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Pós-graduação em Preparação Corporal nas Artes Cênicas PAULA MARIZ Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban Rio de Janeiro 2015
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Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

Apr 20, 2023

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Page 1: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

Pós-graduação em Preparação Corporal nas Artes Cênicas

PAULA MARIZ

Canto de câmara em movimento:

Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

Rio de Janeiro

2015

Page 2: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

PAULA MARIZ

Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o

Sistema Laban

Monografia apresentada ao curso de pós-

graduação em Preparação Corporal nas Artes

Cênicas da Faculdade Angel Vianna como

requisito parcial à obtenção do grau de

especialista.

Orientadora: Prof.ª MS. Ana Bevilaqua Penna Franca

Rio de Janeiro

2015

Page 3: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

Mariz, Paula.

Canto de câmara em movimento: Pesquisando

movimento expressivo para cantores com o Sistema

Laban. / Paula Mariz. — 2015.

f.57; 30 cm.

Monografia (Pós-graduação em Preparação Corporal

nas Artes Cênicas)—Faculdade Angel Vianna, Rio de

Janeiro, 2015.

1.Laban. 2.Escalas de Movimento. 3.Música de

Câmara. 4.Canto. I. Franca, Ana Bevilaqua Penna (Orientadora) II. Faculdade Angel Vianna III.

Título.

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Page 5: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

Dedico esse trabalho a mi muy querido Marcos Thadeu

Page 6: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

AGRADECIMENTOS

À Marilia Velardi e todos os integrantes do Núcleo Universitário de Ópera que me

receberam com amor, ótimas indicações de leitura e conversas estimulantes.

Ao Menelick de Carvalho e sua equipe na Casa das Artes de Laranjeiras pela oportunidade

de acompanhamento das aulas de teatro musical.

Ao Eduardo Pessanha Cavalcanti pelo incentivo, apoio e companhia em todas as peças que

assisti.

Às minhas amigas queridas Ana Lúcia Gaborim, Joana Mariz e Regina Vendeiro pelos

debates, passeios em Sampa, indicações bibliográficas e outros mimos.

À minha irmã Flávia Mariz que cuidou da minha cachorrinha nas minhas viagens.

À Andrea Brisson por dirigir meus movimentos in the Laban way e por permitir que eu

dirigisse os dela em outras pesquisas Laban.

À Ingrid Bertin Carneiro pela leitura dos rascunhos e pelos conselhos preciosos.

Ao Yago Chamoun Ferreira Soares e a sua Nala, que trouxeram mais leveza ao nosso

quadrado.

À Tribo da Angel pelas indicações de palestras.

À Ana Bevilaqua Penna Franca que corrigiu e esclareceu cada dúvida com muita paciência e

delicadeza.

E à equipe da Faculdade Angel Vianna por todas as experiências de movimento que me

ofereceu.

Page 7: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

RESUMO

Este trabalho apresenta o resultado de pesquisa de movimento para cantores em preparação para recitais de

música de câmara utilizando as premissas do Sistema Laban, em especial o treinamento corporal relacionado

com as Escalas de Movimento, desenvolvido por Rudolf Laban.

O nível de exigência técnica em música de câmara é excessivo e a formação superior em música no Brasil

ainda não proporciona vivências corporais de forma rotineira para cantores em formação. Essa lacuna advém

de longa tradição filosófica de oposição entre corpo e pensamento.

O Sistema Laban oferece oportunidade eficiente de criação de movimento expressivo para cantores por se

tratar de proposta inclusiva sob todos os aspectos, (tanto de quem se movimenta, quanto de como se

movimenta e onde) por conta do seu entendimento holístico do ser humano, da vida e do universo.

Palavras-chave: Laban. Escalas de Movimento. Música de Câmara. Canto.

Page 8: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Posicionamento dos cinco diafragmas 18

Figura 2 Relação entre os músculos diafragma e psoas 19

Figura 3 Influência da respiração no corpo segundo a visão constitutiva por tubos de

Keleman 20

Figura 4 Extensões da respiração 21

Figura 5 Planos dimensionais (vertical, sagital e horizontal) 36

Figura 6 Organização geométrica do octaedro 37

Figura 7 Modelo de interseção entre os planos dimensionais e o octaedro 37

Figura 8 Centro do Corpo e sua expansão para o espaço 38

Figura 9 Escala dimensional do octaedro 38

Figura 10 Organização geométrica do hexaedro 39

Figura 11 Interseção dos centros espaciais do cubo e do Centro do Corpo 40

Figura 12 Escala diagonal do cubo 41

Page 9: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

SUMÁRIO

1 Introdução…….................................................................................. 1

2 Canto se aprende na escola?............................................................. 5

3 Como se faz…..................................................................................... 15

4 Respirando e ouvindo………………………………………………. 35

5 Conclusão............................................................................................ 50

6 Bibliografia………………………………………………………….. 52

Page 10: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

1

Introdução

O que me mobilizou para a escrita da minha dissertação de mestrado - Atitudes de

intérpretes cantores durante recitais e sua relação com o texto musical no contexto das

Bienais Brasileiras de Música Contemporâneas do Rio de Janeiro entre 1975 e 2001 - foi a

contemporaneidade do movimento e a presença dos cantores que se apresentaram durante a

VIII Bienal de Música Brasileira Contemporânea, primeira que tive oportunidade de assistir,

em 1989.

No entanto, por conta dos caminhos percorridos até então, não tive acesso às leituras

e experiências de movimento que dessem conta de alcançar esta temática na ocasião da

realização daquela pesquisa (terminei o mestrado em 2003).

Quando realizei meus estudos de formação em canto, durante as décadas de 1990 e

2000, a orientação sobre movimento para cantores era divulgada informalmente,

dependendo da experiência do professor. Havia, no entanto, preocupação com profilaxia

para evitar a ocorrência de lesões, por conta disso, a Técnica de Alexander já era divulgada

em festivais de música.

Durante a minha graduação em canto na Universidade Estácio de Sá (UNESA),

durante a década de 1990, tive oportunidade de estudar com dois professores, ambos já

falecidos e nascidos durante a década de 1920, com trajetórias diferentes: Maria Helena

Bezzi, que se dedicou exclusivamente ao magistério do canto e Alfredo Colosimo, cantor

lírico com atuação importante no cenário operístico brasileiro, que foi inclusive primeiro

tenor do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Bezzi costumava criticar de forma depreciativa performances no palco, se referindo a

desenvoltura de muitos cantores como de “uma empada em cena”, apesar disso, restringia

sua orientação a questões técnicas e estilísticas próprias do canto.

Colosimo iniciou seus estudos a partir da década de 1940 e começou a lecionar

apenas em 1968, após a morte do seu professor, Pasquale Gambardella. Sua orientação,

durante as aulas que fiz na UNESA, se concentrava nos princípios técnicos e interpretativos

do bell canto e em algumas dicas sobre como se posicionar no palco relacionadas com a sua

experiência em atuação em óperas: como utilizar a respiração para se concentrar antes de

apresentações; e o tipo de movimentação de braços que favoreceria a emissão de notas

agudas capazes de “furar” orquestra1.

1 “furar” orquestra, que significa ser ouvido mesmo quando acompanhado por grande orquestra e coro, é uma

qualidade determinante para a carreira de cantores líricos que se dedicam à ópera.

Page 11: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

2

Em minhas aulas de aperfeiçoamento em música de câmara com Marcos Thadeu

Miranda Gomes, tenor e regente mineiro de carreira internacional, atual preparador vocal do

Coro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP)2, nascido durante a década de

1940, pude observar outro tipo de postura diante do canto.

A atenção ao corpo esteve presente desde a primeira aula, sendo demonstrada desde

o princípio com orientação para relaxar os músculos da cintura pélvica, caminhar, fazer uso

de gestual durante exercícios vocais, conscientização do corpo a partir de observação visual

de possíveis tensões no corpo inteiro ao cantar (utilizando espelho) e realização de

movimentos que integravam o corpo inteiro aliados a respiração.

Apesar de profundos conhecedores de técnicas de preparação vocal, apenas o último

professor, cabe ressaltar, de outra geração, conhecedor dos movimentos contemporâneos de

teatro e dança e que lecionava fora do circuito universitário na ocasião3, adicionava

elementos de preparação corporal às suas aulas.

Em 2008, tive oportunidade de frequentar as aulas de Thomas Casciero em evento

prévio ao Encontro Laban realizado no Rio de Janeiro e conhecer o seu trabalho de

preparação de atores utilizando o Sistema Laban-Bartenieff. As experiências e os resultados

dos exercícios realizados durante as aulas me causaram uma impressão tão forte, que, a

partir desta ocasião, comecei a adquirir livros, frequentar oficinas sobre o tema, fazer os

exercícios desenvolvidos por Irmgard Barternieff com meus alunos de canto, até descobrir

os cursos de pós-graduação da Faculdade Angel Vianna e optar por frequentar a pós-

graduação em Preparação Corporal nas Artes Cênicas para aprofundar meus conhecimentos

sobre o Sistema Laban.

Metodologia de pesquisa

A metodologia adotada nesta pesquisa compreendeu:

Observação de ensaios e apresentações de performances em ópera, teatro musical

e recitais ao vivo e gravadas (divulgadas em: <www.youtube.com>);

Observação de aulas direcionadas a preparação corporal de atores e cantores na

Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e Núcleo Universitário de Ópera (NUO)

respectivamente;

2 Esta monografia foi escrita entre 2013 e 2015.

3 Atualmente Marcos Thadeu é professor da Faculdade Cantareira, em São Paulo.

Page 12: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

3

Análise de performances de duas cantoras (Malu Mestrinho e Manuelai

Camargo) disponíveis em vídeo no sítio eletrônico <www.youtube.com>

seguindo os princípios da Labanálise [LMA];

Laboratório individual de criação de movimento utilizando as Escalas Espaciais

de Movimento desenvolvidas por Rudolf Laban para interpretação de canções

brasileiras eruditas contemporâneas;

Pesquisa de grades curriculares de cursos de bacharelado em canto em

universidades federais e faculdades particulares brasileiras; e

Leitura de textos relacionados a: Sistema Laban; preparação corporal; presença; e

expressividade.

A análise das performances das cantoras disponíveis em vídeo compreendeu as

seguintes etapas:

1. análise musical compreendendo forma, estruturação harmônica, elementos rítmico-

melódicos (esta etapa não foi realizada com a canção “Desafio”, por falta de acesso

à partitura);

2. análise do texto compreendendo significado e contextualização;

3. análise de movimento inspirada na Folha Codificada Simplificada para LMA

divulgada por Ciane Fernandes (2006); e

4. correlação das informações provenientes de cada uma das duas análises indicadas.

O laboratório de criação de movimento compreendeu as seguintes etapas:

1. Escolha do repertório;

2. Análise textual (com foco em significado e contextualização da ocasião em que o

texto foi escrito);

3. Análise musical (esquemática, com indicações de forma, harmonia, ritmo,

elementos melódicos);

4. Estudo da canção e declamação do texto (individual);

5. Ensaio da canção com pianista (gravação de base para ser utilizada durante etapa

7);

6. Pesquisa de movimento utilizando a Escala Dimensional do Octaedro e a Escala

Diagonal do Cubo desenvolvida por Laban; e

7. Experimentação de movimento relacionada diretamente com a canção escolhida

realizada em conjunto com sua interpretação acompanhada por gravação realizada

durante etapa 5.

Page 13: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

4

O resultado destas atividades foi organizado neste texto da seguinte maneira:

Capítulo “Canto se aprende na escola?”, onde se relaciona as diretrizes curriculares

propostas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) para os cursos de graduação em

música; treze grades curriculares (três de faculdades particulares e dez de universidades

públicas); os conceitos de auto-imagem de Moshe Feldenkrais, produção de

presença/produção de sentido de Hans Ulrich Gumbrecht, inteligência cega de Edgard Morin

e redução racionalista de Carlos Alberto Plastino para contextualizar limitações em

preparação corporal na formação universitária dos cantores no Brasil.

Capítulo “Como se faz”, onde, a partir do entendimento segundo o qual a respiração

é um sistema que envolve todo o corpo em função da manutenção da vida, é feita

aproximação com as ideias de Rudolf Laban e análise de performances das canções “Amor

em lágrimas”, de Claudio Santoro e “Desafio”, de Edino Krieger.

Capítulo “Respirando e ouvindo”, onde se descreve a experiência da autora durante

pesquisa de movimento utilizando duas Escalas Espaciais de Movimento desenvolvidas por

Laban.

Page 14: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

5

Canto se aprende na escola?

A natureza deve ser considerada

como um todo, mas deve ser

estudada em detalhe.

Mario Bunge

Durante a conferência magna que proferiu no evento “Educação 360”, realizado no

Rio de Janeiro em setembro de 2014, Edgar Morin (2014) discorreu sobre autoconhecimento

e afirmou a importância da transdisciplinaridade, criticando as instituições de ensino por não

se dedicarem à diversidade do ser humano, ao contrário se especializam no fornecimento de

conhecimentos fragmentados.

Sua afirmação se voltava para a educação básica:

Aprendemos na escola muitos conceitos, muitos conhecimentos, mas todos

dispersos. Precisamos desenvolver um modelo educacional que ligue esses

conhecimentos, que os coloque na perspectiva. As escolas acumularam saberes,

mas não são capazes de organizá-los. (JORNAL O GLOBO, 2014, p. 35).

No entanto, sua magnitude atinge o ensino superior, que, no Brasil, especializa e fortalece a

fragmentação característica dos ensinos fundamental e médio.

As grades curriculares dos cursos de graduação em canto em instituições de ensino

superior brasileiras fazem uso da teoria dos sistemas4 para definir as disciplinas e os

conteúdos a serem observados pelos alunos durante sua vida acadêmica. Essas definições

sofrem variações5 influenciadas por questões que vão desde limitações na formação dos

docentes a entendimento político da possibilidade de atuação futura dos alunos, passando

por influência internacional, disponibilidade de recursos e restrições legais, e influenciarão

posteriormente as possibilidades de atuação e de reflexão destes alunos por ocasião de sua

vida profissional.

De acordo com Moshe Feldenkrais (1977), cada indivíduo constrói sua auto-imagem

ao longo de sua vida, influenciado por seu modo de agir. O modo de ação de cada um pode

ser modificado com mudanças na natureza de suas motivações e na mobilização de todas as

partes do corpo a elas relacionadas.

Apesar da indicação de Feldenkrais em si já ser uma fragmentação – uma vez que

seu conceito de auto-imagem é decomposto em quatro elementos (movimento, sensação,

sentimento e pensamento) com propósito didático, – ela se configura como uma

oportunidade de observação do detalhe para alcançar o todo, e, a opção pela sua indicação

4 Um sistema é uma coleção ou agregado de qualquer coisa que mantém entre si relações, das quais surjam

propriedades coletivas ou partilhadas. 5 Em nossa realidade todos os sistemas são abertos, ou seja, têm propriedades que variam no tempo.

Page 15: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

6

neste texto tem propósito de indicar que a insistência no pensamento é a fragmentação

primordial que afasta os currículos dos cursos de graduação em canto da essência corpórea

(movimento e sensação) daquele que estuda canto e do cantar (modo de ação em questão).

O estado6 de cada curso de graduação em canto é diferente dos demais. Num

levantamento das disciplinas obrigatórias de grades curriculares dos cursos de graduação em

canto (bacharelado) de treze instituições de ensino superior brasileiras (três particulares e

dez públicas em 2013 e 2014) foi possível encontrar apenas duas disciplinas comuns: canto

(com variação de nomenclatura: canto e formação específica), marcado em amarelo nas

tabelas a seguir, e percepção musical (com variação de nomenclatura: percepção, percepção

musical, leitura à primeira vista, treinamento auditivo e teoria, linguagem e estruturação

musical, morfologia musical – teoria e percepção musical e introdução à percepção musical),

marcado em laranja nas tabelas abaixo.

Cinco cursos de graduação em canto oferecem disciplinas obrigatórias diretamente

relacionadas ao treinamento do corpo para cena (expressão corporal, interpretação cênica,

laboratório de performance, fundamento das práticas corporais, consciência corporal em

performance musical e prática de performance), marcado em verde escuro nas tabelas que

indicam as disciplinas; e seis cursos oferecem disciplina obrigatória relacionada com o

conhecimento do funcionamento do aparelho fonador (fisiologia da voz, fisiologia da voz e

dicção vocal, fisiologia vocal prática e fisiologia da voz teoria), indicada em verde claro nas

mesmas tabelas.

Grades curriculares de cursos de graduação em canto em instituições de ensino

particulares:

Conservatório Brasileiro de Música

– CBM (RJ)

Faculdade Santa Marcelina –

FASM (SP) Universidade Cruzeiro do Sul (SP)

Análise musical Análise Análise musical

Atividades complementares Antropologia filosófica Antropologia

Canto Atividades complementares Canto coral

Canto coral Canto Contraponto

Cultura popular brasileira Canto coral Diversidade étnico-cultural

Dicção Contraponto Estética musical

Estética

Elementos da linguagem

musical Estudos dirigidos

Expressão corporal Estética Filosofia

Harmonia funcional

Fisiologia da voz e dicção

vocal Formação específica

6 Estado de um sistema é a coleção das intensidades das suas qualidades em um momento.

Page 16: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

7

Harmonia tradicional Harmonia

Fundamentos de regência instrumental e

coral

História da música História da música Harmonia

Iniciação científica Informática História da música brasileira

Interpretação cênica Instrumento complementar História da música popular brasileira

Introdução percepção musical Laboratório de performance

História da música: das origens ao

barroco

Leitura a 1ª vista e solfejo Metodologia de pesquisa

História da música: do classicismo ao

romantismo

Música de câmara Monografia História das artes

Percepção musical Música contemporânea LEM - linguagem e estruturação musical

Piano em grupo Percepção Linguagem brasileira dos sinais

Prática vocal Prática de grupo Língua portuguesa

Repertório Produção musical Metodologia de pesquisa

Seminários de interpretação |

pesquisa de repertório

Temas da cultura

contemporânea Música de câmara

Técnicas de redação

Música e contemporaneidade

Teoria geral da música

Música e tecnologia

Orquestração

Percepção musical

Rítmica

Sociologia

Grades curriculares de cursos de graduação em canto em instituições de ensino

públicas:

Universidade

Federal do Rio

Grande do Sul -

UFRGS (RS)

Universidade

Federal do

Estado do Rio

de Janeiro -

UNIRIO (RJ)

Universidade

Federal da Bahia

- UFBA (BA)

Escola de Música e Belas

Artes do Paraná -

EMBAP (PR)

Universidade do Estado

de Minas Gerais -

UEMG (MG)

Análise musical

História da

música Canto Acústica musical Análise musical

Canto

Análise

musical

Estágio

curricular Antropologia cultural Antropologia cultural

Canto coral

Análise

musical

avançada

História da

música Dicção lírica Canto coral

Contra-

ponto Canto

Introdução à

pesquisa

Didática musical -

didática geral Canto

Fisiologia da voz Canto coral

Literatura e

estruturação

musical

Didática musical -

técnicas de ensino do

instrumento - canto

Consciência corporal

em performance

musical

Fundamen-

tos da música Dicção Literatura vocal Estágio supervisionado Contraponto

Harmonia

Expressão

corporal Monografia Filosofia da arte

Elaboração de projeto

de TCC

História da música

Fisiolo-

gia voz

Percepção

musical Fisiologia vocal prática Estética musical

História da música

brasileira

Harmo-

nia

Piano

suplementar Fisiologia vocal teoria Fisiologia da voz

Page 17: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

8

Iniciação à

pesquisa Interpretação

Prática de

conjunto: canto

coral

Fundamento das práticas

corporais

História da música

barroca

Laboratório de

execução vocal

Música de

câmara

Prepração de

recital

Fundamentos das línguas

estrangeiras

História da música

brasileira a

Percepção musical Oficina canto

Princípios

práticos de

informática História música

História da música

clássica e romântica

Recital de

graduação

Oficina de

ópera

Instrumento canto

História da música da

antiguidade ao

renascimento

Teclado

complementar

Percepção

musical

Leitura à 1 vista

História da música dos

séculos XX e XXI

Técnica de

interpretação de

música de câmara Recital

Literatura musical -

literatura geral da música

Leitura à primeira vista

i

Repertório

vocal

Literatura musical -

literatura musical

brasileira

Leitura e produção de

textos acadêmicos

Literatura musical -

literatura musical do

século XX e

contemporânea Literatura do canto

Metodologia da pesquisa

científica

Metodologia da

pesquisa científica

Música de câmara Música de câmara a

Núcleo de ópera Percepção musical

Prática de repertório Piano complementar

Prática de performance

Prática do canto com

acompanha-

mento a

Sintaxe musical -

harmonia

Práticas em

performance musical

TCC TCC

Morfologia musical -

teoria e percepção

musical

Sintaxe musical -

fundamentos de análise e

apreciação musical

Universidade do Estado do

Amazonas - UEA (AM)

Universidade

Federal do Rio

Grande do Norte

- UFRN (RN)

Universidade

Federal do Rio

de Janeiro -

UFRJ (RJ)

Universidade de São

Paulo - USP -

Ribeirão Preto (SP)

Universidade de

São Paulo - USP -

São Paulo (SP)

Canto coral: técnicas de

expressão vocal Canto Canto Canto Análise musical

Análise interpretativa de

repertório

Apreciação

musical

Dicção e

pronúncia Canto coral Canto

Canto Canto coral

Fisiologia da

voz

Conceitos

fundamentais da

música Canto coral

Contraponto Fisiologia da voz

História da

ópera Contraponto Contraponto

Estética e história da arte Harmonia Oficina de ópera

Estética e história da

arte

Estudos de

repertório coral

Page 18: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

9

Filosofia da arte MPB

Percepção

musical

Fundamentos da

acústica musical

Expressão corporal

para cantores

Folclore: etnomusicologia e

música latino-americana Percepção Piano b Harmonia

Fonética aplicada

ao canto

Harmonia

Prática de

conjunto Pratica vocal

História e estilo da

música

Fundamentos da

acústica musical

História e evolução da

música Recital

Recital de

formatura

Linguagem e

estruturação

musicais História da música

Língua inglesa instrumental

Montagem de ópera História da ópera

Linguagem e estruturação

musical

Música brasileira

História do

repertório coral:

criação,

interpretação e

recepção

Metodologia do trabalho

científico

Percepção musical Instrumento

Música brasileira

Piano complementar

Metodologia da

pesquisa em música

Organologia

Piano em grupo Montagem de ópera

Piano complementar

Prática de repertório

de canto Música brasileira

Prática de conjunto para

canto

Seminário de

introdução ao curso

e à profissão Percepção musical

Prosódia musical

Seminário de projeto

de pesquisa

Piano comple-

mentar

Recital de formatura

Seminário de projeto

de pesquisa

Prática de

repertório de canto

Redação e expressão oral

TCC

Repertório coral

brasileiro: música e

literatura

Regência coral

Técnicas da música

contempo-

rânea

Seminário de

execução musical i

Trabalho de conclusão de

curso

Tecnologia musical TCC

Essas propriedades se relacionam com as diretrizes curriculares propostas pelo

Conselho Nacional da Educação (CNE) da Câmara Nacional da Educação Superior (CES)

para cursos de graduação em música7, classificação em que os cursos de graduação em canto

se enquadram. A Resolução CNE/CES n.º 2, de 8 de março de 2004, estabelece como

grupos de conteúdo a serem seguidas por estes cursos:

7 Essas diretrizes são similares às diretrizes propostas para outras graduações brasileiras, claramente seguindo a

tradição filosófica ocidental que, de acordo com Hans Ulrich Gumbrecht, “...o cogito cartesiano fez a ontologia

da existência humana depender exclusivamente dos movimentos do pensamento humano.” (GUMBRECHT,

2013, p. 39). Apesar da indicação de que o currículo pleno da graduação em música deve abranger formas de

realização da interdisciplinaridade, não há menção a habilidade para experimentação, nem de conteúdo ligado

ao corpo

Page 19: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

10

I - conteúdos Básicos: estudos relacionados com a Cultura e as Artes, envolvendo

também as Ciências Humanas e Sociais, com ênfase em Antropologia e Psico-

Pedagogia;

II - conteúdos Específicos: estudos que particularizam e dão consistência à área de

Música, abrangendo os relacionados com o Conhecimento Instrumental,

Composicional, Estético e de Regência; e

III - conteúdos Teórico-Práticos: estudos que permitam a integração teoria/prática

relacionada com o exercício da arte musical e do desempenho profissional,

incluindo também Estágio Curricular Supervisionado, Prática de Ensino, Iniciação

Científica e utilização de novas Tecnologias. (Conselho Nacional de Educação,

2004, p.2).

Os conteúdos indicados pelo CNE/CES se configuram como uma lista de

propriedades a serem apreendidas pelos alunos dos cursos de graduação em canto. Ao

mesmo tempo em que o CNE/CES pretende reconhecer a diversidade cultural brasileira,8

também propõe uniformização da formação superior e música no Brasil, indicando com

rigor os grupos de conteúdos e como devem ser abordados para a obtenção de um arcabouço

acadêmico imediatamente absorvível pelo exercício profissional.

O CNE/CES indica inclusive qual seria o exercício profissional pretendido:

educação, pesquisa e composição9. Cabe ressaltar que os grupos de conteúdo não são

passíveis de variação.

O inusitado da proposta do CNE/CES é a desvinculação dos três tipos de conteúdos

da porção humano-corpórea do cantor que iria usufruir dos benefícios desta formação.

Poderia ser argumentado que a indicação das propriedades se volta para a totalidade dos

cursos de música e que esta opção afastaria a percepção desta especialidade corpórea do

cantor. No entanto, à exceção dos cursos de composição, todas as habilidades possíveis de

graduações em música, instrumento, aqui incluído o canto, e regência, são iminentemente

corpóreos e, em grande medida, ainda exercidos diante de plateia.

A iminência corpórea da atividade dos músicos, a relação obrigatória com o público

e a relação possível entre os músicos quando em performance em todas as ocasiões

diferentes de gravações não é cogitada nas diretrizes determinadas pela Resolução

CNE/CES n.º 2/2004, que, ao contrário, prioriza o pensamento:

Art. 3º O curso de graduação em Música deve ensejar, como perfil desejado do

formando, capacitação para apropriação do pensamento reflexivo, da sensibilidade

artística, da utilização de técnicas composicionais, do domínio dos conhecimentos

relativos à manipulação composicional de meios acústicos, eletro-acústicos e de

outros meios experimentais, e da sensibilidade estética através do conhecimento de

estilos, repertórios, obras e outras criações musicais, revelando habilidades e

aptidões indispensáveis à atuação profissional na sociedade, nas dimensões

8 De acordo com a teoria dos sistemas, cada sistema é aberto por premissa, ou seja, se modifica ao longo do

tempo influenciado pelas condições a que estiver exposto. 9 A indicação de composição como exercício profissional pretendido pelo CNE/CES foi feita aqui em função

do estabelecimento da obrigação de utilização de novas tecnologias, em música, tecnologia musical se é termo

relacionado a música eletroacústica.

Page 20: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

11

artísticas, culturais, sociais, científicas e tecnológicas, inerentes à área da Música.

(Conselho Nacional de Educação, 2004, p.2).

Claramente as diretrizes curriculares propostas para os cursos de graduação em

música ignoram a porção cênica da atuação dos músicos, que nem sempre tocam para

realização de gravações. John Cage (1961) tratou dessa situação, sob outro ponto de vista,

em seu livro Silence, quando afirmou “Elas [as obras mais recentes] são ocasião para

experiência e esta experiência não é recebida apenas pelos ouvidos, mas pelos olhos

também. Um ouvido sozinho não é um ser. Eu percebi ouvindo uma gravação.” 10

Nesta linha de pensamento, se uma apresentação musical oferece oportunidade de

experiência além da audição para o intérprete e para o público, também oferece para o

intérprete a necessidade de preparação em conteúdos que não são essencialmente musicais e

nem essencialmente relacionados ao pensamento.

Voltando o olhar para as diretrizes curriculares propostas pelo CNE11

para o curso de

teatro, obtém-se informação que considera a necessidade de formação que revele

competências e habilidades voltadas para o “domínio técnico e expressivo do corpo visando

a interpretação teatral” (Conselho Nacional de Educação, 2003, p.6) e “domínio técnico

construtivo na composição dos elementos visuais da cena teatral” (Conselho Nacional de

Educação, 2003, p.6). Além disso, de acordo com o CNE, os conteúdos curriculares deste

curso devem se relacionar com artes cênicas, música, cultura e literatura.

Esta situação das diretrizes curriculares para os cursos de graduação em música em

contraposição ao de teatro reflete a dualidade complementar “produção de

presença”/”produção de sentido” indicada por Gumbrecht (2013) como efeito da

tangibilidade espacial advinda da comunicação que não parece ser objeto de discussão no

CNE.

De acordo com Gumbrecht:

Ainda que possa defender-se que nenhum objeto do mundo pode estar, alguma

vez, disponível de modo não mediado aos corpos e às mentes dos seres humanos, o

conceito “coisas do mundo” inclui, nessa conotação uma referência ao desejo de

imediatez [...] Se atribuirmos um sentido a alguma coisa presente, isto é, se

formarmos uma ideia do que essa coisa pode ser em relação a nós mesmos, parece

que atenuamos inevitavelmente o impacto dessa coisa sobre o nosso corpo e os

nossos sentidos. [...] o que este livro defende é uma relação com as coisas do

mundo que possa oscilar entre os efeitos da presença e efeitos de sentido. No

10

Versão da autora para “They are occasions for experience, and this experience is not only received by the

ears but by the eyes too. An ear alone is not a being. I have noticed listening to a record.” (CAGE, s/d, 31).

11

O Parecer CNE/CES 0195/2003 trata dos cursos de graduação em música, dança, teatro e design.

Page 21: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

12

entanto, só os efeitos de presença apelam aos sentidos.” (GUMBRECHT, 2013,

p.13-5).

Os conteúdos curriculares indicados pelo CNE consideram a atribuição de sentidos e

estimulam sua discussão indo além dos limites puramente musicais e artísticos, alcançando

as ciências humanas. No entanto, a presença e seus efeitos sobre o corpo e seus sentidos foi

ignorada.

Ao se considerar que uma performance musical se relaciona com questões espaciais,

que geram impacto nos corpos humanos dos performers e do público, que vão além do

sentido, a presença se apresenta como elemento constitutivo fundamental da prática musical

No esquema acima, o texto12

foi indicado como passível de se relacionar tanto com o

universo do sentido quanto com o da presença. Essa indicação foi proposital, posto que há

elementos de sentido advindos de várias origens, inclusive, e exemplificando, do texto

literário que também pode fazer parte da performance do cantor.

Nesse contexto, o texto literário pode propor tanto elementos de sentido, quanto de

presença, de acordo com Gadamer, citado por Gumbrecht: “Não cantamos o texto? Será que

o processo pelo qual o poema fala só deve ser conduzido por uma intenção de sentido? Não

existe ao mesmo tempo uma verdade na sua performance...?” (GUMBRECHT, 2013, p.89).

O reducionismo proposto pelo CNE, que define a grade curricular por propriedades

que relacionam cultura e artes com ciências humanas e sociais e conhecimentos específicos,

12

Além do proposto neste esquema, texto é toda informação que possa oferecer sentido aos intérpretes e ao

público. Assim, texto pode ser texto literário, cenário, iluminação, vestuário, citações musicais, harmonia,

encadeamentos harmônicos, gestos, tudo que possa ser entendido como oportunidade de sentido e por

complementaridade, por conta da dimensão de tangibilidade da performance, de presença.

Sentido – texto

Presença - qualidade da performance que faz uso de Corpo do intérprete

MAS

Seus efeitos apelam aos sentidos

Corpo do outro (público, outro intérprete)

Page 22: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

13

propondo integração com o universo profissional, já indicando obrigação pedagógica,

provoca limitações de experiências de conhecimento e afasta o estudante do

experimentalismo que poderia levar à modificação das próprias práticas artísticas.

Como reflexo desta percepção pode-se constatar que, entre as treze instituições de

ensino superior de canto pesquisadas há pequena oferta de disciplinas obrigatórias13

que

tratam do universo do corpo humano, tanto em seu aspecto de presença, quanto de sentido:

cinco oferecem disciplina expressão corporal (variações de nomenclatura foram

consideradas: expressão corporal; expressão corporal para cantores; fundamentos das

práticas corporais; e consciência corporal em performance musical) e sete instituições

sequer mencionam fisiologia da voz.

Induzindo ao entendimento de que, no Brasil, a expressividade do corpo e o

conhecimento de seu funcionamento em detalhes não é objeto de estudo regular, mas

resultado de talentos ou histórias pessoais, independente da grandiosidade do teor

cênico/performático do trabalho do cantor e de sua essência corpórea.

A situação descrita se configura como exemplo de “inteligência cega” termo adotado

por Morin para indicar que especialização, neste caso, a formação acadêmica em canto, leva

à busca pela simplificação, por parte do regulador (CNE/CES) que fixa

diretrizes/propriedades, que trazem em si o afastamento da visão global da realidade: uma

lacuna na formação acadêmica dos cantores, que se configura justamente como o

acirramento da indicação de importância do intelecto (sentido) em relação ao corpo

(presença), seguindo a oposição cartesiana mente - corpo. Sem falar em direcionamento

artístico que afasta a prática do cantor do experimentalismo/criatividade, aproximando-a da

repetição/virtuosismo.

Ou, no dizer de Plastino (1996), trata-se de um deslumbramento moderno com a

possibilidade racionalista de revelar o mundo por meio da redução à simplicidade de leis

constitutivas, ou máquinas matematicamente elaboradas, que exclui a complexidade do real.

Real este que se aprofundaria na medida em que se acirrassem experiências, vivências e os

desdobramentos de todos os cantares.

No entanto, contrariando este reducionismo, a experiência artística que os cantores

oferecem ao público é oportunidade de experimentação dos quatro elementos constitutivos

da auto-imagem: movimento (do próprio corpo e dos corpos e objetos envolvidos na

13

Algumas instituições de ensino oferecem disciplinas eletivas ou optativas que se afastam do universo

estritamente musical, sem se aproximar das ciências humanas e sociais, como: libras (FASM e UFRGS); e

preparação para palco e performance (UFRN)

Page 23: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

14

performance14

); sensação (do próprio corpo e dos corpos do público), sentimento (do

público em relação à obra de arte) e pensamento (dos intérpretes e do público).

14

Por performance entende-se aqui o momento único da realização da obra de arte, que conjuga tempo e

espaço, interpretação e assistência.

Page 24: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

15

Como se faz

Quem não se atira, é atirado antes Hermeto Pascoal

O conceito de música de câmara, independente da instrumentação, traz a ideia de

performance em ambiente íntimo. Trata-se de um pressuposto espacial histórico que faz

referência à sua realização em lugar alternativo aos usuais teatros e igrejas de alguns séculos

atrás. Atualmente, esse tipo de música ocorre em teatros e igrejas, suas características mais

fortes são o número limitado de intérpretes e a sofisticação da interpretação.

Há várias possibilidades de instrumentação para recitais de música de câmara que

incluam voz, no entanto, o mais comum ainda é a tradicional dupla canto e piano.

A interpretação de qualquer instrumento musical requer conhecimentos técnicos que

envolvem a relação do corpo com o instrumento e como essa relação influencia na

sonoridade. Essa relação é construída diariamente, ao longo de anos, por meio da repetição

de exercícios próprios.

Existe uma série de regras que favorecem o desenvolver desta relação: postura ereta;

posicionamento de braços, pulsos, mãos, dedos, lábios, pescoço; estar de pé ou sentado;

posicionamento de pernas, pés; angulações, tensões e relaxamentos. Várias escolas de

técnica determinando a melhor maneira de posicionamento de cada parte do corpo de forma

muito sofisticada visando determinada sonoridade; agilidade; força; ou outra qualidade, de

forma eficiente para diferentes estilos musicais.

A performance de um corpo influenciado pelo encontro com um instrumento musical

é interessante e expressiva pelos movimentos envolvidos durante o fazer musical.

E o corpo do cantor na música de câmara? Não há como negar que a relação de um

cantor com seu corpo expressivo difere da de um instrumentista, apesar de também estar

sujeito aos limites impulsionadores técnicos próprios da música.

Mas a questão da presença afeta o cantor de forma diferente do instrumentista. No

palco, mesmo em recitais intimistas como é o caso da música de câmara, a demanda por

interpretação do cantor é similar a de um ator.

Page 25: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

16

O cantor precisa construir relação com o espaço e com o público que o assiste, que

não se contentaria em observá-lo absorto em si, ou permitindo uma neutralidade funcional

que previsse apenas movimentos estritamente relacionados com a respiração e com a

emissão vocal.

Afinal, mesmo a proposta de estar presente em um evento primordialmente

relacionado com a audição, oferece ao público a oportunidade de experimentar a dualidade

sentido-presença, não em oposição, mas em complemento, como sugerido por Cage (19--)

quando afirmou que um ouvido sozinho não é um ser.

No entanto, as pesquisas de Rudolf Laban sobre análise, pesquisa e notação de

movimento, sua repercussão, possibilidades de utilização e benefícios são pouco discutidos

pela comunidade musical, apesar de grande parte da sua atuação consistir em performances

diante de público.

A utilização do Sistema Laban na formação de cantores, tendo em vista a pesquisa de

movimentos expressivos, se apresenta como alternativa à oposição mente-corpo / sentido-

presença pela sua abrangência. De acordo com Ciane Fernandes (2006):

As explorações propostas por Laban/Bartenieff nas categorias Corpo -

Expressividade – Forma – Espaço constituem uma estrutura que prepara e conecta

o corpo, mente, as emoções para qualquer atividade, até mesmo para pegar um

ônibus, ir a uma entrevista ou fazer uma pesquisa bibliográfica. (FERNADES,

2006, p.40-1).

Barbara Adrian (2008) vai além ao afirmar que as oportunidades que Laban teve de

observar movimentos realizados durante rituais religiosos o levou a acreditar no potencial

mágico do movimento e no espiritual como elemento extracorpóreo do movimento15

.

A produção da voz humana resulta dos movimentos inerentes à respiração, que

apesar de involuntários, acontecem enquanto o corpo estiver vivo. De acordo com Adrian,

Em alguns níveis, este processo é apenas funcional, o que significa que a

“mecânica” da respiração, fala e movimento deve refletir uma relação harmoniosa

entre os músculos responsáveis pela ação. Você não vai atingir o seu potencial

criativo a não ser que as suas habilidades funcionais suportem os seus impulsos

expressivos. No entanto, o caminho oposto também é possível. Enquanto você

experimenta os poderes expressivos do som e do movimento, você vai desenvolver

esta funcionalidade16

. (ADRIAN, 2008, p.23).

15

“Sensitizing the body to be receptive to inner and outer forces of energy, which Laban believed could lead to

psychic experiences, was prevalent throughout his work. But also present was an effort to balance the

practical with the spiritual”. (ADRIAN, 2008, p.4). 16

Versão da autora para “To some degree, this process is purely functional, meaning that the mechanics of

breathing, speaking, and moving must reflect a harmonious relationship among the muscles responsible for the

task. You will not realize your creative potential unless your functional skills can support your expressive

impulses. However, the reverse is also true. As you explore the expressive powers of sound and movement,

you will also be improving your functionality”. (ADRIAN, 2008, p.23).

Page 26: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

17

Stanley Keleman (1992) afirma que o corpo todo se envolve na respiração e, em

concordância com Adrian, apesar de não se referir à criatividade ou expressividade, sustenta,

citando atividades esportivas, que “...todos os exercícios são úteis, pois aumentam a

sensibilidade geral e nos preparam para outras atividades.” (KELEMAN, 1992, p.63).

Adrian lembra que, apesar da utilização eficiente dos músculos durante a respiração

ser uma questão funcional, existe uma interdependência entre funcionalidade e

expressividade, o que faz com que conhecimentos de anatomia sejam interessantes no

treinamento para atuação.

É possível abordar a respiração a partir de vários pontos de vista, mas não é possível

se abster de entendê-la como um sistema que se relaciona com troca de gases no sangue

(conectando o corpo com que lhe é exterior: o ar); ou ignorar a atividade do diafragma

torácico/abdominal; e a solidariedade (ou conexão) entre este e outros músculos, tendões,

nervos, órgãos e ossos, englobando a totalidade do corpo.

Keleman, quando discorre sobre respiração, fala sobre cinco diafragmas:

1. Cerebral (camadas do crânio, duramáter e ossos), que “...estende-se pelo forame

magno até o sacro, pelo revestimento crural da medula.”17

(KELEMAN, 1992,

p.45);

2. O segundo, ainda no crânio (membrana de duramáter, expansão do tronco cerebral,

revestimento da medula espinha e músculos occipitais) regulando a pressão interna

da cabeça;

3. Assoalho do cérebro (língua, palato, céu da boca, músculos naso-faringeanos, glote,

ossos hióide, esterno-hióide e omo-hióide e músculos da clavícula) que regula

pressão na traqueia e ajuda na manutenção da postura ereta;

4. Diafragma torácico/abdominal que separa o tórax do abdômen; e

5. Diafragma abdominal/pélvico (teto do diafragma, coluna lombar, ligamento, psoas,

ilíaco e assoalho pélvico) que opõe força descendente da pressão interabdominal que

ocorre com a inspiração).

17

Keleman constrói sua aproximação do corpo humano abordando sua formação por tubos que se relacionam,

a medula é indicada aqui por sua característica de tubo.

Page 27: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

18

Figura 1: Posicionamento dos cinco diafragmas

(Keleman, 1992, p.59).

Peggy Hackney (2002), quando trata de respiração, propõe outra aproximação,

fortalecendo a ideia de conexão entre as partes alta e baixa do corpo, para evitar o

entendimento de respiração atrelada apenas aos pulmões.

De acordo com Hackney, a entrada do ar nos pulmões só é possível devido à

atividade muscular integrada da parte baixa do tronco: o diafragma, músculo que por seu

formato de abóboda e sua posição (abaixo dos pulmões e do coração, ao mesmo tempo

acima da cavidade abdominal), divide o tronco; e o psoas, que conecta as pernas às costelas

(funcionando como flexor do fêmur, elemento importante na manutenção da postura ereta e

integrante do assoalho pélvico) entremeado ao diafragma. Estes dois músculos integrados

funcionam como central core18

.

18

Central Core é um conceito fundamental no Sistema Laban, este termo foi traduzido como Centro do Corpo

por Lenira Rengel (2001) em “Dicionário Laban”. No sistema Laban, toda a conceituação espacial parte do

Centro do Corpo, de acordo com Rengel, “A região do umbigo forma o centro de dois outros centros, também

muito experienciados no método Laban: cintura pélvica e cintura escapular.” (RENGEL, 2001, p.36). Rengel

se refere a essas duas cinturas como centro de gravidade e centro de leveza, Hackney fala em parte alta e parte

baixa do corpo, aprofundando o assunto tratando das relações musculares. Lisa Billingham (2009) quando fala

da importância da realização do movimento a partir do centro informa didaticamente que “...neurologicamente,

as pessoas se movem a partir do centro em direção às extremidades do corpo. Existem seis extremidades: dois

braços, duas pernas e duas terminações da coluna vertebral (cabeça e cauda). A ênfase neste padrão visa

assegurar que todas as seis extremidades se movimentem em direção e partindo do centro”. Versão da autora

para “...neurologically, humans move from their core to their distal edges. There are six distal edges: two

arms, two legs, and the two ends of the spine (head and tail). The emphasis in this pattern is to be sure that all

six limbs can move in toward and out of the core”. (BILLINGHAM, 2009, p.15).

Page 28: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

19

Ainda mais interessante é o fato das fibras musculares desta abóboda

irradiarem do seu ápice para se ligar às cartilagens costais, nas costelas flutuantes,

no arco costal e mais para baixo ainda, na terceira e quarta vértebras lombares. Ou

seja, o diafragma se conecta com a pelve. Neste processo, suas fibras se cruzam,

como dedos, com as fibras do músculo psoas e outros músculos que formam a

parede muscular interna do abdômen, como o quadrado lombar. Como o psoas

maior conecta o trocanter menor do fêmur com a vértebra lombar atravessando

todo o caminho até a 12ª vértebra torácica (na altura da última costela), ele não é

apenas um músculo da parte baixa do tronco, mas também é (a exemplo do

diafragma) um músculo do central core. O psoas é a ligação das pernas com a

espinha e pode formar uma "cadeia cinética" com o diafragma para integrar as

atividades das partes alta e baixa do corpo através da respiração. (HACKNEY,

2002, p.62-3)19

.

Figura 2: Relação entre os músculos diafragma e psoas (HACKNEY, 2002, p.63).

Dennis Lewis (1997), quando discorre sobre a influência negativa do sistema

nervoso simpático, em função do estresse e emoções negativas, sobre o diafragma (e por

consequência sobre a respiração), faz questão de mencionar que a motilidade do diafragma

“...é também adversamente influenciada pela tensão supérflua a que submetemos músculos,

tendões e ligamentos, bem como pela configuração pouco favorável da estrutura do

esqueleto” (LEWIS, 1997, p.39). Ressaltando que “...o diafragma sofre a influência da

saúde e da motilidade da coluna, da pélvis e dos músculos a elas ligados, os quais, por sua

19

Tradução da autora para “Even more interesting is the fact that the muscle fibers of this dome radiate out

from its apex to attach to the costal cartilages, the lower ribs (11 and 12), the costal arch, and even as far

down as the 3rd and 4th lumbar vertebrae (by means of the crura). Thus, the diaphragm connects far down

into the pelvic basin. in this process, its fibers interdigitate, like fingers crossing through one another, with

fibers of the psoas muscle and other muscles which form the internal muscular wall of the abdomen such as the

quadratus lumborum. Since the psoas major connects the lesser trochanter of the femur with the lumbar

vertebrae traveling all the way up to the 12th thoracic vertebrae (level of the lowest rib), it is also not simply a

"lower body" muscle, but is also (like the diaphragm) a muscle of the "central core". The psoas is a link from

the legs to the spine and can form a 'kinetic chain" with the diaphragm to integrate upper and lower body

activity through the breath”. (HACKNEY, 2002, p.62-3).

Page 29: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

20

vez, sofrem a influência não só de nossa postura comum como também de nossas atitudes e

emoções”. (LEWIS, 1997, p.40).

Voltando à primeira indicação de Keleman, que faz referência ao fato do diafragma

cerebral se estender pela medula até o sacro, as tentativas de controle voluntário da

respiração (que é um sistema involuntário, ou semi voluntário) e seus reflexos de hiper ou

hipoventilação influenciando cérebro, coração e intestinos; ou ainda de estados de

consciência alterados (como na meditação ou em alguns rituais religiosos) confirmam a ideia

de corpo todo envolvido com a respiração. Sugerem também a ideia da respiração

funcionando como conexão do corpo com o universo fortalecendo a proposta de olhar

holístico20

sobre o corpo.

Figura 3: Influência da respiração no corpo segundo a visão constitutiva por tubos de Keleman

(KELEMAN, 1992, p.61).

Ou seja, no dizer de Keleman:

“Para nos controlarmos, precisamos controlar nossa respiração. Os três

centros cerebrais - o cortical-voluntário, o talâmico-emocional e o tronco cerebral-

cerebelo - correspondem a regulagem da respiração. Sem respiração, não há

oxigenação. Sem oxigenação, não há calor. sem calor não há vida. Sem vida, não

há força. Sem força, não há espírito. É por isso que o coração, o cérebro e a

respiração estão tão intimamente ligados". (KELEMAN, 1992, p.62).

Quando se fala em canto, a respiração, apesar da sua grandiosidade, passa a ser vista

como parte de um sistema que permite a emissão vocal, ou seja, “a expiração se torna

20

Holismo aparece aqui como entendimento do ser humano em sua totalidade, abarcando o corpo em sua

totalidade, percebendo seus detalhes e articulações entre eles, evitando fragmentações: “Procura juntar para

conhecer. Enfatiza o físico, mas intimamente inter-relacionado com a mente, a consciência, o espírito e com as

energias do universo”. (TEIXEIRA, s/d, p.5).

Page 30: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

21

sinônimo de fonação” (MARIZ, 2013, p.48). Em muitas aulas de canto, a referência que se

faz à respiração é literalmente de apoio.

Joana Mariz (2013) explica esta situação com clareza, quando discorre sobre o

modelo fonte-filtro desenvolvido por James Flanagan: “a respiração desempenha o papel de

geradora de energia para o sistema formado entre a fonte, isto é, a fonação, e o filtro, isto é,

a articulação”. (MARIZ, 2013, p.42).

Como toda esquematização, esta simplificação afasta o estudo do canto da

possibilidade não só de construção da auto-imagem defendida por Feldenkrais, como da

pesquisa entre as relações que se constroem no próprio corpo.

Figura 4: Extensões da respiração (KELEMAN, 1992, p.61).

Este texto não pretende tratar de técnica vocal para o canto, mas do corpo expressivo

durante o canto como dimensão de presença em performances musicais e de como os

estudos de Rudolf Laban podem ser utilizados por cantores de música de câmara21

com

intuito de aprimorar suas performances na direção da oposição complementar sentido /

presença.

As teorias desenvolvidas por Laban agregam elementos de sentido e presença, seu

sistema pode ser aplicado no treinamento de cantores para o palco da mesma forma como

21

Apenas por se tratar do foco desta pesquisa, certamente cantores que se dediquem a outras especialidades

podem fazer uso das teorias de Laban, com esta aproximação, ou com outras, obtendo bons resultados.

Page 31: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

22

vem sendo aplicado em outras áreas de conhecimento que reconhecem a importância do

movimento e de sua análise.

Este texto traz o resultado da pesquisa de movimento que envolveu apenas dois

aspectos da proposta de Laban: a análise simplificada do movimento (aplicada às

performances de duas canções brasileiras contemporâneas de câmara); e a pesquisa de

movimento (para outras duas)22

. A aproximação pretendida pela utilização destes dois

aspectos foi a de complementaridade, para verificar o tipo de influência dos aspectos de

produção de sentido na produção de presença.

Labanálise [LMA]: Expressividade/Forma é um método sistemático de

observação, registro e análise dos aspectos qualitativos do movimento corporal. A

qualidade do movimento pode ser pensada em termos de “como” um movimento é

realizado. Responde a questões do tipo: Como Jane saiu da cadeira? Ela foi

rápida e forte em sua qualidade de movimento? Talvez ela tenha se jogado para

fora da cadeira com uma qualidade pesada? Veio de um impulso central ou com

contratensões espaciais nos membros? (...) O movimento começou no torso que é a

área central do corpo? O movimento começou nas mãos que é uma área periférica

do corpo? (COHEN, 1978 apud FERNANDES, 2006, p.35).

A principal característica da LMA é a possibilidade de registro das qualidades do

movimento em diferentes níveis de aprofundamento.

Análise da canção “Amor em lágrimas”

“Amor em lágrimas” é a segunda canção do ciclo de câmara “Três Canções

Populares” de Cláudio Santoro (1919 – 1989) para voz média e piano.23

Com poesia de

Vinícius de Moraes (1913 – 1980), esta canção foi composta em 1957, em Leningrado e

editada por Edition Savart.

De acordo com José Hue (2001), Cláudio Santoro e Vinícius de Moraes se

encontraram em Paris em 1957/8, ocasião em que lá viviam e estavam apaixonados (Santoro

por Lia, a quem dedicou algumas canções, e Moraes por Lucinha Proença, a quem dedicou o

poema “Para viver um grande amor”). Santoro forneceu a Moraes uma procuração, por

meio da qual autorizava Moraes a tratar de seus interesses junto à editora Ricordi de São

Paulo relacionados a quatro canções, entre elas “Amor em lágrimas”, que na ocasião

apresentava apenas linha melódica com indicação de acompanhamento.

Ou seja, a melodia desta canção foi composta sem preocupação com as palavras que

viriam a fazer parte dela. Outra qualidade importante deste processo composicional é a sua

22

No próximo capítulo: “Respirando e ouvindo”. 23

A primeira versão da música foi para voz e violão.

Page 32: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

23

aproximação do universo popular, não só pela estética “sofisticação coloquial” indicada por

Wladimir Mattos (2006), como pela parceria experimentada por Santoro e Moraes naquela

ocasião24

.

Ainda de acordo com Mattos, “Amor em lágrimas” e outras canções foram gravadas

com voz acompanhada por violão “...à maneira popular, com maior liberdade interpretativa

(…) com resolução improvisada” (MATTOS, 2006, p.86), o resultado, no entanto, não foi

divulgado por não ter agradado os autores.

Sobre o Texto

Ouve o mar que soluça na solidão Ouve, Amor, o mar que soluça Na mais triste solidão. E ouve, Amor, os ventos que voltam Dos espaços que ninguém sabe Sobre as ondas se debruçam E soluçam de paixão. E ouve, amor, no fundo da noite, Como as árvores ao vento Num lamento se debruçam E soluçam para o chão. Deixa, Amor, que um corpo sedento, Como as árvores e o vento, No teu corpo se debruce E soluce de paixão.

A poesia de Vinícius de Moraes faz uso de elementos da natureza para definir o

ambiente de sofreguidão e desejo relacionado à paixão amorosa e para sugerir/propor o ato

sexual, pela repetição dos termos que indicam movimento (debruçar) e som (soluçar).

O texto se organiza em quatro estrofes todas terminadas com -ão-.

Sobre a música25

24

Entre 1957 e 1960, Claudio Santoro e Vinícius de Moraes experimentaram parceria em três ciclos de

canções: “Canções de amor, série 1”, “Três canções populares” e “Canções de amor, série 2”. A prática de

parceria não é usual entre compositores de música erudita. 25

Foi possível localizar duas dissertações que incluíram a análise musical de “Amor em lágrimas” em seus

trabalhos: “Processos de criação musical”, defendida por Michelle Botelho da Silva Salgado (2010); e “Análise

rítmico-prosódica como ferramenta para a performance da canção: um estudo sobre as canções de Claudio

Santoro e Vinícius de Moraes”, defendida por Wladimir Contesini de Mattos (2006), ambas na UNESP.

Page 33: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

24

A canção é composta por 48 compassos divididos em ritmo quaternário, com

indicação andante para o andamento em que a semínima é a unidade de tempo, a tonalidade

é si menor com modulação para si bemol menor.

A partitura se limita a indicações musicais, oferecendo liberdade de interpretação aos

intérpretes, por se abster de indicações de expressividade (intensidade, fraseado para a voz,

rubattos, acentuações), se limitando a um molto rallentando final e ao fraseado do piano.26

A organização da relação voz e piano transcorre sem novidade que vá além das já

mencionadas: o piano faz na introdução (quatro primeiros compassos) a apresentação do

tema a ser desenvolvido pela voz a partir do quinto compasso.

Ao fim da terceira estrofe da poesia, há um interlúdio só para o piano no tom de si

bemol menor. Quando a voz retorna, a tonalidade volta para si menor.

A parte do piano se caracteriza por acordes arpejados na mão esquerda e ligeiro

reforço da melodia realizada pela voz com terceiras batidas na mão direita.

Ao final da canção, há uma coda para o piano, de textura diferente do que foi

apresentado anteriormente. Após a respiração indicada pela vírgula, a movimentação

diminui alterando a textura, este recurso antecipa a intenção do molto rallentando e

diminuendo finais.

Seções Compassos Estrofe Instrumentação

Introdução 1 a 4 - piano

A (antecedente) 5 ao 12.3 1a. voz e piano

A' (consequente) 12.4 ao 20.3 2a. voz e piano

A' 20.4 ao 28 3a. voz e piano

Interlúdio 29 ao 36.3 - piano

A' 36.4 ao 44.3 4a. voz e piano

Coda 44.4 ao 48 - piano

Na organização das frases musicais, a palavra “ouve” que inicia as três primeiras

estrofes da poesia, surge em duas propostas rítmicas diferentes:

1. No início da parte da voz, em ritmo tético, afirmativo e, além disso, firmando a

tonalidade menor pela escolha da 3ª da escala (esta e a única utilização de início

tético nas frases para voz); e

2. No início da segunda frase da primeira estrofe e no início das segunda e terceira

estrofes da poesia, a opção foi por início anacrústico acompanhado pela adoção da 26

Também não oferece qualquer orientação de movimentação expressiva para os intérpretes.

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25

conjunção -e- em elisão ao verbo: “e ouve”, conduzindo, em elisão, à outra palavra,

“amor”.

Sobre a performance

A performance analisada neste trabalho está disponível em

<https://www.youtube.com/watch?v=9tp6LnGjgN4>. Há informação de que foi postada

pela própria intérprete27

da obra no video, a cantora Malu Mestrinho, ao piano, Marcus

Medeiros, e que a performance ocorreu em novembro de 2009 no Teatro Glauce Rocha, em

Campo Grande (MS).

Trata-se, portanto, de versão reconhecida e divulgada pela própria cantora.

Malu Mestrinho é meio soprano, professora de canto da Universidade Federal de

Campina Grande (UFCG), com atuação tanto em ópera quanto em música de câmara (na

ocasião da realização desta gravação, Malu Mestrinho e Marcus Medeiros eram professores

da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)).

A gravação dura 2 minutos e 41 segundos, a câmera de vídeo foi posicionada a

direita do palco, provavelmente italiano, sendo visíveis: as costas e as mãos do pianista, o

teclado e a partitura na estante do piano de quarto de cauda. Não é possível ver o público, as

costas do pianista que se veste de preto e o piano da mesma cor se confundem com o pano

de fundo e as laterais do palco. A cantora usa vestido de alças, em tom terroso, longo,

esconde seus pés.

Não há qualquer comunicação verbal com o público, que permanece em absoluto

silêncio durante toda a performance28

. A iluminação única com foco nos intérpretes.

Análise inspirada na “Folha codificada simplificada para LMA”29

A “Folha codificada simplificada para LMA” divulgada por Ciane Fernandes parte

da impressão geral proporcionada pela situação observada para o observador, permitindo

27 Em 1/4/2013. 28 Provavelmente todo o ciclo foi interpretado na ocasião, pois não há som de palmas. É habitual que as

palmas aconteçam apenas ao final da interpretação de ciclos. 29

Modelo divulgado por Ciane Fernandes (2006).

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26

aprofundamento na qualidade que mais lhe chamar atenção dentro da relação entre as

categorias Corpo30

-Expressividade31

-Forma32

-Espaço33

.

A divisão desta proposta de análise em categorias, a exemplo da fragmentação do

conceito de auto-imagem em quatro elementos proposto por Feldenkrais, é uma

oportunidade de detalhamento de natureza metodológica com propósito de alcançar o todo,

“...as quatro categorias estão sempre presentes em todo movimento, porém com diferentes

graus de importância ou destaque.” (FERNANDES, 2006, p.36).

Os nomes das categorias do Sistema Laban são sempre escritos com letras

maiúsculas para favorecer sua identificação e diferenciação, quando da utilização da mesma

nomenclatura, porém relacionada a outros conceitos.

A observação desta performance foi realizada exclusivamente por meio de vídeo

divulgado pela internet e a sua análise foi iniciada em 10 de janeiro de 2015.

Em se tratando de obra composta originariamente como de câmara, os intérpretes,

tradicionalmente, devem restringir sua movimentação, a não ser que haja indicação contrária

na partitura. Em se tratando de obra para voz e piano, é de praxe que o cantor se posicione

próximo à curva da cauda do piano.

A cantora segue a tradição e se posiciona, sem realizar deslocamentos, na curva da

cauda do piano, esta opção faz com que seu corpo e seus movimentos tendam mais para a

30

A categoria Corpo indica “o que” se movimenta partindo, dentre outros conceitos, dos pressupostos

desenvolvidos por Irmgard Bartenieff, sem se restringir a eles:

“Respiração e as Correntes de Movimento

O Suporte Muscular Interno

A Dinâmica Postural

As Organizações Corporais e os Padrões Neurológicos Básicos (PNB)

As Conexões Ósseas

A Transferência de Peso para a Locomoção

A Iniciação e o Sequenciamento de Movimentos

A Rotação Gradual

A Expressividade para a Conexão Corporal

A Intenção Espacial” (FERNANDES, 2006, p.52). 31

A categoria Expressividade trata da maneira “como” o movimento é realizado. “A categoria Expressividade

refere-se à teoria e prática desenvolvidas por Laban, onde qualidades dinâmicas expressam a atitude interna do

indivíduo com relação a quatro fatores (dispostos na ordem de seu desenvolvimento na infância):

fluxo

espaço

peso

tempo [...]

Estas qualidades dinâmicas oscilam entre duas polaridades de cada fator...” (FERNANDES, 2006,

p.120). 32

A categoria Forma se relaciona com “com quem” se movimenta. “...refere-se a mudanças no volume do

corpo em movimento, em relação a si mesmo ou a outros corpos”. (FERNANDES, 2006, p.159). 33

A categoria Espaço faz referência a “onde” o movimento é realizado e envolve os conceitos de harmonia

espacial, cinesfera, alcance do movimento, padrão axial, formas cristalinas, percurso espacial e tensão espacial.

Page 36: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

27

direita34

, onde o pianista se posiciona. A câmera de vídeo que registrou esta performance

foi posicionada à direita do palco, parece razoável imaginar que não se trate de coincidência,

mas de pretensão de registrar a movimentação das mãos do pianista sobre o teclado.

É provável que a cantora seja canhota, pois, na primeira parte da música, ela realiza

mais movimentos com o braço esquerdo do que com o direito35

.

Em se tratando das relações estabelecidas pelo corpo da intérprete, no âmbito da

categoria Corpo, ele se constrói ereto, neutro, com solidez própria de enraizamento em

relação ao chão.

Os gestos se configuram como movimentos para cima e retorno a posição inicial

realizados com braços e cabeça. O corpo se volta ligeiramente para a direita e retorna e para

o centro, há também ligeiro avanço.

Esta performance foi realizada em um teatro, a gravação, que não foi editada, foi

realizada com apenas uma câmera, e corresponde à situação exata de um recital, ocasião em

que cantores interpretam canções ao vivo para o público que, neste caso, imagina-se que

esteja sentado na plateia em frente ao palco. Ou seja, esta gravação exerce função de

registro de performance.

Neste caso, a cantora se dirige ao público, traz decorada a sua parte, oferece visão

total de seu corpo à plateia36

, o que influencia diretamente o fator espaço da categoria

Expressividade: a cantora se coloca em situação de multifoco, oferecendo sua atenção ao

pianista, ao som, ao ambiente, inclusive à câmera que realiza a gravação e ao público

presente.

Seu corpo inteiro se compromete com a proposta multifoco, apesar da tendência para

a direita37

.

O fator fluxo permanece controlado durante toda a interpretação da canção, não há

deslocamento no espaço, devido à opção por seguir a tradição de posicionamento na curva

do piano, os movimentos que se configuram como gestos são contidos, nenhuma tensão

34

Essa tendência para a direita pode se relacionar também à busca por comunicação com o pianista. Antes do

início da música, a cantora se posiciona com o corpo inteiro voltado para a direção do pianista, a posição

frontal em relação ao público só é alcançada durante a introdução interpretada pelo piano. 35

Alguns cantores tem o hábito de estudar direcionando o som da voz com movimentos do braço dominante. 36

Em muitas performances, cantores optam por cantar deixando a partitura disponível para consultas eventuais

durante a performance, ou até mesmo cantam lendo sua parte. Nestas ocasiões fazem uso de estantes para

partituras, que podem ser colocadas diretamente à frente do cantor, ou em diagonal. Nas duas situações, o

cantor ocupa o seu olhar com a leitura, mesmo que eventualmente, e afasta possibilidade de aprofundamento

do contato visual com o público. 37

Antes do início da música, quando a cantora se volta diretamente para o pianista, é possível observar um

breve momento de foco direto, no entendimento tácito entre os dois para iniciar a performance.

Page 37: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

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pode ser percebida, mas as restrições da música e até da opção pelo multifoco influenciam

na percepção do fluxo contido.

Em se tratando do fator peso, o que se observa é o enraizamento delicado, o tronco

forte e ativo, e, braços ativos e leves, seguindo a influência sonora da música.

No que se refere ao fator tempo, a constância é a tônica, é inegável a influência do

som sobre este fator e a canção segue do início ao fim sem alterações de andamento que

pudessem sugerir situação diferente de tempo constante. No entanto, na ocasião de

interpretação da última estrofe da música: “Deixa, Amor, que um corpo sedento, como as

árvores e o vento”, uma urgência na voz e no corpo da cantora pode ser percebida. Parece

que esta urgência foi influenciada pelo texto, pois se inicia em uma palavra que indica

necessidade fisiológica extrema: “sedento” e termina logo a seguir em “árvore”.

Esta urgência pode ser percebida como aceleração momentânea, pois já na próxima

palavra (“vento”), a cantora retorna ao tempo anterior.

É mais difícil falar sobre a categoria Forma nesta performance. No entanto, se

considerarmos a relação espacial criada pelo posicionamento do conjunto piano/pianista38

e

cantora, pode-se falar em Forma Básica (tridimensional) trazendo Pirâmide, cujo vértice

seria reforçado pela altura da cantora. Sua tridimensionalidade é reforçada pela

movimentação ascendente/descendente de braços e cabeça; pequenos avanços e recuos do

tronco da cantora; e fechando/espalhando na movimentação dos braços do pianista.

No que se refere à categoria Espaço, considerando exclusivamente a cantora, há que

se pensar no conceito de Formas Cristalinas desenvolvido por Laban a partir da ideia de

desenho do movimento, pela justaposição de dois elementos imateriais (o tempo e o

movimento) na materialidade dos poliedros.

Considerando as características da atuação da cantora (a opção pela frontalidade,

manutenção da postura ereta, o multifoco e o não deslocamento no espaço) seus gestos

trabalham dentro das possibilidades oferecidas pelas dimensões Vertical e Sagital, dentro da

da Forma Cristalina do Octaedro.

É interessante observar que o enraizamento do corpo e o tronco forte, ativo da

cantora não são percebidos como opostos à fluidez do som advindo deste corpo, ao

contrário, essas características favorecem o fraseado e a estabilidade da voz.

Sobre a confrontação entre sentido e movimento

38

A base da pirâmide se construiria no espaço ocupado por piano, pianista e cantora.

Page 38: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

29

Não houve gestos descritivos das situações indicadas pelo texto. O que se pode

perceber, no entanto, é uma relação entre a emissão vocal e a movimentação dos braços. A

cantora movimenta os braços durante todo o seu cantar, com exceção do momento em que,

no início de sua performance, apresenta o tema (compassos 5 a 8).

Os gestos realizados e a própria música fluem leves e precisos, quase sem alterações

de andamento.

Análise da canção “Desafio”

A canção “Desafio” foi composta por Edino Krieger durante a década de 1950 a

partir de poema de Manuel Bandeira datado de 1938. O título da música, que repete o título

do poema, remete a uma tradição folclórica brasileira, que se caracteriza pela improvisação

acompanhada por instrumentos musicais.

Sobre o Texto

Não sou barqueiro de vela,

Mas sou um bom remador:

No lago de São Lourenço

Dei prova do meu valor!

Remando contra a corrente,

Ligeiro como a favor,

Contra a neblina enganosa,

Contra o vento zumbidor!

Sou nortista destemido,

Não gaúcho roncador:

No lago de São Lourenço

Dei prova do meu valor!

Uma só coisa faltava

No meu barco remador:

Ver assentado na popa

O vulto do meu amor...

Mas isso era bom demais

- Sorriso claro dos anjos,

Graça de Nosso Senhor!

Manuel Bandeira, autor desta poesia, foi um dos poetas brasileiros mais importantes

do século XX, suas poesias foram musicadas por diversos compositores. E, este poeta,

assim como o já citado Vinícius de Moraes, teve oportunidade de oferecer palavras a

Page 39: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

30

melodia composta previamente em algumas ocasiões. De acordo com Luciano Marcos Dias

Cavalcanti (2009), Manuel Bandeira estudou música, se dedicando ao piano e violão:

Esta aproximação com a música pode ser vista também como um meio de

aproximação da tradição popular. A música, para o Bandeira, é um objeto usado

para construção de seus poemas, para isso o poeta fez uso de técnicas musicais na

estrutura dos poemas, buscando efeitos semelhantes aos da música. Unindo, assim,

as duas artes irmãs. (CAVALCANTI, 2009, p.37).

O texto da poesia remete a uma fase da vida do poeta, quando portador de

tuberculose, frequentou estações de cura, neste caso em São Lourenço e se dedicava às

atividades prescritas pelos médicos.

A poesia se organiza em cinco estrofes, as quatro primeiras com quatro versos e a

última com três.

Sobre a performance

A performance analisada desta canção está disponível em

<https://www.youtube.com/watch?v=LVG4W0CTS4A>. Trata-se de vídeo editado com os

intérpretes se apresentando fora do formato de recital. O vídeo foi postado pelo violonista,

divulgando seu trabalho no Duo Cancionâncias.

O Duo Cancionâncias iniciou a sua trajetória em 2007, com proposta de interpretar

músicas brasileiras e latino-americanas. Seus integrantes são Manuelai Camargo, soprano

dramático, e Cyro Delvisio, violão.

A gravação dura 2 minutos e 46 segundos e alterna vários planos, inclusive com

movimentação de câmera, a locação é a frente do prédio da Academia Brasileira de Letras

(ABL) no Rio de Janeiro, onde se localiza, desde 2007, a estátua de Manuel Bandeira. A

cantora veste blusa sem mangas na cor creme e saia longa verde, não é possível ver os seus

pés; o violonista usa camisa de botão de manga longa, cuja padronagem permite entender o

cinza como cor principal, calça social preta e sapatos da mesma cor, seus pés só são vistos

enquanto caminha no início do vídeo.

Não há indicação de público para esta performance, mas é possível ver transeuntes

que não se interessam em acompanhar as atividades dos artistas.

Page 40: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

31

Análise inspirada na “Folha codificada simplificada para LMA”

Diferente da gravação de “Amor em lágrimas”, a gravação de “Desafio” não é

registro de recital, mas um videoclipe39

. Este formato pressupõe edição de imagens e de

som, alternância de planos de gravação, o que indica a realização de roteirização e

planejamento que implica em elementos que estão além de questões relacionadas

exclusivamente à performance dos intérpretes.

Não há indicação de direção, direção de movimento, ou similar. Estão indicados nos

créditos do vídeo: Duo Cancionâncias, composto por Cyro Delvizio (violão) e Manuelai

Camargo (voz); e Andrés Patiño Casasfranco (gravação, edição e mixagem de áudio) e

Laura Patiño Casasfranco (gravação, montagem e edição de vídeo).

A característica que primeiro chama a atenção nesta proposta do Duo Cancionâncias

é o nome do projeto que justifica a realização do videoclipe: “Música nas estátuas”.

Este nome, a princípio, serviria como justificativa para a escolha da canção – a

existência de estátua do autor da poesia da música em logradouro público, - traz uma

oportunidade extra de sentido/presença para a apreciação da performance40

: a oposição

complementar traduzida pela imobilidade da estátua e o som e seu movimento. Não só o

movimento que provoca a produção do som, como também o movimento que o som inspira

nos corpos dos intérpretes, sendo percebido com mais facilidade no corpo da cantora do que

no do violonista41

.

A análise do videoclipe foi iniciada em 22 de janeiro de 2015 e seu objeto é a

movimentação da cantora Manuelai Camargo, é preciso salientar que há diferenças em sua

movimentação entre os momentos em que ela canta ou permanece em pausa e, que esta

análise observa o seu corpo ao cantar.

Considerando a categoria Corpo, há que se falar em corpo forte e cotidiano, como é

cotidiano o andar das pessoas que se deslocam pelas calçadas do entorno do local onde está

localizada a estátua de Manuel Bandeira.

Há poucas oportunidades de observação do corpo inteiro da cantora, no entanto,

pode-se afirmar que sua ênfase expressiva acontece na cintura escapular e no seu rosto.

39

De acordo com o Dicionário Michaelis, videoclipe é “Vídeo para apresentação de música, com imagens

visualmente interessantes, embora frequentemente não se relacionem diretamente à execução da música em si”.

(http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=videoclipe). 40

E justifica a opção pela realização de um videoclipe. 41

Por se tratar de vídeo editado, nem sempre é possível observar os corpos dos intérpretes. Há diferença de

atitude entre os dois, uma proposta de urgência no corpo da cantora, que não repercute no corpo do violonista.

Page 41: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

32

A cantora traz sua parte decorada, no entanto, certamente, por conta da opção pelo

videoclipe, a voz que se ouve neste vídeo foi gravada em ocasião diversa da de captação da

imagem.

Considerando a categoria Expressividade no que se relaciona ao fator fluxo, há que

se falar em contenção, esta contenção se opõe à urgência perceptível em seu corpo quando

se considera o fator tempo, que se traduz por um balanço na cintura escapular (a gravação

não permite visão de todo o corpo da intérprete quando ela canta), atingindo, em seu ápice,

os ombros. Este balanço parece se relacionar com a alternância entre a grande quantidade de

sílabas pronunciadas em divisões de tempo e a inspiração da cantora nas estrofes “quem

nadou contra corrente...” e “no Largo de São Lourenço dei prova de meu amor, uma coisa só

faltava...”. Uma vez que a urgência se extingue durante a nota longa emitida (-mor- em

amor).

Com relação ao fator espaço, há alternância entre o foco direto e ausência de foco,

sendo especialmente interessante o ‘olhar para dentro’ propondo ausência daquele espaço

por sugestão de reflexão ou imaginação, em oposição ao olhar direcionado ao violonista.

Cabe ressaltar que o 'olhar para dentro' ocorre em momento de desaceleração.

Já o fator peso se traduz por ser ativo e forte de uma forma refinada que permite

que a aceleração (urgência) se traduza em um balanço.

É importante frisar que esse refinamento permite que a força seja mais visível, se

traduzindo claramente por movimento costal superior do tronco relacionado à inspiração na

estrofe do "gaúcho roncador".

O corpo da cantora adota Forma Fluida, relacionada com os ajustes de seu próprio

corpo.

Em se tratando da categoria Espaço, a despeito da oportunidade de expansão

oferecida pelo espaço da rua, o alcance do movimento é restrito a uma cinesfera42

pequena,

própria da música de câmara e ao mesmo tempo da oportunidade de registro oferecida pelo

uso da câmera de vídeo.

Impressão geral

Oposições complementares: a estátua em sua imobilidade eternamente sem vida e o

movimento do som trazendo movimento aos corpos dos intérpretes. Sentido e presença

42

Cinesfera é o termo utilizado para designar o espaço que circunda o corpo e que é utilizado durante o

movimento, sendo entendida como pessoal, seu centro se confunde com o Centro do Corpo.

Page 42: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

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representados, o primeiro pelo peso da referência literária e o segundo pela irreverência de

cantar a referência diante dela mesma.

Sobre a confrontação entre sentido e movimento

Não houve gestos descritivos das situações indicadas pelo texto. Como se trata de

performance roteirizada, há movimento durante toda a gravação, apreendido em detalhes

pela câmera. É interessante notar, no entanto, que os músicos interagem além de questões

musicais (entradas ou cortes de som) pelo olhar e que o som do violão sugere um balanço

que se reflete no movimento do corpo da cantora, mas não parece refletir no corpo do

violonista.

Considerações sobre o que significa ser forte e leve para um cantor

À primeira vista, observar que os corpos das cantoras durante suas performances são

fortes e oferecem oportunidade de leveza pode parecer incoerente. No entanto, este tipo de

cantar definitivamente requer condições especiais de preparo físico para que bons resultados

sejam alcançados durante performances. Claudia Friedlander (2005) compara cantores

eruditos a atletas de elite, Thomas Casciero fez a mesma observação durante seu workshop

em 2008.

Sua arte requer coordenação excepcional, resistência e graciosidade, controle

motor extremamente refinado, integração total de corpo/mente e a habilidade para

interpretar trechos musicais extremamente sofisticados ao vivo. Você precisa estar

calmo e com energia durante performances grandiosas, muitas vezes em

concursos. Você deve estar sempre são fisicamente43

. (FRIEDLANDER, 2005,

s.n.)

No entanto, como foi observado no capítulo “Canto se aprende na escola?”, a

orientação em preparação corporal do cantor ainda é tímida, dependendo da trajetória de

vida do cantor. Friedlander observa que a recomendação de exercícios para cantores, na

maioria das vezes se relaciona com profilaxia, redução de estresse, objetivos estéticos e bem

estar geral.

43

Versão da autora para “Your art requires exceptional coordination, endurance and grace, exquisitely fine

motor control, total mind/body integration, and the ability to perform highly skilled maneuvers in real time.

You must remain calm but energized while delivering peak performances, often in competitive situations. You

must maintain optimum physical health”. (FRIEDLANDER, 2005, s.n.º).

Page 43: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

34

Ter consciência da respiração e saber tirar proveito dela é fundamental para o canto.

Neste ponto o corpo há que ser forte, com músculos condicionados, irradiando movimento

advindo da respiração para extremidades livremente, com todas as relações neurológicas

fluentes, assim como o fluxo de ar sonorizado. No entanto, neste corpo forte não pode haver

imobilidade e tensões, aqui surge a necessidade de leveza associada ao movimento.

O conceito de Centro do Corpo, considerando conexão do corpo inteiro com

propósito de movimento irradiando deste Centro do Corpo, é muito eficiente para entender a

necessidade de força e leveza integrados. A força no corpo pode ser entendida como vigor,

energia, disposição de um centro bem cuidado. E a leveza como outro tipo de disposição,

do corpo que mantém todas as condições necessárias para a fonação e permite a articulação,

não só de palavras, mas de movimentos, que expressivos, se aliam ao sentido para oferecer

oportunidade da experiência sentido/presença ao público.

Page 44: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

35

Respirando e Ouvindo

Man muss wirklich lauschen was sagt die Musik44

Dietrich Fischer-Dieskau

No desenrolar de seus estudos sobre movimento, Laban desenvolveu conceitos

inspirados em arquitetura e filosofia, observando a tridimensionalidade do corpo humano e a

relação entre suas partes.

O conceito que vai ser utilizado neste capítulo é o das Escalas Espaciais, recurso

eficiente para mover o corpo expressivamente no espaço (sem qualquer preocupação com

sentido ou conhecimento) a partir da exploração de possibilidades de percursos, gestos,

andamentos e intensidades.

As Escalas Espaciais advém do conceito de Formas Cristalinas desenvolvido por

Laban a partir da percepção de que a justaposição dos vestígios de movimento do corpo

humano no espaço a formas geométricas seria capaz de fortalecer experiências criativas:

“Até mesmo em movimentos simples e mínimos como caminhar ou fazer um pequeno gesto,

o corpo cria formas no espaço ao seu redor...” (FERNANDES, 2006, p.179).

Laban escolheu os cinco poliedros regulares para desenvolver as suas escalas: o

tetraedro; o octaedro; o hexaedro (cubo); o icosaedro; e o dodecaedro. Todas as escalas

...servem como uma estrutura básica para desenvolver a consciência e

discernimento de cada ponto no espaço, clareando a Intenção Espacial do gesto e

da postura. As sequências constituem um exercício de expansão do corpo no

espaço, percebendo pontos pouco ativos ou que recebem pouca atenção. Aos

poucos, o ator-dançarino começa a visualizar esses pontos de forma nítida,

organizando-os nas Formas Cristalinas ao redor de seu corpo, mesmo que em

aparente repouso. Os pontos no espaço podem ser usados em outras combinações

além das desenvolvidas por Laban, até mesmo misturando os pontos de diferentes

formas cristalinas. (FERNANDES, 2006, p.191).

(Ciane Fernandes fala em ator-dançarino por conta de sua trajetória de vida, qualquer pessoa

que tenha oportunidade de experimentar as Escalas Espaciais desenvolvidas por Laban, terá

possibilidade de organizar seu corpo em relação às Formas Cristalinas).

As pesquisas para este trabalho se limitaram a utilizar as escalas de movimento

elaboradas a partir do octaedro e do hexaedro (cubo).

44

Devemos ouvir de verdade o que a música diz (tradução da autora).

Page 45: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

36

Todos os poliedros regulares escolhidos por Laban para desenvolver suas escalas de

movimento são Poliedros ou Sólidos de Platão, ou seja, além de terem o mesmo número de

lados, de suas faces serem polígonos planos, da existência de simetria que transforma cada

face, aresta e vértice em outra face, aresta e vértice, foram utilizados por Platão no

desenvolvimento de suas teorias a respeito da origem do universo e por ele associados aos

elementos da natureza, na seguinte relação: tetraedro - fogo; octaedro - ar; hexaedro (cubo) -

terra; icosaedro - água; e o dodecaedro - cosmos (que seria a alma do mundo).

As escalas de movimento pretendem oferecer oportunidade para experiência de

movimento, a indicação das etapas que as constituem não informam formas a serem

alcançadas, apenas os caminhos que favorecem a experimentação proposta.

A aproximação feita por Laban aos sólidos de Platão, pressupõe o corpo humano no

centro da figura, para realizar pesquisa de movimento a partir das limitações impostas pela

utilização de cada figura.

O conhecimento dos planos dimensionais ajuda no entendimento da proposta:

vertical (partindo do centro, se movimentando para cima e para baixo); sagital (partindo do

centro, se movimentando para frente e para trás); e horizontal (partindo do centro, se

movimentando para direita e para esquerda), conforme desenho a seguir:

Figura 5: Planos dimensionais (vertical, sagital e horizontal) (http://www.laban-

analyses.org/laban_analysis_reviews/laban_analysis_notation/space_harmony_choreutics/planes/laban_dimens

ional_planes.htm

O Octaedro remete visualmente à ideia de duas pirâmides unidas pela base e,

geometricamente, pode ser representado desta maneira:

Page 46: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

37

Figura 6: Organização geométrica do octaedro

(http://mediateca.educa.madrid.org/imagen/miniatura.php?id_imag

en=7iounw6a6bgf4wcp&t=3&ra=1&na=350)

A proposta de Laban para interseção entre os planos dimensionais e o octaedro leva a

um tipo de modelo (numa perspectiva estática), onde a forma cristalina compartilha o seu

centro com o Centro do Corpo na posição inicial (de acordo com Ciane Fernandes, este

aspecto é determinante para expansão das habilidades físicas, emocionais, intelectuais e

espirituais daquele que experimenta pesquisa de movimento seguindo as teorias de Laban).

Figura 7: Modelo de interseção entre os planos dimensionais e o octaedro

(http://www.laban-

analyses.org/laban_analysis_reviews/laban_analysis_notation/space_harmony_choreutics/

planes/in_octahedron.htm)

É nessa posição que este Centro do Corpo coincide com o Centro do Espaço, ou o

centro imaginário de todas as figuras geométricas. É a partir desse ponto que

irradiam todos os outros, de todas as figuras geométricas. Assim, quando o corpo

desloca-se ao longo dos diversos pontos no espaço, carrega o seu Centro consigo,

o que nem sempre coincide nem passa pelo Centro do Espaço! No caso do

Octaedro, o Centro do Corpo desliza ao longo das dimensões, passando pelo

Centro do Espaço. Mas em outras figuras, como o Icosaedro, o Centro do Corpo

desloca-se pela periferia e o Centro do Espaço, sem passar por este.

(FERNANDES, 2006, p.195).

Page 47: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

38

Figura 8: Centro do Corpo e sua

expansão para o espaço

(HACKNEY, 2002, p.40).

Para a realização dos movimentos da Escala Dimensional do Octaedro criada por

Laban, é importante manter o entendimento de que o corpo se prolonga no espaço além de si

a partir do Centro do Corpo. É importante que haja também empenho pela manutenção da

frontalidade do quadril durante o exercício.

A Escala Dimensional do Octaedro tem como posição inicial o corpo ereto, de pé. O

movimento é iniciado pela direita, com o braço direito, mas parte do quadril, os braços

indicam o plano (dimensão) que está sendo objeto de experimentação naquele momento,

mas o movimento parte do Centro do Corpo e, como não poderia deixar de ser, por se tratar

do local principal de sua realização física, é influenciado pela respiração.

Figura 9: Escala Dimensional do Octaedro (FERNANDES, 2006,

p.198).

Poderia parecer, pela ideia de início de movimento pela esquerda ou direita, que o

lado do corpo que não orienta o movimento deveria pretender algum tipo de neutralidade,

mas não é esta a proposta. Ao contrário, o lado esquerdo do corpo complementa toda a

movimentação, quando o braço direito estiver na liderança do movimento e vice-versa, não

Page 48: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

39

liderar movimento não significa passividade. Esta oposição pretende oferecer experiência

espacial relacionada com o conceito de Centro do Corpo relacionado com partes do corpo

que se prolongam no espaço.

A seguir, descrição de Ciane Fernandes para a Escala Dimensional do Octaedro

iniciada pelo braço esquerdo, com indicação exata da participação do outro braço:

Enquanto o braço esquerdo leva o corpo para o Alto, o braço direito está

alongado para Baixo.

Enquanto o braço esquerdo leva o corpo para Baixo, moderadamente curvado

para a esquerda à frente do torso, o braço direito encolhe-se cruzando ou

atravessando a frente do corpo para a esquerda, por detrás do braço esquerdo.

Enquanto o braço esquerdo fecha para a Direita, o braço direito atravessa o

Centro do Espaço em direção a Esquerda.

Enquanto o braço esquerdo abre para a Esquerda, o braço direito abre

moderadamente para a Direita.

Enquanto o braço esquerdo avança para a Frente, o direito alonga-se para

Baixo e moderadamente para Atrás.

Enquanto o braço esquerdo recua para Atrás, o direito alonga-se para Baixo e

moderadamente pra Frente. (FERNANDES, 2006. p.198-9.).

O Hexaedro ou Cubo pode ser geometricamente representado assim:

Figura 9: Organização geométrica do hexaedro (cubo)

(http://mediateca.educa.madrid.org/imagen/miniatura.php?i

d_imagen=stn7sycp6ann5n2d&t=3&ra=1&na=350)

A exemplo do octaedro, o cubo compartilha seu centro espacial com o Centro do

Corpo no momento inicial (é possível, inclusive, colocar o octaedro dentro do cubo por

causa desta característica), além disso, a posição inicial para experimentação da Escala

Diagonal do Cubo e os princípios do movimento iniciando a partir do Centro do Corpo; a

frontalidade do quadril; e movimento integrado à respiração são mantidos :

Page 49: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

40

Figura 10: Interseção dos centros espaciais do cubo e do

Centro do Corpo

(http://edmusical2010.wikispaces.com/Expresión+Corp

oral)

Na Escala Diagonal do Cubo, criada a partir da interseção entre o centro espacial do

cubo e o Centro do Corpo, existem diferenças que trazem notável complexidade para os

movimentos desta escala em relação à Escala Dimensional do Octaedro: a impossibilidade

de não estar no Alto ou no Baixo, Frente ou Atrás, Direita ou Esquerda, porque assim que

inicia o movimento, o centro do corpo já toma a direção de uma diagonal45

, “o cubo não

possui pontos na altura da cintura” (FERNANDES, 2006, p.201); e a realização de

movimentos de torsão, alongamento e curvatura do tronco com manutenção da frontalidade

do quadril, apesar das diagonais.

As quatro diagonais do Cubo criam os oito pontos de direção do movimento da

Escala Diagonal do Cubo. Ao contrário da Escala Dimensional do Octaedro, a opção por

início com um braço ou outro, interfere em sua realização por levar a adoção de sentidos

diferentes: horário e anti-horário.

45

Uma diagonal se caracteriza por conjugar as três tensões dimensionais simultaneamente.

Page 50: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

41

Figura 12: Escala Diagonal do Cubo (FERNANDES, 2006, p.205).

A seguir, descrição de Ciane Fernandes para a Escala Diagonal do Cubo iniciada

pelo braço direito:

DIAGONAL 1, VÉRTICE A - Alto-Direita-Frente: braços e pernas abrem.

Enquanto o braço direito leva o corpo, abrindo para o Alto-Direita-Frente, o

braço esquerdo está alongado para Baixo-Esquerda-Atrás (os braços abrem).

Com o peso do corpo na perna direita, as pernas se afastam com uma abertura

moderada, os pés em semiponta enfatizando o Alto.

DIAGONAL 1, VÉRTICE B - Baixo-Esquerda-Atrás: braços e pernas fecham.

Enquanto o braço direito leva o corpo, fechando para Baixo-Esquerda-Atrás, o

braço esquerdo encolhe-se cruzando ou atravessando a frente do corpo. A

perna direita cruza por detrás da esquerda, e o pé direito toca o ponto Baixo-

Esquerda-Atrás, enquanto o esquerdo sustenta o corpo mais à frente.

DIAGONAL 2, VÉRTICE C - Alto-Esquerda-Frente: braços e pernas fecham.

Enquanto o braço direito leva o corpo, fechando para Alto-Esquerda-Frente, o

braço esquerdo encolhe-se cruzando ou atravessando a frente do corpo para

Baixo-Direita-Atrás, abaixo do braço direito. Com o peso do corpo

principalmente na perna direita, as pernas se cruzam com a direita à frente, os

pés em semiponta enfatizando o Alto.

DIAGONAL 2, VÉRTICE D - Baixo-Direita-Atrás: braços e pernas abrem.

Enquanto o braço direito leva o corpo, abrindo para Baixo-Direita-Atrás, o

braço esquerdo alonga-se moderadamente em direção a Baixo-Esquerda-

Frente. A perna direita abre, e o pé direito toca o ponto Baixo-Direita-Atrás,

enquanto o esquerdo sustenta o corpo mais a frente.

DIAGONAL 3, VÉRTICE E - Alto-Esquerda-Atrás: braços e pernas fecham.

Enquanto o braço direito leva o corpo, fechando para Alto-Esquerda-Atrás, o

braço esquerdo encolhe-se cruzando ou atravessando a frente do corpo para

Baixo-Direita-Frente, abaixo do braço direito. Com o peso do corpo

principalmente na perna direita, as pernas se cruzam com a esquerda à frente,

os pés em semiponta enfatizando o Alto.

DIAGONAL 3, VÉRTICE F - Baixo-Direita-Frente: braços e pernas abrem.

Enquanto o braço direito leva o corpo, abrindo para Baixo-Direita-Frente, o

braço esquerdo alonga-se moderadamente em direção a Baixo-Esquerda-Atrás.

A perna direita abre, e o pé direito toca o ponto Baixo-Direita-Frente, enquanto

o esquerdo sustenta o corpo mais atrás.

Page 51: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

42

DIAGONAL 4 - VÉRTICE G - Alto-Direita-Atrás: braços e pernas abrem.

Enquanto o braço direito leva o corpo, abrindo para Alto-Direita-Atrás, o braço

esquerdo alonga-se em direção a Baixo-Esquerda-Frente, com o peso do corpo

na perna direita, as pernas se abrem com a esquerda a frente, os pés em

semiponta enfatizando o Alto.

DIAGONAL 4, VÉRTICE H - Baixo-Esquerda-Frente: braços e pernas

fecham. Enquanto o braço direito leva o corpo, fechando para Baixo-

Esquerda-Frente, o braço esquerdo encolhe-se cruzando ou atravessando a

frente do corpo. A perna direita cruza pela frente da esquerda, e o pé direito

toca o ponto Baixo-Esquerda-Frente, sustentando a maior parte do peso

corporal". (FERNANDES, 2006, p.206-7).

Essas propostas de experimentação de movimento foram utilizadas quando a autora

pesquisou movimento para a interpretação das canções “A Bonequinha de seda” de

Francisco Mignone e “Rua Aurora” de Edmundo Villani-Côrtes.

A escolha das canções, ora analisadas, e objeto de pesquisa de movimento indicadas

neste capítulo, foi influenciada pelo gosto pessoal da autora, tessitura compatível com seu

timbre de meio-soprano, curta duração, para evitar questões relacionadas a memorização que

não são objeto deste estudo, e pelo fato de serem composições brasileiras contemporâneas

para câmara com acompanhamento de piano, evitando instrumentações que impedissem sua

interpretação plena.

A organização do estudo seguiu as etapas:

escolha de duas canções brasileiras de câmara;

realização de estudos musicais pertinentes (interpretação de texto; pesquisa sobre

contexto de composição; leitura da partitura; estudos práticos, incluindo

vocalizes);

realização de dois ensaios com a pianista Katia Ballousier. Ocasião em que a

pianista conheceu as músicas e a proposta interpretativa da autora e em que

foram gravadas duas versões para cada música: uma só com piano e a outra

completa;

experimentação da Escala Dimensional do Octaedro sob as seguintes condições:

sem preocupação com a sonoridade das músicas, declamando o texto, cantando

as frases a capella46

e influenciada pela sua audição durante o movimento;

experimentação da Escala Diagonal do Cubo sob duas condições: sem

preocupação com sonoridades e emitindo som de vogais, de forma improvisada,

em diferentes alturas e intensidades, junto a movimentos de expansão e

recolhimento do corpo relacionado aos braços;

46

a capella e um termo que indica canto sem acompanhamento de instrumentos.

Page 52: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

43

Análise da canção “A Bonequinha de Seda - canção das mães pretas”

A canção "A Bonequinha de Seda" foi composta por Francisco Mignone (1897 –

1986), com letra de Narbal Fontes (1899 – 1960), em 1936, como parte da trilha sonora de

filme de mesmo nome47

, dirigido por Oduvaldo Vianna (1892 – 1972), produzido pela

Companhia Cinédia do Rio de Janeiro, a partitura foi editada pela E.S. Mangione.

Sobre o texto

Drume, drume, Bonequinha, Calunguinha de sinhá. Drume, fais favô, Drume, pra sonhá com seu amô. Quem nasceu pra padecê, Inda pode remediá Fecha os óio pra esquecê, Sonha inté a dô passá. Drume, drume, Bonequinha, Calunguinha de sinhá. Drume, fais favô, Drume, pra falá com seu amô.

A poesia se organiza em três estrofes e está escrita com indicação clara da pronúncia

pretendida para a voz, fazendo alusão à simplicidade e desconhecimento das normas de

língua culta das “mães pretas”, escravas que cuidavam dos bebês de suas senhoras no

período em que houve escravidão no Brasil.

Sobre a música

Trata-se de canção composta para voz e piano composta por 40 compassos em ritmo

binário, onde a semínima ocupa um tempo, no tom de fá maior, com indicação andantino

para o andamento.

A partitura, a exemplo do texto, indica com precisão a interpretação musical

pretendida: marcatto, intensidades, crescendo e diminuendo, legatto, ritardando, a tempo e

acentuações.

Em se tratando de uma canção de ninar, é interessante observar o desenho pendular

iniciado no piano (que permanece durante toda a música, mesmo quando há adição de

47

O filme “Bonequinha de Seda” foi um grande sucesso cinematográfico brasileiro da década de 1930.

Page 53: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

44

indicação de fraseado mais longo) e levado para a voz, que se afasta deste desenho durante a

segunda estrofe.

Seções Compassos Estrofe Instrumentação Introdução 1 e 2 - piano A 3 a 16 1a piano e voz B 17 a 26 2a piano e voz A' 27 a 40 3a piano e voz

Sobre a pesquisa de movimento

A pesquisa de movimento foi realizada a partir da Escala Dimensional do Octaedro.

A experimentação da Escala Dimensional do Octaedro sofreu variações neste estudo,

no entanto, a realização de todos os movimentos considerou o octaedro como uma figura

geométrica formada por três eixos (vertical, horizontal e sagital), cujo ponto de interseção e

expansão corresponde ao Centro do Corpo.

Durante a realização deste exercício, independente da variação experimentada, houve

cuidado para que a frontalidade do quadril fosse mantida e que a respiração se relacionasse

com o movimento.

Após realizar diversas vezes a Escala Dimensional do Octaedro, iniciando

movimento tanto com o braço direito quanto com o esquerdo, foi feita opção por observar

expansões de tronco provocadas pela inspiração/expiração quando da realização dos

movimentos.

Organização da pesquisa de criação de movimento expressivo para interpretação

desta canção:

inspiração antes de começar cada movimento - alto/baixo; esquerda/direita;

frente/trás (ou no retorno a posição inicial) - ou seja, o movimento só ocorria na

expiração (os movimentos foram decupados nesta ocasião);

inspiração no início de cada sequência, retornando à posição inicial apenas ao

fim da sequência: inspiração – alto / expiração - baixo; inspiração – esquerda /

expiração - direita; inspiração – frente / expiração - atrás. Realizada com

repetição de cada oposição e como sequência de planos

vertical/horizontal/sagital;

inversão da proposta anterior, iniciando cada sequência com a expiração aliada à

primeira parte do movimento;

declamação da poesia durante realização dos movimentos da Escala Dimensional

do Octaedro;

Page 54: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

45

declamação da poesia sem realização dos movimentos da Escala Dimensional do

Octaedro;

interpretação a capella da canção;

realização da Escala Dimensional do Octaedro ao som da gravação completa

(piano e voz);

interpretação da canção ao som da gravação da parte do piano, improvisando

movimentação sem preocupação com a Escala Dimensional do Octaedro; e

repetição dos movimentos resultantes da improvisação indicada no item anterior.

Foram observadas no decorrer desta atividade mudanças positivas na qualidade da

voz falada48

da autora e de sua disponibilidade corporal49

.

Da mesma forma que o movimento influenciou a organização vocal e corporal da

autora, a escuta da gravação da canção durante a realização da Escala Dimensional do

Octaedro influenciou a qualidade dos movimentos realizados, que passaram a primar pela

leveza, foram realizados em andamento mais contido e com gestos arredondados.

Este arredondamento do gestual se manteve quando da interpretação da canção junto

com o acompanhamento gravado, tendo sido possível estabelecer uma pequena sequência de

movimentos de cabeça, inclusive faciais, braços, tronco, ombros e mãos após algumas

repetições.

Análise da canção “Rua Aurora”

A canção “Rua Aurora” foi composta por Edmundo Villani-Côrtes (1930) sobre

poesia de Mário de Andrade.

Mário de Andrade (1893 – 1945), poeta, famoso por sua participação na Semana de

Arte Moderna de 1922 em São Paulo, foi também músico, tendo atuado como professor de

piano e outras disciplinas no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e escrito

diversos textos sobre composição de música brasileira, estética, folclore, pronúncia da voz

cantada, além de uma coletânea de modinhas imperiais.

Mário de Andrade defendia a pesquisa de pronúncia brasileira cantada para canções

em português mais próxima do que se ouvia no cotidiano, que ele entendia como afeita a

questões étnicas: “...nós, os semicultos, não sabemos cantar em nossa língua. É invejável a

48

A voz ficou mais encorpada e intensa. 49 O corpo ficou mais disposto para o movimento, inclusive os pequenos e com alteração de atitude pra uma

postura com mais energia.

Page 55: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

46

naturalidade com que o povo ignorante fixou sua dicção cantada [...] é preciso que tenhamos

definitivamente a coragem da nossa naturalidade”. (ANDRADE, 1980, p.12 apud

PEREIRA, 2002, p.105).

Pela trajetória histórica deste poeta, que inclusive participou do Primeiro Congresso

Nacional da Língua Nacional Cantada realizado em 1937, a escolha de poesias de Mário de

Andrade para composição de canções eruditas traz inegavelmente uma sugestão de escolha

de pronúncia e postura/atitude mais próxima da utilizada em música popular, que por sua

vez se aproxima da fala cotidiana.

Sobre o texto

Na Rua Aurora eu nasci Na Aurora da minha vida E numa Aurora cresci No Largo do Paissandu Sonhei, foi luta renhida, Fiquei pobre me vi nu Nesta Rua Lopes Chaves Envelheço, e envergonhado Nem sei quem foi Lopes Chaves Mamãe, me dá essa lua Ser esquecido ignorado Como esses nomes da rua.

Texto confessional de Mário de Andrade, que realmente residiu nos locais e nas

circunstâncias e emoções indicadas.

Sobre a música:

Esta canção é composta por 32 compassos, cuja divisão rítmica principal é

quaternária, no entanto, há dois trechos binários: compasso 11 e outro entre os compassos 14

e 27. A indicação inicial de andamento é “Lento com liberdade, recitando para voz” e

“Lento, saudoso” para o piano. E o tom principal é o de lá menor, com modulação para si

menor e ré menor.

A partitura indica detalhadamente a interpretação musical, se abstendo de indicação

de movimentação para os intérpretes, mas indicando estado psicológico para o piano,

buscando uma relação de sentido com o texto da poesia.

Page 56: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

47

Esta canção remete ao universo da Música Popular Brasileira (MPB), não só pela

sonoridade relacionada com a utilização de acordes de 7ª e 9ª menores, mas também pela

orientação de liberdade para a voz (em termos rítmicos) e, como já foi dito antes, pela

escolha do texto de Mário de Andrade, que foi um teórico que defendeu a aproximação da

composição e interpretação musicais brasileiras da cultura e sonoridade nacionais.

Para fortalecer a proposta de recitativo, a parte do piano apresenta basicamente

acordes batidos quando junto à voz e encaminhamentos (acordes/trechos de escala) entre

frases realizadas pela voz.

Seções Compassos Estrofe Instrumentação

Introdução 1 e 2 - piano A 3 a 7 1 piano e voz

B 8 a 13 2 piano e voz

C 14.2 a 22.2.1 3 piano e voz

D 22.2.4 a 27 1 verso da 4 estrofe piano e voz E 27 a 32 2 e 3 versos da 4 estrofe piano e voz

As indicações expressivas para a voz presentes na partitura são as seguintes:

legattos precisos em quase todas as frases, as exceções são:

a. stacatto em “fiquei pobre me vi nu”, que inclusive contém uma indicação de

respiração separando sonoramente a palavra “nu” do resto da frase e um

glissando entre as colcheias “me vi”. Essa proposta e muito inusitada por

trazer leveza justamente onde o texto fala de um revés da vida do poeta; e

b. “Mamãe, mamãe, me dá essa lua”, este outro trecho sem indicação de

legatto acontece em momento do texto que remete a desespero, ou

desilusão: as indicações F (forte) e p (piano) para a repetição “Mamãe,

mamãe” e o marcatto em “me dá essa lua” oferecem dramaticidade a este

momento da música.

a tempo e rallentando nos finais das duas frases das primeiras seções; e

menos e a tempo nas duas ultimas seções.

Com exceção da última frase “como esses nomes da rua”, nenhuma das frases para

voz tem início tético50

.

50

Em música o termo tético indica tempo, ou parte, forte.

Page 57: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

48

Sobre a pesquisa de movimento

A pesquisa de movimento foi realizada inicialmente a partir da Escala Diagonal do

Cubo, como os resultados não foram favoráveis, a autora passou a utilizar a Escala

Dimensional do Octaedro.

Assim como na pesquisa de movimento realizada com a Escala Dimensional do

Octaedro, houve cuidado para manutenção da frontalidade do quadril, o que foi difícil

devido a sequência das diagonais sempre oporem níveis alto e baixo em relação a frente e

atrás, com torções, e com a relação entre respiração e movimento.

Organização da pesquisa de criação de movimento expressivo para interpretação

desta canção:

inspiração relacionada aos movimentos diagonais para o alto, seguida

imediatamente de expiração relacionada aos movimentos diagonais para baixo;

emissão improvisada de vogais quando da realização dos movimentos nas

diagonais, ou seja, uma expiração sonorizada abarcando uma diagonal inteira

(parte superior e inferior);

declamação da poesia sem a realização dos movimentos da Escala Diagonal do

Cubo;

declamação da poesia com a realização dos movimentos da Escala Diagonal do

Cubo;

interpretação a capella da canção, durante realização dos movimentos da Escala

Diagonal do Cubo;

interpretação a capella da canção, após realização dos movimentos da Escala

Diagonal do Cubo;

Escala Dimensional do Octaedro;

interpretação a capella da canção sem realização de Escala Dimensional.

Cantar durante a realização dos movimentos da Escala Diagonal do Cubo trouxe

perda de controle da respiração no canto, impossibilidade de realização de elementos

musicais expressivos (crescendo e diminuendo), devido à influência dos movimentos do

tronco na respiração. Esta atividade deixou a autora cansada, sem energia para cantar em

sequência.

Imaginando que o cansaço decorresse de exigência demasiada em um único

momento, a pesquisa foi suspensa na ocasião, sendo recomeçada em outro dia, evitando

Page 58: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

49

emissão de voz falada ou cantada junto à realização dos movimentos da Escala Diagonal do

Cubo. O resultado, no entanto, foi o mesmo.

Somente após a mudança de Escala de Movimento para a Escala Dimensional do

Octaedro, a autora conseguiu pesquisar e desenvolver movimentação para a canção com

facilidade.

Como a pesquisa foi individual, não é possível afirmar que a Escala Dimensional do

Octaedro favoreça pesquisa de movimento para canto de câmara, em detrimento da Escala

Diagonal do Cubo. No entanto, vale a pena ressaltar que a Escala Diagonal do Cubo é muito

mais “móvel” que a Escala Dimensional do Octaedro.

Além disso, é importante frisar a sabedoria das palavras de Friedrich Fisher-Diskau

na epígrafe deste capítulo, mesmo com todo preparo técnico, estudos e ensaios, é

fundamental OUVIR o que a música estiver propondo ao corpo. A música interfere no

corpo e no seu movimento.

Page 59: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

50

Conclusão

Um recital de música de câmara é um evento performático que pode variar em

muitos aspectos, mas sempre envolve um encontro de pessoas que experimentam sensações

(presença) e sentidos (conhecimentos).

Todos os que se propõem a este encontro, se dispõem a se preparar para ele

previamente, a passar alguns momentos juntos trocando estímulos energéticos, a ter

recordações dele, permitindo que essa experiência passe a fazer parte do seu universo de

auto conhecimento.

Esta pesquisa tratou de um aspecto preparatório para a realização da performance (o

movimento), devido à limitação naturalmente imposta por se tratar de um trabalho de fim de

curso e por se relacionar à trajetória e questões da autora, que como muitas outras pessoas

foi educada segundo diretrizes tecnicistas e se viu atuando influenciada por questões que o

tecnicismo (desdobramento cartesiano na educação) não alcança.

No entanto, a preparação para um encontro camerístico, apesar de requerer

planejamento e controle, não é um processo produtivo, o momento de realização de um

recital de música de câmara não é um produto, é uma experiência, sendo portanto, momento

de vida.

A este momento, a esta experiência deve ser oferecida outra oportunidade de visão, a

do holismo:

Leonardo Boff esclarece que “holismo não significa a soma das partes, mas a

captação da totalidade orgânica, una e diversa em suas partes, mas sempre

articuladas entre si dentro da totalidade e constituindo esta totalidade.” A

percepção do ser humano em sua totalidade adota este sistema de síntese ou

agregação dos componentes do ser, ao contrário do método cartesiano analítico,

reducionista, fragmentário ou dissociativo. Procura juntar para conhecer. Enfatiza

o físico, mas intimamente inter-relacionado com a mente, a consciência, o espírito

e com as energias do universo. (TEIXEIRA, s/d, p.5).

Neste sentido, a opção pela utilização do Sistema Laban quando da preparação para o

momento do recital por cantores de câmara é inquestionável por oferecer oportunidade de

conexão de corpos, espaço, emoções, conhecimento e espírito; de seguir intuições; de ser

influenciado pelo momento presente que o influencia também.

Em se tratando de estudo que faz referência à música, a influência do som se mostrou

inexorável, pesquisar movimento sem som é completamente diferente das ocasiões em que o

som se faz presente.

A afirmação de Jiddu Krishnamurti resume por oposição a oportunidade oferecida

pela pesquisa de movimento utilizando o Sistema Laban: “...Um coração vazio mais uma

Page 60: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

51

mente técnica não fazem um ente humano criador”. (KRISHNAMURTI apud TEIXEIRA,

s/d, p.2).

Um cantor virtuose que não “ouça” a música, o seu corpo, o seu espaço, as suas

sensações, a vibração do público e dos outros intérpretes durante suas performances, não

consegue presença que afete o que puder alcançar do universo.

Page 61: Canto de câmara em movimento: Pesquisando movimento expressivo para cantores com o Sistema Laban

52

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