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Canal.com #8

Mar 10, 2016

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A Revista Laboratorial Canal.com, em sua 8ª edição, tem por intuito apresentar uma visão geral do patrimônio histórico material e imaterial de São Luís, por meio de informações pouco divulgadas ou conhecidas. As matérias jornalísticas foram elaboradas a partir de depoimentos de pessoas vinculadas à preservação do patrimônio maranhense, inclusive pesquisadores, e envolveram estudantes das disciplinas de Jornalismo de Revista e Jornalismo Científico, seguindo técnicas de reportagem e averiguação aprendidas em sala de aula e obedecendo a diferentes gêneros jornalísticos, em especial ao jornalismo literário e ao investigativo.
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CANAL.COM

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Edição nº 8, 1º semestre de 2013Revista laboratório - Disciplinas Jornalismo de Re-vista e Jornalismo Científico, Curso de Comunicação Social - Universidade Federal do Maranhão

ReitorNatalino Salgado FilhoVice-reitorAntonio OliveiraDiretor do Centro de Ciências SociaisCésar Augusto CastroCoordenador do Curso de Comunicação SocialSílvio Rogério Rocha de CastroChefe do Departamento de Comunicação SocialRosinete de Jesus Silva Ferreira

Coordenadora da Revista Canal.comProfessora das Disciplinas Jornalismo deRevista e Jornalismo CientíficoVera SallesMonitor da Disciplina Jornalismo Científico Romulo Gomes

Redação e ReportagemAna Luiza de OliveiraAna Paula Pereira CoelhoAndressa Valadares da SilvaBárbara Hellen CarvalhoClauberson Correa CarvalhoDeolindo Deolino LourençoEuzimar Jesus RosaGutemberg de Sousa FeitosaHeloísa Alcides VasconcelosJosé Ribamar Cordeiro NetoLidiane Ferraz dos SantosMadson FernandesNatália Cristiane AraújoPatrick Erick Costa da SilvaPlynio Thalison Alves NavaRaiza Carvalho PereiraThales Reis Romualdo

ColaboraçãoRafaella Souza - Bióloga (UEMA)

Edição e RevisãoAna Paula OliveiraMadson FernandesRomulo GomesVera Salles

FotografiaDiego UchôaEdgar RochaGaudêncio CunhaWill Barros

Editoração GráficaEstalo Design

IlustraçõesWill Barros / Hélio Soares / Gabriel Bezerra

GráficaUnigraf

Tiragem1000 exemplares

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EDITORIALEsta edição nº 8 da Canal.com tem como foco principal o Patrimônio Histórico,

visto de vários ângulos e com diferentes formas de linguagem. A ideia foi unir as duas turmas de alunos, a de Jornalismo de Revista e de Jornalismo Científico, cada uma trabalhando com abordagens distintas. A primeira procurou relatar histórias de vida e curiosidades dos casarões e moradores do Centro Histórico, enquanto a outra se debruçou em mostrar toda essa riqueza patrimonial do ponto de vista científico, seja da Arquitetura, Arqueologia, História, Antropologia, entre outras.

A experiência mostrou uma riqueza e diversidade de textos que conseguem reve-lar uma forma de fazer jornalismo, seja investigativo, seja literário, o que permite aos alunos exercitar a prática, tão necessária ao estudante dessa área.

A Canal.com é uma revista laboratório que tem como diretriz não reproduzir a mesma maneira de escrever matérias que já circulam na mídia local e nacional. Nesse sentido, o que prevalece é, sobretudo, a criatividade, mas não em detrimento da qualidade da escrita.

Como docente, estou muito satisfeita com o resultado alcançado. Acho que en-sinar é sempre um caminho de mão dupla, onde a troca de experiências precisa estar presente em todos os momentos. Aprendi muito durante a produção da Canal.com, ao me debruçar na leitura sobre fatos e pormenores do Centro Histórico ainda pouco conhecidos. Creio que, também, essas informações, em sua maioria, não estão dis-poníveis para muitos que vivem nessa cidade.

Para enriquecer ainda mais a produção da Canal.com, tive a oportunidade de contar com a colaboração do monitor Romulo Gomes, da disciplina Jornalismo Científico, que foi fundamental para a edição e revisão das matérias, bem como a parceria dos alunos do curso de Design, Hélio Soares, Wil Barros e Gabriel Bezerra, equipe de projeto da empresa Júnior Estalo. A todos eles, meus agradecimentos, bem como aos alunos que se empenharam na produção desta revista.

Profa. Dra. Vera Lucia Rolim Salles

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São Luís. “Ilha bela, linda tela”, já diz a canção. A capital maranhense é re- conhecida como patrimônio cultural da humanidade por seus casarões histó-ricos, que são marcas do período colonial vivido pela ilha nos séculos XVIII

e XIX. Mas o que muitos não sabem é que o Centro Histórico de São Luís e suas redondezas abrigam não apenas a arquitetura colonial, mas também a moderna. Casas no estilo bangalow, prédios Art Déco e os primeiros arranha-céus da cidade, construídos nos século XX, estão presentes nos arredores do centro, para recontar o passado.

E é nesse pedaço da história ludovicense que a pesquisadora Grete Soares Pflueger – professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Es-tadual do Maranhão (UEMA) – tem focado a sua pesquisa. Ao longo dos últimos quatro anos, a professora investigou a arquitetura moderna da cidade, com o apoio da UEMA e Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Cientí-fico e Tecnológico do Maranhão (Fapema).

Conhecer o contexto político e econômico do século XX foi uma das etapas essenciais da pesquisa. “O conjunto arquitetônico moderno de São Luís, com suas casas recuadas, arranha-céus e prédios, foi fruto da Revolução Industrial na Europa, que evidenciou novos materiais como o ferro, o aço e o uso do automóvel. Nessa perspectiva, a ideia de reno-vação urbana também foi fruto da ideologia da Era Vargas, que buscava a modernidade inspirada nas demo-lições ocorridas em Paris e no Rio”, destaca a professora.

Para entender a arquitetura mo-derna, é preciso falar da renovação ur-bana vivida pela cidade nos anos 40 a 60. “A ideia da renovação urbana era mudar a feição da cidade, alargando o espaço para os automóveis e trazendo salubridade ao cidadão. Partindo des-se objetivo, casarões foram demolidos para dar espaço à Avenida Magalhães de Almeida e ao alargamento da Rua do Egito”, explica Grete Pflueger. O projeto tinha o propósito de trans-formar a capital em uma cidade mo-derna e foi fruto de um planejamento urbano elaborado por Otacílio Saboia Ribeiro (prefeito de São Luís em 1936-1937) e executado por Pedro Neiva de Santana (prefeito de São Luís entre 1937-1945).

A renovação urbana

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Os objetivos da pesquisa desenvolvida por Grete Pflueger foram identificar os imóveis modernos localizados no Centro Histórico de São Luís e demonstrar a importância deles para a história da cidade. Ela explica que, com o alargamento da Rua do Egito e abertura da Magalhães de Almeida, esse conjunto promoveu a renovação da linguagem arquitetônica, com novas tipologias, como o Art Déco e o moderno, que se inseriram na cidade. “O prédio dos Correios, o Cine Roxy, Hotel Central, o Caiçara, o prédio do antigo BEM (Banco do Estado do Maranhão) e do INSS são exemplos dos estilos de arquitetura do século XX presentes na nossa cidade. Esses três últimos foram os primeiros arranha-céus da capital”, conta a pesquisadora.

A pesquisa também identificou que a arquitetura moderna alcançou as residências, com o estilo (bangalow), que se caracteriza por casas mais recuadas, algumas delas localizadas, ainda hoje, na Rua do Egito. “Todos esses estilos são frutos do moderno”, reforça Pflueger. A coleta de dados identificou também proje-tos de arquitetura moderna que nem chegaram a sair do papel, mas que reforçam um dos apontamentos da pesquisa: a história urbana é fruto de um contexto e de um planejamento e, por isso, deve ser preservada.

Segundo a professora, “a pesquisa é dinâmica e nunca se desgasta”. O de-safio de entender e valorizar a arquitetura do século XX deve ser entendido não só por pesquisadores e alunos, mas pela população. “Hoje, a arquitetura colonial dos séculos XVII e XIX é reconhecida, mas a do século XX é pouco pesquisada, pouco conhecida e, portanto, pouco valorizada,” alerta a pesquisadora. Pflueger já teve dados de sua pesquisa divulgados em jornais locais e livros. Desenvolveu seis pesquisas na área de arquitetura moderna, com apoio da UEMA e Fapema.

“Há muitos prédios modernos passíveis de demolição e sofrendo desca- racterizações constantes. Isso apaga o registro de parte da nossa história. É pre-ciso conscientizar a população e os governantes de que preservar esse conjunto é impedir que parte da história da cidade seja descaracterizada ou desapareça”, completa Grete Pflueger.

Hoje, a arquitetura colonial dos séculos XVII e XIX é reconhecida, mas a do

século XX é pouco pesquisada, poucoconhecida e, portanto, pouco valorizada.

É preciso conscientizar a população e os governantes de que preservar esse conjunto é impedir que parte da história da cidade

seja descaracterizada ou desapareça.

Grete Soares Pflueger é Dou-tora em Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB-UFRJ), Mestre em Desenvolvimento Urbano pelo Pro-grama de Pós-Graduação em Desen-volvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (MDU–UFPE), especia-lista em Metodologia do En-sino Superior e professora adjunta do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Desenvolve pesquisas com ênfase na área de patrimônio históri-co, arquitetura moderna, planejamen-to urbano, formação das cidades (São Luís e Alcântara).

O moderno está presente

O desafio de preservar

Imagens:01. Postal da Avenida Magalhães de Al-meida. Acervo do Museu de Artes Visu-ais. Arquivo da pesquisadora. 02. Igreja do Rosário e rua do Egito-1908 (foto: Gaudêncio Cunha)03. Igreja do Rosário e rua do Egito-2013 (foto: Will Barros) 04. Rua do Sol-190805. Rua do Sol-2013 (foto: Will Barros)

“Grete Pflueger

Grete Pflueger”

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Um Centro com muitaHistória para contar

por Gutemberg de Sousa Feitosa

São Luís completou 400 anos de uma rica história, marcada por lendas, festas, personagens inte-

ressantes... O visitante que caminha pelo Centro Histórico se depara com sua beleza e tradição. Suas casas, ruas, praças e sobrados remetem a uma época distante, quando a cidade estava iniciando sua jornada secular. Hoje, já adquiriu contornos mais mo-dernos; cresceu em tamanho e popu-lação.

Segundo a professora Marluce Wall, o surgimento da Cidade Histórica se deve ao fato de as autoridades terem traçado um novo planejamento urbano. Assim, São Luís desenvolveu-se para além das margens do Rio Anil. Surgiram as pontes e os novos bairros. Por isso, é possível dizer que a cidade atual nasceu junto com a cidade histórica, pois o surgimento

daquela fez com que esta fosse considerada histórica. Esse processo de expansão provocou uma busca por novas áreas residenciais longe do Centro. O objetivo de proteção da Cidade Histórica estava contemplado, mas não foram providenciados os estímulos e as devidas condições para que as pessoas pudessem morar, ou continuar morando, no Centro.

Desta forma, a Cidade Histórica passou a servir como sede principal-mente para o comércio, repartições públicas e centros administrativos. Perdeu-se o interesse em residir no Centro. Com o decorrer dos anos, também o comércio passou a migrar.

De acordo com a pesquisadora, a moderna e a histórica nasceram jun-tas, pois a decisão de tornar a cidade existente em histórica proporcionou a sua proteção, mas, por outro lado,

promoveu a sua desvalorização como lugar de moradia.

A pesquisadora afirma que tudo isso aconteceu “porque ao centro foi destinado o papel do local admi- nistrativo, de serviços e de comércio e, ao mesmo tempo em que se valoriza as novas áreas residenciais, favorece a saída dos moradores e a sua desva-lorização. As novas áreas residenciais por sua vez, com o tempo, atraem o comércio e o ciclo de desvalorização do uso do Centro se completa”.

A professora explicou que, em ní-vel internacional, há um processo de valorização das áreas antigas. Regi-ões como Japão e China, que não se preocupavam muito com a conser-vação do patrimônio, agora já estão assumindo essa postura. No Brasil, em particular em São Luís, o Centro Histórico é um lugar muito vivo, em-

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bora a especulação imobiliária tente passar a imagem de um lugar sem vida. Marluce informou que está ini-ciando outra pesquisa em rede com Recife, Olinda e Belém para estudar os efeitos da ação do mercado imo-biliário nos Centros Históricos. Uma reflexão levantada por ela é que, por um lado, diz-se que o Centro “não vale mais nada”, mas os aluguéis de lojas, principalmente na Rua Grande, são caríssimos. Sobre a questão da delimita-ção do Centro Histórico, a pesquisa-dora disse que a princípio ele vai até a Praça Deodoro, envolvendo ainda a Rua Rio Branco e o Largo de San-to Antônio. Contudo, as normatiza-ções federais, estaduais e municipais subdividiram o Centro para fins de proteção patrimonial. Essas normas confundem as pessoas, pois se pensa, equivocadamente, que a sua delimita-ção vai só até o Largo do Carmo, o que é uma inverdade. A pesquisadora afirmou que o Centro precisa ser reconhecido como uma parte da cidade, com a vida que ele tem. Ela destacou que a legislação atual, às vezes, não favorece um repensar o Centro. Segundo a autora, a principal dificuldade no estudo do tema foi integrar as discussões sobre a construção da cidade moderna e a preservação da cidade histórica.

Francisco de Assis Silva, 49 anos, é um típico morador do Centro de São Luís. Tecnólogo em hotelaria e músico, conta com satisfação da alegria de residir no bairro histórico. Para ele, que mora nas proximidades da Fonte do Ribeirão, todo o centro histórico é belo, principalmente a praça Dom Pedro II. O morador está preocupado com a situação atual do Centro e com a falta de interesse das três esferas do poder público. Segundo ele, os principais problemas são a insegurança e o abandono de muitos imóveis. As pessoas estão perdendo o interesse de morar no local, o que, para Francisco, é uma tristeza. Para o morador, o Centro pode ser melhorado e revitalizado. Francisco acredita que é preciso criar condições de segurança, me-lhorar a limpeza e, principalmente, criar uma política de incentivos para que os moradores possam melhorar e conservar seus imóveis, a custos baixos. Ele considera que é necessário “ter mais eventos culturais abertos à população, passeios e visitas nos fins de semana, melhorar a iluminação, que é muito deficiente e não valoriza a cidade à noite, etc.” Como admirador das belezas do Centro Histórico, sugere passeios aos domingos pela Rua da Paz, Rua do Sol, Rua Grande e às Fontes das Pedras e do Ribeirão.

Marluce Wall é ludovicence. Pro-fessora do curso de Arquitetura e Ur-banismo, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Ela pesquisou a expansão de São Luís na década de 1970 e como o Centro passou a ser considerado Cidade Histórica. Seu in-teresse pelo tema começou quando regressou a São Luís em 1980, pois quando saiu, na década de 1970, havia uma cidade, e quando retornou, havia no lugar o Centro Histórico. O trabalho de pesquisa, que

O Amor pelo Centro Histórico

iniciou ainda no mestrado, por volta do ano 2000, estudava os modos de morar em São Luís. Em 2009, a tese “Urbanização Dispersa em São Luís: tensões entre expansão e centro” foi defendida na UFRJ e financiada pela Fapema e UEMA. A tese ainda não foi publi-cada, mas em 2009, a professora Mar-luce, em parceria com Viana Mosley, publicou um artigo pela Editora da UFRJ.

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Quem visita o Centro Histórico de São Luís pela primeira vez, nos dias de hoje, emociona-se

com a grandeza do patrimônio ar-quitetônico que encontra pela frente. Apesar de alguns problemas estru-turais, os turistas se encantam com o nível de conservação dos sobrados, casarões históricos e ruas do cenário antigo. Morada de teatros, praças, restaurantes e centros culturais, a área é o bem mais precioso da ilha.

O que poucos ludovicenses sabem é que, há 30 anos, o local era um verdadeiro antro de marginalidade. Cheio de lixo, era ocupado por vicia-dos e ladrões. Adentrá-lo após às 18h era quase risco de morte. O que são hoje o Teatro João do Vale, a Feira da Praia Grande, o Centro de Criatividade Odylo Costa, Filho e a Praça Nauro Machado eram antes uma mistura de ruínas e detritos.

A transformação desse quadro de total abandono na paisagem que rendeu à cidade o título de Patrimô-nio Cultural da Humanidade, conce-dido pela Unesco em 1997, foi resul-tado do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de

São Luís, conhecido como Projeto Re-viver. Foram parceiros nesse processo os sucessivos governos do Estado e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no perío-do de 1970 a 2006.

A experiência, que reuniu cente-nas de profissionais multidisciplina-res, está relatada no livro São Luís: reabilitação do Centro Histórico – Pa-trimônio da Humanidade, de autoria do pesquisador Luiz Phelipe de Car-valho Castro Andrès, coordenador geral durante maior parte do projeto.

Os trabalhos seguiram a meto-dologia intitulada Conservação In-tegrada, que converge princípios da ecologia, história e sustentabilidade. Quando aplicada ao urbanismo, tra-duz-se em práticas de gestão, que buscam o ideal do desenvolvimento sustentável.

No caso de São Luís, foi necessá-rio também avaliar o conceito de Ci-dades Históricas, para que se pensas- se uma forma de resgate do patri-mônio. Andrès explica, em sua obra, que era necessário investigar os an-tecedentes históricos e sua evolução. O conceito de cidades históricas sur-giu no século XIX, quando assuntos

como arquitetura, arqueologia e história passaram a se constituir dis-ciplinas. Para aplicar o conceito de Conservação Integrada em São Luís, foi necessário dividir as ações do gru-po em quatro categorias: “Análise e avaliação”, quando se estudou a for-mação do acervo do Centro Histórico; “Elaboração de soluções e propostas alternativas”, ao serem formuladas políticas e propostas de ações de preservação; “Negociação e imple-mentação”, na execução das ações propostas pelo grupo; e a última eta-pa, “Monitoramento e controle”, na qual foi acompanhado o desempe-nho das ações e suas consequências.

Algo essencial para o sucesso na aplicação do programa, segundo o pesquisador, foi a participação da comunidade, ouvida desde o início. “As pessoas que teriam suas vidas afetadas pelas mudanças do projeto, porque ali moravam ou trabalhavam, tiveram voz para se manifestar em todas as fases”, explica Andrès.

O livro apresenta um rico apa-nhado histórico, mostrando em de-talhes a fundação original de São Luís pelos portugueses e sua conso-lidação lendária pelos franceses. Na

O projeto que transformou a capital maranhen-se relatado, em primeira mão, por um dos seus idealizadores, o pesquisador Phelipe Andrès, no livro “São Luís: reabilitação do Centro Histórico – Patrimônio da Humanidade”, criado a partir de sua dissertação de mestrado.

por Raíza Carvalho

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O Centro Histórico é um conjunto vasto de 270 hectares de área urbana, possivelmente a maior do Brasil, que passou por décadas e décadas de abandono. Apesar de enfatizar que ainda há muita coisa para mudar e recuperar na área, Phelipe Andrès considera o projeto um sucesso. “Até o fato de um programa como este durar 27 anos é uma raridade. Nesse livro, eu avalio até que ponto essa ex-periência resultou em bons frutos. Fiz um comparativo com outras experiên-cias aqui no Maranhão e eu vejo que o saldo foi muito positivo”, conta.

No encerramento do projeto em 2006, a atenção do Estado para a preservação do local foi praticamente nula. O pesquisador defende a reto-mada dessas ações como vital para a preservação da cidade patrimônio, São Luís. “Fizemos um trabalho gran-dioso, mas, como tudo o que se cons- trói, precisa de manutenção”, conclui Phelipe Andrès.

retrospectiva histórica, há também o relato de como se deu a ocupação das terras maranhenses. A obra des-taca o período de apogeu, quando a cidade tornou-se uma das capitais do Brasil, e ainda o lento declínio que se abateu sobre o Maranhão.

Fator determinante para a cons-trução desse patrimônio arquitetôni-co foram as condições portuárias de São Luís e Alcântara, que se consti-tuíram expressivos exemplares de ar-quitetura e urbanismo da época. Por conta do comércio de exportação, era necessária a construção de um am-biente capaz de reproduzir padrões de conforto semelhantes aos que os proprietários estavam acostumados nas cidades europeias.

O início do século XX trouxe a adoção do transporte ferroviário e rodoviário em detrimento das na-vegações, o que posteriormente in-fluenciou a adoção de pesado trá-fego de veículos, que degradaram o Centro Histórico.

Para que o conjunto arquitetôni-co sobrevivesse até hoje, houve uma contribuição paradoxal: a estagna-ção econômica que se abateu sobre o Meio Norte do Brasil, na primeira metade do século XX (a falta de re-cursos para a execução das obras inviabilizou os movimentos de re-novação urbana que acontecia em diversas cidades brasileiras, e que in-cluía demolições de preciosas áreas históricas); a solidez das edificações erguidas em grossas paredes de pe-

dra e as fachadas revestidas de azu-lejos também contribuíram para sua manutenção ao longo dos séculos.

Por conta de uma conjunção de fatores, como o abandono público e o desordenado crescimento que se seguiu em torno daquela área, na dé-cada de 1980, o Centro Histórico era o retrato do abandono. O Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís teve um papel fundamental para a mudança deste contexto.

Um dos resultados mais expres-sivos do Projeto foi a construção da Feira da Praia Grande, com intensa participação da comunidade. A obra ajudou a organizar os pequenos co-merciantes da região, que oferecem os mais diversos tipos de produtos e serviços. Entre os feitos significa-tivos do projeto está a implantação dos serviços de utilidade pública em 107.000m² de área urbana tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional, que abrange 15 quadras e 200 edi-ficações. Para recuperar a infraes-trutura urbana da área, o programa mergulhou fundo no subsolo e lá descobriu galerias com mais de 200 anos de existência. O programa ori-ginou a construção de novas re-des subterrâneas de energia elétrica e telefonia, que substituíram os fios que antes fica-vam expos-tos.

Mais Resultados

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As Marcas do tempona Praia Grande

por Rafaella Souza

Dois ambientes aguardam quem visita o Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia

do Maranhão (CPHNA), onde está lo-calizado o Museu de Paleontologia e Arqueologia: um com exposições de fósseis (paleontologia), no andar de baixo; e outro de Arqueologia e Etno-logia, ao subir as escadas.

Na exposição que reúne fósseis encontrados em terras maranhenses, estão réplicas em tamanho real de dinossauros, parte de ossos fossili-zados e arcadas dentárias, vindas da Ilha do Cajual em Alcântara, Itapecuru Mirim, Codó e Coroatá. Em meio aos gigantes dinossauros, como o Ama-zonsaurus Maranhensis, que causam curiosidade em qualquer um, estão achados da região do Centro Histórico de São Luís.

Conhecida por seu acervo do período colonial, a cidade também guarda registros de épocas bem mais distantes. No museu, há um fragmen-to de tronco fossilizado, coletado na Praia Grande.

Subindo as escadas, na exposição de Arqueologia, encontra-se o acervo

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patrimonial retirado da escavação realizada em 2006, na atual Casa França Maranhão – Aliança Francesa, no Centro Histórico. O trabalho, feito em parceria com o CPHNA, resultou também em uma revista digital. Vári-os artefatos estão expostos nos dois centros.

Segundo a arqueóloga Eliane Gaspar Leite, responsável pelas exposições de Arqueologia, esse patrimônio está inserido num período “pós-colonização”. A suposição é de que os artefatos encontrados na Casa França tenham pertencido à tradi-

Detalhes sobre esse acervo foram publicados no artigo “O Patrimônio Arqueológico no Maranhão: resgate da memória, construção da identidade e fortalecimento da cidadania” e na cartilha “Arqueologia do Maranhão”, que ajudam a divulgar o trabalho do Centro.

O CPHNA está localizado na Rua do Giz, nº 59 - Praia Grande. Funciona de segunda à sexta, das 8h às 12h e da 14h às 18h.

Site: http://www.cultura.ma.gov.br/portal/cphna/index.php

cional família Colares Moreira. Esses registros são como um álbum de re-tratos e dão sinais dos hábitos de vida de antigamente.

Levar essas informações, prin-cipalmente às crianças, tem como proposta despertar a noção de pert-encimento ao lugar que se vive e aprofundar a noção de cidadania. “Esses objetos e instrumentos de uso pessoal, utilitário ou decorativo, são pedaços de memória ou mesmo lem-branças de vivências anteriores, que devem ser preservadas no tempo”, explica Eliane.

João Almeida

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Um visitante se surpreende com o mosaico de arquitetura, cores e arte-fatos. À direita, vê um corredor meio escuro, com vasos grandes, pratarias luxuosas; à sua frente, depara-se com uma espécie de poço, profundo, vazio, impetuoso; à esquerda, admira as janelas e portas corpulentas, um baú de metal. Um delírio? Não. É uma imersão na história, no culto à memó-ria e resgate da experiência humana. Seja bem-vindo ao Museu Histórico Artístico do Maranhão.

Hoje, um teatro da memória, onde cerca de 1.800 espectadores se fascinam mensalmente com cenas protagonizadas por diferentes atores sociais. Escravos, artistas, burgueses, representantes religiosos dão vida à

construção de um enredo ambientado em meados do século XIX. Uma co-leção de quase 10 mil peças integra a composição do espetáculo: azulejos portugueses, vidrarias, mobílias, gra-vuras, moedas, pinturas, esculturas, indumentárias.

No silêncio da última fala, a corti-na se fecha. Enquanto a plateia esva-zia os pavimentos do antigo casarão, os aplausos ainda ecoavam nos cor-redores. O visitante tentava costurar as cenas a que tinha assistido. Mas que personagens eram aquelas? Nos bastidores do teatro da memória, as famílias de Ignácio Gomes de Sou-za, Alexandre Colares Moreira e José Francisco Jorge descansavam. Foram elas que ergueram o imponente pré-

dio secular.Confuso, inquieto, o visitante he-

sitou em sair. Seguiu, então, em di-reção ao jardim. As três estátuas de terracota inglesa vermelha, que sim-bolizam a Deusa Minerva da Sabedo-ria, a Deusa Ceres da Agricultura e o Deus Mercúrio do Comércio, lhe cha-maram atenção. Além de ecoar senti-dos na mitologia grega, elas também resgatavam ares da Companhia de Fiação e Tecidos do Rio Anil, sétima fábrica de tecidos montada em 1893, no Maranhão, da qual José Francisco Jorge era sócio. Um senhor de visão empreendedora. Uma casa que per-tenceu à elite comercial.

A história do solar histórico co-meçava a se contornar. Entre os cris-

por Clauberson Correa Carvalho

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tais importados expostos na mesa de madeira, o visitante reconheceu um retrato em alto relevo. Era o major Ig-nácio Gomes de Souza, homem de ex-celente posição social. Dono de uma razoável fortuna, Ignácio educou seus filhos nas melhores escolas do país e da Europa. Seu filho Joaquim Gomes de Souza, conhecido como “Souzi-nha” na História do Brasil, foi mate-mático, astrônomo, poeta, professor e parlamentar. Diplomou-se em Ciên-cias Matemáticas e Física, com douto-rado em Medicina pela Faculdade de Paris. Foi sócio das Universidades de Londres, Berlim e Viena. Uma casa que pertenceu à elite intelectual.

As luzes se acenderam. Certificou-

se em seu relógio de pulso: quase seis horas, fim de expediente. Desistiu de ir ao palacete do Barão de Grajaú, espaço anexo ao jardim. Voltou pela sacada e passou por uma sala de es-tar, onde uma jarra de licor em cris-tal o redimensionava ao século XX. O escritório da família Colares Moreira? Alexandre Colares Moreira Junior, quando vice-governador do Estado, em 1910, assumiu a direção do poder executivo no próprio solar. Decisões, requinte e luxo. Uma casa que perten-

ceu à elite política.O mesmo tapete vermelho. Ago-

ra, despedida. O visitante se fascinou pela história. Uma história que preen-che lacunas, que explica mudanças e que rompe com os limites da transi-toriedade temporal. Cruzou o salão de entrada. No alto da Rua do Sol, o visitante olhou de soslaio para as letras emolduradas em ferro presas na fachada do impetuoso prédio his-tórico: Museu Histórico e Artístico do Maranhão.

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Era uma segunda-feira ensolarada, quando lembrei que deveria ligar para o senhor Rosalino Ferreira Costa. Precisava marcar um horário que fosse conveniente e não atrapalhasse seus afazeres para falar-mos da casa. A única informação que sabia é que a residência do seu Lino não é uma morada como

outra qualquer. Tem histórias e mistérios.Depois de três toques, prontamente, um senhor atendeu ao telefone. Do outro lado da linha, pelo tom

da voz, deduzi que tivesse uns 70 anos, e, para minha surpresa, mais tarde, confirmou sua idade. Com voz firme, respondeu com sotaque português. Mas me enganei: é maranhense nato.

De repente, avistei o casarão. A fachada na cor verde claro bordada por desenhos sobre as janelas parecia uma casa comum. O que não imaginava e nem passou pela minha mente era o que iria descobrir quando ultrapassasse o portão principal.

Como não vi a campainha, bati palmas e chamei pelo seu Lino. Não demorou muito e um senhor de cabelos grisalhos, calmo e sorridente apareceu. Pediu desculpas pela demora e abriu o portão. Ao entrar na casa, fico maravilhado com a beleza dos detalhes: azulejos em alto relevo de origem inglesa, com desenhos de rosas. Nunca tive oportunidade de olhar exemplar como esses nos casarões espalhados pela cidade.

Sem perder muito tempo, comecei a conversar com seu Lino, que se apresentou, fez as honras da casa e disse que eu poderia ficar à vontade. O assunto era a história da casa. Ele começou contando com entu-siasmo da admiração que todos sentem ao visitá-la. Apreciada na Europa como uma das casas mais boni-tas, a Morada Histórica é pouco conhecida em São Luís. Trata-se do Solar dos Pinheiros Costa, localizado na Rua Afonso Pena, número 213, Centro, projetado em 1858, pelo proprietário João Francisco Gonçalves e por José Joaquim da Silva Machado. Posteriormente, foi reformado por Heráclito Vespasiano Ramos, irmão do poeta Joaquim Vespasiano. A partir de 1920, o senhor Felinto de Jesus Costa adquiriu e reformou nova-mente a casa, que, desde então, manteve-se como está até hoje.

A cada momento de conversa com seu Lino, novos mistérios iam sendo revelados. É quando descubro que o solar foi herdado pelo atual dono quando este tinha apenas oito anos de idade. Ganhou do pai de criação e padrinho Clodomir Pinheiro Costa, famoso médico do século XX.

por Euzimar Jesus Rosa

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De repente, seu semblante se fecha. “Precisei ser forte e corajoso para recon-quistar o que era meu por direito, mas não foi fácil”. Em 1973, resolveu sair da casa para evitar problemas maiores e só voltou ao solar em 2002, assim que a senhora Adalgiza Pinheiro Costa, conhecida como Dadá, irmã de Clodomir, fale-ceu. Essa senhora, conta seu Lino, “tinha ficado responsável em cuidar dos bens, até que eu completasse a maioridade”.

Muitas dessas lembranças ainda continuam internalizadas e vivas na memória de seu Lino. Seu rosto, agora, adquire uma expressão mais suave. Entusiasmado, ele conta que o casarão já foi tema de reportagem de uma revista francesa e serviu de locação para dois filmes brasileiros, “O Rio e a faca” e “Navalha na Carne”. A fachada também foi cenário para a novela “Da cor do Pecado”, da Rede Globo, em 2004. Respiração ofegante. Com certo ar de quem viu a riqueza de perto, seu Lino faz uma pausa e puxa pela memória. “A nossa casa foi muito visitada pela senhora Antonieta Castelo Branco Diniz, filha do Marechal Castelo Branco, o primeiro da série de presidentes do regime militar. Ela gostava de visitar o local com as es-posas dos funcionários do Banco do Brasil para tomar chá e botar as conversas em dia”.

Prossigo com certo ar de curiosidade e pergunto o que ele fez para que a casa per-manecesse até hoje.

Ele revela que, ao ver que a sua situação financeira não permitia mantê-la, alugou o imó- vel para a Prefeitura Municipal de São Luís, em 11 de fevereiro de 2003 e assinou contrato com a Fundação Municipal de Cultura – FUNC, que se responsabilizou em pagar 50% do valor do aluguel e 50% ficaria por sua conta. Em 26 de novembro de 2003, quando a reforma foi concluída, o solar foi aberto ao público, voltando a ter seu glamour. O casarão tornou-se palco de grandes festas e espaço de lançamento de obras literárias, recebendo o nome de Morada Histórica de São Luís.

A essa altura, seu Lino faz uma pausa. “Nem tudo são flores, inúmeros proble- mas surgiram novamente e, a partir dos últimos anos da gestão do ex-prefeito Tadeu Palácio e dos quatro anos do governo do senhor João Castelo, débitos e mais débitos se acumularam, levando o solar por duas vezes à penhora, por falta de pagamento de IPTU, água, luz, aluguel”.

À medida que nossa conversa avançava, percebi que ia ganhando cada vez mais a confiança do morador. Seus olhos lacrimejam, parecem clamar por socorro. Com a voz embargada, conta que foi obrigado a se desfazer de inúmeros objetos: mobílias, louças, quadros, peças de cristais e móveis. “Acredito que foram vendi-das mais de 50 peças para pessoas de outros estados para custear despesas do imóvel e a própria sobrevivência da família”.

No grande pátio, ladrilhado pelas pedras de cantaria vindas de Portugal, a bri-sa do mar trazida pelos ventos convida os visitantes a se sentarem no pátio ou no banquinho revestido de azulejos do século XX, que dá acesso à varanda. É neste recanto que os visitantes ainda podem parar para contemplar os azulejos de alto relevo e as telhas do corredor de amianto inglês que estão bastante danificadas.A Morada Histórica de São Luís, um bem particular e que, por sua vasta riqueza, clama em ser de todos, parece fazer ecoar dos seus inúmeros detalhes de rara beleza um pedido de socorro. “É como se dissesse: hei, estou aqui! Olhem por mim! Quero fazer parte um pouco mais da sua história”.

Mal percebi que as horas se passaram. Já era noite. Agradeci ao seu Lino pela maravilhosa tarde de descobertas. Torço para que os deuses das construções e da preservação do patrimônio intercedam por uma solução urgente.

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Em uma terça-feira saí cedo, an-tes das 8 horas, e me preparei para conhecer um pouco da

história do casarão amarelo localiza-do na Praça Pedro II, ao lado do hotel São Luís. A casa sempre despertou minha curiosidade e, às vezes, ficava observando de longe o quanto era bem conservada. Quem será que te-ria vivido ali nos anos em que as re-des sociais não eram um vício, que a TV colorida ainda era uma promessa para o Brasil e que carros eram artigo de luxo?

Saber mais sobre todas essas his-tórias só seria possível se conseguis- se falar com os proprietários. Criei co-ragem e, às 8 horas em ponto, bato naquela porta de madeira. Depois de esperar alguns minutos a pessoa que atendeu aceita marcar uma conversa. Alguns dias depois, às 11h30 da ma-nhã de um sábado ensolarado, volto a me preparar para conhecer a história da casa amarela.

Minhas mãos suavam. Toco a por-ta. Fui recebida por uma das morado-ras e conduzida ao passado. Os obje-tos antigos, como cadeiras de madeira e figuras de santos, ornamentavam a sala onde fui recebida. É como se o tempo fizesse uma pausa e começo a imaginar quem teriam sido os perso-

nagens que viveram por lá...Devaneio, então, e ouço a primeira

de algumas histórias de vida que ouvi naquela manhã. Como se eu fizesse parte – afinal, não é minha; pertence à moradora discreta que a mim confiou a possibilidade de contar as memórias de sua família. Ela se refere a Manuel José Maia e à sua esposa Ângela Rosa de Sá, seus bisavôs e os primeiros a morar naquela casa. Conta-me que se casaram no interior e vieram mo-rar em São Luís, onde construíram sua família.

Curiosa, pergunto sobre um deta- lhe. Presa à porta que me convidou a entrar, há uma placa com a inscrição: Anibal de Pádua Pereira de Andrade. Ela me conta que aquele era o nome do seu avô. Reporto-me, então, a oito de setembro de 1962 e imagino a cena. A esposa do médico português Aníbal de Pádua Pereira de Andrade, Maria Joaquina Maia, avisa que al-guém o esperava. Aníbal desce a es-cada, caminha com dificuldade devido a sua avançada idade pelos cômodos do casarão. O barulho dos seus pas-sos ecoa em toda a casa. Em seguida, entra na sala principal. À sua frente, o prefeito Antônio Eusébio Costa Ro-drigues. A conversa gira em torno da compra de metade do terreno da casa. Aníbal resolve aceitar a transação. No

futuro, o terreno seria transformado na Praça Dom Pedro II.

Resgatando as memórias da sua mãe, a moradora conta que Anibal co-nheceu sua avó Maria Joaquina ainda em Portugal, no começo do século XX. Passou três meses viajando de carave-la para chegar ao Brasil e, depois do casamento, estabeleceu seu consultó-rio em casa.

Foi o primeiro radiologista da ci-dade e o primeiro a utilizar o bisturi elétrico. Poliglota, era muito dedi-cado, investiu na educação dos seus três filhos: Manuel, Regina e Aní-bal. Manuel tornou-se representan- te da firma francesa Henri Rochers. Aníbal fez a sua carreira na Marinha, e Regina, muito prendada, tornou-se professora após estudar em Portugal, casando-se com o médico João Brauli-no de Carvalho.

O carinho daquela gentil mora-dora que revelou alguns episódios ao evocar as memórias da sua família en-cerram aqueles momentos em que eu pude segui-la de volta ao passado. Ela me acompanha e faço o mesmo per-curso novamente: passo pelos móveis antigos, desço a escada principal e ela abre a porta para mim. Porém, desta vez, imagino todas as lembranças que o tempo já teria apagado, mas que, para ela, ainda continuam vivas.

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de idade, revoltou a população. Apai-xonado por Maria da Conceição, uma jovem prostituta, muito bela, conhe-cida como Mariquinhas Devassa, ele a teria levado até um aposento do andar superior do sobrado e, com aju-da de um comparsa, matou-a com re-quintes de crueldade. Pontes Visgueiro amarrou, entorpeceu e apunhalou, por diversas vezes, Mariquinhas Devassa. Depois, esquartejou-a, para que o ca-dáver coubesse no caixão, que logo foi soldado e posto dentro de outro caixão de cedro. Diz a história que ela teria sido enterrada no quintal da mo-rada.

Outro casarão que guarda em suas paredes, corredores e escadas histórias de terror é o Museu de Arte Sacra, localizado na Rua 13 de Maio. A protagonista foi Ana Rosa Viana Ri-beiro, conhecida como Baronesa de

Crimes macabros e fatos assus-tadores, nos séculos passados, chocaram moradores do atual

Centro Histórico de São Luís. Esses casos ficaram no imaginário popular, que associou as histórias a episódios de assombração. Casarões considera-dos mal-assombrados até hoje assus-tam moradores, que relatam histórias de fazer tremer qualquer mortal.

Uma dessas moradias foi palco, em 1873, de um crime bárbaro. Lá, onde atualmente funciona uma agên-cia da Caixa Econômica Federal, fun-cionários dizem já ter ouvido gritos, lamentos e vozes.

O crime cometido pelo desembar-gador Pontes Visgueiro, um homem surdo e solitário, de mais de 60 anos

por Ana Oliveira

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Grajaú, que residia no sobrado com seu marido, o doutor Carlos Fernando Ribeiro. Muito ciumenta, após desco-brir que um jovem escravo, chamado Inocêncio, era filho bastardo do mari-do, não pensou duas vezes e matou o menino a garfadas e espancamentos.

Ainda hoje, há quem diga que ouve e vê o vulto de Ana Rosa Viana Ribeiro pelos corredores do casarão. De acordo com os funcionários do museu, em meados de 2007, houve uma infiltração no prédio, que formou a imagem de uma mulher na parede. Acredita-se que seja o rosto da Baro-nesa.

Essas histórias povoam a mente de muitos desses moradores e desper-tam mais medo quando a noite cai. É o caso de dona Maria da Paz, de 67 anos e moradora há 36 anos da Rua da Faustina, no bairro da Praia Grande. A dona de casa nunca viu assombração, mas já ouviu muitas histórias. Apon-tando para um casarão, onde funciona o bar Senzala, Maria da Paz disse que seus vizinhos garantem já ter presen-ciado, durante a noite, a aparição de uma mulher vestida de branco.

Há também pessoas que já viven-ciaram, ao caminhar pelas ruas e so-

brados da Praia Grande, acontecimen-tos de causar calafrios. Elas acreditam nas lendas e mistérios que envolvem, principalmente, o Centro Histórico. A dona de casa, Léa Bezerra, de 82 anos, mora há 50 anos no Centro da cidade. Ela conta ter visto e ouvido a carrua-gem de Ana Jansen percorrer as ruas. “Quando era sexta-feira, meia-noite, ela passava na carroça. Minha mãe me avisava que Ana Jansen assom-brava as pessoas, mas eu não acredi-tava. Ficava costurando até tarde da noite, quando, de repente, só vi a car-roça passando na rua e o meu cabelo crescendo. Nesse dia fiquei com febre e dor de cabeça. Ela era uma mulher muito má”, relembra.

A lenda da carruagem de Ana Jansen é uma das mais famosas da cidade. Dizem que, ao morrer, com 82 anos, em seu casarão na Praia Grande, sua alma não encontrou paz. Nas noi-tes de sexta-feira, ela sai a bordo de uma carruagem puxada por cavalos brancos sem cabeça e guiada por um

escravo também decapitado, assom-brando as ruas do Centro Histórico.

São Luís guarda, em suas lendas e histórias, acontecimentos marcan-tes e assombrosos, que apavoraram a sociedade de épocas passadas e ainda hoje causam pavor, porque se mantêm vivos no imaginário de mo-radores mais antigos. Os assassinatos e maldades são verídicos, mas se as assombrações de fato percorrem as ruas do Centro Histórico talvez seja necessário ver para crer.

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Quinta do Gavião. Domingo, 11 horas da manhã, o sol escaldante faz o suor escorrer pelo corpo, em contraste com a imagem bucólica do cemitério, a

primeira que a jovem jornalista vê à sua frente.Atravessando a Praça da Saudade, uma sensação es-

tranha se espalha pelo seu corpo; o coração palpita e dis-para. O medo é um veneno para quem está sozinho.

Pela lente de seus óculos, avista uma figura masculina e mal consegue acreditar no que seus olhos lhe mostram. Quem será que naquela hora do dia está em cima de um túmulo? Alguém que não respeita a dor alheia? Ah, não! É uma estátua; deu a impressão que fosse uma pessoa. Ela se refaz do susto e continua sua caminhada um pouco temerosa, cruzando com vendedores e pessoas da redon-

deza que por ali estão reunidos para uma conversa cor-riqueira e descontraída.

De repente, ela se depara com um grande portal de ferro antigo, ornado com flores e uma placa datando o ano de 1855, com os dizeres: “Nós ossos que aqui estamos por vós esperamos”.

Sempre com muita cautela, a jornalista olha para seu lado direito e tudo que observa naquele momento são túmulos e imagens sacras. Do lado esquerdo, a mesma composição: objetos ornados e entalhados em bronze; al-guns em mármore branco e outros em preto. Logo à sua frente, aparece a silhueta de uma antiga capela na cor pêssego, imagens de anjos e cruzes para decorar o espaço que abriga algumas catacumbas. Ela se surpreende. Como é possível? Na maior tranquilidade, no interior da capela, um trio de homens despreocupados jogavam cartas, tão concentrados que mal ouviram quando a jovem passou por eles. Ela continua fotografando tudo que lhe chama a aten-ção, ainda com um pouco de receio, mas sempre curiosa.

Meia hora é o tempo que a repórter passa capturando imagens, apavorada com o silencio e a solidão que paira por todo o cemitério do Gavião. Quando já se prepara para sair, alguém lhe aborda: “menina, você está sozinha por aqui com bolsa, câmera e celular?”. Ela estremece e sente uma mistura de medo, dúvida e ansiedade ao ver um ho-mem baixo, com vestimentas simples, que nas mãos trazia vasoura, pá e um balde velho. Desconfiada, responde que sim, que está fotografando para uma revista. O senhor lhe adverte do perigo em estar naquele local sozinha, e se dis-

por Natália Cristiane Araújo Madeira

O outro lado da

saudade

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põe a acompanhá-la. Aliviada por encontrar uma companhia, aceita a gentileza.

Marinho se apresenta. Esse é meu nome. Sou zelador de túmulos desde os 7 anos de idade. Moro no Goiabal. Ao per-ceber a curiosidade no rosto da jovem, Marinho a conduz num passeio repleto de descobertas: túmulos de 1854, ano em que a cidade teve uma epidemia de varíola e o médico Paul Saulnier, por falta de vagas, começou a enterrar os corpos na Quinta do Gavião.

Passando pelo caminho da 6ª seção, Marinho mostra o túmulo de número 217, onde estão os restos mortais do escritor e membro da Academia Maranhense de Le-tras, Sousândrade, morto em 1902. Mais alguns passos à frente, repousa um dos grandes nomes da medicina maranhense, Maria Aragão, em uma caixa de alvenaria coberta por azulejos brancos, bem diferente dos luxuosos mausoléus ali erguidos.

Não adianta pensar que tudo são flores. Marinho observa com indignação alguns jazigos que estão depredados, não somente por culpa da administração do cemitério, mas também da falta de cuidado dos familia- res que enterram seus mortos e não voltam para fazer manutenção.

“Ai”, suspira a repórter. “Já cansou?”, pergunta Marinho. “É o sol; está forte!”, responde a jornalista, passando a mão no ros-to. Ela se sente mais relaxada e a sensação de medo agora dava lugar a um deslumbramento que crescia cada vez mais à medida em que ia conhecendo os personagens que ali estão sepultados.

A manhã que passou ali aguçou seus sentidos para querer saber quem havia esculpido em bronze, mármore ou ferro, ima- gens de anjos que ornam túmulos de crianças; a caveira e a colu-na quebrada que remetem à morte do arrimo da família, do patri-arca; o homem sem camisa que representa a morte. Essa imagem está no túmulo da família Almin Mendes. A estátua dourada em tamanho real impressiona e assusta. As feições são tão realistas que causam incomodo. É possível confundí-la com uma pessoa. Olhando fixamente para o objeto, a jovem então constata que é a mesma figura que havia olhado quando chegou à praça. Em vão, anda em volta do túmulo procurando por alguma identificação do responsável pela confecção da imagem, e nada encontra.

Marinho desconhece quem foi o artista dessa imagem. Nesse momento, ela acha que foi suficiente o que ele lhe mostrou du-rante o passeio pelo cemitério e lhe agradece com um sorriso. Agora, ela conhece o outro lado daquele lugar tido como inóspito e visto com maus olhos pela maioria da população da cidade.

A jornalista e Marinho caminham em direção à saída. Ela não sente mais medo. Espera ele colocar seus materiais dentro de uma cripta que fica próxima à saída do cemitério. Os dois partem satisfeitos e agradecidos pela companhia que um fez ao outro.

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Seu André é um comerciante do Centro de São Luís, de estatura média, sempre muito concentrado em seus afazeres. Aparenta ter uns quarenta e cinco anos. Seu negócio é pequeno, mas dá para sustentar sua família e promete crescer.

Seu empreendimento é uma loja de serviços tecnológicos. Num canto, com dois computadores, funciona uma pequena lan house. Trata-se de uma antiga porta e janela ao lado de outras duas casinhas iguais. Juntas, parecem três irmãs unidas em meio à Rua São Pantaleão.

A loja é alugada. Para que con-tinue ali, são necessários alguns repa-ros que, unidos em uma casinha tão pequena, parecem enormes. As pare-des foram pintadas com cal simples, amenizando a situação. Mas é só le-vantar um pouco os olhos para notar que o teto precisa de reformas. Não há como disfarçar...

Em uma casa comum, bastaria chamar um pedreiro com boas referên- cias, comprar algumas telhas novas, colocar um forro, talvez até um ar-condicionado para dar maior conforto aos clientes. Uma pintura simples cairia bem. Mas essa porta e janela de poucos metros quadrados precisa de uma reforma bem diferente.

E não basta seu André ligar para o seu Raimundo, pedreiro extre-mamente competente que sempre salva seu telhado – até pensei em recomendá-lo. “É muita burocracia, é difícil conseguir. Tentei, mas meu pro-jeto não foi aprovado”, desabafa.

O projeto ao qual seu André se refere faz parte de um processo que causa receio e preocupação para qualquer proprietário. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Na-cional (IPHAN) é responsável por de-

terminada área do Centro Histórico da cidade, que possui projetos ar-quitetônicos muito antigos.

Quando há necessidade de reforma, mudanças e adaptações, é necessário que o proprietário do imóvel apresente um projeto com assinatura de um arquiteto para a aprovação por parte dos técnicos do IPHAN. Só que não é fácil. Não se pode descaracterizar o que há de original, e nem copiar o que existia antes. Para a superintendente do Ins- tituto, Kátia Bogea, isso seria um fal-so histórico. “Não se pode reconstruir igual ao que era antes, isso é falsear a história”, explicou. As paredes pre-cisam de técnica especial de pintura para que não se deteriorem. O piso precisa ser preservado e, assim como o telhado, não podem ser trocados. Enfim, o dono não pode mexer em nada, sem a autorização do IPHAN. NADA! Até mesmo um furinho aqui ou ali para aquele quadro de família.

E depois que conseguem a tão difícil aprovação, o trabalho duro começa. Em meio a uma reforma em que não se pode quebrar quase nada, ops... Erramos! Multa! É necessária muita paciência, de todas as partes. O patrimônio pede um cuidado que nem todos tomam.

Ao descer a rua, pode-se encon-trar vários comércios, mas um em especial é uma salinha pequena, es-condida ao lado de um casarão de dois pavimentos, com uma placa de “VENDE-SE”pendurada na sacada. Dona Francisca disse que não era dona dali. Só trabalhava na loja de concertos, mas não sabia de nada. Tudo que queria mesmo era um dedo de prosa com alguém.

Dona Francisca é uma senhora enérgica, de um metro e sessenta e dois, que aparenta ter uns sessenta anos. Aos poucos, ela conta mais so-bre o drama dos imóveis ali nas re-dondezas. “Bem ali, embaixo, não sei

Na Rua do Ribeirão,os moradores recebem isenção de IPTU para manter origi-nais os imóveis tombados.

por Ana Paula Coelho

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se você viu, tem um tombado lá, que o dono abandonou. Eles fazem isso. Abandonam, para cair tudo e não pre-cisar ir no IPHAN. Aí, fica tudo jogado, aí! Feio! O que um turista não vai pen-sar quando olhar isso aí?”,relata.

Mas seu André é diferente dos ou- tros. Ele quer tudo certinho, como manda a lei. “Eu quero preservar a casa, não mexer em nada, mas o te- lhado está em uma situação lamentá- vel, conta”. O projeto dele foi recu-sado porque não tinha a assinatura de um arquiteto. Agora, ele procura por um que possa assumir a responsabi-lidade, antes que algo de ruim possa acontecer. Porém, pode demorar. “A

gente quer fazer tudo certo, mas essa burocracia não deixa!”, reclama.

Outros proprietários não querem nem saber de reformar; quebram tudo mesmo, não estão nem aí. A cidade precisa de mais espaço, para desa-fogar o trânsito infernal! Ninguém percebeu?

Não é muito difícil encontrar lo-cais onde funcionam estacionamentos clandestinos. A estudante Janice mora em uma casa tombada e na sua rua muitos outros vivem como ela. A moça de cabelos castanhos e roupas de es-critório fica nervosa quando me conta sobre os casos que já presenciou. Al-gumas casas ali por perto caíram para

dar espaço aos carros. “É uma falta de respeito tudo isso! Um tremendo ab-surdo! Como alguém pode destruir a nossa história para fazer isso?”

A estudante conta como é viver em uma casa tombada. “Dá muito trabalho! Às vezes, acho que minha casa vai cair em cima de mim”, dá gargalhadas. “Mas, para que os donos mantenham as casas em bom estado, a prefeitura os isenta do IPTU, mas só para os que cumprem as normas. Nesta semana mesmo, passaram na minha rua fazendo a fiscalização”, explica.

Bem próximo a Janice, perto da Fonte do Ribeirão, vive Dona Gaudi- na.Ela ainda não sabe se sua casa é tombada, mas tem vontade de sa- ber. Mora lá há três anos. Na dúvida, achou melhor pintar tudo da mesma cor que estava lá quando a comprou, para não ter problemas. “Eu vejo umas casas por aqui tão bonitas, mas que o dono não cuida; é uma pena! Eu quero fazer tudo nos conformes. Até hoje nunca precisei mexer em nada na minha casa. Só pintei a fachada, mas até para isso dizem que precisa ir ao IPHAN. Quero ir lá e saber dessa história”, aponta, orgulhosa, para a sua casinha.

Em frente a dona Gaudina, há uma casa em ruínas e outra com a lateral destruída que foram tomba-das. Ela contou que uma chuva forte fez com que o imóvel caísse. A lateral da casa ao lado também cedeu. Os donos estariam esperando auxílio do governo para arrumar o estrago, mas até hoje nada. Ela parece ter orgulho de morar em meio a tanta história.

Diante de tantos problemas, o que também mantém seu André naquela loja pequena é a localização, nada além disso! É um importante centro comercial da cidade. As pessoas saem de bairros distantes para fazer com-pras ali; é excelente para os negócios.

Parece que o desenvolvimento da cidade não quer obedecer a burocra-cias; quer derrubar o velho e construir um novo bem barato, tem pressa. Seu André, dona Gaudina e Janice são pessoas que estão realmente interes- sadas em conservar o imóvel que pos-suem, com uma visão mais adiante de preservar a história da cidade e deles próprios.

O telhado da loja de seu André na Rua São Pantaleão.

Muitos abandonam os imóveis para se dedicar a outros empreendimentos.

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O lugar era conhecido. Já havia estado ali inúmeras vezes. No entanto, em nenhuma delas tinha parado para pensar sobre o que existia além daque-les trinta e cinco degraus. Em quantos locais passamos diariamente e não atentamos às peculiaridades de sua história? O tino da curiosidade acaba se acostumando com o vazio da rotina.

Saí com meu bloquinho para des-

bravar. Mas, para a minha surpresa, até as pessoas que hoje moram por ali, não tinham conhecimento da história que os cerca. Entretanto, pensei: o que seria do jornalismo sem um pouco de desafio? Para saber mais, resolvi fazer uma consulta no Arquivo Público, onde está disponível o livro História do Ma-ranhão, de Carlos de Lima, e eis que encontro relatos das marcas de quem passou por lá.

A história registra que uma mulher negra deixou rastro de sua passagem em um beco hoje chamado Catarina Mina. Como constava em sua cer-tidão de nascimento, Catarina Rosa Ferreira de Jesus se orgulhava de ter conquistado sua liberdade à custa de seu próprio trabalho. Ela foi alforriada e deixou de ser escrava para tornar-se próspera negociante de farinha, competindo em igual paridade com os mais importantes comerciantes da época.

Catarina chamava atenção pela sua beleza. Vestia-se aos moldes da realeza, sempre com muito brilho e elegância. Nos cabelos, levava sempre belas ornamen-tações que bailavam e combi-navam com o movimento de suas saias rodadas e o brilho de seus anéis. No entanto, acabou se deixando levar pela sedução corruptível do sistema e tornou-se também dona de escra-vos. Suas mucamas, ape-sar de muito bem vesti-das, a acompanhavam descalças seguindo sua

condição.

A lenda dessa mulher ousada para sua época atravessou os tem-pos e, apesar de, em 1930, o beco ter passado a se chamar Rua Djalma

Poema de José Ribamar Sousa do Reis registrado no muro do Beco Catarina Mina

Catarina Rosa Ferreira de Jesusuma rosa negradentre tantas rosas negras minasSinhazinha vinda da Senzala, talvez belaVerdadeira Rainha Comercial

Tesouro de genteespírito fraternalSubindo e descendoestas pedras de encantariadesta tua louvada escadariade 35 degraus

Única homenagem aos teus feitosnesta artéria dos palácios comerciaisTeu gesto sempre rosahumanizava o teu tirocinio caxeiraltua alforria e as compras dos sobradões coloniais

Rica famosanão largou a famíliacatólica demaisMorreu como nasceulivre, pobre e feliz

Libertou seus escravosdividiu os seus bensApresentou-se no céu- Sou Catarina Minanão devo a ninguémAmém!

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Dutra em homenagem a um dos heróis da Revolta de Copacabana, é o nome de Catarina que até hoje se sobressai.

O logradouro, que antes era ape- nas uma ladeira, recebeu 35 largos de-graus em pedra de lioz. Hoje, o Beco Catarina Mina é berço da boemia lu-dovicense. Não há quem não conheça as alegres rodas de samba que acon-tecem semanalmente, e, também, não tenha experimentado o sabor da culinária maranhense no Bar Catarina Mina.

Entre tantos becos boêmios do Centro Histórico de São Luís, por que se fixar justamente nesse? Simples-mente porque poucas foram as mulhe-res que fizeram a diferença e deixaram sua marca nos tempos cerceantes da São Luís de outrora.

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por Plynio Nava

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Se durante todo o século XVI a economia maranhense tinha pouca relevância no cenário nacional, o ano de 1755 é pontual para a reconfiguração deste status. Segundo o historiador Joan Botelho, em seu livro “Conhecendo e De-

batendo a História do Maranhão” (Fort Gráfica, 2007), nesse ano foi implantada a Companhia do Grão-Pará e Maranhão, que reuniu investidores, altos funcionári-os, grandes comerciantes, nobres, militares e magistrados, gerando os primeiros indícios da dinamização da agroexportação, do comércio de escravos e da in-trodução de ferramentas.

Esse empreendimento, idealizado pela política econômica de Marquês de Pombal, estava relacionado a contextos econômicos internacionais. O desempe- nho econômico do estado, que em 1751 englobou o território do Pará, por iniciati-va do próprio Marquês, só foi possível graças aos conflitos envolvendo o comércio internacional do algodão. Em 1861 e 1875, as guerras civis e de Independência, deflagradas pelos Estados Unidos, um dos maiores produtores de algodão do mundo, resultaram na desarticulação da produção cotonicultora (cultivo de al-godão) do país.

De acordo com o pesquisador, o episódio alavancou a produção de algodão no Maranhão. O sucesso da empreitada comercial, responsável pela substitu-ição da economia de subsistência por uma economia agroexportadora, gerou uma euforia no estado, a ponto de a produção maranhense conseguir ocupar, em 1860, o 2º lugar entre os mais importantes da economia brasileira. A nova posição econômica justifica uma série de mudanças ocorridas na estrutura social da época.

Assim era oMaranhão

naquela época

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por Plynio Nava

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Para Botelho, dado o sucesso da economia cotonicultora, transformações apareceram, gradualmente, mudando o panorama social do estado. Municípios como São Luís, Codó e Caxias despontaram como grandes potências, ao passo que seus barões, aproveitando o vertiginoso apogeu do algodão na época do Império, disputaram com fazendeiros do centro-sul do Brasil o poderio no mercado.

Neste momento de opulência, as cidades de maior representatividade ergue- ram seus sobradões. Com estrutura fortemente dependente do comércio marítimo, todas as dependências e acessos dessas casas convergiam para o mar. Proprietária de estabelecimentos comerciais, escravos e poder, a classe dominante ofereceu aos seus filhos viagens à Europa, onde estudavam e entravam em contato com a produção cultural.

Ao retornar às suas cidades, traziam consigo uma formação intelectual que, mais tarde, seria essencial à própria construção de uma imagem de São Luís como cidade referência na produção de romancistas, poetas e intelectuais. Em sua dis-sertação “Operários da saudade: os Novos Atenienses e a invenção do Mara-nhão”( Edufma, 2006), o historiador Manoel Barros Martins afirma que esta elite construiu teatros, assistiu a peças e apreciava a leitura de romances. Suas mulhe- res tentavam adequar-se às tendências de Paris, consumindo na moda, mesmo a contragosto de um clima nada favorável, os últimos modelos da cidade luz.

Segundo o pesquisador, a euforia do algodão em terras maranhenses teve curta duração. O sistema de plantation, importado dos Estados Unidos, não foi suficiente para dar continuidade à produção local, por razões simples: qualidade inferior, preços altos e ausência de mercado interno. O ápice das exportações, ocorrido entre 1861 e 1870, teve seu fim no instante em que os Estados Unidos rearticularam alianças comerciais com a Inglaterra. No entanto, os registros deste sucesso no Maranhão foram suficientes para reconfigurar toda a estrutura social de suas grandes cidades. Esse prestígio, obviamente, não chegou a toda a so-ciedade, mas ajudou a construir personagens que se eternizaram no imaginário nacional.

A sociedade maranhense na época colonial

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urante muito tempo, a historiografia convencionou atribuir à mulher o papel de submissa, dona de casa que passava o dia ociosa, dando ordens aos criados,

verdadeiros bibelôs, sempre tratadas como meras figuran-tes diante de um cenário protagonizado quase que exclusi-vamente pelos homens.

Diferente dessa visão, os estudos da pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Marize Helena de Campos, demonstram que durante o período entre 1755 a 1822, correspondente ao Maranhão Colonial, a atuação das mulheres na dinâmica sócio-econômica era bastante expressiva.

Para Marize, “naquele cenário desenrolam-se histórias de mulheres que agora rompem o cerco de uma historiogra-fia que por tanto tempo as barrou. Senhoras de posses, de estratégias, de vontades, aguerridas, destemidas, batalha-doras, que longe de passar os dias em sonolentas redes, ao

grosso e morno ar do Maranhão, estavam cuidando de suas lavouras, garantindo a posse de suas terras, contabilizando suas cabeças de gado, enfim, atuando na dinâmica econô-mica e social em que estavam inseridas”.

Segundo a pesquisadora, a imagem das mulheres ma-ranhenses foi destorcida e replicada de maneira deturpada durante muito tempo. Por isso, Marize se apoia em uma corrente teórica da história sobre gênero que não pretende a desconstrução do discurso masculino, mas sim a inserção do discurso feminino desprezado por tempos, o que resul-tou na escassez de fatos relativos às mulheres. A supera- ção dessas deficiências pode ampliar os conhecimentos sobre aquele período histórico para obter uma visão mais aproximada e fidedigna do que de fato acontecera.

A pesquisadora debruçou-se sobre a análise de dados recolhidos em Testamentos, Inventários post-mortem de mulheres e Cartas de Sesmarias, que consistiam em con-

por Lidiane Ferraz

Se a História é dos vencedores, o que dizer das vencedoras?

D

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Marize Campos, autora do livro Senhoras Donas

cessões para posse de terrenos não cultivados ou aban-donados no Brasil e que podiam ser cedidos aos novos povoadores pelos reis de Portugal. Esses dados foram localizados no Arquivo Público do Estado do Maranhão – APEM, Arquivo do Tribunal de Justiça do Maranhão – ATJ, e Arquivo Histórico Ultramarino – AHU, o possibilitou alcançar informações desejadas para o estudo. Nesses documentos foram localizadas várias mulheres que eram tratadas como donas, termo derivado do latim domina, entendido, nesse estudo, como “senhora de alguma coisa, proprietária”. Entretanto, não é possível saber de que “cor” eram essas mulheres. O que se sabe é que a maior parte era casada, de origem portuguesa. Ser avó, viúva ou mãe de capitão ou tenente, possuir roupas brancas, casas, escravos e dinheiro contribuía para o tratamento de donas. Porém, o fato de descender de famílias ilustres não era o único requisito para ser considerada como tal. Muitas eram escravas alforriadas que, em virtude das relações sociais com pessoas influentes ou poder econômico, acabavam recebendo esse tratamento. Marize considera a história como um construto social, feita na coletividade. Em seus estudos não buscou ícones, mas sim mulheres até então anônimas, que con-tribuíram de forma significativa para a economia daquela época e mesmo assim passavam despercebidas pela his-toriografia. Se a história contada é sempre a dos vence-dores, porque então essas mulheres estavam alheias a isso? A pesquisa constatou, na realidade, que não foram contempladas por uma simples questão de gênero.

SENHORAS DONAS A partir do estudo feito para sua tese de dou-torado, Marize Helena de Campos lançou o livro Sen-horas Donas: Economia, povoamento e vida material em terras maranhenses (1755-1822). A obra é uma im-portante contribuição para historiografia maranhense, particularmente no período colonial, e tem como carac- terística única, neste contexto, de ser ao mesmo tempo um estudo da história econômica e das mulheres. Como demonstrado nos documentos testa-mentais e cartas sesmarias, essas Senhoras Donas de posses não se configuram com um único perfil étnico e social. O livro permite conhecer valores e práticas que marcaram o viver das mulheres durante o final do século XVIII.

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No alto da Acrópole ateniense, a democracia grega gestou o que viria a se tornar a in-

telectualidade ocidental. Nunca se vira, em todo o mundo, tantos pensa-dores brilhantes como os do chamado século de Péricles. Contudo, tempos depois, a então província do Mara-nhão coroou-se sob o título de Atenas Brasileira, confirmado e reconfirmado por três gerações de intelectuais que por aqui passaram. Patrimônio sim-bólico do Estado, a forma como os pensadores locais construíram este mito foi o motor da dissertação de mestrado de Manoel Barros Mar-tins, do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Segundo o professor, a imagem da capital grega casa perfeitamente com o Maranhão em fins do século XIX e começo do século XX: uma elite que buscava novo fôlego diante do declínio de uma província repleta de ex-escravos e livres pobres. “A Ate- nas, que todo mundo festeja como a pátria da democracia, é uma cidade em que a elite busca a todo tempo a prática democrática, mas sua organi-zação social está assentada sobre a escravidão. É um sistema democrático para quem não é escravo”, observa Barros, concluindo que a “Atenas Brasileira” tornou-se uma mitologia inventada “que configurou uma terra em que as excelências suplantaram de longe os defeitos”.

A dissertação foi publicada pela Edufma em 2006, com o título Ope- rários da Saudade: Os Novos Ate-

nienses e a invenção do Mara-nhão. Nela, o pesquisador Manoel discorre sobre as características dos trabalhos das três gerações de in-telectuais “atenienses”, detendo-se, especialmente, à terceira geração. Estes últimos, chamados “novos ate- nienses”, autorrotulavam-se ope- rários, e fundaram importantes ins- tituições do Estado, como a Escola Modelo e a Academia Maranhense de Letras.

“Eles queriam reconstruir o Mara-nhão aos moldes dos atenienses, isto é: renovar o Estado olhando para trás, tendo Atenas como referência”, expli-ca Barros. Para ele, incomodava aos novos atenienses a “decadência” em que se encontrava o Maranhão entre os anos de 1890 e 1930, ficando fora do eixo de produção intelectual, en-tão centrado em Recife-Rio-São Pau-lo. Também estava em pleno declínio o mercado agroexportador do estado.

A ideia de uma Atenas Brasileira surgiu após o período pombalino, quando a província experimentou forte crescimento econômico a partir da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Nos anos que se seguiram, a riqueza local permitiu aos filhos dos grandes latifundiários estudar em renomadas universidades europeias, constituindo, ao voltar ao Brasil, uma elite intelectual com rica produção literária. Entre eles, pode-

mos citar a prosa de João Lisboa e a poesia de Gonçalves Dias, membros da primeira geração de intelectuais imortalizados como “atenienses”.

De acordo com Manoel Barros, foram as ações dos novos atenienses que contribuíram para reafirmar a construção mitológica desta Atenas tropical. Somente entre 1890 e 1930, um total de 240 periódicos foi veicu-lado pela província, entre jornais e re-vistas, sem contar os livros editados. Também foram fundadas inúmeras instituições de difusão cultural, como a Oficina dos Novos e a Renascença Literária, que já não existem, mas também outras que sobreviveram ao tempo, como a Biblioteca Pública do Estado, a Escola de Música, as Facul-dades de Direito e de Farmácia e a já citada Academia Maranhense de Le-tras.

Estes novos atenienses pagaram o preço por investir em sua provín-cia-natal. Miguel Vieira Ferreira, Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, Fábio Alexandrino de Carvalho Reis e João Dunshee de Abranches nunca se tornaram tão famosos quanto os primeiros atenienses, que partiram para o Rio de Janeiro, alcançando projeção nacional. No entanto, sua marca permanece no imaginário erudito local. Afinal, mais do que a fama, sua meta verdadeira era gar-antir a existência simbólica de uma província “decadente” em busca da identidade nacional daquele perío-do. Para eles, todo o esplendor de Atenas estava por aqui.

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por Madson Fernandes

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“As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. Neste trecho da Canção do Exílio, Gonçalves Dias exprime a diferença entre o canto dos pássaros de sua terra natal e os de Portugal. Das terras portuguesas até o Brasil, outras mudanças aparece- ram. Até o falar foi, aos poucos, tor-nando-se diferente. A língua portu-guesa, assim como as demais, sofre variações de uma região para outra, dentro do mesmo país. O português do Maranhão se destingue daquele falado em qualquer outro lugar; seja em Portugal, São Paulo ou no Piauí, que fica bem aí, pertinho, como diz o maranhense.

Para dar conta dessas peculiari-dades é que está sendo desenvolvida a pesquisa Atlas Linguístico do Mara-nhão (ALiMA). Formado por profes-

sores do Departamento de Letras, da Universidade Federal do Ma-

ranhão (UFMA) e alunos de diversos cursos de

graduação, o grupo objetiva mapear

g e o g r á f i c a , cultural e

linguis-

ticamente a fala do povo maranhense.As pesquisas acontecem em al-

guns municípios do Estado, escolhi-dos estrategicamente por suas locali-zações no mapa. Na lista estão Alto Parnaíba, Bacabal, Balsas, Barra do Corda, Brejo, Imperatriz, São João dos Patos, São Luís, Carolina, Carutapera, Pinheiro e Raposa. A partir de uma série de entrevistas com habitantes desses municípios, o Atlas está sendo construído e já constitui um grande banco de dados da língua portuguesa falada no Maranhão.

O ALiMA colabora também para a formação do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB). Este Atlas nacional, no entanto, “não cobrirá todas as par-ticularidades linguísticas do Mara-nhão”, apontou o pesquisador, José de Ribamar Mendes, do Departamen-to de Letras. “Os pontos escolhidos para o ALiB são suficientes. Mas para o Maranhão, que queremos mostrar mais especificidades, o número de municípios escolhidos foi quase o do-bro”, completou.

Desde 2011, a pesquisa passou a direcionar-se também à produção do acervo do Museu da Língua Portu-guesa do Maranhão.

O ALiMA é parceiro neste em-preendimento cultural, que promete debutar até o início de 2014. “O pro-

jeto dá apoio técnico na área de linguagem para o museu”, ex-

plicou Mendes. Mesmo de-pois da inauguração, as

pesquisas deverão continuar. “É um

trabalho que só tem

começo”, destacou.O acervo do museu, de acordo

com o pesquisador, será elaborado em torno de quatro eixos: a história da humanidade e as linguagens; a história da língua; as modernidades da língua; e, por último, o fator bio- lógico. Ele vislumbra o museu como um local para expor informações acer-ca da linguagem e, também, como es-paço de pesquisa para estudantes de todos os níveis.

O Museu da Língua Portuguesa do Maranhão vai funcionar no antigo Liceu Maranhense. O casarão, datado da época do Império brasileiro, fica na esquina da Rua do Giz com a Rua Di-reita, no Centro Histórico de São Luís. A proposta é que se utilizem equipa-mentos modernos e interativos. “O museu é todo tecnológico. Uma em-presa alemã foi contratada para de-senvolver os softwares específicos”, afirma a superintendente regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Kátia Bogéa.

São parceiros da iniciativa a Fundação Vale, o Governo do Estado do Maranhão, o Ministério da Cultura (MinC) e a UFMA. Reduto das par-ticularidades do idioma no Estado, guardará ainda as contribuições dos construtores da Literatura desta terra onde canta o sabiá.

NO PRINCÍPIO, ERAM DOIS SOBRADOS. Na época, século XIX, os prédios que abrigarão o museu foram alugados pelo governo para serem sede da ins- tituição de ensino Liceu Maranhense. Na primeira reforma, em 1899, houve a unificação destes sobrados. Mais tarde, em 1913, com nova reforma, o casarão – agora um só – ganhou uma escadaria monumental, sofrendo modificações no estilo. Uma terceira reforma ocorreu em 1926. Por volta de 1942, o prédio deixou de abrigar o Liceu, quando se tornou repartição pública e foi submetido a alterações significativas. Depois de algum tempo, o que era repartição deu lugar a um casarão abandonado e fadado à ruína.

por José Cordeiro Neto

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Ao l o n g o

dos anos, o cenário de lazer, entretenimento e turismo na área do Centro Histórico, a “cidade velha”, vem se transformando. Antes, o endereço das famílias mais nobres e poderosas da cidade, que ditavam as regras da so-ciedade das fachadas de seus sobra-dos seculares, virou centro comercial importante da capital, e depois pas-sou a abrigar a famosa Zona do Baixo Meretrício ou ZBM. A partir daí, viu sua decadência erguendo-se das cin-zas que a “cidade nova” levou para lá da ponte. Hoje, talvez, esteja revi-vendo, novamente, os seus tempos de glória. Um sopro de vida, no momento em que a cidade de São Luís se torna uma quartocentenária. A história tam-bém se constrói com simbolismos.

De acordo com a pesquisa “Carac- terização e Avaliação da Demanda do segmento de lazer na área do Cen-tro Histórico de São Luís e seu ponto de vista em relação à oferta atual”, realizada pelo Núcleo de Pesquisa e Documentação em Turismo (NPD-TUR), do Departamento de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o turismo vem, ao longo dos anos, mudando sua pos-tura em relação ao planejamento de sua própria existência. Ele se adapta para poder sobreviver. E não poderia ser diferente. Turismo, lazer e entrete-nimento são escravos de uma neces- sidade intrínseca da sociedade, e não

existiriam ou prosperariam sem isso. E, para tanto, precisam

acompanhar a evolução da sociedade, bem

como seus anseios,

cres- c e n d o estrategica-mente ao redor de-les, de forma a supri-los. Para o pesquisador Saulo Ri-beiro dos Santos, coordenador da pesquisa, o turismo de lazer e entrete-nimento precisa ser pensado de uma maneira inteligente. “A importância do planejamento para preservar o turismo é uma ferramenta indispen-sável para o manejo sustentável des-sa atividade”, explica. Os atrativos turísticos, por sua vez, também criam possibilidades para a revitalização da identidade cultural, preservação de patrimônios, bens culturais, tradições e costumes da população local, esti-mulando, assim, a participação da co-munidade no desenvolvimento da ati-vidade turística e, consequentemente, da própria sociedade.

O objetivo dessa pesquisa é, en-tão, traçar o perfil da demanda do segmento de lazer, tanto turístico como local, do Centro Histórico, co-letando dados sobre o grau de sa-tisfação dos usuários, junto com a quantidade e diversidade de opções encontradas na área. Para isso, a me-todologia usada foi a realização de pesquisa de campo, dividida por seto-res, para levantamento de dados em um universo de 350 questionários, com perguntas diretas e indiretas, seguida de tabulação e análise crítica dos dados, categorizando e identifi-cando a demanda atual e seu grau de satisfação em relação aos estabeleci-

mentos. “A metodologia do proje-to se desdobra em um roteiro

dinâmico, ágil e flexível, de conteúdo atuali-

zado”, comple-

men-ta o pesquisador Saulo Ribeiro.

Segundo os resulta-dos encontrados pela equipe de pesquisadores, o público-alvo é, em sua maioria, feminino, com faixa etária entre 21 a 30 anos, possuindo nível de escolaridade superior incom-pleto, com renda entre 0 a 3 salários mínimos, vindos da própria capital, com tendência de visitação maior nos dias de quinta e sexta-feira, porém sem uma frequência constante. Esse público é geralmente influenciado por amigos, que avaliam o atendimento e a qualidade dos bens de consumo como boa, o que leva a recomendar o local, apesar de não classificar bem a infra-estrutura e, principalmente, a higiene.

Em relação à demanda, encon-tra-se um público jovem, com renda média, mas com nível de formação elevado, possuindo um senso crítico e de qualidade que possibilitam es-sas avaliações da área. Percebe-se uma demanda local maior do que a turística, fato que pode ser relaciona-do com as porcentagens mínimas de investimentos ligados a propaganda, deixando clara a falta de uma política de marketing turístico interno, em um local considerado um dos maiores trunfos da oferta turística ludovicen-

por Thales Reis

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se. Um resultado preocupante, que demonstra que o Centro Histórico ain-da poderia ser muito melhor utilizado pelo turismo em todas as áreas. Outro ponto interessante, levantado pela pesquisa, é o fato de que a Feira da Praia Grande, apesar de enfrentar sérios problemas estru-turais, ainda é citada como um dos melhores pontos para visitação do turismo “tradicional”, tanto para o público ludovicense, quanto para quem vem de fora. O dia preferido para visitação é a quinta-feira. Du-rante as quintas, a vida noturna é efervescente. Fazendo um pequeno levantamento de eventos geralmente encontrados neste dia, temos reggae, tambor de crioula e o reconhecido “A vida é uma Festa”, que toca exclusiva-mente músicas alternativas da terra. Quando se fala em problemas de ges-tão e infra-estrutura, falta de banh- eiros e segurança deficiente foram os tópicos mais citados pelas pessoas que responderam aos questionários da pesquisa.

Conclui-se, então, que o Centro Histórico é dotado de um poder de oferta dinâmico e diversificado. Re-úne grupos e tribos sociais diversas, convivendo no mesmo espaço geo-gráfico, criando um local rico e favo-

rável para a o estabelecimento e estreitamento de inter-rela-

ções sociais. Um caldei-rão cultural com

potenc ia l i -d a d e s

únicas. Entretanto, utilizado sem criatividade, tem se tornado um local de visitação rápida e pouco interati-va. Segundo levantamento realizado pelos pesquisadores, a área sofre com descaso, falta de segurança e infra-estrutura básica. São pequenos fatores, de fácil ajuste, que perpas-sam por questões de políticas bem re-alizadas. A demanda e potencial não faltam. Eventos organizados no local e um número cada vez maior de casas noturnas, que inauguram constante-mente no endereço, demonstram isso.

Romeo Ekonomidis tem 22 anos e mora na cidade de Odessa, na Ucrânia. A pequena cidade histórica é banhada pelo Mar Negro, e atrai russos, ucranianos, judeus, gregos, moldávios, búlgaros e alemães, entre outros. Odessa abriga a “Escadaria Richelieu”, loca-ção usada na filmagem da famosa cena do “massa-cre na escadaria”, do filme “Couraçado Potemkin”, de Serguei Eisenstein. A sequência cinematográfica se tornou um marco da história do cinema mundial. Romeo passou quase dois meses morando em São Luís, por meio de um programa de intercâmbio, em 2012, e diz-se encantando pelas maravilhas cultu-rais e étnicas da cidade. Para ele, a “Ilha do Amor” foi uma das cidades mais belas que já conheceu. “Ia quase todos os dias ao Centro Histórico, pela manhã, durante a semana, para conhecer a cultura e arquitetura do local, e nos finais de semana, claro,

pra viver de perto a vida noturna da cidade. Fiz vários amigos”, disse em um inglês

perfeito e até arriscando algumas palavras em português.

Para Lusianne Assunção, de 25 anos, há três anos é hostess de uma das principais casas noturnas do Centro Histórico. O número de turistas, de dentro e de fora do país, que vem visitar a área em busca de opções de lazer noturno cresceu nos últimos anos. Ela percebeu a diferença, ou o aumento, nessa demanda do segmento de lazer. “Antes os turistas vinham con-hecer o Centro Histórico pela manhã, com o sol bril-hando no céu; ver os artesanatos, azulejos e casarões, e degustar as comidas típicas. Hoje eles continuam, mas também querem ver o Centro Histórico que não costumava entrar nos roteiros das agências de via-gens e de turismo. A vida noturna, as boates, as fes-tas, as badalações e o público que frequenta a noite são atrações à parte”, comenta.

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O Convento das Mercês é um dos mais imponentes exemplares da arquite-tura colonial de São Luís. É um local marcado por histórias e mitos; alguns ocultos até hoje pela falta de relatos históricos. Ao longo dos anos, foi sede

de uma ordem religiosa, de batalhão militar e, recentemente, passou a abrigar a Fundação da Memória Republicana. Tanta mudança gerou novos significados ao local que surgiu com fins religiosos.

No artigo “Reinterpretando o acervo arquitetônico do Bairro da Praia Grande através dos lugares de memórias”, a pesquisadora, doutoranda e turismóloga, Karolini Diniz, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), relata o resulta-do de entrevistas com o povo local sobre o bairro da Praia Grande, a partir dos conceitos de memorial histórico, cultural e turístico. Mostra também como esses símbolos históricos foram sendo ressignificados através dos tempos, como referê- ncias culturais e não mais como patrimônios históricos.

Nas entrevistas com os moradores das localidades próximas ao convento, o local aparece mais relacionado aos eventos voltados para apresentações de gru-pos da cultura popular, como o bumba-meu-boi, perdendo, assim, a simbologia inicialmente sacra de um convento do século XVII.

“A sua função, enquanto prédio de manifestação da fé católica, não se rea-tualizou na fala dos moradores entrevistados. O patrimônio arquitetônico não foi lembrado, nem sua função atual de abrigar mostras e exposições de caráter cultu-ral”, destaca a pesquisadora. O que se pode ver é que, com o passar dos tempos, surgiu uma nova ressignificação para o valor simbólico do local, hoje visto como um marco principalmente por conta dos eventos culturais.

TEMPLO SAGRADO OU PALCO DE FESTAS POPULARES?

por Patrick Erick

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O convento ao longo dos temposFundado em 1654 pela Real Sagrada e Militar Ordem Calçada de Nossa Senhora

das Mercês, ordem constituída na Catalunia, em Barcelona, por um fiel religioso cha-mado Pedro Nolasco, o convento abrigou a congregação nascida com o objetivo de res-gatar a fé dos cristãos que eram aprisionados pelos mouros nas batalhas das cruzadas, para que se convertessem ao Islamismo.

A ordem era formada somente por cavaleiros religiosos (padres, frades e monges). A Ordem dos Mercedários, como era denominada, por causa de Nossa Senhora das Mercês, veio para o Brasil. Instalou-se primeiro em Belém e, em seguida, no Maranhão, no município de Alcântara. Somente em 1654 chegou a São Luís, onde contou com a ajuda do padre Antônio Vieira (desvinculado da campanha dos jesuítas) para instalar e fundar a igreja e o convento, que fora palco de seus famosos sermões, no século XVII.

Os frades mercedários queriam evangelizar e catequizar as pessoas pobres das re-dondezas. Eles desempenharam este papel por pelo menos 200 anos.

No início do século XX, a ordem entrou em decadência, pois muitos frades já havi- am morrido e outros abandonaram a fé cristã. Em consequência disso, o prédio e a igreja entraram em ruínas. Por conta da falta da preocupação com a memória histórica, não se tem relatos minuciosos sobre o que aconteceu com a Ordem dos Mercedários e os 200 anos em que o prédio permaneceu fechado. Muitos manuscritos e documentos importantes da época foram perdidos.

Em 1905, um bispo vendeu o imóvel para o Governo do Estado, pelo simbólico preço de 40 contos de réis. Depois de uma pequena reforma, abrigou a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, que permaneceram 75 anos no local. A partir de 1987, após a saída das corporações, o prédio passou por uma restauração arquitetônica, para tornar-se sede da Fundação da Memória Republicana, que veio a funcionar a partir de 1991. Sete anos mais tarde, mudou a razão social para “Fundação José Sarney”.

A fundação resistiu até o ano de 2010, tomando o espaço como museu, mas tam-bém como mausoléu para a Família Sarney. Mas, por conta da lei nacional que proíbe cemitérios particulares, a ideia foi revogada.

O local que seria o mausoléu, hoje, é chamado de Fonte dos Poetas, um jardim que dá acesso ao mirante do convento. Todas as peças de arte e arte sacra foram doadas para a Fundação da Memória Republicana. A coleção tem aproximadamente 5 mil pe-ças museológicas, entre gravuras, trajes oficiais, medalhas, condecorações e presentes dados por populares ao então presidente Sarney. No acervo, ainda estão fotografias, material audiovisual, mais de 25 mil textos, com edições de livros raros, além de cópias de documentos presidenciais.

Em 8 outubro de 2012, a Fundação da Memória Republicana Brasileira foi reinau-gurada, com o objetivo de expor a memória da República (na parte superior do prédio). Recentemente conveniado à Secretaria de Educação, o Convento das Mercês funciona de segunda à sexta, das 8:00h às 19:00h e aos sábados das 8:00h às 12:00h.

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Umbanda no sul; Candomblé na Bahia; Xangô em Pernambuco, Batuque no Pará e no Rio Grande do Sul; Tambor de Mina e Casas de Mina, em São Luís, Piauí e na Amazônia; Cura ou Pajelança, em Cururupu e na Baixada; Terecô em Codó. São muitas as denominações para as chamadas religiões afro-brasileiras, com diferenças e variações no repertório dos rituais (cânticos, danças, entidades cultuadas, vestes, instrumentos etc.).

São religiões de transe ou possessão, que cultuam entidades sobrenatu-rais (caboclos, encantados, orixás ou voduns). No Brasil, para serem mais aceitas, ganharam sincretismo com santos católicos. Essas entidades são pro-tetoras e intermediárias entre os devotos e o deus superior.

Detalhes dessa riqueza cultural e religiosa foram pesquisados pelo professor de Antropologia, da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), Sérgio Figuei- redo Ferretti. No artigo científico “Perspectivas das Religiões Afro-Indígenas e Populares”, explica a chegada das religiões afro-brasileiras no país. “As religiões chegaram ao Brasil com os escravos trazidos da África, até fins do século XVIII. Nelas, há presença de algumas crenças que são de origens ame-ríndias e europeias, como por exemplo, o conhecimento e o uso de plantas medicinais e práticas da feitiçaria europeia”, pontuou.

Essas religiões procedem, sobretudo, da África Sudanesa, região em tor-no da linha do Equador. Vieram dos atuais países do Togo, Benin e Nigéria, trazidas pelos povos Jejes, Nagôs, Minas, Tapas, Haussás. Há também de ou- tras comunidades mais ao Norte africano, como os Felupes e Bijagós, da Gui-né Bissau, e os Mandingas, do Senegal.

Ferretti ainda explica que “são religiões não apostólicas, não de pregação ou de discursos, mas de fala ao pé do ouvido, da oralidade e não de livros. Hoje se lê e se usa mesmo a internet para conhecer, estudar e falar sobre as religiões afro, mas, na origem, elas são religiões da oralidade”.A pesquisa tinha como objetivo conhecer as manifestações culturais e re-ligiosas populares, contribuindo para que se evitem os preconceitos ainda existentes sobre o tema. Para atingir essa proposta, foi usada a metodologia desenvolvida pela Antropologia Social, baseada em pesquisas bibliográficas, trabalho de campo, entrevistas e observação participante.

O professor da UFMA conta que nessas religiões é muito comum o prati-cante pertencer a outra religião, especialmente à Católica. “A dupla pertença é muito comum nas religiões afro, especialmente com o catolicismo. Em tra-balhos sobre religiões afro-maranhenses, citam-se casos de pessoa em transe com o vodum que vai à igreja, é padrinho em batizado, comunga na missa, sem que o padre e outros percebam”, ressalta Ferretti.

por Deolindo Deolino Lourenço

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Em São Luís, até hoje funcionam duas casas de tambor de mina fundadas por africanos em meados do século XIX: a Casa Grande das Minas Jeje, da Rua de São Pantaleão, e a Casa de Nagô, da Rua das Crioulas. São essas duas casas que implantaram o modelo de religião afro-maranhense denominado Tambor de Mina, difundido no Pará, Piauí, Amazônia e atualmente no Sul do país.

A maioria dos participantes dos rituais das casas de mina são mulheres; em muitas casas, somente elas participam inteiramente de todos os rituais, entram em transe e dançam. Os homens exercem funções auxiliares, especialmente de tocadores. Os orixás mais conhecidos que baixam no Tambor de Mina são: Xangô, Iemanjá, Nana, Obaluaé e Ogum.

Cerca de meia centena de voduns do Daomé, de origem Jeje, são cultuados. Estes voduns podem ser adultos, velhos, jovens, crianças, homens ou mulheres. A maioria pertencente ao sexo masculino. Na Casa das Minas, os voduns agrupam-se em cinco famílias, sendo três maiores e principais, e duas menores. Cada parte do prédio da casa pertence a uma família de voduns.

Candomblé e Umbanda

As mais divulgadas e conhecidas no Brasil são Candomblé e Umbanda, mas existem várias outras religiões como Batuque no Sul e Tambor de Mina no Mara-nhão, Piauí e Amazonas.

A palavra Umbanda vem da língua Bantu. Significa “arte de curandeiro” ou “medicina”. A Umbanda, apesar de nela existir presença de crenças de diferentes origens, é considerada uma religião afro-brasileira que se desenvolveu a partir dos cultos de origem Bantu (grupo etnolinguístico de origem africana). Tem registros dessa manifestação desde o sécu-lo XVIII, mas organizou-se, na sua forma atual, somente na década de 30, para atender às demandas e aflições da população negra e mestiça das periferias cario- cas e paulistas. Posteriormente, foi adotada pela classe média branca urbana. Esse fenômeno ora é considerado como um “branqueamento” das religiões negras, ora acentua-se seu aspecto mais negro.

Já o Candomblé é uma religião baseada nas crenças que os africanos troux-eram de suas terras natais. Ela reproduz vários aspectos do modo de vida do povo africano: organização política, social e familiar dos reinos africanos; a visão ecológica; medicina; organização geográfica das aldeias; culto dos ancestrais e reverência aos mais velhos; e à arte.

O lugar onde os praticantes das Religiões Afro-brasileiras se reúnem para cele- bração do culto é denominado de Terreiro. Nele, são realizados os ritos do culto a divindades da África, trazidas com os africanos escravizados, que preservaram na memória sua cultura, seus costumes e suas crenças. Assim como os Faraós no Egito, essas divindades eram reis cultuados como deuses, e toda a sorte da popu-lação, seja na colheita, no comércio, na guerra ou nos fenômenos das estações do ano, era atribuída às suas influências sobre a natureza.

São religiões não apostólicas, não de pregação ou de discursos, mas de fala ao pé do ouvido, da oralidade não de livros

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Cultuam entidades sobrenatu-rais, consideradas semelhantes aos santos católicos, denominados de ca-boclos, encantados, orixás ou voduns.

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Rua Portugal em 1900

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