mesma. Para complementação desses dados, realizaram-se também observações das aulas de jiu-jítsu. Concluo que a participação da filosofia do jiu-jítsu tem implicações efetivas na formação moral dos jovens, incentivando e colaborando para construção e reforço da mesma. Mesmo entendendo que a formação moral do indivíduo está condicionada também a todo contexto social que o envolve. Palavras-Chave: Formação Moral; Jiu-jitsu; Juventude.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 10
2 DESENVOLVIMENTO MORAL DOS SERES HUMANOS 12
3 JUVENTUDE COMO CATEGORIA SOCIAL E SUA RELAÇÃO
COM A MORAL
16
4 JIU-JITSU: HISTÓRIA, VALORES E RELAÇÃO COM A
VIOLÊNCIA
21
5 A MÍDIA DE MASSA E OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO JIU-
JITSU
27
6 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS 33
7 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS 36
7.1 Panorama da realidade 36
7.2 As entrevistas 37
7.3 Observações 49
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 53
REFERÊNCIAS 55
APÊNDICES
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
APÊNDICE B – Roteiro de Entrevistas
10
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa busca analisar a relação da filosofia do jiu-jitsu com a
formação moral dos jovens na academia Edson Carvalho, na cidade de
Salvador - BA.
Partindo do pressuposto que as atitudes, os valores e nível de
consciência não podem ser medidos, esta pesquisa se configura como uma
pesquisa qualitativa.
O interesse por pesquisar as implicações da filosofia do jiu-jitsu na
formação moral do jovem está relacionado ao fato de ser um amante do jiu-jitsu
ou da “arte suave”, numa tradução para o português. E como ex-praticante, sou
prova viva da sua influência filosófica voltada para o autoconhecimento e
equilíbrio humano, não só durante os treinos, mas também cotidianamente,
além de acreditar no caráter formador do jiu-jitsu.
O autocontrole e o conhecimento de si, incentivados pelo jiu-jitsu tem o
objetivo de auxiliar os seus praticantes, também, no contexto das relações
sociais fora dos espaços onde o mesmo é praticado.
Sendo a Educação Física uma prática de intervenção social e as lutas
conteúdo da Educação Física, os professores de Educação Física e mestres de
qualquer arte marcial tornam-se co-responsáveis e mediadores da formação
destes sujeitos.
Este trabalho se faz importante a partir do momento que discute a
natureza dessa luta e levanta questões relacionadas a aspectos pouco ou
nunca comentados/discutidos dentro das pesquisas em Educação Física, como
a influência filosofia do jiu-jitsu no desenvolvimento moral dos jovens.
Considerando o jiu-jitsu uma arte marcial que se caracteriza pela
construção e reforço do caráter do indivíduo, tornando-o mais responsável e
consciente, pretendo discutir o porquê da violência supostamente ligada a essa
luta, analisando também a visão dos mestres e praticantes sobre situação do
jiu-jitsu após a ligação das lutas a atos de violência fora das academias e
aceitação disto no âmbito do senso comum.
Diante disto, o problema da pesquisa é: Quais as implicações da filosofia
do jiu-jitsu na formação moral dos jovens na cidade Salvador-BA?
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O objetivo principal dessa pesquisa é identificar as implicações da
filosofia do jiu-jitsu na formação moral dos jovens. Assim, são os objetivos
específicos, analisar os valores filosóficos e morais do jiu-jitsu, discutir o
conceito de luta, examinar a suposta violência ligada a esta luta, verificar a
participação da mídia nos sentidos atribuídos ao jiu-jitsu.
A escolha das academias como espaço central para a pesquisa deu-se
em razão das mesmas se configurarem como local mais utilizado para a prática
do jiu-jitsu.
A construção dessa monografia foi estruturada em Introdução, na qual
apresento problema, objetivos e justificativa da pesquisa. Desenvolvimento
moral dos seres humanos, trazendo o processo de formação moral desses
seres, desde a infância, descrevendo suas etapas e características, trazendo
também a responsabilidade dos envolvidos neste processo. Juventude como
categoria social e sua relação com a moral, que traz a condição juvenil
também como categoria social, abordando a visão da sociedade a respeito da
juventude, as problemáticas acerca dessa categoria e um breve histórico das
políticas públicas que envolvem a mesma. Jiu-jitsu: história, valores e
relação com a violência, abordando o surgimento do jiu-jitsu, sua relação com
a filosofia budista e expansão para outros países e continentes, inclusive sua
vinda para o Brasil, além suposta ligação a atos de violência e o pouco espaço
reservado dentro da Educação Física. Mídia de massa e os sentidos
atribuídos ao Jiu-jitsu, que aborda a participação da mídia no que diz respeito
à tentativa de exercer influência sobre os receptores, inclusive em relação ao
Jiu-jitsu, a capacitação dos indivíduos para recepção e interpretação crítica dos
discursos. Procedimentos metodológicos, onde são colocados os
instrumentos de coleta e análise de dados. Apresentação e análise de dados,
onde os dados coletados na pesquisa de campo são apresentados e
analisados. Considerações Finais onde são relatadas as conclusões do
trabalho.
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2 DESENVOLVIMENTO MORAL DOS SERES HUMANOS
No decorrer dos tempos, a partir de exigências da sociedade, as leis
humanas foram criadas. Nos tempos da barbárie, essas leis foram mais
pesadas e cruéis. Mas, com a melhor compreensão do homem no que diz
respeito ao sentido de justiça, as leis vem se modificando, mas ainda temos em
nossa sociedade muita desigualdade no tratamento dado as pessoas, apesar
das tentativas de igualar este tratamento a todos os homens.
Todos nós vivemos em conjunto por decisão própria, através de um
contrato social1 que reza que devemos viver sob as mesmas leis. Esse coletivo
obedece segundo Chauí (1993, p. 318), a um “sistema regulador da vida
coletiva por meio de mores. Isto é, dos costumes e dos valores de uma
sociedade, numa época determinada”. Tudo que transgrida estes costumes e
valores será considerado ato de violência moral e desrespeito a essa
sociedade. A autora ainda afirma que “toda cultura e cada sociedade institui
uma moral, isto é, valores concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao
proibido e à conduta correta e à incorreta, válidos para todos os seus
membros” (CHAUÍ, 1993, p. 310).
Podemos dizer que esta moral não é só estabelecida pelos valores da
comunidade, mas também se baseia nas leis estabelecidas pelo Estado que
determina e normatiza os direitos e deveres dos cidadãos. Estas estão
expressas em um código civil que, além de estabelecer regras, determina
punições.
Alguns pensadores, filósofos e educadores, até mesmo de correntes de
pensamentos e épocas diferentes, tem olhares congruentes no que diz respeito
ao foco da discussão sobre a moral e seu desenvolvimento. Esse ponto central
seria o fator social. Temos como exemplos, dois ícones da filosofia, Sócrates
com a idéia de consciência moral, que seria o domínio sobre o que faz,
conhecendo suas causas e conseqüências, além do porquê de tais atitudes e a
essência dos seus valores morais. Já Aristóteles nos trouxe a idéia de vontade
norteada pela razão ou vontade racional, na qual o agente ou sujeito moral tem
1 Contrato Social: Contrato através do qual os indivíduos decidem viver em conjunto e sob as
mesmas leis (CHAUI, 1993, p.320).
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a capacidade de medir ou julgar qual ação ou atitude é mais correta e
adequada para si e para aqueles que o cercam, ou seja, aqueles que formam a
macro instituição chamada sociedade.
Outro pensador, Durkheim, citado por Yves de La Taille (1992), coloca a
moral como algo exterior ao indivíduo, mais precisamente falando, a sociedade.
Até mesmo Piaget, opositor das idéias de Durkheim, concorda com o mesmo
neste ponto, pois como afirma La Taille (1992, p.58): Ӄ preciso frisar que
Piaget concorda com Durkheim num ponto essencial: a moral é fato social, e,
portanto, uma consciência puramente individual não seria capaz de elaborar e
respeitar regras morais”.
O isolamento físico, o pensamento egoísta e a tentativa de sobrepujar os
outros se configuram neste sentido como violência ao conceito de sociedade e
também como barreira ao seu desenvolvimento intelecto-moral. No entanto, por
instinto ou por vontade própria, como falado anteriormente, o homem procura
aqueles que a ele se assemelham, de modo que esse afastamento se torna um
problema para o desenvolvimento, pois as relações interpessoais possibilitam
troca de informações e experiências.
Para construção desta pesquisa, utilizarei como referência as idéias de
Piaget no que se refere ao processo de formação moral do indivíduo a partir da
infância.
Para Piaget, citado por La Taille (1992), o processo de formação moral
do indivíduo se dá a partir da infância. O autor baseou-se nas relações do jogo
(jogo de regras). Esse desenvolvimento na infância se divide em três fases: a
anomia, quando as crianças não seguem regras coletivas e pouco ou nada
atentam para as relações sociais; na segunda fase, denominada heteronomia,
surge o interesse pelas atividades regradas, mas vendo as regras como
elementos sagrados, sendo que a criança tende a excluir outra que tenha
dificuldade de cumpri-la por qualquer motivo; por fim, vem a fase da autonomia,
onde as crianças seguem as regras, as respeitam, mas também é a fase onde
surgem as intervenções no que diz respeito à criação de novas regras,
estabelecendo discussões a respeito da construção das mesmas e da
possibilidade de seu cumprimento.
É nesse momento, aproximadamente a partir dos doze anos, que o
indivíduo separa a noção de justiça da noção de autoridade, definindo-se a
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essência da sua autonomia moral. Ou seja, o indivíduo nessa fase já é capaz
de julgar segundo sua própria consciência qualquer situação, sem influência
externa neste julgamento, fazendo valer seu senso e consciência moral. O
desenvolvimento da moral autônoma perpassa o equilíbrio entre a razão e o
sentimento, isso se faz necessário para a ação correta e justa diante de
situações em que a ação moral seja cobrada (LA TAILLE, 1992).
Mas para que se alcance essa autonomia moral e para que se adquira o
status de agente ou sujeito moral, necessita-se que essa conscientização
acompanhe o sujeito desde o início do seu processo educacional, não só no
espaço escolar ou em sua casa, mas integralmente em todo o seu cotidiano.
Durkheim, ainda conforme a obra de La Taille (1992), aponta o
desenvolvimento moral das crianças como de total responsabilidade dos
adultos, especialmente pais e mestres. Já na perspectiva piagetiana, o sujeito
tem participação ativa no seu próprio desenvolvimento moral e intelectual.
Com base nas idéias destes autores, podemos realizar uma análise
acerca da responsabilidade de cada um dos envolvidos no processo de
formação moral. Iniciando essa análise pelo indivíduo a ser formado,
compreendemos que a base deve ser constituída no lar e continuada na
escola, mas é indispensável a contribuição do próprio indivíduo, sem a qual
todo esforço de moralidade torna-se inútil. Sendo esse sujeito detentor do livre
arbítrio, que é característico das sociedades democráticas, tem liberdade para
realizar escolhas que poderão fazê-lo crescer e enriquecer em todos os
sentidos, inclusive moralmente. Por isso, este também se faz responsável pela
sua própria formação.
Mas a contribuição do indivíduo apresentada acima é influenciada pelas
experiências sociais desde a mais tenra infância, seja com seus pais,
responsáveis pelas informações que esses indivíduos têm acesso dentro e fora
de casa, pelos ensinamentos oportunizados e pelo controle dos seus excessos
também. Ai evidencia-se a responsabilidade dos pais.
Já a responsabilidade dos mestres, semelhante à função dos pais, pode
ser percebida através dos conceitos morais que são por eles ministrados
durante todo o processo de formação do sujeito. Estão também nas ações e
exemplos dados durante as horas diárias em que os indivíduos passam dentro
destes espaços. A escola e outras instituições de ensino, inclusive as não-
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formais, como as academias que oferecem a prática das lutas, assumem papel
importante na educação do indivíduo, pois se configuram como espaços
complementares ao lar e os grupos contidos nos mesmos, guardadas as
devidas proporções, assumem papeis semelhantes aos da família. O mestre
como exemplo e os colegas de grupo como irmãos.
Portanto, o processo de formação moral é uma cadeia que tem todos os
seus elos (Indivíduo, Mestre, Pais) como imprescindíveis para que haja a
sedimentação da moral e das escolhas felizes.
Vê-se, portanto, que o desenvolvimento moral envolve pais, mestres e o
próprio sujeito, além de outros setores da sociedade. Isto é reforçado pelas
colocações de Chauí (1993) quando afirma que as condições de vida, desde a
família até a comunidade, desde a classe social até as circunstâncias políticas,
interferem no desenvolvimento moral.
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3 JUVENTUDE COMO CATEGORIA SOCIAL E SUA RELAÇÃO COM A
MORAL
Entendemos que a juventude hoje não se coloca somente como a fase
da vida entre a infância e a idade adulta. Temos consciência que a condição
juvenil se coloca também como categoria social e se estabelece como
resultado de uma produção histórica a partir do momento que suas
intervenções refletem no presente e no futuro da sociedade.
Os jovens são objetos de estudo há algum tempo, como evidencia
Meireles Neto (2009, p.2):
Os primeiros estudos sobre os jovens ainda nos anos de 1920, abordavam os fenômenos de delinqüência e marginalidade. Portanto data de longe colocar o jovem como aspecto problemático para a ordem perpetrada pelo status quo
2. Somente após a Segunda Guerra
Mundial, é que a abordagem sociológica da juventude se detém a encarar os jovens como sinônimos de mudança social.
Visto isto, a juventude instituída como responsável em potencial numa
perspectiva de futuro, pela configuração político-social do país, é há algum
tempo, vista também como instituição rebelde e problemática, visão que
perdura até hoje.
Abramo (2004) reafirma esta idéia, quando vem dizer que essa categoria
ganha destaque e se define como problema nas sociedades ocidentais da
modernidade. A autora ainda coloca que o século XX se configura como
principal período do ganho de espaço da juventude, que se expande
socialmente, passa a ganhar diversificações, significações, formas de aparição,
referenciais e limites etários diferentes.
Mas para que se chegasse ao nível de expansão que temos hoje, a
condição juvenil sofreu diversas modificações, que na visão de Ariès, citado por
Abramo (2004), tem seu foco nas mudanças ocorridas em dois setores a partir
do século XVII até a metade do século XIX.
O primeiro seria a família, que cria uma redoma ao redor das crianças
dando a esta papel principal na formação moral das crianças. Complemento é
feito pela autora, dizendo que:
2 Status quo: estado em que se encontra. o estado atual das coisas, seja em que momento for.
17
[...] ocorre uma mudança notável, fundada em dois fenômenos centrais. Um deles é a transformação da família que juntamente com a profissão, vai crescentemente polarizando a vida social e fazendo desaparecer a antiga sociabilidade coletiva. A família no mesmo movimento se retrai para a esfera privada e torna-se elemento central
para as referencias morais [...] (ABRAMO, 2004, p.5).
Essas características diferem do que é colocado por Abramo (2004) em
relação a grupos sociais de outras épocas como na sociedade medieval, onde
não havia separação entre indivíduos pertencentes ao mundo adulto e ao
mundo infantil. Neste grupo social também não havia uma separação entre o
universo familiar e o universo da macro sociedade. Outro exemplo é o da
sociedade européia tradicional, na qual as crianças, desde cedo, vivenciavam
algumas características do universo adulto no que diz respeito às relações
sociais no trabalho e na diversão.
O segundo setor colocado por Ariès citado por Abramo (2004) seria a
escola, que a partir do século XVII, assume papel importante na educação do
indivíduo. Este passa a ter outra ocupação de tempo, agora gasto com a
preparação para a vida social posterior, sendo a escola o espaço instituído
para essa preparação.
No século XVII, a população escolar tinha sua base formada por jovens
burgueses, nobres, ficando os menos abastados em número muito inferior.
Começa-se, neste ponto, a evidenciar a divisão social de classes dentro do
espaço da educação formal.
Já no século XVIII, com a implementação do sistema duplo de ensino,
acentuou-se a divisão social entre classes. Os pobres, tendo a necessidade de
trabalhar mais cedo, abraçavam a escola (ciclo curto); já os burgueses,
dedicavam maior tempo aos estudos, já que não tinham a necessidade de
adentrar cedo ao trabalho, freqüentando os liceus (ciclo longo).
O século XIX foi marcado pela precoce inicialização do indivíduo no
mercado de trabalho, através da exploração da mão-de-obra infantil pela
indústria têxtil, demonstrando um retrocesso no que diz respeito às etapas
percorridas pelo indivíduo na sua formação.
No século XX, a categoria juvenil ganha notoriedade, sendo até
colocada como “[...] problema da sociedade moderna” (ABRAMO, 2004, p.8).
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Que fatores seriam responsáveis por tal “rebeldia”? Fatores políticos,
culturais, biológicos e de ordem psicológica se enquadram no centro dessa
discussão. Quais seriam as políticas de intervenção do Estado para resolução
de problemáticas sociais que envolvem os jovens, como formação, emprego,
entre outros?
As políticas públicas, com base nas idéias de Abad (2003), supõem
mudanças sociais, além de serem ferramentas para aplicação da democracia
por parte do governo para com a sociedade. Seriam elas então a solução para
esses problemas, se não fossem tão falhas e/ou se não houvesse uma
significativa distância entre legislação e realidade.
É notória a necessidade da implantação de políticas públicas que
tenham como foco a juventude, e se faz ainda mais importante a manutenção e
efetivação das mesmas, fato que acreditamos já ter sido entendido pela
sociedade brasileira.
Políticas públicas que tragam na sua essência o acesso às práticas
corporais de esporte e lazer, envolvendo a cultura corporal que se apresenta
nesse sentido como uma dentre tantas possibilidades para solucionar essas
problemáticas, ou pelo menos parte delas, trazendo em seus conteúdos: o
esporte, o jogo, a dança, a capoeira, a ginástica e a luta.
Podemos traçar um breve delineamento da recente história das políticas
públicas direcionadas aos jovens, mais especificamente a partir da década de
1990, através de estudos realizados por Rua citado por Sposito e Carrano
(2003, p.17) que fez a seguinte constatação:
[...] nenhuma delas estava, naquela conjuntura, contemplando ações especialmente voltadas para os jovens: no Brasil os jovens são abrangidos por políticas sociais destinadas a todas as demais faixas etárias, e tais políticas não estariam sendo orientadas pela idéia de que os jovens representariam o futuro em uma perspectiva de formação de valores e atitudes das novas gerações.
É somente a partir do início dos anos 2000, que o jovem passa a ser
foco de políticas públicas articuladas entre os setores da administração pública.
Faz-se necessário dizer que, com base nos estudos da referida autora, as
políticas públicas com foco no jovem, objetivavam educação, saúde e trabalho,
não tendo como escopo a formação e constituição de uma moral para essas
gerações. Todavia com base na discussão do capitulo anterior, sabe-se que
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esses fatores influenciam a formação moral e as opções conscientes dos
sujeitos durante sua vida.
Buscando a realidade de décadas anteriores, no que diz respeito à
relação das políticas públicas envolvendo os jovens e a identidade dessa
categoria, utilizaremos Leiro (2004), que num diálogo com algumas autoras, faz
uma comparação entre as gerações das décadas de 1960/1970 e as gerações
das décadas de 1990/início da primeira década do século XXI. Este diálogo
traz as constatações de Jane Souto citada por Fernandes (2001) que afirma
que os jovens das décadas 1960/1970 “eram movidos pelo desejo de
transformação social”, já as gerações atuais “estão indiferentes aos problemas
sociais, possuem baixo nível de associativismo e encontram-se sem
perspectivas” (LEIRO, 2004, p.61).
Entende-se que as gerações se renovam e que as dimensões sociais e
culturais influenciaram e ainda influenciam na construção histórica, dentro
dessas dimensões estão os movimentos políticos, movimentos estudantis, a
influência tecnológica e midiática, o esporte, a música, a arte, entre outros. Mas
se entende, também, que as atuais gerações precisam ser estimuladas a
buscar uma formação que contenha aspectos mais condizentes com os
estabelecidos para se viver em sociedade. Esta estimulação, deve ser
realizada por aqueles que tem responsabilidades no processo de formação
destes indivíduos, como a escola.
Mas será que a preocupação da escola em abarcar os conteúdos
sistemáticos das disciplinas ofertadas no currículo formal de ensino, não
acabaram por reduzir a dimensão que a mesma poderia alcançar nos mais
diversos âmbitos? Observação neste sentido é feita por Barrere; Martuccelli
(p.261, 2008) quando dizem que [...] a educação moral, no sentido exato do
termo, esvaziou-se de seu conteúdo, sem que as considerações éticas
saíssem fortalecidas”. Entendendo a escola como um espaço de busca de
conhecimento e de socialização da educação, percebemos a mesma também
como espaço propício ao processo de crescimento do indivíduo em diversos
âmbitos, inclusive no âmbito de sua formação moral.
Os autores acima citados entendem esta educação como função da
escola e que a mesma atravessando uma crise de autoridade, perdeu alguns
destes conceitos pelo caminho, deixando em segundo plano, por exemplo, a
20
construção da identidade moral, favorecendo o culto aos resultados e a si
mesmo por parte dos indivíduos envolvidos neste contexto.
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4 JIU-JITSU: HISTÓRIA, VALORES E RELAÇÃO COM A VIOLÊNCIA
O jiu-jitsu nasceu na Índia há cerca de 2.400 anos através dos monges
budistas, que criaram sua técnica e utilizavam-na para manter a forma do
corpo, constituindo o mesmo como habitat seguro para o espírito e tinham o
intuito de proteger-se somente com a utilização de seus próprios corpos de
maneira eficaz em suas viagens por toda a Índia. Por isso, o jiu-jitsu tem sua
base filosófica estruturada no budismo3, religião criada pelo príncipe Siddhartha
Gautama, o Buda, há cerca de 2500 anos atrás (CONFEDERAÇÃO
BRASILEIRA DE JIU-JITSU, s/d)
O jiu-jitsu, acompanhando o crescimento do Budismo para outros países
e continentes, também se expandiu criando diversas ramificações e
modificações em relação ao estilo (como o revolucionário Brasilian jiu-jitsu) e a
criação de novas modalidades provenientes dessa arte. Por isso, muitos
mestres e atletas definem o jiu-jitsu como pai de todas as lutas orientais.
Sua vinda para o Brasil se deu através do japonês Esai Maeda Koma,
em 1915, em Belém do Pará. Um ano depois Koma conheceria Gastão Gracie,
que levaria seu primogênito, Carlos Gracie, para ter aulas com o mestre
japonês. Carlos posteriormente se mudaria para o Rio de Janeiro e, depois de
passagens por algumas cidades do Brasil levando sua arte, em 1925, de volta
ao Rio de Janeiro, fundaria a academia Gracie de Jiu-jitsu. Assim nasceu a
dinastia dos Gracie dentro do jiu-jitsu mundial (CONFEDERAÇÃO
BRASILEIRA DE JIU-JITSU, s/d).
A filosofia budista se baseia em virtudes, como compreensão correta,
pensamento correto, palavra, ação, esforço, atenção, meditação e modo de
vida, além de constituir alguns comportamentos morais, a exemplo de: não
maltratar os seres vivos, não roubar, não mentir, não caluniar ou difamar e
evitar qualquer tipo de drogas ou estimulantes (DASILVA, 2010).
O jiu-jitsu constitui, também, em sua filosofia, estes preceitos, que são
transmitidos e devem ser vivenciados por aqueles que o praticam. Portanto, o
jiu-jitsu se constitui como luta eficaz do ponto de vista técnico e, também, forte
3 O Budismo consiste no ensinamento de como superar o sofrimento e atingir o nirvana (estado
total de paz e plenitude) por meio da disciplina mental e de uma forma correta de vida. Também crêem na lei do carma, segundo a qual, as ações de uma pessoa determinam sua condição na vida futura. (DASILVA, 2010).
22
filosoficamente. Vê-se, portanto, que os símbolos e valores entendidos como
adequados do ponto de vista moral na nossa sociedade e cultura compõem o
rol de ensinamentos dessa arte marcial.
Mas estaria a luta falhando em seu conceito, já que muitas pessoas
estão utilizando a eficácia de sua técnica para agredir os outros? São
recorrentes as notícias a respeito de atos de violência por parte de jovens nas
noites das grandes cidades, nos estádios de futebol e até mesmo nas escolas.
Em alguns desses casos, o agressor é supostamente identificado como lutador
de jiu-jitsu ou de qualquer outra arte marcial. Por isso, coloca-se em xeque o
caráter formador da arte marcial. Seriam os mestres e professores que não
estariam cumprindo o seu papel de educadores? São os pais que não estão
educando seus filhos? A explicação estaria na questão social e em todo
contexto que envolve a sociedade atual?
A violência urbana acompanha em ritmo equivalente o crescimento das
cidades e de suas populações. Atos de violência se multiplicam nas escolas,
faculdades, boates e nas ruas de maneira geral. Na maioria das vezes, os
jovens que estão envolvidos nessas brigas e confusões não tem motivo
aparente, caracterizando-se a violência pela violência. O uso de drogas e do
álcool poderia favorecer tais atitudes, mas no caso desses arruaceiros, a
grande motivação é realmente ver o outro machucado; é a adrenalina de uma
briga, de um embate, especialmente quando o outro não sabe se defender.
Como disse Arnaldo Jabor (2010), na edição de 22 de julho do JORNAL DA
GLOBO, trata-se de um estado de embriaguez que é anterior ao uso de
qualquer substância embriagante ou alucinógena.
Esses sujeitos, em geral, pertencem a grupos e gangues que realizam
arrastões, saqueiam e agridem as pessoas nas praias e ruas de cidades
brasileiras, além de outros que estão servindo ao tráfico de drogas.
Talvez a causa desses grupos e problemas seja de ordem maior, sendo
mais fácil investir em um sistema acusatório contra a luta e o jiu-jitsu, do que
admitir que o Brasil há muito tempo tenta, sem sucesso, administrar problemas
sociais com a educação, divisão de classes, miséria, violência, tráfico de
drogas, impunidade, entre outros.
Sobre essa discussão, Souza (2005, p.66) afirma que esses jovens:
23
[...] constituem um grupo que assume riscos, seja pela mera aventura da busca de sentido e prazer na vida, características que fazem parte de sua identidade masculina, seja porque essa é a única forma possível de sobreviver e ter algum direito ao reconhecimento e ao respeito no interior de seu grupo e ao consumo, mesmo que conseguido de modo ilegal e violento, porque as condições adversas do meio em que vivem não lhes garante tais direitos.
Muitos autores, a exemplo de Norbert Elias e Eric Dunning citados por
Decca apud Lucena (2001), acreditam que a esportivizaçao da vida moderna é
capaz de revelar os problemas sociais da contemporaneidade. É o que
acontece no Brasil, que enfrenta precarização em diversos níveis sociais.
A violência vista nas brigas de rua evidencia a falta de controle do
Estado (ou seu desinteresse) e a incompetência em punir estes indivíduos,
como identifica Viana (1999, p.02) ao afirmar que:
A violência de praticantes de artes marciais, parecem indicar que as suas atitudes violentas podem ser resultado do descrédito e da debilidade das instituições responsáveis pela coibição da violência. Devido a que, esses grupos tomam a si a responsabilidade pela solução dos conflitos.
A cultura brasileira sempre instituiu o indivíduo do sexo masculino como
figura machista. Alguns ainda acreditam que o alcance do respeito se dá
através de atos de violência, seja ela moral, física ou psicológica. Nesse caso,
faz-se importante não confundir medo com respeito e não acreditar que se
pode atingir o respeito através do medo.
Creig citado por Souza (2005, p.61) afirma que:
[...] é necessário entender o comportamento dos homens no contexto de suas vidas, focalizar o processo de socialização que produz conexões entre masculinidade e violência. Isto destaca o papel da família e da cultura na produção de homens violentos e inclui questões sobre a violência estrutural de gênero, como uma construção social que determina uma relação desigual e opressiva entre as pessoas [...].
Pode-se estabelecer relação dessa afirmação com o que foi dito no
capítulo 2: a formação moral do sujeito envolvem todas as suas relações e
experiências. Então, o contexto social é colocado como possível elemento
explicativo para os atos de violência na sociedade contemporânea.
24
Analisando a responsabilidade do mestre e do professor, entendemos
que alguns mestres e professores agem de forma irresponsável nas academias
e escolas, em se tratando do exercício da função de educar.
Entendemos também que a luta contempla o sentido de educação,
sendo que esse elemento da cultura corporal e mais propriamente o jiu-jitsu
vem sofrendo discriminação e até mesmo exclusão de alguns setores e
discussões no campo da Educação Física.
Carreiro (2005, p.247) faz algumas colocações a respeito das
características dos praticantes e da responsabilidade dos mestres e
professores:
Independente da modalidade de luta, algumas características são comuns aos praticantes, como, por exemplo, o envolvimento com a disciplina e o respeito pelo adversário. Na escola principalmente, o professor deve estar atento a estes itens, inclusive incentivando os alunos a tomarem posturas de confraternização, respeito às diferenças e ao adversário, entre outros valores.
Apesar de o professor citar como exemplo o espaço escolar, percebe-se
e entende-se que essa postura deve ser para todo e qualquer ambiente em que
as lutas estiverem sendo oportunizadas.
Com a ocidentalização e a esportivização das lutas, perderam-se alguns
conceitos pelo meio do caminho e ocorreram transformações de outros, mas é
verdade que todas as lutas surgidas no Oriente se baseiam em conceitos
religiosos, onde a técnica caminha lado a lado com a filosofia. E é certo que,
ainda hoje, alguns mestres tem como foco não só as conquistas em âmbito
esportivo, mas também a contribuição no crescimento e na formação do
indivíduo como ser humano.
A luta, no sentido amplo da palavra, é parte integrante dos conteúdos da
Educação Física e também deveria ser oportunizada aos alunos e discutida
mais amplamente nas pesquisas da área. Para que essa realidade se
modifique, faz-se importante reforçar a idéia de que a mesma não se configura
como área ou campo de grandes trabalhos e discussões dentro da Educação
Física e nem de utilização dentro das suas aulas, ficando sua prática quase
que exclusivamente restrita às academias.
O Dicionário Critico de Educação Física, lançado em 2005, utilizando
idéias de um coletivo de autores, é um exemplo da pouca atenção e
25
importância dada a esse conteúdo, só citando a luta quando aborda os PCN´s,
através da autora Suraya Darido, enquanto que os outros integrantes da cultura
corporal de movimento, como o jogo, a dança, a ginástica e a capoeira por
exemplo, têm tópicos exclusivos para sua abordagem dentro dessa obra. Daí
faz-se outra pergunta: será que o próprio campo da Educação Física, ao
desprezar a luta, não reforça uma postura preconceituosa em relação à
mesma?
Os PCN´S, que foram criados com o objetivo de dar base para a
elaboração do currículo, além de facilitar a organização do trabalho na escola,
trazem em seu conteúdo a idéia da ressignificação da cultura corporal através
da Educação Física, utilizando o jogo, a ginástica, o esporte, a dança e as lutas
para tal.
Nos PCN´S do ensino de primeira à quarta série, encontramos a
seguinte informação sobre a cultura corporal:
[...] a área de Educação Física hoje contempla múltiplos conhecimentos produzidos e usufruídos pela sociedade a respeito do corpo e do movimento. Entre eles, se consideram fundamentais as atividades culturais de movimento com finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos e emoções, e com possibilidades de promoção, recuperação e manutenção da saúde (BRASIL, 1997, p. 23).
Os PCN´S ainda sinalizam a idéia que a Educação Física pode ajudar na
discussão e resolução de grandes problemas sociais do Brasil, integrando o
cidadão aos aspectos da cultura corporal e, ao mesmo tempo, integrando-se na
discussão dos temas transversais.
A violência, por ser um problema social significativo no nosso país pode
se constituir enquanto tema de debate na escola. Visto que a juventude é a
classe mais atingida por essa problemática, isto é percebido em trabalhos de
diversos autores, destacamos a pesquisa de Souza (2005) que evidencia que
as agressões com utilização de força física nas brigas urbanas no Brasil
ocupam o terceiro lugar (14,8%) entre as principais formas de agressão que
levaram à internação. Completam a lista o uso de objetos cortantes e
penetrantes (26,4%) e as armas de fogo (33,2%) respectivamente em segundo
e primeiro lugares. Essas agressões, em sua maioria, foram sofridas por
jovens, sendo 35,2% na faixa etária dos 15 aos 24 anos e de adultos jovens
26
(37,1% na faixa dos 25 aos 39 anos). Esta informação está baseada nas
internações nas redes privadas e conveniadas ao SUS, no ano 2000,
excluindo-se atendimentos emergenciais sem internações. Essa realidade
demonstra o contínuo crescimento da violência urbana no Brasil, constatando
que os problemas com a violência indicam um quadro muito mais grave do que
somente brigas envolvendo os “pit-boys” 4 nas ruas do Brasil.
Diante disso, a luta constituída como conteúdo da Educação Física e
supostamente ligada à violência, se configura nesse contexto como grande
ferramenta para auxiliar na discussão e na tentativa de reflexão sobre esses
problemas, já que a mesma tem regulamentações que se caracterizam por
intervir diante de atitudes de violência, deslealdade e desrespeito para com
qualquer ser humano, evidenciando, então, seus benefícios psicológicos e
morais. Não se pode esquecer, no entanto, que o Brasil precisa de mudanças
estruturais para conter a violência e esse deve ser um esforço de todos os que
aqui residem e, principalmente, das esferas governamentais.
4 Jovens de classe média e alta que sem motivação aparente, começaram a depredar boates e espancar
outros jovens na noite do Rio de Janeiro (TEIXEIRA, 2007).
27
5 A MIDIA DE MASSA E OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS AO JIU-JITSU
A mídia, entendida como reunião dos meios de comunicação, se faz
responsável por noticiar, entreter e informar aqueles que dela se utilizam para
tais objetivos. Dentro desse contexto, o discurso midiático tem a intenção de
nortear os seus receptores a respeito do entendimento dos mais diversos
assuntos, como vemos nesta afirmação: “o discurso representa um caminho
simbólico que serve para guiar as visões de mundo e perspectivas de
intervenção social dos diferentes grupos alcançados pela ação enunciativa”
(SODRÉ citado por PIRES, 2002, p.35)
A confiança e fidelidade dos indivíduos à mídia são evidenciadas e
reafirmadas nas palavras de Betti citado por Leiro (2004, p.50): “Já não
abrimos a janela pra ver o que se passa, apertamos o botão da TV”. Ou seja, a
confiabilidade e a intimidade dos receptores com relação aos veículos de
informação é tão grande que estes, naturalmente, se acostumaram a ter as
lentes midiáticas como referência para recepção de informações e, a partir
destas, buscar estabelecer seus próprios conceitos.
Só precisamos tomar cuidado para não colocar os sujeitos na condição
de receptores mecânicos dessas mensagens. Belloni (2004, p.579)
complementa essa idéia, quando vem dizer que:
As formas de apropriação dessas mensagens, porém, variam muito e, muitas vezes, escapam dos objetivos de mercado, criando outros textos, inclusive de resistência e contestação (Mattelart, 1992; Lurçat, 1989; Girardello, 2000; Belloni, 1998; entre muitos outros).
É importante reforçar a idéia de que a mídia e a indústria cultural,
através de seus conteúdos e discursos, tentam exercer influência sobre os
receptores destas mídias, mas os mesmos constroem diferentes interpretações
a respeito destes conteúdos e discursos.
Temos as lutas, e mais particularmente o jiu-jitsu, como exemplo da
influência da mídia na construção e formação de opiniões ou da modificação
destas. Milhões de receptores das informações advindas dos meios de
comunicação em massa formaram ou transformaram suas opiniões em relação
28
à “arte suave” e seus praticantes a partir da veiculação de notícias
relacionando atos de violência ao jiu-jitsu e seus praticantes.
No que tange à naturalização da violência pelos jovens, através de
mensagens de violência veiculadas pela mídia, tivemos consolidada o que
Belloni (2004) coloca como “cultura jovem mundializada”. Essa cultura tem
como uma de suas características, a banalização da violência:
[...] consumismo, narcisismo, banalização da violência como imagem do mundo urbano contemporâneo, legitimação do uso de meios violentos como forma de resolver conflitos, tudo isto levando à dessensibilização dos jovens com relação a cenas de violência física e psíquica e sua conseqüência, o sofrimento do outro (contrariando assim uma das ilusões de Rousseau, que acreditava que a compaixão, o que hoje chamaríamos de solidariedade, fosse um dos
elementos constituidores da natureza humana) [...] (BELLONI, 2004, p.579).
Vê-se, nesse trecho, que a banalização e naturalização da violência,
além da tentativa de sobrepujar o outro, seja por meios físicos ou psicológicos,
configura-se como característica das gerações atuais. Por isso, hoje é visto
como normal entre muitos jovens, embates para afirmações de postos dentro
de grupos e para uma suposta afirmação desses próprios grupos dentro da
sociedade.
Temos notícias e depoimentos de pessoas que já sofreram algum tipo
de violência por parte de jovens nas noites das grandes cidades.
"Existem diversos tipos de abordagem, desde puxar o cabelo, puxar
mesmo a pessoa, ser um pouco mais agressivo", comenta Hilda Peter Silva,
estudante. (JORNAL DA GLOBO, edição de 26/03/2004).
“A confusão foi em uma casa noturna da zona sul do Rio de Janeiro. O
empresário John Reis foi roubado e agredido por um grupo de jovens de classe
média, conhecidos como pit boys.” (JORNAL DA GLOBO, edição de
18/06/2004).
"Tirar a nossa liberdade de curtir a noite por causa de 5 ou 6 marginais
eles são assaltantes eles me roubaram", diz John Reis, empresário (JORNAL
DA GLOBO, edição de 18/06/2004).
Faz-se importante trazer também, um fragmento do trabalho sobre a
temática dos “pit-boys” e sua relação com o jiu-jitsu, onde temos o depoimento
29
de uma pessoa agredida e logo em seguida o comentário do autor desse
trabalho:
Foi tudo muito rápido. Eles puxaram minha bolsa, e, quando eu me desequilibrei e caí, começaram a chutar. O alvo deles era só a cabeça. Estou com um dos braços roxo (o direito) porque tentei proteger meu rosto. Teve uma hora em que levei um chute muito forte, no lado esquerdo do rosto, e tudo escureceu. Pensei que ia morrer, e eles não paravam de bater. Foram muito cruéis, pareciam estar drogados. Eles ainda agrediram outras duas senhoras antes de ir embora” (JORNAL O GLOBO, publicado em 24/6/2007).
Sirley, diziam as manchetes, havia sido agredida por “pitboys”; na delegacia, os “pitboys” não mostravam arrependimento; o último “pitboy” que restava identificar acabara de ser detido, e assim por diante. O que nenhuma manchete esclarecia, contudo, era se os tais “pitboys” praticavam jiu-jitsu ou qualquer outra arte marcial. Na extensa cobertura jornalística que se sucedeu, a palavra “jiu-jitsu” não foi mencionada uma vez sequer. Mas as imagens dos rapazes na delegacia, veiculadas nos noticiários, não deixavam dúvidas. Nelas não se viam corpos musculosos, cabelos raspados ou orelhas deformadas, e sim biótipos magros, compleições físicas que em nada remetiam à imagem de um lutador de jiu-jitsu. Como, então, explicar o emprego do termo “pitboy” pela imprensa? A definição de “pitboy” não estaria necessariamente atrelada à prática de alguma arte marcial,
em especial o jiu-jitsu? (TEIXEIRA, 2007, p.100)
Apesar de percebermos nesse relato que a ligação direta feita entre “pit-
boys” e lutadores de jiu-jitsu não procede, na maioria das vezes essa arte teve
seus praticantes colocados como tais e, assim, esses fatos levaram parte da
mídia e também parte da população a colocar a luta, e mais propriamente o jiu-
jitsu como extremamente violento e todos aqueles que a praticam como sendo
“pit-boys”.
O termo “pit-boys” mais tarde serviria para definir os jovens de classes
média e alta que, independente de praticarem arte marcial, saem às ruas para
agredir os outros.
Anos antes das brigas e confusões ocorridas em festas e ruas das
grandes cidades do Brasil (principalmente no Rio de Janeiro) virarem foco na
mídia, o jiu-jitsu surgiu como coqueluche daqueles que buscavam a prática das
lutas.
O Brasilian jiu-jitsu, como ficou conhecido o estilo brasileiro, a partir do
Mestre Carlos Gracie e sua família, fazia sucesso em todo mundo, mas
principalmente nos EUA e Japão, com a conquista de títulos mundiais tanto no
jiu-jitsu, quanto nos eventos de MMA (Mixed Martial Arts) e ainda por ser a luta
usada pelos agentes do FBI (Federal Bureau of Investigation), que ainda são
30
treinados por membros da família Gracie. Como é evidenciado nesse
depoimento:
É inegável a importância dos Gracie nas artes marciais. Eles criaram uma técnica que ganhou espaço e respeito no mundo inteiro. É motivo de orgulho para todos nós saber que hoje existem brasileiros treinando agentes do FBI, mariners americanos e outras organizações de segurança com os conhecimentos adquiridos com os mais notáveis atletas desta família, diz Marcelo Alonso, editor da revista Tatame, que ressalta a importância dos Gracie na edição especial sobre os 14 anos do Ultimate Fighting Championship (UFC) (ALUÍSIO FREIRE, do G1, no Rio de Janeiro).
E hoje também temos um representante baiano, ministrando aulas
nos EUA, o sensei5 Edson Carvalho, que também iniciou sua vida nos tatames,
no clube da família Gracie, no Rio de Janeiro, e hoje o mesmo realiza cursos
tanto para a SWAT (Special Weapons and Tactics) quanto para a polícia de
New Jersey. (FBJJ)
O jiu-jitsu era tido pela mídia e seus seguidores como prática que além
de propiciar benefícios técnicos, psicológicos e sociais também poderiam levar
o indivíduo à longevidade, isso se a prática da atividade física fosse
acompanhada de outros hábitos saudáveis.
A família Gracie e o jiu-jitsu sempre foram considerados como exemplos
de formadores de bons atletas e de indivíduos conscientes, responsáveis e de
moral ilibada. Por ter tanto sucesso, o jiu-jitsu foi cogitado para se tornar
esporte pan-americano e também olímpico, fato que está sendo atrasado, em
parte, por conta da associação de sua imagem a agressores e confusões por
estes criadas nas boates e nas ruas das cidades brasileiras.
A partir disso, o jiu-jitsu passa a ser perseguido e taxado, por parte da
mídia, como formador de “pit-boy”, uma alusão aos cachorros da raça Pit-Bull,
conhecidos pela sua agressividade e que alguns praticantes do jiu-jitsu e de
outras lutas (assim como muitos outros cidadãos brasileiros) criam.
Não se pode negar que em algumas ocasiões o jiu-jitsu, por sua eficácia
técnica foi e ainda é utilizado para tentar sobrepujar os outros através de
agressões físicas. Mas se faz necessário dizer que a mídia se utilizou do
5 SENSEI significa vida prévia, ou aquele que veio antes. Isto significa em contexto oriental,
que se está ante uma pessoa com conhecimento avançado da arte e um nível de conhecimento humano elevado. (MASCARENHAS, 2010).
31
“boom” do termo “pit-boys” para explorar de maneira sensacionalista matérias e
reportagens sobre a violência nas ruas e mais tarde utilizar-se-ia da prisão do
atleta Ryan Gracie, por tentativa de agressão (o mesmo veio a falecer aos 33
anos de idade, no dia 15/12/2009, na cadeia, após uso de medicamentos) para
trazer essa discussão de volta à tona, mas por pouco tempo, confirmando que
essa abordagem era sensacionalista.
A violência vista anos atrás continua acontecendo, e não mais está
sendo supostamente ligada ao jiu-jitsu, visto que essa arte, atualmente, não é
produto da moda de anos atrás.
Entendendo que a formação do ser humano começa na sua base, e que
os indivíduos das gerações atuais tem desde tenra idade o contato com as
tecnologias de informação e comunicação (TIC), seria de fundamental
importância a socialização do acesso a essas tecnologias de forma igualitária,
ou seja, a partir de políticas públicas que proporcionassem esse acesso nas
instituições públicas de ensino. Pois até hoje esse acesso se dá de maneira
desigual, o que ainda propicia uma diferenciação da leitura das informações
advindas dos canais midiáticos. A apropriação do uso das TIC com cunho
educativo dentro do espaço escolar é hoje considerada de grande importância,
como visto nas idéias de Bévort e Belloni (2009, p.1084):
[...] é importante considerar esta integração, na perspectiva da mídia-educação, em suas duas dimensões inseparáveis: objeto de estudo e ferramenta pedagógica, ou seja, como educação para as mídias, com as mídias, sobre as mídias e pelas mídias. Somente assim a escola poderá cumprir sua missão de formar as novas gerações para a apropriação crítica e criativa das mídias, o que significa ensinar a aprender a ser um cidadão capaz de usar as TIC como meios de participação e expressão de suas próprias opiniões, saberes e criatividade (Belloni, 2002, 2001a e 2001b; Gonnet, 2004; Jacquinot, 2002; Bévort, 2002).
A partir do momento que ocorrer a integração entre o espaço educativo
e a utilização das mídias, as tecnologias de informação e comunicação servirão
como ferramentas e aliadas dos educadores na formação dos indivíduos.
Ainda sobre a maneira como são “lidas” as informações veiculadas
pelas mídias e o papel formativo das mesmas, temos a contribuição trazida por
Pires (2002, p.242):
[...] Sobre o possível papel formativo da mídia, há consenso de que a formação que ela pretende é, na verdade, “deformativa”, uma vez que objetiva formar o consumidor (de mídia) participativo, integrado à
32
programação, mas acima de tudo fiel ao meio e dependente dele, pois a idéia que predomina é que se o consumidor for buscar informações nas “co-irmãs” (outras mídias) pode não retornar. Assim, a concorrência no meio torna necessário tentar segurar audiência e isto, segundo os palestrantes, “deforma” o consumidor, pois lhe retira a iniciativa de ouvir outras opiniões, buscar comparações, ampliar seu entendimento sobre um tema etc. [...].
Essas idéias foram construídas coletivamente e posteriormente
sintetizadas por Pires, em Educação Física e o discurso midiático abordagem
crítico-emancipatória, a partir de palestras e debates sobre esporte, educação
física e mídia, realizados em encontro aberto a estudantes de Educação Física
e jornalismo da UFSC, além de jornalistas renomados da região e professores
da universidade.
Um dos objetivos da realização dessa obra era discutir sobre a relação
da mídia com a Educação Física e também sua ligação com o processo de
formação do profissional de educação física, onde entendemos que deve ser
preocupação da educação física e das instituições de ensino, formar
profissionais capazes de construir idéias críticas sobre o que é noticiado, e de
que forma isso se dá.
A partir da construção desta consciência crítica, se faz obrigação de
todos os profissionais, transmitir e propiciar aos alunos e cidadãos em geral, a
condição de poder construir também tal consciência, sendo esta autônoma.
Essa capacitação se faz necessária também para que esse profissional
possa defender a Educação Física quando necessário, como, por exemplo,
quando a luta, elemento da cultura corporal, sofreu ataques e acusações nos
episódios de violência dos “pit-boys”, e isso deve acontecer, também, para que
se desconstrua a idéia da ligação das lutas a essa violência.
33
6 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS
Esta pesquisa se configura como uma pesquisa qualitativa, com
fundamentação teórico-metodológica baseada na abordagem dialética. Para
Minayo (1994) a pesquisa qualitativa nas ciências sociais, se caracteriza por
analisar uma realidade de aspectos não quantificáveis, como: significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Tendo como vantagem o
aprofundamento das relações, dos processos e fenômenos.
Triviños (2007, p.151) define o método dialético como “Método capaz de
aprofundar a análise da realidade do fenômeno social, com todas as suas
contradições, dinamismo e relações”.
A investigação foi realizada como estudo de caso, que busca analisar
profundamente um único caso ou poucos casos. Este tipo de estudo foi
definido como próprio para tal pesquisa porque a coleta de dados aconteceu
numa única academia de jiu-jitsu.
Sendo as academias os locais mais utilizados para a prática do jiu-jitsu,
constitui-se como espaço para a pesquisa a academia Edson Carvalho,
localizada na rua Barão de Itapuã, no Porto da Barra, na cidade de Salvador-
BA. A academia foi criada pelo sensei Edson Carvalho e tem 20 anos de
existência.
Por ser localizada em uma região privilegiada da cidade de Salvador, no
ponto de vista econômico, tem como sua maior clientela pessoas pertencentes
às classes media e alta, ainda havendo alunos pertencentes ao projeto de
inclusão social da academia.
Foram utilizadas como técnicas de coleta de dados observações e
entrevistas, sendo estas, respectivamente, livres e semi-estruturadas. As
observações foram utilizadas como ferramenta de complemento das
entrevistas (MINAYO, 2006). Realizou-se 04 observações das aulas,
considerando o tempo para conclusão do estudo. Já as entrevistas, técnica que
é vista por Triviños (2007) como “técnica que valoriza a presença do
investigador, oferecendo perspectivas para que o entrevistado alcance a
liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação” foram
34
utilizados porque permitem levantar as opiniões, pensamentos dos sujeitos
pesquisados. A entrevista semi-estruturada caracteriza-se por permitir que o
entrevistado tenha liberdade em suas respostas, tendo o entrevistador a
vantagem de poder a partir destas respostas, suscitar novas questões que não
estavam no roteiro de entrevista. Devendo o mesmo ter cuidado para não fugir
a temática que se propõe investigar.
As entrevistas foram realizadas com um grupo composto pelo
professor/mestre da academia Edson Carvalho, dois alunos da mesma
academia, além do presidente da Federação Baiana de Jiu-jitsu (FBJJ) (sensei
Ricardo Carvalho), somando um total de quatro entrevistados, que são
chamados na análise de dados de (P1, A1, A2, Pp1).
Nessas entrevistas foram colhidos depoimentos, que foram analisados e
utilizados na formulação do conteúdo da redação final da pesquisa. Triviños
(2007) afirma ainda que, independente da técnica de coleta de dados utilizada,
para que os resultados tenham validade científica eles devem atender às
seguintes condições: coerência, consistência, originalidade e objetivação.
A análise de conteúdo foi usada como técnica de análise de dados e na
visão de Triviños (2007, p.160), ”pode servir de auxiliar para instrumento de
pesquisa de maior profundidade e complexidade, como o é, por exemplo, o
método dialético.”
A análise de conteúdo pretende realizar uma análise aprofundada do
que se foi pesquisado, buscando entender suas significações. Para Minayo
(2006) o objetivo maior da análise de conteúdo atualmente é atingir uma
vigilância crítica em relação à análise dos materiais colhidos durante todo o
processo da pesquisa.
Foi definida como modalidade de análise de conteúdo a análise
temática, que se divide operacionalmente em três etapas: Pré-Análise, que
consiste na escolha dos documentos e materiais a serem analisados,
questionando-se a respeito das relações que podem ser estabelecidas sobre
as etapas da pesquisa. A pré-análise divide-se em: leitura flutuante, que tem
como objetivo, uma maior apropriação do pesquisador sobre o conteúdo do
material colhido; constituição do corpus, que se refere ao universo estudado,
abarcando normas como a exaustividade, contemplando os aspectos vistos no
roteiro e representatividade, contendo as características de tal universo, além
35
da homogeneidade: relacionada a critérios para escolha das temáticas, e, por
fim, a pertinência: que se refere a análise de documentos que efetivamente
respondam os objetivos; formulação e reformulação de hipóteses e objetivos,
com foco na valorização da fase de exploração, podendo neste ponto,
reformular ou criar novas hipóteses e questões.
Como segunda etapa, temos a Exploração do Material: que na sua
essência busca a compreensão do texto, estabelecendo categorias através de
expressões ou palavras que servirão para organização do conteúdo colhido
nas falas.
Já na terceira etapa, encontra-se o Tratamento dos Resultados
Obtidos e Interpretação, na qual ocorre a proposição de inferências e
realização de interpretações, fazendo relação com os quadros teóricos.
(MINAYO, 2006)
36
7 APRESENTAÇAO E ANÁLISE DADOS
Este capítulo, como diz o próprio título, traz os dados coletados, a
análise de e discussão com os mesmos, entendendo que é este processo que
possibilita alcançar os objetivos desta pesquisa e responder o problema posto
inicialmente.
7.1 PANORAMA DA REALIDADE
Realizei as entrevistas e observações entre os dias 01 e 10 de julho do
presente ano. Foram realizadas quatro entrevistas, sendo duas com alunos,
que chamarei de A1 e A2, uma com o professor da Academia Edson Carvalho,
que chamarei de P1 e com o Presidente da Federação Baiana de jiu-jitsu, a
quem chamarei de Pp1.
Todas as análises se baseiam na verbalização dos entrevistados e
também nas anotações realizadas nas quatro aulas observadas. A escolha das
questões para compor as entrevistas tiveram como foco responder aos
objetivos da pesquisa, mas se fez importante também traçar um breve
delineamento histórico da implantação do jiu-jitsu na Bahia e criação da
academia Edson Carvalho.
Com base nas informações de P1, tudo começou com a vinda para o
Brasil do mestre japonês Kazuo Yoshida, que residiu por 32 anos na Bahia,
trazendo para esse estado o judô, o jiu-jitsu e o Submission6. O mestre Yoshida
foi responsável pela formação de vários faixas-preta, entre eles o pai
(Francisco de Magalhães Pinto) dos irmãos Edson e Ricardo Carvalho. P1
afirma que eles praticamente “nasceram no tatame”. Assim, deu-se a
implantação desta arte na Bahia.
Retomemos o histórico do espaço escolhido para a nossa intervenção,
Sensei Edson Carvalho, ao completar 20 anos, mudou-se para o Rio de
Janeiro, como evidencia P1: “[...] lá com o mestre Antonio Lacerda, que foi
quem deu todo o apoio a ele, ele começou não só a lutar o judô como o jiu-jitsu
6 Jiu-jitsu sem kimono.
37
também, na academia do Carlson Gracie, junto com o Castilho Medi que é do
judô também [...]”. Após sua experiência no Rio de Janeiro, onde conheceu e
treinou com o Mestre Carlson Gracie, decidiu implantar o sistema de
treinamento da família Gracie (Brasilian Jiu-jitsu) em Salvador, fundando a
academia Edson Carvalho. A já citada academia tem cerca de 20 anos de
fundação e hoje divide o mesmo prédio com a sede da Federação Baiana de
Jiu-jitsu.
O motivo da escolha dessa academia, dentro da enorme gama de
academias na cidade de Salvador, deu-se por esta ter renome nos cenários
estadual, nacional e também internacional, e por ser reconhecida pelo seu
caráter formador.
O “team” Edson Carvalho hoje está espalhado por 17 países entre
América e Europa. O sensei Edson Carvalho, hoje, reside nos Estados Unidos,
onde ministra aulas para o público de maneira geral, além de agentes da
SWAT (Special Weapons and Tactics) e da polícia de New Jersey.
7.2 AS ENTREVISTAS
Para análise das entrevistas, foram construídos os quadros que seguem,
a partir dos quais se faz a analise e discussão conforme os objetivos desta
pesquisa. Em momentos diferentes, analisamos cada entrevista e suas
relações.
38
QUADRO I – ENTREVISTA COM O MESTRE/PROFESSOR
Identifica-se na fala de P1 que as artes marciais se diferenciam somente
pela sua técnica e formas de treinamento. Já com o foco voltado para o
aspecto filosófico do jiu-jitsu e de sua influência na formação moral do jovem,
destacaram-se com cinco ocorrências cada, a potencialização da
educação/disciplina do indivíduo e também a construção de indivíduo
equilibrado, como afirma P1:
[...] a filosofia das artes marciais é igual, tornar o ser humano praticante, uma pessoa equilibrada para o convívio na sociedade para que ele possa acrescentar a sociedade bons valores, então essa é a filosofia das artes marciais de um modo geral.
CATEGORIA OCORRÊNCIAS FREQUENCIA EM NÚMEROS
MOTIVOS PARA A INSERÇÃO/PERMANÊNCIA NA ARTE MARCIAL (JIU-JITSU)
Influência familiar 1
Benefícios físicos 5
Perspectiva esportiva 1
Benefícios Psicológicos 5
IMPLICAÇÕES DA FILOSOFIA DO JIU-JITSU NA FORMAÇAO MORAL (IMPORTÂNCIA)
Vida saudável, através de hábitos saudáveis
4
Construção de indivíduo equilibrado
5
Potencialização da educação/disciplina do indivíduo
5
FUNÇÃO SOCIAL DO JIU-JITSU
Inclusão Social 3
Auxilio para melhor convívio em sociedade
5
SUPOSTA LIGAÇAO ENTRE JIU-JITSU E VIOLÊNCIA
Desequilíbrio/despreparo dos praticantes
4
Influência midiática 2
Influência de maus professores
4
RESPONSABILIDADE DO PROFESSOR
Com o que se diz/como se diz
5
Com o que faz/como se faz
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39
Tendo as artes marciais a mesma filosofia, têm seu foco na formação de
um ser humano equilibrado capaz de viver em sociedade, respeitando todos
aqueles com quem convive. A conquista do equilíbrio por parte do indivíduo
praticante do Jiu-jitsu e o conseqüente respeito para com os outros está
explícito nos dogmas da filosofia budista, como visto no capítulo sobre a
história e os valores desta arte.
O jiu-jitsu constitui, também, em sua filosofia, tais preceitos, que são
transmitidos e devem ser vivenciados por aqueles que o praticam. Portanto, o
jiu-jitsu se estabelece como luta eficaz do ponto de vista técnico e, também,
forte filosoficamente. Vê-se, portanto, que os símbolos e valores entendidos
como adequados do ponto de vista moral na nossa sociedade e cultura
compõem o rol de ensinamentos dessa arte marcial.
Podemos dizer que a luta é entendida como instrumento de inclusão
social, além de ser colocada junto com o esporte como (re) modeladora de
personalidades, temperamentos e vidas, tendo como aspectos consideráveis
nessa renovação, posturas e pensamentos diferentes, como nos traz P1:
Eles mudam a vida da maioria das pessoas, não só no sentido financeiro, como no sentido também da maturidade, porque ele passa a ter um conceito de vida diferente, ele passa a pensar de uma maneira organizada, ele pensa em ter uma vida saudável, longe de drogas, longe de tudo que é errado, longe de tudo que leva o ser humano ao fracasso, então o esporte e a luta buscam isso e dão força pra esse trabalho do corpo saudável, uma mente inteligente e um espírito forte.
Nesse ponto, relacionando às implicações da filosofia do jiu-jitsu, a vida
saudável, através de hábitos saudáveis, que teve quatro aparições dentro da
fala de P1, remete também à filosofia budista no que diz respeito aos meios
para se evoluir, como o modo de vida correto, comportamento correto, o não
uso de drogas e estimulantes, que se enquadram no que diz P1 em sua fala.
Cabe aqui, reforçar a idéia de que esse processo é continuo e
permanente, ou seja, deve ser mantido até o fim da vida do indivíduo. Podemos
neste instante como complemento desta contribuição, resgatar a idéia de Chauí
(1993) que coloca todos os setores da sociedade como influenciadores da
formação moral do indivíduo, sendo que esta não cessa enquanto o indivíduo
permanece em vida.
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Sobre a categoria da responsabilidade do professor na função de
educar, seguindo a filosofia da luta, afirma P1:
[...] as atitudes dele são observadas, até a maneira de agir, de falar, tudo é observado, ele realmente tem que gostar e fazer aquilo por amor. Muitas vezes o aluno respeita até mais o professor do que os próprios pais, porque tem ele como um ídolo, como um orientador, portanto é uma responsabilidade muito grande, não só social como espiritual também.
Nesta mesma fala de P1, encontramos ocorrências tanto em relação à
responsabilidade do professor com o que se diz/como se diz, que ainda
ocorreria em 4 situações, quanto em relação a responsabilidade com o que
faz/como se faz, que viria a ser citada outras 9 vezes.
Aparece, nessa fala, a perspectiva de que a formação moral do sujeito
acontece, também, com base nos exemplos que as pessoas experientes lhe
dão no decorrer da vida. Assim, os sujeitos mais significativos na formação de
alguém devem ser coerentes entre o que dizem e o que fazem.
É destacado por P1 que, muitas vezes, orientações ou atitudes
destoantes da filosofia daquela arte, poderão ser seguidas pelos alunos. Para
P1, o professor poderá sofrer uma “carga espiritual” por conta de possíveis
atitudes dos alunos que acarretem problemas aos mesmos. Segundo a fala de
P1 “ser professor significa ter atitudes... Não digo perfeitas, porém, as mais
corretas possíveis.”
Mesmo entendendo que os mestres têm grande responsabilidade na
formação moral do indivíduo, a fala anterior de P1 nos remete as colocações
de La Taille (1992) baseada nas idéias de Piaget e Durkheim, que entendem
que a moral é instituída dentro da sociedade, ou seja, é fator social.
O papel do jiu-jitsu e sua influência na construção da moral do indivíduo
são reiterados nesta fala de P1: “[...] o objetivo é educar, é preparar pessoas
boas [...]” Observa-se, também, que, no entanto, em todos os setores da
sociedade existem pessoas que destoam daquilo considerado socialmente
correto e que a realidade mais ampla também influencia a formação dos
sujeitos. Isso é identificado por P1 quando diz que:
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A gente não pode esconder a realidade que tem nesse mundo, mas isso acontece em todos os ramos da sociedade, não é o esporte que faz isso, ou arte marcial que faz, pelo contrario é individuo despreparado que chega a fazer uma bobagem [...]
Fazendo um diálogo com as idéias de Teixeira (2007, p.105), que diz o
seguinte:
[...] um adolescente pode aprender jiu-jitsu para bater nos outros em festas e boates, ou para evoluir tecnicamente até graduar-se faixa-preta, ou ainda migrar para o MMA e viver de competições, ou, quem sabe, apenas para fazer um exercício que lhe dê um bom talho ao corpo.
É possível também que o indivíduo sofra influências do meio em que
vive, tendo seus caminhos e anseios de futuro baseados no que ele tem como
realidade em seu cotidiano.
P1fala sobre a realidade de alguns alunos pertencentes ao trabalho de
inclusão social realizado pela academia Edson Carvalho, que leva às artes
marciais crianças e jovens carentes. Na fala dele P1 percebemos a função
social do jiu-jitsu na inclusão social e, também, no auxílio ao indivíduo para o
convívio em sociedade:
Posso aqui citar casos pra você, do trabalho social que nós fazemos em que a criança entra pra praticar o esporte e a gente pergunta assim: o que é que você quer ser? Ele responde: Ah! Eu vou ser bandido quando eu crescer. Então, você investe nessa criança e dali a um mês, quando você pergunta de novo, ele responde: eu quero ser professor, eu quero ser alguém na vida.
Reitera-se, também, nesse ponto, a importância do mestre/professor em
agir com responsabilidade frente a esses indivíduos, tendo uma atenção
especial para com os alunos diante da realidade que os mesmos vivem.
Não se pode, todavia, reproduzir o discurso que coloca as práticas
corporais, em geral, o esporte, como solução para problemas sociais que são
gerados nas bases que formam a organização de nossa sociedade. O que se
pode considerar, a partir dessa fala de P1, é que o contato com o jiu-jitsu pode
se constituir como elemento significativo na formação moral por conta das
questões filosóficas e religiosas que o acompanham.
Sobre a categoria que trata da suposta relação jiu-jitsu com a violência,
houve por duas vezes ocorrência da temática “influência midiática”. Vista na
fala de P1, quando diz que: “[...] e isso também é influenciado pela mídia.
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Dentro desta existem pessoas que, às vezes, sabem que você faz 100 coisas
boas, mas não são divulgadas. E, às vezes, uma coisa ruim é divulgada,
porque talvez dê audiência e venda esse tipo de imagem”.
P1 atenta para a participação da mídia, no sentido de que alguns dos
seus setores, em algumas oportunidades, preferem mostrar infelizes
acontecimentos a mostrar outros tantos de relevância positiva inegável. Para
ele, esse tipo de imagem teria um retorno de audiência e, conseqüentemente,
um retorno financeiro para aquele veículo.
Até no modo de veiculação dessas matérias jornalísticas, identifica-se
certo tom de espetacularização. Essa dimensão da violência dentro da mídia é
entendida como “dimensão estética” por Belloni (2004, p.579), em relação a
qual a autora afirma que:
[...] utilizando efeitos de imagem e som padronizados, tende a criar, em escala planetária, não só um conjunto mínimo de símbolos e valores comuns no imaginário dos jovens, como a influenciar seu gosto, seus padrões estéticos, o que corresponde a uma padronização globalizada dos diferentes gêneros televisuais e cinematográfico [...]
Essa citação mostra as estratégias para espetacularizar um fenômeno e
naturalizar a violência.
Apesar de Belloni ter como referência maior as produções televisivas e
cinematográficas, identificamos na sociedade contemporânea uma mistura do
que é real e do que é falso, pois vemos comumente, em nossa realidade social,
fatos ligados à violência, que só imaginaríamos ver em produções
cinematográficas.
Mas mesmo P1 entendendo que a mídia tem sua participação na
suposta relação jiu-jitsu e violência, ela foi colocada em segundo plano por P1,
evidenciando que a maior responsabilidade é dos praticantes e dos mestres
por essas ligações. P1 diz: “[...] é como eu te falei, o professor é o espelho para
o aluno, todo meio social, seja no esporte, seja no direito, na medicina, na
política, na engenharia, em todos os setores, tem alguma „ovelha negra‟ que
faz alguma coisa negativa.” afirmando que quando realmente existe relação
entre o jiu-jitsu e a violência, os grandes responsáveis são os próprios
praticantes e alguns maus professores. Praticantes despreparados e maus
professores apareceram em mesmo número (4), configurando-se como as
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principais ocorrências na categoria que trata da suposta ligação jiu-jitsu e
violência.
Relembrando Teixeira (2007) o jiu-jitsu e qualquer outra arte marcial
conferem poder físico aos seus praticantes de maneira orientada, a partir disto,
quem decidirá o modo como ela vai ser utilizada é o próprio praticante.
Todavia, não se pode deixar de reconhecer que tais escolhas estão
encharcadas das aprendizagens nas múltiplas experiências sociais para que o
sujeito não passe a ser responsabilizado, numa perspectiva individualista, por
todas as suas ações.
O jiu-jitsu ou qualquer outra arte marcial possui diversos fatores positivos
para a inserção e permanência do indivíduo na sua prática. Como coloca P1:
[...] porque a luta serve para a criança como forma educacional, como disciplina, ajuda na coordenação motora, serve para os jovens como orientação contra coisas negativas, serve para quem quer competir, serve para as pessoas de mais idade que querem fazer uma reabilitação, um trabalho de energia, um trabalho anti-estresse, como instrumento de alongamento, enfim, é benéfico para qualquer pessoa, isso que é importante, com cuidado evidentemente pra evitar lesões, evitar problemas, isso também vai do orientador.
.
Nesta última fala de P1 encontramos os diversos benefícios que as artes
marciais podem trazer para indivíduo, as temáticas: benefícios físicos e
benefícios psicológicos tiveram a mesma freqüência em números, com cinco
ocorrências cada.
Mas com tantos fatores positivos, porque ainda existem indivíduos que
as utilizam para fins negativos? Utilizando novamente as idéias de Chauí
(1993), o indivíduo seja em qualquer época, escolhe por vontade própria dividir
o espaço em que vive com o resto da sociedade e é esta que determina quais
valores e atitudes serão exaltadas ou reprimidas e também de que forma
serão.
Hoje, devido aos notórios avanços da sociedade em todos os campos,
inclusive no que se refere à noção de justiça, os atos de violência, seja ela de
qualquer tipo, não deveriam ser admitidos, mas ainda encontramos muita
debilidade e impunidade na nossa justiça.
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QUADRO II – ENTREVISTA COM PRESIDENTE DA FBJJ
Pp1, falando sobre a fundação da FBJJ, explica que a partir da
necessidade de se dar um caráter organizacional instituído aos campeonatos
realizados entre as academias surgiu a idéia de se criar uma instituição que
organizasse a situação dos clubes e atletas de jiu-jitsu da Bahia, como diz Pp1:
[...] sentimos a necessidade de criar uma entidade organizada que fomentaria e organizaria os clubes filiados e, no ano de 1997, o sensei Edson Carvalho fundou a Federação Baiana de jiu-jitsu e, como presidente, iniciou o trabalho.
Vê-se, nesta fala, que a FBJJ tem sua criação vinculada a um processo
de esportivizaçao da luta. O que se espera é que esse processo não leve ao
abandono dos valores que sustentam o jiu-jitsu enquanto “arte-suave” e, sim,
possibilite sua disseminação.
Abordagem a respeito dessa discussão é realizada por Carreiro (2005,
p.245): “Com seu desenvolvimento, a técnica superou a filosofia, surgindo a
necessidade, moderna, de se montar as federações, as confederações,
agregando um status de esporte às artes marciais”. Mesmo identificando a
necessidade institucional, faz-se importante salientar aqui, mais uma vez, que
existem artes marciais, mestres e academias que ainda conseguem manter em
comunhão uma proposta filosófica e esportiva. As colocações de Pp1
CATEGORIA
OCORRÊNCIAS FREQUENCIA EM NÚMEROS
NECESSIDADE DE INSTITUIÇAO ORGANIZADA
Eventos Organizados 4
Filiação de Clubes/atletas 4
Fomento a luta e filosofia 4
Apoio de instituições governamentais
1
RESPONSABILIDADE DA FEDERAÇAO
Registro dos professores/alunos
2
Reuniões didáticas 1
Interventora social 2
SUPOSTA RELAÇAO ENTRE JIU-JITSU E VIOLENCIA
Imposição Midiática 2
Indivíduos despreparados 2
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confirmam a perspectiva de que o surgimento dessa instituição deu-se, não só
pela necessidade organizacional. Ele diz que “O campeonato não é fator
principal do esporte, mas é uma maneira de divulgar, de se fomentar de
maneira saudável a luta, porque existem regras, existe disciplina [...]”.
Percebeu-se na categoria reservada à “necessidade de instituição
organizada” um mesmo número de ocorrências (4) para: eventos organizados,
filiação de atletas e clubes e, também, para fomento da luta e da filosofia,
ficando o apoio das instituições governamentais em segundo plano, com
apenas uma ocorrência.
A necessidade do fomento da “arte suave”, do esporte, além das regras
e disciplina colocadas e incentivadas pelo jiu-jitsu e pela própria FBJJ, confirma
o apego aos conceitos filosóficos por parte dessa instituição. Sua proposta
também é demonstrada na fala de Pp1 sobre o lema da federação “jiu-jitsu
contra as drogas” que nos remete a um dos comportamentos indicados pelo
budismo, base filosófica do jiu-jitsu, que proíbe o uso de drogas e
alucinógenos. A seguinte fala de Pp1 nos permite evidenciar o caráter de
interventora social por parte da federação, que por duas vezes foi citada na
categoria que se refere à responsabilidade da federação, isto desde sua
fundação “Em 1997, sensei Edson fundou a Federação Baiana de Jiu-jitsu com
o lema “Jiu-Jitsu contra as drogas”, pra mostrar que o trabalho tem cunho
social [...]”, confirmando a responsabilidade social e preocupação com os
jovens praticantes para além do aprendizado das técnicas.
Pp1, quando perguntado sobre a responsabilidade da federação
enquanto a fiscalização das academias e professores filiados informou que:
Estamos sempre preocupados, filiando os praticantes e professores e cada vez mais fomentando de maneira correta, realizando reuniões para discussões didáticas com os professores e, na perspectiva do esporte, realizando preparação para arbitragem nos eventos.
Ocorrências envolvendo registro dos professores, alunos e a federação
como interventora social foram citadas duas vezes, enquanto que as reuniões
didáticas foram apenas uma vez citadas.
Pp1 afirma que o Brasil, hoje, se configura como o principal
representante dessa luta. Mas outros países e continentes vêm crescendo
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também devido ao êxodo de brasileiros, que viajam para dar aulas fora do
Brasil, inclusive na Arábia. Segundo Pp1 “[...] o sheik está “bancando” o
professor de jiu-jitsu, ele colocou como matéria obrigatória nas escolas”. A
Bahia se encontra entre os estados de melhor desempenho em competições
nacionais e é exportadora de grandes nomes como Minotauro e o sensei
Edson Carvalho.
A experiência de obrigatoriedade do jiu-jitsu em escolas pelo mundo
afora mostra que há crença no seu potencial formativo e permite mais uma vez,
questionar a Educação Física brasileira pelo abandono de tal temática.
Já as entrevistas com os alunos estão organizadas no Quadro III, que
segue.
QUADRO III – ENTREVISTA COM ALUNOS DA ACADEMIA PESQUISADA
O primeiro questionamento feito aos alunos da academia Edson
Carvalho, foi a respeito dos motivos para inserção e permanência no jiu-jitsu,
sendo evidenciada a diferença entre os principais motivos que os levaram a
esta arte. A1 colocou como fator principal para sua inserção no jiu-jitsu o
incentivo e influência de familiares, apenas citada nessa ocasião. “Eu venho de
CATEGORIA OCORRÊNCIAS FREQUENCIA EM NÚMEROS
MOTIVOS PARA A INSERÇÃO/PERMANÊNCIA NA ARTE MARCIAL (JIU-JITSU)
Influência familiar 1
Busca de benefícios físicos 3
Perspectiva esportiva 1
Benefícios Psicológicos 5
IMPLICAÇÕES DA FILOSOFIA DO JIU-JITSU NA FORMAÇAO MORAL (IMPORTÂNCIA)
Vida saudável, através de hábitos saudáveis
2
Construção de indivíduo equilibrado
3
Potencialização da educação/disciplina do indivíduo
2
SUPOSTA LIGAÇAO JIU-JITSU E VIOLÊNCIA
Indivíduos despreparados 2
Imposição midiática 2
Influência de maus professores
2
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uma família de atletas, meu pai sempre nos incentivou a treinar desde criança
[...]”.
Já A2 iniciou no jiu-jitsu por recomendação médica, que se enquadraria
nas ocorrências relacionadas aos benefícios físicos, citados por três vezes.
Hoje, jovem, A2 afirma que amenizou seus problemas médicos e de
temperamento devido a problemas físicos que acarretavam problemas
psicológicos, que se enquadrariam nas ocorrências de benefícios psicológicos.
Conforme fala de A2:
Iniciei no jiu-jitsu por recomendações médicas, tinha dez anos, era bem fraquinho, tinha problemas respiratórios, era muito nervoso e esses problemas respiratórios não me permitiam dormir direito, então o medico identificou que o meu nervosismo era por conta das minhas noites mau dormidas. Hoje tenho 21 anos e onze de jiu-jitsu, meus problemas respiratórios foram bastante amenizados e o nervosismo nem se fala.
Na entrevista realizada com P1, este nos traz os benefícios do jiu-jitsu.
A2 confirma estes benefícios na fala acima e ainda salienta a preocupação dos
professores em instruí-los sobre o respeito às outras pessoas em qualquer
espaço e o equilíbrio frente a qualquer situação.
[...] os professores têm uma grande preocupação em demonstrar para nós que devemos ter respeito pelos outros, adversários ou não. E também nos mantermos equilibrados quando esse equilíbrio for necessário, tanto dentro quanto fora da academia.
Já podemos, a partir da resposta de A2, perceber a presença da
ocorrência da construção de indivíduo equilibrado que por três vezes foi citada.
A1 também confirma essa tendência definindo o “autocontrole” e o “melhor
convívio em sociedade” como principais influências da filosofia do jiu-jitsu em
sua vida. A potencialização da educação e da disciplina teve duas aparições na
categoria referente às implicações da filosofia do jiu-jitsu na formação moral.
O autocontrole, a melhora no nível de convivência em sociedade, além
do alívio das tensões trazidas do cotidiano são aspectos colocados como
objetivos do jiu-jitsu nos nossos estudos teóricos e aparecem nas falas de
todos os entrevistados, o que evidencia mais uma vez a relação estreita entre
educação e jiu-jitsu.
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Colaboração a esse respeito é trazida por Teixeira (2007, p.105):
O uso da violência é estritamente controlado: pode-se encaixar uma chave de braço ou um estrangulamento em seu adversário, mas se ele sinalizar a desistência, você é obrigado a afrouxar o golpe imediatamente, e então a luta recomeça.
O autor se refere apenas ao comportamento e a uma situação específica
dentro do treino ou da competição, mas é dever do professor fazer relação com
qualquer outra situação fora da academia, no que se refere ao respeito aos
outros e ao que para nós, no convívio social, não seja adequado.
A1, quando questionado sobre a suposta ligação do jiu-jitsu a atos de
violência, responde da seguinte maneira:
Os “pit-boys” na verdade são grupos de covardes, que preferem agredir as pessoas nas ruas. Até aconselho a eles que venham até uma academia, que tentem participar de uma coisa organizada, soltar sua raiva, suas tensões aqui, mas acho que eles não viriam, pois não conseguiriam se adequar a disciplina que temos aqui.
A1 atenta para o perfil disciplinador da academia e das artes marciais,
evidenciado nas idéias de Carreiro (2005), quando este se refere ao aspecto
atitudinal do professor que deve incentivar o respeito e a disciplina interna.
Em relação ao papel da mídia nessa suposta ligação do jiu-jitsu à
violência, houve um tríplice empate entre as ocorrências no que se refere ao
seu número. A1 acredita que o preconceito contra o jiu-jitsu por conta dessa
suposta ligação a atos de violência vem diminuindo e que a mídia tem
importante papel na divulgação da luta e de seus atletas, ”[...] prefiro esquecer
os comentários ruins que ela impôs. Vejo o lado bom, o lado da divulgação da
luta e de seus atletas. Por isso, as pessoas estão voltando a procurar as
academias de jiu-jitsu para praticá-la.”
Já A2 entende que não se pode colocar a culpa na arte marcial e em
seus praticantes, quando diz:
[...] Acho que qualquer tipo de generalização é errado e nem nós que praticamos com respeito à arte e nem o jiu-jitsu podemos “pagar o pato” por causa desses caras. E acho que a mídia influenciou muito nessa concepção que as pessoas têm a respeito do jiu-jitsu.
49
Neste momento foi questionado a A2 qual seria a concepção dessas
pessoas. A2 responde:
Ah! Que o jiu-jitsu é o maior responsável pelos atos dos “pit-boys”, que na verdade é mentira, tem alguns praticantes despreparados e outros professores que são mais despreparados ainda, mas a maioria dos mestres tem um grande caráter e responsabilidade. Mas acredito que desses atos aí, a minoria era de atletas de qualquer arte marcial.
A2 nesta fala coloca em parte a culpa em alguns indivíduos que não
seguem corretamente as fundamentações filosóficas das artes marciais, sejam
eles professores e alunos, como evidenciou P1, ou somente de alunos, como já
foi visto nas falas de Pp1.
Mesmo correndo o risco de ser redundante, é importante lembrar, a
partir das idéias de Belloni (2004), que existem diferentes formas de
apropriação das mensagens midiáticas e isso se comprovou nas colocações
dos alunos da academia Edson Carvalho, sobre a participação da mídia nos
casos de violência.
Podemos relembrar, também, a reflexão sobre a desigualdade no
processo de educação das pessoas de diferentes níveis sociais e culturais e
estabelecer nova consideração com a ajuda de Bévort e Belloni (2009, p.1094)
quando afirmam que:
[...] as mídias de massa, baseadas na publicidade comercial, precisam de audiências desavisadas, distraídas, embevecidas pelas aventuras dos heróis das ficções ou embaladas por informações fragmentadas, prontas a aceitar sem pensar os argumentos de mensagens publicitárias animadas, coloridas, envolventes.
Com base nestas idéias, percebemos que a mídia, grande ferramenta de
mediação da cultura e da socialização, não apóia iniciativas de
desenvolvimento do senso crítico a respeito da mesma por parte dos
indivíduos, tendo a intencionalidade de continuar influenciando-os com o seu
discurso sensacionalista.
7.3 AS OBSERVAÇÕES
Foram realizadas observações de quatro aulas na academia EDSON
CARVALHO, todas essas aulas tinham alunos pertencentes ao grupo de foco
da nossa pesquisa.
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Na primeira aula observada, identificamos a primeira demonstração no
que diz respeito à disciplina e à influência da filosofia, na fala de um dos alunos
quando repreende outro aluno por adentrar o tatame calçado, “Olha o respeito
ao ambiente rapaz!”, e o outro de imediato retorna a entrada do tatame e deixa
as sandálias.
Mesmo sendo esse comentário realizado com certa ironia, percebe-se
que aquele espaço é visto como sagrado, e isto é demonstrado através do
cuidado com a manutenção da limpeza e harmonia do ambiente da prática do
jiu-jitsu, como são também os templos budistas espalhados pelo mundo.
Ainda nessa primeira aula, percebemos a atenção dada a cada aluno, do
inicio ao fim da aula, desde o alongamento, passando pelo aquecimento e no
treinamento técnico em si. Essa preocupação do mestre com seus alunos ficou
evidenciada quando um aluno mais experiente realizava treino técnico com um
outro menos experiente, o primeiro, ao “encaixar” um golpe, ouve do mestre a
seguinte frase: “Não usa força demais porque ele ainda não sabe se defender”.
Essa preocupação com o bem-estar dos alunos foi notada através da
verbalização e também da gestualização realizada pelos professores para com
todos os alunos, mas principalmente com os menos experientes. Como indica
Carreiro (2005, p.250):
Na dimensão atitudinal, ligada a valores, espera-se que haja uma intervenção ativa dos professores no sentido de ressignificar o papel das lutas no contexto educacional, valorizando atitudes de não-violência, respeito aos companheiros, resolução dos problemas através do diálogo, a busca da justiça e da solidariedade.
Mesmo esse aluno menos experiente, já conhecendo o sinal que indica
a desistência. Coube neste ponto a atenção e sensibilidade do professor no
sentido de perceber o momento de intervir.
O diálogo e a argumentação sempre são utilizados como instrumentos
didáticos pelo professor para atingir o objetivo pretendido. O que sugere
também implicações na formação moral deste indivíduo, como a
potencialização da disciplina e educação por parte dos mesmos.
Na segunda aula observada, observou-se a presença em maior número
dos alunos mais experientes, foi notada a participação ativa do mestre, tanto do
ponto de vista da atenção, quanto do ponto de vista das intervenções, quando
51
percebiam excesso por parte de algum aluno. Os excessos no sentido da
utilização de uma força maior na aplicação dos golpes eram entendidos, pois
se tratava de um treino de alto rendimento, mas eram também devidamente
controlados.
Todos os alunos se enquadravam no grupo considerado foco da
pesquisa. Percebemos que quanto mais experientes os alunos, maior o
respeito destes pelo mestre, que sempre é chamado de sensei e
cumprimentado com a saudação característica das artes marciais orientais o
Oss7, complementado com o cumprimento com as mãos espalmadas e
inclinação do corpo para frente. Isso foi evidenciado nas falas e gestualizações
dos alunos ao chegar e sair da aula.
A disciplina e o respeito praticados dentro das aulas nas academias de
lutas muitas vezes superam a ocorrência destes na escola. Esta última,
baseando-nos nas idéias de Abramo (2004), a partir do século XVII se torna o
espaço instituído como principal auxiliar na formação do indivíduo, juntamente
com a instituição familiar.
Neste sentido a academia se configura como espaço colaborador na
formação do indivíduo, sendo que a influência exercida por este espaço está
relacionada ao professor e também ao meio social que o indivíduo está
incluído. Relembrando as idéias de Chauí (1993) a moral é instituída pela
sociedade a qual o indivíduo pertence, devendo este respeitar o sistema que
regula essa sociedade.
Portanto é condição fundamental para a influência positiva na formação
do aluno em espaço formal ou não, a idoneidade, o caráter e profissionalismo
do professor e do espaço.
Já na terceira aula, fato interessante foi notado, quando o mestre
concentrou-se em um grupo de alunos que realizavam treinamento específico,
e concedeu a um aluno graduado a responsabilidade da observação e
intervenção no treinamento de dois alunos menos experientes na arte do jiu-
jitsu, através desta fala: “[...] assume o controle aqui e fica atento ao treino
deles”. Foi percebido nesta situação, que o aluno responsável pelo treino dos
alunos menos experientes segue a mesma linha do mestre, demonstrando que
7 A palavra OSS implica em pressionar a si mesmo ao limite de sua capacidade e suportar.
(MASCARENHAS, 2010).
52
a atenção e responsabilidade foram naturalmente internalizadas pelos alunos
graduados e também são naturalmente externadas pelos mesmos, que
demonstram consciência e cuidado com os menos experientes.
A cultura corporal através da luta aparece também como auxiliar no
estabelecimento de papel social do indivíduo, que naquele momento entende a
si próprio como elemento importante para o desenvolvimento do outro. O
mestre neste sentido, mesmo não estando num espaço formal de ensino, como
é a escola, realiza ação pedagógica utilizando-se da cultura corporal através da
participação, da cooperação e do diálogo, como indica os Pcn‟s (BRASIL,
1998).
Já na quarta aula observada, havia quatro alunos realizando
treinamento, sendo que um deles era americano, e boa parte das verbalizações
da aula foram feitas na língua inglesa, apenas um destes alunos foi
considerado como pertencente ao grupo foco desta pesquisa. O que nos
permitiu fazer observações sob outro prisma, estabelecendo o foco do nosso
olhar sobre a relação entre o jovem praticante e alunos de idade mais
avançada.
Percebeu-se o cuidado e envolvimento entre eles, que era demonstrado
através de um misto de descontração, respeito e disciplina, como numa relação
familiar entre pai, filho e irmãos. Evidenciado quando um dos alunos com mais
idade, diz: “Vai devagar comigo menino, que tenho idade para ser seu pai”. E é
prontamente atendido pelo aluno mais novo que em respeito mantém um ritmo
menos intenso durante a prática.
O incentivo dessa conscientização dentro do espaço da academia é
dever e responsabilidade do mestre, oferecendo aos seus alunos a
possibilidade de uma formação em alto nível, para isso, as atitudes e falas do
professor devem ser condizentes com a filosofia da arte que este se propõe a
ensinar. Para Mascarenhas (2010) “Sensei não significa somente professor de
arte marcial, mas também pessoa culta, educada e de conduta irrepreensível”.
Ou seja, deve o mestre ter como princípio seu crescimento cultural, também da
sua educação e principalmente, ter responsabilidade com a manutenção de
uma linha de conduta ilibada, aparecendo como exemplo para seus alunos.
53
8 CONSIDERAÇÔES FINAIS
Esta pesquisa teve a intencionalidade de identificar as implicações da
filosofia do jiu-jitsu na formação moral dos jovens. Além de analisar os valores
filosóficos e morais do jiu-jitsu, discutir o conceito de luta, examinar a suposta
violência ligada a esta luta, verificar a participação da mídia nos sentidos
atribuídos às artes marciais em geral e ao jiu-jitsu, em particular.
Sobre as implicações da filosofia do jiu-jitsu na formação moral dos
jovens, concluímos que as mesmas são efetivas, levando aos praticantes
benefícios como a construção de indivíduo equilibrado, potencialização da
educação e da disciplina do indivíduo, além da consciência de se adquirir
hábitos saudáveis para uma conseqüente vida saudável.
Verificou-se em relação aos valores filosóficos do jiu-jitsu, que mesmo
com a ocidentalização e esportivização dessa arte, os seus valores filosóficos
ainda estão presentes em alguns espaços em que o jiu-jitsu é ofertado, sendo
trabalhados lado a lado com a sua técnica.
No que diz respeito à luta e a sua suposta ligação com a violência,
percebemos que muitos dos casos de violência supostamente ligados ao jiu-
jitsu não procediam e que essa arte tem regulamentações que limitam o uso de
sua força, não permitindo aos praticantes excessos que venham a causar
danos físicos aos outros dentro da academia, e atitudes covardes fora dela.
Identificamos, também, a necessidade de um maior espaço reservado às
lutas do que se tem hoje dentro da área da Educação Física, pois as mesmas
possibilitam a realização de discussões acerca de temáticas importantes dentro
do universo das práticas pedagógicas e do público atingido por essas práticas.
Dentro destas temáticas, destaca-se a questão crítica do crescimento da
violência, esse crescimento ocorre dentro da juventude e nenhuma das
camadas sociais foge destes índices, propondo que essa fase da vida e
também categoria social deve ser observada com maior atenção.
Neste sentido, identificou-se também a carência de políticas públicas
voltadas para os jovens, que tenham como objetivo a inserção destes na
prática dos elementos da cultura corporal.
No que se refere à participação da mídia nos sentidos atribuídos às artes
marciais em geral, e ao jiu-jitsu, em particular, percebemos que a mídia tentou,
54
através da espetacularização destas notícias, em alguns momentos
influenciarem a construção e formação de opiniões ou até modificar as opiniões
já formadas em relação ao caráter formador do jiu-jítsu, através de supostas
ligações desta arte a atitudes isoladas de jovens denominados “pit-boys”, que
muitas vezes foram confundidas com praticantes de jiu-jitsu.
Identificamos, também, que as leituras feitas pelos receptores sobre as
informações contidas nos discursos midiáticos podem ocorrer de diferentes
maneiras, neste ponto dependendo, do nível cultural do indivíduo e da
qualidade do ensino que lhe foi ofertado.
Concluímos que tanto o jiu-jitsu quanto as artes marciais atingem o seu
objetivo de formadores de atletas num processo de esportivização, de
intervenção positiva dentro da sociedade e de auxiliares na formação moral do
jovem através da influência de sua filosofia, quando neste processo estão
envolvidos professores e praticantes responsáveis que realmente queiram
utilizar-se dos valores filosóficos e morais contidos nas artes marciais.
Foram encontradas algumas limitações na pesquisa, como as poucas
referências encontradas sobre a discussão envolvendo a temática das lutas.
Outro fator limitante foi o fato de a academia escolhida para a pesquisa de
campo se localizar em cidade diferente da qual realizo minha graduação. O
período chuvoso também colaborou para a queda no número de
freqüentadores na academia no mês da ida a campo. Ainda houve coincidência
entre o mês escolhido para a realização de entrevistas e observações e a
viagem para Europa do professor/Mestre da Academia EDSON CARVALHO e
do presidente da FBJJ, ficando um tempo curto para coleta e análise dos
dados, além da entrega da monografia.
Aponto como possibilidade para uma nova pesquisa a ser realizada em
torno deste conteúdo da cultura corporal: a utilização das lutas nas aulas de
Educação Física.
55
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APÊNDICES
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APÊNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido
Prezados mestres e professores, estou na academia EDSON CARVALHO na
cidade de Salvador-Ba, a fim de realizar pesquisa para levantamento e
complementação de informações que irão compor os estudos da minha
monografia.
Este trabalho de conclusão de curso tem como objetivo identificar a
participação da filosofia do jiu-jitsu na formação moral dos jovens praticantes
desta arte.
Precisarei entrevistar o mestre ou professor e alguns alunos desta academia. A
realização das entrevistas e as observações das aulas só acontecerão
mediante a autorização do professor ou mestre desta instituição, para que o
pesquisador possa realizar estas atividades.
Atenciosamente, Carlos Vinícius De Sousa Da Cruz (aluno do curso de
Licenciatura em Educação Física da UNEB – Campus II – Alagoinhas).
Eu________________________________________, professor da academia
EDSON CARVALHO autorizo a realização das atividades da pesquisa de
monografia do aluno Carlos Vinícius de Sousa da Cruz, concordando com
todos os termos postos neste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
_____________________________________________________
Assinatura do Professor
APÊNDICE B - Roteiro de entrevistas
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Para o Mestre/Professor da Edson carvalho
1. Histórico do entrevistado dentro do jiu-jitsu (quando e o que te levou a
esta arte?)
2. Fale sobre a influência da filosofia do jiu-jitsu na formação moral dos
jovens.
3. Exemplos de mudanças comportamentais de alunos (positivas ou
negativas).
4. Responsabilidade do mestre, em relação às atitudes dos alunos dentro e
fora das academias.
5. Opinião sobre a ligação do jiu-jitsu a atos de violência (pit-boys) e qual a
participação da mídia nos sentidos atribuídos as artes marciais e ao jiu-
jítsu, em particular.
Para aluno da Edson Carvalho
1. Histórico dentro do jiu-jitsu (sua trajetória)
2. Importância da “arte suave” e de sua filosofia em sua vida (o que mudou
depois que você iniciou na mesma?)
3. Opinião sobre a ligação do jiu-jitsu a atos de violência (pit-boys) e qual a
participação da mídia nos sentidos atribuídos as artes marciais e ao jiu-
jitsu, em particular?
Para o presidente da FBJJ
1. Fale sobre a responsabilidade da Federação, enquanto a fiscalização
das filiadas e de seus Mestre/Professores e quais ações/medidas
realizadas para educação em alto nível?
2. Como vê o panorama do jiu-jitsu hoje, a ligação a atos de violência
atrapalhou o processo de transformação do jiu-jitsu em esporte pan-
americano ou até olímpico?